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E xpediente SUMÁRIO

EDITORIAL

O galo sou eu - Líder comunitário carismático e silencioso, Galo se mobiliza para promover a economia na Rede de Resistência Solidária

Divulgação

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Virgem louca - A mais famosa rainha francesa ganha versão de chiclete de bola pop no cinema luxo só - Uma história de como o luxo 06 Épassou de atributo para substantivo individualista

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Pensar é moda - Baudrillard nos faz lembrar que o mundo acadêmico não é tão diferente assim do universo fashion

- A construção dos mitos 08 Censura sexuais pela Igreja Católica

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O maior espetáculo da Terra- A Paixão de Cristo continua a ser o drama mais representado em todo mundo ocidental e religioso Procurado - Uma análise das imagens de Lampião e Osama Bin Laden

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A paixão segundo F.G. - Crônica de Flávia de Gusmão explica a fisiologia do desejo comum de todos nós

Para tornar ainda mais ágil e mais polêmico o debate de idéias, o Pernambuco abre as suas asas - aliás, as suas páginas - para discutir a chama da liberdade, que sempre provocou o homem, e tornou-se ainda mais animadora com a Revolução Francesa, agora novamente despertada com o lançamento do filme “Maria Antonieta”. E também, é claro, com a criação da Rede de Resistência Solidária, no Recife, revelada pelas palavras de Galo, o libertário pernambucano. Parece incrível que a liberdade seja ainda agora assunto polemizado, mesmo depois do fim da Guerra Fria e da queda do Muro de Berlim, quando se acreditava, inclusive, no fim das ditaduras. Se elas terminaram no sentido militar, ameaçam ressurgir de forma grotesca com a criação neoliberal de um modelo econômico que atormenta com impostos e juros altos. Isto tudo leva as comunidades de bairros a criarem resistências, que se ampliam em todos os lugares. O mundo em transformação não deixa de lembrar “Maria Antonieta”, veja matéria de Rodrigo Carreiro, na página quatro, a respeito do filme, onde se explica que a impetuosidade e revolta da rainha levaram o luxo ao último ponto, como observa Dario Brito, considerando-o o produto de uma individualidade exarcebada, que conduz o homem ao isolamento, sem preocupações com o drama coletivo. Na matéria central, “O Galo sou eu”, discute-se, justamente, a criação de coletivos que procuram romper com a economia cristalizada e linear, onde aparece a figura do carismático Galo, reafirmada pela maravilhosa charge de Pedro Buarque, um artista de altíssima qualidade, ocupando a inteira página três. Ousadia criativa que se ressalta pela diagramação de Jaíne Cintra, também nas páginas escritas por Carlos Newton Júnior, em curiosa matéria sobre Bin Laden e Lampião. Existe a liberdade mesmo? O material do corpo do Pernambuco remete ao encarte Saber + na discussão deste problema que nem deveria ser um problema, com debates e artigos assinados por professores universitários e especialistas, a exemplo de Luciano Cerqueira, Alberon Lemos e José Nivaldo Júnior, repercutindo ainda na voz de sindicalistas, líderes comunitários e estudantes. Por isso mesmo o Saber + também apresenta uma novidade: caderno pleno de idéias deve ter as suas páginas centrais destacadas para que possam ser usadas como jornal mural ou matéria de debates entre estudantes, professores, líderes comunitários e sindicalistas, além de questões do vestibular enfocando este assunto apaixonante. O encarte, assim, deve estar presente nas paredes, nas salas de aula, nas reuniões, nos debates, na mesa de estudos.. E em época de Semana Santa, o jornal ainda aborda a “Paixão de Cristo”, em matéria de Marilene Mendes, com destaque também para os vetos sexuais da Igreja, no texto de Anco Márcio. Boa leitura. E grande debate. Raimundo Carrero rcarrero@cepe.com.br

EXPEDIENTE

GOVERNADOR DO ESTADO Eduardo Campos VICE-GOVERNADOR João Lyra Neto SECRETÁRIO DA CASA CIVIL Ricardo Leitão

PRESIDENTE Flávio Chaves

EDITOR Raimundo Carrero

SECRETÁRIO GRÁFICO Gilberto Silva

DIRETOR DE GESTÃO Bráulio Mendonça Meneses

EDITOR EXECUTIVO Schneider Carpeggiani

REVISÃO Gilson Oliveira

carpeggiani@gmail.com

DIRETOR INDUSTRIAL Reginaldo Bezerra Duarte GESTOR GRÁFICO Sílvio Mafra

EDIÇÃO DE ARTE Jaíne Cintra jainecintra@gmail.com

EDIÇÃO DE IMAGENS Daniel Sigal Circulação quinzenal. Parte integrante do Diário Oficial do Estado de Pernambuco. Distribuído exclusivamente pela

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Companhia Editora de Pernambuco -C CEPE Rua Coelho Leite, 530, Santo Amaro CEP 50100-140

Fone: (81) 3217.2500– FAX: (81) 3222.5126

EQUIPE DE PRODUÇÃO Debora Lobo, Eliseu Barbosa, Joselma Firmino, Lígia Régis, Roberto Bandeira e Vivian Pires


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Apesar de coletivo, ele tem personalidade própria e informal Raimundo Carrero

projeto não poderia ser mais polêmico: fugir, o mais possível, da economia formal para criar uma Rede de Resistência Solidária onde coletivos implantados em comunidades do Recife - e em cidades de outros estados - possam trocar experiências, realizar ações e criar novas possibilidades de vida. Tudo porque “a sociedade é alienada pelas relações de trabalho e pela opressão, o mercado comercial e empresarial guia o individualismo e o pensamento competitivo através da comunicação para vendê-lo”. Esta exortação consta do encarte do disco “Dialeto Sonoro”, gravado em condições precárias no estúdio do coletivo, e que conta com a participação de vários grupos. Trata-se de um produto criado nas condições elaboradas pela rede e que circula dentro dos coletivos com moeda que lhe parece própria. Um dos participantes do grupo atende pelo nome de Galo, um grafiteiro que chamou a atenção do Recife pela habilidade como realiza sua obra, considerada de boa qualidade artística. É verdade que não gosta de ver o seu nome destacado. Prefere ser tratado como um dos elementos do grupo e sempre pede para não revelá-lo. Mas é uma figura extremamente carismática: fala baixo, reticente, irônico, às vezes é prolixo. E sobretudo resistente. Por isso mesmo conduz a vida em torno desta rede, trabalhando incessantemente, criando mais condições, rebelando-se, a seu modo revolucionário. Daí a sacada de Pedro Buarque na charge: o libertário Galo de Souza, com ares de frei Caneca, enfrentando um batalhão de fuzilamento. Uma metáfora

