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60 ANOS
CELEBRANDO
A CARNE
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60 ANOS
CELEBRANDO
A CARNE Por Miguel Icassatti
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Sumário Um lugar, muitas histórias.............................................4 Chefs e receitas.............................................................16 Seis décadas de um clássico que se renova..................66 60 anos em 4 fachadas.............................................. 135 De pai pra filha desde 1958...................................... 140
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Um lugar, muitas histĂłrias Por Silvia Macedo Levorin e Thomaz Souto CorrĂŞa
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Minha história com o Rodeio
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ocê não vai trabalhar?”, perguntou minha mãe. Eu estava no último ano da faculdade de Artes Plásticas, procurando estágio, mas ela tinha outros planos para o meu futuro. “Por que você não vai ajudar seu pai? Ele está muito sozinho no Rodeio. Se você gostar, ótimo! Se não, pelo menos terá ajudado nessa fase”. Para mim, foi uma surpresa essa conversa, principalmente porque meu pai nunca forçou nenhum dos filhos a trabalhar com ele. Queria que cada um seguisse a própria opção. “O que você está fazendo aqui?”, perguntou ele. “Vim trabalhar”, respondi. Como não entendia do negócio, ficava do lado, vendo ele trabalhar. Aos poucos, fui aprendendo. Um dia perguntei: “posso fazer?”. E fiz, direitinho, como ele fazia. Apesar da rejeição inicial dele, fui ganhando confiança até que, menos de um ano depois, ele viajou com minha mãe. Ficou um mês fora, coisa que nunca havia feito antes.
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E cá estou no Rodeio, desde fevereiro de 1986. No início, contra a vontade de meu pai mas, depois – graças à generosidade dele –, vendo o reconhecimento do meu trabalho por parte dele e compartilhando o poder, como ele fez depois com meus irmãos. Hoje, divido a gestão da empresa com minha irmã Sandra, que é responsável pela área financeira. Passei pela minha primeira grande turbulência com a saída do maître Ramon em 1987. Ele era a própria imagem do Rodeio. Mas os maîtres e garçons treinados por ele também representavam o atendimento personalizado do qual sempre nos orgulhamos. E foi assim que superamos a ausência dele. Mas esse não foi o único percalço. Tivemos Plano Cruzado, congelamento de preços e seis planos econômicos até 1994, quando finalmente chegou o Plano Real. Meu pai dizia que eu havia me tornado doutora em plano econômico. Eu sempre pensei em ter o Chagas, um dia, como primeiro maître do Rodeio. Só que, logo após a saída do Ramon, o Chagas pediu demissão, pois queria aprender a trabalhar com frutos do mar. Fiquei chateada, mas respeitei a decisão. Até que em 1991 – eu, mais pronta na minha posição; e ele, também na dele – fui buscá-lo de volta. Hoje, nós formamos
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uma parceria que reúne muito respeito, lealdade e admiração mútua. Trabalho em equipe, aliás, tem sido a maior característica da minha vida profissional. Pessoas comprometidas, com quem tenho prazer em trabalhar e crescer junto. O Rodeio é uma grande família. Existe uma relação afetiva, mas muito profissionalismo também. A existência de um plano de carreira oferece oportunidades para cada colaborador fazer o seu caminho. Uma ferramenta de gestão importante foi a certificação no sistema de qualidade ISO 9001, que ajudou na profissionalização e na padronização dos processos e dos planos de carreira. Nossa evolução sempre se deu respeitando a tradição do Rodeio, dentro do conceito do clássico que se renova. A primeira reforma foi em 1992, feita com muito cuidado para não descaracterizar o ambiente e romper com nossa história. A seguinte aconteceu em 2003, e a última foi de 2013 a 2016. Como vínhamos ampliando a área desde a década de 1970, o Rodeio era uma colcha de retalhos. Na reforma mais recente, nós otimizamos a área operacional e modernizamos nossas instalações. Em 2007 o Shopping Iguatemi nos convidou para abrir nossa primeira filial. O projeto seria feito por Isay Weinfeld, um antigo sonho meu, que se
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realizava! Quase quatro anos depois, em maio de 2011, inauguramos o Rodeio Iguatemi, uma realização muito importante para o grupo, porque descobrimos que éramos capazes de implantar uma nova operação sem apoio externo. A inauguração foi uma operação muito bem orquestrada. O Chagas dizia sempre: “Quando a gente colocar a escola de samba na avenida, não se preocupe que entraremos no ritmo”. O que me dava mais prazer era ouvir dos clientes que a nova casa era exatamente igual à matriz, mesmo com um projeto tão diferente. Mas havia o mesmo cardápio, o mesmo atendimento, o Chagas à frente da equipe, vários colaboradores antigos multiplicando nossos valores com os recémchegados. A experiência bem-sucedida do Iguatemi também nos ajudou a aprimorar a matriz. Gosto muito de repetir o que meu pai dizia quando era apresentado como dono do Rodeio: “Não sou o dono, só trabalho aqui. O dono de verdade é o cliente”. Neste ano de 2018, quando comemoramos 60 anos, penso no nosso plano de carreira, o meu inclusive, como nossa essência. Quando comecei, a empresa já estava estabelecida, já tinha sucesso. Preciso entregar à próxima geração uma empresa ainda mais forte. Nosso foco é nos perpetuarmos. Nossa vida vai acabar, mas o Rodeio deve continuar.
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Como parte das comemorações dos 60 anos do restaurante, criamos uma campanha no Instagram chamada “Minha história com o Rodeio”, na qual clientes fazem depoimentos emocionantes sobre sua relação afetiva com nossa casa e mostram que estamos no caminho certo. Além disso, convidamos sete profissionais da gastronomia de São Paulo a criar um prato autoral para um menu comemorativo, que ficará durante um ano nos nossos cardápios. Os chefs que aceitaram nosso convite, todos clientes do Rodeio, foram Janaina Rueda, Jefferson Rueda, Laurent Suaudeau, Luca Gozzani, Mazzô França Pinto, Tsuyoshi Murakami e o chocolatier Stefan Behar. Assim proporcionamos uma nova experiência gastronômica aos nossos clientes; aos nossos colaboradores, a oportunidade de conhecer grandes nomes da culinária brasileira. E nós contribuímos para a causa da moradia, fundamental para o país, destinando 100% da renda dos pratos para a ONG Teto Brasil. Quando me perguntam qual o segredo da longevidade do Rodeio, digo que somos uma empresa com alma, que respeita parceiros e concorrentes, com uma equipe que tem prazer em trabalhar, comprometida com o mesmo objetivo: a satisfação dos nossos clientes. Outro segredo é o amor que temos
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por esta empresa, dos colaboradores aos clientes, que são os responsáveis pela sua existência e, logo, por sua longevidade. Quanto ouvi pela primeira vez a expressão amor fati, que significa amor ao destino, me identifiquei completamente. Nada disso que eu contei foi planejado ou almejado por mim, mas eu amo profundamente cada parte desta história. Silvia Macedo Levorin
Agora, a minha
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Rodeio faz 60 anos, eu fiz 80. Dos meus 80, eu conheço o Rodeio há uns 50, o que faz de mim se não o mais, pelo menos um dos mais antigos frequentadores da churrascaria da rua Haddock Lobo. Jovem jornalista, editor de revista, boêmio, um dos meus prazeres naquela São Paulo dos anos 60 era descobrir lugares novos para expandir a festa. A cidade era duas. A da boemia se espalhava pelas laterais da rua São Luiz, que ainda não era avenida mas que era chique como um boulevard parisiense.
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A da sofisticação descia pela rua Augusta depois da Paulista, até a rua Estados Unidos. Galerias de arte, de antiguidades, de decoração; lojas de roupas exclusivas, de discos recém-lançados nos Estados Unidos; casas de chá, duas lanchonetes (uma delas, a primeira a vender hot-dog com batata frita, como os americanos faziam, uma novidade!); dois cinemas de rua... Mas a rua Augusta não tinha restaurante. Até que um dia apareceu a notícia de que tinham aberto um restaurante na Haddock Lobo. Restaurante, não: churrascaria. E se chamava Rodeio. Minhas primeiras lembranças do Rodeio são de um espaço apertado, garçons e decoração a caráter: o Cecílio vestido como um gaúcho, bota curta, calça bombacha e lenço vermelho no pescoço; na entrada, tinha um pedaço de carro de boi pendurado no teto. E quem recebia era um senhor de smoking, cabelos grisalhos, sotaque espanhol, muito educado, muito gentil, que parecia dominar o ambiente com tranquilidade e elegância. Esse personagem foi responsável pelo fato de que, a partir daquele momento, eu e um grupo de amigos fizéssemos do Rodeio o nosso porto predileto. Ramon tinha habilidade rara para tratar com pessoas. Sabia fazer o cliente se sentir bem servido; sabia treinar o garçom para fazer o cliente se sentir
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bem servido. Formou maîtres para o Rodeio e para a concorrência. Essa escola, esse jeito de ser, esse diferencial, logo entendido pela Silvia e hoje encarnado no Chaguinhas, fez e faz do Rodeio o sucesso permanente. A gente gostava de ir ao Rodeio. Almoçar e jantar no Rodeio no mesmo dia era normal. Chegar sábado ou domingo para almoçar e sair depois do jantar acontecia mais de uma vez por mês. Saber que amigas e amigos estariam lá era natural. Onde mais poderiam estar? Quem vinha do Rio, onde ia encontrar a gente? Aos poucos, todo mundo se encontrava no Rodeio: os jornalistas, os artistas, os publicitários, os políticos, os escritores, os empresários, as moças bonitas, os fotógrafos, os executivos, os curiosos, os viajantes. A gente pedia contrafilé mal passado. Era o que mais se aproximava do “sirloin steak” das “steak houses” de Nova York, então era chique à beça. Quando passava um americano pela cidade, o contrafilé do Rodeio era troféu obrigatório. E os gringos gostavam. Até o surgimento da controvertida picanha fatiada. Um dia nós chegamos ao Rodeio e vimos espalhados pelo salão uns braseirinhos soltando fumaça. Neles, fatias finas de picanha eram terminadas na presença dos estupefatos clientes.
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Ficavam uma delícia, mas bastava a pessoa sair na rua para todo mundo saber que tinha almoçado no Rodeio. O cheiro era inconfundível. Até que exaustores resolveram o problema e a picanha fatiada é até hoje um dos grandes sucessos do cardápio (não para mim, que só como costela, com casca e gordura, e assado de tira). O Rodeio também me proporcionou duas invenções gastronômicas, uma desvirtuada pela fama, e espero que continue assim, porque não tem nada a ver com a invenção original; e a segunda, sofrendo uma campanha de apropriação indevida pelo mestre Chagas, mas já estou tomando providências a respeito. Chego uma noite ao Rodeio e o jornalista Tarso de Castro tinha pedido arroz com ovo frito. Eu havia jantado na noite anterior no Antiquarius, onde degustara uma boa combinação de bacalhau desfiado, ovo mexido e batata palha. E disse então ao Cecílio, que preparava o prato do Tarso: acrescenta batata palha. Nascia ali o arroz Thomaz Souto Corrêa, que eu nunca deixei que se chamasse assim, mas que o próprio Cecílio, corintiano, olhou e disse: parece o cabelo do Biro-Biro. Pronto. Estava batizada a iguaria que se transformaria nos piores remexidos que eu vejo em churrascarias por esse Brasil afora. Pobre do meu arroz, pobre do Biro-Biro.
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A segunda invenção nasceu no Rodeio Iguatemi e é também uma receita muito simples. Trata-se de uma farofa de ovo, que leva muito mais ovo do que farinha. Fica realmente muito encorpada, levando um amigo a achar que se tratava de uma omelete, mas não: é uma farofa de ovo. Mestre Chagas, presente ao nascimento da obra, quis incorporar-se ao invento, sugerindo – valha-me ó deus das farinhas! – incorporar alho frito. Não, assim é demais. Ele que invente lá a farofa dele. Ao rememorar esses meus cinquenta anos de Rodeio, percebo que passei uma boa parte da vida dentro daqueles salões. Revejo rostos sorridentes, ouço risadas gostosas, recordo amigas e amigos, muitos ainda aqui, tantos não mais. São lembranças gostosas, de um lugar que, para mim, já deixou de ser um restaurante. Como chama mesmo, quando se torna parte da nossa vida? Thomaz Souto Corrêa
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Chefs e receitas Por Janaina Rueda, Mazzô França Pinto, Jefferson Rueda, Laurent Suaudeau, Luca Gozzani, Tsuyoshi Murakami e Stefan Behar
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eja para os paulistanos Janaina e Stefan, seja para os forasteiros Mazzô, Jeffinho, Laurent, Luca e Murakami, o Rodeio é uma inegável referência gastronômica e afetiva. A seguir, conheça um pouco mais de cada um deles e acompanhe a receita que estes brilhantes profissionais da cozinha de São Paulo criaram para o cardápio especial dos 60 anos do Rodeio.
A CHEF
Janaina Rueda
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uito antes de se tornar uma das mais celebradas chefs e restauratrices de São Paulo, Janaina Rueda foi uma dedicada aluna da companhia de balé Stagium. Na época, meados de 1984, 1985, ela aguardava ansiosamente pelas segundas-feiras, e por uma razão muito especial: era o único dia da semana em que jantaria na companhia da mãe, então funcionária da boate Gallery, casa noturna que fez história na noite paulistana, encravada na esquina das ruas Haddock Lobo e Sarandi. E aqueles inesquecíveis momentos de cumplicidade mãe-e-filha aconteciam no Rodeio.
