cinema de rua_caderno

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PROJETO . CINEMA DE RUA faculdade de arquitetura e urbanismo . unicamp au118 . teoria e projeto viii . complexidades marina luna . 084507 tainรก ceccato . 082839 prof dra gabriela celani prof dr leandro medrano


SUMÁRI

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capítulo 1 . introdução

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capítulo 2 . situação

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capítulo 3 . discussões

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capítulo 4 . referências

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capítulo 5 . o projeto

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capítulo 6 . imagens


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INTRODUÇÃO

O projeto que será apresentado neste caderno surgiu como parte das discussões da disciplina AU 118 – Teoria e Projeto VIII: Complexidades, turma de 2011, ministrada pelo Prof. Dr. Leandro Medrano e pela Prof. Dra. Gabriela Celani no Curso de Arquitetura e Urbanismo da UNICAMP. No âmbito de tal disciplina, nos aprofundamos nos parâmetros urbanos que condicionam o bairro da Luz, em São Paulo, e o projeto de “requalificação” urbana Nova Luz, com o objetivo de compreender todos os fatores que conformam a cidade, seus edifícios, seus fluxos e populações, tendo sempre como referência os escritos e a produção projetual de profissionais renomados em Arquitetura e Urbanismo, como Rem Koolhaas, Herzog e De Meuron e Álvaro Siza.


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O BAIRRO DA LUZ

ESTAÇÃO DA LUZ . 1925

Museu do Imaginário do Povo Brasileiro; além da Estação Sorocabana, conhecida como Julio Prestes, concluída em 1938. À parte dos edifícios monumentais, também foram construídos em Santa Ifigênia, nas últimas décadas do século 19, hotéis e pensões para viajantes e imigrantes, casas de cômodos para aluguel, lojas e algumas residências para fazendeiros de café. A presença de cortiços não é novidade, porque já em 1893 as autoridades municipais designaram uma comissão de exame e inspeção das habitações operárias e cortiços no distrito. E pelo menos desde 1911 há uma zona de prostituição entre as ruas dos Timbiras, Ipiranga e Amador Bueno. A época de expansão da Luz prolongou-se até 1930. No entanto, a partir dos anos 40 a região entrou em declínio por conta da perda da importância das ferrovias: a proximidade às estações de trem estimulou o adensamento da região, mas a definição do seu traçado deve muito à orientação de priorizar o

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Conhecido como Campo de Guaré, a região recebeu este nome devido às inundações que sofria com as cheias dos rios Tiête e Tamanduateí. Seu surgimento se deu exatamente em 1600. Em 1601, Domingos Luiz e sua esposa Ana se mudaram do Ipiranga para o bairro. Dois anos mais tarde Luiz ergueu uma pequena capela em homenagem a sua santa de devoção, Nossa Senhora da Luz. O nome atual do bairro faz referência à capela. Pouco a pouco, as áreas pantanosas foram sendo aterradas, auxiliando para a transformação do território rural em um dos principais cenários da economia nacional, que se deu a partir do século XIX, com o desenvolvimento da cultura cafeeira. Um dos grandes marcos do crescimento da região central ocorreu por volta de 1870, quando foram construídas, pela iniciativa do Barão de Mauá, a ferrovia Santos-Jundiaí e a Estação da Luz, que conectavam os cafezais do oeste paulista ao porto de Santos. Com isso, o bairro adquiriu forte característica de centro comercial e de serviços para atender os viajantes em passagem pelo local. As estações de trem permanecem como marcos arquitetônicos de sua paisagem: o edifício da Estação da Luz, de 1901; o prédio que sediou a estação da Sorocabana, hoje transformado no


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transporte rodoviário em substituição ao ferroviário. A área da atual Cracolândia tem seus limites marcados por grandes avenidas realizadas gradualmente a partir de diretrizes estabelecidas no Plano de Avenidas de 1930: fica ao sul da linha de trem e é compreendida pelas avenidas Duque de Caxias, Rio Branco e Ipiranga e pelas ruas Mauá e General Couto de Magalhães. Assim como nos outros bairros centrais, desde os anos 50 era possível observar em Santa Ifigênia indícios de diminuição do número de moradores de classe média e do aumento de cortiços. Nos anos 60, a praça Julio Prestes passou a abrigar a estação rodoviária, que lá permaneceu até 1982, quando foi transferida para a Marginal Tietê. Nas décadas de 70 e 80 a área viveu o ressurgimento do comércio local com características populares, quando o comércio especializado em eletroeletrônicos veio se estabelecer na rua Santa Ifigênia. Em 1974, vieram as estações da Luz e Tiradentes da linha Norte-Sul do Metrô, a primeira a ser concluída. Nos anos 90, o tráfico e o uso de crack se concentraram nessa área isolada por grandes vias, habitada por uma população de baixa renda, cheia de imóveis ociosos e deteriorados, cujas ruas de comércio ficam vazias à noite. Recentemente foram conduzidas operações policiais para repressão às atividades ilícitas na Cracolândia.