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perfeita. O homem que luta pela liberdade de decidir o próprio destino. Na rinha comunitária, o libertário está sempre enfrentando o batalhão dos conservadores, dos tradicionalistas, dos lineares. De peito aberto para conquistar uma posição que leve em conta os clamores de uma sociedade marcada pela cobrança de impostos e juros caros, quase sem forças para a sobrevivência. Implantando a resistência. Toda a questão resulta em não contar com a força da economia formal, com vícios mais do que virtudes. Um lema definitivo e certeiro: “A comunidade pensa o melhor para comunidade”. Assim: “Os coletivos e indivíduos cedem seu trabalho, seus equipamentos para o funcionamento da Rede. Através do trabalho coletivo, os grupos conseguem apoios, equipamentos, e tudo o mais que é necessário para desenvolver e alcançar seus objetivos, sem precisar se unir a forças que não trazem bem à comunidade”. No folheto que procuram explicar, didaticamente, a determinação da Rede, um indicativo de coragem: “Tá vendo essa camisa? Foi feita pelas pessoas da comunidade e para as pessoas da comunidade”. Ou seja, a comunidade compra o que a própria comunidade produz. E nas obras públicas, se uma rua precisa de uma nova canaleta, a comunidade se reúne para construí-la e implantá-la com os próprios recursos. Afinal, quem vive uma luta dessa tem que ser galo. Tem que cantar: “O galo sou eu”.

Saber + Debate

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N C inema

seqüência de abertura de “Maria Antonieta” (Marie Antoinette, EUA/França/Japão, 2006) diz bastante a respeito do filme. Ao som de acordes estridentes de guitarra levemente desafinados da banda Gang of Four, os créditos são apresentados em letras rosa-choque sobre fundo preto, utilizando a mesma tipologia anárquica do lendário álbum de estréia dos Sex Pistols. O estilo pós-moderno nada tem a ver com o luxo e a pompa do século XVIII, época em que a história se passa. Mas, mesmo sem mostrar atores ou figurinos, a seqüência deixa evidente que a estética escolhida pela cineasta Sofia Coppola para contar a história da adolescente austríaca que virou rainha da França é, no mínimo, inusitada. Estética pop-adolescente adornando a cinebiografia de uma controversa personagem aristocrática do Velho Mundo? Guitarras desconexas na trilha sonora de um filme de época? A escolha parece estranha, bizarra até, mas não soa tão incomum quando se analisa o retrato de Maria Antonieta que emerge do longa-metragem: uma adolescente rica (alguns poderiam acrescentar o adjetivo “alienada”, ou “patricinha”), irremediavelmente presa dentro de um mundo adulto, de aparências, com o qual não guarda nenhuma identificação. Para Sofia Coppola, a polêmica rainha francesa não passava de uma garota comum, uma jovem a fim de diversão, que se viu presa numa posição que não desejava e resolveu se rebelar. A palavra-chave é rebeldia. Na interpretação de Coppola, Maria Antonieta teria sido uma menina normal com sensibilidade pop. Se tivesse nascido no século XXI, ela provavelmente ouviria The Strokes, New Order e Aphex Twins, bandas cujas canções batem ponto na trilha sonora. Também preferiria o grafismo anárquico mostrado nos créditos para escrever suas cartas, ao invés da elegante e formal caligrafia de bico-de-pena, tradicional nas altas cortes européias do século XVIII. Se pudesse, Maria Antonieta teria colocado vestidos rosa-choque, posto um piercing no nariz e feito tatuagens. Enfim, teria feito tudo o que os jovens da atualidade fazem para demarcar um espaço o mais distante possível da imagem bem-comportada dos adultos. “Maria Antonieta” é um filme talhado para platéias jovens. Observando em retrospectiva os trabalhos em cinema feitos pela diretora, é muito evidente a unidade temática. Os três filmes que Coppola dirigiu (além deste, os elogiados “As Virgens Suicidas”, de 2000, e “Encontros e Desencontros”, de 2003) enfocam, em essência, a mesma situação: mulheres jovens vivendo, a contragosto, dentro de prisões emocionais, sem conseguir se libertar. Vale lembrar que o primeiro trabalho de Sofia no cinema, como roteirista do conto “A Vida Sem Zoe” (dirigido pelo pai Francis no irregular “Contos de Nova York”, de 1989), também circundava o mesmo tema, ao mostrar uma menina solitária vivendo num quarto de hotel, esquecida pelos pais. Tudo isso torna irresistível, quase inevitável, a tendência de fazer uma leitura autobiográfica de “Maria Antonieta” - ou seja, a personagem histórica teria sido distorcida para virar uma versão ficcional da própria diretora. Quase todas as críticas escritas sobre “Maria Antonieta” giram em torno da sensibilidade pop do filme, em especial a respeito da ousadia de sublinhar as cenas mais importantes com canções roqueiras. No entanto, quase ninguém percebeu que este é um recurso usado pela diretora para exprimir visualmente a progressão emocional da protagonista, principalmente através do uso da música e da direção de fotografia. De fato, a produção pode ser dividida em dois blocos de duração mais ou menos igual, mas que seguem escolhas estéticas bastante diferentes. Durante a primeira metade, Maria Antonieta (Kirsten Dunst) se esforça bastante para obedecer à vontade da mãe (Marianne Faithful), imperadora da Áustria e principal interessada na união precoce da filha com o príncipe francês Luiz XVI (Jason Schwartzman). Embora infeliz, a adolescente tenta se enquadrar no sistema e representar o papel que dela se espera. Neste trecho do filme, ouve-se música erudita, e as composições visuais criadas pelo diretor de fotografia Lance Acord privilegiam linhas retas e enquadramentos simétricos, organizados impecavelmente. Há muitas tomadas panorâmicas que ressaltam a opulência dos castelos franceses (Coppola filmou os interiores no verdadeiro palácio de Versalhes, onde a verdadeira Maria Antonieta viveu) e dos figurinos belíssimos (Milena Canonero, que fez “Barry Lyndon” de Kubrick, desenhou as roupas). Já na segunda metade do filme, uma série de decepções pessoais fazem com que a futura rainha da França desista de tentar agradar à família. Ela assume sua porção rebelde, deixa flagrante sua antipatia pela amante do rei (Asia Argento) o que causa escândalo na fauna de condes e duques que cerca os governantes - e cai de cabeça numa vida desregrada, repleta de champanhe e amantes. É quando as canções das bandas pós-punk tomam a trilha sonora de assalto. Ao mesmo tempo, a câmera busca composições diferentes, mais arrojadas, cheias de linhas diagonais em desarranjo e muito movimento. A existência de uma lógica precisa dentro da textura colorida das imagens de “Maria Antonieta”, contudo, não o torna um filme realmente bom. Acima da beleza e do luxo evocados por cada fotograma, o que fica mais evidente é a futilidade e o vazio emocional dos personagens. Não há uma única figura histórica que se salve: o rei Luiz XV (Rip Torn) é pintado como um velho devasso, a corte é formada basicamente por mulheres invejosas e fofoqueiras de plantão, o herdeiro do trono francês é um homem fraco cujo interesse se resume a caçar raposas, e a própria Maria Antonieta é insípida em seu desinteresse pelas intrigas palacianas. O elenco não ajuda muito - Kirsten Dunst não convence como adolescente, e Jason Schwartzman parece ter dificuldade para se mover dentro do figurino pesado. O que sobra é um espetáculo visual equivalente à protagonista: lindo de se ver, e vazio como um balão de gás. !!

