QUADRA - Complexo de Artes, Gastronomia e Interatividades Benedito Macedo.

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UNIVERSIDADE DE FORTALEZA CENTRO DE CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS ARQUITETURA E URBANISMO PROFESSOR PEDRO BOAVENTURA, 2019



THAIS RIBEIRO DA SILVA CÂMARA VIEIRA

Complexo de Artes, Gastronomia e Interatividades Benedito Macedo. Adaptação de prédio modernista no coração da Aldeota.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza como requisito parcial para obtenção do título de Arquiteto e Urbanista na orientação da Prof. Me Pedro Araújo Boaventura Filho.

FORTALEZA, DEZEMBRO DE 2019


Ficha catalográfica da obra elaborada pelo autor através do programa de geração automática da Biblioteca Central da Universidade de Fortaleza

Vieira, Thais Ribeiro da Silva Câmara . Quadra : Complexo de Artes, Gastronomia e Interatividades Benedito Macedo. Adaptação de prédio modernista no coração da Aldeota. / Thais Ribeiro da Silva Câmara Vieira. - 2019 110 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade de Fortaleza. Curso de Arquitetura E Urbanismo, Fortaleza, 2019. Orientação: Thais Ribeiro da Silva Câmara Vieira. Coorientação: Pedro Araújo Boaventura Filho . 1. aldeota. 2. patrimônio cultural. 3. ressignificação . 4. restauro. 5. brutalismo. I. Vieira, Thais Ribeiro da Silva Câmara. II. Filho , Pedro Araújo Boaventura. III. Título.


Thais Ribeiro da Silva Câmara Vieira

QUADRA Complexo de Artes, Gastronomia e Interatividades Benedito Macedo. Adaptação de prédio modernista no coração da Aldeota.

Relatório fnal, apresentado a Univerisdade de Fortaleza (UNIFOR), como parte das exigências para obtenção do título de Arquiteta e Urbanista. Fortaleza, 02 de dezembro de 2019.

BANCA EXAMINADORA

Professor M.e Pedro Araújo Boaventura Filho

Professora M.a Jacqueline Holanda Tomaz de Oliveira

Arquiteta e Urbanista M.a Gérsica Vasconcelos Goes


RESUMO QUADRA - Complexo de Artes, Gastronomia e Interatividades Benedito Macedo. Adaptação de prédio modernista no coração da Aldeota. Este projeto parte de questionamentos sobre a arquitetura residencial modernista de Fortaleza. Ela existe? Está sendo preservada? De que maneira a população poderia apropriar-se desse patrimônio, ressignificando-o e abraçando-o como um legado arquitetônico e ambiente de uso cotidiano. O objeto de estudo então escolhido foi a Residência Benedito Macedo, composta pelo edifício residencial e edifício comercial. É projeto original de Acácio Gil Borsoi, possuindo características peculiares, íntegras e autênticas do modernismo de Fortaleza. O objetivo do projeto é abrir esta quadra ao uso público e social, propõe-se restaurar a residência, de forma a recuperar os danos criados ao longo dos anos enquanto o edifício comercial, que é a intervenção arquitetônica principal, é adaptado para receber o novo uso, o Complexo Quadra. É proposto também o resgate dos jardins de Burle Marx, um dos poucos remanescentes jardins residenciais do autor em Fortaleza Um terço deste será convertido em praça pública, agregando a comunidade à encontros ao ar livre. Em complemento, realiza-se projeto de uma nova intervenção arquitetônica que receba a sede do CAU Fortaleza, transformando este serviço em espaço para prática e vivência da arquitetura e urbanismo. O partido arquitetônico segue as premissas de Camillo Boito, celebrando e respeitando os elementos existentes enquanto cria-se projeto distinto que reflete a contemporaneidade e os novos usos. Localizado no coração da Aldeota, o complexo é um espaço para trocas de experiências, conhecimentos e inspirações. Palavras-chave: aldeota; patrimônio cultural; ressignificação; restauro; brutalismo.


ABSTRACT QUADRA - Benedito Macedo Arts, Gastronomy and Interactivity Complex. An adaptation of a modernist building in the heart of Aldeota. This project starts questioning the modernist residential architecture of Fortaleza. Does it exist? Is it being preserved? How could the population take ownership of this heritage, re-signifying it and embracing it as an architectural legacy and environment of everyday use? The object of study chosen was the Benedito Macedo Residence, consisting of a residential and a commercial building. It is an original project by Acåcio Gil Borsoi, owning peculiar, integrate and authentic characteristics of the modernism in Fortaleza. The goal of the project is to open this city block to public and social use, it is proposed to restore the residence in order to recover the damage created over the years while the commercial building, which is the main architectural intervention, is adapted to receive the new use, the Quadra Complex. It is also proposed to rescue Burle Marx’s gardens, one of the few remaining residential gardens of the author in Fortaleza. One third of it will be converted into a public square, aggregating the community in outdoor gathering. Additionally, a new architectural intervention is planned to hold the headquarters of CAU Fortaleza, transforming this service into a space for the practice and experience of architecture and urbanism. The architectural concept follows Camillo Boito’s premises, celebrating and respecting existing elements while creating a distinctive design that reflects the contemporaneity and the new uses. Located in the heart of Aldeota, the complex is a space for exchanging experiences, knowledge and inspirations. Keywords: aldeota; cultural-heritage; ressignification; restauration; brutalism.


LISTA DE FIGURAS Figura 1: Desenho de Marten Van Heemskerck de Roma abandonada durante século XVI. página 18

Figura 2: Desenho de Marten Van Heemskerck de Roma abandonada durante século XVI. página 18

Figura 3: Fachada Igreja de Santa Maria in Aracoeli. página 18

Figura 4: Interior da Igreja de Santa Maria in Aracoeli página 18

Figura 5: Ilustração de Marten Van Heemskerck. página 19

Figura 6: Escultura de Baco restaurada. página 19

Figura 7: Planta baixa da Basílica de São Pedro antiga e a nova. página 19

Figura 8: Basílica Constantina, em Roma. página 19

Figura 9: Linha do tempo página 20

Figura 10: Palácio de Westminster. página 21

Figura 11: Catedral de Durham, Inglaterra, página 21

Figura 12: Abadia de Saint-Savin, em Viena. página 21

Figura 13: Afresco da Abadia de Saint-Savin, em Viena. página 21

Figura 14: Catedral de Notre-Dame 1859. página 22

Figura 15: Catedral de Notre-Dame 2016. página 22

Figura 16: Catedral de Notre-Dame 2019. página 22

Figura 17: Castelo de Pierrefonds, 1855. página 23

Figura 18: Castelo de Pierrefonds, 2009.

Figura 20: Desenho da arquitetura gótica por John Ruskin. página 23

página 34

Figura 21: Igreja Santa Maria Assunta, em Gallarate..

Figura 42: Área íntima da Residência.

página 24

Figura 22: Basílica dos Santos Maria e Donato, em Murano. página 24

Figura 23: Anunciação de Messina em seu pré-restauro. página 25

Figura 24: Anunciação de Messina pósrestauro.

página 25

Figura 25: Museu do Pão, Rio Grande do Sul. página 25

Figura 26: Museu do Pão, Rio Grande do Sul. página 25

Figura 27: Ruínas em São Luís. página 26

Figura 28: Templo grego reconstruído. página 26

Figura 29: Museu da Indústria, Fortaleza. página 26

Figura 30: Área externa do SESC Pompéia.. página 27

Figura 31: Área interna do SESC Pompéia.. página 27

Figura 32: Ministério da Educação e Saúde.

página 31

Figura 33: Palácio dos Exportadores. página 31

Figura 34: Terminal Rodoviário Engenheiro João Tomé. página 31

Figura 35: Fachada da Residência J. Macedo. página 32

Figura 36: Fachada da Residência J. Macedo. página 32

Figura 37: Edifício Granville. página 32

Figura 38: Edifício Juan Miró. página 32

página 23

Figura 39: Ministério da Fazenda.

Figura 19: Desenho da arquitetura gótica por John Ruskin.

Figura 40: Ministério da Fazenda.

página 23

Figura 41: Implantação da Residência Benedito Macêdo.

página 33

página 33

página 34

Figura 43: Estrutura curva aparente. página 34

Figura 44: Estrutura curva aparente. página 34

Figura 45: Horizontalidade da casa. página 35

Figura 46: Horizontalidade da casa. página 35

Figura 47: Varanda da área íntima. página 35

Figura 48: Brises em concreto. página 35

Figura 49: Módulo da fachada. página 36

Figura 50: Estrutur curva aparente do prédio. página 36

Figura 51: Pavimentos com planta livre. página 36

Figura 52: Módulos das janelas. página 36

Figura 53: Caixa d’água. página 37

Figura 54: Escultura do artista cearense Sérvulo Esmeraldo. página 37

Figura 55: Desenho do paisagismo original. página 37

Figura 56: Estado de conservação do espelho d’água, 2009. página 37

Figura 57: Exposição UNIFOR na Casa Cor 2018. página 37

Figura 58: Esquadria danificada. página 37

Figura 59-61: Esquema de localização do SESC Pompéia na cidade de São Paulo.. página 40

Figura 62: Vista aérea do SESC Pompéia.

página 40

Figura 63: Planta baixa atual Pompéia. página 40

do SESC


Figura 64: Vista interna de galpão da fábrica Pompéia. página 41

Figura 65: Vista externa de galpÕes da fábrica Pompéia. página 41

Figura 66: Mobiliário adaptado para a fábrica em vista os novos usos. página 41

Figura 67: Intervenção de Lina Bo Bardi no piso da fábrica. página 41

Figura 68: Planta aproximada dos anexos. página 42

Figura 69:. Vista dos anexos. página 42

Figura 70: Ruela principal. página 42

Figura 71: Canaletas pluviais. página 42

Figura 72: Mesas coletivas página 42

Figura 73-75: Esquema de localização da Casa de Cultura Mário Quintana na cidade de Porto Alegre.. página 43

Figura 76: Planta Hotel Majestic. página 43

Figura 77: Fachada norte do Hotel. página 43

Figura 78: Hotel Majestic. página 44

Figura 79: Estrutura de concreto armado. página 44

Figura 80: Fachada atual da Casa de Cultura Mário Quintana. página 44

Figura 81: Planta da nova configuração da Casa de Cultura. página 44

Figura 82: Passarelas da Casa de Cultura página 44

Figura 83: Rua interna, Travessa Araújo Ribeiro. página 45

Figura 86: Casa de Cultura Mário Quintana.

Figura 107: Fachadas F3 e F4

Figura 87: Levantamento do projeto original de Acácio Gil Borsoi.

Figura 108: Cortes A, B e C

página 45

página 49

Figura 88: Vigas em curva da estrutura pilarviga. página 52

Figura 89: Rooftop.

página 83

página 84-85

Figura 109: Detalhamento D1 página 86

Figura 110: Isometria D1 e Detalhamento D2 página 87

página 52

Figura 111: Perspectiva 01

Figura 90: Levantamento do pavimento tipo do projto original de Acácio Gil Borsoi.

Figura 112: Perspectiva 02

Figura 91: Planta Casa Cor 2019.

Figura 113: Perspectiva 03

Figura 92: Planta Construir e Demolir térreo.

Figura 114: Perspectiva 04

Figura 93: Planta Construir e Demolir Primeiro e Segundo Pavimento.

Figura 115: Perspectiva 05

página 53

página 64

página 65

página 66

Figura 94: Planta Construir e Demolir Tercenrio Pavimento e Rooftop.

página 67

Figura 95: Implantação. página 68-69

Figura 96: Planta Técnica Térreo. página 70-71

página 88-89

página 90-91

página 92-93

página 94-95

página 96-97

Figura 116: Perspectiva 06 página 98-99

Figura 117: Perspectiva 7 página 100-101

LISTA DE MAPAS

Figura 97: Planta Layout Térreo.

Mapa 1: Poligonal de tombamento do Centro Histórico de São Luís.

página 72-73

página 25

Figura 98: Planta Técnica Primeiro e Segundo pavimento.

Mapa 2: Localização do terreno na cidade de Fortaleza.

página 74

página 50

Figura 99: Planta Técnica Terceiro pavimento e rooftop.

Mapa 3: Condicionantes físicas e ambientais da Quadra.

página 75

página 51

Figura 100: Planta Layout Primeiro pavimento.

Mapa 4: Uso do Solo e Mobilidade Viária.

página 76

página 55

Figura 101: Planta Layout Segundo pavimento.

Mapa 5: Equipamentos relevantes.

página 77

Figura 102: Planta Layout Terceiro pavimento. página 78

página 56

LISTA DE TABELAS

Figura 103: Planta Layout Rooftop. página 79

Figura 104: Planta Layout novo edifício. página 80

Tabela 1: Indíces urbanísticos. página 54

página 45

Figura 105: Isometria estrutural.

Tabela 2: Programa de necessidades CAU Fortaleza.

página 81

página 57

Figura 85: Vista interna do Teatro Bruno Kiefer.

Figura 106: Fachadas F1 e F2.

Tabela 3: Programa de necessidades Quadra,.