Nos anos 2000, surgiram as primeiras iniciativas de requalificação urbana da Luz, incluindo a “Operação Urbana Centro” [procurar sobre isso] e a implantação de políticas fiscais destinadas a atrair novos negócios para a área. Agora, com o “Projeto Nova Luz”, a Prefeitura pretende melhorar a qualidade do ambiente urbano local beneficiando moradores, empresários e visitantes da região.

RUA SANTA IFIGÊNIA . 1957


O polígono formado pelas avenidas Ipiranga, São João, Duque de Caxias, rua Mauá e avenida Cásper Líbero é parte de um projeto inovador de requalificação urbana que a Prefeitura de São Paulo vai entregar à Cidade em abril de 2011. Já em desenvolvimento, a iniciativa prevê, entre outras ações, a valorização dos prédios históricos, reforma das áreas livres públicas, criação de espaços verdes e de lazer e a melhoria do ambiente urbano da região. A proposta da Prefeitura de São Paulo é construir um projeto que respeite os valores e a cultura local, com a colaboração e envolvimento de todos. http://www.novaluzsp.com.br/projeto.asp

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SOBRE O PROJETO NOVA LUZ


2 SITUAÇÃO

A quadra de projeto está inserida no quadrilátero entre as ruas Santa Ifigênia, Timbiras, Andradas e Aurora e seu uso é majoritariamente misto de comércio no pavimento térreo e habitação nos demais pavimentos. Entretanto, outras funções também são encontradas, como igrejas e estacionamentos. A quadra não apresenta gabaritos muito altos, chegando ao máximo de 10 pavimentos e contendo inclusive um edifício de um pavimento – uma característica bastante rara para o local, que encontra-se bastante adensado como conseqüência de sua localização na metrópole. Um traço bastante inusitado nesta quadra era o fato de que ela possuía inúmeras galerias comerciais que ocupavam o primeiro e segundo pavimentos de forma contínua, entretanto, sem alterar a fachada original. Ou seja, por fora via-se uma fachada, e dela depreendia-se o imaginário do correspondente


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interno, porém, ao passar pela porta, deparava-se com tais galerias, intrincadas na casca do antes existente. Como não haviam edifícios tombados, optamos por demolir boa parte das edificações da quadra, de forma a poder reorganizá-la de maneira mais adequada. Dentre os edifícios mantidos, permaneceram os de maior gabarito devido ao custo e ao impacto estrutural nos prédios adjacentes que seriam advindos de sua demolição. Um deles também representava parte da cultura paulistana, tendo sido habitado por Adoniran Barbosa e também por isso foi mantido. Dois novos edifícios culturais já se encontravam nos planos das quadras vizinhas: o edifício da Fatec, que dispõe de um museu cuja entrada está voltada para a quadra deste projeto; e uma biblioteca também voltada para a quadra em questão – de forma a configurar um potencial triângulo cultural. Assim, escolheu-se como equipamento público um cinema.


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DISCUSSÕES O FIM DO CINE BELAS ARTES Quem mora na cidade de São Paulo, certamente conhece o cinema Belas Artes. O cinema existe desde 1943, na esquina de duas das mais importantes avenidas da cidade: a Av. Paulista e a Rua Consolação. Desde sua fundação, o cinema foi uma referência da sétima arte. Infelizmente, o Belas Artes vai fechar as suas portas no fim de janeiro, o que representa uma perda imensurável para a cidade. -Após ser fundado com o nome de Cine Ritz e, anos mais tarde, dar lugar ao Cinema Trianon, em 1967 passa uma reforma e ganha o tradicional nome Cine Belas Artes. Em 1983, passa por uma nova reforma, ganhando seis salas e se tornando o primeiro multiplex da cidade, com o nome de Gaumont Belas Artes. Nessa reforma, cada sala recebe o nome de um grande artista brasileiro, a saber: Carmen Miranda, Cândido Portinari, Oscar Niemeyer, Aleijadinho, Villa-Lobos e Mario de Andrade, cada um, inclusive, com sua respectiva área de especialidade: música e atuação,


