O palavrão em dicionários latinos escolares

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O PALAVRÃO EM DICIONÁRIOS LATINOS ESCOLARES FÁBIO FROHWEIN DE SALLES MONIZ Doutorando UFRJ/ Bolsista CNPq Qualquer adolescente com o mínimo de curiosidade lexicográfica já procurou num dicionário de português verbetes como “merda”, “foder” e “cu”. Se consultou um bom dicionário, saciou a curiosidade a ponto de perceber que mesmo as palavras denominadas vulgarmente “palavrões”, ou mais tecnicamente tabuísmos, não só estão num instrumento sério para melhor conhecimento do vernáculo, bem como têm origem em línguas clássicas. No caso específico das três mencionadas, a etimologia remete ao latim. A que menos se transformou foi “merda”, ao passo que “foder” e “cu” advêm respectivamente do latim popular “futere”, forma apocopada de “futuere” (manter relações sexuais com uma mulher); e “cu”, de “culus” (ânus). Uma busca de igual natureza em dicionários de latim traria ao consulente bem menos informações. Muito embora um sem número de palavrões do português tenha étimo latino, os dicionários latino-portugueses escolares não se prestam tanto a esse tipo de pesquisa quanto os de língua portuguesa. Houaiss assevera que “futuere” é a forma clássica do verbo, mas em Francisco Torrinha, por exemplo, a palavra não se registra. Por outro lado, o dicionarista incluíu “culus” e “merda”. Em outras palavras, há uma espécie de filtragem dos tabuísmos. Uns constam dos dicionários escolares em detrimento a outros, que ficaram relegados a dicionários mais acadêmicos. Este trabalho visa a tecer algumas considerações acerca da ausência de tabuísmos em dicionários latino-portugueses escolares. Se por um lado, a filtragem de tabuísmos apenas frustraria um adolescente curioso, por outro prejudica em muito a leitura e compreensão de textos clássicos. Como perceber, por exemplo, o tom agressivo de um Catulo ferido em seus brios, tendo descoberto ser mais uma estrela na constelação de amantes de Lésbia? Ou ainda as inventivas de Marcial a seus contemporâneos? Desde a latinidade clássica, e até antes, a linguagem chula é empregada com objetivos estilísticos. Em outras palavras, os palavrões em textos literários nunca são gratuitos. Muito pelo contrário, consistem num recurso sofisticado. Substituir, suprimir ou traduzi-los atenuadamente no mínimo reduz o impacto retórico tencionado pelos enunciadores. É mister se esclarecer que a filtragem de palavras/expressões latinas consideradas obscenas pelo mundo moderno ocorre num contexto específico. Não fosse assim, perder-seia inexoravelmente a chave para a compreensão de determinados textos, o que não ocorreu de todo. A tradução dos carmina de Catulo por João Ângelo de Oliva Neto (CATULO, 1996) é uma prova inconteste de que, por mais que tenha havido e ainda haja censuras bibliográficas, mantém-se o fio tênue de uma tradição impressa em que a linguagem dita obscena dos clássicos resiste aos pudores. No entanto, observa-se na transmissão da cultura clássica uma espécie de esquizotomização em edições de obras literárias, dicionários, glossários e tesauros. O Horácio das odes líricas e cívicas, o Vergílio da Eneida e o Catulo enamorado por Lésbia não se misturam, por exemplo, aos Horácio, Vergílio e Catulo homoeróticos em edições in usum scholarum, muito embora os eruditos os conheçam. Em termos de técnica de censura, a filtragem vocabular em dicionários latinos é análoga aos expurgos das edições de clássicos in usum scholarum. Sirva de exemplo a antologia em dois volumes de poemas de Catulo, Tibúrcio e Propércio, Valerii Catulli albii Tibulli et Sexti Aurelii Properti Opera (Paris, 1685), organizada por Philipus Silvius e destinada à educação do delfim, o futuro rei de França. Embora não se revele o caráter 126