Figura 84: Vista externa da galeria de arte.

página 45

página 82

página 58


AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu Professor Orientador Pedro Boaventura, por ter apoiado e me ajudado durante todo esse ano, no processo de transformar um projeto em espaço. Por todas as frequentes conversas, trocas e discussões sobre transformar um andar em CrossFit ou não. O meu profundo agradecimento à esse exímio profissional que me guiou a transformar uma ideia utópica em realidade. Aos meus pais e irmãs, por apoiarem todas as minha decisões nesses 6 anos dentro do curso de Arquitetura e Urbanismo. A ajuda e motivação de vocês me norteou durante todo esse processo e espero finalizar deixando-os com muito orgulho do que o investimento de vocês criou. Às minhas amigas, Carol, Mama e Tatá, que estiveram sempre presentes em tantas etapas da minha vida. Por todos os cafés, os desabafos, as noites de estudo, os apoios morais, o discursos de motivação. Obrigada por sempre me ajudarem a ser a melhor versão de mim mesma. À meus companheiros, Beto e Gabi, obrigada por acreditarem e me motivarem cada dia a ser uma profissional criativa, empenhada e responsável, a sempre estar em busca de melhorar. O suporte diário de vocês foi o que norteou meus últimos anos do curso e esse ano, mais do que nunca, foi o que me manteve nos trilhos. Obrigada por toda a parceria, esse trabalho não seria o mesmo sem todo o apoio, discussões e pesquisas junto de vocês. Ao Eduardo, que por mais de dois anos esteve comigo nessa jornada, obrigada por todo o carinho, companheirismo e paciência enquanto eu ia de ateliê em ateliê, sempre precisando do amparo que só você me proporciona. Você sempre esteve lá ajudando a me manter sã e calma no meio de toda a tormenta. Obrigada por aceitar estar nessa jornada comigo.


sumário 01 l pág. 13

O início

02 l pág. 17

A história da conservação

03 l pág. 29

O modernismo

04 l pág. 39

Projetos com alma

05 l pág. 47

Da teoria à prática

06 l pág. 59

Justificativa Objetivos Geral Específicos Metodologia

Os Primórdios A formação de uma cultura Cartas A prática da reutilização

Brasileiro O arquiteto A casa

SESC Pompeia Hotel Majestic / Casa de Cultura Mário Quintana

Diretrizes Levantamento Condicionantes Programa de Necessidades

A soma do todo Memorial descritivo Projeto

07 l pág. 103

O Atestado final

08 l pág. 105

A Base


O Início



1.1 JUSTIFICATIVA O projeto que aqui se apresenta envolve um conjunto de ideias que articulam o edifício e a construção civil com as áreas da economia, patrimônio, identidade cultural e sustentabilidade. Desde 2008, o ocidente sofreu uma grave crise econômica, ainda sentida em alguns países, causada pela bolha imobiliária dos Estados Unidos, crise diretamente ligada à construção civil e arquitetura, sendo este apenas um exemplo da influência mundial que esse ramo comercial é capaz. A economia é movimentado pela construção de todo tipo de obra, desde vastas construções de infraestrutura (túneis, pontes, estradas, esgotos) além de instituições, residências, etc. Estima-se que 13 milhões de brasileiros trabalham no setor e esse ramo acaba por pressionar bastante a economia ao mesmo tempo em que atesta a saúde desta: ou seja, caso a construção civil esteja crescendo há maiores chances da economia também estar. Porém esse setor também contêm um lado predatório. Ainda derrubam-se edifícios ou casas adequadas em favor das novas construções, ignorando a possibilidade de reutilizar os preexistentes. Essa atividade é custosa socialmente, economicamente e sustentavelmente. A sustentabilidade é um paradigma contemporâneo, definidor de ações e atividades que consigam suprir as necessidades humanas, sem comprometer o meio ambiente para o futuro das próximas gerações. Podemos relacionar a sustentabilidade e a construção civil, pois observa-se a necessidade constante de um planejamento para menor gasto de recursos. Cada vez que destruímos à toa e, como acontece normalmente, não reutilizamos os refugos, não só pressionamos a economia e a produção por produzir mais quando não seria necessário, como pressionamos também o meio ambiente, poluindo-o. A construção civil acaba por causar grande desperdício de materiais, de energia e a produção de entulho quando não se planeja a reutilização e a economia dos materiais preexistentes. Os níveis de reaproveitamento na construção civil no Brasil e em Fortaleza ainda estão em crescimento. Selos de sustentabilidade, como o Selo Azul da Caixa Econômica e o Selo Leed, ajudam a compreender se a cidade está procurando atingir esses níveis. Em 02 de Outubro de 2018, o primeiro edifício de Fortaleza recebeu o Selo Azul da Caixa. O selo Leed já é mais difundido na cidade, com mais de 10 edifícios à espera da certificação

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e outros já com o selo, como o edifício Lc Corporate Green Tower. Porém no contexto brasileiro esses números ainda são irrisórios. Se por um lado as questões de sustentabilidade começam a ter papel relevante na arquitetura, a questão de identidade ainda é frágil. A arquitetura é um produto social que tem grande capacidade de representar a cultura de um povo. Em países mais desenvolvidos observa-se que a arquitetura local é muito valorizada e preservada, os bens patrimoniais são reutilizados, pois a revitalização e a readequação destes, para as necessidades contemporâneas, é muito comum. O convívio de novas e “velhas” edificações ocorre pacificamente. Na cidade de Fortaleza, a especulação imobiliária proporcionou um crescimento desenfreado nas últimas décadas e nem sempre houve uma discussão sobre a conservação do seu passado arquitetônico. Embora existam uns casos felizes de preservação arquitetônica como o Museu do Ceará, Museu da Indústria e a casa José Lourenço, ainda não se criou uma cultura sobre essa questão e atualmente temos imóveis ameaçados como o Naútico, Escola Jesus Maria José, e o Edifício São Pedro. Um caso grave recente se deu com o antigo prédio do DNOCS, edifício brutalista, que foi demolido para a construção do novo Aquário do Ceará onde já foram gastos R$ 138 milhões, e cuja as obras foram paralisadas e sem previsão de retorno. A identidade cultural de uma cidade, de um povo, passa pelo espaço construído. Quando viajamos para outros países, além das paisagens naturais, um dos principais apelos é o ambiente construído que dá singularidade aos conjuntos urbanos. O turismo e a grande cadeia econômica ligado à ele pode ser muito beneficiada pela preservação e revitalização de seus ícones arquitetônicos. Fica o questionamento: realmente vale a pena a destruição do patrimônio edificado? Haveriam formas mais vantajosas de utilizar edifícios abandonados/subutilizados na cidade? O que ganhamos com prédios novos que não oferecem nada à cidade em termos de identidade, história e particularidade? O entulho gerado foi reaproveitado ou apenas pressionou o meio ambiente? A problemática vai muito além do custo, envolve identidade local, economia, empregos, sustentabilidade, etc. É nesse contexto que se insere as preocupações e objetivos dessa pesquisa pois em Fortaleza ainda existem diversos conjuntos arquitetônicos ameaçados como a Residência Benedito Macêdo e seu anexo, que ainda podem ser recuperados e reintegrados ao conjunto urbano. O edifício sede do Grupo J. Macêdo, anexo

comercial da Residência Benedito Macêdo, projetado por Acácio Gil Borsoi, é um dos últimos sobreviventes modernistas do bairro Aldeota. Acácio Gil Borsoi, dos anos 50 aos anos 70, foi um grande arquiteto da arquitetura modernista, principalmente no nordeste, como em João Pessoa e Recife, permeando entre o modernismo carioca e o brutalismo. Em Fortaleza, realizou obras de diversas tipologia, como a Residência Benedito Macêdo, no entanto esse conjunto é um dos últimos exemplares residenciais unifamiliar na cidade. Seu uso atual é mínimo marcado pela presença do evento Casa Cor Ceará que em 2009, 2018 e 2019 ocupou o complexo de maneira parcial. Porém o evento utiliza-se apenas da residência e do primeiro andar comercial, ou seja, o edifício comercial está praticamente abandonado. Os andares que não foram ocupados estão com infiltrações, sujos e insalubres. O complexo arquitetônico ainda não é tombado e não há previsão para ser. O anexo foi construído junto da residência e é um dos significativos exemplos modernistas da cidade e um dos últimos da Aldeota. Se encontra abandonado porém íntegro. Este é importante para a identidade local, apenas está esquecido por trás de muros e eventos privados. O projeto visa atender à um potencial turístico, econômico e social, evitando desperdícios materiais e conservando a identidade local a partir da abertura deste à cidade, promovendo novas atividades públicas e privadas e consequentemente melhorando a qualidade de vida local. Assim, por todos os motivos citados, incremento da economia, turismo, construção civil, questões de sustentabilidade, de identidade cultural, valorização da cidade a partir de prédios de qualidade, é que se insere a justificativa desse trabalho de conclusão de curso: propor a revitalização do edifício anexo da residência Benedito Macêdo, salvando um bem patrimonial que está a beira do abandono a partir do desenvolvimento comercial e social.


1.2

OBJETIVOS DE PESQUISA 1.2.1

GERAL

Desenvolvimento de fundamentação técnicateórica para projeto de adaptação do anexo comercial da residência Benedito Macêdo, integrando-a a um novo uso ao bairro Aldeota e à cidade de Fortaleza, atendendo às problemática de sustentabilidade de identidade. Com proposta arquitetônica de adapatação ao novo uso e integração do CAU Fortaleza à todo o complexo.

1.2.2

ESPECÍFICOS

- Compreenção da arquitetura modernista de Acácio Gil Borsoi e paisagismo de Burle Marx no contexto cearense;

1.3

METODOLOGIA - Levantamento bibliográfico em livros, teses, dissertações, sites. - Levantamento iconográfico, métrico, de fotografias antigas e atuais; - Inventário projetual arquitetônico original;

do

conjunto

- Estudo de projetos de referência com temas semelhantes; - Estudo das condicionantes legais e diagnóstico do entorno do edifício. - Levantamento in loco do objeto de intervenção.

- Estudo dos parâmetros e vantagens sustentáveis de revitalizar edificações preexistentes Identificação das necessidades contemporâneas, de maior relevância, do bairro Aldeota e a partir de projetos de referências. - Entedimento de como se formou a teoria de patrimônio cultural.

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A História da Conservação


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2.1

OS PRIMÓRDIOS

O inicio do conceito de preservação de objetos artísticos data do século II a.c., porém é de concordância entre os autores que o interesse pela conservação de monumentos edificados ocorreu a partir do Renascimento no século XV, processo intensificado, na Europa, no século XVIII, com advento do Iluminismo, da Revolução Francesa e surgimento da Revolução Industrial. (OLIMPIO, 2015) Nos anos 200 a.c., Roma ascendeu à posição de grande metrópole, permeada pela cultura helenística. A valorização desta cultura aconteceu tanto no universo de objetos, como vasos e estátuas, quanto na arquitetura. Mas ainda não havia sido criado a noção de preservação patrimonial. Com seu declínio, no ano de 476 d.c., que se deu a partir da invasão bárbara e pela difusão do catolicismo, a cultura romana sofreu perdas. Na arquitetura, os templos, monumentos e edifícios pagãos perderam seu valor de uso e histórico resultando na destruição de muitos destes. Os grandes edifícios transformaram-se em pedreiras, como exemplificado nas figura 1 e 2, e os demais foram abandonados às ruínas. (CHOAY, 2017)

Figura 1 e 2: Desenho de Marten Van Heemskerck de Roma abandonada durante século XVI. Fonte: Rebuilding Rome, 2019.

Nos primeiros séculos após a invasão, praticou-se muita destruição e a reutilização predatória de materiais provenientes das construções romanas. Primeiramente ocorreu a demolição total das construções, depois foi-se recomendado a destruição apenas dos ídolos pagãos, conservando alguns exemplares da cultura romana, pelo interesse utilitário a partir da mudança de uso, como a reutilização de basílicas para igrejas cristãs. A reciclagem de elementos arquitetônicos tornouse prática comum, ao retirar partes de uma edificação, como colunas, e usá-las na decoração de novas construções medievais. É o exemplo da Igreja de Santa Maria in Aracoeli, de 1582, (figura 3 e 4) marcada pela presença de colunas resgatadas de construções romanas. (CHOAY, 2017)

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Figura 3: Fachada Igreja de Santa Maria in Aracoeli. Fonte: Divento, 2019.

Figura 4: Interior da Igreja de Santa Maria in Aracoeli, em destaque para as colunas. Fonte: Divento, 2019.


Até o fim da da Idade Média, esse abandono era prática comum. Segundo o testemunho de Martinho V, Roma, no ano de 1420, é descrita da seguinte maneira: “Os grandes monumentos antigos jaziam entre as vinhas e as pastagens, quando não estavam atulhados e coberto de habitações. A estrutura da Roma imperial fora apagada pelo traçado processional de uma cidade de peregrinação”, como ilustrado nas figuras 1 e 2. (MARTINHO apud CHOAY, 2017, pág. 43).

Figura 6: Escultura de Baco restaurada. Fonte: All About Arts, 2019.

Apenas com advento do Renascimento, final do século XIV, e começo do século XV, é que os termos de noção de patrimônio sofrem mudança significativa. Uma deliberada, consistente e objetiva valorização e pesquisa do mundo antigo, de objetos e elementos arquitetônicos. Passou-se a valorizar extremamente a cultura antiga greco-romana. Há relatos que contam que os artistas do renascimento reproduziam esculturas no estilo clássico e quando prontas as quebravam e envelheciam para que se parecesse com as antigas, se igualando pelo valor estético, porém produzindo um falso histórico. A figura 5 é uma ilustração de Marten Van Heemskerck da escultura Baco, de Michelangelo, encontrada, no jardim da casa do banqueiro Jacopo Galli, deliberadamente mutilada com o propósito de parecer antiga. (ALLABOUTARTS, 2019) Figura 5: Ilustração de Marten Van Heemskerck. Fonte: All About Arts, 2019.

Figura 7: Comparação entre planta baixa da Basílica de São Pedro antiga (vermelho escuro) e nova (vermelho claro). Fonte: Roma em português, 2019. Embora nesse momento histórico houvesse uma supervalorização da cultura clássica, a ponto de artistas e arquitetos desejarem igualar suas produções ao que eles achavam ser antigo, ainda não havia uma política de conservação. Tudo dependia do acaso, da descoberta a partir de alguém mais informado do interesse político. Embora isso fosse um primeiro passo para futura cultura de conservação, a real situação era contraditória. Os papas Sisto IV (1471-1484) , Inocêncio VIII (1484-1492), Alexandre VI (1492-1503), Júlio II (1503-1513), Leão X (1513-1521) e Clemente VII (1523-34) se encarregaram de restaurar Roma como o centro da religiosidade cristã e essas ações eram baseadas na “limpeza” da cidade, na valorização artística, e na construção de novos monumentos com base na arquitetura greco-romana. Aconteceram muitos restauros de monumentos clássicos abandonados, igrejas revitalizadas, monumentos reconstruídos e reabilitado através de “[...] políticas econômicas e técnicas ligadas à necessidade de embelezar e modernizar a Cidade, transformando-a numa grande capital secular.” (CHOAY, 2017, pág. 58) Porém, os papas atuavam de maneira ambivalente, pois enquanto eram responsáveis pela valorização da arquitetura e cultura antiga preservando ocasionalmente alguns destes patrimônios, por outro lado também eram os responsáveis por minar esses edifícios resgatando pedras e mármores para a construção de seus novos empreendimentos.

Figura 8: Basílica Constantina, em Roma. Fonte: Roma em português, 2019.