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É ela quem fala daqueles tempos, nostálgica: “Eu e minha mãe chegávamos por volta das 6 e meia da tarde, 7 da noite. Como eu não tinha muita oportunidade de jantar com ela, porque ela trabalhava no período da noite, naquelas segundas-feiras eu tinha minha mãe só pra mim, no Rodeio. Ela jantava comigo, me punha num táxi, eu ia pra casa e minha mãe, pro Gallery”. A quem ainda não estiver ligando o nome à pessoa, vai a informação: Janaina Rueda é simplesmente a Dona Onça, cozinheira e empresária que está à frente do Bar da Dona Onça, aberto há exatos dez anos no térreo do histórico Edifício Copan, projetado por Oscar Niemeyer no centro de São Paulo. Ao lado do marido, o chef Jefferson Rueda, e de outros sócios, ela comanda também A Casa do Porco, a lanchonete Hot Pork e a recém-inaugurada Sorveteria do Centro. Desde 2015, Janaina Rueda vem se dedicando também a duas causas sociais: ela ministra aulas de culinária a menores infratores da Fundação Casa de Itaquaquecetuba e há dois anos vem ensinando centenas de merendeiras profissionais da rede estadual de educação em São Paulo a melhorar a qualidade da alimentação servida aos alunos das escolas públicas. Uma iniciativa exemplar. Voltando três décadas no tempo, Janaina Rueda se recorda que, à mesa do Rodeio, a mãe comentava
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das celebridades que, pouco a pouco, iam adentrando o salão: o bailarino letão Mikhail Baryshnikov; o casal Pelé e Xuxa; o compositor Peninha; o estilista Dener, que fazia os uniformes do Gallery. “Minha mãe sempre o cumprimentava”, diz Janaina. E tinha mais gente: o saudoso restaurateur Giovanni Bruno, o empresário José Victor Oliva (dono do Gallery), o arquiteto Ugo di Pace, o artista plástico e escultor Ivald Granato, o empresário da noite Ricardo Amaral, entre tantos outros. “Acho que a convivência com essas pessoas me fez querer entrar na cozinha e ter bar e restaurantes. O Rodeio foi sempre o queridinho da minha mãe”.
O Rodeio sempre será uma inspiração pra mim, por manter os garçons antigos, o serviço à francesa, coisas que não existem mais. O Rodeio é um patrimônio
Não é exagero dizer que permanece sendo um dos prediletos de Janaina. Afinal, foi ela quem apresentou
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o restaurante ao marido e aos dois filhos. Certa vez, ela estava com Jefferson em algum lugar que servia arroz biro-biro. Foi quando contou a ele que era uma clássica receita paulistana e que havia sido criada no Rodeio, pelo jornalista Thomaz Souto Corrêa, um dos mais fieis clientes da casa. Por falar em clássico, a Dona Onça não dispensa o ritual: seus almoços no Rodeio começam com o croquetinho – “aquelas bolinhas... eu como uma atrás da outra!” –, o pão de queijo, o pastel, a salada, a picanha fatiada. “Eu sou muito fiel a pratos, por isso como sempre a picanha”, confessa Janaina. “O Rodeio sempre será uma inspiração pra mim, por manter os garçons antigos, o serviço à francesa, coisas que não existem mais. O Rodeio é um patrimônio”. Para o menu comemorativo dos 60 anos do Rodeio, Janaina Rueda aposta em uma das suas especialidades – os saborosos e caudalosos arrozes. “Eu quis trazer um prato democrático, que oferecesse outro nicho de mercado para o Rodeio: um arroz vegetariano”. Assim surgiu a receita do “Arroz Se Eu Fosse Vegetariano Eu Te Comeria”. Segundo a chef, a base é o arroz agulhinha, “tipicamente do Brasil”, refogado com alho, cebola, caldo de legumes, cogumelos e muitos legumes: quiabo, tomate, opções da estação. Um prato, segundo ela, com várias texturas. “Vai ter muito carnívoro querendo provar”.
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A RECEITA
Arroz Se Eu Fosse Vegetariano Rendimento: 4 porções
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A CHEF
Mazzô França Pinto
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e existe alguém em toda a cidade de São Paulo que pode falar com propriedade a respeito de um bom pão de queijo, esta pessoa é Maria Mazzarello Lanna França Pinto, a Mazzô. Nascida na cidade de Ponte Nova e criada em Belo Horizonte, Mazzô deixou Minas Gerais em 1971, mas seu estado natal nunca saiu de seu coração. Como ocorre em muitas famílias locais, o talento para a cozinha está no sangue: a mãe de Mazzô é culinarista e o irmão, Cantídio Lanna, comanda um excelente bufê em Beagá. E as raízes mineiras estão presentes nas mais requintadas receitas que Mazzô França Pinto serve nos jantares e almoços que prepara – para no máximo 200 sortudos comensais – e que levam a marca de seu bufê Cozinha da Mazzô. As celebridades que estiveram presentes, por exemplo, naquele chiquérrimo jantar de lançamento da primeira loja carioca da grife Hermès em 2016 – com direito a canja de Caetano Veloso – haverão de
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se lembrar da terrine de foie gras com ovas de salmão, da lagosta brilhantemente escoltada por um purê de abóbora ou do bolo fita de coco, um clássico by Mazzô. Em outra ocasião, Bill Clinton, homenageado em um banquete preparado por Mazzô, comeu quase nada – estava se recuperando de uma cirurgia cardíaca. Não sabe o que perdeu. Já o papa Bento XVI por pouco não resistiu ao pecado da gula durante a visita ao Brasil em 2007: foi Mazzô quem preparou todas as refeições do sumo pontífice e de sua comitiva, nos três dias em que estiveram em São Paulo, hospedados no Mosteiro de São Bento. Ao final da estadia, Bento XVI fez questão de cumprimentar Mazzô, bem como a toda a equipe da cozinha, e contou que a mãe havia sido cozinheira profissional na Alemanha. “Ele gostou muito do nhoque de mandioquinha com manteiga de sálvia”, lembra a cozinheira. Hoje é outro Bento, o netinho de Mazzô, quem se esbalda com o biscoito de polvilho feito pela vovó. Mas, voltando ao pão de queijo, há quem diga que os melhores de São Paulo estão nas churrascarias. Mazzô é direta: “O pão de queijo do Rodeio é maravilhoso, a estrela do couvert”, garante. Boas lembranças à mesa do Rodeio, aliás, não lhe faltam, assim como o testemunho do surgimento de algumas
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receitas icônicas da casa, como a farofa e o arroz Rodeio – originalmente conhecido como arroz birobiro, uma criação do amigo Thomaz Souto Corrêa. “Quando cheguei a São Paulo, o Rodeio já era uma referência gastronômica no preparo das carnes. Eu sempre gostei da costela da casa”.
Quando cheguei a São Paulo, o Rodeio já era uma referência gastronômica no preparo das carnes
Não por acaso, Mazzô buscou unir estes dois elementos ao criar o seu prato para o cardápio comemorativo dos 60 anos do Rodeio: o tempero mineiro e a costela, um dos cortes prediletos do amigo Thomaz, com quem assinou, em dezembro de 2008, o livro “A Cozinheira e o Guloso – Conversas de Comer e Receitas de Fazer”. Assim, ela apresenta os tournedos de costela com purê de mandioca rústico e ora-pro-nóbis. “É uma releitura da clássica vaca atolada”, explica Mazzô. Essa costela vai ao forno por 6 horas, temperada
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apenas com sal e pimenta. Ao fim dessa etapa, os ossos são retirados e a carne é remontada no formato do tournedos. A mandioca, por sua vez, dá forma, depois de cozida, a um purê rústico. E o toque final é dado pela ora-pro-nóbis refogada. Essa é uma hortaliça simples, muito encontrada em Minas Gerais, e que lá costuma acompanhar diferentes tipos de carne – a cidade histórica de Sabará, por exemplo, organiza uma popularíssima festa gastronômica anual dedicada ao frango com o ora-pro-nóbis. “A folha dessa verdura lembra a da taioba, tem um pouco de viço e é superversátil”, diz Mazzô, com a propriedade de quem não dispensa o contato direto com as panelas e os ingredientes. Por essa razão, ela se define, sim, como cozinheira e não como chef. E quando o assunto é carne, Mazzô faz uma confissão: em vez de preparar, ela prefere mesmo é comer um bom churrasco. E justifica a preferência: “diferentemente do que muita gente pensa, um churrasco dá muito trabalho. Temperar a carne, cuidar do fogo, acertar o ponto, servir naquele minuto. Não é uma coisa simples”. Por isso, ela exalta o ritual com que o Rodeio trata a carne. E conclui: “os acompanhamentos dispostos à mesa, a grelha por perto, a maneira com que o garçom finaliza o serviço. Tudo isso faz do churrasco um evento.”
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A RECEITA
Tournedos de costela com purê de mandioca rústica e ora-pro-nóbis Rendimento: 1 porção
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O CHEF
Jefferson Rueda
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m dos chefs mais celebrados da gastronomia brasileira na atualidade, Jefferson Rueda é daquelas almas aventureiras que sempre mantêm o pé na estrada. Nasceu em São José do Rio Pardo, cidade que fica no trajeto para Mococa, região nordeste do estado de São Paulo. É terra na qual reina o sotaque típico do interiorrrrr paulista e onde, ainda adolescente, Jeffinho, como é chamado pelos amigos, trabalhou como açougueiro e aprendeu a destrinchar bois e porcos. Deixou a roça para formar-se chef internacional aos 17 anos no Senac Águas de São Pedro e seguiu o caminho com destino a São Paulo, onde trabalhou em alguns dos principais restaurantes da cidade. Seu primeiro mestre na capital foi o francês Laurent Suaudeau, que certamente teve papel decisivo na participação de Rueda no concurso Bocuse D’Or, na cidade de Lion, na França, em 2003. No retorno ao Brasil, inaugurou o Madeleine, na Vila Madalena,
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trabalhou no Parigi, do grupo Fasano, e inaugurou o Pomodori, onde ficou até 2011, quando seguiu para o Attimo, para conquistar uma estrela na primeira edição brasileira do Guia Michelin em 2015. Nesse meio tempo, Jefferson Rueda já fazia suas primeiras incursões profissionais em direção ao centro da cidade, onde mora, aliás: em 2008, abriu o Bar da Dona Onça, casa hoje comandada pela esposa e chef Janaina Rueda, e da qual ele mantém-se como consultor. Passou uma temporada de seis meses na Europa, onde reencontrou-se com os tempos de açougueiro em São José do Rio Pardo: estagiou em dois pequenos produtores de embutidos na Espanha, não sem antes ter tido experiências profissionais nos premiados restaurantes El Celler Can Roca, Can Fabes e Santi Santamaria. Em 2015, fincou os dois pés no centro paulistano e criou a sua obra-prima: A Casa do Porco Bar, restaurante-açougue-bar dedicado à carne de porco. De sanduíche de pernil ao Porco San Zé – assado inteiro por 7 horas e servido com tutu de feijão, tartare de banana e couve –, aquela esquina das ruas Araújo e General Jardim é um templo que vive lotado, no almoço e no jantar, de devotos da carne suína. Muito próximo dali, abriu em 2017 o Hot Pork, lanchonete em que serve a sua versão para o cachorro-
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quente, feito com salsicha 100% de carne de porco, e tornou-se sócio da confeiteira Saiko Izawa na Sorveteria do Centro.
Pra mim, a picanha fatiada marca o Rodeio. Se alguém me faz o convite e diz ‘Vamos ao Rodeio?’, eu já entendo: ‘vamos comer uma picanha fatiada no Rodeio?’
E para a comemoração dos 60 anos do Rodeio, o que Jeffinho terá criado? “Um prato de porco, lógico”, responde. Mais do que isso, ele faz um releitura do maior clássico da casa, a picanha fatiada. Por isso, decidiu-se por uma picanha de porco marinada. “Pra mim, a picanha fatiada marca o Rodeio. Se alguém me faz o convite e diz ‘Vamos ao Rodeio?’, eu já entendo: ‘vamos comer uma picanha fatiada no Rodeio?’. É um prato que está na memória afetiva das pessoas”. A carne será selada na churrasqueira e fatiada na hora, pelo garçom, e oferecida aos poucos, no ritmo do cliente. De guarnição, a farofa de ovo terá a companhia
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da batatinha souflê e de um molho reduzido feito com costela e cabeça de porco assada. “Vai ser uma festa, né?”, prevê Rueda, que atribui à mulher, Janaina, o fato de ter sido apresentado ao Rodeio, onde, ele garante, sempre sente-se aconchegado. “Por mais que eu goste de coisas modernas, não dispenso essas tradições, como a do garçom saber o nome do cliente, que retribui com a fidelidade aos funcionários de cada praça. A gente não pode perder esse ritual, essa conversa em torno da mesa. Não é à toa que o Rodeio está com a porta aberta, faça chuva ou sol, há 60 anos. Quem vem a um clássico da cidade de São Paulo tem de ter isso em mente”, diz.
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A RECEITA
Picanha fatiada de porco com batata souflê e farofa “Thomaz Souto Corrêa” Rendimento: 4 porções
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O CHEF
Laurent Suaudeau
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ão 60 anos! 60 anos...” Após arregalar os olhos, admirado, e imediatamente suspirar, como que satisfeito, o chef Laurent Suaudeau acrescenta o que ainda lhe resta do sotaque francês ao descrever a receita que criou para o menu especial do sexagésimo aniversário do Rodeio. “Humildemente, vou preparar algo simples, sutil, leve e saboroso, que se identifique com o meu trabalho e com essa data marcante na gastronomia brasileira e paulistana”. Foi assim que chegou ao filé-mignon com purê de favas verdes e nhoque de abóbora ao molho rôti. Admirador da carne-de-sol e da carne seca, Laurent Suaudeau reproduz para o Rodeio esse brasileiríssimo modo de preparo. O filé-mignon fica maturando no sal grosso por 24 horas, período em que vai desidratando e adquirindo um tom um pouco mais amarronzado, para depois ir à defumação por cerca de 2 horas. “O filé fica com um gosto defumado e uma textura parecida com a da carne seca”, diz o cozinheiro. Em
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seguida, a carne é refogada numa manteiga temperada e finalmente recebe no prato a companhia do purê de favas verdes e do nhoque de abóbora, guarnição que, para ele, é um piscar de olhos para a notável influência italiana na gastronomia de São Paulo. Aos 61 anos, Laurent frisa que o Brasil “é um país de favas, de feijões”, razão pela qual optou por criar um acompanhamento que fugisse da obviedade, por exemplo, das batatas. Nesse momento, certamente o chef se lembrou dos 50 a 60 quilos do tubérculo que tinha de descascar todas as manhãs, aos 13 anos de idade, durante as férias que passava no restaurante da Tia Raymonde. Ele deve ter pensado: “Oh, oh, os clientes do Rodeio merecem algo diferente. Vamos dar um jeitinho”. Mais brasileiro do que francês – afinal, foi aqui que conheceu a piauiense Sissi, com que teve dois filhos –, Laurent chegou, então, ao purê de favas verdes, que na sua avaliação deveriam ser muito mais utilizadas na gastronomia brasileira. “Elas dão ao prato uma bela cor verde, que simboliza o frescor”, diz. De fato, ao longo dos 38 anos de carreira e de vida no Brasil, desde que aqui chegou em 1980, aos 23 anos, por indicação direta do mestre Paul Bocuse para chefiar o Saint Honoré no Hotel Méridien, no Rio de Janeiro, o cozinheiro nascido na cidade de Cholet, ao sul do Vale do Loire, foi pioneiro ao criar uma
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indelével marca profissional em que junta as técnicas da cozinha clássica francesa com a identidade, os sabores e a diversidade dos produtos brasileiros. Em 1986, ainda no Rio, fundou seu próprio restaurante, que trouxe para a Alameda Jaú, em 1991, quando mudou-se para a capital paulista. Laurent fundou em 1994 a ABAGA (Associação Brasileira de Alta Gastronomia), que presidiu por quatro anos, e em 2007 abriu o espaço Laurent e a Escola das Artes Culinárias Laurent para a formação de cozinheiros. Para se ter uma ideia, foram seus alunos Jefferson Rueda (A Casa do Porco) e Rodrigo Oliveira (Mocotó), dois dos mais brilhantes chefs da atualidade. No Brasil, Laurent Suaudeau fez também muitos amigos. Um deles, o publicitário Washington Olivetto foi quem lhe apresentou o restaurateur Roberto Macedo, a quem chegou a receber no Saint Honoré. “Roberto gostava de comer bem, era uma pessoa extremamente visionária, sem dúvida”, relembra o francês a respeito do homem que esteve à frente do Rodeio por 53 anos. Quem pegou também a ponteaérea Jardins-Copacabana certa vez foi o saudoso maître Ramon. Logo que desembarcou em São Paulo, Laurent foi prontamente conduzido ao Rodeio por Washington Olivetto – “ele come de tudo!”. Desde aquele début,
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27 anos atrás, Laurent se sentiu em casa, ou melhor, bastava que caminhasse os quatro quarteirões da Haddock Lobo entre os dois restaurantes para vestirse com a pele de um paulistano da gema e desfrutar do que, para ele, é um símbolo do Rodeio: a qualidade do serviço. Nas palavras de Laurent: “eu tive a felicidade de conhecer o Brasil com os pilares da formação das grandes escolas de serviço no país.
