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Índice Introdução ....................................................................................................................................... 3 Parte UM....................................................................................................................................... 11 Quando Tudo se Desmorona de Chinua Achebe ............................................................................ 11 Recensão Crítica ..................................................................................................................... 11 Parte DOIS .................................................................................................................................... 24 Tópicos e referentes simbólicos da narrativa oral da etnia Ibo ........................................................ 24 O Provérbio ............................................................................................................................... 24 Caraterização e análise de provérbios ....................................................................................... 26 Proverbiário ............................................................................................................................... 27 Os provérbios são o óleo de palma com o qual as palavras são comidas ..................................... 27 Caraterização e análise das canções e poemas ..................................................................... 37 Caraterização e análise de narrativas orais ......................................................................... 39 Caraterização e análise do diálogo e das conversas ............................................................. 47 Caraterização e análise das histórias de vida ...................................................................... 48 As histórias de vida ................................................................................................................ 48 Parte TRÊS ................................................................................................................................ 52 Prática pedagógica – Escola Secundária Monte de Caparica - Biblioteca Escolar ............................. 52 Maratona de Leitura‟s “entre as coisas e mim havia vizinhança” (Anexo A) .................................... 52 Produção de narrativas, baseadas em excerto de uma fábula africana (Anexo B) .............................. 54 Conclusão .................................................................................................................................... 55 Bibliografia ................................................................................................................................. 58 Anexo A ....................................................................................................................................... 61 Prática pedagógica – Escola Secundária Monte de Caparica - Biblioteca Escolar ............................. 61 Maratona de Leitura‟s “entre as coisas e mim havia vizinhança” .................................................... 61 Anexo B ....................................................................................................................................... 82 Produção de narrativas, baseadas em excerto de uma fábula africana .............................................. 82 Anexo C ....................................................................................................................................... 89 Parable Of The Tortoise By Pekulia Meesi ...................................................................................... 89 Parable Of The Tortoise.................................................................................................................. 90
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INTRODUÇÃO
O Seminário Multiculturalismo e Dinâmicas Interculturais permitiu adquirir um conjunto de referenciais teóricos sobre as questões culturais, tendo por base a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos e a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural entre outros textos fundamentais de autores de referência.
Permitiu refletir e problematizar, de forma crítica, o contexto português, no âmbito da sua diversidade linguístico-cultural, a partir da problematização de um conjunto alargado de conceitos de referência neste domínio, a saber: multiculturalidade, multiculturalismo, interculturalidade, identidade, diversidade cultural, que se revelaram estruturantes e fundamentais para a análise e compreensão das políticas culturais e linguísticas, de âmbito transnacional, com implicações profundas a nível nacional e a nível local.
Em 2001, a UNESCO, na Declaração Universal da Diversidade Cultural, referia que: (…) em sociedades cada vez mais diversificadas, torna-se indispensável garantir uma interação harmoniosa entre pessoas e grupos com identidades culturais a um só tempo plurais, variadas e dinâmicas, assim como a sua vontade de conviver. As políticas que favorecem a inclusão e a participação de todos os cidadãos garantem a coesão social, a vitalidade da sociedade civil e paz1. Esta orientação da UNESCO configura o multiculturalismo como uma via distinta do modelo assimilacionista de integração.
Stuart Hall, no seu livro Da Diáspora: identidades e mediações culturais contribui para a definição e clarificação dos conceitos “multicultural” que “ descreve as características sociais e os problemas de governabilidade apresentada por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma
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Art.2ºda Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural 3
vida em comum, ao mesmo tempo que retém algo da sua identidade original”
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e
“multiculturalismo” que se reporta “às estratégias políticas adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade geradas pelas sociedades multiculturais”3.
Segundo este autor o multicuralismo reconhece o direito à manutenção cultural à formação de comunidades, ao mesmo tempo que liga estes direitos à equidade social e à proteção face à discriminação.
A abordagem dos pressupostos teórico-práticos sobre as questões culturais e identitárias confirma a necessidade de se estabelecer um quadro de análise para a compreensão da realidade social, de forma reflexiva, contextualizada, em função da natureza histórica, filosófica, política, económica, e cultural dos fenómenos. Privilegia-se a política dialogante e responsável, como tentativa de conciliar a democracia com a diversidade cultural cada vez maior e mais complexa, num mundo global e em permanente mudança.
Este seminário permitiu compreender os desafios que se colocam à educação intercultural, como princípio de educação para a diferença, como prioridade essencial para a prática de uma pedagogia centrada num paradigma da alteridade, do diálogo, no reconhecimento e gestão das diferenças, dos direitos humanos e cidadania.
Permitiu que tornássemos consciente a importância de utilizarmos pedagogias interculturais no processo de ensino aprendizagem, visando a identidade cultural, a diferença e o reconhecimento do Outro.
Neste contexto, o modelo intercultural propõe a verdadeira luta contra a discriminação, porque atribui valor à diversidade e preconiza a promoção da igualdade e da cidadania,
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Hall,2003:52 Hall,2003:52 4
incorpora a ideia de compromisso na construção de uma sociedade humanamente global.
O Seminário teve também o grande mérito de contribuir para a abordagem da literatura como um lugar de tematização do Outro e de promover modos de ler e compreender o Outro na literatura de inspiração portuguesa e estrangeira. O estudo que apresentamos tem como referência uma das obras programáticas indicadas Quando Tudo se Desmorona de Chinua Achebe, selecionada em função do potencial de reflexão e questionamento que sugere precisamente pela articulação e encontro entre diferentes contextos subjetivos, sociais, políticos e culturais.
A abordagem da referida obra constituirá o cerne do trabalho que decidimos estruturar e articular, em três partes.
Da primeira parte, exclusivamente dedicada à leitura, constará uma recensão crítica da obra, como modo de ler as significações do desmoronamento, interrogando a política mundial, segundo linhas culturais e civilizacionais dos povos pertencentes a diferentes entidades culturais.
Na segunda parte faremos a abordagem do discurso narrativo, propriamente dito, na sua diversidade textual, com incidência na narrativa oral, como dimensão estruturante da obra e produtora de sentidos e de representações sociais, culturais e políticas.
Nesta parte integraremos um trabalho designado Proverbiário que decorre da identificação, caracterização e compilação dos provérbios constantes na obra. O Proverbiário pretende ser uma semente que assim se lança à terra, em homenagem ao povo Ibo, cujo fruto será resultante da recolha intertextual de outros contextos e comunidades a integrar. Como o desafio é grande propomos que seja feito pelas mãos que lhe deram vida, Adelaide e Helena. 5
A proposta consiste em reunir os provérbios de várias proveniências e referências morais e constituir um referencial de ideias e de pensamentos construídos por antepassados da Humanidade, com a finalidade de aproximar os povos, por via da oralidade, consagrada na mais genuína forma de expressão cultural, moral e social. O conjunto de provérbios com que inauguramos o Proverbiário têm registo de nascimento em África, Nigéria, povo Ibo. Este trabalho torna-se muito significativo pela sua dimensão de criatividade e sabedoria universal.
A terceira parte integrará dois trabalhos de prática exploratória de leitura’s do mundo, do domínio da tradição oral e das histórias de vida pessoais e coletivas, realizados em contexto educativo, nos espaços da sala de aula, e da biblioteca escolar respetivamente, no seio da comunidade educativa de duas Escolas do Concelho de Almada a saber: Escola Secundária Anselmo de Andrade e Escola Secundária do Monte de Caparica.
A ideia de explorar na prática pedagógica algumas propostas decorrentes da leitura do romance, permitiu aproximar a comunidade educativa de outros modos de ler e falar o mundo. Com implicações a nível dos contextos da sala de aula e da biblioteca escolar, no âmbito formal e não formal, junto de formandos de educação e formação de adultos e alunos do ensino básico e secundário, se experimentou dar a palavra e continuar a entretecer a narrativa oral de vozes multiculturais que enobrecem o presente trabalho.
A intenção que presidiu à escolha e estudo da obra Quando tudo se desmorona de Chinua Achebe prendeu-se com o interesse em conhecermos um autor pioneiro do romance africano, de valor universal, considerado um mediador entre a África e o mundo ocidental, bem como lermos a sua obra escrita, num contexto de país africano, em processo pré-colonial e colonial, marcado pela resistência e dor, conflito e morte da comunidade que simbolicamente representa a sociedade africana.
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Consideramos que o romance Quando tudo se desmorona é uma obra literária de excelência e de grande atualidade e interesse, a nível simbólico, político e sociocultural. Deste modo, constituiu, no âmbito deste trabalho, um campo de estudo e análise, das implicações teóricas relativamente à questão da diversidade cultural e às representações identitárias e culturais decorrentes do contexto ficcionado, de base histórica da referida obra. A qualidade da mensagem que constrói e o modo de a tornar ideologia e pertença de uma comunidade, perspetiva e confirma o seu carater de referencial para a construção de um mundo exemplar, segundo um modelo humanista, com base na palavra e no diálogo intercultural dos povos. Neste contexto, revela-se um modelo portador de sentido e de toda a legitimidade, porque se inscreve no código de valores e princípios da vida, instituído e vivido na comunidade, pelo seu povo, personagem coletiva, representado pelo herói Okonkwo, verdadeiro interprete e garante do sucesso e defesa, da sua comunidade Ibo, simbolicamente ameaçados ambos, a comunidade e o seu herói, por políticas externas hegemónicas, segundo princípios questionáveis de ingerência interna, em nome de critérios definidos, no âmbito de uma política mundial com preocupações, aparentemente, de ordem social e administrativa. No caso em apreço a política inglesa, traçada para África, conducente à pacificação das tribos primitivas do Baixo Niger, com a agravante do projeto de paz ser portador de guerra e exclusão dos próprios visados.
Tais políticas incompreensíveis à luz da democracia e dos direitos humanos contribuíram decisivamente para a trágica degradação social das comunidades africanas, o desmoronamento, cujos sinais se evidenciam, desde o início até ao final da obra.
Convém referir que o mesmo desmoronamento contém em si a energia contrária que permite acreditar na transformação a empreender pelo povo oprimido, tendo em atenção a sua marca, sabiamente registada pelo fazer com as suas mãos e com a sua vontade. A força matriz interna e potenciadora, decorrente do valor imanente do povo Ibo. Da pertinente interação de três forças portadoras de sentido contrário, a ocupação inglesa, a 7
morte de Okonkwo, a morte da comunidade Ibo, se questiona a ordem social e política, numa lógica dos valores e princípios de referência, relativamente a: poder versus legitimidade, meios versus fins, civilização versus respeito, colonização versus democracia .
Neste sentido, se impõe fazer a inevitável pergunta sobre o que se entende por encontro de culturas e confronto de civilizações, com recurso à filosofia do autor que impregna toda a estrutura e mensagem da obra.
A proposta que fica e decorre do desmoronamento que foi sendo construído e permitido traduz-se na ideia de força de construção de felicidade pela mão de todos os Ibos do mundo. “ (…) o seu clã (…) julgava um homem pelo trabalho das suas mãos”4. Assim entendida, a felicidade decorre da obra levada a efeito por cada um dos elementos do clã, nas suas rotinas diárias e cíclicas de mudança, evidenciadas nos tempos prósperos e de míngua das colheitas, e na simbologia da colaboração dada a quem começa a querer semear para granjear poder e respeito social.
Um processo fundamentado na lógica da vida e nas suas próprias dinâmicas pessoais e interpessoais, com sentido e reflexão, integradas em dimensões produtivas, entretecidas na palavra e no diálogo intercultural, semente e fruto, e base da sobrevivência dos povos do mundo. Parece ser um modelo básico, recriado, de forma simples, com enorme potencial de sabedoria, porque se centra no homem, na sua capacidade de diálogo e comunicação e acredita na força criativa de que é portador o ser humano. Tem à partida condições naturais para ser exportado e integrado em todo o mundo, com impactos altamente promissores.
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O leitor ao colocar-se no lugar de dentro das histórias vê, ouve e sente que a obra, obedecendo embora à forma canónica de romance, organiza a narrativa em transgressão e confronto, a partir de uma natural necessidade de propor outras leituras do mundo, uma provável forma de modificar o olhar dos outros sobre uma mesma realidade.
Neste caso, o autor recorreu a uma matéria inusitada e recriou, de forma pragmática, a matéria literária, ficção da realidade, através de abordagens temáticas expressivas, de traços realistas, da cultura africana pré-colonial, retrato de uma época social em que o povo vivia em dignidade, em função da antiga ordem do mundo Ibo, relevante na afirmação dos costumes tradicionais, antes da intrusão do colonizador branco. Com a intenção de mostrar a passagem de um mundo para o outro, de uma ordem para outra nova ordem, o autor procurou nas referências da história e da tradição oral o valor da diferença visivelmente marcado “na diversidade social de linguagens, às vezes, de línguas e de vozes individuais, uma diversidade literariamente organizada”. (BAKHTINE, 1978 p. 88). A força da palavra constrói e dá a conhecer a grandeza da vida comunitária em África, segundo princípios e valores de respeito pelos antepassados, evidenciados nas várias dimensões e celebrações ritualizadas da vida.
Na pluralidade de mensagens, resultante de um jogo consentido de diferenças e dinâmicas plurais, verbalizou-se, construiu-se e afirmou-se a verdadeira mensagem - o reconhecimento de um povo - caracterizado diretamente pelo modo de fazer, simbolizado na mão trabalhadora, pesada, aberta, limpa, que dá vida e morte. “ (…) Quem quer que tenha uma tarefa em mãos”5 deve organizar-se em família, no clã, na relação solidária e convivial com o Outro e no cumprimento escrupuloso das leis da Terra. “ Um homem que chama os seus familiares para um banquete não o faz para os salvar de morrer à fome. Todos têm comida em suas casas. Quando nos reunimos no enluarado ilo da aldeia, não é por causa da Lua. Todos a podem ver com os seus próprios olhos dos seus recintos.
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Reunimo-nos porque está certo e é algo de bom para uma família. (…) Não sabeis o que é falar com uma só voz. (…) Obrigado por nos teres juntado”. 6
A valorização da História, da Memória e Identidade do povo Ibo, torna-se, simbolicamente representativa e extensiva a todas as comunidades africanas e a todas as comunidades do mundo.
Como é que a obra se organiza sobre falar, fio inquebrantável de vozes das suas gentes que contam as histórias infindáveis do seu imaginário individual e coletivo, em estreita relação com a realidade vivida e idealizada?
Entretecer o fio da conversa é querer ser parte da narrativa, das histórias, estar por dentro para contar, contando.