Uma dessas reconstruções, responsabilidade de Júlio II, foi a construção da atual basílica de São Pedro (figura 7) que ocasionou a brutal destruição da antiga basilica, a Basílica Constantina (figura 8) foi construída em 313 d.c., por ordem do próprio imperador, logo após a liberdade de culto aos cristãos. Esta foi construída em cima do túmulo do apóstolo Pedro, sendo um símbolo importante para a religião. (RICARDO, 2013)

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Até o fim do Renascimento e início do Iluminismo, percebe-se que, em termos de preservação, a cultura de destruição é o que predomina. Continua uma atitude ambivalente, similar à destruição praticada pela sociedade medieval sobre a cultura do império romano. Como Choay descreve, esse período é passível de se comparar com a situação contemporânea em que o embelezamento das cidades ocorrem, frequentemente, de forma aleatória e predatória. Ainda hoje, “são os empreiteiros e as construtoras, com muita frequência, os executores de vil trabalho de destruição.” (CHOAY, 2017, pág 58) Porém, entre os séculos XVIII e XIX, ocorreram grandes mudanças que modificaram esse panorama. A Revolução Francesa (1789-1799) resultou de uma crise econômica política e social, consequência direta da desigualdade típica do absolutismo francês. Apesar de ter sido marcada pela destruição em massa do patrimônio, a contribuição para a conservação destes também foi relevante, pois se deu pela instalação de uma política nacional institucionalizada e era um assunto de interesse do país. (CHOAY, 2017) Em 1789, foi realizado um dos primeiros atos jurídicos ligados à conservação dos monumentos em que os bens do clero foram transformados em bens da nação, fato que ajudou a nação a apropriar-se desses monumentos que se tornaram patrimônio do povo. Choay (2017, pág 113) afirma que “[...] indivíduos e sociedades não podem preservar e desenvolver sua identidade senão pela duração e pela memória.” Ou seja, não adianta as ações por força superior, como o tombamento, se não houver uma cultura de valorização e amor ao bem arquitetônico. Foi a partir desse pontapé inicial que começou a lenta construção do processo de conservação. Em 1793 foi escrito “A instruction sur la manière d’inventorier”*, documento que afirma os objetivos políticos e materiais da conservação reacional¹ enquanto definem as diferentes categorias de bens a serem conservados e descrevem os procedimentos técnicos próprios de cada categoria. (CHOAY, 2017) Da necessidade de catalogar os bens patrimoniais nasceu a Comissão dos Monumentos definindo as regras de gestão, incluindo a ação de tombar as diferentes categorias de bens. O primeiro Inspetor geral dos monumentos históricos da França surgiu em 1830. A comissão teve papel importante para valorização do patrimônio francês. Em 9 anos, mais de 2.000 monumentos foram tombados. Porém, havia algumas dificuldades para a realização do trabalho, como a falta de investimento, o trabalho penoso das viagens e de catalogação que resultou no sacrifício de diversos monumentos. (CHOAY, 2017) Em 1887 (complementada em 1913) surgiu a lei de criação do órgão estatal centralizado responsável pela administração e técnica chamado Serviço dos Monumentos Históricos. Tal ordenamento serviu de pivô para a legislação patrimonial ao redor do mundo. Porém, a comissão também sofreu devido ao descaso dado por parte do governo, relegada apenas ao poder consultivo e muitas vezes suas recomendações eram ignoradas. (CHOAY, 2017) Até o final da Revolução Industrial, houve diversas iniciativas à preservação, como a criação de legislações pertinentes, porém percebemos que para a formação de uma cultura é preciso que os bens sejam integrados à sociedade, apropriados pelos cidadãos, para que realmente se possa cultivar uma relação direta de afeto entre povo e arquitetura. Choay em Alegoria do Patrimônio (pág. 149), cita que “[...] mesmo combinada com medidas penais, uma lei não basta. Hoje isso é patente. A preservação dos monumentos antigos é antes de tudo uma mentalidade”. O que observamos até o momento foi o início de uma ação de conservação intencional que surgiu apenas depois de séculos praticando a destruição em detrimento das novas construções. A reutilização e reforma de elementos e edifícios preexistentes era rara e normalmente eram por motivações aleatórias. Apenas a partir da Revolução Francesa que podemos afirmar que a preservação recebeu atenção relevante. Esse movimento foi o primeiro a legislar e praticar a preservação, conservação e restauro do patrimônio nacional, servindo de base para as outras nações. * Uma instrução sobre o mentor do inventor

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Figura 9: Linha do tempo. Fonte: Elaborado pela autora, 2019.


2.2

FORMAÇÃO DE UMA CULTURA

O século XIX se iniciou a partir de grandes mudanças sociais com o Iluminismo, mudanças políticas com a Revolução Francesa e econômicas com a Revolução Industrial, dando início à Era Moderna. Nesse momento de adaptação e grandes mudanças, um evento que está muito relacionado aos progressos do campo de valorização patrimonial, emergiu: o nacionalismo. (BENEVOLO, 2001) O nacionalismo surgiu a partir da luta das Nações para se estabilizarem e unificarem como nações livres e à procura de direitos nacionais. Foi uma corrente em que vários países que estavam terminando seu processo de formação começaram a definir um conjunto de elementos que os construíssem como tal, unificando não só fisicamente, mas socialmente todo um povo. Ocorreu pela ação de políticas conservadoras, definindo elementos que os representasse no campo da música, literatura, língua, traje típico e também pela arquitetura. (WEBER, 1989) A arquitetura, seus valores estéticos, sociais, tecnológicas e histórica, desempenhou papel importante no processo de criação de uma cultura nacional, pois se tornou importante objeto de atenção política social e de identidade nacional. Tais ações resultam em questionamentos mais profundos de como preservar, utilizar e exibir os monumentos nacionais. (WEBER, 1989) O movimento nacionalista de cada país percebeu que a arquitetura greco-romana era, em sua essência, a arquitetura da Grécia e Roma então procuraram outra vertente que

representassem melhor os ideais históricos e particulares de cada nação. No século XIX esses países elencaram o que seriam os “seus” monumentos. Nesse momento se elegeu o gótico como estilo nacional de cada um desses países e o foco passou da arquitetura clássica para a gótica. Entretanto, não foi só uma troca de foco, mas uma troca de valores, pois os monumentos passaram a ser recuperados, e reutilizados desenvolvendo uma prática cultural, política e tecnológica para atuar neles. A Inglaterra também defendeu a arquitetura gótica como representante nacional. A justificativa para tal se deu pela dominação tardia do estilo italiano na arquitetura inglesa, enquanto o gótico permaneceu sendo objeto de referência para as construções. Como exemplo disto é o caso do Palácio de Westminster que em 1834 sofreu um incêndio e para a construção do novo prédio do governo (Figura 10) foi realizado um concurso onde era obrigatório a utilização do estilo neogótico. A figura 11 revela a catedral de Durham, originalmente gótica, que exibe elementos similares ao Palácio de Westminster. (BENEVOLO, 2001) Figura 11: Catedral de Durham, Inglaterra Fonte: Wikipedia, 2019.

Choay resume, assim, o sentimento nacionalista e cultural das obras medievais inglesas “Para eles, os monumentos do passado são necessários à vida do presente; não são nem ornamento aleatório, nem arcaísmo, nem meros portadores de saber e de prazer, mas parte do cotidiano.”(CHOAY, F. pág. 139) Em paralelo à Inglaterra, nasceu na Academia Francesa o ensino sobre patrimônio a partir da necessidade de atender três problemáticas principais. A primeira, observada por Vitet (18021873) e Merimée (1803-1870), lembrava que o conhecimento sobre arquitetura medieval já não era tão comum na França; apenas a Inglaterra se destacava disso. Devido à grande difusão da arquitetura greco-romana em solo frânces esse estilo era desprezado e julgado sem valor, com a consequência de grande perda de monumentos medievais e românicos. (CHOAY, 2017) A segunda problemática estava diretamente ligada à Escola de Belas Artes de Paris. O ensino não incluía o estudo sobre conservação e patrimônio; porém, em quesito de profissionais, os parisienses eram os que normalmente compunham a comissão dos monumentos, sem ter, necessariamente, o conhecimento para tal. As figuras 12 e 13 são da Abadia de SaintSavin, igreja medieval que Merimée exigiu o tombamento, porém durante o restauro ocorreu grande descaso com os afrescos preexistentes sendo desconfigurados.(CHOAY, 2017) Figura 12 e 13: Abadia de Saint-Savin, igreja medieval em Viena. Fonte: WHC Unesco, 2019.

Figura 10: Palácio de Westminster, construído nos anos de 1840 no estilo neogótico. Fonte: Wikipedia, 2019.

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A terceira, ainda muito comum na contemporaneidade, era a desvalorização da atividade profissional de consolidação e restauração de monumentos, pois não havia prestígio e era mal remunerado. (CHOAY, 2017) Nessas condições, Vivet e Merimée se viram obrigados a ministrar eles mesmos a pedagogia de ensino de início à história da arte e da construção, com enfoque na arquitetura medieval. Desde 1820 a disciplina é ofertada e, no curso do século XX foi muito mais difundida entre os países. (CHOAY, 2017)

a partir do desrespeito aos acréscimos e estabelecimento de um modelo ideal, gerou alguns problemas como o falso histórico, reconstituições fantasiosas (figuras 17 e 18) e colocava em pauta a questão de autenticidade. Viollet-Le-Duc também afirma que “admite por princípio que cada edifício ou parte de um edifício deve ser restaurado no estilo que lhe pertence, não somente como aparência, mas como estrutura” (VIOLLET LE-DUC, 2006, p. 47). É

Figura 14, 15 e 16: Várias fases da Catedral de Notre-Dame. Durante intervenção antes da construção da agulha, contemporânea, após o incêndio. Fonte: Medievalists, 2019.

1859

A intervenção de restauradores especializados nos monumentos históricos exige não apenas conhecimentos seguros, históricos, técnicos, metodológicos. Ela implica também uma doutrina que pode articular de forma muito diferente esses saberes e esses savoirfaire, modificando os objetos e a natureza da intervenção arquitetônica. (CHOAY, 2017, pág. 153)

Contemporâneo ao ensino surgiram duas doutrinas de conservação que colaboraram com a difusão dessa prática pela europa e, futuramente, pelo mundo. Na figura de ViolletLe-Duc (1814-1879), na França, e John Ruskin (1819-1900), na Inglaterra, essas doutrinas eram opostas, uma intervencionista; a outra, antiintervencionista. (CHOAY, 2017, pág. 153). Viollet-Le-Duc, arquiteto restaurador intervencionista, acreditava que “Restaurar um edifício é restituí-lo a um estado completo que pode nunca ter existido num momento dado.” (VIOLLET-LE-DUC, 2006, p. 29) Essa frase tem o poder de sintétizar seu trabalho, que procurava restabelecer os monumentos franceses, em geral igrejas e edifícios civis, a partir do “restauro estilístico” na construção e adição de elementos arquitetônicos e esculturas que não existiam antes. Ou seja, ele atuava como arquiteto do edifício, se considerando no direito de realizar modificações criadas por ele a partir de um julgamento sobre o estado original, seu restauro era à base de adições de novos elementos ou reajuste dos antigos. (OLIMPIO, 2015) Um caso conhecido é da Catedral de NotreDame, restaurada por ele em 1844-1865. Violet realizou um vasto registro dos objetos em seus estado pré-restauro, propondo e realizando diversas alterações como reestruturação dos vitrais, novas esculturas e gárgulas, substituindo às preexistentes arruinada, entre outras mudanças. Uma grande alteração realizada foi a construção de uma nova agulha neogótica (Figura 15) sobre o cruzeiro, simbolizando a antiga que foi retirada meio século antes (Figura 14). Infelizmente essa mesma torre foi destruída (Figura 16) pelo incêndio que ocorreu em abril de 2019. Sua forma de pensar o restauro do monumento,

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2016

2019


Figura 17: Castelo de Pierrefonds, França. Ruínas medievais antes da intervenção de Viollet-Le-Duc. Figura 18: Castelo de Pierrefonds, França. Depois da intervenção de reconstrução fantasiosa de Viollet-Le-Duc. Fonte: Chateau Pierrefonds, 2019.

1855

necessário lembrar seu interesse pela história da arte, das técnicas aplicadas, sua pesquisa in loco, valorização dos registros fotográficos, levantamento do histórico da preexistência e a maneira de lidar fisicamente com os monumentos que era de extremo cuidado. (CHOAY, 2017) Ao analisar o contexto que a França se inseria, onde a maioria dos monumentos estavam em estado de degradação, deterioradas e sem documentações fidedignas, percebe-se que as ações de Viollet-Le-Duc era apreciadas e justificadas mesmo que criando um falso histórico. Sua contribuição teórica publicada pode ser encontrada na Instrução técnica sobre a restauração (1849) e no Dicctionaire Raisonné del’Architecture (1854). (CHOAY, 2017) John Ruskin, crítico inglês de arte e arquitetura e pintor talentoso, defendia o oposto. Ruskin, junto de William Morris, participou do movimento Arts and Crafts que nasceu em resposta à Revolução Industrial e seu trabalho mecanizado. Se dedicaram a recapturar a qualidade de trabalho artesanal da idade média a partir do desenvolvimento de peças cotidianas e artísticas. (BRITANNICA, 2019)

2009

Sua atitude anti-intervencionista surgiu no início de sua carreira, ao publicar As Sete Lâmpadas da Arquitetura (1842), onde se posicionava contra a restauração, comparando-a com a ressucitação de um morto enquanto alertava sobre a necessidade de conservação e manutenção dos monumentos. (CHOAY, 2017; OLIMPIO, 2015) Ruskin, em seu livro, articulou sobre o restauro de monumentos que “Nós não temos o mínimo direito de fazê-lo. Eles não nos pertencem. Pertencem em parte àqueles que os edificaram, em parte ao conjunto das gerações humanas que virão depois de nós.”A marca do tempo do monumento, a pátina, também foi algo amplamente defendido por Ruskin, ao afirmar que essas marcas fazem parte da essência do monumento. (CHOAY, 2017)

Figura 19: Desenho da arquitetura gótica por John Ruskin. Fonte: Brittanica, 2019.

‘A noção de autenticidade era o elemento mais importante que um monumento poderia apresentar. Entretanto suas críticas não evoluíram para formas de intervenção, havendo pouca materialidade e aplicação da prática imediata de sua teoria. As figuras 19 e 20 são desenhos do próprio Ruskin em que percebese o conhecimento e estudo do autor sobre o assunto que, porém, não sairam do papel. (CHOAY, 2017) Figura 20: Desenho da arquitetura gótica por John Ruskin. Fonte: Brittanica, 2019.

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Camillo Boito (1836-1914), historiador, professor, arquiteto e restaurador, atuou no fim do século XIX como um intermédio entre as teorias de Viollet-Le-Duc e Ruskin, servindo de base para teoria contemporânea de restauração. (KUHL, 2016)

Figura 21: Igreja Santa Maria Assunta em Gallarate Fonte: Pinterest, 2019.