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pintura, arquitetura, escultura, composição e literatura. Assim o cinema se manteve até 2002, quando entrou em crise e o seu fechamento foi anunciado. Mobilizandose para manter o tradicional cinema, no ano seguinte o Belas Artes ganha um novo proprietário, André Sturm, e a produtora O2, de Fernando Meirelles, associa-se ao cinema. A possibilidade de fechamento do cinema resulta em protestos. No fim de 2003, o banco HSBC passa a patrocinar o cinema, financiando uma grande reforma. O nome mais uma vez muda, passando a se chamar HSBC Belas Artes. Desde então, o cinema vem seguindo com sua programação que mistura lançamentos com clássicos do cinema, além do Noitão, evento que acontece mensalmente e conta com a exibição três filmes a partir da meia noite. -Em 2010, o cinema anunciou um possível fechamento após o banco HSBC encerrar o patrocínio. Seria impossível manter o cinema apenas com o dinheiro arrecadado pelos ingressos. Quando o cinema mudou novamente o nome, apenas para Belas Artes, o proprietário atual, ainda o André Sturm, passou a procurar empresas para um novo patrocínio. Essa demanda resultou, inclusive, em campanhas e abaixo-assinado virtual. Um novo contrato estava sendo fechado no fim do ano passado, mas o proprietário do local, Flávio Maluf, pediu o imóvel de volta. Procurado pela reportagem da Folha, esboçou uma resposta: “Perderam o prazo” e mandou falar com o advogado, que não deu depoimento. Sturm disse que Maluf rompeu o contrato. O proprietário afirmou que, após fechar o patrocínio, pagaria um aluguel

de R$ 62 mil. Mesmo assim, Maluf ordenou o fechamento do cinema. No fim de janeiro, o Belas Artes fecha as suas portas e será demolido para a construção de uma loja, ainda não especificada. Embora o encerramento das atividades do Belas Artes já esteja certo, Sturm e seu braço direito, Léo Mendes, afirmaram ter planos para reabrir as salas em algum outro canto da cidade e manter a programação tal qual


originalmente, inclusive com os Noitões, que já chegaram a reunir, nas madrugadas, em torno de mil pessoas. -É uma perda muito grande o fechamento do cinema. O Belas Artes é um cinema de rua, condição rara na nossa cidade lotada de cinemas de shopping, extremamente comerciais e com preços exorbitantes. O Belas Artes é muito mais barato (cobrava, até o ano passado, R$ 8,00 de segunda e quarta e R$ 16,00 nos demais dias). Os Noitões custavam R$ 18,00. De segunda-feira, professores pagavam meia-entrada apresentando holerite. O cinema funciona das 14h até o fim do dia, com as seções de filmes clássicos, chamada Cineclube, por volta das 19h30. Tem um ambiente bonito, diria até romântico, no sentido de ser nostálgico. Nele, não passam os filmes que, nos cinemas comercias, ocupam três salas ao mesmo tempo. É uma perda lastimável. Fernando Meirelles comentou: “Infelizmente não há nada parecido com o Belas Artes na cidade. O pior de tudo foi saber que o cinema vai sair dali para dar lugar a mais uma lojinha. Caramba, São Paulo já tem tanta lojinha. Não entendo esta compulsão por compras. Acho que nasci na época errada.” É triste, pois é mais patrimônio da cidade que é demolido pelo pragmatismo, pelo lucrativo, pelo rentável. Vale

lembrar que diversos patrimônios têm perdido espaço. A antiga USP, um casarão na Alameda Glete, foi demolida para se tornar um estacionamento. O Auditório Ibirapuera, há alguns meses, perdeu o patrocínio da Vivo. O MASP enfrenta uma dívida imensa após a privatização da Eletropaulo que, quando era estatal, mantinha um acordo de não cobrar a luz consumida pelo museu. Isso sem contar os espaços verdes que frequentemente perdem para especulação imobiliária. São Paulo está cada vez mais se tornando um aglomerado de prédio residenciais de elite e prédios comerciais executivos. Em todo canto da cidade, há prédios em construção. A quantidade de carros que é despejada mensalmente é absurdamente alto. A qualidade de vida está despencando na cidade, e todos aqueles locais que mantém algum clima melhor, como o Belas Artes, acabem sendo trocados ou abandonados. http://letrasdespidas.wordpress.com/2011/01/09/o-fimdo-cinema-belas-artes/