expurgado dos textos na página de rosto, conforme a praxe da época, foram reunidos expurgos das obras poéticas de Catulo, Tibúrcio e Propércio numa subseção intitulada Expurgata a partir da metade do segundo volume. Escusa dizer que o delfim não tem acesso direto ao livro, senão através do tutor, do lector. Os Expurgata ficam, portanto, invisíveis ao scholar. Assim, examinada a edição em sua discursividade, identificam-se dois enunciatários bem delineados. Na carta de abertura dos volumes, o tipógrafo interpela o delfim por meio do vocativo DELPHINE. Porém, o acusativo de destino LECTOREM no título da nota dos expurgata assinala que o enunciatário já não é mais o jovem em formação. Trata-se do lector, já formado e conhecedor dos clássicos, daí ter capacidade de discernir se a edição é boa ou não do ponto de vista filológico. Se o editor omite poemas parcial ou integralmente ao delfim, ao lector são oferecidas todas as informações para compreensão do texto, com requinte de detalhes de que as mais recentes edições de clássicos e até dicionários carecem: 2 – Irrumator. ] A ruma, hoc est a mamma, dicitur irrumare, per quandam similitudinem; est enim irrumare virilia ad libidinem in os praebere, qui vero recipit, fellare dicitur; unde et fellator et irrumator, fellatrix et irrumatrix. 1 (CATVLLVS, 1685: 766) TPF

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Em outras palavras, determinados poemas clássicos ou trechos não devem ser expurgados em absoluto, mas apenas em contexto de formação dos jovens. O conceito de obsceno deve ser aí relativizado: é obsceno para o jovem, não para o erudito. A ausência da indicação ab obscoenitate expurgatus na página de rosto da edição de Silvius afasta-se do modus operandi dos editores da época, que informavam previamente o conteúdo e características técnicas do livro, como notas, ilustrações, tradução e, inclusive, o expurgo, conforme se verifica em demais edições. Analisando de outra forma, o leitor diante do rótulo in usum delphini ou expressões equivalentes (ad/in usum scholarum, ad/in usum adolescentium) já deveria subentender que os carmina ali editados foram ab obscoenitate expurgata, o que revela a canonização do enlace conceitual entre ensino e expurgo. Uma edição ad/in usum, portanto, serve apenas ao escolar. Não contemplaria as necessidades técnicas do erudito que se dedica a estudos mais profundos acerca dos clássicos. Na tradição moderna dos recursos de lexicografia latina, verifica-se distinção equivalente entre o dicionário para o escolar e para o erudito/acadêmico. Na própria paratextualidade, nota-se o direcionamento a um enunciatário específico. No prefácio à 1 a edição do Dicionário Latino-Português, Francisco Torrinha explica que foi “incumbido de elaborar um Dicionário Latino-Português e outro Português-Latino, destinados especialmente ao ensino de latim nos estabelecimentos de ensino secundário (…).” (TORRINHA, 1945: VII) Em situação diametralmente oposta, está o Thesaurus Eroticus Linguae Latinae, de Karl Rambach, cujo enunciatário é o leitor erudito: “Hoc opus non leve, erudite lector , ausus sum inchoare, et peritioribus trado ab illis emendandum et perficiendum.” 2 (RAMBACH, 1833: V) Em posição intermediária, fica, por exemplo, o Dicionário de Latim-Português da editora Porto, sem qualquer referência paratextual ao enunciatário e mesmo ao enunciador, quiçá por uma estratégia de mercado, isto é, para não P

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Por alguma semelhança, define-se “irrumare” a partir de teta, isto é, mama; de fato “irrumare” é oferecer com lascívia as genitais à boca, a despeito de quem [as] aceita chama-se “fellare”; donde não só “fellator” bem como “irrumator”, “fellatrix” e “irrumatrix”. (SALLES MONIZ, 2007: 57) 2 Ousei elaborar esta obra não menos importante, erudito leitor , e ofereço aos mais peritos para ser emendada e aperfeiçoada por eles. (Tradução e grifos nossos) TP

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restringir comercialmente o dicionário a um público determinado, atingindo os escolares e universitários. Âmbito semelhante é o do dicionário de Nelson Barbosa, Luiz Muraro e Eliseu Paiva, planejado para um público misto: Aos alunos que têm à frente um exame vestibular de Latim; àqueles que pretendem obter um treinamento eficiente na tradução dos clássicos e dos livros da Bíblia; a quantos, enfim, encontram nobre entretenimento no contato com a inteligência, a imaginação e a sensibilidade dos autores latinos, ESTÁ DESTINADO ESTE DICIONÁRIO. (BARBOSA ET ALII, [1967]: III)