Formado no meio do século XIX em ambiente veneziano, recebeu muita influência de intelectuais empenhados no estudo da Idade Média, desenvolvendo grande interesse pelo tema. Esse estudo surgiu devido à visão da arquitetura medieval de caráter nacionalista no período de tentativas de unificação e libertação da Itália. Tendo escrito vários livros sobre a arquitetura medieval italiana, como Architettura del Medio Evo in Italia (1880). O papel deste como crítico de arte e arquitetura teve importância no problema da falta de linguagem artística própria à época. (KUHL, 2016) O início de sua carreira de restaurador foi muito influenciada pelo trabalho de Viollet-Le-Duc, porém a partir de 1880 sua posição em relação ao restauro modificou-se, dando início à teoria do restauro filológico. Este conceito dava ênfase ao valor documental da obra, evitava acréscimos e renovações, mas que, se necessaries, deveriam ter caráter diferente do original sem destoar do conjunto, devia respeitar todas as fases do monumentos e realizar registros antes depois da intervenção. Boito insiste que a conservação é imprescindível sendo obrigação da sociedade e do governo tomar as ações necessárias para conservar o bem. Afirma que o restauro é um mal necessário. (KUHL, 2016) Foi encarregado de diversos restauros como da Igreja Santa Maria Assunta (Figura 21) e da Basílica dos Santos Maria e Donato em Murano (figura 22) Sobre esta última: [...] Boito fundamentou seu trabalho em análises aprofundadas da obra, procurando apreender seus aspectos formais e técnicos-construtivos, baseado em estudo documentais e na observação, bem como em levantamentos métricos do edifício. Fez largo uso de desenhos e também de fotografias, examinando a configuração geral do complexo e seus detalhes construtivos e ornamentais. (KUHL, pág 13, 2016)

O último teórico a ser mencionado é Alois Riegl (1858-1905), historiador de arte vienense. Em 1902 foi nomeado presidente da Comissão Austríaca dos Monumentos Históricos e encarregado de criar uma nova lei de conservação dos monumentos, publicado em 1903, “O culto moderno dos monumentos”. (CHOAY, 2017) A publicação apresenta a distinção entre monumento e monumento histórico a partir da estruturação de valores “de rememoração” e “de contemporaneidade”. Riegl definiu monumento como “obra criada pela mão do homem e elaborada com o objetivo determinante de manter sempre presente na consciência das gerações futuras algumas ações humanas ou

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Figura 22: Basílica dos Santos Maria e Donato em Murano. Fonte: Pinterest, 2019.

destinos”, ou seja desde sua criação foi criado na concepção para ser marcante. (OLIMPIO, 2015) O monumento histórico, no entanto, pode ser um edifício do cotidiano, que não foi criado necessariamente para ser marcante, mas que se tornou um símbolo para a sociedade em que está inserida. (CHOAY, 2017) Os valores de rememoração, ligados ao passado, são de memória, história e história da arte e de ancianidade, recordando principalmente os ideais estéticos e artísticos de monumentos da antiguidade. Os valores de contemporaneidade são relativos às qualidades artísticas e de uso. (CHOAY, 2017) O valor de uso merece destaque, pois a partir da ausência do uso, o monumento se classifica como ruína, sem ser possível se realizar qualquer projeto de restauro, apenas conservando-a como ruína fundamentalmente no valor de ancianidade. (CHOAY, 2017) Pelo que foi dito, fica claro que foi no século XIX que uma política e um sentimento pela preservação se consolidou e a partir do nacionalismo se deu a formação de uma cultura, pois puderam surgir as teorias, práticas e legislações que embasaram a conservação

dos monumentos, se tornando um assunto amplamente conhecido e difundido nas nações. O século XX já inicia com essa base de ações, sempre com a possibilidade de crescimento. A partir de novos teóricos, como Gustavo Giovannoni (1873-1947) e Cesare Brandi (19061989), e das Cartas Patrimoniais essa cultura permaneceu e prosperou no século XX.


2.3

Mapa 01: Poligonal de tombamento do Centro Histórico de São Luís. Fonte: IPHAN, 2019.

CARTAS

No século XX, surgiram as cartas patrimoniais, instrumentos teóricos que servem de orientação para as legislações referente ao tombamento e intervenções no patrimônio, porém não são leis. São métodos e ações que podem ser adotadas ou não. A primeira carta criada foi a Carta de Atenas de 1933. É uma espécie de bíblia do movimento modernista sobre a cidade definindo que os seres humanos têm quatro necessidades básicas: habitar, trabalhar, recrear-se e circular; e, portanto, a cidade deve ser funcionalmente zoneada a partir disso. A carta afirma que o monumento é o que melhor representa a “alma” da cidade, suas características particulares e “personalidade própria,” e sua função urbana é corporificar a identidade e memória urbana. Esta é a principal das cartas patrimoniais que rege o pensamento e a ação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). (KOHLER, 2009) A Carta de Veneza, de 1964, é importante ao ampliar a ideia de patrimônio cultural do edifício isolado para o conjunto urbano, a ideia já teorizada por Gustavo Giovannoni mas pela primeira vez inseridas no instrumentos. Criou base para início de tombamentos de grandes áreas e conjuntos urbanos como São Luís (Mapa 01), Salvador, Olinda, entre outros. A Carta também definiu instrumentos relativos às intervenções influenciadas pelo pensamento de Cesare Brandi (KOHLER, 2009) As Normas de Quito, de 1967, surgiram da necessidade de conciliar as exigências do progresso urbano com a salvaguarda dos valores ambientais. Elas focam na utilização do patrimônio monumental como ferramenta de desenvolvimento econômico, ou seja, a partir do desenvolvimento do turismo. Deixa de considerar a iniciativa privada como algo negativo mas utiliza-se dela para desenvolvimento racional e harmonioso da cidade. (KOHLER, 2009)

A Carta Italiana de Restauro, 1972, constitui-se de diretrizes e instruções para intervenção de conjuntos históricos, edificações, pinturas, achados arqueológicos, entre outros. Sua novidade é propor a diferença entre conservação e restauro, no qual a primeira é a manutenção da condição física do bem sem reconstrução, sem a retirada ou manipulação de partes, é praticamente apenas a conservação do estado atual do bem, como as figuras 23 e 24 exemplificam. Já o restauro implica uma intervenção na estrutura existente, a complementação e reorganização de partes, determina algumas proibições e permissões, assegurando que a intervenção seja reversível e não inviabilizando outra eventual intervenção, como nas figuras 25 e 26 da intervenção do Museu do Pão. Elencou o restauro como última alternativa após obras de manutenção e pequenas intervenções se tornarem ineficazes. (CURY, 2004) A Carta de Burra, de 1980, criado pela ICOMOS, International Council on Monuments and Sites,

Figura 24: Detalhe da pintura depois de restaurada. Percebe-se que a pintura não foi muito alterada, ainda com muitas áreas incompletas pois o profissional não tinha como intervir em algo que ele não continha informações sobre, preferindo manter o desgaste. Suas ações serviram porém retornar o quadro à um estado íntegro e autêntico. Fonte: Arthive, 2019.

Figuras 25 e 26: Museu do Pão, em Ilópolis (RS). Antiga fábrica de pão foi restaurada, preservando sua construção preexistente enquanto um anexo foi construído, de caráter diverso porém ainda mantendo uma relação de respeito a partir de elementos e de suas dimensões. Fonte: Archdaily, 2019.

Figura 23: Anunciação de Messina em seu estado pré-restauro. Fonte: Arthive, 2019.

Em outras palavras, trata-se de incorporar a um potencial econômico um valor atual: de pôr em produtividade uma riqueza inexplorada, mediante um processo de revalorização que, longe de diminuir sua significação puramente histórica ou artística, a enriquece, passando-a do domínio exclusivo de minorias eruditas ao conhecimento e fruição de maiorias populares. (CURY, 2004, p. 111)

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ampliou para cinco os processos de atuação no patrimônio: conservação, preservação, restauração, reconstrução e adaptação. Devido à riqueza de definições e a certo sombreamento com definições anteriores, convém explicar melhor as definições de Burra. O artigo 2 da Carta diz que “O objetivo da conservação é preservar a significação cultural de um bem; ela deve implicar medidas de segurança e manutenção, assim como disposições que prevejam sua futura destinação.”(CARTA DE BURRA, pág. 2, 1980). Ou seja, não é uma questão de interferir fisicamente no bem mas é de definir sua importância cultural, separá-los de outros bens que não possuem a relevância necessária de conservação, neste caso ele é uma ferramenta teórica, acadêmica. Podemos ilustrar usando exemplares de arquitetura neoclássica em Fortaleza, o Museu do Ceará e a Reitoria da UFC. O Museu está inserido numa dimensão cultural mais importante, faz parte do movimento neoclássico original; tendo sido construído entre 1856 e 1870, tem uma longa história de ocupação civil e política dentro da cidade; enquanto a reitoria é um prédio eclético moderno, que simula um neo classicismo de fachada onde o concreto já estava presente portanto possui um significado cultural menor Já a preservação se limita “[...] à proteção, à manutenção e à eventual estabilização da substância existente. Não poderão ser admitidas técnicas de estabilização que destruam a significação cultural do bem.” (CARTA DE BURRA, artigo 12, pág. 3, 1980). Entende-se nesse caso que preservar é algo menos invasiva que restaurar e se limita a garantir a integridade física e evitar a destruição do edifício como exemplificado numa ruína presente no centro histórico de São Luís que ainda existe devido ao apoio externo de sua fachada (Figura 27). Figuras 27: Ruínas em São Luís (MA). Fonte: Autora, 2018

O terceiro item, restauração é definido nos artigos 13, 14 e 16 e indica que ela: “só pode ser efetivada se existirem dados suficientes que testemunhem um estado anterior da substância do bem e se o restabelecimento desse estado conduzir a uma valorização da significação cultural do referido bem. [...] Artigo 14 - [...] Ela se baseia no princípio do respeito ao conjunto de testemunhos disponíveis, sejam materiais, documentais ou outros, e deve parar onde começa a hipótese. [...] Artigo 16 - As contribuições de todas as épocas deverão ser respeitadas. [...]” (CARTA DE BURRA, pág. 3, 1980)

Nesse sentido restauração se assemelha com o que anteriormente foi definido como restauro, mas a Carta de Burra indica uma dimensão nova, as alterações e complementações só poderão ser feitas a partir de um estudo de sua história e contemplam a multivariedade que existe no monumento, pois muitos deles sofreram intervenções ao longo do século, muitas delas válidas, e o restauro se encaixa em mais um momento dessa história. É bom lembrar a atuação de Viollet-Le-Duc que frequentemente eliminava os acréscimos na tentativa de refazer um monumento ideal (figuras 17 e 18). Quanto ao item reconstrução ele: deve se limitar à colocação de elementos destinados a completar uma entidade desfalcada e não deve significar a construção de maior parte da substância de um bem. Artigo 19 - A reconstrução deve se limitar à reprodução de substâncias cujas características são conhecidas graças aos testemunhos materiais e/ou documentais. As partes reconstruídas poder ser distinguidas quando examinadas de perto. “(CARTA DE BURRA, pág. 4, 1980).

Há inúmeros caso locais, nacionais e internacionais de adaptações bemsucedidas como o SESC Pompéia (figuras 30 e 31). É exatamente na atuação no campo da adaptação que esta pesquisa irá se desenvolver objetivando requalificar uma substância modernista de grande valor de Fortaleza.

Figuras 28 e 29: Diferença entre essas duas intervenções reconstruídas. O Templo grego foi reconstruído com peças apenas onde era preciso para manter sua estrutura, elementos muito grandes não foram substituídos, além de que foi utilizado um material distinto e que não recebeu acabamento para igualar o novo ao antigo. Enquanto o Museu da Indústria teve sua reconstituição escondida por um acabamento que unificasse a fachada, negando o fato que houve necessidade de reconstrução.

Um exemplar disso na cidade de Fortaleza, é a reconstrução que ocorreu no Museu da Indústria, onde uma pequena parte de sua fachada estava destruída e foi decidido que sua reconstrução seria o melhor caminho pois havia documentação e a certeza de como era antes (figura 28 e 29). E por fim, a quinta prática comentada é a “adaptação” definida no artigo 20 que “só pode ser tolerada na medida em que represente o único meio de conservar o bem e não acarrete prejuízo sério a sua significação cultural” (CARTA DE BURRA, pág. 4, 1980) De todas as premissas elencadas pela Carta de Burra a adaptação é a mais totalizante porque pode englobar cada uma ou todas as outras ações. A adaptação é uma das ferramentas arquitetônicas de grande importância no contexto urbano moderno. Ela diz respeito à requalificação de edifícios no seu contexto urbano e social. Construções que serão revitalizadas, trazidas novamente ao uso humano, acolhendo novas atividades, muitas vezes bem distantes daquelas para quais foi construída, estão relacionadas às questões de

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história e identidade da cidade e de um povo, diferenciando-as e tornando-as atraentes para atividades sociais e econômicas como o turismo. Nesse sentido requer muita sensibilidade social, arquitetônica e tecnológica para que essa adaptação seja bem sucedida.

Fonte: Thinglike, 2018.

Fonte: Museu da Indústria, 2018.


Figura 30: Área externa do SESC Pompéia. Fonte: Autora, 2019

Figura 31: Área interna do SESC Pompéia Fonte: Autora, 2019

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2.4

A PRÁTICA DA REUTILIZAÇÃO

“O patrimônio é constituído de bens únicos [...] raros e típicos.” Essa frase de Benhamou resume a importância de se preservar a cultura pois aquele edifício conta um pouco da história local do ambiente de seu entorno. O bem material não seria o mesmo caso não houvesse uma carga do valor imaterial por trás, dando-lhe sentido. A partir de intervenções, a capacidade de um bem para atrair turismo e empresas de serviços aumenta. Há dois caminhos distintos para isso acontecer: através de projetos de conservação (manter e preservar, facilitando o acesso) e através de projetos desenvolvimentistas (valorizar através da transformação). (BENHAMOU,2016) O valor mercantil de um bem é colocado em pauta na prática de reutilização dos mesmos, podendo ser transformados em uma gama de usos diversos. Entretanto, após tomadas ações para preservação e reintegração do bem no meio urbano, há vantagens econômicas a ser tiradas disso. O bem, se público, deve ser, ele mesmo, gerador de economia. Pois o patrimônio requer um retorno muito grande financeiro para seus custos de manutenção e reabilitação. (BENHAMOU,2016) Os custo vão além da preservação, como trabalho qualificado, utilização de materiais raros e caros, demanda de tempo para projeto, entre outros. Porém são financiados de diversas maneiras, tais como “bilheteria, locação de espaços, produtos derivados, valorização das marcas, captação de recursos, venda dos serviços patrimoniais.” (BENHAMOU, pág. 55, 2016) Os usos culturais, mais comumente adotados, são ditos de pouca rentabilidade, porém quando incluso na comunidade de forma interativa e sensível, é possível que este se torne um marco do bairro e da cidade, criando uma relação de afeto, inexistente quando o edifício era fechado. “Pois salvar um edifício significa também trazer-lhe vida nova”. Projetos de adaptação de imóveis patrimoniais apresentam uma diversidade de desafios, como a adaptação destes às leis de incêndio, de acessibilidade, adaptação elétrica e a transformação para usos contemporâneos e relevantes, que caso seja feita de forma inadequada, pode acarretar numa perda gigantesca. (BENHAMOU,2016) A reutilização, que consiste em reintegrar um edifício desativado a um uso normal, subtraílo a um destino de museu, é certamente a forma mais paradoxal, audaciosa e difícil da valorização do patrimônio. [...] dar-lho uma nova destinação é uma operação difícil e complexa, que não deve se basear apenas em uma homologia com sua destinação original. Ela deve, antes de mais nada, levar em conta o estado material do edifício, o que requer uma avaliação do fluxo dos usuários potenciais. (CHOAY, 2017, pág. 219)

Além das especificidades técnicas, é necessário tato ao registrar o contexto histórico do monumento, suas diversas fases são importantes e não devem ser ignoradas. Quanto melhor coletado o inventário histórico, mais fácil é de respeitar seu valor patrimonial ao intervir. Ao decidir abrir um monumento à sociedade, transformá-lo em objeto público e turístico, percebe-se que há vantagens e desvantagens. Há sempre a possibilidade de que o custo-benefício seja negativo; não haja retorno necessário; que a comunidade não abrace o bem como esperado; ou que ocorra a gentrificação do bairro, entre outras problemáticas. Porém, as vantagens ainda parecem ser mais relevantes do que as desvantagens: os imóveis próximos são beneficiados com tombamento ou revitalização do bem; a criação de um bem público que desempenhe função social, política e econômica no bairro; uma maior visibilidade do bairro ao conter um bem turístico, fomentando a economia local; valorização do contexto local ao abrir o bem, e toda a sua história, à cidade. Sempre haverá um risco ao trabalhar com bens históricos, é preciso muito cuidado para saber valorizálos porém, percebe-se que com estudos, diagnósticos, criatividade, embasamento teórico patrimonial e programa de necessidades adequado, é viável e de extrema importância.