Não sei se foi sorte, mas as estrelas brilharam num céu sem nuvens no dia 28 do chuvoso mês de Janeiro deste ano de 2011 em Espírito Santo do Pinhal. Nessa cidade do interior paulista com seus 40 mil habitantes, quase na divisa com Minas Gerais, foi comemorado, mesmo que com muita melancolia o fim do cinema mais antigo da cidade. Mas não o último. Aproximadamente 300 pessoas assistiram em meio aos escombros do antigo Cine Éden e pela ultima vez naquele lugar, a um filme de Mazzaropi, souberam que Marilyn Monroe, além do vestido esvoaçante também já tocou “cavaquinho” no cinema e perceberam que a demolição do Italiano Cine Paradiso também conta um pouco de sua própria historia, que em grande parte foi escrita ou construída por italianos e seus descendentes, inclusive o próprio edifício o qual viam no chão. A ocasião ficou conhecida como Saideira do Éden, a ultima sessão no Cine Éden, na Ruína Ítalo-Brasileira Pinhalense, o próprio terreno em escombros do antigo cinema. O Cine Éden em questão foi de fato um teatro inaugurado em 6 de junho de 1913, primeiro Teatro construído em Pinhal já com o nome de Teatro Éden. Possuía platéia e frisas no formato de ferradura e chegou a oferecer 900 lugares naquela época. A fachada do teatro era realmente notável, uma lira no

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ADEUS CINE-TEATRO, FELIZ CINE-RUA


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alto do frontão e eclética com linguagem clássica como a maioria dos edifícios do século 19 e começo do 20 na cidade. No final da década de quarenta passou por uma reforma. Deixou de ter as frisas e passou a contar somente com os assentos da platéia. Sua fachada foi completamente modificada. O novo traçado se aproxima do padrão comercial americano. Ganhou um átrio marcado por duas colunas arredondadas sob uma marquise que avança sobre o passeio público e que demarcam o vazio de acesso central. Bilheteria lateral. Os banheiros continuaram nas laterais do antigo palco o qual agora servia como plano de projeção. Em 1992, com o filme The Doors, o Cine Éden encerrou suas atividades. Alguns filmes ainda seriam projetados na sala, mas na forma de eventos esporádicos. Poucos anos depois e até então algumas lojas se instalaram no espaço de seu foyer. Nada relacionado à atividade cinematográfica. Em dezembro de 2010 o edifício foi demolido. (...)Quem entrasse naquele terreno, sem duvida ficaria fascinado. Uma visão catastrófica, muita sujeira, muitos destroços, muita bagunça, típicos de muitas construções e ainda mais no caso de uma desconstrução. Já outros, também fascinados, poderiam se impressionar pela majestade do palco sem paredes, escalar com os olhos as pilastras

laterais que a partir de sua base com suas caneluras de argamassa e tinta se desnudavam até o alto onde só restaram tijolos e as pontas das armaduras. (...) O prédio em si, é preciso ousar para admitir, representava pouca coisa e é justamente o lugar e aquele momento que importavam. O lugar se manifesta nesta mistura do que é, está ou estava construído e do que aconteceu lá. A própria arte do cinema, a reunião das pessoas, sua demolição são

ÚLTIMA SESSÃO NO CINE ÉDEN


ela foi e um tanto do que ela quer ser. Não da pra separar nem resgatar. Lembrar e insistir na lembrança talvez. Se existem coisas antes que não existem hoje tem a ver com o que as pessoas são hoje, o que a cultura é hoje. Atualmente talvez muito mais uma cultura de esquecer, do que de lembrar. Cada uma delas tem suas conseqüências. No caso de esquecer espera-se que o que foi esquecido seja substituído por algo diferente. Quando não é, me parece apatia. E isso sim tem um gosto amargo. (...) Na parede estava escrito “Adeus cine-teatro, feliz cine-rua”. No fundo tudo aquilo pretendia propor uma libertação do cinema neste caso, mas da arte e cultura como um todo. Pretende-se exibir no futuro outros filmes em outros espaços abertos, públicos ou vazios, mas sempre relevantes, sejam eles consagrados ou esquecidos. Cine-rua. Um direito de se manifestar em qualquer lugar para que as pessoas possam se apropriar deles da maneira que

puderem. Uma alternativa de espaço da arte, menos burocrático, menos dispendiosa, mais democrática e não menos relevante como espaço na cidade. Sem dúvida tudo isso significa também um desaparecimento ou afastamento dos programas culturais para espaços urbanos marginalizados no ideário da cidade mercadoria, como a própria rua por exemplo. O tombamento tem sido uma resposta única para uma infinidade de prejuízos sociais e espaciais urbanos, mas que ainda conta com instrumentos legais limitados e metodologia imprecisa. Os centros culturais reforçam a incompatibilidade de manutenção dos espaços de cultura no tabuleiro econômico dos lotes urbanos e ocorrem muitas vezes como manobras muito pouco autênticas e exageradamente especializadas. É justamente a oportunidade de se revisar a inserção e manutenção dos edifícios, equipamentos, espaços culturais seus modelos a partir da mudança do ponto de vista em que os entendemos como exceção e segregação na cidade e na vida cotidiana. http://w.vitruvius.com.br/revistas/read/ minhacidade/11.131/3910