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Uma adolescente alienada e rica presa num mundo adulto

A palavra-chave é rebeldia. Na interpretação de Coppola,Maria Rodrigo Carreiro

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louca

Antonieta teria sido uma menina normal 5 com sensibilidade pop. Se tivesse nascido no século XXI, preferiria

o grafismo anárquico mostrado...

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luxo sempre foi aq uele irmão odiado por ser inconseqü egoísta, despertar ente e ostentação e arro gância e ser a gê hipocrisia e da vang ne se da lória. Desde Cleópa tra até Maria Anto até fenômenos “aris nie ta e desta tocráticos” contem porâneos, como Pa rar o luxo e sair de ris Hi lton, adomãos dadas com esse irmão hostiliz mesmo tempo, de ado (mas, ao sejado) equivale pa ra a grande maioria fechar os olhos para da s pessoas a as problemáticas so ciais. A verdade é qu a culpa cristã do su e tentar tirar pérfluo e da riqueza é, a cada dia que pa fas mais inglórias qu ssa , das taree existem. “Madame Déficit”, como a austríaca Maria Antonieta pa conhecida pelo po ssou a ser vo em meio a um a eminente revoluç conheceu muito be ão na França, m as conseqüências disso. Figura hoje ce biografias redentor leb ra da em as e, mais recentem ente, num filme qu e a coloca como uma estrela pop que ditava moda e lançava tendências, a rainha passou para a história dos dias de hoje como uma mulher cheia até a tampa da mais deliciosa frivolidade e de uma charmosa futilidade. Tudo em nome do luxo. Por causa de seus pedidos espalhafatosos (mas nunca de mau gosto), alguns nomes ligados ao luxo se firmaram na história, como o da primeira estilista que se tem notícia, Madame Rose Bertin. Para atender a vaidade e a extravagância de Antonieta, Bertin precisava se virar em mil, fazendo algo que hoje se assemelha à pesquisa de moda, viajando boa parte da Europa a fim de criar as roupas mais desejadas e (lá vem...) luxuosas que fossem possíveis de imaginar. Antonieta gostava do luxo e, por isso mesmo (talvez por sua personalidade também), despertava o sentimento de cópia das freqüentadoras da corte. Sua paixão pelo supérfulo fez o que se podia chamar de indústria têxtil daquela época funcionar, pois a cada roupa que criava, a cada delírio que suscitava e a cada festa que organizava para se exibir, fazia com que as esposas burguesas pensassem na próxima roupa que copiariam de Antonieta. O fato é que o tempo foi injustamente deslocado para Antonieta. Mais sorte ela teria se vivesse na atualidade. Do contrário, basta fazer um exercício de

reflexão. Atualmente, alguém condenaria à morte uma pessoa cujo maior crime era ser uma organizadora de bailes e orgias, não ter o mínimo preparo para governar ou figurar publicamente como gastadeira e irresponsável? Dificilmente, pelo menos por aqui, onde há dezenas de figuras públicas que caberiam perfeitamente nessas descrições e que hoje são celebradas por quase todos nas “revistas de não-notícia”, adoradas por um público ávido por conhecer seus mais recentes esbanjamentos. De qualquer forma, o mistério persiste. Por que a temática dos excessos e do dispêndio provoca tanto as pessoas? Por que se dar ao luxo de desejar algo irresponsavelmente oneroso nos faz sentirmos como a mais suja, a mais vazia das pessoas? Para muitos, a resposta a esses questionamentos inquietantes está no fundo de nossa educação cristã e tem a ver com um camelo, o buraco de uma agulha e o tão esperado Reino dos Céus. Numa linha de raciocínio debilitada, fomos acostumados a pensar (e internalizar) o luxo como entrave para uma redistribuição de renda eficaz e o conseqüente nascimento de uma sociedade mais justa, como se ambas as coisas não pudessem coexistir. É difícil imaginar, quase contraditório, mas perfeitamente possível.