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PARTE UM
Quando Tudo se Desmorona de Chinua Achebe Recensão Crítica
O livro Quando tudo se desmorona de Chinua Acheve, publicado em 1958 e premiado pelo Man Booker International Prize, organiza-se em três partes distintas, constituídas por um número diferente de capítulos. A Parte Um compreende 13 capítulos, é a mais extensa, comparativamente às restantes, Parte Dois e a Parte Três com seis capítulos respetivamente, num total de vinte e cinco capítulos.
De um modo geral, os capítulos são pequenos, constituídos por três folhas em média, à exceção do capítulo onze que ocupa o dobro do espaço, detendo na estrutura da obra, do ponto de vista formal, uma preponderante e relativa importância, que se confirma na análise de conteúdo e no domínio da sua representação simbólica.
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As três partes que constituem esta obra literária decorrem em três fases temporais distintas, dimensionadas em função de três eixos de referência histórica e respeitam três ações estruturantes que estabelecem entre si uma relação profunda e permanente, no processo contínuo e dialético da narrativa, na busca de sentido integrador, União do Céu e da Terra, e da perfeição, segundo uma visão simbólica da ordem intelectual e espiritual, em Deus, no Cosmos e no Homem.
Sob o signo ternário da organização, e da criação, verificamos uma exuberante e constante afirmação do número três, patente desde o início até ao fim do discurso. Num tempo triplo passado, presente, futuro e num mundo triplo manifestamente produtor, conservador e transformador, o número três adquire uma importância particular, no domínio simbólico, ético e moral. Neste contexto se inscreve também outro número sagrado, o sete, intimamente associado ao conceito de totalidade do espaço, do tempo e do universo em movimento, em transformação, no sentido da mudança, do desconhecido. Integra a plenitude dos tempos, o tempo da história e da peregrinação terrestre do homem.
A Parte Um apresenta e introduz a problemática da ação interpretada por distintos actantes, num espaço e num tempo ideal, contextualizado e identificado, através das vivências e mundividências próprias das gentes de comunidades africanas, crentes no cumprimento da obediência das leis da terra, em valores e princípios de respeito pelos deuses dos seus antepassados.
A Comunidade lida e compreendida na pluralidade das suas representações, com relevância para Okonkwo, o herói, que encabeça a narrativa e pelas suas mãos trabalha o sentido da construção/desconstrução pessoal e social, sinalizado na antítese, vida e morte, premonição latente de trágicas e radicais transformações e mudanças.
A Parte Dois aprofunda e acelera a desconstrução dos equilíbrios instáveis da situação inicial, através de sinais preocupantes de crescente fragilidade do herói, o símbolo vivo, exemplo do poder e da força de lutar. Em afastamento forçado da comunidade e em 12
rutura consigo próprio, Okonkwo reforça a previsibilidade da decadência pessoal, do seu povo e da sua comunidade.
O sujeito num crescendo de forças e fragilidades, contamina e corrompe a unidade e a união primordial e desencadeia o estilhaçar da vida, no seio da comunidade. Num processo de resistências e imprudências se constrói e preanuncia o advento de um novo tempo da História.
A Parte Três confirma e reflete a influência ilusória dos argumentos que subrepticiamente favorecem a expansão da fé cristã e a abertura ao domínio e poder do colonizador estrangeiro.
A estratégia de ocupação, segundo lógicas de mentira e de abuso de confiança, destrói comunidades incautas e fragilizadas na sua identidade e conduz à perda de valores e de referências, imprudência que facilita e concentra a inevitabilidade de desmoronamento totalizante e simbólico, de um homem, de um povo, de um continente.
A situação final confronta o herói peregrino com a derradeira escolha a fazer. Simbolicamente decide imolar-se, imortalizar-se, como mensageiro de libertação de um povo e da sua cultura. Regista com a vida e com a morte a renegação e não-aceitação da passagem da ordem do seu mundo rural, ancestral, para a nova ordem de um mundo estranho, desconhecedor dos princípios de obediência devida às leis da terra e à memória dos antepassados.
Num tempo charneira, de visível constrangimento para a afirmação dos homens de Umuofia, materializa a dor de um povo, na dor da sua morte, do seu sacrifício. Okonkwo rejeita a opressão e luta insubmissa, morre fiel pelas suas mãos que trabalham a sua própria morte. A transgressão do seu gesto suicida carrega a redenção de um povo e da sua cultura. Evidencia as contradições e faz pensar como a honra e a glória de um
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povo soçobra às mãos de estranhos que pretensiosa e sarcasticamente labutam por levar a civilização às diferentes zonas de África.
Permite refletir que em nome da civilização, do saber e dos direitos se violentam as civilizações. História que os homens seguem contando e continuam a protagonizar, indiferentes mensageiros da morte e da vida. Para os leitores da História e das histórias da Humanidade.
Um encontro de culturas, um confronto de culturas, um choque de civilizações em questionamento, do ponto de vista das profundas mudanças da nova ordem colonial, e da sua afetação em vidas e em valor patrimonial de um povo. Sem procurar a vitimização, antes num registo de analista e intérprete resistente e crítico da história da colonização, o autor detém-se numa visão aberta, reflexiva e humanista, em defesa consciente das relações de soberania e de respeito dos países e dos povos de todo o mundo.
O sujeito leitor é convidado a fazer parte de uma viagem de iniciação ao conhecimento sociocultural de comunidades rurais, de gentes africanas, do sudeste da Nigéria, povo Ibo de Umuofia, por via de duas personagens emblemáticas, Unoka e Okonkwo, pai e filho. Ambos detêm um papel determinante, quer no engenho do enredo, quer na construção e produção de sentido do romance. Estas personagens emergem de um fio narrativo que as tece, na sua incompletude, imperfeição e demanda existencial. Embora identificados, de forma única, cada uma de per si, por oposição, os pólos energizam-se e os fragmentos contrários integram e perfazem a unicidade, o filho eleito, Okonkwo. Partimos, assim, cientes das contradições que opõem os seres e os contextos em que se movimentam e realizam as suas vidas. Atentos a todos os sinais, e motivados por descobrir e encontrar formas de ler, analisar e compreender a diversidade de significações construídas e representativas, redimensionadas por uma polifonia discursiva.
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As várias dimensões e domínios, do público ao privado, do religioso ao real e simbólico, permitiram fazer caminhos, ler, na essência, os princípios e valores estruturantes, consubstanciados em vivências, práticas, rituais e tradições que dão sentido e conferem respeito e dignidade à organização social, política e cultural dos povos, em particular, do povo de Umuofia e das restantes nove aldeias que compõem a comunidade. Aquele mundo a conhecer e a perscrutar, no seio das famílias, no coração da natureza, no profundo dos sentimentos, na força do trabalho, no espírito de luta, feito por tantas mãos, por tantas vozes. Confrontámos o mundo dos homens e o mundo das mulheres. Na narrativa da dor de uns e de outros. Em respeito e obediência às leis da Terra.
Ouvimos a oralidade do texto moldada na língua mãe, no ato comunicativo, na forma de imaginar. Do absoluto dos tempos à magia dos espaços naturais, por via dos falantes que entretecem conversas infindáveis, numa visão ampla e totalizante da realidade, segundo uma arte de dizer e perpetuar, em provérbios, narrativas orais, diálogos, canções, histórias de vida, um repositório sem fim de registos e memórias.
A palavra e os silêncios portadores de densidade comunicacional, de permanente aprendizagem e reflexão para a ação, constituem a essência da vida na comunidade de Umuofia, que se regula por bom pensamento, boa palavra, boa ação.
O discurso entretecido de vozes e de dimensões dialógicas e imagéticas convida a entrar nas histórias vividas e reinventadas. Sentados a conversar, percebemos que ali mora uma cultura diferente, de raiz africana, erguida na força das suas asas. Pássaros. Todos os pássaros.
Parceiros na longa história da humanidade, os homens construíram os caminhos da comunicação, expressos por formas não-verbais e verbais. A palavra feita narrativa oral aproximou o mundo, construiu o mundo, construiu-nos, no eterno processo de se contar, de nos contarmos, na multidiversidade das suas e nossas histórias. 15
No princípio era a palavra e a relação natural com o discurso de homens e mulheres, crianças, jovens e anciãos da tradição ibo que conversam, dizem, contam, cantam, vivem, tocam, pensam, desejam, fazem, lutam, projetam e acreditam convictamente. Matéria de que se faz a narrativa deste livro, que propõe abordagens significativas do mundo e dos seres que o habitam em pertinente questionamento e pluralidade de leituras.
Com efeito, a oralidade emerge, como fonte inesgotável, recurso vital que sustenta, desenvolve, estrutura e dá sentido à diversidade e complexidade das representações e das mundividências individuais e coletivas. As palavras sábias dos mais velhos e daqueles que se libertam pela força do trabalho e do poder da luta em defesa das aldeias e comunidades, ganham particular importância e merecem toda a atenção, para a memória futura dos antepassados. O saber filtrado pelas experiências e as suas significações integra um caudal de vozes que conferem a qualidade e a credibilidade da matéria-prima, para estudo e reflexão, base do conhecimento de pendor humanístico.
Desde o início do romance, o discurso institui e assume a dimensão da conversa e valoriza a palavra, a matriz do diálogo, as vozes dos intervenientes, a experiência e a sabedoria dos falantes e dos ouvintes, as histórias que se contam uns aos outros, nascidas da profunda natureza, traduzidas na simplicidade do quotidiano da vida vivida ou imaginada. Ao encontro da plenitude, numa dimensão holística do ser, os humanos do clã de Umuofia, como outros, buscam criar e participar, a poder do tempo e do legado da tradição, no redimensionamento do mundo, pela transmissão das histórias verdadeiras e/ ou fingidas, fantásticas, mentirosas potenciadoras, no seu conjunto, de uma infinitude de abordagens e de interpretações que enriquecem o imaginário global.
Estruturantes e transversais a todo o discurso, as conversas, as histórias, as canções, as narrativas, os provérbios ou sentenças populares ganham a sua razão de ser e a sua significância de verdades eternas: No modo como permitem compreender e interpretar as leis da terra e a sua organização social, política e cultural, favorecendo a informação, o 16
lazer, o convívio, a aprendizagem, os rituais, o conhecimento e reconhecimento do outro, para o prazer e respeitabilidade de todos.
No modo como permitem ser parte da construção do mundo e da pessoa, enquanto autores das suas histórias e protagonistas das histórias coletivas das comunidades.
No modo como podem intercetar, relacionar e interpenetrar todos os seres vivos de todos os reinos que coabitam o planeta – o animal, o vegetal, o mineral – soberanamente atuantes e determinantes da vida, em comunhão com a natureza-mãe, que se configura omnipresente, afirmativa, confidente, poderosa.
No modo como inscrevem, no ato da existência, a representação protetora e confortante de Nneka, a Mãe é Suprema, que vela pela realização dos seus filhos, porque junto deles comunga e ilumina o seu caminho, para além dos limites do tempo e do espaço.
No modo como estruturam sentidos que permitem relativizar e desmoronar fronteiras, barreiras, preconceitos entre uns e outros, brancos e negros, homens e mulheres, pais e filhos, jovens e anciãos, vencedores e vencidos, vivos e mortos, crentes em Deus ou em Deuses.
No modo como propõem e concebem outras leituras sábias, que filosofam sobre a moral e a ética, a união e unidade de um povo, a vida e a morte das civilizações e culturas. Para aprender a ser e a viver juntos, no respeito pelas diferenças e identidades.” Não existe nenhuma história
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que não seja verdadeira (…) O mundo não tem fim e o que é bom para um povo é uma abominação para outros” 7
Unoka e Okonkwo, personagens em confronto e negação, permitem-nos refletir sobre o modo de ser divergente de princípios, de ideias, de orientações e projetos de vida, apesar da sua consanguinidade e parentesco. Distintos na visão e entendimento do mundo, e na forma como com ele se relacionam, a nível pessoal, familiar e comunitário, no respeito e defesa dos valores, das leis da terra e dos rituais consagrados. Ambos configuram o ideal da essência da vida, no potencial humano de que são portadores.
As
forças
que
os
unem,
contraditoriamente
expressas
por
manifestações
comportamentais e sentimentais singulares, configuram dois homens marcados e feridos de incompreensão e inflexibilidade filial e paternal. Pai e filho, em afastamento, em queda, em perda da união da família, do clã. Num gesto simbólico, lançam à terra uma fértil semente de dor e sofrimento colhida na morte, que uma mão resistente, por três vezes faz acontecer. Sacrifício de inocentes, de invasores, de inconformado o jovem Ikemefuna –(inocente)− Chefe dos beleguins –(invasor) −Okonkwo – (o inconformado), o mensageiro da morte. Todos morrem pelas suas mãos.
Okonkwo vive a ostentar a sua fria e racional aparência de incondicional guerreiro e poderoso senhor, zeloso cumpridor das leis, acentuando em si crescentes contradições e perturbações. Transformou-se e enfraqueceu-se por medo de não corresponder no limite às elevadas expectativas pessoais e sociais. A inflexibilidade comportamental, o desafeto dos próprios sentimentos e a estranheza de argumentos potenciou o seu desassossego,
elevado
a
um
incontornável
processo
compulsivo
de
autodesmoronamento. Okonkwo ao pôr em perigo o seu reino pessoal, a sua unidade polar, em que tudo convergia para a força e o poder, no quadro da ordem do mundo Ibo foi também interpenetrado dos contrários e reciprocamente agente ativo do processo de transformação da realidade.
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Obcecado pela ideia de fraqueza a que contrapunha uma força inquestionável, tornou-se menos consistente e coerente, perdeu-se em si, dominado pelo medo, a paixão segundo a qual estruturava e organizava a sua vida, no combate aos estigmas de fraqueza e de feminilidade sentimental que repudiava no seu pai, Unoka. O mesmo medo que o impelia para a ação e que justificava a sua ansiedade e combatividade, perante o desconhecido que se afigurava em crescendo, desde que tudo começa até que tudo se desmorona. Da infância difícil, à notoriedade e ao trágico fim. De jovem obstinado, homem forte, a veterano resistente pelo seu povo, em sacrifício da própria vida. Honra, Glória e Morte cumprem-se.
Num mundo que se apresenta e revela em quadros pintados de harmonia, emergem sentidos dialéticos, forças contrárias intrínsecas e extrínsecas, mobilizadoras de rutura e profunda mudança. O movimento iniciado a partir da afirmação da negação do pai não significa supressão da coisa suprimida. O reprimido ou negado permanece dentro da realidade. Tudo se desenvolve e desenlaça pela oposição dos contrários. Tudo está em processo de constante devir e decadência. Okonkwo simboliza a própria deriva e as modificações em curso.