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O Modernismo


3.1

BRASILEIRO Dentro do que foi mostrado no capítulo anterior, existem certos monumentos que têm uma predisposição física (pela sua localização, tamanho, etc) e histórica (representam momentos históricos, políticos e sociais) potencialmente rica quanto ao processo de adaptação, e podem ser mais do que um monumento histórico e voltarem a ser parte viva da cidade. A questão da avaliação da significância do edifício parece ser crucial para a conservação da arquitetura de nosso passado recente, não apenas para aqueles envolvidos com a conservação de grandes obras-primas, mas também para aqueles que lidam com os edifícios modernos no dia a dia. Já que os valores da arquitetura moderna ainda não estão claramente reconhecidos pela sociedade, essas incertezas são aparentes no resultado das intervenções. Programas educacionais

e

campanhas

públicas

fazem-se necessários para se conseguir a

momentos econômicos, sociais, tecnológicos patrimonialmente relevantes à população, como o Ministério da Educação e Saúde na figura 32, tendo características suficientes para “merecer” conservação.

derivado da Escola Carioca. Obras de Liberal de Castro e Neudson Braga, na década de 60, exemplificam o caráter modernista carioca que apareceu na cidade, como na figura 36 com o Palácio do Progresso. (BOAVENTURA, 2015)

O Modernismo no Ceará teve seu início na Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Ceará que em 1965 foi inaugurada. Esta serviu para introduzir a arquitetura moderna em Fortaleza. Os profissionais convidados como primeiros professores da escola eram todos formados pelas escolas modernas do Rio de Janeiro, São Paulo e na faculdade de Recife, “trazem o debate sobre a arquitetura e o urbanismo modernos praticados naqueles centros” (NETO ,FERNANDES, NASCIMENTO, ANDRADE E DIÓGENES, 2010, p.5).

Porém, a partir de 1967, essa prática foi desenvolvendo uma sensibilidade brutalista. Nos anos 70 na personalidade de Roberto Castelo, José da Rocha Furtado e Marrocos Aragão, arquitetos de uma geração mais nova, impulsionaram essa diferente vertente do modernismo no estado, que foi amplamente utilizado em Fortaleza, de residências à rodoviárias (figura 37) tornando-se prática característica da arquitetura local nos anos 70 e 80. (BOAVENTURA, 2015) Um desses arquitetos que impulsionaram o modernismo em Fortaleza, tanto em seu momento carioca quanto em seu momento brutalista, foi Acácio Gil Borsoi (1924-2009), arquiteto a ser estudado neste projeto de pesquisa.

Os arquitetos do Ceará, principalmente em Fortaleza, estavam comprometidos com a aplicação do modernismo, principalmente o Figura 33 e 34: O Palácio dos Exportadores (1967) exemplifica o primeiro momento modernista com a grande variedade de materiais e painéis decorativos. Enquanto o Terminal Rodoviário Engenheiro João Tomé (1973) é tão somente um modelo de concreto repetido. Fonte: Fortaleza em fotos, 2019.

conscientização de uma sociedade sobre a necessidade de se protegerem essas obras. (MOREIRA, 2010, p. 156)

Normalmente, o senso comum relaciona os prédios a serem preservados com o estilos antigos, historicistas, com muita decoração aplicada e tendem a desprezar os prédios modernos como dignos de preservação. Mas a arquitetura moderna, que já têm 100 anos, construiu um conjunto de edifícios e intervenções urbanas, que refletem Figura 32: Ministério da Educação e Saúde. Fonte: Archdaily, 2019

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3.2

O ARQUITETO

Arquiteto carioca, formado no Rio de Janeiro, Acácio Gil Borsoi fixou-se em Recife a partir de 1950 e teve papel relevante na difusão da prática em outras cidades do Nordeste, como João Pessoa, Maceió e Teresina. Borsoi iniciou suas obras em Fortaleza com um caráter diverso dos arquitetos cearenses, pois enquanto estes atuavam em edifícios públicos devido à diversas dificuldades, ele atuavam em residências unifamiliares como arquiteto convidado. O projeto da residência de José Macêdo (1956) “se deu pela notoriedade e prestígio que já gozava na capital pernambucana à época”(DIÓGENES, PAIVA, 2008). Devido ao tipo de clientela, Borsoi conseguia construir independente dos custos, viabilizando inovações e experiências técnicoconstrutivas aliados ao seu talento.

Figura 35: Fachada da Residência J. Macedo. Fonte: Acaciogilborsoi, 2019

Figura 36: Fachada da Residência J. Macedo.. Fonte: Acaciogilborsoi, 2019

O primeiro projeto realizado, como mencionado, foi a residência de José Macêdo (figuras 35 e 36), um marco na produção modernista de residências e possui características que evidenciam as primeiras influências do arquiteto, a Escola Carioca. Segundo Borsoi: “A ordem compositiva se ajusta a liberdade gerada pelos espaços abertos, terraços sombreados e pátios de convivência e lazer.” Outra residência também pertencente a família Macedo foi a do Sr. Fernando Dias Macedo (1962), era um imóvel de 1.000m² que ocupava todo o quarteirão. Estas duas casas possuíam características peculiares que remetiam ao modernismo carioca: separação em blocos conformes as funções, os diversos níveis e materiais de acabamentos como cerâmica e concreto aparente. (DIÓGENES, PAIVA, 2008) Ambas residências se encontravam no bairro Aldeota, zona de alta valorização imobiliária e de vocação comercial. Por essas duas razões as duas tiveram seu fim prematuro, nos anos 90, após anos servindo como residência, sendo demolidas em detrimento de novas, maiores e mais rentáveis, construções contemporâneas. A residência J. Macedo, na Rua Tibúrcio Cavalcante, hoje é sede do edifício Mansão Macedo; a residência de Fernando Macedo deu lugar para o Shopping Del Paseo, na Avenida Santos Dumont. (DIÓGENES, PAIVA, 2008) Além de projetos unifamiliares, Acácio projetou

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Figura 37: Edifício Granville. Fonte:OPOVO, 2019

Figura 38: Edifício Juan Miró. Fonte: OPOVO, 2019


edifícios multifamiliares em Fortaleza, como o Edifício Granville (1977), figura 38, e o Edifício Juan Miró (1984), figura 39, e obras públicas como o Edifício-sede do Ministério da Fazenda (1975). O Edifício-sede do Ministério da Fazenda (figura 39 e 40) garantiu uma maior visibilidade das obras do arquiteto em Fortaleza devido seu caráter público e é a obra mais emblemática do arquiteto na cidade. Diogénes e Paiva (2008) afirmam que:

Figura 39 e 40: Ministério da Fazenda. Fonte: Archdaily, 2019

No que se refere ao projeto de arquitetura propriamente dito, pode-se afirmar que Borsoi contribuiu indiscutivelmente para a cultura projetual local, introduzindo novas práticas de concepção, representação e gestão do projeto. O arquiteto foi responsável pelo e

gerenciamento, adequação

dos

compatibilização diversos

projetos

complementares ao projeto arquitetônico, o que não occorria até então na Cidade. Esta condição de direção privilegiava a figura do arquiteto como maestro do processo de produção da obra, aumentando e exigindo a responsabilidade do profissional junto ao projeto e à construção, constituindo uma verdadeira lição e exemplo de como deve se dar o processo projeto-construção.

A obra de Borsoi é incluída no acervo moderno da cidade de Fortaleza que está cada vez menor, principalmente em relação à residências unifamiliares. Este conjunto é de excelente qualidade técnico-construtiva, social e histórica, digna de ser preservada mais está desaparecendo sem nenhum registro específico face à dinamização urbana e imobiliária. Porém, há ainda um exemplar significante no bairro Aldeota que merece ser lembrada e colocada em destaque. A Residência Benedito Macedo e seu anexo.

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3.3

Figura 41: Implantação da Residência Benedito Macedo. Fonte: Casa cor 2018, adaptado pela autora, 2019.

A CASA

A residência Benedito Macedo e seu anexo foram construídos para a Família Macêdo e é um importante exemplar brutalista residencial e comercial da cidade de Fortaleza. A residência, destacada em bege na figura 41, foi a primeira parte do complexo construída, em 1968. Possui aproximadamente 1.000m² e ocupa toda uma quadra do bairro Aldeota, em Fortaleza. A casa está implantada no centro do lote, com acesso pela Rua Marcos Macêdo. Toda a sua área social e íntima é voltada para o nascente (Rua Visconde de Mauá). É formado por dois blocos funcionais que se interligam por interseções. Esses são classificados dentro do “código estruturalista”:

Figura 42: Área íntima da residência. Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019.

Os projetos do código estruturalista se caracterizam pela ênfase dos elementos construtivos,

pela

expressão

plástica

desenvolvida a partir da exposição da técnica construtiva. Em muitos projetos, a técnica construtiva é deixada aparente, em especial com o uso do concreto e do tijolo cerâmico (AMARAL, 2004, p.93 e 94).

Sua estrutura exposta é característica deste código estruturalista e também do movimento moderno brutalista, o caráter único da obra está nos formatos que essas estruturas possuem. Nas figuras 43 e 44 podemos ver a laje jangada e a viga abobadada que desenham e dão forma à casa. Figura 43: Estrutura curva aparente. Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019.

34

Figura 44: Estrutura curva aparente. Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019.


Com dois pavimentos, subsolo e térreo, este “[...] possui volumetria horizontal (figuras 45 e 46) e se destaca de forma imponente, por sua implantação, tessitura urbana”. (DIÓGENES, PAIVA, 2008, p. 9). Outra característica interessante do projeto de Borsoi é a consciência do lugar, ou seja, a percepção que o arquiteto teve ao propor elementos que se enquadram com o local promovendo “[...] a identidade por intermédio da valorização da tradição cultural do Nordeste” (DIÓGENES, PAIVA, 2008, p. 10). Isto é perceptível na presença de varandas (figura 42 46 e 47), generosas áreas sombreadas, utilização de cobogós, brises (figura 47), emprego da madeira e da pedra.

Figura 46: Horizontalidade da casa. Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019.

Figura 45: Horizontalidade da casa. Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019.

Figura 47: Varanda da área íntima. Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019.

Figura 48: Brises em concreto. Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019.

35


No final dos anos 1970 houve a necessidade de adição de uma área comercial pois esta construção se tornou a sede do Grupo Empresarial J. Macedo. Um outro bloco foi projetado, em 1978, dentro do terreno, com três pavimentos e pilotis, ocupando a face oeste do terreno (Rua Osvaldo Cruz). Este também foi projetado por Acácio Gil Borsoi seguindo a mesma prática previamente utilizada para a residência, respeitando e sendo incluído no conjunto como um todo, a maior diferença está na sua verticalização. (DIÓGENES, PAIVA, 2008) O anexo apresenta elementos similares das da residência, como a estrutura de concreto aparente, vedação com o tijolinho vermelho, vigas curvas em abóbadas (figura 50). Porém, devido à seu uso diverso, apresenta algumas características que são específicas a essa construção. O térreo apresenta diversos níveis, devido ao desnível do terreno; a entrada pela Rua Osvaldo Cruz é marcada pela presença de pilotis que convidam o público a adentrar no edifício; internamente os andares não possuem divisões, são plantas livres (figura 51), característica de edifícios comerciais; a fachada, muito minimalista, é formada pela repetição de módulos formados por uma janela quadrada e peitoril de concreto, emoldurada por paredes de tijolo (figura 49); projetado pelo arquiteto, as janelas abrem com rotação pivotante horizontal, são hermeticamente fechadas, com vidro duplo e com proteção solar (persiana) interna aos vidros (figura 52).

Figura 50: Estrutura curva aparente do prédio. Similar às vigas da casa. Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019.

Figura 51: Pavimentos com planta livre. Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019.

Figura 49: Módulo da fachada. Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019.

Figura 52: Módulos das janelas.. Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019.

36


Ainda existem outras singularidades no complexo que merecem destaque. A caixa d’água (figura 53) é um elemento vertical que é facilmente identificável, sua forma curva e angulada se destaca contra a paisagem horizontal da casa e retangular do anexo. A presença da arquiteta Janete Costa (19322008) para realizar o projeto de interiores do complexo foi imprescindível. Pois ela soube unir as artes aplicadas à arquitetura existente, com painéis, vitrais, esculturas, entre outros. Diogénes e Paiva afirmam que a “síntese entre a arquitetura e as artes aplicadas agrega significativo valor estético à obra”. Figura 53: Caixa d’água Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019.

O último destaque do conjunto aqui mencionado são os jardins de Burle Marx (19091994). A intervenção de Burle Marx nesse projeto pode ser considerada a “primeira experiência erudita no campo do paisagismo em Fortaleza” mesmo que restringido ao ambiente privado. Diogénes e Paiva descrevem o projeto: Com desenho elaborado, os canteiros sinuosos, a paginação do piso, os espelhos d’água, a criação de elevações na topografia e a vegetação que compõem o projeto são concebidos de forma a por em evidência a arquitetura da residência. A associação de linhas curvas e retas dos canteiros e espelhos d’água contrapõem-se à ortogonalidade predominante da edificação, procedimento

O complexo foi sede do grupo J. Macedo por muitos anos porém atualmente encontra-se sem uso e a família não estima qual será o destino para o futuro. Nos últimos dez anos teve uso ocasional com o evento Casa Cor Ceará no ano de 2009, 2018 e também em 2019, porém este evento sempre é predatório à conservação da casa considerando que as obras acabam por danificar os pisos, esquadrias, revestimentos originais da casa e do seu anexo. A figura 58 mostra uma esquadria modificada e com estrutura danificada. Figura 57: Exposição UNIFOR na Casa Cor Ceará 2018. Fonte: Ares Soares, 2018.

adotado com freqüência pelo paisagista na maioria de seus projetos (DIOGENES E PAIVA, 2007, p. 4)

Figura 55: Desenho do paisagismo original. Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019.