divíduo e esquece a q

e nem sempre espírito” ao vene a idéia de “dist rar abertamente anciar-se do o material foi o de falsos prazer destino do luxo es que hoje lhe . Essa pecha é devida estava concebido. Um distante de quan outro luxo, um do o luxo foi certo luxo origin da dinvidade, da al, é verdade, m plenitude do pr ais próximo azer. Verdades suntuosidade históricas como dominaram, po a dádiva da r exemplo, a Antiguidade, re sociedade egíp servando às man cia durante a ifestações terren o que de melho as dos deuses, r havia materia tudo aquilo lmente naquela Igreja” da Idad época. Em nom e Média, terras e da “Santa , ouro, jóias e to formavam pron da a sorte de riq tamente nas m ue za se transais sinceras doaç da espiritual qu ões a fim de qu e os homens, to ita r uma dívidos eles, herdav história não er am ao nascer. N a tão diferente o Oriente, a e caminhava (a sociedades) pa inda caminha ra algo do tipo em algumas “venerar o luxo puros, só os pr , sim; merecê-lo eparados”. , só os mais Via de regra, ai nda hoje posic ionar-se contra louvável, porém o luxo é algo so renegá-lo simpl cialmente es m ente não pode va uma dose de ser. Shakespear verdade inegáv e destilael sobre essa qu último dos men estão quando digos tem sem di zia que “O pre um nadinh natureza as ne a de supérfluo! cessidades natu Limitai à rais e o homem luxo, a beleza torna-se um an universal certam imal”. Sem o ente não teria ração contida, o toque apaixo o desejo mais in na nte, a respiebriante. Para m tou a realização uitos, foi o luxo de alguns dos m que possibiliais magníficos com que a arte projetos human alcançasse um os e que fez posto que lhe outros benefício torna (mais) ad s trazidos à conf m irável, entre iguração atual das sociedades .

uestão social

luxo É ó s o É luxo só É luxo só É luxo s x lu É ó s o x ó É luxo só É luxo só É lu Contudo, é bo m lembrar qu Dario Brito Ironicamente, também é oportuno dizer que o luxo não é mais o mesmo. Num ensaio brilhante, Giles Lipovetsky (o teórico do vazio que já foi xingado de insignificante) toca num dos pontos centrais que ajudam nessa desmitificação do luxo. “Antigamente reservados aos círculos da burguesia rica, os produtos de luxo progressivamente ‘desceram’ à rua. No momento em que os grandes grupos apelam a managers oriundos da grande distribuição e treinados no espírito do marketing, o imperativo é de abrir o luxo ao maior número, de tornar ‘o inacessível acessível’. Em nossos dias, o setor constróise sistematicamente como um mercado hierarquizado, diferenciado, diversificado, em que o luxo de exceção coexiste com um luxo intermediário e acessível. Esfera daí em diante plural, o luxo ‘estilhaçou-se’, não há mais um luxo, mas luxos, em vários graus, para públicos diversos.” E, ao lado da nova aristocracia (aquela que pode nascer sem berço, mas que alcança o posto de celebridade graças ao trabalho árduo ou à exposição instantânea), o luxo também invade nosso cotidiano e está naquele charuto caríssimo, no uísque que foi presente especial e você reluta em abrir, num perfume no qual você investiu dinheiro somente para usar em ocasiões históricas ou numa roupa caríssima que você não entende mais como pode viver sem. Para teóricos da pós-modernidade, esse sentimento perpassa nossa vida até o último momento, até o derradeiro suspiro. Amantes do luxo sem culpa têm essa convicção e Antonieta, lá no século XVIII, já sabia disso. Ela mesma escolheu uma roupa impecável para sua última aparição: na manhã de 16 de outubro de 1793 trajava um até simples, mas impecável vestido branco que ainda assim despertou a inveja de algumas mulheres que não quiseram se pronunciar enquanto a cabeça da ex-rainha era exibida na Praça da Concórdia. Ela havia mais uma vez conseguido. !!

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O luxo faz brilhar o in

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universo teórico não é tão distinto assim do mundo da moda. Como no último, há também na academia uma avidez por novidades, por obsessões efêmeras, por rótulos interessantes e por palavras-chave de ordem. Poderíamos dizer que a teoria (ou pelo menos sua institucionalização nas universidades, faculdades, revistas acadêmicas, publicações, editoras) também está marcada pelas listinhas in/out que prevalecem nas revistas de moda, que marcam os discursos prescritivos das “tendências”, dos estilos. Já se vão mais de vinte anos da época em que a teoria social de Jean Baudrillard era “moda”. Mais do que isso: era “a” moda. Tanto no circuito acadêmico, como naquele dos cadernos de variedades e revistas especializadas em cultura em ambos os hemisférios, vale relembrar. Se fôssemos elaborar a listinha in dos conceitoschave para a teoria dos anos oitenta, veríamos muito claramente que as três primeiras palavrinhas no topo (simulacro, simulação, hiperrealidade) teriam saído diretamente do léxico baudrillardiano. O impacto do trabalho de Baudrillard foi enorme nas humanidades, especialmente para a consolidação e propagação daquilo que se convencionou chamar de sociedade pós-moderna (por mais que ele rechaçasse a associação tão direta com o termo). Mas como todas as modas, Baudrillard, seus conceitos e suas conexões com o pós-moderno foram se desgastando. Isto porque, assistimos nas duas últimas décadas à ascensão e queda do pós-moderno, à inflação do hiperreal, à morte do real, à simulação da simulação, ao simulacro do simulacro. O que nos leva a acreditar que no discurso acadêmico contemporâneo o uso excessivo e indiscriminado de certas expressões e de conceitos foi levando à progressiva obsolescência dos mesmos. Neste processo de desbotamento do pós-moderno e dos conceitos que o circundavam, a recepção da obra de Baudrillard também acabou sendo afetada. Não somente seus conceitos foram perdendo aquela centralidade e aquela urgência que tinham nos debates da década de oitenta, mas suas obras adquiriram um certo sabor de clichês requentados, um certo ar de ridículo. O sistema das modas, mesmo as acadêmicas, contudo, é também cíclico, e eis que ao final da década de noventa, depois do ostracismo suscitado pelo ocaso do pós-modernismo na academia e na mídia, Baudrillard volta à baila. Desta vez via cultura pop: algumas de suas idéias são mastigadas, processadas e de certo modo deturpadas no filme Matrix (1999) e seus conceitos ganham novamente os cadernos de variedades dos diários e dos semanários mundiais como tentativas de explicação para a proliferação e consolidação dos “reality shows” como o gênero televisivo mais lucrativo do capitalismo tardio. O próprio Baudrillard retornava com força ao olho do furacão midiático ao comentar de modo sempre polêmico os acontecimentos (ou, segundo ele, não-acontecimentos) mais impactantes do final do século XX e início do XXI (guerra do Golfo, morte da princesa Diana, 11/09, entre outros). Poderíamos arriscar a dizer, portanto, que Baudrillard esteve quase sempre condenado a uma relação intensa com as modas acadêmicas. Fosse como a novidade niilista da década de oitenta, ou por ter sido, no novo milênio, assim como o conceito de pós-moderno (que alguns teimaram em associar com sua obra, embora ele poucas vezes tenha usado o termo), reapropriado como um toque retro-futurista na teoria. Por isso, não deixa de ser melancólico que no final da vida, Baudrillard continuasse sendo mais (mal) falado que lido, que sua obra tenha sido ora descartada como obsoleta e passé, ora revisitada de modo superficial, quase como um estilista que recupera uma saia baloné ou uma manga-morcego. Todavia, resta a expectativa de que esta talvez seja a ocasião oportuna para nos darmos contas de que Baudrillard e sua obra são de fato cruciais para compreender o contemporâneo e necessitam ser lidos e compreendidos de modo mais consistente e aprofundado. !!