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maiores do que a própria construção em si neste caso. Os valores arquitetônicos associados a ele eram sua localização dentro de um perímetro urbano com valor histórico de relevância reconhecida pelo município – mas não em um conjunto existente de imóveis inventariados – e a sua própria condição de singularidade. (...) As cadeiras foram posicionadas no mesmo sentido da platéia e a montagem da tela de projeção foi emoldurada pelo palco remanescente ao fundo. Pipoqueiro, um altar de tijolos com películas 35mm sobre ele. Cartazes de cinema, tapete vermelho, muita luz. Foi uma cuidadosa construção simbólica para concretizar uma atmosfera emotiva e cinematográfica e potencializar ao máximo a ultima experiência ali. A sessão estava para começar. Na imensidão silenciosa do terreno vazio os espectadores só ouviam os sons do velho oeste italiano de Ennio Morricone. Um breve silêncio e a primeira luz no telão revelou o próprio Cine Paradiso vir abaixo neste abrupto encontro forçado entre a realidade e a ficção. (...) No meio da organização apareceram as primeiras noticias sobre o fechamento do cine Belas Artes em São Paulo. Foi desconcertante a idéia de que se celebrava um fim enquanto as pessoas reivindicavam uma permanência. Não gosto da expressão resgate. A cultura de uma população é o que ela é mais o que


Janice Caiafa (2002; 2007; 2008), Félix Guattari (1992; 2005) e Lewis Mumford (1961), entre outros autores, comentam a questão da corporeidade dos espaços construídos nas cidades. Mostram que edificações e veículos coletivos são artifícios urbanos em nada passivos. Ao contrário, eles provocam estímulos nos passantes, organizam trajetos, impõem-se às circulações. E, certamente, podemos atrelá-los ao que acontece de improviso nas ruas, caracterizando-os, ao lado dos transeuntes, como elementos ativos dentro do “balé da boa calçada urbana”, que, para Jane Jacobs (2000, 52) é uma ordem complexa, composta de movimento e mudança, comparável a certas danças.(...) embora se trate de vida, não de arte, podemos chamá-la, na fantasia, de forma artística da cidade e compará-la à dança – não a uma dança mecânica, com figurantes erguendo a perna ao mesmo tempo, rodopiando em sincronia, curvando-se juntos, mas a um balé complexo, em que cada indivíduo e os grupos têm todos papéis distintos, que por milagre se reforçam mutuamente e compõem um todo ordenado. O balé da boa calçada nunca se repete em outro lugar, e em qualquer lugar está sempre repleto de novas improvisações (JACOBS, 2000, 52) A intervenção do cinema nas experiências dessas pessoas com a cidade se efetuava através do seu papel como ambiente aberto à espectação cinematográfica, peça urbana, construção arquitetônica que permitia acesso

ao audiovisual a partir da rua. Pensamos as salas de cinema como componentes das ruas, verdadeiras peças entremeadas às mobilidades que as pessoas realizam no espaço urbano. Nesse trilho, consideramos os cinemas, especialmente os cinemas de rua, equipamentos citadinos que ativam determinadas formas de ser, agir e sentir nos transeuntes, os quais, ao frequentá-los, transformam e transmutam seus modos de participação no espaço, aliando condições de cidadania, pedestrianismo e espectação cinematográfica. Isto é, tendo o cinema – edificação, arte e pensamento – como componente da engrenagem urbana (e como componente das produções de subjetividade por meio dela engendradas), as pessoas passariam da condição de pedestre à condição de espectador, sendo ambas as condições impregnadas pelas ações dos sujeitos: tais modalidades se atravessam, se afetam, se compõem e não se anulam, potencializando-se. Aqui propomos, no entanto, que a sala de exibição, os componentes artificiais dos prédios da exibição, as marcas sensoriais que eles concebem com suas luzes, sons, temperaturas, tanto internas quanto externas, associam-se às corporeidades dos seus frequentadores. Esses elementos – sempre ao lado de outros aspectos (humanos e não-humanos, artificiais, sensoriais, mnemônicos, emocionais) – atravessam e compõem as produções de subjetividade dos espectadores, e são, por sua vez, também combinados e afetados por demais traços das engrenagens de subjetivação dessas pessoas. Vemos, portanto, uma produção de subjetividade que vai considerar os espaços construídos, os assédios da estética, os nossos “reflexos etológicos”, tal como sugere