Figura 58: Retirada de esquadrias originais durante as obras da Casa Cor Ceará 2019. Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019.

Figura 54: Escultura do artista cearense Sérvulo Esmeraldo. Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019.

Figura 56: Estado do espelho d’água em 2009. Fonte: Acervo pessoal de Fernanda Rocha, 2019.

É nesse contexto de preservação e requalificação de um imóvel importante em termo arquitetônicos e históricos para cidade que se insere o projeto deste trabalho de conclusão de curso. Desenvolver uma requalificação do prédio anexo da residência, mantendo, conservando e adaptando o imóvel à usos contemporâneos, ressignificando-o e integrando-o ao bairro, oferecendo os magníficos jardins de Burle Marx para uso da população suprindo uma necessidade de atividades de lazer públicas, enquanto utilizamse de uma verdadeira jóia modernista da cidade.

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Projetos com Alma



4.1

SESC POMPEIA

Situado na Rua Cléia, número 93, no Bairro Vila Pompeia, na Zona Oeste de São Paulo, o SESC Pompeia foi inaugurado em 1982. O projeto de restauro da antiga fábrica de tambores foi de responsabilidade da arquiteta Lina Bo Bardi (1914-1992). Em 2015 sofreu tombamento nacional (IPHAN) por ser considerado marco da arquitetura brasileira e por seus valores técnicas e estéticos. O bairro Vila Pompeia era de início um local de chácaras e sítios, porém ao longo do anos se instalaram diversas indústrias na região, se tornando um bairro operário. A fábrica de tambores foi construída neste contexto, no século XIX, por François Hennebique (1842-1921). (SESC, 2013) Figuras 59, 60 e 61: Localizações da cidade de São Paulo, em seguida o Bairro Pompeia e por último o prórpio Sesc Pompeia. Fonte:Google Earth, editado pela autora, 2019.

Figura 62: Vista aérea geral da Fábrica da Pompéia antes da reforma. Fonte:Peter Sheier, 1979,.

Figura 63: Planta baixa atual do Sesc Pompeia. Fonte:Archdaily 2013 e adaptado pela autora, 2019.

Na década de 70 a fábrica estava inutilizada e não havia mais necessidade do uso industrial. O bairro já passava por mudanças e nesse contexto o grupo Serviço Social do Comércio (SESC) resolveu então comprar o terreno e construir uma de suas novas sedes, convidando a arquiteta Lina Bo Bardi para o realizar o restauro. O projeto resultou no Centro Cultural Pompéia que não só requalificou os prédios existentes (blocos 1, 2, 3, 4 e 5 da figura 63) como também projetou um novo grandioso bloco desportivo (blocos 6 e 7 da figura 63) concluído em 1982. (SESC, 2013) O projeto da fábrica seguia uma prática comum de construção industrial, composta de galpões com planta livre, pé direito alto, uso do concreto armado. Os galpões tem formato horizontal no sentido norte-sul. O terreno (figura 63) é formado por três partes, duas áreas reservadas aos blocos de galpões que é separado por uma rua interna, usada como acesso de carga e descarga O sistema estrutural utilizado por Hennebique foi o concreto armado, porém não do formato usual de pilar-viga. Por ser pioneiro na construção com

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esse material, ele instalou a estrutura com um novo método de organização dos elementos estruturais que integra os elementos verticais e horizontais, transformando-as num elemento estrutural monolítico (figura 64). A fábrica é possivelmente um dos únicos locais no Brasil com tal estrutura presente. Para completar suas características, a partir da necessidade de melhor iluminação e ventilação, o telhado (figura 64) possui um shed, com esquadrias de vidro e telhado cerâmico. (SESC, 2013) Figura 64: Vista interna de galpão da fábrica Pompéia. Fonte: Sesc Pompeia, 2019.

Figura 65: Vista externa de galpões da fábrica Pompéia. Fonte: Sesc Pompeia, 2019.

A arquiteta Lina Bo Bardi já havia realizado projetos de conservação e restauração em Salvador, como o Solar da Unhão, projetos de casarões no Pelourinho, entre outros. Em toda sua atuação como arquiteta, Lina procurou: [...] construir projetos que criavam espaços para convívio, palco de disputas e entendimentos, e produção de conhecimento onde cada um pode estabelecer para si o significado das experiências ali vivenciadas. (FERRAZ, 2013).

O partido estilístico do restauro se assemelha muito à teoria de Camillo Boito ao respeitar a obra preexistente, enquanto o projeto novo diferencia-se do original. O primeiro passo da arquiteta foi decidir por deixar toda a estrutura da fábrica exposta, em tributo a François Hennebique. Ao mesmo tempo, ela locou novas estruturas metálicas, destacadas na cor vermelha, cor muito utilizada por Lina em seus diversos projetos e elencada como cor de destaque dos novos elementos (Figura 67). Pela mudança drástica de uso, algumas adaptações ocorreram para a melhor funcionalidade do centro. A construção de mobiliário adequado, criação de um teatro, cozinhas, restaurante, entre outros. A planta livre (blocos 1, 2, 3, 4 e 5 da figura 63) dos galpões permitiram que essa mudança ocorresse de forma mais suave, pois os novos usos foram sendo incluídos sem precisar modificar a estrutura da fábrica. Todas as adições seguiram um padrão estilístico, com uso de materiais que se assemelhavam aos da fábrica mas de maneira distinta como a bancada de concreto da figura 66. Algumas intervenções pontuais foram realizadas, como o rasgo no piso para locação de um pequeno “riacho” (figura 67). Figura 66: Construção de mobiliário adaptado para a fábrica em vista os novos usos. A foto apresenta o balcão que une a cantina ao restaurante. Fonte: Arquivo pessoal, 2019.

Figura 67: Intervenção de Lina Bo Bardi no piso da fábrica. Fonte: Arquivo pessoal, 2019.

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O projeto de restauro também teve a construção de dois anexos desportivos, de concreto armado aparente, derivado da prática brutalista contemporânea da época. São três elementos de concreto verticais, um sendo o maior gabarito do terreno, com 70 metros de altura. A caixa d’água é um destaque no conjunto, a marca das formas usadas na concretagem permaneceram se assemelhando a uma renda. Os outros dois edifícios, relativamente mais baixos que a caixa d’água, são também marcos visuais, se destacando consideravelmente sobre a fábrica. Na figura 69 atesta-se que os volumes são de concreto armado exposto, conectados por passarelas, também de concreto, e são marcados visualmente pelas esquadrias vermelhas, vazadas e de tamanhos irregulares que mimetizam aberturas de cavernas. Figura 68: Planta aproximada dos anexos. Fonte:Archdaily 2013 e adaptado pela autora, 2019.

Figura 69: Vista dos anexos. Fonte: INFOARTsp, 2019.

O conjunto funciona como um todo, apesar da “brutalidade” das soluções, o ambiente é extremamente acolhedor porque foi feito a partir das necessidade sociais. Este é um local que permeia entre o público-privado de uma forma muito sútil, a começar pela sua rua interna (figura 70) que servia de acesso à fábrica agora transformada numa rua pedonal, central, que dá fácil acesso à todos os galpões e seus programas variados. Nessa ruela adicionou-se canaletas pluviais (figura 71) margeando-a, revestidas de seixos rolados que, quando chove, formam pequenos rios e pontes, criando caráter poético à rua. (SESC, 2013) Além disso, Lina Bo Bardi acreditava que o papel do arquiteto estava em projetar até o mínimo detalhe de uma construção, inclusive a ambientação e seu mobiliário. Para ela, “os espaços do Pompéia deveriam ser democráticos e acessíveis, realizados em materiais resistentes e de fácil manutenção”. Um desses espaços é a comedoria, espaço que poderia ser ordinário, é parte do programa do SESC de promover melhores condições de vida para a população da área ao oferecer serviços de alimentação de qualidade e mais baratas. O funcionamento diário do restaurante promove muita movimentação no centro, e influencia o público a participar de mais ações, atividades e oficinas do complexo. A comedoria foi incluída em um dos galpões, bem perto da entrada, é marcado pelas mesas coletivas (figura 72), inspiradas em mesas de tabernas europeias, que estimulam os encontros. (SESC, 2013) Figura 70:Ruela principal. Fonte: Arquivo pessoal, 2019.

Figura 71: Canaletas pluviais. Fonte: Arquivo pessoal, 2019.

Figura 72: Mesas coletivas Fonte: SESC, 2019.

Para Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo, existem duas razões para o SESC Pompéia ter grande aceitação. “A primeira é sua extensa programação cultural, com espetáculos, eventos e exposições de grande ressonância na vida da cidade e mesmo do país. A outra é sua arquitetura, tanto pelo que representa em termos de memória industrial preservada, quanto pelas engenhosas soluções de restauro, reciclagem e novas intervenções feitas por Lina Bo Bardi”. A afirmação de Miranda justifica a credibilidade que esse complexo tem como lugar, espaço utilizado socialmente e culturalmente, este possui valor agregado pela sua arquitetura e pelo seu uso. Além da forma, são por essas características sociais que SESC Pompéia serve de referência para o atual projeto, com inserção social no edifício e com o entorno. (SESC, 2013)

42


4.2

HOTEL MAJESTIC | CASA DE CULTURA MÁRIO QUINTANA

Por volta de 1910 a 1930, ocorreram em Porto Alegre as primeiras fases do processo de verticalização, fenômeno que começou no centro da cidade. Foi nesse contexto que o Hotel Majestic foi projetado e construído. Localizado na Travessa Araújo Ribeiro, no bairro Cidade Baixa de Porto Alegre foi idealizado pelo empresário Horácio de Carvalho e projetado por Theo Wiederspahn (18781952), arquiteto conhecido por projetos ousados e autênticos. A ideia surgiu da demanda de Horácio de construir um hotel, em dois terrenos compridos separados por uma rua, então foi que o arquiteto propôs duas torres interligadas por cima da rua através passarelas. Tal arranjo era inovador para a época. (ROSA, 2015) Figuras 73, 74 e 75: Localizações da cidade de Porto Alegre, em seguida o Bairro Histórico e por último a própria Casa de Cultura Mário Quintana. Fonte:Google Earth, editado pela autora, 2019.

Figura 76: Planta Hotel Majestic. Fonte: AACCMPQ, editado pela autora, 2019.

Figura 77: Fachada norte do hotel. Fonte: AACCMPQ, editado pela autora, 2019.

As torres foram construídas em momentos separados, a ala Oeste, de estilo eclético, em 1918, a ala Leste e as passarelas, de estilo racionalista, por volta de 1926. Esse grande espaço de tempo contribuiu para que as torres não fossem idênticas e simétricas (figura 77). As técnicas construtivas escolhidas para o Hotel eram divergentes das utilizadas na época. Abandona as paredes autoportantes para a utilização de estruturas independentes, com o uso do concreto armado (figura 79). Possibilitando assim que as plantas internas fossem livres, podendo ser totalmente reorganizadas. (ROSA, 2015) O Hotel atingiu a sua “maturidade” e se consolidou como patrimônio histórico de maneira que o edifício assimétrico e singular acabou fugindo do padrão das construções típicas da época. Seu funcionamento promoveu uma grande movimentação e demanda, sendo ocupado por famílias, estudantes, e até personagens famosos da história brasileira, como Mário Quintana (1906-1994), autor que inspirou a realização da futura Casa de Cultura. Porém, nos anos 80, após a morte do empresário Horácio, a constante mudança de administração e o lento esvaziamento, o hotel foi desocupado totalmente. (ROSA, 2015). O edifício Hotel Majestic sofreu revitalização nos anos 80, tombamento estadual e foi transformado em Casa de Cultura Mário Quintana. Os responsáveis financeiro pela empreitada foram o Governo do Estado do Rio Grande do Sul e o banco Banrisul, com projeto dos arquitetos Flávio Kiefer e Joel Gorsky.

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Figura 78: Hotel Majestic. Fonte: Pinterest, 2019.

Figura 79: Estrutura de concreto armado, inovação estrutural para época. Fonte: Pinterest, 2019.

Figura 80: Fachada atual da Casa de Cultura. Fonte: Museu Brasil, 2019.

Sobre o projeto de revitalização, Rosa(2015) escreve que: não era para ser uma “maquiagem” no antigo hotel e ocupar-se dos seus quartos para as atividades se instalassem, a premissa era que todo o empreendimento funcionasse como um só e que permitisse a interação e o acesso facilitado à cultura. Era preciso trabalhar com a mesma ousadia que o arquiteto e o idealizador do projeto do Majestic, uma interação interessante entre os dois edifícios, mas que ao mesmo tempo se apresentasse como um prédio unificado e com uma integração perfeita.

A primeira atitude dos arquitetos foi instalar o escritório dentro do próprio edifício para poder vivência-lo diretamente, enquanto realizavam seu levantamento de plantas e cortes. Para adequação do prédio ao programa de necessidades de uma casa de cultura, perceberam que era necessário a recuperação do prédio e também a reformulação de seus ambientes e espaços. A estrutura de concreto armado, mencionada anteriormente, possibilitou que os pavimentos tivessem layout modificado e independente uns dos outros. Enquanto era hotel, a circulação era basicamente vertical em cada torre com pouco deslocamento horizontal entre elas, mas atualmente o uso das passarelas (figuras 82 e 83) foi estimulado para que as pessoas façam o seu próprio percurso, pois o programa é disposto como ala frontal e fundo, obrigando o público a percorrer as passarelas de um bloco para o outro, sem nem perceber, formando um “percurso cultural”. (ROSA, 2015) Figura 81: Nova configuração da Casa de Cultura. Fonte: AACCMPQ, editado pela autora, 2019.

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Figura 82: Passarelas da Casa de Cultura. Fonte: Acervo Pessoal da Autora, 2017.


Figura 83: : Rua interna, Travessa Araújo Ribeiro. Fonte: Acervo Pessoal da Autora, 2017.

Figura 84: Vista externa da área da galeria de arte. Fonte: Jornal do Comércio, 2017.

Do térreo ao último andar, o hotel sofreu modificações, seja na criação de ambientes mais versáteis como as salas de aula, discoteca, salas de oficinas, bibliotecas, galerias, entre outras, como em adaptações complexas como a criação do Teatro Bruno Kiefer (figura 85), do restaurante na torre leste e, em destaque, a galeria de arte no último andar da ala oeste. A galeria de arte nasceu de uma necessidade de utilizar o último andar dessa ala, que apresentava um telhado provisório. Essa nova área é facilmente identificável como nova, vista na figura 84, ao utilizar-se de estrutura metálica com treliças e vedação de vidro. Mesma linguagem de diferenciação usado no teatro. (ROSA, 2015) Após o restauro, o Majestic ainda passou por processos de conservação e manutenção, como, em 2015, quando restaurou-se suas cúpulas e fez-se manutenção de esquadrias, entre outras pequenas modificações. Figura 85: Vista interna do Teatro Bruno Kiefer. Fonte: Gravata cultural, 2019.

Figura 86: Imagens ilustrativas da Casa de Cultura. Fonte: Acervo Pessoal da Autora, 2017.