O sentimento de medo concorre e fundamenta movimentos de procura, de encontro, de desencontro, de perda, de morte, dinâmicas e mutabilidades do real. Como se lê nada permanece definitivo, absoluto, sagrado. A realidade está sendo, em movimento, transformação e desenvolvimento.
A metáfora recorrente da transitoriedade e fragilidade da vida, conferida pelo circuito natural da natureza, no cultivo e produção cíclica da terra é, deste ponto de vista, uma evidência comum e concreta. O tempo das colheitas e sementeiras regula e integra os ciclos da vida comunitária e os seus trânsitos comunicacionais e organizacionais. Os movimentos fazem-se com a crença na força de vontade dos homens e dos deuses protetores. Os campos e as vidas germinam, num contínuo processo de interdependências, todos em tudo. No ar perpassam sinais de instabilidade e 19
intranquilidade, premonições de adventos complexos pela novidade da mudança, em tudo diferente da esperança.
A realidade comunitária na sua constante e repetitiva dinâmica solicita a participação ativa de todos, investidos de diferentes modos e funções. Destacam-se as relações humanas e sociais do clã, da família, os rituais de celebração da vida e da morte e do sentido religioso e da justiça, a organização e divisão das forças do trabalho, em sintonia com as leis da terra que enformam e orientam a comunidade no seu todo.
Neste contexto, toma significado especial a distinção de tarefas masculinas e femininas, codificadas e detentoras de uma função educadora, fortemente ritualizada, sexista e machista, os filhos são pertença do pai.
As crianças e os jovens são educados por toda a aldeia e aprendem pela via da experiência, do exemplo dos familiares dos vizinhos e amigos. As aprendizagens adquirem-se num modelo de relação direta e sustentam-se na dimensão da oralidade, por via de conversas formativas, que aproximam e questionam a realidade e os próprios contextos.
As histórias são adequadas às idades e géneros, ao imaginário e à realidade comum e remetem para práticas da vida rural e tarefas que relevam da necessidade pessoal, coletiva, comunitária. Por questão de dignidade e qualidade das aprendizagens os processos são acompanhados e validados por quem é portador de mais saber e competências, por regra, os anciãos, os homens, por exceção, as mulheres, na sua clandestinidade. Todas as pequenas e grandes aquisições decorrem de questionamento, de observação, da experiência e de diálogo entre os aprendentes.
A relação que se estabelece entre todos é de proximidade e em contacto com a natureza, fonte suprema da aprendizagem das pequenas e grandes coisas da vida. A comunidade em geral está sensível e atenta às crianças e aos jovens, em particular, os anciãos, 20
homens de título, sacerdotes e guerreiros, cujas conversas e mensagens no recinto ou no mercado são preciosas lições de cidadania para a compreensão das leis da terra. De forma mais privada e familiar a criança ou o jovem aprende no seio da família, no obi paterno ou na cabana das mães. As mães são mestres dos seus filhos. O fio condutor é o ritual das histórias.
Embora se torne visível e reconhecido o importante papel das mulheres, no seio da família, a sua presença formal é, por norma, reservada à cozinha e à organização doméstica, com algumas exceções para o cultivo do inhame, cultura de homens. Bendita entre as mulheres e no serviço incondicional ao seu homem, sempre à vez, na conquista do lugar e da afeição. Algumas havia que ousavam ser ouvidas e tratadas com o devido respeito e atenção, o preço era a chacota das cantigas, com sentido crítico e moralizador. “Sempre te disse que Ndulue e Ozoemena partilhavam o mesmo espírito (…) Lembrome que quando era rapaz, havia uma canção sobre eles. Ele não podia fazer nada sem lhe dizer” 8
Foram três as mulheres da vida de Okonkwo: a primeira, nunca nomeada, a mãe de Nwoye, antecipando-se, nesta anulação da pessoa, a desonra que este filho traria à família e ao clã, convertendo-se ao cristianismo, renegando os seus antepassados. A terceira, a maltratada e ignorada Ojiugo.
A segunda, a do meio, a rebelde Ekwefi, cujo chi forte, a tornava invencível e eleita companheira de lindas histórias de amor e sofrimento, em sublime cumplicidade. Ekwefi, a mulher e a mãe extremosa de Ezinma, sua filha única e predestinada, sobrevivente, por magia e por zelo de seu pai Okonkwo, que a amava forte no que ela parecia ter de rapaz. Ainda assim, a preferida mulher correu riscos de ser morta, pelas mãos de Okonkwo, por lhe dedicar excessivos cuidados a ele e menos à infeliz bananeira, uma árvore pretensamente mais valiosa do que a vida de Ekwefi.
8
P:61 21
A subalternidade e inferioridade, perante os homens, transfigura-se no poder e na ascendência que confirma o eterno contraponto de instabilidades em equilíbrio. As mulheres são vistas como as fundadoras do clã e do seu povo, no seu papel de mães e de esposas. Neste sentido, elas têm o dever e a obrigação de prestar cuidados aos filhos, aos maridos, aos familiares e aos outros elementos da comunidade. Uma função social de atenção e dedicação exclusiva à comunidade, embora não desempenhem ou ocupem cargos ou funções notáveis, que pertencem por direito aos homens.
A fragilidade e sensibilidade que as marca traçam-lhe a condição feminina, que e apesar do seu desmerecimento social, lhes permite granjear uma privilegiada e íntima relação, entre o espiritual e o simbólico, entre a deusa da terra e a profetiza do céu, Ani e Chielo, mulheres poderosas inspiradoras do medo dos homens, pela dimensão enigmática e mítica das suas verdades e visões.
As palavras na boca das mulheres fluem encantadas, na corrente contida do desejo feminino de ser livres e iguais. A interminável narrativa que se escuta vinda dos tempos e das memórias nasceu dos seus silêncios, dos seus medos, dos seus sonhos.
As mulheres no recato da sua insubmissão ergueram a voz, as vozes, o pensamento, o conhecimento e a sabedoria.
Elas são a luz na terra de Umuofia.
A comunidade torna-se, assim, com os contributos de todos, educativa e educadora, produtora e consumidora de saberes e conhecimentos sistematizados e concretizados nas várias formas canónicas da tradição oral. Uma aspiração superior de querer aprender a melhorar continuamente a condição de vida pela transmissão do poder das palavras. O poder que a Mulher e o Homem concedem às palavras e ao ato de narrar. O sentido de união perfeita centra-se entre a Terra e o Céu.
22
A literatura oral engloba todos os discursos anónimos, transmitidos oralmente ao longo do tempo, que fazem parte de um património cultural coletivo. É a comunidade que se encarrega da transmissão desse património, pela voz de um conjunto indefinido de sujeitos individuais.
Este livro, povoado de gente e de vozes de todas as idades e sonhos, deixa ouvir e compreender a polifonia de mensagens, na diversidade da expressão de cada um, no seu espaço individual e coletivo, e no tempo próprio de dizer e de repetir, de pensar e reinventar os caminhos a aprender. No sussurrar da pergunta e da resposta, na veemência do discurso, na sensibilidade das emoções e dos argumentos, no ritmo e intencionalidade das canções, das conversas, das histórias e dos provérbios, traves mestras da sabedoria, essência da comunicação do mundo. Memórias universais e intemporais, numa partilha e escuta íntima, reveladora do livro da vida.
23
PARTE DOIS
Tópicos e referentes simbólicos da narrativa oral da etnia Ibo
A palavra inscreve-se no tempo. Poder-se-ia mesmo dizer que a literatura oral parece atualizar por toda a parte uma espécie de fundo arquétipo universal, sobretudo na sua dimensão mítica.
O Provérbio Proverbium vem do latim e significa “palavra pronunciada em público”
Os provérbios são o elemento de oralidade mais percetível no romance Quando tudo se desmorona porque são frequentemente utilizados pelas personagens e narradores. “Okoye pronunciou a meia dúzia seguinte de frases sob a forma de provérbios”9 Os anciãos são quem mais os utiliza para transmitir a sua sabedoria em palavras e ideias organizadas. Essa antiga forma de arte verbal é fruto de observação da natureza e tem como função ensinar os códigos da sociedade e o funcionamento do comportamento humano. É o mais respeitado género da literatura africana. Se verificarmos, atentamente, as conversas são, por norma, enriquecidas e ilustradas, através de significativos provérbios. No domínio do debate e confronto de ideias é frequente recorrer -se também aos provérbios para gerir conflitos, decifrar e resolver problemas, de natureza política, judicial e religiosa. Concluindo-se que quem domina os provérbios reúne melhores condições para utilizar com mais propriedade a palavra argumentativa e ter sucesso no debate e na contenda.
Os significativos provérbios proferidos e assumidos como tal, ao longo do discurso, evocam o meio cultural em que se integram. As constantes comparações e imagens
9
P:14 24
dizem-nos muito sobre os valores da sociedade de Ibo, os valores com os quais Okonkwo cresceu, viveu e morreu.
Alguns dos provérbios servem de mote à abordagem de temas recorrentes na obra, como a importância do estatuto pessoal e do reconhecimento social, a valorização do cumprimento das leis da terra e dos antepassados, o respeito devido ao homem que sabe conduzir o seu próprio destino com sucesso, a avaliação da qualidade dos familiares, juízos de valor sobre o mundo do trabalho e da vida em comunidade.
Um provérbio é uma breve, clara e artística expressão de palavras que ilustra uma situação, observada e validada na realidade concreta da vida Os elementos de referência são de várias fontes, sociais, filosóficos, comportamentais. Transmitem ad infinitum hábitos, costumes, crenças, fauna e flora, em síntese, contemplam e refletem os quatro elementos vitais.
A dimensão é oral e comum, o âmbito é da vivência e experiência de proximidade, o património é de espontaneidade popular, sabedoria tradicional da lavra coletiva, com recurso ao mundo conhecido na variedade das suas especificidades e representações. A escolha das palavras é um fator muito importante pela musicalidade, significado e sugestão que se lhes deve atribuir, com graciosidade e sentido universal.
Algumas palavras mais arcaicas aparecem apenas e só nos provérbios, fiéis repositórios, marcos da pureza inicial das línguas e culturas que as habitam.
As características de estreita significação verbal, visual e imagética, sobre a realidade da vida, facilitam a sua transferibilidade e legibilidade em todas as línguas, como se de uma peça musical se tratasse.
25
O provérbio compõe-se por duas partes em equilíbrio e complementaridade, com sentido moralizador universal, de matriz conservadora.
Os valores que veiculam pela oralidade permitem conhecer melhor o sentir e a maneira de estar no mundo de comunidades étnicas em ambiente rural, no caso em apreço, em situação pré-colonial, de certo modo confrontadas com os sinais vitais de mudança, no quadro de referências da respetiva comunidade.
Caraterização e análise de provérbios
A recolha dos provérbios constantes na narrativa foi feita de forma sistemática, de modo a agrupá - los, por critérios de diversidade de fontes e características inerentes. Definimos quatro fontes diferenciadas de provérbios, com base nos quatro elementos do universo: ar, água, terra, fogo. Tratámos os provérbios, do ponto de vista dos elementos que os compõem, da sua estrutura, da análise textual, do contexto e da moral que transmitem.
Recolhemos os valores e as mensagens preconizadas pelos respetivos provérbios e sistematizámos o corpus. A recolha, a análise e tratamento dos dados permitem compreender a utilização deste género e a sua funcionalidade na estrutura narrativa do romance.
De acordo com os diferentes contextos, emerge o sentido ético dos comportamentos, as virtudes e valores morais como a prudência, a dignidade, a coragem, a competência. O sentido das relações humanas, da expressão da verdade e do valor da comunicação na vida dos homens. “Os provérbios são o óleo de palma com que comemos as palavras.”
Em conclusão, a exuberante profusão de provérbios é de grande expressividade e do domínio comum, destacando significações estruturantes e valiosas. O recurso a uma 26
linguagem simples e a processos retóricos e poéticos, como a metáfora, o ritmo, as combinações e a polissemia das palavras concorre para teorizar sobre os valores que consubstanciam a vida da comunidade Ibo.
Os provérbios em apreço, apesar de ancestrais, revelam grande atualidade e vitalidade. As mensagens concretas e percetíveis ancoram num tempo longínquo da memória da humanidade e tornam consciente a necessidade de cuidar deste valioso património cultural, garante da verdadeira identidade dos povos.
Proverbiário10
Os provérbios são o óleo de palma com o qual as palavras são comidas 11
Toda a obra está envolvida em referências simbólicas envoltas de magia. A opção pelos quatro elementos deve-se à simbologia de força e transformação que a eles se atribui desde a antiguidade. É a interacção metafórica e relacional que equilibra e estrutura toda a obra numa alquimia de conceitos e contextos que sobressaem durante a sua leitura.
10
O Proverbiário é um trabalho original, resultado da reflexão conjunta das mestrandas Maria Adelaide Silva e Maria Helena Leitão, com pretensões a ser continuado e registado em homenagem ao povo Ibo. 11
ACHEBE, Chinua, Quando tudo se desmorona, pp.11 27
Página
Provérbio / Elemento / Estrutura
Análise Textual
Contexto
Moral
Estrutura binária perfeita Vocabulário simbólico Expressão comparativa/ Recurso: metáfora Forma ativa/passiva
As palavras com sabor dão vontade de dizer O mundo festeja os provérbios Um mundo de símbolos em expansão Relações produtivas
Ter poder de comunicar Dizer o Mundo Falar para ser/existir Cozinhar novos sentidos abre o apetite Contar histórias é bom e sabe bem
Prudência nos comportamentos Verificação das razões da mudança Sensibilidade para interpretar os sinais Prudência nos comportamentos Verificação das razões da mudança Sensibilidade para interpretar os sinais Vida/Morte
Ter atenção Saber ler os sinais da vida Conhecer as razões Prevenir-se Ter atenção Saber ler os sinais da vida Conhecer as razões Prevenir – se Tomar consciência
No Principio Era O Verbo Os Provérbios são o óleo de palma…
… com o qual as palavras são comidas
11
TERRA / Animais Um sapo não corre durante o dia
…sem nenhuma razão
Estrutura binária complementar Vocabulário comum Expressão de negação
Se vires um sapo aos saltos em plena luz do dia
… é porque alguma coisa anda atrás da sua vida
Estrutura binária complementar Vocabulário comum Expressão de causa efeito
24
170
28
25
O Lagarto que
…se mais
Estrutura binária
Progressos na vida.