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Angela Prysthon

Na academia as teorias circulam de forma efêmera e recorrente

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R eligião Anco Márcio Tenório Vieira odos os vetos sexuais defendidos pela Igreja Católica não são cristãos, isto é, não são constituídos a partir das parábolas enunciadas por Jesus Cristo e registradas nos Evangelhos de Lucas, Marcos, João e Mateus, mas sim vetos que têm suas bases teológicas no Velho Testamento. Mesmo quando lemos nos Atos dos Apóstolos e nas Epístolas reiterações de determinadas assertivas morais defendidas na Bíblia Hebraica, vemos que são teses que não encontram ecos nem nos evangelhos sinóticos, nem no joanino (e não podia ser de outra forma, posto que os Apóstolos ainda estão impregnados da cultura judaica, haja vista as opiniões divergentes, particularmente no que tange a evangelização dos gentios, entre Pedro e Paulo). É sabido, como lemos no Novo Testamento, que Maria engravidou por obra e graça do Espírito Santo. Maria não foi tocada por nenhum homem, afirmam os evangelistas. O que pouco nos atemos é que, dentro da tradição judaica, essa não era exatamente a maneira escolhida para que o Filho de Deus viesse a ser fecundado e, por sua vez, habitasse entre nós. Desde o momento em que os judeus foram escolhidos como o povo de Deus e, por sua vez, tornaram-se monoteístas, que os profetas foram anunciando e preparando os membros da Nação para os sinais que indicariam a vinda do Messias. E a chegada deste se daria por obra e graça da fecundação de uma mulher por um homem (ambos judeus, obviamente). Ora, se o filho de Deus seria fecundado por uma copulação entre um homem e uma mulher, era preciso ficar atento ao derramamento do sêmen. Daí toda a construção de um ordenamento moral no que diz respeito ao campo da sexualidade, como a condenação ao aborto (pois a mulher que abortasse poderia não apenas obstar o nascimento de um novo Ser, mas o próprio Messias), à prostituição (pois o filho de Deus não poderia ser fruto da promiscuidade entre os homens e, principalmente, nascer com paternidade desconhecida), à masturbação (o autoerotismo leva ao desperdício do sêmen, e como se cria à época que o esperma encerrava uma criança em miniatura - tese que prevaleceu até a Idade Média -, estaria se matando aquele que poderia ser o Filho de Deus) e à homossexualidade (nesta, assim como no onanismo, está excluída a possibilidade da fecundação, seja pela prática, entre os parceiros, da masturbação ou felação, seja pela sodomização). Não esquecendo que a palavra onanismo vem de Onã, personagem bíblico que fora condenado por praticar o coito interrompido. Bem, esses traços moral, religioso e cultural dos judeus passaram a distingui-los de outras culturas e povos do seu tempo. Para a “Gente da Nação”, o sexo se constitui antes num ato que encerra um compromisso com a Aliança firmada entre Deus e os Homens do que num ato natural de prazer. Como já assinalou Martin Buber, os judeus são solicitados a confiar na Aliança entre Deus e os Patriarcas, e não apenas a crer, como se dá entre os cristãos. Daí que quando Gabriel anuncia a Maria que ela dará à luz um filho que deverá ser batizado com o nome de Jesus, ela responde: “Como é que vai ser isso, se eu não conheço homem algum?” (Lucas, 1, 34). E o anjo explica: “O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo vai te cobrir com a sua sombra; por isso o Santo que nascer será chamado Filho de Deus” (Lucas, 1, 35). A pergunta de Maria era compreensível, pois as leis judaicas, nas quais ela confiava, não falavam que o Filho de Deus nasceria da fecundação de uma mulher por meio do Espírito Santo. As regras do “jogo”, digamos assim, do que até então era sabido através dos Patriarcas e Profetas, foram alteradas no momento em que Deus decidiu mandar o seu Filho para coabitar entre os

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De como a igreja criou os vetos sexuais que regem o ocidente