O que define um grande restaurante não é só o produto. É a prestação de serviços oferecida. E o Rodeio tem uma das melhores
O serviço do Rodeio como um todo, a forma como a picanha vem cortada na mesa, isso me agrada bastante. Conduziu uma evolução. O Rodeio se diferencia por manter essa relação com o cliente, que eu acredito profundamente. O que define um grande restaurante não é só o produto. É a prestação de serviços oferecida. E o Rodeio tem uma das melhores.”
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A RECEITA
Filé defumado com nhoque de abóbora e creme de favas verdes Rendimento: 4 porções
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O CHEF
Luca Gozzani
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a linda Toscana, região italiana onde nasceu o chef Luca Gozzani, come-se carne de javali, de porco, de cordeiro, de boi, de cavalo, de pescados e de frutos do mar, além das de aves e de animais provenientes de caça. É a terra, não custa lembrar, da mítica bisteca alla fiorentina. “A gastronomia toscana passeia entre o mar e a terra”, diz Gozzani. “Não temos esse costume de comer carne na grelha tanto quanto no Brasil”. Desafiando essa “falta de costume”, o chef do restaurante Fasano criou para o menu de 60 anos do Rodeio uma sutil e elegante interpretação do que seria um churrasco à italiana: um carré de cordeiro em crosta de nozes e hortelã com repolho roxo estufado. “Procurei colocar minha origem nesse prato, uma fusion entre Brasil e Itália, em que mesclei um pouco das técnicas com as quais venho trabalhando ao longo da minha carreira”. Para criar este prato, Luca Gozzani levou em conta também a história do Rodeio e a do Fasano, dois
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lugares em que as famílias se reúnem para almoçar e jantar, e que têm uma filosofia parecida pela busca do produto e da qualidade do que oferece. O cordeiro, define Luca, é uma carne bem delicada. Por isso, optou por acompanhamentos que combinam doçura e acidez. “A crosta com manteiga de nozes derrete ao ser gratinada, sem deixar de ser crocante. E o hortelã, que sempre fica bom com o cordeiro, destaca a maciez da carne”, diz. Luca Gozzani nasceu na cidade de Empoli e começou a cozinhar inspirado pela avó paterna, Domenica, que foi cozinheira de um pequeno hotel na região. Dos 14 para os 15 anos, foi matriculado pelos pais no curso de culinária do Istituto Professionale Alberghiero Di Stato Bernardo Buontalenti. Nessa escola, estudou não apenas gastronomia, mas também administração hoteleira. Depois de formado, logo fez parte da equipe da Antica Osteria del Teatro, casa localizada em Piacenza. Dali seguiu à Enoteca Pinchiorri, em Florença, e depois ao Don Alfonso, em Sorrento – ambos cotados com três estrelas Michelin. De regresso à Enoteca Pinchiorri, já na função de subchef, Luca conheceu o restaurateur Rogério Fasano, que estava em busca de um chef para trabalhar primeiramente na abertura do Fasano Al Mare, casa especializada em frutos do mar que seria inaugurada
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em 2007 nas dependências do hotel Fasano, de frente para a praia do Arpoador, no Rio de Janeiro.
Lembro-me que depois de uma semana no Brasil fui conhecer o Rodeio. Gostei do jeito que a carne é feita, do sabor e da maciez
Devidamente tropicalizado, o chef Luca Gozzani assumiu em 2012 a responsabilidade pela direção gastronômica de todas as casas do grupo, entre as quais o Gero, o Parigi e o Fasano, que desde 1982 faz companhia ao Rodeio nos Jardins. “Lembro-me que depois de uma semana no Brasil fui conhecer o Rodeio. Gostei do jeito que a carne é feita, do sabor e da maciez”, descreve Luca. “E daquele couvert, com a mussarela, o tomate... Os produtos estão ali, inteiros, de qualidade, não são processados. Misturar um com o outro, isso é que é bacana”. Observador de outros aspectos que compõem um restaurante, para além da cozinha, Gozzani lembra que uma qualidade fundamental do serviço de uma
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casa é a discrição. “O Rodeio tem um serviço elegante, o garçom sabe a hora de abordar o cliente”, conta ele, que teve a oportunidade também de compartilhar pessoalmente sua experiência com a brigada do Rodeio, ao ensinar aos cozinheiros a receita do carré de cordeiro. É o próprio Luca quem descreve: “a troca que tivemos foi uma troca entre camaradas. Percebi muita receptividade e muita vontade de ver esse novo prato. Foi bem bonito”.
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A RECEITA
Carré de cordeiro em crosta de nozes e hortelã com repolho roxo estufado e uvas passas brancas Rendimento: 1 porção
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O CHEF
Tsuyoshi Murakami
O
que dá sabor à carne, os grandes chefs churrasqueiros falam isto, é a combinação entre a gordura e o sangue. E ver o sangue me excita, é uma coisa viva, fresca – imagina se eu tivesse nascido um vampiro?”. Antes que o incauto leitor, em especial aquele que prefere a carne ao ponto ou bem passada, se assuste, cabe esclarecer que o autor das palavras iniciais deste texto não é nenhum conde nascido na Transilvânia. Ok, o chef Tsuyoshi Murakami vem de longe, do Japão, e está mais para um moderno samurai da gastronomia do que de um admirador, digamos, da carne de pescoço. Irreverente na personalidade, e dono de um improvável e bem-humorado sotaque carioca, este cozinheiro e sushiman reside no Brasil desde os 3 anos de idade. Viveu primeiro no Rio de Janeiro e mudou-se para São Paulo em meados de 1993, 1994 – ele não se lembra muito bem – para assumir o balcão do restaurante Kinoshita, na Rua do Glória, em pleno
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bairro da Liberdade. “Logo fui conhecer o Rodeio. Eu comia a picanha mas, hoje, tenho preferido o assado de tira”, diz Murakami. Nessa época, o pequeno restaurante já era um reduto dos foodies paulistanos. Havia sido aberto em 1978, na Rua Tomás Gonzaga, também na Liberdade, por Toshio Kinoshita, um cozinheiro nascido em Hokaido e que havia desembarcado no Brasil no início dos anos 1960. Toshio San, que fazia um impecável karê (o rico caldo de especiarias e legumes triturados, derivado do curry indiano) acabaria por contratar Murakami e, posteriormente, por conceder-lhe a mão da filha, Suzana. Ganharia um genro e um discípulo, que àquela altura já havia percorrido o mundo e atuado em estabelecimentos como o Ozushi, de Tóquio; o Shabu Shabu, de Nova York; e o Kiyokata, de Barcelona. Nessa trajetória, Murakami foi aperfeiçoando o que viria a se tornar uma inigualável precisão e delicadeza na execução de pratos da cozinha oriental. Adepto da chamada Kappo Cuisine, uma vertente da gastronomia japonesa que preconiza a supremacia do sabor natural dos ingredientes em relação a qualquer intervenção – o que, por consequência, exige do cozinheiro uma técnica superlativa –, Murakami advoga o máximo respeito pelos ingredientes.
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Memorável era o toro (pronuncia-se torô), a rara barriga de atum, que servia no Kinoshita, desde os tempos da Liberdade. Em 2007, o Kinoshita passaria a viver uma nova e esplendorosa fase, ao ganhar como sócio o restaurateur Marcelo Fernandes, que havia aberto o D.O.M. juntamente com Alex Atala. Veio a mudança de endereço para a Vila Nova Conceição, em um imóvel cujo projeto foi assinado pelo arquiteto Naoki Otake (Attimo, Nakka, entre outros restaurantes). A autonomia de Tsuyoshi Murakami na cozinha permaneceria intocada. A parceria, desfeita em 2017, rendeu frutos, muitos deles: Murakami foi eleito diversas vezes o chef do ano por publicações como Gula, Folha de S. Paulo e Vejinha, assim como o Kinoshita ganhou menções nas mesmas publicações como o melhor japonês de São Paulo. Em 2015 e 2016, nos dois primeiros anos de publicação do Guia Michelin no Brasil, respectivamente conquistou e manteve a cobiçada estrela. A devoção de Murakami à qualidade do produto se revela na receita elaborada por ele para as celebrações de 60 anos do Rodeio. Ao clássico assado de tira de 350 gramas, o chef adicionou o missô japonês (a pasta de soja), misturado meio a meio com saquê seco e pimenta dedo-de-moça. “Esta é a base para marinar a
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carne na hora, a 30 centímetros da brasa”, indica ele. “Vamos pincelando esse molho levemente adocicado sobre o assado, 4 minutos de cada lado”.
O Rodeio tem uma essência, essa equipe old school, que trata o ingrediente de uma maneira especial Para o acompanhamento, nada mais do que uma salada de folhas de alface, mais uma fatia de cebola branca e outra fatia de cebola roxa, a metade de uma pimenta dedo-de-moça, e uma cebolinha que, cortada em diagonal, vem realçar o visual da composição. Na hora de servir, o prato ganha uma pitada de pimenta preta, para dar um perfume. “Quando o cliente do Rodeio harmonizar esse assado de tira com um bom vinho, quando o missô vir à boca, com a pimenta muito leve, vai sentir todo o afeto que a casa simboliza”, diz Tsuyoshi Murakami. E conclui: “o Rodeio tem uma essência, essa equipe old school, que trata o ingrediente de uma maneira especial. Eu também procuro tratar, mesmo não tendo a experiência deles”.
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A RECEITA
Assado de tira ao molho missô com salada fresca e sashimi de cebola Rendimento: 1 porção
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O CHEF
Stefan Behar
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o comentar a respeito da sobremesa que criou especialmente para o cardápio comemorativo dos 60 anos do Rodeio, o chocolatier Stefan Behar faz uma declaração de amor ao restaurante. “Eu queria fazer alguma coisa que tivesse o meu DNA e o DNA do Rodeio. E que fosse tão delicioso quanto tudo que ele tem de delicioso. Quero que o cliente saiba que é algo que criei com carinho, que não é vendido na minha loja: só vai ter no restaurante. E é exclusiva porque eu tenho uma relação de amor com o Rodeio”, explica Behar, que mantém desde 2016 a sua loja Stefan Behar Sucré aberta no mesmo Shopping Iguatemi em que funciona a segunda unidade do Rodeio. É, portanto, na confeitaria da qual saem gostosuras como as barras de chocolate recheadas e o bolo de brigadeiro com pistache que Stefan Behar irá produzir o Maxi crispie de avelãs: um copinho de chocolate ao leite com um crocante que explode na boca. Aos 33 anos, Behar é um fenômeno. Enquanto ainda ocupava uma posição na área de marketing do escritório brasileiro da grife Louis Vuitton, onde
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trabalhou por sete anos, aproveitava para vender brigadeiros e outros doces a base de chocolate. Virava noites para dar conta de entregar as quase 5.000 unidades encomendadas sobretudo por amigos e amigos dos amigos. Em 2012, abandonou a dupla jornada, além de uma promissora carreira executiva, e passou a idealizar um negócio dos seus sonhos.
O Rodeio é o lugar que mais gosto de comer carne no mundo
Embarcou para a Europa, a fim de estudar novas técnicas na França, e visitou também pâtisseries na Itália, na Bélgica e nos Estados Unidos. Mais do que aprendizado, esse tour trouxe inspiração para criar seus doces autorais e inaugurar a Stefan Behar Sucré, em 2013. E confirmou a habilidade e o cuidado com os detalhes herdados da mãe, Marcia: a paixão de Behar por louças e papelaria faz com que as caixinhas e embalagens dos produtos sejam desenvolvidas por ele próprio. As clássicas estampas toile du jouy (pronunciase “toá dú juí”), que trazem temas como fábulas e cenas alusivas à mitologia, já se tornaram objeto de
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desejo entre os clientes. E a ambientação da loja no Iguatemi impressiona: difícil segurar o queixo diante do estímulo visual vindo do conjunto composto pelos lustres de cristal, as prateleiras com detalhes em dourado e o balcão de mármore de Carrara. Mas é o conteúdo guardado no interior dessas pequenas joias, obviamente, a razão do sucesso do chocolatier. Por isso, ele valoriza a procedência de suas matérias-primas: o chocolate usado nas receitas vem da França; o mel é fornecido por um pequeno produtor próximo da capital paulista. Esse cuidado é algo que também conecta Stefan Behar e Rodeio, Rodeio e Stefan Behar. “O Rodeio é o lugar que mais gosto de comer carne no Brasil e no mundo – e olha que já fui a muitos lugares”, confessa ele, que recorda também os bons momentos vividos na casa. “O Rodeio é marcante pra mim porque sempre fiz ali minhas comemorações familiares, desde pequeno, como Dia dos Pais, Dia das Mães e aniversários. Parece brincadeira, mas eu nunca abri o menu do Rodeio”. Nunca precisou, a bem da verdade, pois o ritual é conhecido pelo Chaguinhas & companhia. Desde pequeno, Behar pede sempre o arroz Rodeio, a picanha fatiada e o palmito assado com molho de alcaparra. E no que depender dele, essa história será perpetuada: “espero, um dia, levar meus filhos também”.
