TAIOM ALMEIDA DA SILVA
TATUAGEM URBANA PIXAÇÃO HUMANA
Brasília, 2010
TAIOM ALMEIDA DA SILVA
TATUAGEM URBANA PIXAÇÃO HUMANA Visualidade marginal
Trabalho de conclusão do curso de Artes Plásticas, habilitação em Bacharelado, do Departamento de Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade de Brasília. Orientadora: Prof.ª Dra. Maria Beatriz de Medeiros.
Brasília, 2010
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SUMÁRIO Apresentação ................................................................................................................. 4 Abstract .......................................................................................................................... 4 Introdução ...................................................................................................................... 5 1. REFERÊNCIAS VISUAIS ..................................................................................... 7 1.1 Tatuagem de Cadeia ................................................................................................ 7 1.1.1 Maras .................................................................................................................. 10 1.1.2 Vor v Zakone ...................................................................................................... 12 1.2 Pixo ........................................................................................................................ 15 2. CORPOS E PEDAÇOS ......................................................................................... 20 2.1 Os corpos e suas gravações ................................................................................... 20 2.2 Estilhaços ............................................................................................................... 21 3. T.U.P.H. .................................................................................................................. 23 3.1 Composições Urbanas ........................................................................................... 23 3.2 Certificação INMETRO de Prostituta Limpinha ................................................... 25 3.3 Saci CRK ............................................................................................................... 32 3.4 Pixo Vivo ............................................................................................................... 35 3.4 Proposta Final: A casa ........................................................................................... 37 4. CONCLUSÃO ........................................................................................................ 40 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 41 ANEXOS .................................................................................................................... 43 a) Entrevista: Djan CRIPTA ...................................................................................... 43 b) Fala no Grupo de Pesquisa DG – Guerrilhas Estéticas. Belém, PA ...................... 50
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APRESENTAÇÃO
O trabalho trata das conexões entre tatuagens e pichações, simbologias e conceitos destas visualidades ligadas à marginalidade e seus desdobramentos, seja no corpo humano ou no corpo urbano. A tatuagem da cidade e a pichação do corpo, são os pontos iniciais da pesquisa poética onde se baseia a produção artística do autor, que se desdobra no campo das Composições Urbanas1 e Tatuagens. Palavras-chaves: tatuagem, pichação, composição urbana, arte.
ABSTRACT This work is about the connections between tattoos and graffiti, symbols and concepts of these visualities connected to the marginality, and its deployment, may it be in the human body or in the urban body. The tattoo of the city and pitching of the body are the starting points of poetic research which is based on the artistic production of the author, which unfolds in the field of Urban Compositions and Tattoos. Keywords: tattoo, graffiti, urban compositions, art.
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Termo utilizado pelo Grupo de Pesquisa Corpos Informáticos, em contraposição ao termo ‘intervenção urbana’, pois não pretende intervir na cidade, mas sim compor com ela novos contextos.
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INTRODUÇÃO A visualidade ligada ao corpo humano/urbano é a base da pesquisa, que entre inúmeros desdobramentos e possibilidades, mantém o foco nas inscrições marginais e subversivas presentes no indivíduo/coletivo. O Trabalho de Conclusão de Curso aqui apresentado busca rever e estudar as características estéticas subversivas que permeiam corpos de pessoas e cidades, e reconfigurar suas visualidades e seus conceitos na produção artística contemporânea. A metodologia utilizada para realizar meu conjunto de obras, absorve também a personalidade do objeto estudado, que foi localizado em uma área marginal dentro de um campo também marginalizado pela sociedade. Quase escondidos num canto escuro e de difícil acesso do universo da tatuagem e do grafite, estão localizados os focos da minha pesquisa: as tatuagens de cadeia2 e as pixações3, respectivamente. A tatuagem acompanha a história da humanidade há pelo menos cinco mil anos e de lá para cá, passou por diferentes fases de aceitação, ora como símbolo de nobreza e bravura, ora como estigma de escravos e prisioneiros (RAMOS, 2001). Atualmente, a tatuagem já alcançou o status de arte, um mercado amplo, e aparece nas ruas do mundo inteiro, mesmo que ainda seja mal vista por alguns setores. Dentro desse universo visual, existe um subgrupo que é claramente marginalizado, tanto por tatuados quanto pela população de modo geral. Tatuagens de aspecto grosseiro, feitas com técnicas rudimentares, mas que carregam um significado muito forte: são as chamadas tatuagens de Cadeia. Geralmente feitas por criminosos, dentro ou fora dos presídios, traduz em seus traços toda uma subcultura, criada por quem foi posto à margem da sociedade dominante. É nesse contexto que pesquiso referências visuais e conceitos para estruturar a minha criação artística. Outro campo onde busco referências é o que se habituou chamar de street art, ou arte urbana, que a partir do grafite nova-iorquino dos anos 70 foi se ampliando, e atualmente abrange infinitas possibilidades de intervenção no espaço público urbano (GITAHY, 1999). O que começou como manifestação transgressora e ilegal, já ocupou também o espaço institucionalizado de arte, e passou então a ser aceito, comprado, e bem visto em muitos contextos. Porém, uma semente transgressora ainda resistiu à popularização da arte urbana. 2
Termo popular para designar tatuagens características de organizações criminosas podendo ter sido feitas dentro ou fora dos presídios, de forma rudimentar e artesanal e que geralmente apresentam um aspecto tosco. 3 Escrita com ’x’, como utilizada pelos grupos envolvidos, demonstra o caráter subversivo inerente ao ato, que neste caso subverte a própria língua portuguesa.