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ho-mens (e esse é um dos pontos, entre outros, do porquê dos judeus não acreditarem que Jesus seja o verdadeiro Filho de Deus). A dúvida de Maria, como sabemos, é a mesma de José. Este crê que fora traído por ela, mesmo esta afirmando que não conheceu nenhum outro homem. Como lemos em Mateus (1, 20-21) o anjo aparece em sonho e lhe diz: “José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, pois o que nela foi gerado vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho e tu o chamarás com o nome de Jesus, pois ele salvará o seu povo dos seus pecados”. Por que o cristianismo continuou reiterando todos os vetos judaicos à sexualidade, se os princípios que os legitimavam não mais se justificavam - ao menos para os cristãos - depois do nascimento de Jesus? Vetos que se encontram praticamente ausentes dos Evangelhos sinóticos e do joanino, posto que não há referências ou condenações, por exemplo, à homossexualidade ou ao onanismo nestas obras e, no caso da prostituição, que tem em Madalena seu modelo canônico, a resposta de Jesus aos que tentam punila é que aqueles que sejam desprovidos de pecados que joguem as primeiras pedras. As palavras de Jesus em defesa da vida de Madalena se contrapõem claramente ao “Levítico” (livro radicalmente misógino) e suas condenações terríveis - mas justificáveis, como dissemos, dentro da lógica sistêmica que constitui o pensamento monoteísta judaico e, principalmente, da sua Aliança com Deus. Creio que a Igreja reimpôs os vetos do Velho Testamento por um conjunto de motivos. Vamos às hipóteses. A 1ª é, como já dissemos, o fato de que os responsáveis pela pregação cristã - em propagar a Boa Nova -, eram ainda culturalmente judeus e, como sabemos, mudanças de crenças e hábitos culturais não desaparecem num estalar de dedos (até os que conviveram com Jesus, a exemplo de Pedro e Tomé, não raras vezes duvidaram da sua origem divina e dos seus poderes). Por mais que valores culturais se amalgamem, dialoguem, signos das culturas “originais” subsistirão no novo modelo estabelecido. A 2ª hipótese é que os valores morais e sexuais apregoados pelo Velho Testamento eram ferramentas poderosas para que os cristãos pudessem reordenar os princípios sócio-culturais (entre eles, os sexuais) das sociedades que vinham sendo cristianizadas: as greco-romanas. A 3ª é um desdobramento do tópico anterior, ou seja, colocando o embate entre a civitas terrena e a civitas caelestis (Santo Agostinho), o homem para ser digno da Cidade de Deus precisa se abster dos muitos prazeres terrenos - particularmente, os sexuais - para se beneficiar da graça divina. 4º e última hipótese: delimitando certas práticas sexuais como pecado, faz-se necessário criar a instituição da confissão e da penitência como meios de se obter o perdão (diga-se de passagem, uma das grandes invenções da Igreja), tornando-se, assim, uma forma de controle social por parte da Igreja. Controle social este que, no mundo pós-Idade Média, termina por ser uma maneira de “fiscalizar” e ordenar um dos principais signos da modernidade: o direito de escolher e de ser dono do seu próprio corpo. São as contradições de uma fé que tenta se firmar pela censura entre as palavras dos profetas da Bíblia Judaica e a Boa Nova, mas que teve de ser construída por homens que culturalmente ainda eram judeus. Legado que termina por ser a base dos alicerces que firmam a Igreja e, por sua vez, as leis e as instituições constituídas nas sociedades ocidentais ou ocidentalizadas. Legado que não raramente causam ruídos no princípio sistêmico que monta a teologia cristã. !!


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T eatro

Hans Mantteuffel/Divulgação

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Marilene Mendes

O maior espetáculo da Terra O drama da paixão se transformou numa exibição própria da cultura de massa em dúvida, é o espetáculo mais representado em todo o mundo ocidental. Reúne milhares de pessoas - entre público, técnicos e curiosos. Mobiliza milhares de dólares, movimenta grandes fortunas, gera conflitos e manifestações. Mas em algumas situações deixa de ser um momento de reflexão religiosa, para se transformar em exibição de virtudes físicas dos atores e atrizes. O “Drama da Paixão” deve, em tese, levar o público pagão a se aproximar da agonia de Jesus Cristo, diante dos seus algozes. Mais do que um drama humano, um momento de transcendência mística. É representado desde a escola primária até os teatros mais caros do mundo. No princípio, foi tratado como um espetáculo didático para que todos pudessem compreender, momento a momento, o que representava a dor de Deus diante do mundo. Mesmo o Vaticano realiza a Via Crucis, com a presença do Papa. E com uma assistência hipnotizada. Nas comunidades religiosas, nos sindicatos, nas igrejas de bairro, nos teatros populares, a crucificação do Senhor arranca lágrimas e gritos de revolta. Na Espanha, tem até os que se autoflagelam. Nas Filipinas os homens também saem pelas ruas relembrando o sofrimento de Jesus Cristo. No Brasil as paixões são encenadas em várias capitais e cidades do interior. Em Pernambuco, os espetáculos mais famosos são os de Brejo da Madre de Deus, capitaneado por atores da Rede Globo, e do Recife, completando, em 2007, 10 anos de exibição, sob o comando do heróico José Pimentel, desta vez inserindo a dança do ventre e a dança dos negros. No Recife Antigo o mega-espetáculo é grátis e acontece no Marco Zero, onde o palco é montado paralelo ao mar, com setenta metros de comprimento, que não quebra a emoção. A encenação, montagem e direção são de José Pimentel, que comemora vinte e nove anos encenando Jesus Cristo. Ele lembra também que há trinta e oito dirige o espetáculo que

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emociona e comove pessoas de várias partes do mundo. O elenco do Recife é composto por pernambucanos que desde o início trabalham no espetáculo. Trezentos figurantes e cinqüenta técnicos fazem parte das apresentações. A história de vida, paixão e morte de Cristo no bairro do Recife Antigo é apresentada em três palcos distintos com estruturas metálicas. Os cenários idealizados por Octávio Catanho são de madeira, isopor e tecidos, tudo de muito bom gosto. Como sempre a peça conta com iluminação teatral de alta qualidade e sistema sonoro que permite a perfeita audição da trilha por parte da platéia, garantem os produtores. Já o espetáculo da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém começou a ser encenado em Fazenda Nova, Pernambuco, no ano de 1951, por iniciativa de Epaminondas Mendonça. Depois de ter lido em uma revista como os alemães da cidade de Oberammergau encenavam a Paixão de Cristo, Mendonça teve a idéia de realizar um evento semelhante durante a Semana Santa para atrair turistas e movimentar o comércio da vila. As primeiras apresentações aconteceram nas ruas de Fazenda Nova, bem próximo do local onde hoje se situa a cidade-teatro, e contava com a participação de familiares e amigos. A idéia de construir uma réplica da cidade de Jerusalém para as encenações da Paixão foi de Plínio Pacheco que chegou a Fazenda Nova em 1956. Mas o plano só veio a se concretizar em 1968, quando foi realizado o primeiro espetáculo. Nova Jerusalém, o maior teatro ao ar livre do mundo, é uma cidade-teatro com 100 mil metros quadrados, o que equivale a um terço da área murada da Jerusalém original, onde Jesus viveu seus últimos dias. É cercada por uma muralha de pedras e 70 torres de sete metros. No seu interior, nove palcos reproduzem os cenários naturais, os arruados, os palácios e o Templo da época de Jesus, constituindo uma obra monumental. !!