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Seis décadas de um clássico que se renova Por Miguel Icassatti
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1958 . 1968
O Rodeio pĂľe a Haddock Lobo no mapa
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INAUGURAÇÃO da maior praça de esportes do mundo no segundo semestre do próximo ano! Isto é uma realidade! E o leitor poderá constata-lo visitando o Majestoso Estádio do São Paulo F.C. (Jardim Leonor – Altos do Jockey Club) – onde a monumental obra da iniciativa particular dos paulistas se ergue e se acelera em seu acabamento, para a inauguração parcial (90 mil pessoas) marcada para o segundo semestre do ano próximo-vindouro
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aquela quarta-feira, 29 de outubro de 1958, o jornal O Estado de S. Paulo trazia um anúncio de página inteira, com o texto acima e fotos da construção do futuro Estádio Cícero Pompeu de Toledo, no longínquo bairro do Morumbi. À noite, em um Pacaembu vazio devido ao tempo chuvoso, o São Paulo venceria o Juventus por 4 a 2 – para o Tricolor marcaram Donald (contra), Zizinho,
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Riberto e Maurinho. Entre os poucos torcedores na arquibancada estavam o empresário Nestor de Macedo, dono da Seu Radico, uma agência de publicidade voltada para o rádio, e o filho Roberto, então com 21 anos. Na volta para casa, no Jardim Paulista, desceram pela Rua Haddock Lobo e repararam que estava aberta a porta estreitinha de uma churrascaria. Para comemorar a vitória do time do coração, decidiram entrar e comer uma boa carne. Essa churrascaria se chamava Rodeio e ocupava apenas um corredor quase na esquina com a Oscar Freire. Tinha sido inaugurada no dia anterior, 28 de outubro de 1958, mesmo dia em que João XXIII havia sido eleito em Roma o novo papa, em substituição a Pio XII. Se Nestor e Roberto colocaram os pés pela primeira vez no Rodeio naquela noite, nunca saberemos, pois eles não estão mais aqui para confirmar. Mas, passados 60 anos, é muito provável que, sim, tenha sido esse o primeiro encontro entre os Macedo, pai e filho, com o restaurante dos quais viriam ser proprietários dali a pouco tempo. O fato é que nos últimos meses de 1958, o São Paulo ainda tinha chances de conquistar o bicampeonato paulista. Nestor gostava de levar Roberto aos jogos noturnos do time no Pacaembu (eles teriam de aguardar não um ano, conforme
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prometia o anúncio no Estadão, mas dois, até o dia 2 de outubro de 1960, para trocar o Pacaembu pelo Morumbi, quando finalmente o estádio são-paulino foi inaugurado). Na volta para casa, faziam uma escala no Rodeio. O hábito fez com que se tornassem amigos do dono, Mauro Meirelles, que já possuía um restaurante também em Ribeirão Preto, sua cidadenatal. Numa daquelas noites de quarta-feira, Meirelles puxou a seguinte conversa: – Vejo que vocês gostam muito daqui. Não querem ser meus sócios? – Se eu fechar a sociedade, você toca o negócio? – disse Nestor, virando-se para o filho. – Topo, sim. – respondeu Roberto. E assim selaram o acordo, na base dos 50% para Meirelles e 50% para os Macedo, que pagaram 1 milhão de cruzeiros antigos pela parte deles. Meirelles via nessa sociedade a possibilidade de alavancar o negócio. Não sabia se iria prosperar. Os Jardins, conforme descreve Nirlando Beirão no livro-homenagem De Malandro Robert a Vovô Bob – A História de Roberto Macedo, sem rodeios, “escorregavam desde o espigão da Paulista numa vastidão horizontal de chácaras e de casinhas geminadas. Não dava para antever o que haveria de ser a região. (...) Roberto Macedo acreditou antes dos outros. Investiu ali
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antes dos outros. Quando as grifes mais charmosas começaram a se instalar no ‘Quadrilátero’, a grife dele já era uma referência”. O jornalista Thomaz Souto Corrêa, habitué do Rodeio desde os primeiros tempos, assegura: “O Rodeio é o primeiro restaurante a aparecer nos Jardins”. Nem na Rua Augusta, a via mais vibrante na região à época, existia um restaurante sequer. “Ali tinha a Hi-Fi, que vendia discos e o estúdio do Wesley Duke Lee ficava em cima; a Casa de Chá Yara; uma casinha amarelinha em que uns rapazes estavam começando um negócio chamado Metro 3, que eram o Petit e o Zaragoza. E um empório, com arroz a granel, feijão em saco, na esquina com a Oscar Freire, o Empório Santa Luzia”. O saudoso Saul Galvão, crítico gastronômico do Jornal da Tarde e do Estadão também cravou: “A Rodeio foi a pioneira no ponto e teve a ousadia de levar uma churrascaria para as alamedas e acabou virando ponto de encontro obrigatório de gente que queria ver e ser vista”. Os bons restaurantes de São Paulo ainda se concentravam na região central, para além do espigão da Avenida Paulista, como era o caso dos italianos Fasano e Ca’d’Oro. No centro e seu entorno, a cidade fervilhava também culturalmente. No dia em que o Rodeio foi aberto, em 28 de outubro de 1958,
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estreava no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) a peça “Um panorama visto a ponte”, de Arthur Miller, a 35 cruzeiros o ingresso, com Sergio Britto, Leonardo Villar, Nathalia Timberg e grande elenco. Na glamorosa Cinelândia paulistana, nos arredores da Praça da República, estava em cartaz “A Volta ao Mundo em 80 Dias”, com “44 astros famosos” entre os quais Frank Sinatra, Marlene Dietrich, David Niven, Cantinflas, Cesar Romero e Shirley MacLaine.
Roberto Macedo foi arrumando a casa aos poucos, melhorou a gestão e implantou um plano de carreira
O Rodeio de Mauro Meirelles tinha pouco ou quase nada a ver com o restaurante que nas décadas seguintes capturaria todo o glamour dos frequentadores dos Jardins. Garçons trajando lenço vermelho no pescoço, de botas e bombachas circulavam pelo salão de 120 metros quadrados (a metade da área total do restaurante), onde havia dezoito mesas rústicas, feitas com rodas de carro de
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boi. O fundador comprava carne diretamente no açougue. Quando um cliente pedia uma garrafa de vinho, ele mandava o garçom correr até o Santa Luzia e comprar um rótulo. Roberto Macedo foi arrumando a casa aos poucos, melhorou a gestão, implantou um inédito plano de carreira para os funcionários até que em 1960, ele, o pai e o irmão compraram os 50% restantes. Dessa vez, pagaram o valor de duas peruas DKW. E começaram a colocar a Rua Haddock Lobo – uma homenagem ao médico e político português Roberto Jorge Haddock Lobo – e o entorno da Rua Oscar Freire no mapa dos chiques (os famosos viriam mais tarde, conforme veremos adiante). Em 2005, essa rua e seus arredores debutaram em 8º lugar no ranking mundial do luxo, de acordo com a organização Excellence Mistery Shopping International, que reúne institutos de pesquisa de mercado de diversos países, numa lista da qual constam a Quinta Avenida, em Nova York, a Via Montenapoleone, em Milão e a Avenida da Liberdade, em Lisboa. Nos anos 1960, Roberto Macedo ainda dava expediente na agência do pai e passava no restaurante no fim do dia para fechar o caixa, ver se estava tudo bem e dar as ordens para o dia seguinte. Mas já tinha descoberto um funcionário de confiança, que trabalhava no Rodeio desde a abertura da casa. Seu
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nome: Ramon Mosquera Lopes. Espanhol nascido em Vigo, Ramon se tornaria uma lenda entre os clientes do Rodeio, a ponto de muitos pensarem que ele era o verdadeiro dono do restaurante. Havia trabalhado como barman do Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, e da Baiúca, já em São Paulo, onde também foi garçom do Rubaiyat. Roberto, a bem da verdade, definia-se como um funcionário do Rodeio. “O dono do Rodeio é o cliente”, repetia. Ramon era um expert tanto em convivência humana quanto no preparo do churrasco. Seguia o mesmo lema de Roberto, segundo o qual o freguês tem sempre razão, a ponto de ser extremamente severo com a equipe. Ali por 1961, 1962, demitiu sumariamente um garçom que se distraía com um sabiá engaiolado enquanto o conde Francisco Matarazzo esperava para ser atendido. Em 1964, Ramon Mosquera decidiu pedir as contas porque queria montar seu próprio restaurante. E saiu, sem saber que iria voltar. A essa altura, porém, o Rodeio já começava a brilhar a ponto de, ainda nos anos 1960, tornar-se o maior comprador individual de câmaras e balcões frigorificados do Brasil. A empresa tinha 40 funcionários e atendia em média a 8.000 clientes por mês.
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Picanha fatiada, creme de papaia
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rimeiro restaurante a se instalar na Rua Haddock Lobo, o Rodeio rechearia a própria história com vários outros exemplos de pioneirismo. Já sob a gestão integral de Roberto Macedo, que passara a se dedicar 100% ao restaurante no fim dos anos 1960, o Rodeio foi o primeiro a comprar carne direto de um frigorífico. E a carne sempre foi da melhor qualidade, oriundo da raça Aberdeen Angus ou do cruzamento da Angus com a Hereford. Foi também o primeiro a importar carne diretamente da Argentina, especialmente a picanha, corte que se tornaria o símbolo da casa, também pela forma como seria servida ali. É Silvia Macedo Levorin quem conta: “Quando o Rodeio começou a servir picanha fatiada na década de 1970, meu pai passou a importar a carne da Argentina porque lá esse corte era descartado ou usado para fazer carne enlatada. Os argentinos exportavam para a Europa cortes menos gordurosos, como filé-mignon. Encher um contêiner com picanha, portanto, custava
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dez vezes menos do que atualmente. E o engraçado é que até hoje, se você for em um açougue na Argentina, o açougueiro vai cortar a picanha junto a um pedaço maior do traseiro do boi”.
Encher um contêiner com picanha importada da Argentina era dez vezes mais barato do que hoje em dia
É por essa razão também que o Rodeio descartou ter a própria fazenda de criação dos próprios bois. Roberto Macedo acreditava que deveria ter liberdade para escolher a melhor carne, dos melhores fornecedores. Se tivesse uma fazenda, dizia, ele tenderia a usar a própria carne, ainda que não conseguisse garantir a maior qualidade desde a produção. Sem contar que teria de manter um rebanho enorme, já que cada boi fornece duas peças de picanha. Há pelo menos vinte anos, o Rodeio é cliente da empresa de distribuição de alimentos Três Passos, que importa as carnes argentinas duas vezes por semana e faz duas entregas semanais ao restaurante.
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Mas, de volta ao início dos anos 1970, de uma hora para outra o Rodeio havia se tornado um símbolo da gastronomia paulistana. Em uma entrevista para a revista Playboy em 1981, Ramon Mosquera Lopes definiu assim o sucesso do estabelecimento: “A casa vai bem porque aqui se atende aos cinco sentidos, do paladar ao tato, com o aperto de mãos, da visão de gente bonita e alegre à audição de coisas agradáveis, passando pelo perfume da boa comida”.
Foi de Ramon a ideia de trazer à mesa o fogareirinho sobre a qual a picanha era fatiada na frente do cliente Dois anos depois, nas comemorações de 25 anos do Rodeio, em 1983, Ramon iria assinar o livro Churrasco (Editora Siciliano), em que daria preciosos macetes para assar carne na brasa e deixaria registradas pérolas filosóficas como estas: “Churrasco não é comilança, é encontro. Encontro, com motivo”; “Há o churrasco de negócio; o churrasco da decisão sentimental; e há o churrasco do companheirismo”. A essa altura, Ramon já havia voltado a trabalhar
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no Rodeio. Desde 1972, ano do regresso, vinha contribuindo definitivamente para o êxito e o anedotário do restaurante. Fez história também entre os maîtres e ensinou a profissão a gerações de profissionais enfileirados no Rodeio e que seguiriam para outras casas: por exemplo, Orestes, que passaria treze anos ali, entre 1973 e 1986, e seria eleito o maître do ano em 1976 pelo gastrônomo e cronista Paulo Cotrim; Geraldo, que em catorze anos de Rodeio passou de lavador de panelas a gerente júnior e seguiu carreira no The Place, no Bar des Arts e no Esch Café; e Ramonzito, seu filho, que começou como copeiro no Rodeio, alcançou a posição de assistente de gerência e a partir de 2000, um ano depois da morte do pai, foi para o Barbacoa. Foi de Ramon, por exemplo, a ideia de trazer à mesa um fogareirinho, sobre o qual a picanha era fatiada para o cliente, acompanhada das diferentes guarnições. Alguns, ou melhor, algumas clientes passaram a reclamar que o cheio da fumaça da picanha ficava impregnado na roupa e nos cabelos. Como o cliente sempre tem razão no Rodeio, a casa deixou de servir a picanha fatiada à mesa. Acontece que um número maior ainda de clientes reclamou da retirada, e depois de um ano e meio a receita voltou ao cardápio, para nunca mais sair. E a questão do
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fumacê, como se verá mais à frente, seria resolvida. Para Saul Galvão, saudoso crítico gastronômico do JT, “Com sua salada maravilhosa, seus pães de queijo e, posteriormente, sua picanha fatiada, a Rodeio ajudou a fixar um padrão que é copiado por churrascarias com pretensões de ser chique em toda cidade”.