Ter sucesso
saltou do iroco para
ninguém o
complementar
Louvor de outros
Ficar orgulhoso
o chão disse que se
fizesse
Vocabulário singular
Manifestação de agrado
Valorizar-se
enalteceria a si
(regionalismo, cuidado)
pessoal
Ser reconhecido
mesmo
Expressão do
Motivo de orgulho e de
condicional
auto - reconhecimento
O Pássaro diz que
… ele aprendeu a
Estrutura binária perfeita
Aprendizagem é um
Ter cuidado
desde que o homem
voar sem se
Vocabulário comum
processo contínuo e
Aprender com
aprendeu a disparar
empoleirar
Expressão de negação
necessário
as situações
Aprendizagem é para
Evitar
todos e em todos os
problemas
momentos
Ser criativo e
A vida aguça o engenho e
competente
sem falhar 25
a arte A disponibilidade para aprender
29
Os homems
… e eu aprendi a
Estrutura binária perfeita
Aprendizagem é um
Ter cuidado
aprenderam a
voar sem me
Vocabulário comum
processo contínuo e
Aprender com
disparar sem falhar
empoleirar em
Expressão de negação
necessário
as situações
…
nenhum galho.
potenciada
Aprendizagem é para
Evitar
todos e em todos os
problemas
momentos
Ser criativo e
A vida aguça o engenho e
competente
a arte
Ser esforçado
171
A disponibilidade para aprender
62
Quando a Mãe-
…… as suas
Estrutura binária perfeita
Aprendizagem
Ter bons
Vaca está a
crias observam a
Vocabulário comum
intergeracional
exemplos
mastigar a erva
boca dela
Expressão
Condições para a vida
Aprender com a
Temporal/Relacional
Exemplo e imitação
família e os pais
Relação de respeito
Saber ver e
Relação de aprendizagem
observar Seguir os princípios
30
TERRA / Seres humanos Se uma criança
.… podia comer à
Estrutura binária perfeita
Virtude/Inocência
Ter condições
lavasse as mãos
mesa dos reis
Vocabulário comum
Espaço/ palácio ou cabana
naturais,
Expressão condicional e
Simbologia:
verdadeiras
hiperbólica
Lavagem das mãos
Viver como
Pureza / natureza
criança é ser rei
Criança/reis
do mundo
13
Viver em estado de graça Ter um mundo de sonhos
29
Um homem é
Estrutura unitária
Valores: Virtude do
Ter atividade
julgado pelo
Vocabulário simbólico
homem
Ter sucesso
trabalho de suas
Linguagem do corpo – as
Força do trabalho /
Ter poder
mãos
mãos que fazem /
reconhecimento
Ser reconhecido
trabalham
Reciprocidade
pelos pares
Recurso: sinédoque forma passiva
29
Aquele cujas
… não deveria
Estrutura binária
Relação social
Ser benevolente
sementes de palma
esquecer-se de
imperfeita
hierarquizada/poder
Ser humilde
lhe eram partidas
ser humilde
por uma mão benevolente
Vocabulário singular
Ser leal
(cuidado) Linguagem corporal simbólica 31
Recurso: Hipálage Não posso viver à
…e lavar as
Estrutura binária
Relação sistémica
Ter consciência
margem de um rio
mãos com cuspo.
complementar
Afastamento
Observar
Vocabulário comum
Ausência de visão
Interiorizar
Expressão de negação
integradora
Tirar partido
155
dos recursos existentes
167
Como um homem
… assim os
Estrutura binária
Adaptação às
Ter competência
dançava
tambores eram
Vocabulário simbólico
circunstâncias
Saber
tocados para ele
Expressão comparativa
Sabedoria natural
relacionar-se
Recurso: forma ativa
Reflexão para tudo o que
Preservar o bom
/passiva
deve ser feito
senso
Expressividade corporal e
Adaptar-se a
anímica Harmonia/desequilíbrio
32
Uma pessoa que
… está também a
Estrutura binária
Conflito instalado
Gerar / gerir
arma sarilhos para
armá-los para si
complementar
Barreira relacional
conflitos
os outros
próprio
Vocabulário comum
Refletir
Expressão de afirmação
Cuidar
84
Recurso: Forma perifrástica
Se um dedo tivesse
…sujava os
Estrutura binária
óleo
outros
complementar
Familiar
Dar / receber conselhos
Expressão concreta / real Vocabulário comum 107
Compreender Conselho
Expressão condicional
Contaminar Prevenção / alerta
Recurso:
Aproximar
Sinédoque Metáfora/ polissemia
33
Ao olhar-se a boca
…pensar-se-ia
Estrutura binária
Força / fragilidade
Ser diferente
de um rei
que nunca
complementar
Imponência / fraqueza
Ter nobreza
Dignidade / normalidade
Ascender
Herói / anti-herói
Ter condições
Desejar
mamou ao peito da mãe 29
Vocabulário comum
Expressão condicional
Recurso: Sinédoque polissemia Quando um homem
… o seu chi diz
Estrutura binária
Homem criador do seu
diz sim …
sim também.
complementar
destino Poder
Vocabulário escolhido (musicalidade) singular 29
Rede de vontades Querer
(regional) Fazer acontecer Expressão temporal
Recurso: trocadilho aliteração
34
23
Um homem que
… prepara a sua
Estrutura binária
Comportamento humano
Respeitar
apresenta os seus
própria
complementar
normativo
Investir
respeitos aos
grandeza
Reciprocidade
Cumprir a
Respeito
tradição
Relação
Ser pessoa
insignes…
Vocabulário escolhido
Expressão consecutiva
Desenvolvimento pessoal e social
AR Quando a lua
… o coxo fica
Estrutura binária
Forças da natureza /
Ter vontade
brilha…
cheio de vontade
complementar
sinergias
Ter iniciativa
Pulsões
Ter energia
de dançar. Vocabulário comum
15
simbólico
Expressão temporal ÁGUA
171
Temos de represar
… enquanto nos
Mesma estrutura binária
Atitude de evitar um mal
Ter coragem
esta água agora …
dá só pelos
repetida
maior e resolver
Prevenir
joelhos
Mesmo tipo de
É sempre tempo de
Remediar um
vocabulário
contrariar os imprevistos
mal maior
Expressão Temporal
Coragem nos momentos
Agir a tempo
difíceis
Estar confiante
35
FOGO O Sol brilhará sobre
… antes de
Estrutura binária
Diferente posição na vida.
Ter dignidade
aqueles que estão de
brilhar sobre
complementar
Posição de pé / de joelhos
Merecer sol
pé …
aqueles que se
Vocabulário simbólico
A dignidade pessoal
Não ter
ajoelham perante
Expressão Temporal
Modos de estar na vida
dignidade
eles
Recurso: Antítese
… gera cinza
Estrutura binária
fria e impotente.
complementar
12
O fogo vivo…
Não merecer sol
Princípio da vida / morte
Viver
Mudança / Transformação
Morrer
Vocabulário simbólico e
131
musical
Renascer
Expressão
Transformar
Visual Sensorial
Recurso: Aliterações Hipálage Antíteses Sinestesias
36
O corpus, 21 provérbios - 21 - múltiplo de 3 e de 7 – constrói uma leitura simbólica, sagrada. Totaliza e representa a trinária união da Terra e do Céu, mediatizada pelo Homem. A expressão do universo por via de formas gnómicas projeta e investe a palavra geradora de novos sentidos e de múltiplas significações.
A palavra faz, cria, apela, transforma, recupera, revisita, impele, fixa e configura o movimento do devir do homem – Uno e Diverso – corpo fragmentado, assumido em “mão benevolente” que trabalha, lava, detém o fogo: o poder transformador da “cinza fria”, consciência, energia, vontade, viva.
O sujeito ator do seu destino, manipulador do seu deus pessoal – Chi – mensageiro das forças telúricas e universais, emerge guerreiro numa dança em que “o sol brilha primeiro naqueles que estão de pé.”
Proverbiário – A palavra na eterna dança da vida busca ser universal. Com as outras recria-se para falar com o mundo. Dos seus múltiplos sinais.
Os provérbios são o óleo de palma com o qual as palavras são comidas
Caraterização e análise das canções e poemas
A par dos provérbios, as canções e os poemas são muito usados na literatura oral e, em particular, nesta narrativa que se inspira no património cultural de um povo que tem uma sensibilidade especial para a música e para a fazer acompanhar de poemas cantados que se inscrevem nos momentos e nas situações, de forma apropriada. No continente africano é comum cantar-se em todas as circunstâncias da vida, do nascer ao morrer e
37
tudo são pretextos para produzir e transmitir oralmente manifestações de alegria e pesar, de crítica e de celebração dos rituais da existência humana.
Recolhemos exemplos representativos de canções e de poemas e traçamos a razão da sua existência. Questionamos o interesse e a necessidade deste género ao serviço da narrativa, qual a sua intencionalidade e operacionalidade discursiva.
Registamos que todas os atos sociais têm direito a uma cantiga que funciona como um apontamento para celebrar a vida e a morte e o que entre elas existe. Apercebemo-nos que a canção ou cantiga é uma centelha que brilha, que acende a chama da animação dos dias e das rotinas e das festas e dos momentos solenes e trites.Combina o seu poder e a sua força com o vivido e desejado: a cantiga é uma arma contra e a favor das ideias a realizar e a combater. Faz sentir a magia do sol e da chuva, avivar as memórias de infância, a alegria das crianças, reconhecer e perpetuar a honra dos heróis da aldeia, apimentar os encontros amorosos, aproximar os noivos, cantar a morte e relativizar o descontentamento da mulher, durante a vida, mostrar que os missionários indesejáveis dialogavam com a mesma arma, cantavam e eram cantados. A mensagem ecoa nos versos de pequenos poemas que eternizam na memória coletiva momentos para a história da tradição oral.
“Não há nenhuma cantiga nesta história – referiu Ezinma. − Pois não – concordou Ekwefi. – Pensarei noutra que tenha uma, mas agora é a tua vez” 12
“ A chuva tombava em aguaceiros dispersos por entre o sol e a brisa e as crianças já não ficavam dentro de portas, mas corriam por todo o lado cantando: “ A chuva cai, o sol brilha, / Sozinho, Nnadi lava e cozinha.”13
12
P:86 38
“ Okafo foi carregado em ombros pelos seus apoiantes que cantavam em sua honra enquanto as raparigas batiam palmas” “Quem lutará pela nossa aldeia? Okafo lutará pela nossa aldeia. Já derrubou cem homens? Já derrubou quatrocentos homens. Já derrubou cem Gatos? Já derrubou quatrocentos gatos. Então peçam-lhe que lute por nós.”14 “Ainda se recordava da canção: Eze Elina, Elina!/ sala / Eze ilikwa ya / Ikwaba akwa olighol / Ebe Danda nechi eze / Ebe Uzuzu nete egwu/sala”15 P:55 “Com os seus instrumentos de madeira, argila e metal, os músicos foram passando de música em música, e eram todas alegres. Cantaram a mais recente cantiga da aldeia” “Se a seguro pela mão/ Ela diz:”Não me toques!” /Se a seguro pelos pés/ Ela diz: ”Não me toques”/Mas quando lhe seguro as contas da cintura/Ela faz de conta que não vê” 16 “Cantaram cantigas à medida que partiram e pelo caminho fizeram curtas visitas de cortesia”17 “Nunca escutaste a canção que se entoa quando uma mulher morre? “ “ Para quem é que está tudo bem, para quem é que está tudo bem? Não há ninguém para quem esteja tudo bem” 18 “ Então, os missionários começaram a cantar. Era uma daquelas cantigas alegres e divertidas próprias do evangelismo e que tinham o poder da fazer vibrar cordas silenciosas e empoeiradas no coração de um homem ibo.“ 19
Caraterização e análise de narrativas orais
13
P:36 P:48 15 P:55 16 P:101 17 P:102 18 P:115 19 P:125 14
39
A contar e a ouvir histórias se processa a aprendizagem das crianças e dos jovens do clã Ibo. A repetir, a dialogar e a fazer perguntas e a tirar dúvidas se educa para os valores, para a cultura, para os mitos e para a abordagem da vida simples e rotineira do quotidiano. A história de todos os pássaros e do senhor tartaruga contada por Ekefwe à sua filha Ezinma desenhou um belíssimo quadro enternecedor e revelador do gosto das saborosas palavras. Agora eu depois tu, no fim a canção ilumina as histórias. As suas histórias e as suas conversas partilham saberes e pontos de vista sobre o sentido e a intencionalidade das palavras. As suas vozes tranquilas e afetivas refletem a par e passo no diálogo que travam. A apreensão surge face às atitudes e comportamentos indesejáveis e questionáveis do senhor Tartaruga, no plano da ficção e da realidade.
Simbólica, a lenda respeita a realidade de Umuofia, aldeia aprisionada e tomada de enganos, por falinhas mansas e mentirosas de missionários e de beleguins intrusos, que foram penetrando, alterando e desmoronando o clã e a vida e a identidade cultural de todos.
A representação permite ler e observar, questionar e refletir, enfim, aprender a compreender a História.
A efabulação é uma forma de expressar e representar a compreensão do mundo e de demonstrar a natureza viva que as narrativas possuem na oralidade.
A narrativa cumpre o seu papel de educar, entreter, conversar e veicular os valores da coletividade. Simples nos seus contornos, clara nas suas imagens, profundamente envolvente no seu enredo, o que nos conta esta pequena história afinal?
Fala-nos de um senhor tartaruga (Todos Vocês) e de todos os pássaros, comparando (o tartaruga = o homem branco = falinhas mansas), (todos os pássaros= todos os nativos de Umuofia). 40
“Ekwefi e a sua filha Ezinma estavam sentadas numa esteira no chão. Era a vez de Ekwefi contar uma história”20
A história da Tartaruga e de todos os Pássaros21
Ação: Situação inicial: Todos os pássaros foram convidados para uma festa no céu. O Senhor Tartaruga muito astucioso ouviu falar da grande festa e começou a planear uma forma de chegar ao céu, porque tinha muita fome. O Tartaruga não tinha asas, mas foi ter com os pássaros e pediu que lhe permitissem ir com eles. Todos os pássaros aceitaram o seu pedido e com imaginação e bondade criaram as suas asas e deram-lhe as suas penas.
20 21
P:84 P:84 - 86 41
Comentário: Situação inicial O convite destinado à totalidade dos pássaros reforça a ideia de unidade, projetada num tempo indefinido e num espaço distante, mágico com uma promessa de grandiosa e significativa celebração festiva ao mais elevado nível celestial. Os pássaros sentiram-se privilegiados, honrados e felizes. Incautos aceitaram estar presentes e participar na festa, sem qualquer hesitação, dúvida ou interrogação.