Os dicionários de Torrinha, Barbosa e da editora Porto dispensam apresentações. Encontram-se facilmente em livrarias, bibliotecas e sebos do Rio de Janeiro. O Thesaurus Eroticus Linguae Latinae, porém, merece atenção especial, dada a raridade: nenhuma biblioteca pública brasileira dispõe de exemplar. O único no Brasil integrava a coleção particular do Prof. Ernesto Faria e atualmente pertence a Dulce Faria, sua filha e Chefe da Divisão de Cartografia da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Não obstante a raridade do Thesaurus, é possível consultar a obra através de uma edição digitalizada 3 que o books.google.com disponibiliza gratuitamente em formato PDF. O Thesaurus consiste num glossário de cerca de 2.000 palavras e expressões alusivas à sexualidade dos romanos. Ao longo de 312 páginas, Karl Rambach colecionou tabuísmos presentes em autores da latinidade antiga como Plauto, Horácio, Marcial, Ovídio, Cícero, explicando e ilustrando com passagens extraídas das obras. Desde a página de rosto, o objetivo do Thesaurus fica em evidência: “Ad intelligentiam Poetarum et Ethologorum tam antiquae quam integrae infimaeque latinitatis” 4 (RAMBACH, 1833: I) Longe de servir à mera curiosidade acerca dos hábitos sexuais latinos, o Thesaurus destinase, antes de mais nada, a auxiliar na compreensão dos textos clássicos. Na introdução, Rambach justifica pormenorizadamente seu propósito com o Thesaurus: TPF

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Dicendo aut scribendo de rebus eroticis, eadem nuditate verborum ab initio utebantur Romani; sed cum sensim spurcata evaderet, dissoni medici et jurisperiti, more technicorum, singularem sibi sermonem instituerunt; optimates vero literatique, urbanitatis causa necnon pueritiae reverendae, metaphoricam linguam sibi finxere, plebe retinente primam illam impolitam, quam Martialis appellat latine loqui. Hac fuse usi sunt Lucilius, Catullus, Martialis, parciusque Naso, Horatius, Tibullus, Propertius et aliqui scriptores etiam pudicissimi. Secunda lingua in libris, tum de jure tum de medicina, quaerenda est; tertia inprimis conflixere Plautus, Persius, Juvenalis, Petronius, Seneca, imo Tertullianus et ipse Civitatis Dei auctor sanctissimus, vitia omnes vario quamquam modo objurgantes. Nemo sane doctus nescit hujusque praesertim tertiae linguae scientiam quam maxime necessariam esse studiosis satyricorum et ethicorum, et eo difficiliorem intellectu nobis in diem fieri, quo longius abest ab origine sua, fere omnino obsolefactis moribus, quos vel expressim vel metaphorice referebat. 5 (RAMBACH, 1833: V) TPF

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Link para a edição Para o entendimento dos Poetas e Comediantes tanto antigos quanto de total ou pouca latinidade. (tradução nossa) 5 Ao falar ou escrever sobre assuntos eróticos, os romanos desde o início empregavam a mesma espontaneidade de palavras; mas como pouco a pouco se tornasse obscena, os médicos e jurisconsultos desagradados construíram para si uma língua própria, com base nos usos técnicos; e de fato, por causa da urbanidade e ainda do respeito aos jovens, os nobres literatos modelaram para si uma língua metafórica a partir daquela língua original e rude da plebe tradicional, que TP

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Como se vê, Rambach reconhece que houve uma espécie de modelagem da língua latina pelos homens de cultura (medici, jurisperiti, litterati). Não se trata aqui da censura dos religiosos, como a da edição de Philipus Silvius in usum delphini, uma censura ascética, mas de uma destilação lingüística decorrente da urbanidade e cientificismo renascentista, que buscou nas línguas clássicas a matéria-prima para a linguagem técnicocientífica. Daí Rambach sublinhar que o segundo latim, o latim modelado, encontra-se “in libris, tum de jure tum de medicina” (RAMBACH, 1833: V). Em contrapartida, a língua vigorosa da plebe ecoa nos autores que se propunham a criticar os vícios comportamentais, a exemplo de Plauto, cujas comédias abundam exemplares de escravos, cozinheiros, prostitutas, parasitas, mercenários e demais tipos do populacho. Obviamente a filtragem vocabular não impede a leitura dos clássicos, que devem ser estudados para o domínio da língua do humanismo renascentista. A história da pornografia no ocidente mantém laços estreitos com a euforia da Renascença com os clássicos grecolatinos: Johannes Molanus, crítico do século XVI e censor oficial de Felipe II dos Países Baixos, descreveu algumas das imagens perturbadoras que circulavam no período: “Pãs diminutos, garotas nuas, sátiros embriagados e ereções expostas em ilustrações”. Os humanistas, como os rapazes do século XVIII diagnosticados como vítimas de onanismo, azedaram seu sêmen por causa da masturbação muito freqüente estimulada pelos clássicos. (FINDLEN, 1999: 53)