Baryshnikov, Mike Tyson, Pavarotti, Naomi e Maradona são algumas celebridades que estiveram no Rodeio O salão do Rodeio é testemunha também de que Ramon foi o pai da invenção do creme de papaia com cassis. A mãe da receita foi a artista plástica Suzy Gheler, uma cliente assídua. Em um dia de 1975, Suzy chegou ao Rodeio com desejo incontrolável pelo sorvete de creme – ela estava nos primeiros meses de gravidez. Chamou o Ramon e, incomodada com os enjoos típicos da sua condição, pediu-lhe que encontrasse um sorvete de creme diferente. Ramon foi à cozinha e trouxe um sorvete de creme batido no liquidificador com mamão papaia, fruta tida como boa para regular o aparelho digestivo. Suzy adorou a
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sobremesa e comeu-a até o fim. Para a equipe da casa, a receita virou o “creme da Suzy”. Algum tempo depois é que o creme viria receber uma boa derramada de licor de cassis, dando aquele irresistível toque alcoólico e a realçar a doçura do conjunto. Na exata metade dos anos 1970, portanto, o Rodeio já tinha se tornado um fenômeno. Recebia artistas como Suzy Gheler, políticos, empresários, atletas, jornalistas e publicitários. Celebridades, enfim. Apenas entre os estrangeiros, nesses primeiros 60 anos já estiveram no Rodeio o bailarino letão Mikhail Baryshnikov, o chef espanhol Ferran Adrià, o tenor italiano Luciano Pavarotti, a ex-modelo Naomi Campbell, o ex-boxeador Mike Tyson e o lendário fotógrafo David Drew Zingg, todos eles americanos, o ex-jogador Diego Maradona e o cidadão universal Pelé, fiel cliente da casa. Dono de um estilo low profile, o restaurateur Roberto Macedo delegava com gosto a Ramon o comando do salão. Discreto, foi, nas palavras de Fausto Silva, a quem recebeu por mais de 35 anos no Rodeio, “o primeiro dono de restaurante que conheci que não era chato. Era educado, inteligente, culto. Ele não queria mais um freguês, ele queria mais um amigo”. Entre os dois, não há dúvida de que Ramon era a celebridade por ali.
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No mesmo ano de 1975 em que co-criou o creme de papaia, o espanhol representou o Rodeio na Finlândia, ao ter sido convidado por uma empresa multinacional a viajar até o país apenas para fazer um churrasco à brasileira aos representantes da companhia. Do evento iria participar o presidente finlandês, cuja presença protocolar exigia que ficasse ali por apenas 15 minutos, e sem comer. Mas que nada. Entre picanha, cupim, alcatra e outros cortes preparados por Ramon, o mandatário passou duas horas e meia entre os convidados. “A churrasco não se assiste. Toma-se parte. Não há presidente nem ministro nem milionário. Há gente, toda igual, que come, bebe, dança, canta, conta anedota, ri, se confessa, toca cavaquinho, ou planta bananeira ao sabor de um ímpeto de momento. (...) Problema grave não leva nunca ao desespero, se há carne e carvão para se fazer um churrasco”, escreveu Ramon em seu livro Churrasco, de 1983, ao comentar o episódio. Famosos da porta para fora, do lado de dentro alguns desses célebres clientes fizeram do Rodeio uma segunda casa, ou um segundo escritório ou no, caso de jornalistas, uma segunda redação – com direito a animados plantões. Thomaz Souto Corrêa lembra como se fosse hoje daquela noite em que trombou com Paulo Francis no Rodeio, no exato momento em que
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adentrava ao recinto uma banda marcial da marinha dos Estados Unidos. Os presentes receberam dos militares um folheto com a letra de uma das músicas, para que acompanhassem o improvável concerto. “Ao pegar o dele, o Francis notou que havia um erro gramatical qualquer no texto da canção”, conta Thomaz. “Sim, o Paulo Francis corrigiu o texto da letra de tema militar americano e em inglês”.
Paulo Francis corrigiu, à mesa, um erro gramatical — em inglês — na letra de uma canção da marinha dos EUA Também o publicitário Washington Olivetto tem no Rodeio mais do que um restaurante. Trabalhava na agência de publicidade DPZ, que ficava na esquina da Rua Colômbia com a Avenida Brasil, a quatro quarteirões do Rodeio. Ali celebrou negócios, teve insights para campanhas publicitárias e, ao chegar para um almoço em 1977, ouviu dois jovens comentarem que o pai tinha colocado à venda um apartamento no Edifício Guaimbé, edifício projetado por Paulo Mendes da Rocha em 1962, todo de concreto armado
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e que fica bem em frente ao Rodeio. O Guaimbé era um sonho de consumo de Olivetto, que não pensou duas vezes: pediu o telefone do vendedor, fez uma proposta e comprou o apartamento. “O Rodeio virou uma espécie de bar da esquina meu, porque naquela época vendia até cigarros e eu atravessava a rua para comprar cigarro no Rodeio. E acabava ficando lá”, conta Olivetto.
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Ter poder ĂŠ conseguir mesa no Rodeio
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mesmo bar no qual Washington Olivetto comprava cigarro acabou por ganhar uma vida independente da do salão na virada das décadas de 1970 e 1980. Funcionava como uma área de espera, porque no Rodeio havia espera todos os dias, no domingo à noite, quando as pessoas voltavam da praia, numa época em que (ainda) não haviam tantas opções gastronômicas na cidade abertas naquele dia e horário. As pessoas chegavam e iam pedindo uma linguicinha, uma provoleta, uma porção de coração de frango, um drinque e acabava ficando por ali. A chef Janaina Rueda, do Bar da Dona Onça, era uma menininha que fazia balé na Companhia Stagium, ali na Rua Sarandi, mas se lembra da festa que era o bar, quando jantava no Rodeio às segundas-feiras na companhia da mãe, então hostess da badaladíssima boate Gallery: “Era um bar boêmio, que funcionava durante o dia. Os clientes não seguiam à mesa se não acabassem com a garrafa de uísque. Lembro muito das
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pessoas bebendo o bloody mary e o bull shot, feito com um consomé de carne, que muitos pediam para curar a ressaca”. Janaina também recupera uma história que lhe foi contada por Júlio Cesar de Toledo Piza, seu sócio no Bar da Dona Onça e ex-presidente da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) de São Paulo: “Uma vez, ele estava com um grupo de amigos no bar, esperando uma mesa. Dessa turma fazia parte o Miele. De repente, chegou um cara que ninguém conhecia, um chato, que começou a falar coisas nada a ver, a dar palpites na conversa. Ninguém dava um chega pra lá nele, porque achava que era amigo de um dos caras da roda. De repente, ele foi ao banheiro e todo mundo quis saber: ‘quem é esse cara? É amigo de quem?’ E descobriram que não era amigo de ninguém. Então, o grupo decidiu se livrar do sujeito e ir para outro bar, o David’s, ali perto, na Oscar Freire. Quando ele voltou do banheiro, o grupo já estava se armando para ir embora. E ele perguntou: Aonde vocês vão? Aonde vocês vão?’. E o Miele respondeu: ‘nós vamos para a puta que pariu! Mas você fica’.” Eram de fato tempos dourados, em que o Rodeio chegou a ter 200 funcionários e atingiu sua capacidade máxima de ocupação: a empresa tinha adquirido as lojas vizinhas, Haddock Lobo acima, até alcançar os
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1200 metros quadrados de terreno e 2300 metros quadrados de área construída. Roberto Macedo comprou um gerador e perfurou um poço artesiano, a fim de garantir o abastecimento de água e energia nos momentos críticos. O restaurante chegava a atender 1000 pessoas por dia e a espera por uma mesa poderia levar duas, três horas. Se os mais chegados tinham alguma chance de furar essa fila, era porque a brigada de ouro de Ramon Mosquera dava um jeito. “O Cecílio... ele foi o maior maître do mundo. Pela encrenca que era administrar a fila do Rodeio”, bancou Washington Olivetto no livro Rodeio Conta os Jardins. E prosseguiu: “Claro que havia um sutil sistema de favorecimento, e, confesso, pela vizinhança e pela assiduidade, eu quase sempre fui beneficiado. Tudo feito com enorme sutileza, de forma a não desagradar ninguém. Nunca me senti como quem furava fila. (...) Hoje, olhando para trás, percebo que a graça estava também em ficar na fila. Dava status esperar”. E era dono de muito prestígio quem conseguia sentar-se à mesa no Rodeio naqueles anos frenéticos. “Ter poder é conseguir mesa no Rodeio”, teria dito o exministro Delfim Netto – há quem diga que a máxima foi proferida pelo empresário Antônio Ermírio de Moraes. Perspicaz, de todo modo foi Washington
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Olivetto quem eternizou a frase em um anúncio encomendado por Roberto Macedo em 1980, mesmo ano em que a agência DPZ, na qual Washington ainda trabalhava, ganhou o grande prêmio Colunistas Brasil: “Ganhar o prêmio de agência do ano é fácil. Quero ver conseguir uma mesa no Rodeio”.
Nas mesas do Rodeio, Washington Olivetto articulou muitas ideias para a Democracia Corintiana Foi nas mesas do Rodeio que Washington Olivetto, convidado por Adilson Monteiro Alves, então diretor de futebol do Corinthians, a ser vice-presidente de marketing do clube, articulou muitas ideias para o movimento que ficou conhecido como Democracia Corintiana – ironia do destino pois, como sabemos, Roberto Macedo era são-paulino fanático. Generoso, Macedo permitiu que várias reuniões do movimento levantado pelo rival no ano de 1982 acontecessem ali em seu restaurante. Se no campo a Democracia era encarnada por Casagrande, Wladimir e o líder e porta-voz Sócrates,
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fora das quatro linhas Washington tramava a criação de um conselho de marketing para o clube, composto de alvinegros notáveis, entre os quais os executivos da TV Globo José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, e Walter Clark, a empresária de moda Glorinha Kalil e o jornalista Thomaz Souto Corrêa. As reuniões semanais se estendiam muitas vezes até altas horas da madrugada e Roberto Macedo mantinha algum funcionário de plantão somente para recolher os copos e baixar as portas do restaurante. Foi nessa época, justamente, que o Rodeio viu nascer mais uma de suas criações gastronômicas, desta vez pelas mãos e intuição de Thomaz Souto Corrêa: o arroz biro-biro, rebatizado como arroz Rodeio. É o próprio Thomaz quem conta a história na apresentação deste livro, e divide a autoria do prato, por assim dizer, com o também jornalista Tarso de Castro, um dos mentores do histórico jornal O Pasquim e notório boêmio, que havia se mudado do Rio de Janeiro para São Paulo uns três ou quatro anos antes. Tarso logo se tornaria figurinha carimbada no Rodeio e ali criaria o hábito – “por deboche ou por genuíno amor pela humanidade”, nas palavras de Nirlando Beirão, outro mestre do jornalismo e habituê da casa – de cumprimentar os amigos com um selinho. Continua Nirlando, em Rodeio Conta
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os Jardins: “Tarso era incansável, borboleteava de mesa em mesa, ao final da noite tinha percorrido no Rodeio uma quilometragem comparável à dos garçons e cumins. Ia trocando Samuel Wainer por Olavo Setubal, Carlito Maia por Jô Soares, Glorinha Kalil por Bruna Lombardi, mas sabe-se hoje que toda aquela empolgação obedecia a uma estudada estratégia de quem não andava assim tão robusto em matéria de holerite. Numa dessas, sempre dava para filar o bife sem precisar sacar o cartão de crédito”. Da parte do Rodeio, Ramon Mosquera e Roberto Macedo seguravam a onda e deixavam que Tarso pendurasse a conta quantas vezes fosse necessário. A fama e o sucesso do Rodeio fez com que Roberto Macedo recebesse inúmeros convites para abrir filiais em outras cidades do Brasil e até nos Estados Unidos, ao que negou praticamente todos. Chegou, em 1982, a abrir uma filial no Shopping Eldorado, que durou pouco tempo, e depois autorizou uma franquia do Rodeio no Rio de Janeiro, também encerrada. A partir dessas experiências e por muito tempo – até a oportunidade de abrir uma unidade no Shopping Iguatemi, em 2011 –, Roberto Macedo decidiu-se mesmo por ter e manter um único Rodeio. “Meu pai sempre dizia que não deveria dar um passo maior que a perna. Ele achava que seria difícil multiplicar e
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manter a qualidade”, diz Silvia Macedo Levorin. A filha de Roberto Macedo, que havia ingressado na faculdade de Artes Plásticas, gostava de sentarse para almoçar e jantar em uma mesa que ficasse num pedaço do salão atendido pelo Chagas, que havia começado a trabalhar no Rodeio como lavador de panelas e tinha passado pelas áreas de estoque, cozinha, saladas e bar. Esse cearense era mais uma das joias lapidadas por Ramon Mosquera, que seguia fazendo do Rodeio uma verdadeira escola de maîtres e garçons.