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Combatida e chamada de vandalismo, a pixação resistiu mantendo sua essência, como o grito existencial de quem foi posto na periferia dos centros urbanos. Esse estado bruto e violento que transparece na tipografia das pixações me chamou a atenção, e é por essa força contida que preferi apontar minha pesquisa nessa direção. Em 2008, quando focalizei minha pesquisa acadêmica para os ‘subsetores’ marginalizados, tanto no campo da tatuagem quanto no da street art, enxerguei o objeto de estudo com as lentes de um conhecimento acumulado, por já estar inserido nestes dois universos a muito mais tempo, antes mesmo de ingressar na vida acadêmica. Esta visão diferenciada guiou minha atual pesquisa por caminhos não convencionais, que resultaram num conjunto de obras conectadas ao texto e às referências estéticas. As obras que apresento são as Tatuagens Urbanas e as Pixações Humanas, que utilizam como suporte o corpo, tanto no seu entendimento coletivo como individual. As Tatuagens Urbanas são um conjunto de três trabalhos de composição urbana, que interagem com a cidade e seus habitantes. Ações que pretendem tornar visível no corpo coletivo, rastros da sua vida, da sua história, dos acontecimentos marginais que permeiam a sociedade atual, que são quase sempre esquecidos ou ignorados, por transgredirem as regras de conduta da sociedade civilizada, trazendo aos olhos fragmentos e indícios da ocupação dos espaços sociais por grupos marginalizados. Já as Pixações Humanas, são como gravuras corporais, tatuagens que atravessam a anatomia da mesma forma que as pixações transpõem a arquitetura. Funcionam também como rastros, indícios, dicas, memórias da vida daquele corpo que a carrega. Demonstram a influência do território e do contexto social na formação do indivíduo contemporâneo, que ultrapassa fronteiras geográficas sem perder o laço com o ponto de partida. Como parte deste conjunto de obras que desenvolvi ao longo da pesquisa, o texto surge com um papel importante: o de entrelaçar de forma rizomática os campos estudados e as obras compostas, conectando signo e significados, fragmentados e reconfigurados. O elemento textual faz parte da obra estética, trazendo consigo características semelhantes ao do trabalho visual. Ele se conecta com as outras obras, sem tirar do espectador a liberdade de interpretálas (MARTINS, 2009). Sendo então parte considerável do resultado estético da pesquisa, a escrita que apresentarei como monografia e obra de arte, incorpora características de transgressão e reconfiguração de regras textuais acadêmicas, do mesmo modo que seus objetos de estudo fazem com as regras sociais.
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1. Referências Visuais “seja marginal, seja herói!” Hélio Oiticica.
1.1 - Tatuagem de Cadeia. Basicamente, tatuagem é o ato de introduzir sob a epiderme substâncias corantes, a fim de deixar visível na pele alguma marca. Mas seu significado sociocultural vai muito além de uma simples dermopigmentação4. Força sagrada, status de nobreza, luto, guia no mundo dos mortos, cura de doenças, excitação, escravos, ladrões, prisioneiros, prostitutas e cristãos são algumas das atribuições dadas aos tatuados e suas marcas (RAMOS, 2006 e 2001), desde os registros mais antigos deste tipo de intervenção no corpo humano (datados de cinco mil anos)5. Já foram feitas utilizando espinha de peixe e tinta extraída de polvo, ou com agulhas de aço e máquinas movidas a ar comprimido, mas seu princípio básico de perfurar a pele deixando uma marca permanente em um corpo vivo, permanece. Assim como aconteceu com a gravura, que surgiu como técnica de reprodução e multiplicação de imagens, e só tempos depois ocupou o mesmo espaço dado a técnicas como a pintura, o desenho e a escultura, a tatuagem contemporânea também já chegou a ser reconhecida como obra de arte e foi mundialmente popularizada. Mas não é sobre o isso que fala minha pesquisa. O que me desperta interesse – e é onde meu trabalho busca referência – não são as tatuagens contemporâneas feitas em ateliês e estúdios modernos, nem como foi desassociada a imagem suja da prática, que passou a ser tida como objeto de luxo, queridinha da moda, e digna de programas de televisão no mundo inteiro. Estudo esta gravação corporal no ambiente marginal, escondido e repudiado, das chamadas tatuagens de cadeia6 – que escancaram no seu traço toda a potência deste universo obscuro. E que se estruturam como um código fechado, feito para ser interpretado por aqueles que de alguma forma se conectaram ao universo da criminalidade7.