Todos os pássaros tinham sido convidados para a festa do céu. Todos acolheram o convite com a maior naturalidade. Todos tinham asas. Todos os pássaros são UM. Todos sem pensar. Todos os pássaros se prepararam em tons de vermelho para realçar a sua beleza, felicidade e morte simbólica de Todos.
Partir para alcançar e buscar o amor, o conhecimento, a independência, a unidade, o maravilhamento e o desenlace. Um ousado e imprudente movimento espacial ascendente de todos os pássaros.
O senhor Tartaruga não era pássaro e não foi convidado, mas queria alcançar o céu para ir à grande festa e valeu-se da sua astúcia, poder e força. O Tartaruga não tinha asas e pediu a colaboração dos pássaros. Um a pensar.
Preparou os seus argumentos para recuperar da sua imagem de matreiro e ingrato junto dos pássaros, convenceu-os, com falinhas mansas, que tinha mudado o comportamento, por via dos ensinamentos da vida.
Partir para alcançar e realizar o objetivo de matar a sua grande fome de há duas luas. Com a ajuda de todos os pássaros aceder ao banquete e tirar o máximo partido da
42
inocência de todos os pássaros que lhe cederam as suas penas para fazer as duas asas e o levarem ao céu. Foi o primeiro a chegar ao local do encontro combinado, radiante.
Conflito: Todos os pássaros ajudaram e confiaram no Tartaruga para ser porta-voz do grupo por ser muito viajado e conhecer os costumes de diferentes povos.
No céu o Tartaruga foi considerado o rei dos pássaros por ter um corpo maior e ser diferente dos outros com uma plumagem multicolorida e um bonito discurso que agradou aos anfitriões e a todos os pássaros.
Os pássaros não se conformaram com o seu atrevimento de rei ao comer e beber antes de todos, com a desculpa de merecer honras especiais por ser representante de todos os pássaros e ter o povo do céu chamado o Todos Vocês para abrir o festim.
Todos os pássaros ficaram zangados e dividiram-se nas suas decisões. Uns comeram as sobras, outros partiram de estômago vazio para casa, e outros juraram vingança. Antes da partida, cada um retirou e levou a pena que emprestara ao Tartaruga
O Tartaruga ficou com a sua carapaça dura, de barriga cheia de comida e bebida, mas sem asas para regressar a casa. E pediu que lhe levassem uma mensagem à sua mulher, mas todos recusaram, exceto o Papagaio que mudou de ideias e concordou ser o mensageiro.
Comentário: conflito
A situação inicial de todos os pássaros colaborarem para a criação das asas do Tartaruga, dando - lhe as suas penas coloridas, permitindo que voasse com eles da Terra 43
ao Céu, representou uma atitude de grande valor, criatividade e imaginação. Todos os pássaros, com empenho manifestaram um exemplar sentido de inclusão do outro, do diferente.
Todos aceitaram integrar o Tartaruga, apesar das suas limitações, das suas diferenças, e das suas histórias de vida. Concederam-lhe o direito a representá-los e a usar da palavra em nome de todos os pássaros. Contribuíram para que fosse um dos elementos do grupo. Transformado na sua aparência, como pássaro, permitiram que comesse e bebesse do melhor, como se fosse um rei junto do povo do céu. Criaram as condições e as oportunidades e ficaram contentes que fosse reconhecido e aplaudido no céu. Acreditaram nele.
O Tartaruga ao contrário aproveitou-se das sensibilidades e fraquezas dos simples que acreditaram que o céu está ao alcance de todos. A sua atitude deu a conhecer um ser abominável e desprezível, pelo comportamento de falsidade, mentira e desrespeito pelos que o ajudaram, integraram e acolheram sem questionar ou discriminar. Fez que perdessem a inocência. Condenou-os.
O Tartaruga com o nome adotado de Todos Vocês simboliza todos os que cinicamente se servem de falinhas mansas e conversas espirituosas para se introduzir no seio dos grupos e revelar a intenção de trair, enganar, iludir, mentir. Personifica um agente malévolo que se transforma e alimenta a sua grande fome da ingenuidade de todos os pássaros e recria as condições para fazer impor a desunião, a destruição e a descrença dos homens.
Alteraram-se as leis da Terra: O Tartaruga sem asas, em queda, representa TODOS os homens. Todos os pássaros já não são UM, são TODOS os homens divididos e feridos nas suas asas, nos seus sonhos, nas suas convicções. 44
O Papagaio decidiu vingar-se. Foi o mensageiro. Instalou-se a desconfiança. A guerra na vontade dos homens. O sentido descendente − do Céu à Terra.
Situação final: A mensagem enviada pelo Tartaruga era para a mulher cuidar da sua queda com todas as coisas macias que tivesse em casa, para que pudesse lançar-se do céu sem correr grande risco. O papagaio, mensageiro da vingança, transformou o conteúdo da mensagem.
O recinto cobriu-se de coisas duras, enxadas, machetes, lanças, armas e o seu canhão. O Tartaruga saltou lá de cima.
Tombou e tombou e tombou até começar a temer que nunca iria parar de cair. Estatelouse com um estrondo semelhante ao do seu canhão.
Não morreu. A sua carapaça estilhaçou-se em mil pedaços, mas havia um poderoso feiticeiro na vizinhança. A mulher do Tartaruga mandou chamá-lo e ele reuniu todos os pedaços de carapaça e uniu-os.
A carapaça da tartaruga não é suave e macia. A história não tem nenhuma canção no fim.
Comentário – Situação final
A ideia de subida ao Céu apresenta uma situação inicial de carência superada e de novo afetada. 45
O Tartaruga sem asas ganhou asas e voou. E enganou. A ideia de regresso à Terra apresenta uma situação final de carência mais acentuada.
O Tartaruga sem asas ganhou a queda, caiu, na dureza do recinto. A palavra ganhou força e poder de canhão. De vingança. De mentira.
O Tartaruga saltou do Céu à Terra. A Queda, sem asas, no chão. Estilhaçado em mil pedaços. Atomizou-se, propagou-se, por obra de magia. O feiticeiro reuniu e uniu as partes do seu corpo.
Um todo sobrevivente, ferido, sem canção. O fim era triste e trágico
Representação simbólica da narrativa (O homem branco esperto/ O Tartaruga matreiro)
“O homem branco é muito esperto. (O Tartaruga é muito matreiro, ingrato e astucioso) Chegou calma e pacificamente com a sua religião. (Chegou calmo e esfomeado) Divertimo-nos com os seus disparates e permitimos que ficasse. (O senhor Tartaruga era de falinhas mansas) Agora conquistou os nossos irmãos e o nosso clã já não pode agir como um.(Em pouco tempo todos os pássaros concordaram que ele tinha mudado) “Apontou uma faca ao que nos mantinha unidos e nós desmoronámo-nos”22 (O Tartaruga comeu a melhor parte da comida e bebeu duas vasilhas de vinho de palma.)
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P:151 46
Moral da fábula da tartaruga e dos pássaros - “O céu é o caminho” Várias leituras simbólicas possíveis de carga positiva: Coletiva - todos os pássaros / homens: - todos os homens devem refletir, ponderar, colaborar e ser bons amigos; - todos os homens devem ser compreensivos, solidários, justos e crentes Moral: Olhar a meios para atingir os fins Individual - senhor tartaruga / homem: - o homem é enganador, egoísta, usurpador e fingidor - o homem é ambicioso, ganancioso e mentiroso Moral: Conhecer-se e superar as suas fragilidades e perversidades Quanto mais alto se sobe melhor desde que não prejudique os outros
Caraterização e análise do diálogo e das conversas
A Conversa e diálogo A conversa e o diálogo são elementos – chave da comunicação humana. Instituem-se, como a arte de falar, por excelência, de domínio público, uma prática comum de expressão natural, embora sujeita a códigos e regras, em situações concretas, uma dimensão muito significativa para ler e compreender a realidade, no contexto da obra em apreço. Percorre todo o texto e instaura a importância da abordagem comunicativa, com destaque para os falantes e ouvintes em função dos contextos situacionais, formais e informais. O diálogo ganha um estatuto privilegiado na narrativa oral pela força da interação da palavra – eu e o outro – construtores da dimensão de esperança, compromisso e desafio para a mudança e transformação.
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“Tendo falado abertamente até aqui. Entre os Ibos, a arte da conversa é tida em grande conta. Okoye era um grande conversador e falou durante bastante tempo ”23 “Unoka ficara assim nos seus últimos dias. O seu gosto pela conversa crescera com a idade e a doença”.24 “O maior obstáculo em Umuofia” pensou Okonkwo amargamente “é aquele cobarde Egonwanne. As suas falinhas mansas são capazes de transformar o fogo em cinzas frias. Quando fala arrasta os nossos homens para a impotência. Se tivessem ignorado a sua sabedoria efeminada há cinco anos, não teríamos chegado a isto”25 P:168 - O homem branco compreende o nosso costume no que diz respeito à terra? - Como poderia compreender se não fala sequer a nossa língua? Contudo, afirma que os nossos costumes são maus; e os nossos irmãos que seguem a religião dele também dizem que os nossos costumes estão errados. Como achas que podemos lutar quando os nossos próprios irmãos se viraram contra nós?26
Caraterização e análise das histórias de vida
As histórias de vida
No livro que planeava escrever (…) Enquanto caminhava de volta ao tribunal pensou nesse livro. Todos os dias reunia material novo. A história daquele homem que matara um beleguim e depois se enforcara daria um capítulo bem interessante. Talvez não um capítulo inteiro, mas um parágrafo médio. (…) Já escolhera um título para o livro: A Pacificação das Tribos Primitivas do Baixo Niger. “P:175
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P:11-12 P:27 25 P:168 26 P:151 24
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Assim se reduz e se nega a História e a Cultura, o valor dos homens, das comunidades e dos povos. Assim se constrói a história que se quer contar em omissão consciente e desrespeito pela verdade e pela dignidade da vida. Aquele homem sem direito a nome constará do livro sem mérito e sem honra: homem que matara um beleguim e depois se enforcara. Aquele homem, Okonkwo, era um dos homens mais valorosos de Umuofia27. Aquele homem, Okonkwo, foi o herói trágico que interpretou e contou com a vida e morte uma África mágica e cruel. Okonkwo conduziu- nos à história inicial do seu povo e deixou-nos resistente à entrada do homem branco, tempo de colonização, escravidão, em nome da Civilização e da Cultura. “As coisas que acontecem hoje em dia são muito estranhas. - Que aconteceu? - perguntou Okonkwo. - Conhecem Ogbuefi Ndulue? – inquiriu Ofoedu. - Ogbuefi Ndulue? Da aldeia de Ire – responderam Okonkwo e Obierika em uníssono. - Morreu esta manhã – disse Ofoedu. - Isso não é estranho. Era o homem mais velho de Ire – referiu Ogbuefi Ndulue? - Tens razão – concordou Ofoedu. - Mas devias perguntar por que razão o tambor não foi tocado para avisar Umuofia da morte dele. - Porquê? – perguntaram Obierika e Okonkwo de novo a uma só voz. - É isso que é estranho. Conhecem a primeira mulher dele, a que caminha com um pau? - Sim, chama-se Ozoemena. - Assim é – confirmou Ozoemena. - Assim é – confirmou Ofoedu – Ozoemena estava, como sabem, demasiado velha para tratar de Ndulue durante a sua doença. Essa tarefa está a cargo das mulheres mais novas. Quando ele faleceu esta manhã, uma destas mulheres dirigiu-se à cabana de Ozoemena
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P:174 49
e deu-lhe a notícia. Ela ergueu-se da sua esteira, pegou no seu bordão e foi até ao obi do marido. Colocou-se de quatro à entrada do obi e chamou pelo marido, que estava deitado numa esteira.”Ogbuefi Ndulue” chamou ela por três vezes, e regressou à sua cabana. Quando a esposa mais nova a foi chamar novamente para que estivesse presente durante a lavagem do corpo, encontrou-a deitada, na esteira, morta. - Isso é de facto muito estranho – disse Okonkwo – O funeral de Ndulue será adiado até que a sua mulher seja sepultada. - Foi por isso que o tambor não foi tocado para avisar Umuofia. - Sempre se disse que Ndulue e Ozoemena partilhavam o mesmo espírito – faz notar Obierika. – Lembro-me que, quando era rapaz, havia uma canção sobre eles. Ele não lhe podia fazer nada sem lho dizer. - Não sabia disso – disse Okonkwo. – Achava que durante a juventude ele fora um homem forte. - Era de facto – corroborou Ofoedu. Okonkwo abanou a cabeça de forma duvidosa. Conduziu Umuofia à guerra nesses tempos. Apontou Obierika. (PP:60 – 61)
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Esta fabulosa conversa marcada pelo estranho dos comportamentos e das atitudes humanas sujeitas a normas consagradas no hábito induz à reflexão, partilha e debate de pontos de vista. Regista-se a elevada sintonia do casal idoso que desde jovem partilha o mesmo espírito que permitia a sua diferença enquanto casal. Contrariando a subalternidade tradicional da mulher, Ozoemena, conhecia e construía as vontades do casal. A superação da condição feminina vence os preconceitos e as canções de escárnio e maldizer dos resistentes. Sinais de que a tradição transporta as contradições da mutabilidade. Nem a morte os inibe de partirem juntos.
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PARTE TRÊS Prática pedagógica – Escola Secundária Monte de Caparica - Biblioteca Escolar Maratona de Leitura‟s “entre as coisas e mim havia vizinhança” (Anexo A)
No dia 9 de Junho de 2011, realizou-se mais uma iniciativa cultural do Plano Nacional de Leitura, dando continuidade ao trabalho desenvolvido em parceria, entre o Centro Novas Oportunidades, a Biblioteca Escolar, e o Centro Formação AlmadaForma, com a finalidade de envolver toda a comunidade educativa da Escola Secundária Monte de Caparica, por via da palavra, da narrativa oral e das histórias de vida.
Neste contexto, a atividade designada por “Maratona de Leitura (s) ” constituiu também um desafio para um estudo académico, no âmbito do seminário Multiculturalismo e Dinâmicas Interculturais. Decorreu ao longo de todo o dia e permitiu uma interação muito interessante entre grupos diversificados de jovens, adultos formandos, familiares, professores e funcionários. Foi grande o entusiasmo de vários formandos e formadores do processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências, RVCC, e dos cursos de Educação e Formação de Adultos, EFA, que de forma intencional e significativa corresponderam ao apelo de trazer à Escola outras aprendizagens da vida.
A participação dos alunos mais novos dos ensinos básicos e secundário e dos cursos profissionais, bem como das funcionárias da Escola, tornou-se uma demonstração viva de grande potencial e criatividade.