Assim, com toda a sua singularidade, o Hotel foi consolidada como marco da capital, salientando um período próprio da conservação brasileira. Este se estabeleceu como um grande e movimentado espaço cultural do centro de Porto Alegre. Assim como o Majestic, o Edifício da Residência Benedito é singular por ser um exemplar modernista, sua elegância e capaz de ser reintegrado à cidade melhorando sua vida cultural e o entorno.

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Da teoria à prática



DIRETRIZES

5.1

A partir da teoria e dos projetos estudados, é possível criar uma linha de raciocínio e ação para o projeto de adaptação da Residência Benedito Macêdo e Anexo. O complexo modernista merece ser aberto ao público geral, podendo ser maravilhado pela sua técnica construtiva, sua história e seus jardins. No intuito de ser mais do que apenas um objeto “a ser visto”, a principal diretriz é de que este seja palpável, de uso constante e diário, seja espaço de passagem e também de estadia. Com isso em mente, elencou-se que o edifício anexo (corz cinza escuro, figura 87) sofrerá a adaptação, vendo que este, por seu uso comercial e pela construção com a estrutura pilar-viga, prioriza uma planta baixa livre e flexível. Com 3 pavimentos tipo de aproximadamente 700 metros quadrados, há uma considerável área construída que pode ser adaptada facilmente a novos usos sociais, públicos e contemporâneos. Com intuito de funcionar como casa de cultura, social e educacional, acolhe uma gama diversa de usos. Pretende-se que a residência, projetada por Acácio Gil Borsoi, e seus jardins, projeto de Burle Marx, sejam também utilizados, porém a um uso mais restrito e controlado para maior preservação patrimonial. Este ainda estará diretamente relacionado a direção da casa de cultura, porém com a finalidade de servir de Museu da Arquitetura Moderna. Em complemento, é proposto uma nova intervenção arquitetônica, contemporânea, que será a nova sede do CAU Fortaleza. Este edifício, de dois pavimentos, servirá para agregar valor social e público à um instrumento tão importante para a prática da arquitetura. Por si só este deve-se destacar esteticamente, porém sempre respeitando o edifício e casa existentes. É necessário destacar que o projeto segue os preceitos do teórico Camillo Boito, mencionado no subcapítulo 2.2, que sugere que os edifícios históricos a serem preservados devem manter sua integridade enquanto restaura partes perdidas e devem ser fiéis a sua autenticidade ao não produzir adições falsas, projetando assim com a “marca do nosso tempo”. Ou seja, a partir de um estudo analítico do edifício será identificado se há necessidade de reconstruir e/ou recompor certas áreas. Porém essas deverão ser destacadas como novas, utilizando de materiais e ações que respeitem o projeto modernista prévio. O mesmo se dá para quaisquer construções novas que fizerem parte do complexo, modificações grandes ou pequenas devem ser destacadas como tal.

48

Figura 87 (página 49): Levantamento do projeto original de Acácio GIl Borsoi. Fonte: Elaborado pela Autora, 2019.


C

D

E B

H

A

G

F

49


Mapa 02: Localização do terreno na cidade de Fortaleza Fonte: Elaborado pela Autora, 2019.

50


LEVANTAMENTO

5.2

Localizado no lote entre as ruas Marcos Macêdo, Osvaldo Cruz, Maria Tomásia e Visconde de Mauá, o terreno do complexo é situado na porção central-norte do bairro Aldeota, na cidade de Fortaleza. A topografia deste já é muito modificada por adequação aos projetos, porém pode-se perceber que setor oeste do terreno é mais elevado que o setor leste, setor onde há maior presença dos jardins, ou seja, área mais alagável e usada para filtração das águas. Como mencionado, no setor leste do terreno situa-se os jardins, área mais ventilada e com insolação nascente. No centro do terreno está posicionado a residência, com o setor íntimo aberto aos jardins, se revelando a área fechada mais “agradável” de todo o terreno. Esta se estende até encontrar o prédio comercial, sendo diretamente interligada a ele. Este prédio está no setor oeste do terreno, na esquina das ruas Marcos Macêdo e Maria Tomásia, sua fachada oeste é prejudicada devido ao sol, porém é protegida pelo uso de vidros duplos com persianas e pela presença de brises verticais. Porém, devido a implantação do terreno, sua fachada leste, de frente aos jardins, é protegida e ventilada. Podendo haver possibilidade de ventilação cruzada pelo prédio. Mapa 03: Condicionantes físicas e ambientais da quadra. Fonte: Elaborado pela Autora, 2019.

51


Estudando a planta do térreo do complexo, nota-se que não há uma divisão fixa entre prédio e casa, as duas são estritamente interligadas, a maior diferenciação está quando estas mudam de níveis. O prédio é formado por 4 pavimentos, iniciado no pavimento térreo, metade deste é destacado pelo seus pilotis e vãos livres (área A na figura 87), a outra, mais próxima da casa, é fechada por paredes de vedação, revestidas, em sua maioria, por tijolo cerâmico vermelho Há nesses ambientes um depósito, cozinha, hall e salas, dando acesso à circulação vertical. As escadas de pedra se encontram em bom estado de conservação, porém a caixa do elevador está vazia, sem nenhuma máquina. A entrada do prédio é feita por uma portaria pequena (área H na figura 87) na Osvaldo Cruz, no lado leste, em frente aos pilotis. Ainda no térreo é possível visualizar que o prédio se relaciona diretamente com os jardins, no seu lado leste (área G na figura 87). No lado sul há um depósito de serviço (área F na figura 87). No norte, ainda no mesmo nível, há uma outra área de depósito e serviço (área E na figura 87) e um pátio externo, conectado com as salas do edifício (área C na figura 87) O pavimento tipo, visto na figura 88 é caracterizado por apresentar 3 colunas de pilares de concreto, 2 laterais e 1 central, a uma distância de 8,30 metros, emoldurados por vigas curvas (figura 88). Os pilares estão a cada 4,85 metros nas fachadas leste e oeste, formando um módulo estrutural que é preenchido pela estrutura das janelas, esse formato de vedação foi descrito no subcapítulo 3.3, a repetição dos módulos permite que exista um ritmo volumétrico (figuras 49) na fachada. A área A da figura 90 representa justamente esse vão livre que é permitido a partir da estrutura pilar-viga. No entanto, no pavimento tipo ainda há um pequeno espaço presente, a copa antiga do edifício, representado pela área B, que até hoje apresenta as características do passado. O último espaço existente no pavimento tipo é uma área de apoio (área C), localizada na fachada sul, que não se sabe ao certo qual seu uso original. A área D é representante do patamar da escada, entre um pavimento e outro, que se estende a dois banheiros públicos, feminino e masculino. No total são então oito pavimentos: o térreo, primeiro pavimento, primeiro pavimento intermediário, segundo pavimento, segundo pavimento intermediário, terceiro pavimento, terceiro pavimento intermediário e rooftop. O rooftop, no último pavimento, é equivalente ao quadrado vermelho demarcado na figura 88. Este, diferente dos pavimentos tipo, apresenta esquadrias de chão a teto na face oeste, não apresenta brises de proteção solar e é dividido em dois ambientes. As esquadrias (figura 89) demonstram que em algum momento da história do edifício, havia abertura para uma laje-jardim. Figura 88: Vigas em curva da estrutura pilar-viga. Fonte: Acervo da Autora, 2019.

52

Figura 89: Rooftop Fonte: Acervo pessoal Autora, 2019.

Figura 90 (página 53): Levantamento do pavimento tipo do projeto original de Acácio GIl Borsoi. Fonte: Elaborado pela Autora, 2019.


53


CONDICIONANTES

5.3

O terreno se encontra na macrozona de ocupação urbana ZOC, Zona de Operação Consolidada, a LUOS, Lei de Ocupação e Uso do Solo, define que esta área é caracterizada pela “predominância da ocupação consolidada, com focos de saturação da infraestrutura; destinando-se à contenção do processo de ocupação intensiva do solo” (LUOS, 2016). ` Os indíces urbanísticos para a área são os presentes na tabela 01. O terreno também está presente na zona ZEDUS da ZOC, Zonas Especiais de Dinamização Urbanística e Socioeconômica, que são “porções do território destinadas à implantação e/ou intensificação de atividades sociais e econômicas, com respeito à diversidade local, e visando ao atendimento do princípio da sustentabilidade”. Ou seja, um programa de necessidades público, dinâmico e diverso a partir da reestruturação de uma edificação existente se encaixa adequadamente ao zoneamento proposto para área, pois evita o acréscimos de novas infraestruturas desproporcionais para um bairro já saturado, enquanto proporciona a intensificação das atividades sociais e econômicas ao propor um centro que movimenta um terreno, que atualmente, encontra-se sem uso algum. O Mapa 04 é do entorno do terreno, com raio de 500 metros, que demonstra o uso do solo presente e o fluxo viário. Percebe-se que este é maioritariamente residencial e comercial, com a presença de edifícios unifamiliares, multifamiliares, mistos e dedicados ao comércio. O fluxo viário é montado basicamente de vias locais e coletoras, mas vale destacar que no seu entorno há três vias arteriais importantes para a mobilidade, as avenidas Santos Dumont, Dom Luís e Desembargador Moreira. Por conta disso, a distribuição de transporte público é grande, dando fácil acesso ao centro. É perceptível, também, que há poucas praças e áreas de lazer públicas. A figura 96, destaca os principais equipamentos do entorno, onde há 2 praças, a Praça Portugal que é isolada pela presença da rotatória e, apesar de servir para atividades cívicas, ainda não possui um uso diário cotidiano. E a Praça das Flores, ao contrário da Praça Portugal, é amplamente usada para lazer, esportes e comércio. Há também uma grande gama de comércios voltados para a alimentação, porém quando analisadas aproximadamente percebe-se que a maioria são para a Classe A e B. Em destaque em azul estão os usos educacionais da área, onde duas estão mais voltadas para o ensino de língua em escolas de caráter privado e terceira é voltada para o ensino infantil. Por último, mas não menos importante é preciso destacar a presença de quatros Shopping Center muito próximos do terreno, os shopping Avenida, Del Paseo, Aldeota e Center Um. Estes são ambientes comerciais agressivos, fechados, que não refletem a urbanidade de seu entorno, forçando uma sensação de oásis ao público porém na verdade não funciona como tal. Estes representam o oposto que o projeto atual está querendo propor.

54

Tabela 01: Indíces Urbanístiscos. Fonte: Luos, 2016. Adaptado pela autora. Tx. de Permeabilidade

30%

Tx. de ocupação

60%

(I.A) Indice de aproveitamento

2,50

Altura máxima

72 m

Testada mínima

5m

Profundidade

25 m

Área

125 m²


Mapa 04: Uso do Solo e Mobilidade Viรกria Fonte: Luos, 2016. Adaptado pela autora.

55


Mapa 05: Equipamentos relevantes do entorno. Fonte: Luos, 2016. Adaptado pela autora.

56


PROGRAMA DE NECESSIDADES

5.4

O programa do Complexo Quadra foi formado no intuito de abraçar a comunidade do seu entorno, ser um pólo social e cultural para o bairro enquanto também funciona de atração para um público mais externo. É formado por programas que permeiam pelos usos de lazer, cultural, educacional, esportivo e comercial. Como mencionado anteriormente, a casa será destinada a ser museu da arquitetura moderna, juntamente de seus jardins. O prédio comercial receberá uma maior diversidade de usos, estes sendo voltados para setor social, cultural, educacional, saúde, administrativo e técnico, melhor detalhado na tabela 03. O edifício anexo, sede do CAU Fortaleza, é mais reduzido, focando nos usos diários e sociais propostos para o conselho. Nele há presente os setores social, educacional, aministrativo e técnico, ques estão melhor descritos na tabela 02.

Tabela 02: Programa de necessidades CAU Fortaleza. Fonte: Luos, 2016. Adaptado pela autora.

prédio novo

setor social

setor educacional

setor administrativo

setor técnico

ambiente

qtde.

área

pavimento

praça coberta

01

215,00 m²

térreo

passarela

02

36,53 m²

1° e 2°

área comum

02

117,85 m²

1° e 2°

copa

01

13,30 m²

primeiro

rooftop

01

54,10 m²

segundo

arquivos

01

15,63 m²

primeiro

consulta

01

8,15 m²

primeiro

auditório

01

57,33 m²

primeiro

baías de trabalho CAU

03

68,43 m²

primeiro

sala do diretor CAU

01

13,37 m²

primeiro

sala de reunião CAU

01

23,27 m²

primeiro

banheiros

04

20,36 m²

1° e 2°

almoxarifado

01

9,91 m²

segundo

circulação vertical

01

32,48 m²

térreo ao 2°

ÁREA TOTAL

685,71 m²

57


Tabela 03: Programa de necessidades Quadra. Fonte: Luos, 2016. Adaptado pela autora.

prédio existente

setor social

setor cultural

setor educacional

setor esportivo

setor administrativo

setor serviços

58

ambiente

qtde.

área

pavimento

salão restaurante

01

169,58 m²

térreo

hall entrada

01

65,50 m²

térreo

praça coberta

01

369,50 m²

térreo

praça aberta

01

2.367,95 m²

térreo

área de convivência

03

670,73 m²

1°, 2° e 3°

playground infantil

01

70,24 m²

segudo

redário

01

98,01 m²

segudo

praia artificial

01

68,00 m²

segudo

baía multifuncional

02

68,63 m²

segudo

salão coberto cafeteria

01

64,84 m²

rooftop

salão externo cafeteria

01

55,60 m²

rooftop

entrada museu

01

64,40 m²

térreo

exposição fixa (museu)

01

aprox. 5750,50 m²

casa e jardim

exposição temporária

01

152,80 m²

terceiro

cinema aberto

01

139,54 m²

terceiro

cficina de costura

02

73,19 m²

primeiro

oficina de tecnologias

02

73,26 m²

primeiro

biblioteca

01

208,56 m²

terceiro

auditório

02

78,90 m²

terceiro

sala ioga

01

45,94 m²

primeiro

sala pilates

02

91,88 m²

primeiro

sala dança

02

91,88 m²

primeiro

vestiário

02

27,23 m²

primeiro

sala administrativa Quadra

01

71,80 m²

primeiro

sala do diretor

01

19,65 m²

primeiro

carga e descarga

01

52,10 m²

térreo

cozinha restaurante

01

51,09 m²

térreo

serviços

01

37,11 m²

térreo

depósito

01

32,15 m²

térreo

cozinha cafeteria

01

64,84 m²

rooftop

controle biblioteca

01

11,42 m²

terceiro

sala técnica cinema

01

6,02 m²

terceiro

área técnica exposição temp.