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H istória

Estranhas coincidências unindo imagens de dois guerrilheiros de tempos distintos Carlos Newton Júnior

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ntre as poucas imagens conhecidas de Osama Bin Laden, duas são recorrentes nas reportagens que televisões do mundo inteiro veiculam a seu respeito. Na primeira, Bin Laden, com os seus trajes típicos de beduíno, apoiado em um cajado, caminha autoconfiante e sorridente por uma trilha qualquer de alguma região áspera, escarpada e pedregosa, seguido de perto por um grupo de seus comandados, todos fortemente armados. Na segunda imagem, com roupa semelhante, ainda feliz da vida, Bin Laden pratica tiro agachado, com uma arma longa. Trata-se, ao que tudo indica, de um atirador canhoto, pois segura a arma com o braço direito e apóia o coice no ombro esquerdo. Se não me traem os meus parcos conhecimentos bélicos, eu diria que a sua arma é um rifle de assalto AK-47, de fabricação russa, ideal, pela sua resistência a areia e fácil manutenção, para o tipo de terreno em que atua. De imediato, essas imagens de Bin Laden me fazem recordar duas imagens do cangaceiro Virgulino Ferreira, o Lampião, uma em movimento e outra parada, ambas captadas pelo cineasta e fotógrafo árabe Benjamin Abrahão, em 1936, e bastante divulgadas ainda hoje, em reportagens de televisão, documentários, artigos e livros sobre o cangaço. Na primeira imagem (um trecho do famoso filme de Benjamin), Lampião, com a sua indumentária espetaculosa, e tendo, a seu lado, sua mulher Maria, caminha à frente de um grupo de cangaceiros, tão autoconfiante e sorridente quanto Bin Laden, em algum lugar remoto dos sertões nordestinos, cuja paisagem se revela através de um trecho espinhento de caatinga. De repente, o cangaceiro volta-se para a câmera, desembainha o longo punhal que trazia à cintura e o apresenta aos espectadores, numa clara atitude de desafio. Na segunda imagem (uma fotografia), Lampião, agachado, atira com arma longa, com a mesma paisagem de caatinga ao fundo. A semelhança com a imagem de Bin Laden praticando tiro se acentua ainda mais pelo fato de que Lampião, que era destro, também segura o seu rifle com o braço direito, apoiando a coronha na face e no ombro do lado esquerdo. Tal fato se justifica, no seu caso, pela perda do olho direito ainda menino, o que o levou a um esforço de adaptação para usar o rifle como se fosse canhoto. Um esforço que, diga-se de passagem, obteve um êxito inquestionável, a julgar pela origem que geralmente se atribui ao seu apelido - como atirava muito rápido, o clarão que o fuzil fazia, à noite, durante um tiroteio, era quase constante, lembrando aos companheiros a chama de um lampião. As quatro imagens a que me refiro são protagonizadas por dois homens da mesma faixa etária, morenos, altos e magros. Depoimentos de alguns excangaceiros afirmam que Lampião possuía uma voz calma e suave, como a voz que às vezes escutamos de Bin Laden, naquela sua língua ininteligível para os pobres mortais do ocidente. A julgar pelas traduções que as redes de televisão nos apresentam, Bin Laden diz que vai destruir a cultura ocidental com a mesma doçura com que costumamos dar conselhos a uma criança. A voz doce, tanto num caso quanto no outro, talvez se justifique pelo fato de que estamos tratando de dois homens profundamente religiosos, um dos quais, inclusive, se diz porta-voz e braço armado do deus em que acredita. Penso, então, que Osama Bin Laden é uma espécie de Lampião em ponto grande, um cangaceiro do mundo, representando, para a sociedade cosmopolita e globalizada de hoje, mais ou menos aquilo que Lampião representava para o Brasil urbano de sua época, sobretudo na segunda metade da década de 1930, quando o seu poder e a sua influência atingiram o auge. Assim como ocorria com Lampião, que alternava ataques espetaculares a vilarejos do sertão nordestino com longos períodos de reclusão em grutas e locais inacessíveis da caatinga, Bin Laden passa longos períodos escondido somente Alá sabe onde, lá nas montanhas e nos desertos do Afeganistão, cuja paisagem lembra muito a paisagem nordestina, seca, pedregosa e cheia de furnas, para, de repente, desencadear um dos seus ataques cruéis, fulminantes e espetaculares, às cidades do mundo civilizado não-islâmico. Do mesmo modo que Lampião possuía coiteiros influentes, muitos deles coronéis e políticos de prestígio, que lhe faziam chegar, periodicamente, armas novas e farta munição, Bin Laden certamente conta com os seus coiteiros, alguns deles, talvez, líderes mundiais e políticos de prestígio ligados a empresários da indústria armamentista. Da mesma forma