Mas Rambach, já no início do século XIX, percebeu que havia obras em especial cujo entendimento ficava cada vez mais dificultado aos leitores desprovidos do conhecimento dos tabuísmos latinos, a saber, os poemas satíricos, cômicos e demais em que se objetiva combater os vícios comportamentais. O purismo religioso dos sacerdotes e o cientificismo dos eruditos “hermetizaram” paulatinamente para os escolares textos que tocam em questões obscenas no mundo moderno. Consciente do processo de modelagem do latim, Rambach teme se perderem os signifcados de palavras/expressões dos poetas satíricos e moralistas, e como isso parte do legado literário da latinidade, e empreende, portanto, construir Thesaurus para devolver aos leitores a possibilidade da leitura. Por outro lado, o glossário destina-se aos eruditos. Ainda que o autor logre êxito, muito provavelmente os benefícios de sua “opus non leve” (RAMBACH, 1833: VI) não se estende às classes escolares. Em outras palavras, continua aberto o fosso entre os jovens leitores e o sentido das palavras e expressões que se quer restaurar. Diante de certas passagens dos clássicos, o leitor moderno que só disponha de dicionários latinos escolares perceberá que existem verdadeiros buracos negros nas obras latinas. Haja vista os versos 11-14, do carme XXIX de Catulo: Marcial considera “o falar latino”. Desta fizeram muito uso Lucílio, Catulo, Marcial, Naso em parte, Horácio, Tibulo, Propércio e ainda alguns escritores muito virtuosos. A segunda língua deve ser buscada nos livros tanto de medicina quanto de direito; Com a terceira sobretudo Plauto, Pérsio, Juvenal, Petrônio, Sêneca, até Tertuliano e mesmo o santíssimo autor d’A Cidade de Deus combateram os vícios, embora todos o fizessem de maneira peculiar.// Nenhum erudito certamente ignora que o conhecimento sobretudo desta terceira língua é por demais necessário aos estudos dos satíricos e moralistas, e que a cada dia torna-se para nós mais difícil de ser compreendida, pelo fato de estar muito afastada de sua origem, com os hábitos quase completamente em desuso, aos quais aludia explícita ou metaforicamente. (tradução nossa)

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Eone nomine, imperator unice, fuisti in ultima occidentis insula, ut ista uostra diffututa Mentula ducenties comesset aut trecenties? (CATULO, 1996: 86)

O passo perde completamente o vigor de linguagem, e até pode ficar intraduzível, se a consulta se limitar a um dicionário escolar. “Mentula” e “diffututa” (v.13), respectivamente núcleo e modificador do sintagma nominal que exerce a função de sujeito do verbo “comesset” (v.14) não se acham em qualquer dicionário.

mentula

diffututa

TORRINHA BARBOSA ED. PORTO GAFFIOT mentŭla, ae, f., membre viril: CATUL. 20, ---------------------------------

diffututus, a, um, adj. – esgotado

diffututus, a, um {dis, futuo} adj. esgotado pelos excessos

18; MART. 6, 23, 2; [d’où] -latus, a, um PRIAP. 36, 11. diffututus, a, um (dis, futuo), épuisé par les excès: CATUL. 29, 13.