01

34,67 m²

terceiro

banheiros

09

92,72 m²

térreo, 1°, 2° e 3°

circulação vertical

01

82,5 m²

térreo ao 4°

ÁREA TOTAL

11.427,73 m²



A Soma do todo


6.1

O PROCESSO INICIAL

Como mencionado anteriormente, o Complexo Quadra pretende atender à necessidade de um equipamento público com programa de necessidades diverso, na Residência Benedito Macedo, no bairro Aldeota. Enquanto transfere-se a sede do CAU Fortaleza para junto do equipamento, agregando valor simbólico e de uso para a comunidade. Para isto necessita-se a de projetos de restauro, manutenção, conservação e adaptação. Neste memorial é descrito o processo de adaptação do edifício comercial tanto quanto a criação do projeto arquitetônico da nova sede do CAU Fortaleza. O projeto de restauro da residência fica a medida de proposta. Para a adaptação do edifício comercial aos usos contemporâneos, descritos na tabela 03, foi necessário um levantamento físico e de novos. O levantamento físico do projeto original, figuras 87 e 90, foi importante para ter uma noção de qual a melhor maneira de intervir no patrimônio e organizar os ambientes dentro dos pavimentos. Neste levantamento percebeu-se que o Evento Casa Cor 2018 havia realizado diversas modificações significativas, na criação de novas paredes, retirada de esquadrias, criação de vários volumes por cima do jardim original, modificações nos caminhos originais do paisagismo, entre outros. A figura 91 é um levantamento realizado in loco e com arquivos referentes ao evento para entender todas estas modificações. Vale ressaltar que em 2019 houve outra edição do evento e esses acréscimos sofreram mudanças além de que houveram novos acréscimos porém para efeito deste projeto de pesquisa o levantamento realizado no início de 2019, com as modificações realizadas em 2018 são as que foram utilizadas. Então, elencou-se 4 caminhos que seguem os preceitos teorizados por Camillo Boito. Estes são: 1. A recuperação e restauro da ala residencial do edifício, a partir da adaptação do mesmo ao uso de Museu da Arquitetura Moderna de Fortaleza, servindo de Casa-Museu. Este deve manter-se na configuração original, recuperando esquadrias, brises, pisos, entre outros que se tem o registro ou o material disponível. Com adição de mobiliário adequado refletindo sobre o uso da residência, a época e estilo que foi construída, contando sobre o arquiteto e paisagista responsável pelo projeto, exibindo a história e as memórias afetivas envolvidas nesta quadra; 2. A recuperação e adaptação do prédio anexo à casa, com remoções e adições significativas internas aos pavimentos, tomando como base o pavimento livre que este apresenta. Todas as atividades públicas do complexo se encontrarão dentro deste edifício; 3. Criação de um novo edifício, para sediar o CAU Fortaleza, que se conecte diretamente ao prédio original. Este deve ser realizado com estética contemporânea, marcando a nova fase que esta quadra estará vivendo; 4. Recuperação dos Jardins de Burle Marx na ala residencial, enquanto cria-se uma praça aberta, aproveitando o setor que já está bastante modificado.

61


6.2 Primeiramente, após elencados os projetos a serem realizados, decidiuse por utilizar o lado sul do terreno, adjacente à Rua Maria Tomásia, para receber a adição do novo edifício, ligando-o diretamente ao prédio existente. Iniciando a partir do térreo, este é o primeiro contato que o público tem com o Complexo. Há muros circundando todo o terreno, porém para criar um ambiente público, cívico, de uso constante propõe-se demolir os muros na Rua Maria Tomásia (ao sul) e um pouco na Rua Osvaldo Cruz e Visconde de Mauá. Neste processo também foi demolido um depósito (Figura 87, letra F) pois este se encontrava a 70 cm abaixo do nível 0, dificultando a criação desse fluxo livre proposto. Foi realizado um aterro na área onde este se encontrava. No prédio existente será mantido a linguagem preexistente térreo em pilotis, onde já é assim. Neste andar existe a presença de uma cozinha industrial que será aproveitada e adaptada para a criação do restaurante popular, o salão deste se encontrará no meio do térreo, sendo separado por vedações de cobogós de tijolo maciço, descrito na quadro de esquadrias (tabela 04). Mais ao fundo há uma área mais isolada, com abertura direta, à esquerda, para um corredor de serviço e ligação, por escadas à direita, à residência. Neste local serão adicionados três banheiros públicos. O corredor de serviço terá o muro das suas extensões demolido enquanto torna-se a entrada oficial ao complexo, com hall de entrada. No primeiro patamar da escada será entrada ao museu, com bilheteria e guarda-volumes. Neste espaço há a estrutura de caixa de elevador que será reestruturados para receber uma nova máquina que conecta-se aos outros pavimentos.

62

PASSO A PASSO O térreo do novo edifício é tão importante quanto do prédio existente para criação dessa grande praça, por isso, e também para respeitar a estética e estrutura presente, este deverá manter o térreo na linguagem de pilotis, sendo “invadido” por canteiros, com mobiliário adequado presente. Entre os dois edifícios é criado um volume de circulação vertical com a caixa de elevador em concreto aparente e a escada e passarelas em estrutura metálica com vigas “H”, no cor terracota. A cor terracota foi escolhida para todas as estruturas metálicas presentes, para dialogar com os tijolos aparentes que estão presentes no projeto preexistente, sendo a cor de identidade do Complexo Quadra. Em relação ao projeto paisagístico, este foi criado respeitando o que ainda existe do jardim, a topografia, as vegetações (árvores e palmeiras) presentes e na integração da calçadacanteiros-caminhos, já que nessa área os muros foram demolidos. Tornandose uma praça com um caminho principal, de maior fluxo, percorrendo toda a extensão da Rua Maria Tomásia, um caminho secundário, de teor lúdico, percorrendo a divisão entre públicoprivado. Nesta área projetou-se uma divisória para separar o jardim do museu e a praça, feito de brises triangulares seguindo a linha da topografia, podendo ter pequenas visões da casa ao fundo. É proposto que a vegetação adicional seja feita com vegetação rasteira e arbustiva, aproveitando as prévia existência de árvores de grande porte, apenas precisando criar novas composições para os usos propostos. O primeiro pavimento é onde as atividades com maior fluxo ocorrem. No prédio existente locou-se as salas de aula (esportivas e técnicas), A distribuição ocorreu de forma a haver uma área de convivência perto da circulação vertical, criou-se um corredor

central que subdivide o andar em salas de aula esportiva à esquerda e salas técnicas à direita. Propõe-se a criação de vestiários para suporte à atividades esportivas, precisando haver uma adaptação de saneamento e hidráulico para estes ambiente, foi colocado perto dos banheiros existentes para aproveitar-se das estruturas. No fim deste corredor está presente o setor administrativo do complexo pois é importante que os profissionais que trabalhem na organização deste estejam próximos fisicamente das atividades. As modificações neste pavimento foram no sentido de remover as adições realizadas em 2018, pela Casa Cor, enquanto cria-se um novo perfil de vedações com o uso de paredes de gesso e cobogós de tijolo maciço. No novo edifício, o primeiro pavimento é reservado para as atividades diárias do CAU, com presença de recepção, banheiros, copa, baías de trabalho, sala de reunião e do diretor. A chegada neste andar é feita a partir da circulação vertical descrita anteriormente, sendo a passarela independente, ou seja neste andar não há conexão entre os dois prédios. A passarela serve apenas como chegada ao CAU. O segundo pavimento é reservado para atividades mais livres e de uso social. No prédio antigo é proposto a criação de uma praça coberta. A intenção de trazer usos de praça para dentro do edifício foi para se aproveitar do espaço do térreo para um andar mais lúdico, atividades civis, então o mobiliário mais complexo foi reservado para este pavimento, com criação de playground infantil, área de descanso, redário, praia artificial, baías multifuncionais, xadrez gigante, entre outros. Aqui foi proposto a retirada de 01 módulo de esquadria para realizar a junção entre os dois prédios. Neste andar não foram realizadas adições de vedações, apenas foi modificado os pisos para melhor atender aos usos,


como piso emborrachado, deck de madeira para o redário, e areia para a praia artificial. A passarela metálica então é a união principal, as vigas em H são apoiados na estrutura de concreto de cada edifício. A estrutura metálica das passarelas e escadas foi escolhido assim para haver maior praticidade na instalação, e se preciso, remoção da mesma, apenas escorando-se nos edifícios para poder se sustentar, mas não alterando a estrutura destes. No edifício do CAU o programa é mais voltado ao uso público e social também, com auditório para 56 pessoas, arquivo público, sala de consulta e uma grande área livre, o rooftop virado para a área de jardim e à casa, criando uma vista espetacular para o público. Neste o rooftop, o brise presente na fachada termina apenas na linha da laje superior, se estendendo e criando uma caramanchão que cobre metade da área externa. O terceiro pavimento é apenas dedicado ao prédio antigo, no novo edifício está presente apenas a área de coberta, formado por platibandas e telha metálica com inclinação de 10%. Este mesmo modelo de coberta se repete para a cobertura da passarela, que também se mantém presa à estrutura dos dois edifícios. Porém no prédio antigo, o programa continua, neste pavimento há área culturais, com a área de exposição temporária, que procura trazer uma certa rotatividade e movimento ao equipamento. Há também um cinema aberto e dois auditórios com capacidade para 24 pessoas, que seguem o mesmo intuito. A programação destes ambientes devem ser constantes para que a comunidade engaje nas atividades de todo o complexo. Mais isolado e com uma maior área, criouse uma biblioteca pública, com acervo físico e digital mais ligado ao estudo da arquitetura, que conta com grande área de mesas e sofás, no intuito de ser um espaço de estudo mas também de troca. No último pavimento, onde temos uma

área útil pequena, pois 80% deste andar é a coberta do edifício, foi idealizado se aproveitar do salão e da pequena área que existe para adaptar a uma cafeteria. Aqui não houveram demolições, apenas ajuste da área externa para criar uma rooftop e uma horta, aproveitando a estrutura de laje existente. E adaptação estrutural da cozinha. Em relação ao mobiliário do equipamento estes foram idealizados para ser únicos a ele, usando materiais como a madeira, tijolos cerâmicos, estofados coloridos. As mesas e cadeiras são móveis que sejam fáceis de mover e adaptar a novos layouts se for preciso. Apenas em ambientes como cozinhas e banheiros que será um mobiliário fixo mas que sempre permaneça uma linguagem entre eles, aproveitando e adaptando as estruturas preexistentes. Em relação à área de serviço, está sendo proposto uma área de Carga e Descarga, no térreo, próximo ao restaurante, sendo criado uma nova vedação, também com a estrutura de cobogós de tijolo maciço. Existem duas tipologias de banheiros no complexo: 1. os banheiro preexistentes que estão sendo atualizados às tecnologias contemporâneas, estes estão presentes nos patamares intermediários da escada, estando 1,62m acima do nível do pavimento; 2. os novos banheiros que são os presentes no térreo, adicionado de um banheiro para portadores de deficiências e os banheiros do prédio novo que também são adaptados. Em relação às fachadas dos prédios é preciso destacar que no preexistente não foram modificados praticamente nada, apenas proposto que seja recuperado e conservado onde houver danificações, incluindo as esquadrias. Como mencionado, apenas 01 esquadria está sendo retirada para a união dos dois prédios pela passarela e sua coberta. Isto acaba modificando bastante essa fachada porém a intenção é que essa esquadria seja preservada no acervo e que a nova estrutura seja facilmente removida se preciso. As fachadas do novo edifício refletem a contemporaneidade, com uso de

pele de vidro com aberturas bandeira e brises metálicos ao longo de todas as fachadas. As vedações são de alvenaria, cobertas por placas cimentícias. Na fachada F1, foi criado um painel decorativo de ladrilhos que formam o desenho da arte de Sérvulo Esmeraldo. Este edifício deve ser imponente, também, o painel é um artifício para mostrar o seu caráter único e unificador das intervenções. Então todas as cores, materiais, estéticas escolhidas são para realizar uma releitura dos elementos preexistentes. Então temos o uso de concreto aparente, mas com outra técnica utilizada, o uso de esquadrias modulares, proteções verticais, no uso de brises, em estrutura metálica terracota, fazendo referência à cor principal do projeto. Vale ressaltar o projeto estrutural do novo edifício, é todo em estrutura de concreto mas com técnicas e formatos diferentes do preexistente. Ao decidir fazer pilotis livres, foi criado uma releitura disto e ao invés de usar 2 ou 3 linhas de pilares, existe apenas 1 linha destes, que segura em balanço toda a estrutura de lajes e vigas. Para alcançar os vãos necessários são criados 4 vigasfaixa de concreto protendido, 3 na direção norte-sul, 1 na leste-oeste. Nas extremidades foram criadas vigas de bordo de concreto armado, realizando uma amarração em toda a estrutura. As lajes são pré-moldadas, no esquema de vigotas de concreto armado com lajotas cerâmicas cobertas por uma fina camada de concreto. Para consolidação de todo o projeto de forma a que este permaneça ativo e preservado é importante, por fim, propor a ferramenta mais relevante: o pedido de tombamento em instância municipal. Por todos os motivos já mencionados, percebe-se que esta residência e prédio possuem história, características, momentos de vida que merecem ser conservados e o tombamento é uma das formas mais relevantes para conseguir isso. Os projetos arquitetônicos podem ser inúmeros, mutáveis, mas a instrução de tombamento seria um marco fixo na história do edifício.

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LEGENDA Intervenções Casa Cor 2018

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Aterro Reconstrução

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Rua Osvaldo Cruz

Rua Marcos Macedo

Rua Maria Tomรกsia

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Rua Visconde de Mauรก


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F5

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O Atestado final Consideraçþes



CONSIDERAÇÕES Partindo da intenção de restaurar um edifício modernista em lugar percebeuse que a problemática era mais complexa do que a criação de um mero projeto arquitetônico. O patrimônio modernista ainda está no processo de consolidação, necessitando de muitos estudos teóricos e práticos para que isto se torne a realidade contemporânea. Porém ao realizar as pesquisas, vivências, práticas e, finalmente, possibilidades projetuais, entende-se que é sim possível transformar essa realidade. Com um estudo profundo sobre os caminhos a serem tomados, a escolha se tornou simples quando o objetivo estava claro: transformar um projeto em lugar, respeitando-o, abraçando todas suas peculiaridades e utilizando-o de maneira a revivê-lo. Percebe-se que interdisciplinaridade é fator de alta relevância ao intervir no patrimônio, um estudo histórico, social e político do que envolve aquele espaço possibilita um maior compreensão do objeto de estudo. O início deste projeto teve a intenção de trazer a luz as questões patrimoniais do modernismo, e com isso foi possível refletir que as questões patrimoniais também são sociais e políticas. O papel do arquiteto urbanista está em traduzir toda esse potencial em realidade. O que a Quadra representa é mais do que um prédio reformado. É apropriação. É comunidade. É lugar de troca e experiências. É vida.

104



A Base

ReferĂŞncias


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ficha técnica fontes tipográficas Khand e Economica intervenções capítulos Beto Sousa (Porão Ateliê Criativo) capa Beto Sousa (Porão Ateliê Criativo) diagramação Thais Vieira

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