Foi evidente o fio condutor desta maratona de leituras, construído por via das narrativas de vida e das histórias do imaginário coletivo dos povos, vindos dos confins do mundo lusófono para este encontro que permitiu conhecer, reconhecer e valorizar as pessoas nas suas diferenças identitárias e culturais. A par de outras atividades, marcadas pela 52
festa e ao som da música de fundo, ora melódica e adequada, ora da” pesada”, se leu e conversou o mundo pessoal e universal.
As palavras, as ideias, os valores de referência deram lugar à escuta ativa, ao gosto da musicalidade e riqueza da língua portuguesa nas suas manifestações mais puras de crioulo de Cabo Verde e São Tomé, português do Brasil, de Angola e da comunidade cigana.
Um dia inesquecível para os participantes que guardarão na memória que “tudo era possível era só querer (…) e havia para as coisas sempre uma saída”. Nesta escola sonhou-se esta jornada no respeito pela multiculturalidade e plurilinguismo, potencial da sua particular riqueza. Deu-se voz a todos e a cada um e sentimos o pulsar do coração desta comunidade tão digna e promissora.
Recolhemos a diversidade de representações, de emoções e vontades de ser e construir sentidos para a vida, de jovens e menos jovens, mas todos conscientes de que lhes compete a autoria do futuro.
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer Só sei que tinha o poder duma criança. RuyBelo
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Prática pedagógica - Oficina de escrita - Agrupamento de Escolas Anselmo de Andrade Produção de narrativas, baseadas em excerto de uma fábula africana (Anexo B) Formandos do Curso EFA Básico 3º Ciclo, Turma - Curso EFA B3F Anilsa Trindade, 31 anos, São Tomé Bruno Dias, 20 anos, Portugal, Almada Catarina Silva, 32 anos, Angola, Luanda Carlison Pontes, 21 anos, São Tomé Leongildo Paulo, 21 anos, Angola, Luanda Tânia Rapela, 21 anos, São Tomé Wilson Neto, 26 anos, Angola, Luanda
Atividade proposta: Produção escrita de narrativas Data: 06 de Julho de 2011 “A partir do excerto abaixo transcrito, e recorrendo às suas memórias de infância e / ou às suas vivências ou ao seu imaginário, continue esta história. Há muito, muito tempo – todos os pássaros foram convidados para uma festa no céu. Ficaram muito contentes e começaram a preparar-se para o grande dia (…)O senhor tartaruga apercebeu-se de todos estes preparativos e em breve descobriu o que se passava. Nada do que acontecia no mundo dos animais alguma vez lhe escapava; era um animal muito astucioso. Assim que ouviu falar da grande festa no céu, ficou com comichão na garganta só de pensar nisso. Era uma época de fome e há duas luas que o tartaruga não comia uma boa refeição. O seu corpo chocalhava como um galho seco na carapaça vazia. Assim começou a planear uma forma de chegar ao céu. − Mas o Tartaruga não tinha asas – fez notar Ezinma (…) In Achebe, Chinua, Quando tudo se desmorona” Professora Linguagem e Comunicação - Margarida Catarino 54
CONCLUSÃO
O trabalho que desenvolvemos organizou-se em torno de três eixos fundamentais amplamente referenciados e justificados na introdução. No momento em que se torna necessário fazer a síntese e tornar evidente uma ideia de força resultante dessa interacção, ganha sentido referir que no mundo globalizado em que vivemos, se torna necessária e urgente a integração de todas as culturas e civilizações. A cultura revela-se a pedra de toque, variando de acordo com o contexto político, social, económico e civilizacional, entendida como , segundo a definição do dicionário da Academia Francesa “ o conjunto dos aspetos intelectuais, morais, materiais, dos sistemas de valores dos estilos de vida que caracterizam uma civilização”28. Quando tudo se desmorona, tudo readquire condições para tomar novas qualidades, o processo é favorável a mudanças e transformações. As pessoas como cidadãos são convocadas a pensar o mundo e a participar nele, tal como Okonkwo, com o fazer das suas mãos, com as suas convicções e vontades. Aprendemos que tudo é possível. A palavra é mestre. Lançá-la à terra e cozinhar as histórias que correm o mundo e que nos fazem acreditar. Fazer com ela a união do deus pessoal que vive no imaginário coletivo em provérbios ansiosos por partir. Cumprir o destino de dizer e de pensar: o Chi quer porque nós queremos e podemos fazer a diferença - construir, mudar e transformar. Esta é a mensagem – mãe Nneka. Paulo Freire diz que O mundo não é está sendo e, nesse sentido, a arte transformadora está em nós, enquanto seres dialogantes com este mundo que é o nosso. Compete-nos construir as asas, fazer o caminho, a união: terra céu. Quando tudo se desmorona a realidade integra uma polifonia de vozes e uma complexidade de sentidos que procuram perpetuar o fio inquebrantável das palavras, das histórias e da sabedoria da tradição oral. Os provérbios são o óleo de palma com que as
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Valade,1993:450 55
palavras são comidas. É com este gosto que saboreámos momentos de leitura’s do mundo deliciosos e as histórias de adultos feitos meninos regressados de África e Brasil, lugares onde a palavra poderosa jorra e dança e é fonte e é sustento e é o que são. Quando tudo se desmorona a rede global, internet, aproxima-nos de histórias reais que interpelam o choque de civilizações e em seu nome convocam os senhores da história Nigéria e Inglaterra, dois séculos depois do confronto, do (des) encontro de culturas. O mundo da opressão e da discriminação afirma-se e as contradições escravizam os seus filhos: o jogo (des) colonização o (des) concerto do mundo continua a jogar-se, a ganhar-se e a perder-se. Leia-se a parábola da tartaruga e reflita-se sobre os Tartarugas matreiros e oportunistas lá como em todo o mundo. Comenta-se que está para nascer quem seja bom aluno da história, quem interprete o passado e da cinza fria faça renascer o fogo vivo. Na Nigéria as histórias continuam a enriquecer o imaginário e a falar a realidade. A história do senhor Tartaruga designado “Todos Vocês” e dos pássaros, “Todos os Pássaros”, continua atual e representativa de um mundo profundamente desigual e desumano. Quando tudo se desmorona é sempre tempo da afirmação da democracia e dos direitos humanos. Do valor da diversidade cultural como inerência vital da humanidade, património comum, motor fundamental das comunidades, dos povos e das nações, sabedoria tradicional, riqueza imaterial e material dos sistemas de conhecimento de todos os povos. Quando tudo se desmorona é preciso reinventar a esperança na palavra dos homens, no diálogo e na responsabilidade dos cidadãos para a inevitável mudança. Quando tudo se desmorona há sempre uma nova vivacidade e o tempero local de um clã diferente: pareceu-nos ouvir da terra das histórias Ikefuma contar do seu acervo aquela favorita onde a formiga tem a sua esplendorosa corte e as areias dançam para sempre.
Em Tempo de palavras, Portugal fala o que sente. O poeta que lhe conhece a alma de marinheiro, conquistador, evangelizador e civilizador lembra-lhe a História. A Lição? 56
Um planeta redondo.
Éramos daí e também da certeza de que pisávamos um planeta redondo, onde todos os caminhos iam dar à única maravilha que se podia ver claramente vista: o homem e os seus mil recursos de expressão. Chegado ao momento, saíam-lhe das mãos, realizadas, as obras que o génio, o meio e as circunstâncias lhe permitiam: teorias, sistemas, invenções, quadros, estátuas, poemas ou continentes.
Eufóricos, porque justificados, vimo-nos por algum tempo legítimos cidadãos do mundo. Humanistas do nosso específico humanismo, até dos defeitos fizemos virtudes. Mesmo a traficar almas, a mentir e a roubar, íamos decifrando enigmas, civilizando povos, criando nações. Nas próprias andanças do espírito para que estávamos tão mal apetrechados, conseguimos milagres, a idear, a construir, a observar e a descrever. E a História celebra com justiça os melhores dessa superação mental. Cada qual arrancava das profundidades o melhor de si e punha-o patrioticamente ao serviço da Grei. O mais anónimo mareante naufragado contava patética e singularmente a perdição. Foi um apogeu.
Depois esquecemos a lição. A intolerância religiosa, que o ar do largo não arejara, expulsou o judeu e o capital; a terra não dava carvão nem petróleo; os frutos reais do esforço despendido iriam fugir-nos das mãos. Era preciso opor a essas riquezas do progresso outros valores igualmente cotados na praça da civilização, que teriam agora de ser desencantados de não sei que tormentoso interior…. Mas não. Enquanto os vizinhos da Europa, sem descanso, continuaram a ser pioneiros nas empresas que a vida lhes confiava, nós enxutos da grande maratona oceânica, ficámos em cima da penedia a ver passar ao longe, a fumegar, as embarcações alheias, e a cantar, ao som duma guitarra, loas à fatalidade.
57
BIBLIOGRAFIA A.A.V.V.,FÓRUM
EDUCAÇÃO
PARA
A
CIDADANIA.Fundação
Calouste
Gulbenkian/Presidência do Conselho de Ministros. A.A.V.V. I Congresso Imigração em Portugal (Actas), Lisboa: ACIME, 2004 ACHEBE, Chinua.Quando tudo se desmorona, Lisboa: Mercado das Letras, 2008 ALVES, José Augusto Lindgren."O reconhecimento das diferenças entre as diferenças".Estudos Afro-Asiáticos. Revista da Universidade Cândido Mendes, Ano 28, nº 1/2/3, Jan-Dez. 2006. pp.167-186. BARRETO, António (Org.). Globalização e Migrações, Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2005 CONSEIL DE L'EUROPE. L'Interculturalisme: de L'idée à la Pratique Didactique et de la Pratique à la Théorie, Strasboug: 1986 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS LINGUÍSTICOS. Barcelona: 1996 DECLARAÇÃO
UNIVERSAL
SOBRE
A
DIVERSIDADE
CULTURAL.Paris: 2001 HALL, Stuart. Da Diáspora:Identidades e Mediações Culturais. Organização de Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG - Brasília:UNESCO, 2003 HALL, Stuart. A identidade Cultural da Pós Modernidade. Rio de Janeiro: DP&AEditora 2001 LINDFORS, Bernth. Folklore in Nigerian Literature, Caltop Publications Limited, 2002 MAALOUF, Amin.As Identidades Assassinas, Lisboa: Difel, 2002 SEMPRINI,A.. Multiculturalismo,Bauru,SP:EDUSC, 1999 TAYLOR,
Charles.Multiculturalisme:
Différence
et
Démocratie,
Paris:Flammarion, 1997 58
TORGA,Miguel Portugal, Publicações Dom Quixote, 2007 WIEVIORKA, Michel. A Diferença, Lisboa : Fenda Edições, 2002 http://www.cidadania-educacao.pt/Objectivos.htm Parábola
da
Tartaruga
por
Pekulia
Meesi visualizado
em
23/07/2011,
site
http://www.dawodu.com/meesi1.htm
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Anexos
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ANEXO A Prática pedagógica – Escola Secundária Monte de Caparica - Biblioteca Escolar Maratona de Leitura‟s “entre as coisas e mim havia vizinhança”
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Maratona de Leitura’s
Monte da Caparica 2011
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Introdução
No dia 9 de Junho de 2011, realizou-se mais uma iniciativa cultural do Plano Nacional de Leitura, dando continuidade ao trabalho desenvolvido em parceria, entre o Centro Novas Oportunidades, a Biblioteca Escolar, e o Centro Formação AlmadaForma, com a finalidade de envolver toda a comunidade educativa da Escola Secundária Monte de Caparica, por via da palavra, da narrativa oral e das histórias de vida. Neste contexto, a actividade designada por “Maratona de Leitura (s) ” constituiu também um desafio para um estudo académico, no âmbito do seminário Multiculturalismo e Dinâmicas Interculturais. Decorreu ao longo de todo o dia e permitiu uma interação muito interessante entre grupos diversificados de jovens, adultos formandos, familiares, professores e funcionários. Foi grande o entusiasmo de vários formandos e formadores do processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências, RVCC, e dos cursos de Educação e Formação de Adultos, EFA, que de forma intencional e significativa corresponderam ao apelo de trazer à Escola outras aprendizagens da vida. A participação dos alunos mais novos dos ensinos básico e secundário e dos cursos profissionais, bem como das funcionárias da Escola, tornou-se uma demonstração viva de grande potencial e criatividade. Foi evidente o fio condutor desta maratona de leituras, construído por via das narrativas de vida e das histórias do imaginário coletivo dos povos, vindos dos confins do mundo lusófono para este encontro que permitiu conhecer, reconhecer e valorizar as pessoas nas suas diferenças identitárias e culturais. A par de outras actividades, marcadas pela festa e ao som da 63
música de fundo, ora melódica e adequada, ora da” pesada”, se leu e conversou o mundo pessoal e universal.