Félix Guattari (1992: 159); e, no caso da Cinelândia da Tijuca, essa produção de subjetividade foi, por excelência, marcadamente tecida no ambiente da cidade, no coletivo, no espaço da urbe. Tomando esses dois exemplos de cinemas art-déco da Praça Saens Peña, acreditamos que, no auge de seu funcionamento, especialmente entre as décadas de 1940 e 1970, suas arquiteturas afirmavam também as estéticas dos filmes lá exibidos. Posturas mais relaxadas e até despreocupadas nos poeiras, posturas mais elegantes e calculadas nos movie palaces luxuosos: modos de estar que nos dão a indicação de que os espectadores dessas salas – ao experimentá-las visualmente e pela tateabilidade – podem ter vivido uma relação visceral, um “conhecimento” via corpo, a partir dos efeitos desses espaços construídos para a exibição cinematográfica. Acreditamos, deste modo, em um arranjo de partes múltiplas, não determinantes entre si, que trabalha independentemente, embora interligado a um universo de referências. Sintetizando, pode-se dizer que se alterou completamente a concepção comercial da exibição. Mudaram os filmes, as salas, o público, a geografia econômico-social da cidade. O deslocamento para a zona oeste e para shoppings parece irreversível. A elitização, pelos motivos já expostos e por ingressos cada vez mais caros (alguém teria que pagar pela hiperinflação dos custos de produção hollywoodianos...), aparentemente também se firmou (GONZAGA, 1996, 251). http://www.logos.uerj.br/PDFS/32/04_logos32_ferraz_ textoarquiteturas.pdf´

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ENTRE ARQUITETURAS E IMAGENS EM MOVIMENTO: CINEMAS, CORPOREIDADES E ESPECTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA NA TIJUCA


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REFERÊNCIAS PROJETUAIS

O Nitehawk Cinema and Apartments, do Caliper Studio, nos forneceu um dos poucos exemplos contemporâneos de cinema de rua conjugado com habitação e nos inspirou por sua escolha de materiais modernos na fachada, como chapas metálicas perfuradas por computador, porém conjugados com elementos retrô, alusivos aos primórdios da cinematografia. O interior de seus apartamentos também nos despertou para a necessidade de ambientes livres, claros, ao se lidar com o público amante da sétima arte. Assim decidiu-se pelo projeto de lofts que abrigassem os tipos mais variados de famílias (com dois quartos individuais; com um quarto de casal; com um quarto de solteiro; ou um apartamento para uma família de 4 pessoas), tendo em vista que o cinema é uma arte que alcança os mais variados públicos e idades.


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NITEHAWK


The Rock, um edifício de escritórios de Erick von Egeraat, serviu de referência para a solução estética adotada na elevação da rua Timbiras, onde os edifícios do cinema, o de escritórios, os de bares e o de kitnet se mesclam porém sem perder suas características e materialidade próprias. O Giardini di Porta Nuova, de Petra Blaisse, parte do princípio de criar caminhos que liguem pontos importantes de um espaço, diferenciando a largura desses passeios de acordo com os fluxos esperados naquele local - quanto maior o fluxo, mais largo o caminho. O Edifício de Escritórios de Jean Nouvel foi utilizado como referência devido ao seu material da fachada: uma tela metálica que, além de fornecer uma solução estética interessante, pode ser aproveitado como solução acústica e térmica, pois funcionaria como uma segunda pele, além de aprisionar as ondas sonoras no interstício de seus nós, fazendo com que percam energia e eventualmente se dissipem. A entrada para estacionamento da Casa da Música, no Porto, foi utilizada como referência para a rampa que dá acesso aos subsolos do projeto. O projeto para Borneo, em Amsterdam, forneceu uma boa referência do que poderia ser feito com a fachada dos bares, que já lembrava muito da mesma tipologia.

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THE ROCK


EDIFÍCIO DE ESCRITÓRIOS BORNEO GIARDINI DI PORTA NUOVA

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5 O PROJETO PARTIDO

O projeto proposto visa valorizar o centro de quadra, tão comumente negligenciado na realidade do urbanismo brasileiro e, simultaneamente, integrar as bordas com seu interior, de forma a refutar a configuração de centro-periferia tão criticada por Rem Koolhaas em seu livro SMLXL. Se não há centro nem periferia, não é preciso “comer essa quadra pelas bordas”. Assim, partimos do conceito de mordidas, incitado também pelos entremeios das galerias, para criar formas e caminhos que recortassem o espaço urbano. Nesse sentido, os volumes e as subtrações nos mesmos refletem esse conceito. Os edifícios se encaixam. Se mordem mutuamente, ou mesmo são rasgados por caminhos, se levantam em marquises para deixar o pedestre passar, abrem vistas para o interior da quadra.