Silvia gostava de ser atendida à mesa pelo garçom cearense que tinha começado lavando panelas. O Chagas Conforme conta Silvia Levorin no texto de apresentação deste livro, Roberto Macedo dedicava todo seu tempo aos negócios do restaurante. A “dupla” formada com Ramon Mosquera aparentemente ia de vento em popa, e o restaurateur nem cogitava em ter algum dos filhos trabalhando ao seu lado, embora tivesse perdido o pai e sócio em 1983. Foi portanto
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com surpresa que Silvia acatou a sugestão da mãe, Gilda, de começar a trabalhar com o pai. Silvia então mudou a faculdade para o período da noite, a contragosto do pai, e começou a dar expediente. Roberto raramente se ausentava do trabalho, e por no máximo uma semana. Era fevereiro de 1986 e ela não tinha cargo, inicialmente. Começou a fazer o que Roberto fazia: se ele estava sobrecarregado, Silvia cuidava da parte financeira. “Eu ficava vendo-o trabalhar e pedia para ele deixar fazer aquela tarefa. Naquela época não tinha computador e a gente conferia e fechava o caixa a mão”, relembra Silvia. Em pouco tempo Roberto deu o braço a torcer e aceitou Silvia como funcionária, a ponto de naquele ano, finalmente, ter tirado um mês de férias. Diz Silvia: “Comecei em 1986, logo depois do congelamento de preços do Plano Cruzado. Lembro de empregados da vizinhança que chegavam ao Rodeio com sacola para comprar garrafa de CocaCola porque era mais barato. Meu pai dizia, depois de um tempo, que eu tinha virado expert em plano econômico. Depois de dois meses, eu já sabia que meu trabalho seria seguir no Rodeio”. As dificuldades na economia brasileira e os efeitos colaterais negativos do Plano Cruzado, como o ágio que sobreveio ao congelamento forçado de preços
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instituído pelo governo José Sarney, fizeram o Rodeio ter de lançar mão de criatividade para não ficar no prejuízo. Se, no início do congelamento (que duraria de fevereiro a novembro de 1986), a casa pagava o quilo da alcatra a 30 cruzados, por exemplo, depois de uns meses já tinha de desembolsar 130 cruzados – e não podia aumentar os preços no cardápio. Por sugestão do Ramon, o Rodeio começou a procurar alternativas para “aumentar o preço, sem aumentar”. Passou a cobrar pela segunda cestinha de pão de queijo e pelo balde de gelo, como forma de minimizar perdas. Os clientes ficaram absolutamente incomodados, tanto é que essa política durou não mais do que quinze dias. “Se a gente triplicasse o preço do prato, o cliente pagaria. Mas se cobrássemos o segundo balde de gelo pedido pelo filho dele, ah, era o fim”, diz Silvia, que se viu colocada diante desse imediato desafio. “Ainda assim, senti uma energia grande quando entrei para o Rodeio. Fui muito bem recebida, os funcionários achavam que tinha de ser assim, com alguém da família para cuidar da empresa. Eu pensava muito como meu pai, tinha o temperamento parecido com o dele. Tivemos as brigas também, mas ele foi muito generoso, logo deixou a casa na minha mão, e as coisas foram acontecendo num crescente”. Mas as coisas não seguiriam fáceis para o Rodeio,
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nem para o país, na segunda metade dos anos 1980. Sucessivas tentativas de consertar a economia, hiperinflação e, na vizinhança, a concorrência começava a ficar mais forte, com a inauguração do Esplanada Grill, dois quarteirões abaixo, e do The Place, casa que aportou no quarteirão seguinte na Haddock Lobo com a nítida proposta de tirar clientes do Rodeio. E não só: os donos da nova vizinha recrutaram e contrataram para a abertura vários exfuncionários do Rodeio. “A gente já tinha plano de carreira e eles chegaram oferecendo o triplo do salário para um maître”, conta Silvia. “Muitos saíram e nós tivemos que promover garçons bons, que acabaram virando maîtres fracos”. O Rodeio, então, decidiu não entrar nessa briga inicialmente e não cobriu as propostas. O The Place fez o mesmo com garçons, manobristas, churrasqueiros e pessoal da cozinha. Saíram diretamente para o concorrente, por exemplo, o Lomanto, que havia entrado como cumim no Rodeio e depois de sete anos já era maître, e o Chocolate, que foi de descascador de batatas e faxineiro a maître, por três anos. Orestes e Geraldo, que tinham trocado o Rodeio pelo Baby Beef Paes Mendonça, também acabaram sucumbindo ao canto da sereia do quarteirão abaixo. A bem da verdade, todos eles deram testemunho dizendo que
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sua grande escola havia sido mesmo o Rodeio. Essa disputa de mercado acabou indo para a capa da revista Veja São Paulo em 1987, época em que o quadrilátero do Rodeio chegou a acomodar sete churrascarias. Sob a manchete “A guerra das churrascarias”, a revista publicou uma reportagem cujo mote, na opinião de Silvia, era dizer que o Rodeio era out e que o The Place era in. Clientes e fontes entrevistadas para a matéria declararam à publicação que o Rodeio estava ultrapassado, out. Eis que Washington Olivetto, entrevistado para essa matéria, declarou: “Acho que tanto o The Place quanto o Esplanada Grill são ótimos lugares. E a maior qualidade deles é que ficam na mesma rua que o Rodeio”. Declaração de fidelidade maior que esta não poderia haver, ainda mais do popularíssimo Washington, que tinha como amigos inclusive os donos dessas duas churrascarias. Roberto Macedo guardou essa revista na gaveta de seu escritório no Rodeio por muitos anos. Quando o The Place encerrou as atividades treze anos mais tarde, ele teve o ímpeto de telefonar para a Vejinha e sugerir uma nota: “Agora é o The Place que está out”. Em setembro de 1987, veio outro baque para o Rodeio: depois de quinze anos, Ramon Mosquera resolveu pedir demissão novamente. Já vinha
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amadurecendo-lhe a ideia desde o ano anterior, pois pensava em abrir um restaurante próprio, o que acabaria por fazer, na Rua Tabapuã, Itaim Bibi.
A maior qualidade deles é que ficam na rua do Rodeio, disse Olivetto a respeito de duas casas concorrentes Silvia considera, também, que ela própria tenha sido uma espécie de pivô da saída de Ramon. E conta: “O Ramon era um cara incrível, a quem eu adorava e que me adorava também, tenho certeza. Acredito que tenha havido um conflito de gerações e por ser tão envolvido com tudo, teve dificuldade em dividir e aceitar as novas diretrizes. Nesse momento, foi falar com meu pai e decidiu sair”. Silvia acredita que, do ponto de vista profissional, Ramon poderia estar cansado, afinal, já tinha alcançado tudo o que poderia almejar na profissão. Ao mesmo tempo, ele disse a Roberto que “não iria receber ordens de uma estudante de assistente de fotografia” – Silvia planejava fazer um curso de fotografia naquele momento. “Ou seja, ele estava
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incomodado com a minha chegada na empresa”, diz Silvia. “Mas a justificativa dele foi cavalheiresca: não queria estragar a relação com o meu pai. Insisto, não houve briga, acho que dei, de forma não intencional, um empurrãozinho para ele seguir a vida”. Depois da saída de Ramon Mosquera, seria difícil para o Rodeio colocar outro funcionário no mesmo cargo, que correspondia à de gerente geral, em que pese a boa iniciativa do plano de carreira da casa. Silvia havia tido planos específicos para o Chagas, aquele mesmo garçom com o qual tinha afinidade e que havia sido promovido a maître. Seu feeling dizia que deveria alçar Chagas à gerência. “Mas logo que comecei a trabalhar no Rodeio, o Chagas veio me pedir as contas, porque queria aprender a trabalhar com frutos do mar, porque era cearense, e que iria para o Don Curro”, relembra Silvia. “Todo mundo estava indo pro The Place, mas o Chagas disse que jamais faria isso com o Rodeio”. Puxa vida, o plano de Silvia parecia que não daria certo. Ela teria de aguardar mais alguns anos para poder formar com o Chaguinhas uma dupla tão bem-sucedida quanto aquela que havia sido composta por Roberto Macedo e Ramon Mosquera Lopes.
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Um clรกssico que se renova para continuar o mesmo
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o longo dos anos, os dourados e os difíceis, o Rodeio continuava a crescer, literalmente. À medida que as necessidades de espaço aumentavam, a empresa ia alugando os imóveis ao lado do logradouro situado à Rua Haddock Lobo, 1498. Em seguida, comprava-os e fazia um puxadinho-chique. Desde 1958, a área do terreno foi multiplicada por seis: de 250 passou para 1200 metros quadrados. Silvia Macedo Levorin, braço-direito do pai, Roberto, já havia percebido que a casa precisava de uma boa reforma. O desafio maior, ela sabia, era o de modernizar o Rodeio sem que a marca, a essa altura com quase três décadas e meia de serviços prestados à gastronomia, perdesse a tradição. Silvia queria atualizar a área de retaguarda, deixar o pé-direito mais alto e o ambiente mais claro, com uma exaustão mais eficiente. Palpite dos clientes não faltavam: “Ai, que ótimo. Pode mexer em tudo, só não vá tirar a cestinha de pão da luminária”, dizia um. Outro virava e falava para Silvia: “Arranca a cestinha, pelamordedeus!”.
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Eis que nos últimos dias de 1991, a fachada de tijolinhos e vitrôs foi coberta por uma sequência de tapumes. A casa não interrompeu o atendimento e o projeto da arquiteta Malu Frisoni foi colocado em prática pelo escritório Dantas Bastos Engenharia. A ansiedade de clientes, proprietários e imprensa era enorme e expandia até as fronteiras da capital. Uma nota publicada no dia 5 de janeiro de 1992 pelo tradicional Jornal da Cidade de Jundiaí informava: “Nos últimos retoques a reforma da fachada da requintada Churrascaria Rodeio em SP. Ao completar 33 anos, esse é o presente que a tradicional casa oferece aos paulistas. Depois da ampliação dos setores internos, e de ainda ganhar uma refinada sala de espera, o Rodeio discretamente, e sem afetar o atendimento, promete um toque visual nos salões internos”. Quando os tapumes foram retirados, surgiria uma nova e imponente fachada, muito diferente da original, mas com elementos essenciais preservados. “Nessa primeira reforma mantivemos os tijolinhos da fachada, que era muito feia, ninguém tinha ideia disso. E em cada canto do salão foi instalada uma coluna com uma grelha e uma chaminezinha, que jogava a fumaça para fora. Futuramente a gente iria centralizar o sistema de exaustão”, relembra Silvia. A fachada ganhou novas esquadrias e toldos.
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Ergueu-se uma marquise de estrutura metálica e revestida de madeira. O piso recebeu tratamento especial, de granito lixado e polido posteriormente. A infraestrutura passou a contar com uma cozinha de 30, uma área de couvert com 50, uma churrasqueira de 20 e quatro depósitos somando 110 metros quadrados. Os funcionários ganharam vestiários novos e foram compradas câmaras frigoríficas capazes de armazenar 40 toneladas de alimentos, além de dez geladeiras, dois freezers e uma máquina que produzia 80 quilos de gelo por dia. Na decoração interna, o bar passou a ter 70 metros quadrados e a capacidade de 80 pessoas. As paredes foram pintadas em terracota, a mesma cor da cerâmica existente, e painéis de vidro tomaram o lugar de antigas prateleiras de vinhos. Quadros de Aldemir Martins passaram a decorar os salões, e os desenhos foram reproduzidos no cardápio, que recebeu mais sugestões de pratos. A ideia de incluir novos itens no menu era a de agradar aos muitos clientes que almoçavam no Rodeio todos os dias e que talvez não quisessem encarar um churrasco logo em uma segunda-feira. Então foram incorporados a dobradinha com mocotó, o bacalhau a gomes de sá, o cozido com pirão (às quartas e sábados), a carne seca à moda da casa e o estrogonofe de filé, entre outras opções. Teve até feijoada, que ficou
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pouco tempo na lista porque, segundo Silvia, “muitos restaurantes montavam o bufê e o nosso layout não comportava um bufê de feijoada ou de salada”. Lá pelos anos 2000, o Rodeio convidaria também a banqueteira Neka Menna Barreto para elaborar novas receitas. “Mas por mais que insistíssemos em algo diferente, as pessoas nem olhavam para o cardápio. Queriam mesmo a picanha fatiada, o arroz Rodeio, a farofa”, constata Silvia. “O Rodeio é uma churrascaria. Não sei se vai continuar sendo, mas até hoje é. Esse é o nosso ponto de partida para pensarmos no cardápio, que sempre terá algumas opções além da carne”.
O Rodeio é um churrascaria. Não sei se vai continuar sendo, mas até hoje é. Esse é o nosso ponto de partida Em respeito ao cliente – ou ao “dono”, como preferia Roberto Macedo – o Rodeio nunca fez concessão à qualidade do atendimento. Acolheu e acolhe a todos de maneira exemplar, sem se render a modismos. Em meados dos anos 1990, muitos restaurantes chegaram a contratar lindas garotas, modelos, para a função
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de hostess. Algo supermoderno, que Silvia chegou a considerar, mas a ideia não saiu do papel. “Tenho funcionários que trabalham aqui há vinte anos, que sabem o nome e acompanham o cliente por toda uma vida. Então, pra quê? Uma hostess não teria essa expertise”, justifica Silvia. “Nessa hora, você tem que olhar para o lado de dentro, ver o que tem de bom e manter. E continuamos com maître na porta”.
No fim daquele ano, Roberto seria recompensado pela gentileza com os rivais. Seu Tricolor seria bimundial E assim como havia aberto as portas uma década antes para um momento histórico da Democracia Corintiana, Roberto Macedo cedeu espaço no novo Rodeio a outro coirmão do chamado Trio de Ferro paulistano, o Palmeiras, que finalmente estava prestes a dar fim a uma fila de 16 anos sem título – no fim daquele ano, o restaurateur seria recompensado por tamanha generosidade: o seu São Paulo Futebol Clube, treinado por Telê Santana e com Cerezo, Müller, Palhinha e Leonardo em campo, iria conquistar o
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bicampeonato da Taça Libertadores da América e o segundo título do Mundial Interclubes. Enquanto isso, e com os cofres cheios em plena era Parmalat, o alviverde acertou a compra do atacante Edmundo junto ao Vasco da Gama durante uma reunião no Rodeio, com a presença do então presidente da multinacional italiana, Gianni Grisendi, do economista Luiz Gonzaga Belluzzo e dos cartolas Paulo Angioni e José Carlos Brunoro. Meses depois, o Palestra conquistaria o campeonato paulista, com uma vitória por 4 a 0 contra o Corinthians, no segundo jogo da decisão. Jogadores e diretores palestrinos comemoraram o caneco em um jantar, é claro, no Rodeio. Seguranças e maîtres tiveram de se desdobrar para conter os torcedores do lado de fora. Por falar em maître, em um dia qualquer de 1991, o Chagas apareceu no Rodeio acompanhando o irmão, que iria fazer uma ficha para trabalhar ali. Havia quase cinco anos que o maître predileto de Silvia não pisava no restaurante. Por uma dessas coincidências do destino, o então gerente do Rodeio tinha acabado de pedir as contas. Foi quando Silvia reparou que o destino tinha lhe passado a bola e resolveu jantar no Don Curro naquele mesmo dia. Fez o convite para Chagas voltar ao Rodeio, naquela vaga de gerente. E ele topou. “O Chagas, junto comigo e o
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meu pai, sempre fez um trabalho muito bom de atrair pessoas”, reconhece Silvia. “É muito leal a nós, a cara do Rodeio”. Missão duplamente cumprida para Silvia: ela havia trazido o Chagas de volta e tinha capitaneado a bem-sucedida reforma. O Rodeio era agora um clássico renovado. E sua tradição estava mantida.