Os Testemunhos da leitura, do livro, da vida, do mundo…
Transcrição do Filme
Maratona da Leitura Monte da Caparica 2011
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Testemunho Regresso de Londres
Prof. Adelaide – está a começar uma história, outra história. A escola dos meus filhos em Londres. Está aqui connosco se quiser falar disso. (…) Fernanda – Eu regressei por causa… tudo era bom em relação a escola… porque eu tenho cinco filhos. E estava-se a tornar muito dificil com o euro, e ter os filhos todos na escola e resolvemos emigrar para Inglaterra, para darmos uma vida melhor. Mas depois de lá estarmos, começarmos a viver lá e vimos que não era aquilo que nós esperavamos. Tinhamos dinheiro, o que era muito bom. A escola - não pagavamos os livros, não pagavamos nada. Só compravamos o uniforme para os miudos. Eles davam tudo. O que era optimo, mas os meus filhos não podiam sair de casa porque a criminalidade entre os jovens era muito grande. Nós tinhamos medo que eles saissem da escola, da escola para casa – casa para a escola. Tinha que os ir levar, os ir buscar, tudo. Filha da Sra. Fernanda – e quando houve os ataques em Londres… Fernanda – Os meus filhos estavam espalhados por várias escolas. E quando houve os atentados em Londres, eles nem podiam sair da escola. E nós tinhamos de ir buscar um por um… essa altura então foi horrivel. Mas viemos por causa dos meus filhos. Achamos que não era vida 65
para eles, era uma vida muito presa, com muito medo, tinha de ser escolacasa, casa-escola. Eu pensava assim, eu lembro da minha… quando eu era criança, da minha juventude, era pobre mas alegre. E os filhos só se lembravam da altura de férias cá em Portugal. Quando vinhamos de férias é que eles tinham alguma coisa, porque de resto era sempre igual lá. Lá passeava com eles um bocado nas férias para conhecer coisas, mas não era a mesma coisa. Não tinham liberdade. Nós estavamos sempre com medo. Fomos assaltados muitas vezes dentro de casa, lá dentro de casa. Prof. Adelaide – Mesmo em Londres? Na Periféria? Fernanda – Mesmo em Londres! Prof. Adelaide – e onde é que foi a sua infância? Diz pobre, alegre e livre? Aonde? Fernanda – Ao pé da praia, alí na Inatel – St. António. Prof. Adelaide – Aqui na Costa? Fernanda – Ali na Costa! Prof. Adelaide – Quanto tempo esteve emigrada? Fernanda – Sete, mais ou menos sete anos. Rapariga da Fita Branca – Mas ela tem lá família. Fernanda – Os meus pais, o meu filho mais velho está lá… mais velho não. A mais velha está aqui (aponta para a filha). Prof. Adelaide – Repartiram-se? Fernanda – Viemos todos, mas ela teve de voltar porque teve um ano a espera da equivalência que não lhe deram, e teve de voltar para estudar, já tinha perdido um ano e era para não perder um
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ano a estudar. O meu filho gosta mesmo de lá estar, e também estão lá os meus pais. Prof. Adelaide – e a menina que está aí não quer dizer nada? Filha – Não, não gosto de londres e ponto final. Fernanda – Veio no Domingo. Prof. Adelaide – Que engraçado Fernanda - Ela chegou no Domingo. Prof. Adelaide – E está agora a estudar cá? Filha – Ainda não! Prof. Isabel – Vêm para a nossa escola depois de ver este âmbiente! Filha – Não, universidade! Prof. Isabel – Universidade, ai desculpa! Prof. Adelaide – Vai seguir o quê? Filha – Psicologia! (…)
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Testemunho Ser diferente entre os demais
Prof. Adelaide – É uma mulher moderna! Prof. Isabel - É uma mulher moderna! Sra. D. Ana Maria – Sou. Voz de Fundo - É uma mulher moderna! Eu também sou graças a minha mãe! Prof. Adelaide – Que lindo! Sra. D. Ana Maria - É mesmo! E também sou uma mãe moderna! Porque deixei as minhas filhas… Prof. Adelaide – Fale-nos de si, porque nós não a conhecemos. Elas conhecem-na, mas nós não a conhecemos. Eu não a conheço, aqui a Vera, a professora Isabel. Fale-nos de si. Quem é a Ana Maria? Sra. D. Ana Maria - Tenho 54 anos, ah… estou nas novas oportunidades, pois como sabem. E estou a tentar chegar um bocadinho mais longe por satisfação pessoal, não para conseguir alguma coisa assim mais… Só porque gostava de aprender mais do que aquilo que sei. Que posso dizer mais? Sou também uma mãe moderna. Prof. Adelaide – Tem muitos filhos? Sra. D. Ana Maria – Tenho três. Prof. Adelaide – Já crescidos? Sra. D. Ana Maria – Já, já crescidos, já tenho netos grandes. Prof. Isabel – Estudaram? As suas filhas estudaram? Sra. D. Ana Maria – Estudaram também. Há aquele preconceito porque na nossa etnia, quando chegam a uma determinada idade, já não podem estudar. Não podem, não devem. E… mas depois eu incentivei-as, se elas queriam sair, deixei-as ir. Também entraram nas novas oportunidades. 69
Fizeram até ao 6ª ano, depois o 9º. O 12 º Ano já fizeram na escola normal à noite. E prontos a apartir daí… o meu filho também. O meu filho sempre estudou. O meu filho já é diferente também é rapaz, já tem outras liberdades para fazer o que ele quissesse. E pronto é assim. Elas não conseguiram chegar mais longe porque também as possibilidades financeiras também não há muitas. Prof. Adelaide – Ainda são muito novas, ainda tem possibilidade. Sra. D. Ana Maria – Pois… Prof. Adelaide – Estão a trabalhar? Sra. D. Ana Maria – Estão! Prof. Adelaide – Isso é muito bom! Vive aqui perto? Sra. D. Ana Maria – As minhas filhas… Prof. Adelaide – A D. Ana Maria? Sra. D. Ana Maria – Vivo aqui no Monte da Caparica. Prof. Adelaide – Muito Bem. Como é que descobriu este espaço aqui da escola? Sra. D. Ana Maria – Porque a minha filha já tinha andado aqui na escola com a Professora Ana. Prof. Adelaide – Ana Matos. Sra. D. Ana Maria – Ana Matos. E depois ela disse-me: “Se tens vontade de aprender e de saber Vai. Vai porque não impede nada. Mesmo que tu hoje - amanha não consigas exercer uma profissão compativel com a tua escolaridade. Se não quiseres arranjar um emprego, porque isto está muito mal para arranjares emprego, porque isto está tão mal para arranjares empregos, ficas a saber mais alguma coisa que tu tens vontade de saber.” E eu fui. Prof. Adelaide – Como fala assim tão bem? Lê muito?
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Sra. D. Ana Maria – Gosto de ler. Mas de uns anos para cá não leio quase nada, tenho uns netos para me dar cabo da cabeça. E não tenho muito tempo para ler, mas gosto muito de ler. Prof. Adelaide – E o que lê? Sra. D. Ana Maria – Mas isto já vêm da escola primária, que eu fiz a escola primária, dos 7, na altura entrava-se com 7 anos até aos 11, fiz até quase aos 11. A fazer 11 anos. Mas o que eu aprendi foi quase tudo na escola primária, com a minha professora. Prof. Bibliotecária – Foi a Professora Primária. Sra. D. Ana Maria – Foi com a professora. Ainda hoje me lembro da maneira de ela ensinar. Prof. Bibliotecária – Marca muito. Prof. Bibliotecária – Sei que nunca dei erros, porque ela tinha sempre uma palavrinha para explicar bem, para a gente não fazer erros. Se era um x ou se era um ch. Prontos assim pequenas essas coisas que ela ensinava. Colega Fita Branca – Deve incutir isso nos seus netos. Eles de futuro vão precisar disso. Sra. D. Ana Maria – O meu filho, andava a estudar ou no 7º ano ou no 8º, já não me lembro. E eu ensinava coisas que eu tinha aprendido na 4ª classe. E estão dar coisas agora que já fiz na 4º classe. Mas já não me lembro, já não me lembro muito bem. Prof. Bibliotecária – Era um ensino muito exigente, muito exigente. Sra. D. Ana Maria – Pois… Prof. Bibliotecária – Mas ficou lá. Sra. D. Ana Maria – Ficou lá… algumas coisas, ficou lá. Prof. Adelaide – Que Maravilha! Sra. D. Ana Maria – Fiz 4ª classe, sai. Não fiz mais naquela altura, porque as liberdades eram poucas para as mulheres de etnia cigana, irem estudar. Embora a minha mãe fosse um bocadinho assim avançada. Mas para não terem mau parecer para as outras pessoas da mesma etnia, não deixavam as 71
meninas… Embora na altura as escolas, eram meninas para um lado, rapazes para outro. Prof. Adelaide – Mas mesmo assim havia dificuldades. Sra. D. Ana Maria – Só quando veio o 25 de Abril é que as escolas começaram a ser mistas. Prof. Adelaide – Olhe uma coisa, o que é que começou a ler, de pequenina tem alguma ideia do que gostava de ler, do que podia ler? Sra. D. Ana Maria – Ai, gostava de ler livros, Os cinco, os sete. Gostava de ler, gostava mesmo de ler. Qualquer coisa me servia para ler… ler uma capa de uma coisa, ou ia passar na rua e via qualquer coisa escrita, gostava de ler. Gostava muito de ler (…) Testemunho A visão do outro lado do Atlântico (…) Geferson – Mas e todos dizem “Não, Não!” e eu vejo… eu percebo outra coisa aqui que para mim é muito latente aqui. Eu não sei se posso dizer que é o Português, se é a sociedade portuguesa. Ainda não consegui identificar. Mas uma coisa eu consigo identificar -
A cultura aqui é muito aversa a
mudanças. Muito aversas a mudanças. Então assim para um processo de mudança acontecer aqui no país, necessita que perdoe-me… necessita que um anjo saia do céu e um diabo do inferno, para que dai o povo tome consciência diga “ ai não!”
Vozes de fundo 1. E mesmo assim não vai lá! 2. É verdade 72
Geferson – e é um paradoxo muito grande, porque para mim o portugês é um dos mais inventivos do planeta.
Vozes de fundo 1. Completamente. 2. E criativos.
Geferson – além de ser criativos, inventivos. Se você procurar nos principais orgãos mundiais aí agora… Vozes de fundo 1. Portugal está sempre lá! Geferson – de capacitação, de ensino, de ciência, tem um português envolvido, Cara! Tem um português envolvido. Vozes de fundo 1. Porque esses são multifacetados.
Geferson – Não, Não, Não, não são esses… é a sociedade. Por exemplo você olha para uma sociedade alemã, há uma cultura germanica e um imperio austro-hungaro.
Vozes de fundo 1. Que está na base! 73
Geferson – Ponto final! Olha para trás e veja essa sociedade, o tanto de influência que esta sociedade teve, de mouros de todos os aspectos.
Vozes de fundo 1. De gregos, romanos…
Geferson – de Africa, de gregos, de romanos, de vários. Acaba com isso…
Vozes de fundo 1. Tem de dar uma volta.
Geferson – eu acho que a volta é agora, né? Recolonização, né? Mas o que eu percebo é que aqui, se a gente puder usar um português assim… eu acho que aqui tem muito pano para mangas, do que os outros. E porque é será?
Vozes de fundo 1. O caldo!
Geferson – é muito mais consistente, você chega na alemanha e não vai encontrar sopa da pedra, aqui você encontra.
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Vozes de fundo 1. Você na Alemanha pede uma pizza, ou fala em alemão ou então eles não lhe dão a pizza e ponto final.
Geferson – Está entendendo? Então eu acho que por parte de… O problema é todo esse. Se a camada mais alta da sociedade, você não investe e não mostra a população que “Cara vejam tanto inventivo que somos, vejam o tão capazes que somos.”. Eu costumo brincar – Lá no Brasil… Este ano eu fiz 35 anos de idade. Eu não conheço no Brasil, um português que seja empregado. Funcionário de ninguém. Não conheço nenhum. Todos – pode ser aquele que tenha só a sua portinha, é só uma porta só! Vozes de fundo 1. Mas é propietário?
Geferson – Pode ser daquele com uma portinha só ou daquele que tem mega delicatessa, de três andares, taratarataratá! Quando saem daqui de Portugal são inventivos, porque controlam o seu próprio destino, mandam, opinão e ainda criam situações. PorquÊ não é investido aqui, dentro de solo nacional? Vozes de fundo 1. Porque aqui cortam-lhe as pernas. 2. Porque aqui não se faz?
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Geferson – Para mim a raiz está em dois problemas. O 1º a camada mais alta que gere o país e o 2º a população que é muito cordeirinho que está a ser preparado para o abate e acha que a sua única salvação é chorar. Descer lágrima do cordeiro. E na real não é. Eu acho muito subserviente, eu acho muito subserviente. Eu acho que necessita mesmo de se erguer, entendeu? Aquela coisa da postura, do abmnomem contraido e postura a dizer “não, nós podemos e vamos…” É complicado, para mim esse aspecto é muito, muito complicado, mas olhando por um outro lado, o problema é muito fácil de se resolver, de se solucionar. Porquê, porquê não está preso e não necessita de um aparato histérico. “Para a gente fazer isso, estamos anexados e precissamos de A, B, C e D. é uma questão de Portugal olhar para dentro dele próprio, saber das suas competências e capacidades e erguer a manga e mãos a obra. (…)
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Testemunho Estudo para ajudar o mundo (…) E dizemos eu vou falar e ninguém vai me escutar! Para quê falar se hoje querem… Por exemplo eu vou ao um país, sou emigrante… Por exemplo o que a gente vai fazer se nós nunca, nunca unimos a todos, porque todos somos todos iguais, não há nenhuma diferença entre nós. A cor não importa nada, porque nós morremos e vamos para o mesmo lugar, nascemos do mesmo lugar. Será que um dia vamos pensar… Ah! Por exemplo, eu emigrei eu sou preta. Uma pessoa passa: Ela é preta ela não tem nada, ela é baixo nível. Porquê? Só por causa de cor? Nos hoje em dia ajudamos a pessoa só pela aparência, se é cigano, se é brasileiro, se preto, se é branco. Porque há também pretos que descriminam os brancos. “Ah os brancos são de cores e por isso não me vou importar com o brancos!” Dizemos Ah Ela é feia, isso tudo. Não nós somos todos iguais. Se hoje o pais está em crise, não podemos dizer Ah não vou a esse pais que está em crise, vou a um rico para sustentar a minha vida.
Se tu não ajudares um país, nunca sobreviver, nunca vai crescer, porque quando o pais cresce, é quando há hum… uma pessoa unida. É como um pepino, como a árvore quando cresce, cresce bonito porque foi colocado no 78
cimento com muito amor, foi todos os dias colocado água, e nasceu forte e não teve crise, porque cada árvore tem o seu função, a árvore que dá maçá, a árvore que dá pera. Mas todos nele, tem o único sabor, que é o saber de viver, de ser regado, de ser plantado. E nós hoje em dia, só pensamos em dinheiro, e pensar em nós. Mas pensar em nós também é muito importante, porque quem não pensa em ti, também não pensa nos outros. Eu também pensei, Ah vou a Portugal!
E vou querer ajudar os outros! Porque agora estou a estudar e é para ajudar o mundo.
(…)
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Conclusão
As palavras, as ideias, os valores de referência deram lugar à escuta activa, ao gosto da musicalidade e riqueza da língua portuguesa nas suas manifestações mais puras de crioulo de Cabo Verde e São Tomé, português do Brasil, de Angola e da comunidade cigana. Um dia inesquecível para os participantes que guardarão na memória que “tudo era possível era só querer (…) e havia para as coisas sempre uma saída”. Nesta escola sonhou-se esta jornada no respeito pela multiculturalidade e plurilinguismo, potencial da sua particular riqueza. Deu-se voz a todos e a cada um e sentimos o pulsar do coração desta comunidade tão digna e promissora. Recolhemos a diversidade de representações, de emoções e vontades de ser e construir sentidos para a vida, de jovens e menos jovens, mas todos conscientes de que lhes compete a autoria do futuro.