O programa configurou-se em torno do novo equipamento público – o cinema – e da necessidade de habitação. Os blocos A, D e F são remanescentes e contribuíram para o projeto dos novos edifícios: busca-se o alinhamento dos mesmos e o estabelecimento de uma relação entre seus gabaritos, sem, entretanto, perder-se o vínculo com a escala do pedestre [exemplo: relação dos blocos B (lofts) e C (aptos 2 dorms) com os blocos A e D, respectivamente]. Os blocos E e F relacionam-se pela função: o bloco F será reaproveitado para bares enquanto o E é destinado a kitnets para estudantes. Em ambos os edifícios de habitação propostos utilizou-se a mesma estratégia de recuos e projeções, porém devido a imposições projetuais distintas. O pavimento térreo do bloco E (kitnets) recua de forma inclinada com relação à projeção dos pavimentos acima dele para convidar o pedestre a caminhar para o interior da quadra. No bloco C (lofts), o mesmo tipo de recuo acontece, porém, nesse caso, o objetivo é manter o alinhamento do pavimento térreo com a guia da calçada, permitindo que aplicado o corte tipo sugerido em toda sua extensão.

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USOS E ORGANIZAÇÃO ESPACIAL

PROGRAMA DE NECESSIDADES


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ORGANIZAÇÃO VERTICAL DOS BLOCOS B E C


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CORTE

SUPERIOR

INFERIOR

LOFT TIPO 1:100


O cinema foi projetado pensando em sua relação com a luz, o que também remete ao nome da região em que este está inserido. É impossível negar a qualidade paradoxal da luz numa sala de cinema: por um lado, a presença da luz externa não é bem vinda; por outro, não se faz cinema sem luz. Visando respeitar essa relação, o edifício brinca com essa dualidade entre luz e escuro e, por isso, é revestido externamente por uma cor escura e aberturas sutis. Propõe-se que o revestimento externo do edifício seja de concreto translúcido (constituído por milhões de micro furos aerados que permitem a passagem da luz sem comprometer o desempenho estrutural do material). Assim, durante o dia enxergamos um volume escuro, que é o oposto do edifício claro e envidraçado ao seu lado direito (escritórios), reforçando sua sobriedade. Porém ao entrar no edifício a luz exterior penetra pelas paredes de cimento transparente, criando silhuetas e imaginários de personagens, o que remete ao princípio do cinema e, como já foi dito, ao nome

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O CINEMA

da região, além de criar uma atmosfera diferente e agradável. Além disso, durante a noite, período de fluxo mais intenso no cinema, essa relação se inverteria, a luz artificial do interior do prédio vazaria pelas fachadas, fazendo com que o cinema passasse a ser o edifício claro da quadra, convidando o público a assistir um filme.


projeto de arquitetura-cinema http://vitruvius.es/revistas/read/arquitextos/09.107/62

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“Quando percorremos territórios, estamos realizando uma espécie de pensamento-cinema. O cinema tem emprestado algumas noções à arquitetura, principalmente a noção de seqüência, como recorda Paul Virilio. Dito de outro modo, noções como deslocamento, de velocidade, da memória em relação a um percurso imposto ou a um percurso conhecido, permitem-nos compor um espaço arquitetônico, não somente a partir daquilo que se vê, senão a partir daquilo que se memoriza em uma seqüência que se encadeia sensitivamente. A partir desse momento, surgem contrastes entre o que se cria e o que se estabelece na origem da percepção do espaço.”


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SITUAÇÃO PROPOSTA

São Paulo é uma cidade com o solo bastante impermeável. Buscando resolver este problema,algumas soluções foram adotadas. As calçadas perimetrais da quadra foram alargadas gerando um pequeno recuo em todo o andar térreo. Com o aumento do passeio, criou se um canteiro para aumentar a permeabilidade do solo, e um pequeno córrego que auxilia no escoamento das águas pluviais. Essas alterações da calçada existente também buscam o conforto do transeunte, que estará protegido do sol pelas marquises formadas pela projeção do primeiro pavimento, e pela sombra das árvores do canteiro central. Além disso, também foi projetada uma ciclovia para fora do limite da rua e separada desta por uma diferença de nível, o que traz maior segurança e conforto para o ciclista.

SITUAÇÃO ATUAL

FLUXOS CALÇADAS


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ESTACIONAMENTOS

Para o problema do automóvel, tentou-se criar um estacionamento que se configurase como uma extensão real daquilo que ocorre na superfície, dispondo-se de acessos verticais para os outros programas da quadra.