Quanto mais acadêmico, o dicionário latino oferece mais informações acerca dos tabuísmos. Como se disse anteriormente, há uma espécie de gradação que se forma entre os dicionários mais e menos escolares no que diz respeito ao vocabulário obsceno. Não que estejam ausentes de todo nos dicionários escolares palavras relativas à genitália e ao metabolismo:

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TORRINHA

BARBOSA

1. anus, i, m. 1. Anel. 2. o ânus. (Obs. – Muito raro na 1 a acepção, que passou a ser atribuída aos demin. anulus, anellus). penis, is, m. 1. Pénis. 2. Cauda; pincel (de pintar). verpa, ae, f. O pénis. mingo, minxi ou mixi, minctum ou mictum, 3, tr. Urinar. caco, avi, atum, 1, tr. e i. Defecar; lançar os excrementos pelo ânus. urina, ae, f. Urina. 1. excrementum, i [excerno], n. 1. Excreção; secreção. 2. Excremento; dejecção, dejectos. 3. Bagaço das uvas. 4. Limpadura. merda, ae, f. Excremento.

anus, i, m. – orifício do reto; parte posterior por onde o ventre despeja.

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penis verpa mingo caco urina excrementum

merda

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penis, is, m. – cauda; pincel; membro viril. -----------------------------------------mingo, is, nxi, ictum, ere – urinar. -----------------------------------------urina, ae, f. – urina excrementum, i, n. – excreção, secreção; excremento; estrume merda, ae, f. – excremento, merda.

À guisa de conclusão, podem ser, portanto, apontados dois fenômenos a respeito dos tabuísmos em dicionários latino-portugueses escolares. O primeiro é a ausência de palavras alusivas a comportamentos sexuais considerados desviados, não só do ponto de vista da orientação sexual, isto é, palavras ligadas ao homoerotismo, a exemplo de paedico, paedicator (sodomizar, sodomista); ou ainda a hábitos sexuais não necessariamente 130


homoeróticos, mas que igualmente subvertem a função reprodutora do sexo, como o sexo oral, a exemplo de irrumo, fello e derivados (irrumator, irrumatrix, fellator e fellatrix). Registra-se ainda a omissão de palavras ligadas à genitália femina (cunnus, landica), e masculina, como mentula, que apresenta caráter celebrador e foge ao tom sério da ciência ou dos bons costumes: o sentido denotativo de mentula é “mastro de embarcação”, empregando-se o sentido figurado para o pênis de tamanho avantajado. O segundo fenômeno é o da tradução atenuada dos tabuísmos, seja tão-somente por meio da exclusão das acepções obscenas, como é o caso de gladius (espada) e vomer (arado), que de maneira análoga a mentula, celebram o pênis: ambas as palavras designam objetos pontiagudos e associados à idéia da energia física masculina, portanto eficazes na expressão da virilidade; ou ainda na tradução apenas do significado mas sem um equivalente lexical em termos de expressividade: verpa, de acordo com o Thesaurus, remete ao “instrumenti quo camini verruntur.” (RAMBACH, 1833: 306). A tradução proposta por Torrinha (pênis), não transplanta para a língua portuguesa a expressividade do termo latino. Em Gaffiot, o sentido aproxima-se mais do original (membre viril), assim como no dicionário da Editora Porto (membro viril), mas de qualquer forma trata-se de uma tradução de significado sem que se ofereça ao consulente um vocábulo em língua portuguesa com a mesma força. A tradução de Oliva Neto (CATULO, 1996: 86) para verpa, no verso 12 do carme 28 de Catulo, foi portanto mais ajustada: Mas pelo visto vós tivestes sorte igual, pois estais fartos de um pau nada menor. (Sed, quantum video, pari fuistis/ casu; nam nihilo minore uerpa / farti estis.) U

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REFERÊNCIAS BARBOSA, Nelson et alii. Dicionário de latim. São Paulo: Escolas Profissionais Salesianas, [1967]. CATULO, [Caio Valério]. O livro de Catulo. São Paulo: Edusp, 1996. CATVLLVS, C. V., PROPERTVS, S. & TIBVLLVS, A.. C. Valerii Catulli albii Tibulli et Sexti Aurelii Properti Opera. Paris: Tipografia do Rei Leonardo Frederico e do Clero Francês, 1685. FINDLEN, Paula. Humanismo, política e pornografia no Renascimento Italiano. In: HUNT, Lynn. A invenção da pornografia. São Paulo: Hedra, 1999. RAMBACH, Karl. Thesaurus Eroticus Linguae Latinae. Stuttgartiae: Apud Paulum Neff 1833. SALLES MONIZ, Fábio Frohwein de. Expurgar para ensinar: a censura da bibliografia destinada à educação do delfim. Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2007. pp.49-57 TORRINHA, Francisco. Dicionário latino-português. 3.ed. Porto: Marãnus, 1945.

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