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que Lampião sonhava em adquirir uma metralhadora, ou uma “costureira”, como ele dizia, é razoável imaginar que Bin Laden sonha noites a fio com um míssil de alcance intercontinental, de preferência com uma ogiva nuclear na ponta, e Deus queira, mesmo, que seus coiteiros não consigam chegar a tanto, como não conseguiram os de Lampião em relação a seu sonho de consumo bem mais modesto. As semelhanças não param por aí. Bin Laden, caçado pela maior potência militar do planeta, possui sua cabeça posta a prêmio há anos. É o homem mais procurado do mundo. Lampião também conviveu com uma situação semelhante, tendo sido, durante anos, o homem mais procurado do Brasil, cujo governo não poupou esforços para eliminá-lo. Pensou-se, até, em jogar sobre ele e seu grupo de cangaceiros uma bomba lançada de um avião (algo parecido, aliás, com o que os israelenses estão fazendo agora, para exterminar alguns líderes palestinos). Deve ser realmente humilhante, para os líderes norte-americanos, assistir às declarações de Bin Laden na televisão. Como aqueles malditos repórteres conseguem achá-lo, ridicularizando os agentes do seu poderoso serviço secreto e pondo em xeque a eficiência de sua alta e caríssima tecnologia de espionagem? A mesma humilhação foi sentida por Getúlio Vargas e políticos do Estado Novo em gestação quando o árabe Benjamin anunciou que filmara Lampião e seu bando. Tanto assim que o documentário foi apreendido antes de estrear nos cinemas e seu autor foi misteriosamente assassinado com nada menos do que quarenta e duas facadas. Alguém poderá argumentar que Bin Laden, mesmo fazendo-se valer de métodos abjetos, luta por uma “causa”, enquanto Lampião, de todo desprovido de consciência política, lutava pela simples sobrevivência, para manter o seu modo de vida errante e lucrativo. Mas há também quem veja uma “causa”, e uma causa nobre, até, na luta de Lampião e no cangaço enquanto movimento social. É por isso, por conta das tais “causas” e das masturbações sociológicas que as cercam, que tanto Lampião quanto Bin Laden possuem detratores e admiradores fervorosos, chegando esses, quase sempre, ao radicalismo maniqueísta que reduz os dois personagens, mitificando-os ora como bandidos sanguinários e arquétipos do mal, ora como heróis populares e agentes da libertação dos oprimidos. Parece pouco provável que Osama Bin Laden consiga sobreviver à próxima década, tal a dimensão da campanha que as potências ocidentais têm movido contra ele. Como aconteceu com Lampião, muito provavelmente ele será traído por alguém de sua confiança, alguém que, neste caso, será movido pela promessa de uma alta soma em dinheiro. Uma vez assassinado, seu cadáver será exposto à apreciação pública, através da mídia mundial. Se o cadáver não estiver em bom estado, farão a exposição ao menos de sua cabeça, como o governo brasileiro fez em relação à cabeça de Lampião. Antes da morte de Lampião, vários cadáveres e cabeças de cangaceiros foram expostos a público, como troféus de guerra macabros, através de fotografias veiculadas em jornais do país. De modo semelhante, aliás, ao que os norte-americanos fizeram com os cadáveres deformados dos dois filhos de Saddam Husseim, alguns anos atrás. Por fim, para não ser acusado por não tomar posição, gostaria de declarar que Osama Bin Laden desperta em mim o mesmo sentimento contraditório de repulsa e admiração que sinto diante da figura, hoje histórica, de Lampião. De repulsa, evidentemente, por conta dos crimes bárbaros a eles ligados. A meu ver, as ações terroristas de Bin Laden são tão condenáveis, do ponto de vista moral, quanto as ações perpetradas pelo “terrorismo de estado” norte-americano ou israelense contra árabes ou palestinos. E de admiração, por reconhecer que são, ambos, “criminosos na epiderme e irredentos no mais fundo da carne”, para usar uma expressão de Frederico Pernambucano de Mello, o homem que mais entende de cangaço na face da Terra. Bin Laden, e o mesmo eu diria de Lampião, não pode ser considerado uma alma pura; mas ninguém poderá negar que ele é, como Lampião o foi, uma alma grande. A missão que ambos outorgaram a si, colocando-se em franca oposição a um poder muito acima das forças de um homem comum, chega a tocar, queira-se ou não, as raias do grandioso !!

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I néditos A paixão segundo F.G. Quando a gente tem bem pouquinha idade nosso estômago é de ferro, nosso cérebro é de aço, o peito, inoxidável. A gente bebe de tudo, e muito (vinho Primavera licoroso doce, uísque “odieite”, São João da Barra, o conhaque). A gente come o que até Deus duvida para rebater tanto destemor alcóolico: as gordurosas comidas dos mercados públicos são acalanto para o fim de noite, quando nossos olhos, invariavelmente, brilham pelo que passou, pelo agora e pelo que, temos certeza, virá depois. Andamos pela vida cegos e surdos de paixão quando a gente é assim, bem jovenzinho. Nesse breve interlúdio, a paixão não é um substantivo concreto nem abstrato, senão o substrato que justifica o tudo que consumimos: a retórica inflamada, a dialética azeitada, a arte da conquista. Somos uma vitrine ambulante do desejar, querer, precisar, merecer. Tudo no imperativo. Mas, não é a paixão cão sem dono, que se encosta no primeiro que lhe dê um afago, ela exige guardião de cachorro de raça, que não a deixe escapar nem por um segundo para a rua. A paixão, coitada, é bobinha, tem uma tendência idiótica de gene com pedigree, que nunca aprende o caminho de volta, uma completa e aristocrática falta de senso de direção. E se a gente não der comida na mão, então, ela morre de inanição. Incompetente é a paixão. Preguiçosos somos nós na hora de dar-lhe ração. Deixamos-a em regime rigoroso à medida que os anos avançam para nós, sobre nós. Usamos a desculpa dos esnobes: a indiferença. Não mais que de repente nos tornamos darwinistas de carteirinha e alegamos evolução da espécie, da nossa espécie, que fique bem claro. Odiamos associar a velhice ao esgotamento da paixão, preferimos dizer que nos tornamos “seletivos nas nossas escolhas”. Uísque, só se for 12 anos; vinho, só se for francês; comida, só se for da boa; show, só se for sentado; gente, só se for perfeita. Bobagem. A verdade é que nos desapaixonamos tão lenta, gradual e inexoravelmente quanto nossos cabelos branqueiam. A neve que se acumula no topo não tarda a descer para o plexo solar, aquele lugar que antes era tão povoado e quentinho. Passamos a utilizar com muito menos freqüência os adjetivos “bacana” e “interessante” para designar as pessoas potencialmente apaixonantes que nos cruzam o caminho. Não mais que de repente nos tornamos seguidores de Esopo e as pessoas, antes suculentas e apetecíveis, passam a ser um grande vinhedo de uvas verdes. A paixão não admite a cautela que os anos trazem. Ela desdenha da lista básica de confortos que nós passamos a exigir, como se fôssemos pop star em turnê. A paixão é a multidão descabelada, suada e histérica. Ao seu lado, não há lugar para dormir cedo, dor nas costas, sem-gracices e cansaço. Não agüentamos a paixão.

Flávia de Gusmão

Alexandre Belém

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