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1998 . 2008
Pioneiro aos 50 anos. Mais uma vez
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presença de um verdadeiro dream team de maîtres, garçons e cumins no salão do renovado Rodeio, enquanto a família Macedo geria o negócio nos bastidores, não impedia que Roberto brilhasse também no salão, onde protagonizou boas histórias. Muitas delas tiveram a cumplicidade de Anselmo Duarte, o grande cineasta, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes com o filme O Pagador de Promessas (1962). Como aquela vez em que botaram, quer dizer, Roberto lançou mão de seu fino trato para botar um valentão para fora do Rodeio. Era um ator fortão, que aparecia por lá, incomodava os demais clientes e dava trabalho ao maître Raimundo. Conforme contou Roberto em um depoimento gravado pelo filho Rodrigo: “O cara não era forte – ele era um cavalo. As costas, desse tamanho! Halterofilista. Enorme, barbudo. Fazia propaganda das Conexões Tigre. Entrava na casa e se sentava com gente que ele mal conhecia. Comia, não pagava,
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ia embora. Incomodava todo mundo. Altamente inconveniente. O Raimundo chamou a atenção dele e ele respondeu que ia quebrar a cara do Raimundo”. Diante desse enorme problema, Roberto contou a história a Anselmo e Kazuo Sakurai, outro grande amigo, e desabafou: “Vou ter de proibir a entrada desse cara... O problema é que ele é um armário”. A partir dessa descrição, Anselmo reparou que naquela exata hora havia um cidadão no bar cujas características eram idênticas ao relato de Roberto. E disse: “Por acaso não é esse que está sentado aí no bar?”. Sim, era ele. “Esse aí não vai dar para barrar”, disse Anselmo, marotamente. Pois Roberto pulou da cadeira, seguiu em direção ao valentão e – para surpresa e medo dos amigos abandonados à mesa – deu-lhe o aviso: – Você está proibido de entrar na casa. Ameaçou um maître, eu sou o dono, e não posso admitir. Diante dos cabelos brancos de Roberto, o cara curvou-se e perguntou: – Mas até quando eu estou proibido? – Por tempo indeterminado! – ordenou Roberto. Para surpresa e admiração geral, o sujeito saiu de fininho. E nunca mais voltou. Ao lembrar-se do episódio, Silvia Macedo Levorin destaca que a reação de Raimundo foi de total acordo com a filosofia do
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Rodeio. “Nosso ramo de atividade é o serviço. Todos no Rodeio têm a mesma postura em relação aos clientes e dificuldades. Nunca irão se impor com força”, diz. De fato, o maître poderia ter querido resolver a parada com a ajuda dos pares e seguranças, mas preferiu levar a questão ao patrão, que encontrou, afinal de contas, um meio de controlar a situação.
O objetivo era fazer do Rodeio o primeiro restaurante à la carte do mundo a obter a ISO 9001 Exemplos como esse e também uma rotina permeada por avançados conceitos de administração e organização dos processos do dia-a-dia de um restaurante inspiraram o consultor de marketing Bruno Ferro, contratado pelo Rodeio em 2000, a sugerir a Roberto: “que tal buscar a certificação de qualidade ISO 9001?”. Sugestão aceita, desafio iniciado: Roberto Macedo e todo o time, composto na altura por 110 funcionários, se engajaram no objetivo de fazer do Rodeio o primeiro restaurante à la carte do mundo a obter a certificação de qualidade.
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Para alcançar essa certificação, foram investidos cerca de 300 mil reais, em valores da época, em medidas como programa de treinamento da equipe, reorganização dos processos, criação de um canal direto de atendimento e comunicação com os clientes, sem contar uma segunda reforma na sequência, em que foram alteradas a cozinha, a área onde era depositado o lixo, e comprado um equipamento para monitorar a temperatura dos alimentos. A fachada também passaria por mudança: o pórtico semicircular foi trocado por um toldo mais discreto, cujas características estão preservadas até hoje. Entre outras providências para conquistar a ISO 9001, o chefe da faxina, por exemplo, teve de descrever aos auditores externos até mesmo qual era a maneira como limpava o salão e quais os materiais utilizados. Se lançasse mão de uma mistura de sabão em pó com detergente para lavar o piso, por mais brilhante e cheiroso que isso ficasse, teria de, dali por diante, usar outro tipo de produto que estivesse de acordo com as normas ISO 9001. O couvert, servido praticamente da mesma maneira desde sempre, teve de ser rigorosamente documentado, tanto na sequência dos itens colocados à mesa, quanto na descrição dos próprios ingredientes. Acabou sendo reduzido através dos anos, a fim de
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evitar o desperdício: muitos dos palitos de pepino, do rabanete no gelo e dos brotos de salsão voltavam para a cozinha. Esses vegetais acabaram por compor uma receita de salada, se o freguês assim quiser. É claro que aquele cliente que comia rabanete continuará a recebê-lo no couvert.
O broto de salsão seria tirado do couvert. Menos daquele servido ao Thomaz Souto Corrêa O jornalista Thomaz Souto Corrêa, por exemplo, nunca ficou sem seu broto de salsão nos 50 anos em que vem frequentando o Rodeio. “Aqui quem manda é o cliente”, reforça Silvia. “Se ele quiser que a picanha seja feita de um jeito diferente, ela vai ser feita do jeito e no ponto que ele quiser. Nosso chefe de cozinha é um líder de equipe, não é um chef autoral”. Nem mesmo o pão de queijo, uma das estrelas dessa indispensável etapa inicial da refeição, escapou da caneta dos auditores. Na hora de escrever a receita, cada um falava de um jeito. Vai mais manteiga? Quanto de sal? Qual a quantidade de polvilho? E
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de leite? Foi um pega pra capar, até que o Zildo, um garçom que tinha trabalhado na cozinha e hoje está aposentado, falou: “mas na minha época a gente não punha leite”. E veio a luz. Depois de vários testes, finalmente os cozinheiros chegaram à receita original e que seria documentada para a posteridade. O cardápio merece mais um parênteses: “não dá muito pra inventar o boi de novo”, brinca Silvia. Mas houve um tempo, entre 2001 e 2002, em que o Rodeio serviu carne de avestruz. Ou melhor, foi o primeiro restaurante brasileiro a servir cortes dessa ave cultivada em território nacional. Conforme registrou a jornalista Regina Neves na edição de 16 de maio de 2001 da Gazeta Mercantil: “Ela vem do primeiro abate de avestruzes realizado no Brasil, promovido pela Aravestruz, de Araçatuba. (...) Seu couro é o segundo mais valorizado no mundo. Só perde para o de jacaré”. No dia 27 de abril, dia em que o produtor dos avestruzes fez um almoço de apresentação da novidade, Silvia, o irmão Beto e o pai protagonizaram uma cena inédita em plena Haddock Lobo. Foi assim, de acordo com Silvia: “o produtor trouxe dois avestruzes para o Rodeio, deixou-os no estacionamento e levou para a porta do restaurante. Perguntou quem queria montar, nós montamos e demos uma caminhadinha básica pela Haddock Lobo”.
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O plano de carreira, um dos orgulhos de Silvia Macedo Levorin, também ganhou melhorias depois da certificação ISO 9001, embora ela reconheça que desde sempre os funcionários indicavam amigos para as vagas abertas – “a antítese do que prega o RH”, diz. Mas isso sempre deu certo. “A gente só evita contratar pai e filho e marido e mulher. Irmão, tudo bem”. Há um caso, por exemplo, dos cinco manos que trabalham até hoje no Rodeio. O primeiro, Josivan Batista de Souza, foi office-boy, mudou de área e hoje é responsável pela qualidade. Está há mais de trinta anos na empresa. Foi ele quem trouxe os quatro irmãos: Adonias, o chefe do caixa; Fernando é chefe de cozinha; Franco comanda a produção de couvert e João Batista é maître, todos eles, por coincidência, funcionários na filial do Iguatemi. Certa vez, o Rodeio ofereceu para cada funcionário um jantar com direito a acompanhante. Josivan levou a mãe, que foi recebida por João Batista, provou do couvert feito pelo Franco e pediu um prato preparado pelo Fernando. “Foi a coisa mais fofa do mundo”, recorda Silvia. Entre eles, Fernando é o mais novo de casa – trabalha no Rodeio há dez anos. Se o “Senador” Chagas, atual gerente de relacionamento, começou no Rodeio lavando panelas, o “Deputado” Toninho, gerente geral do Rodeio, foi
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contratado como caixa, passou pela área de qualidade e cresceu na empresa ao longo de mais de três décadas. “Senador” e “Deputado” são a forma de tratamento que Chagas e Toninho dedicam um ao outro. Têm uma vida devotada ao Rodeio, devidamente bem recompensada, e tiveram papel fundamental no engajamento da equipe para a conquista da ISO 9001. “Eu fiquei até com pneumonia durante a pré-auditoria porque eram muitas exigências, ao longo de um ano inteiro”, relembra Silvia. “E o Chaguinhas chorou no dia em que fomos certificados”.
Senador Chagas e Deputado Toninho têm uma vida devotada ao Rodeio, bem recompensada, é claro Silvia, atualmente superintendente do Rodeio, compara o momento atual da casa com a época précertificação. “Não troco a situação de hoje, com uma clientela menor, pela de trinta anos atrás, quando a gente tinha 1000 pessoas por dia mas as coisas escorriam entre nossos dedos”, garante. “A gente sabia que podia fazer melhor mas não conseguia manter o
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padrão: era muita gente, estávamos sempre correndo para atender. Hoje a operação está sob controle”. Além de Silvia, que era gerente operacional, outros dois filhos de Roberto Macedo, Sandra e Beto, trabalhavam na casa à época. Uma consultoria de sucessão familiar foi contratada, por sugestão de Silvia, e Roberto Macedo concordou. Não sem muita discussão, como acontece nas melhores famílias, foi definido um organograma: Sandra ficou com a área financeira, da qual é diretora até hoje. Roberto, o filho, responsabilizou-se pelos suprimentos (ele trabalhou na empresa até 2007). Silvia assumiu as operações e a direção geral do restaurante. Rodrigo, o caçula, trabalhou dois anos no Rodeio antes de se dedicar à carreira no setor de audiovisual. Roberto, o pai, permaneceu como o dono da última palavra até 2012, quando partiu. Antes do fim da primeira década do século XXI, o Rodeio deixaria impressos em dois livros alguns de seus melhores momentos – os passados e os que estariam por vir. Em 2005, conforme já mencionado, foi lançado o livro Rodeio Conta os Jardins, escrito pelo jornalista Nirlando Beirão, que registrou a história do bairro que o Rodeio viu crescer consigo, com uma vasta pesquisa e a participação de clientes e moradores do bairro, tendo como pano de fundo a churrascaria.
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Já para as comemorações dos 50 anos, em 2008, a casa encomendou à fotógrafa Ana Ottoni, a partir da ideia de Washington Olivetto, mais um livro, “Rodeio: Próximos 50 Anos”, com retratos de filhos e netos de clientes tradicionais.
Roberto e Silvia foram procurados por Erika Jereissati, do Iguatemi. Chegava a hora da expansão Um ano antes, o Rodeio havia recebido mais um convite para abrir uma filial. Roberto e Silvia Macedo foram procurados por Erika Jereissati, do Shopping Iguatemi. Ela contou que havia planos para ampliação da área do shopping e queria ter o Rodeio ali dentro. Dessa vez, Roberto avaliou que o momento de expansão havia chegado: “Se vocês não me derem mais trabalho, vamos em frente”.
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2008 . 2018
AmanhĂŁ nĂŁo vamos estar, mas o Rodeio tem de estar
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odos os dias, o coração das duas unidades do Rodeio, na Rua Haddock Lobo e no Shopping Iguatemi, começa a bater às 9 da manhã – em ponto. Nessa hora, as churrasqueiras das duas casas, idênticas, são acesas. Construídas pela equipe de manutenção do próprio Rodeio, elas compõem-se de uma estrutura de ferro, aço e tijolo retrátil. Têm 5 metros de comprimento por 60 centímetros de largura e 40 centímetros de profundidade. Assim que os primeiros pedaços de carvão são transformados em brasa, o que leva uns 20 minutos, os churrasqueiros Leone (na Haddock Lobo) e Gama (no Iguatemi) dispõem a primeira peça de carne do dia, a costela, sobre a grelha mais alta, 60 centímetros acima do fogo. O corte predileto de clientes como Thomaz Souto Corrêa e os atores Claudia Raia e Rodrigo Lombardi é o que passa mais tempo ali, de 6 a 8 horas, a assar lentamente, a uma distância que deixará a carne com aquela capa de gordura tentadora e levemente tostada
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e o miolo macio, no ponto ideal. Bife ancho e chorizo, além da picanha fatiada – são três toneladas de picanha compradas por mês, de um total de cinco toneladas de carne – estarão mais perto do fogo, à medida que os pedidos forem saindo. Para dar conta de aquecer tanta carne, o restaurante compra 700 sacos de 8 quilos de carvão vegetal a cada 30 dias. No Iguatemi, por volta das 9h30, 10 da manhã, a brigada começa a preparar o salão. As mesas vão sendo forradas e sobre elas os pratos e talheres, dispostos. Os últimos ajustes para o início de mais um dia são feitos. O Chagas, gerente de relacionamento e eterno maître, e que poderia começar o expediente somente lá pelas 11h30, já vai estar chegando. Tem sido assim desde 2011, quando a unidade foi inaugurada no Iguatemi, quatro anos depois que o Rodeio recebeu o convite da família Jereissati para abrir a filial ali. O empresário Carlos Jereissati Filho, CEO do Iguatemi, conta o porquê do convite ao Rodeio: “Eu me lembro de, ainda criança, ir ao Rodeio nos fins de semana com minha família, meus irmãos. O almoço começava ali no bar, a gente ia comendo um croquetinho, aquela carninha com molhinho de mostarda. Os almoços eram intermináveis. Se encontrássemos uma família amiga, sentávamos na mesma mesa e ficava todo mundo em volta daquele
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couvert, que é o melhor de São Paulo. É o tempo que as famílias têm de bater papo. O pastel, o pão de queijo com vinagrete, incrível! A salada que vem antes da carne... é todo um ritual. Por isso, quando a gente conseguiu trazer o Rodeio para o Iguatemi foi um marco, a integração de dois ícones da cidade de São Paulo, um casamento perfeito, celebrado de uma forma muito bacana. E tem uma figura chave nessa história, que é o Chagas. Os maîtres sempre tiveram o papel de transformar o Rodeio numa grande família, eles se relacionam, não estão ali só para indicar uma mesa. O Chagas é como se fosse da família, além de ser cearense, como a minha.”