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer Só sei que tinha o poder duma criança. Ruy Belo
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ANEXO B Prática pedagógica - Oficina de escrita - Agrupamento de Escolas Anselmo de Andrade Produção de narrativas, baseadas em excerto de uma fábula africana
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Nome: Calison Pontes Nacionalidade: Santomense Idade: 21 Há muito, muito tempo - todos os pássaros foram convidados para uma festa no céu. Ficaram muito contentes e começaram a preparar-se para o grande dia. A tartaruga começou a pensar como chegava lá no céu, ele reflectiu e disse, eu vou falar com o senhora coruja, ai foi ele, chegando lá em casa da senhora coruja ele explicou a sua situação, a senhora coruja lhe disse, meu caro amigo eu lamento muito mas não posso ti ajudar, mas eu tenho uma pessoa que pode ti ajudar vai ter com o meu compadre águia. O tartaruga todo feliz lá foi. Chegando lá o doutor não estava em casa, ele foi no dia seguinte a casa do doutor águia estava cheio e gente porque ele era o organizador da festa, ai ele esperou a sua vez, quando foi atendido explicou a sua situação, o doutor águia lhe disse, o teu caso e complicado a festa e já amanha, mas eu vou ti ajuda, o doutor disse-lhe, mim espera amanha lá naquele monte mas alto que e o monte cão grande as 15:30 que vou ti dar uma bolei nas minhas garras. No dia seguinte, o tartaruga preparou-se e foi a espera do doutor águia, chegou o doutor e lhe apanhou e foram a festa no céu. O tartaruga chegou e começou a comer, comeu até não pude mas.
Bruno Batista O senhor tartaruga, antes de dar inicio à sua jornada até ao céu, propôs a hipótese de se encontrar com o ser mais sábio do planeta terra que era também a principal fonte de vida de todo o ser animal existente, com a esperança que este lhe pudesse transmitir algum tipo de concelho para o seu problema. O tartaruga partiu então para a zona proibida e magica da floresta, as árvores altas bloqueavam qualquer tipo de luminosidade, o verde tornou-se um tipo de roxo florescente, criaturas míticas e misteriosas observavam a tartaruga entre as densas ervas e arbustos, camuflando-se, só se faziam sentir presentes, não se mostravam. A paisagem da floresta começara a mudar lentamente, raízes faziam-se sair da terra sólida em bruto, novos tipos de plantas faziam deslumbrar a pequena tartaruga e a água ali existente fluía numa direcção uma tão pouco estranha, tendia a escorrer para norte, para as montanhas onde o relevo era elevado e rochoso. A tartaruga percebeu que estava a ter progressos, pois onde há água há vida, e seguiu o rastro do rio. 85
A noite já se tinha posto, fazia-se frio e o vento parecia que tinha vida própria, fazia-se ouvir assobiando aos ouvidos da tartaruga. Novos tipos de sons assustadores escapavam entre as rochas, o rio agora fluía com mais força e uma ave irreconhecível pairava sobre a tartaruga, observando-a bem lá no alto, como se tivesse a vigiar algo. À medida que continuava a seguir o rio, bem lá no fundo avistou uma enorme arvore ao qual todos os pássaros da floresta pairavam sobre os seus enormes ramos cheios de vida e cor, ao mesmo tempo era de certo tipo vigiada por todos os míticos animais que o estiveram a observar durante a sua jornada, a tartaruga percebera que esta não era uma arvore vulgar, e avançou à procura de respostas. À medida que a tartaruga avançava em direcção à grande arvore as criaturas que a barravam desviavam-se fazendo um caminho único para que esta fosse ao seu encontro, a tartaruga interrogou a enorme árvore pelo seu nome, ao qual esta respondeu ser Ezinma, o ser mais antigo e poderoso de toda a floresta. Ezinma levitou então a pequena tartaruga com uma espécie de magia espiritual para que esta lhe explica-se o porquê desta longa viagem para o conhecer. A pequena tartaruga explicou o seu problema sobre haver uma enorme festa no céu, mas ao qual lhe era impossível ir pois não conseguia voar. Ezinma fez então entender a tartaruga que esta já estava na festa, a sua festa, a longa caminhada, os sons assustadores, e o difícil e rochoso terreno que por esta passou na sua jornada fora tudo para testar as suas capacidades, a sua determinação, coragem e persistência. O rio corta a rocha não por causa de sua força, mas por causa de sua persistência.
A TARTARUGA FANMITA
Há muito, muito tempo, todos os pássaros foram convidados para uma festa no céu. Ficaram muito contentes e começaram a preparar-se para o grande dia. O senhor tartaruga apercebeu-se de todos estes preparativos e em breve descobriu o que se passava. Nada do que acontecia no mundo dos animais alguma vez lhe escapava; era um animal muito astucioso. Assim que ouviu falar da grande festa no céu, ficou com comichão na garganta só de pensar nisso. Era uma época de fome e há duas luas que o tartaruga não comia uma boa refeição. O seu corpo chocalhava como 86
um galho seco na carapaça vazia. Assim começou a planear uma forma de chegar ao céu. -Mas o tartaruga não tinha asas. O tartaruga, por sua vez, pensou e pensou, até que encontrou uma solução para o seu problema, e disse: pois é, acho que vou de avião! Mas como vou eu entrar num avião? Perguntou o tartaruga, pois o tartaruga sabia que não era fácil entrar no avião. Então, ele pensou, repensou e sobre o assunto e disse: - Ah…ah, agora vou tirar a minha barriga da miséria!... É mais fácil se eu me matar, assim vou tornar-me um anjo e vou poder ir ao céu! No entanto, o tartaruga foi devagar, devagarinho, fazendo o seu caminho até ao ponto mais alto da floresta e atirou-se de lá cima mas não morreu e ficou todo partido, demorou muito tempo para se recuperar. E quando recuperou já a festa tinha acabado!... e disse ai meu Deus se eu soubesse que o céu era igual a floresta não teria me matado! A TARTARUGA E O MACACO Era uma vez a tartaruga e o macaco fizeram uma aposta! E quem ganhasse casaria com a filha do rei então foram até a estrada e puseram metas na estrada e quem conseguir ultrapassar a meta ganha a corrida, como a tartaruga sabia que o macaco era mais rápido, foi até o mercado e comprou alguns cachos de banana e espalhou pela estrada, e chegou a hora da partida o macaco deu dois pulos e encontrou as bananas, como ele era guloso ficou a comer as bananas e a tartaruga inteligente continuou o seu caminho e venceu a rórida. ANILSA TRINDADE NACIONALIDADE- SANTOMENSE IDADE- 31 ANOS
Nome: Wilson neto Nacionalidade: Angolana Idade: 26 anos Chegada de uma grande dia “Há muito, muito tempo – todos os pássaros foram convidados para uma festa no céu ficaram muitos contentes e começaram a preparar se para um grande dia(…)” muito 87
alegre para os animais. O senhor tartaruga inocente, sem saber o que se passava no mundo dos animais… O senhor startaruga que estava muito astuciosa e não deixava que nada lhe escapasse dos acontecimentos vindos do céu, depois de saber que havia um grande momento entre os animais,ele que já não comia a dois dias tentou aranjar um jeito de poder chegar ao céu para festejar esse grande dia que se avizinhava e que era muito importante para todos os animais.Tentou de varias maneiras tentar lá chegar, mas não encontrava nenhuma que a podesse ajudar derepente teve a excelente ideia de, voar com um balão inorme que a podesse ajudala a chegar ao céu chegando a festa emocionado por ver tanta coisa boa entrou sem timedes, com um avontade de partilhar esse dia com todos os passaros. Este dia correu de uma maneira muito especial e todos pensaram repeti-lo porque foi muito devertido ouve muita musica, comida dança, brincadeiras. Um dia no céu é uma linda historia cheia, de momentos muitos bons passados pelos passaros e o senhor tartaruga.
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ANEXO C
PARABLE OF THE TORTOISE BY PEKULIA MEESI
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PARABLE OF THE TORTOISE
By
Pekulia Meesi
culled from NEWAGE, May 03, 2005
I would have said that President Obasanjo would not be foolish enough to succumb to any idea from any quarter whatsoever suggesting that he should find a way to prolong his tenure beyond 2007. But who am I to second-guess the president? The wiry exgeneral has confounded us on many issues in the past to the extent that one must be careful not to assume that he has the capacity to perceive reality from our own lenses, nor should we presume that he is a good student of history. No leader has any right to alter the terms of his contract with his people – unless he does not mind suffering the fate of those who had so behaved in the past. History tells us that many slaves of ego and greedy ambition who found themselves in positions of power and authority have met their doom while overstaying their welcome. People can tolerate any kind of elected leader because of the prospect of another round of elections. When an elected leaderâ€&#x;s time is up, then his time is simply up. He should quit the stage. The same people who had put him there will, in their wisdom, elect another leader to take his place. Nigeria did not crash after Balewa. It did not crash from Ironsi to Abdulsalam Abubakar to Obasanjo. It will not crash after Obasanjo. That fabled person who can be considered indispensable
has
not
yet
been
born.
Nor
ever
will.
Perhaps we can learn a lesson or two from the never-never world of folk tales. As usual the tortoise always occupies centre stage. From time immemorial, the animal, which Mother Nature has gifted with its own unique armoured tank, has always fascinated 90
man. Slow, sneaky, uglier than sin, enigmatic in a strange kind of way, the tortoise is thought to be a harbourer of many an existential secret. But if you think the tales are just about the shell-backed animal, you need to wake up. No folk tale was ever told without a didactic intent. Here goes: There was a party in skyland to which winged animals had been invited. Not one to be left out of any kind of merriment, tortoise negotiated with the birds to take a bunch of feathers on loan to enable him fly with them to the party. On reaching skyland, tortoise announced that he had changed his name to „All-of-you‟. The birds laughed at him not knowing what was coming. When the stewards brought a giant tray of food, they told the visitors that the food was for „All-of-you‟. Tortoise grabbed the tray and wolfed down the food. Next came drinks for „All-of-you‟; then dessert and take-away, all for „All-of-you‟. Tortoise grabbed everything. At this stage, the birds saw through his trick. In anger, they retrieved their bunch of feathers from him and flew back to earth. Featherless and friendless, tortoise had no option but to fall back to earth. His shell broke into a thousand pieces but he was still alive. He begged an army of termites building a mound nearby to come to his aid. They proceeded to start reassembling the shattered pieces of his shell. While they were at it, tortoise wondered aloud if any of them had fouled the air. They said no. He then asked why they smelt so badly. Astounded by his ingratitude, they decided to assemble his broken shell in ridges, thereby ensuring that generations of the tortoise would forever rue the day their ancestor opened his mouth too wide. Didn‟t one sage say that an ingrate is but a robber in disguise? Here is another one related to me by my friend from the land of “sootin star and kusin sia”. In this tale, tortoise had gone to the herbalist to collect a medicinal bowl of porridge to solve his wife‟s infertility. The herbalist explained to him that as soon as his wife ate the porridge, her pregnancy problems would be over. On the way, tortoise wrestled with the powerful aroma of the porridge. His taste buds were aglow. He wondered how he would go through all that hassle only for his wife to enjoy the sumptuous meal all alone. Eventually his greed had the better of him. He first took a lick, then a mouthful - and in a moment all the medicinal porridge was gone. Shortly after, tortoise became pregnant. He became a laughing stock in the society. In shame, he returned to the herbalist to beg for an antidote. The herbalist had bad news for him: there was no antidote. Tortoise would have to carry the pregnancy to term. And worse – as he did not have a birth canal, he would slowly die of the burden in his stomach. Only 91
the Heavens know how many mortals have exited from these plains on account of greed.
And then, this: After a heavy bout of drinking at a funeral party, tortoise bared his mind to his co-revellers. “I wish there would always be a party like this every weekend.” The others warned tortoise not to say such a thing because funeral parties could only be held when someone died. Tortoise retorted, “I don‟t care if somebody has to die before a funeral party can be held. What‟s so strange about anybody dying anyway? I‟m not bothered as long as there is a big party where I can make merry.”
The following week, the town crier did his usual rounds of announcing new developments in the community. There would be a funeral service and party over the coming weekend, he announced. “Who died?” asked an elderly man in the gathering. “It is my painful duty to announce the untimely death of Mr. Tortoise,” said the town crier, “May his soul rest in peace.” Didn‟t one other wise man say what you wish for others can overtake you? Just this final tale and I would be done with tortoise and his many problems. Tortoise made a noisy preparation and announced that he was going to the market. His curious neighbour, seeing that the day was far spent, asked: “When will you return?” tortoise replied, “Not until I‟ve been disgraced.” May it not be so for Olusegun Obasanjo who, by 2007 would have ruled his fatherland for a total of 11 years. And may his
Chi
not
reject
this
invocation.
Oilxploitation in the midst of plenty In spite of various entreaties to oil companies operating in Nigeria to stop treating a section of their Nigerian employees as vassals, the iniquitous situation persists. Some workers are classified as permanent staff and they enjoy all the perks of being in the oil industry. Others who are employed on contract with the same (or even higher) qualification as the permanent staff are paid slave wages and are made to work longer hours and do shifts. It is as if they merely escorted their well-remunerated counterparts to the world.
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The Nigerian government, at the prompting of labour, has directed all oil companies to abolish the wicked contracting of Nigerians as slaves in their fatherland. The oil companies have observed the directive only in the breach. Each year, to the chagrin of those in their slave camps, they declare whopping profits. There must be minimum standards of labour relations for those operating in the Nigerian oil industry. President Obasanjo, who oversees the petroleum portfolio, should put this issue on the front burner and stop this slave trade once and forever.
British hypocrisy Recently, the British High Commission announced a ban on young Nigerians who have never visited the UK before, from applying for visa. I am aware that the British Council has been encouraging young Nigerians to study in the UK. Maybe the high commission is working on another agenda totally different from the mandate of its sister organisation. That does not bother me in the least. What deeply grieves me is the deafening silence of the Nigerian government over the matter. Reciprocity is a cardinal principle in international relations. Nigeria should do no less than announce a similar measure targeted at the UK. The ban announced by the British High Commission is not just discriminatory; it is an insult!
Presidential monologue
The standard of the Presidential Media Chat keeps falling with each edition. President Obasanjo is the special guest on the programme. He is also the host. He is the „codiscussant‟ and probably the director. He doesn‟t give anybody else much chance (certainly not the journalists who he routinely intimidates). All that would have been tolerable if the programme was a 15-minute „short-and-sharp‟ affair. But it is a two-hour programme. Inevitably, it has become an exhibition of self-congratulation and verbal diarrhoea. I can imagine how difficult it must be for the president‟s media managers to groom their boss in this specialised area. But who else am I supposed to hold responsible, professionally speaking? Until they summon the courage to stand up to
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save their boss from himself, we are doomed to the dour two-hour monologue on prime time TV
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