ESQUEMA DOS FLUXOS QUE CONFIGURARAM O PAISAGISMO

No interior quadra criou se uma praça com a proposta de ser uma área de convivência agradável, uma espécie de respiro no meio do agitado centro da cidade. Esta possui apenas duas funções definidas: uma local coberto por um pergolado destinado a ser um opção de área externa aos bares e também a conexão deste com o cinema – dois equipamentos de lazer de uso prioritariamente noturno. Além de um acesso de pedestres com uma pequena cobertura para o estacionamento. Além disso foram traçados caminho de espessuras diferentes, que variam de acordo com os supostos fluxos que aconteceriam no interior da quadra e procuram seguir a direção dos mesmos. Nas áreas em que a insolação era mais intensa foi feito um maior adensamento na vegetação, com árvores de copas globosa. Os espaços que se formaram entre os caminhos traçados, foram preenchidos por grama, decks e concreto [mesmo material dos percursos]. A variedade de materiais insinua a possibilidade de diferentes usos daquele espaço, mas deixa em aberto para que a população de aproprie do miolo da quadra da maneira que melhor lhe convir.

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PAISAGISMO


ANÁLISE DA SITUAÇÃO DE INSOLAÇÃO MENOS FAVORÁVEL

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= SOLSTÍCIO DE VERÃO . 16H

SOBREPOSIÇÃO DAS ÁREAS DE SOMBRA

AS ÁREAS DO PISO QUE PERMANECERAM BRANCAS RECEBEM SOL O DIA TODO

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SOLSTÍCIO DE VERÃO . 9H

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> ANÁLISE DAS ÁREAS CRÍTICAS [VERMELHO]

DISPOSIÇÃO DAS ÁRVORES

DE FORMA A PROTEGER AS ÁREAS CRÍTICAS


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ESQUEMA DE TETO VERDE CONJUGADO COM REUSO DE ÁGUA ESCALA 1:200

Teve-se bastante em vista a questão do conforto: Uma solução adotada para a questão do conforto térmico foram telhados verdes. O edifício de habitação projetado tem uma fachada voltada para noroeste que, com estudos de insolação, percebeuse que requereria de uma solução projetual específica para essa questão. Assim, projetou-se uma ampla cobertura com inclinações acentuadas, recobertas por teto verde, que contribui para o conforto ambiental no interior das residências, reduzindo em até 2ºC a temperatura dos ambientes imediatamente adjacentes – algo positivo já que durante o verão a região da luz torna-se bastante quente e abafada. O teto verde assume também uma outra função no projeto: drenar o fluxo d’água para um sistema de cisternas para reuso da águas da chuva, o que além de aumentar as permeabilidade do solo oferece uma utilidade para as águas pluviais. Para o problema da impermeabilização do solo, escolheu-se a utilização de bloco de concreto intertravado por toda a extensão da praça.

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ESTRATÉGIAS DE CONFORTO


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solstício de verão

solstício de inverno

equinócio de primavera equinócio de outono

ANÁLISE NO VASARI DEMONSTRANDO A NECESSIDADE DE PROTEÇÃO NAS FACHADAS OESTE


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Também pensando no conforto térmico o mesmo edifício citado anteriormente foi revestido com uma segunda pele metálica na fachada voltada para rua Aurora. As aberturas foram feitas na face sudoeste do prédio e a noroeste,revestida com a pele metálica, ficou apenas com a circulação. Além da insolação, a escolha na orientação dos apartamentos atenua os ruídos proveniente da rua Aurora, e oferece e uma vista agradável do interior da quadra. No bloco de kitnets, propõem-se a mesma solução adotada no bloco D, além de brises móveis como proteção da fachada leste Pensando também no conforto térmico, foram colocadas aberturas grandes no acesso ao subsolo. Para atenuar a hostilidade, comum às garagens em geral, fez-se com que o acesso ao estacionamento fosse por uma abertura integrada à grande praça permeável que se forma no interior da quadra na projeção da estrutura cinema. Arquibancadas geram uma área de lazer e estar, onde eventualmente podem ser projetados filmes ao ar livre, além de serem a conexão com o estacionamento por amplas aberturas que permitem a ventilação do mesmo.


6 IMAGENS


• 37 • ELEVAÇÃO SUDESTE


• 38 • ELEVAÇÃO SUDOESTE


• 39 • ELEVAÇÃO NOROESTE


• 40 • ELEVAÇÃO NORDESTE


ESQUINA DA TIMBIRAS COM A ANDRADAS

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ÁREA INTERNA DE BARES

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ENTRADA PELA SANTA IFIGÊNIA

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• 44 • ESQUINA DA SANTA IFIGÊNIA COM A AURORA


PRAÇA

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