Para saber mandar é preciso saber fazer, diz Chagas, que recebeu o conselho do Amador Aguiar A primeira tarefa de Chagas é ler três jornais do dia – Folha, Estado e O Globo. “Sou obrigado a falar de qualquer assunto com os clientes”, diz. Em seguida, confere a montagem da casa e escala o time de garçons e maîtres, conforme vai chegando algum cliente que
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tenha preferência por ser atendido por algum garçom. Faz uma pausa entre 15h30 e 18h, mais ou menos, nos dias úteis. “No domingo, vou almoçar às seis da tarde. Tenho de ficar em cima de tudo. Tem cara que faz bobagem que você não acredita...”, revela ele, um autor de frases de efeito com as quais procura inspirar e estimular os comandados. Uma delas é célebre: “Para saber mandar é preciso saber fazer”. Chagas diz que aprendeu essa máxima com o banqueiro Amador Aguiar, fundador do Bradesco. “Garçom é vocação. Nessa profissão tem de gostar do que faz porque tem de trabalhar sábado, domingo e feriado, tem de saber servir, explicar de A a Z os itens do cardápio. Eu passei por todos os setores da empresa: faxina, cozinha, conheço tudo.” Para Silvia Macedo, Chagas sabe tudo quando o assunto é cliente. “Ele tem uma inteligência emocional incrível”, define. Com vidas, digamos, independentes, o bar e o salão do Rodeio no Iguatemi ocupam espaços completamente distintos. Ambos foram projetados pelo arquiteto Isay Weinfeld e somam 1000 metros quadrados de área. O restaurante fica no 8º andar do mesmo prédio onde está a administração do shopping, que se divide entre o 9º e 10º andares, e o estacionamento. No térreo está o bar. O acesso lá para cima se dá por elevadores exclusivos e sem escalas.
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No salão chamam atenção o mobiliário clean, com predominância de madeira, e os 200 pedaços de pele de vaca em tom de marrom, certificados pelo Ibama, que cobrem algumas paredes e poltronas.
No bar do Iguatemi a ideia era colocar petiscos diferentes. Mas a freguesia queria mesmo pastel e croquete Para a montagem do bar, uma consultoria externa foi contratada, já que Silvia tinha a ideia de oferecer algo diferente, com foco talvez no paladar etílico e gastronômico das mulheres. A carta de coquetéis, por exemplo, foi elaborada pela bartender Heloisa Mäder, que havia montado a lista de bebidas do Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. Surgiram, assim, dois drinques exclusivos, da linha Signatures: o Gilda, em homenagem à mãe de Silvia (esferas de vodca que explodem na boca e uma infusão aromática de peras frescas), e o Roberto, é claro, dedicado ao pai: uísque Bourbon, licor de uísque, suco de tomate, pimenta e uma lasquinha de presunto italiano San Danielle. Entre os comes, Silvia planejava ter uns
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queijinhos e porções diferentes. Mas bastou que o bar fosse aberto, para os primeiros clientes perguntarem: “Cadê o pastel? Cadê o croquete?”. Não teve jeito: foram mantidos os itens que eram os mais vendidos e adicionados os mais pedidos na matriz. Se nos anos 1970 e 1980, o bar do Rodeio era um ponto de encontro de bebedores de uísque, em sua maioria, hoje os dois bares têm como demanda a coquetelaria clássica: a chefia do balcão nos Jardins está a cargo do veterano Bandeira; no Iguatemi, depois que o Aprígio se aposentou, é o Dázio quem cuida da coqueteleira e do mixing glass. Ficaram para trás também algumas inconveniências daqueles tempos, bem lembra Silvia. “Houve uma época em que outras churrascarias do entorno não cobravam drinque de mulheres desacompanhadas, para que atraíssem clientela”, conta. O Rodeio, embora nunca tenha aderido a tal gentileza com as moças, por assim dizer, acabou levando uma indesejada fama. “Quando eu comecei no Rodeio, essa fase já tinha passado. Desde sempre fomos reconhecidos por termos um ambiente democrático mas optamos por focar o serviço no acolhimento das famílias”. E, democraticamente, a conta sempre foi e sempre será entregue a todos que consumirem ali.
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Não tardou para que a filial do Iguatemi caísse nas graças do público. Tal como a matriz, nos primeiros meses a clientela fiel – e os novos convertidos e curiosos também – topava encarar a espera de uma ou até duas horas para provar a picanha fatiada e companhia, num cardápio idêntico ao dos Jardins. Conforme constatou o jornalista Luiz Américo Camargo, então crítico gastronômico do caderno Paladar, do Estadão, em sua coluna do dia 2 de junho de 2011: “(...) O shopping, o elevador, depois o salão com arquitetura de Isay Weinfeld, nada disso parece lembrar muito a tradicional sede da Haddock Lobo. Mas quando o serviço entra em ação, as coisas parecem fazer sentido. A cordialidade é a de sempre. (...) A picanha fatiada, por sua vez, segue no padrão dos Jardins.” Sob a gerência de Chagas, não poderia ser diferente. Inaugurada em 25 de maio de 2011, a filial tem capacidade de atendimento para 200 pessoas e sua equipe é formada por 80 profissionais. Parte da constelação de celebridades que frequentava a matriz passou a ser vista também ali: o apresentador Fausto Silva, por exemplo, logo adotou uma mesa no canto direito do salão. O cantor Roberto Carlos, que havia se tornado vegetariano, deixou-se ser fotografado ali pela coluna Direto da Fonte, assinada por Sonia Racy no Estadão, enquanto, já reconvertido à carne,
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degustava uma picanha fatiada com farofa e palmito assado. Empresários e profissionais que trabalham na região da Faria Lima logo passaram a predominar na fauna circulante da casa, sempre num ritmo mais acelerado de almoço de negócios em contraponto ao passo mais lento dos repastos na Haddock Lobo.
Roberto Carlos, ex-vegetariano, deixou-se ser fotografado enquanto degustava uma picanha fatiada com farofa
A experiência bem-sucedida com o planejamento e a execução das obras no Iguatemi estimulou Silvia Macedo a pensar em mais uma reforma, dessa vez mais parruda, nos Jardins. Na visão da restauratrice, ao comparar com a beleza que era a filial, o endereço da Haddock Lobo parecia uma colcha de retalhos, que começaria a ser desfeita em 2013. No ano anterior, porém, o Rodeio passaria por fortes emoções. Roberto Regis Velludo Macedo, presidente do conselho de administração, morreria no dia 19 de novembro de 2012, não sem antes ter recebido uma justíssima
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homenagem: em setembro, foi agraciado com o prêmio de “Personalidade Gastronômica do Ano” pela edição especial “Comer & Beber” da revista Veja São Paulo. Na cerimônia em que recebeu a láurea, estava acompanhado da filha, Silvia Macedo Levorin, que iria sucedê-lo na gestão do restaurante. Em dezembro, Roberto Macedo seria lembrado também pelo seu time de coração. Deveria ter sido homenageado na final da Copa Sul-Americana no Estádio do Morumbi, mas a Confederação SulAmericana de Futebol não permite, nos jogos da competição, o rito de 1 minuto de silêncio, que seria feito apenas na última rodada do Campeonato Brasileiro, durante um São Paulo x Corinthians, no mesmo Pacaembu de cujas arquibancadas partira com o pai, Nestor, para o Rodeio, 54 anos antes. O São Paulo ganhou o jogo de virada. Antes disso, o compadre José Carlos Ferreira Alves já havia depositado em seu túmulo, no Cemitério do Morumbi, a faixa de Campeão da Copa Sul-Americana de 2012. A reforma programada para 2 013 na Haddock Lobo, sob total supervisão de Silvia Macedo, seria a maior da história do Rodeio e se estenderia até meados de 2016. A casa ficou fechada somente entre o Natal de 2013 e o Ano Novo, num total de dez dias. Foi uma obra completa que readequou os setores operacionais
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dos 2300 metros quadrados de área construída para 1850 metros quadrados, em virtude da devolução de uns dos imóveis, que ainda estava sendo alugado. Nesse prédio ficava boa parte da infraestrutura – a cabine primária, o poço artesiano, o gerador, parte da cozinha, a área de funcionários, os banheiros – e o Rodeio chegou a negociar a compra com o proprietário, por um valor acima do praticado pelo mercado, mas o negócio não foi fechado. “A gente devolveu o imóvel e fez essa grande obra: o bar, a cozinha e a adega ficaram maiores, os novos banheiros foram instalados e uma cabine primária nova foi feita”, descreve Silvia. “Hoje temos 200 lugares no salão. É exatamente igual ao Iguatemi, com o mesmo número de colaboradores”. O cheiro da fumaça que incomodava as antigas frequentadoras ficou no passado longínquo. De acordo com as normas sanitárias atuais, não basta instalar um sistema de exaustão confortável para o público. É preciso tratar a fumaça para que ela não seja solta diretamente na rua ou no vizinho. O óleo descartado segue para a reciclagem. “Agora que o telhado foi refeito, encontramos uma área na qual pretendo instalar uma composteira e uma horta”, adianta Silvia. Hoje a matriz dispõe de um filtro eletrostático que suga em poucos segundos a fumaça densa e branca que emana da churrasqueira e dos fogareiros
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instalados em cada salão, onde é preparada a picanha fatiada, carro-chefe. A equipe de manutenção limpa o equipamento diariamente e cuida também da câmera refrigerada de lixo e dos demais equipamentos, mas não só disso.
Com a reforma na matriz, os funcionários ganharam uma academia no sótão. Vem aí um redário Durante a reforma, Silvia percebeu que Edval, que havia chegado ao Rodeio para fazer serviço de pedreiro e tinha sido promovido a chefe de manutenção, colocava toda a equipe, verdadeira tocadora de toda a obra, para levantar peso depois do expediente. Já em 2018, ela resolveu destinar uma área no sótão para a instalação de uma academia de ginástica para a turma de Edval e para todos os funcionários que quiserem treinar. “Adesivamos as paredes, colocamos lonas e aparelhos e chamamos dois professores que passaram as orientações básicas de aquecimento e treinamento”, narra Silvia. O próximo passo é a conclusão de uma área com redes, para aqueles que quiserem dormir no
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intervalo entre os turnos do almoço e do jantar. Como se vê, se Roberto Macedo deixou como legado o lema segundo o qual o cliente é o dono do Rodeio, para Silvia Macedo o maior patrimônio da empresa está no conjunto dos funcionários. O “Deputado” Toninho conta que certa vez um consultor de gestão perguntou a Silvia justamente isto: – Qual o maior patrimônio do Rodeio? – Os colaboradores. – respondeu ela. – Ok, mas e quanto a algo que a senhora possa abraçar, tenha muito valor? – insistiu o consultor. – Os colaboradores. – ela repetiu. Para o gerente geral, que começou a trabalhar no Rodeio apenas dois meses depois da entrada de Silvia, em 1986, a superintendente tem um estilo de gestão que combina perfeccionismo nos detalhes com ponderação na tomada de decisões. “Ela ouve demais a gente mas sabe a hora de decidir e de nos deixar à vontade. Isso nos dá uma segurança muito grande”, diz Toninho, que acompanhou Silvia em uma viagem a Buenos Aires em setembro de 2018, para conhecer uma das fazendas e o processo de abate mantido pelo frigorífico Rioplatense, de quem o Rodeio compra picanha. “Ela diz que gosta de dar explicação em relação às coisas. Então, gosta também de ouvi-las”, conclui Toninho. Há cobrança por resultados, é claro,
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mas com muito respeito e isso mantém os gerentes motivados. “É uma pessoa de outro planeta e sabe delegar as coisas”, completa o “Senador” Chagas. Também com os parceiros e fornecedores, o Rodeio mantém um relacionamento longevo e de grande confiança. No momento crítico da paralisação dos caminhoneiros em meados de 2018, os fornecedores de produtos hortifrúti (o Ceccarelli e o Castor) garantiram a entrega e sem aumentar o preço dos produtos. “A Silvia é uma líder fantástica, que soube dar passos novos à frente do Rodeio, mantendo esse ar de restaurante que abraça os seus clientes. Junto com a equipe toda, ela sabe manter a identidade do Rodeio”, atesta o Carlos Jereissati, CEO do Grupo Iguatemi. Numa conversa acerca do que será do Rodeio daqui a 60 anos, em uma mesa no canto esquerdo no Rodeio Iguatemi, Toninho não quis prever quantas filiais do restaurante haverá no futuro. “Mas como está escrito na nossa missão, sei que vamos nos perpetuar”. E Chagas respondeu: “Não podemos ter medo do futuro. O Rodeio é uma pirâmide, vai viver 300 anos”.
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1958 . 2018
60 anos em quatro fachadas
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ua Haddock Lobo, 1498. Dos tijolinhos à vista e seu ar rústico da época da inauguração à sobriedade da estampa atual, o desenho da fachada do Rodeio capturou o espírito do tempo e as mudanças comportamentais, urbanas e o figurino dos Jardins, que estão em evolução constante.
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De pai pra filha desde 1958 Por Washington Olivetto
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pesar de ser um fanático praticante de exercícios mentais, eu não consigo imaginar como será o Rodeio daqui a 60 anos. Mas como sou também um fanático praticante do achismo, acho que não será muito diferente do Rodeio de hoje. Terá no máximo algumas novidades nos equipamentos das cozinhas e no layout dos salões, coisas que mudam e se atualizam com o passar do tempo. Mas a filosofia que fez do Rodeio muito mais do que um restaurante, eu acho que não vai mudar. Partindo desse princípio, uma certeza que podemos ter, desde já, é que daqui a 60 anos o Rodeio continuará existindo. Se o Peter Luger, de Nova York; o Wiltons de Londres; o Le Procope, de Paris; o Sobrino de Botín, de Madri; o Ristorante Peppone de Roma passaram dos 120 anos de idade, é claro que o Rodeio – que é mais carismático e mais bem frequentado do que eles – também vai passar.
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Como, por motivos de força menor, eu certamente não vou poder estar presente para dar palpites quando isso estiver prestes a acontecer, deixo a minha sugestão para a comemoração desde já: servir um cardápio que tenha as receitas tradicionais dos primeiros 120 anos do Rodeio, e mais algumas especialmente criadas pelas Janainas, Jeffinhos, Laurents, Lucas, Mazzôs e Murakamis de 2 078. Washington Olivetto Direto de Londres P.S.: Sugiro convidar novamente o Thomaz Souto Corrêa para ajudar na organização das comemorações, mas penso que, na data, por motivos semelhantes aos meus, ele também não poderá estar presente. P.S. II, direto do futuro: Washingtinho, lamento te desapontar, mas – se a Silvia me convidar, claro – eu faço questão absoluta de participar da comissão de organização das comemorações dos 120 anos do Rodeio. Tá bem, dos 100 anos! Estaremos inaugurando a filial de Saturno, e um novo conceito de escolha do cardápio sideral. Mas a surpresa mesmo vai ser o novo guarda-roupa espacial do Chaguinhas. Thomaz Souto Corrêa Direto do Rodeio
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Os autores
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No Rodeio, eu não sou o dono. O dono é o cliente Roberto Macedo