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Termo médico para o ato de pigmentar a pele. LAUTMAN, Victoria. The New Tattoos. 1991. citado por RAMOS, Célia Maria. Teorias da Tatuagem, Florianópolis, 2001. pg 26. 6 Termo popular para designar tatuagens características de organizações criminosas e comumente feitas dentro de presídios, de forma rudimentar e artesanal e geralmente apresentam um aspecto tosco. 7 SILVA, Marina Albuquerque. As tatuagens e a criminalidade feminina. 1991. citado por TOFFOLLI, Rodrigo de Oliveira. Corpos tatuados: preliminares a uma abordagem semiótica. 2005. 5
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Inscrições carcerárias são práticas frequentes em muitas sociedades, em diferentes épocas, e foram registradas também no Brasil. Por aqui, já nos anos 20, as pesquisas do psiquiatra Moraes Mello, que trabalhou na Casa de Detenção (Carandiru) em São Paulo, registraram e analisaram mais de três mil diferentes marcas nos corpos dos detentos daquele presídio, e pretendiam começar a decifrar tais códigos (RAMOS, 2006). Além dos motivos estéticos e resultado do ócio nos tempos de privação de liberdade, os estudos do Dr. Moraes Mello concluem também que as tatuagens carcerárias apontaram para traços da personalidade do criminoso, mostrando tanto as especialidades do detento no mundo do crime, quanto os seus amores e preferências sexuais. Pesquisa pioneira no Brasil, ainda hoje é utilizada como fundamento científico da Escola de Administração Penitenciaria de São Paulo8. Pontos tatuados no dorso da mão entre o indicador e o polegar podem mostrar, por exemplo, quais delitos o portador é tendencioso. Um ponto para batedores de carteira, dois para estupradores, três para traficantes, quatro e cinco para ladrões. E dependendo da localização, é possível saber a posição hierárquica do indivíduo perante a quadrilha (como mostra o quadro disponível na página online da E.A.P - SP9). Corações atravessados por uma flecha e com a inscrição “Amor de Mãe” eram usados por homossexuais passivos, já a imagem de um crânio atravessado por um punhal designava os matadores de policiais. Estes são apenas alguns exemplos dos resultados da pesquisa, mas que atualmente não podem ser tomados ao pé da letra. “Não acredito que os presos de hoje em dia saibam o que significam as imagens gravadas em seus corpos. (...) Essa coisa da tatuagem ter um significado é coisa do passado.” diz o médico Dráuzio Varella, em reportagem de Giuliano Cedroni10, sobre o trabalho de Moraes Mello.
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http://www.eap.sp.gov.br/ http://www.eap.sp.gov.br/signif1.htm 10 Revista TRIP, ano 11, No 58, pg.36. 9
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1: Código de pontos. Fonte: E.A.P – SP.
2: Imagens recolhidas do acervo da Escola de Administração Penitenciária de São Paulo. A reprodução fotográfica está no site da EAP.
Dentro deste universo carcerário, dois grupos que construíram uma cultura visual bastante elaborada por meio das tatuagens, me chamaram a atenção. São eles: as gangues salvadorenhas Mara Salvatrucha e Mara Diesiocho; e a máfia russa Vor v Zakone.
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1.1.1 - Maras. A começar pela Mara Salvatrucha, o que me chamou bastante atenção foram o excesso e a localização de suas tatuagens. A MS 13 (abreviação do nome da gangue) é uma quadrilha que surgiu nos anos 80, formada por imigrantes fugitivos da guerra civil de El Salvador, instalados nas áreas de baixa renda de Los Angeles. Esse fluxo de imigrantes buscando emprego e moradia não foi bem recebido pela população local, tornando-se vítimas da violência das gangues já existentes. Seus fundadores foram ex-guerrilheiros salvadorenhos, e a gangue logo ficou conhecida como a mais violenta da região, substituindo rapidamente seus rivais e tomando territórios, principalmente pontos de venda de drogas. O nome vem da combinação de “Los Maras”, uma violenta gangue de rua de El Salvador, e o termo “Salvatrucha” utilizado para designar os guerrilheiros da Frente de Libertação Nacional Farabundo Martí . Já o numero 13, é atribuído como homenagem a “Mexican Máfia”, gangue de mexicanos nos presídios californianos, onde a formação das quadrilhas não se dá mais por motivos bairristas, como eram nas ruas (GREEN, 2003). Quando dentro dos presídios, as gangues passam a se agrupar por motivos étnicos, como a Arian Brotherhood e a Black Guerrilla Family11. Um pouco depois, a partir de ex-integrantes da MS 13 e membros de outras gangues de negros, surge um grupo rival, a Mara 18, que carrega este nome por ter se iniciado a partir da eighteen street. Com a deportação de membros da MS 13 à El Salvador, a quadrilha cresceu ainda mais, espalhando-se também pela Guatemala e Honduras, e hoje é atuante em mais de dez países. Com a sequência de atos violentos praticados pela guerra entre as gangues, Honduras e El Salvador, implantaram em 2004, leis anti-gangues, onde um suspeito de pertencer a organizações criminosas poderia ser preso por até 12 anos12. Ter uma tatuagem com referências a tais gangues já era considerado prova suficiente para prender um suspeito, o que fez com que os iniciados na quadrilha, gradativamente parassem de se tatuar. Mas antes destas leis discriminatórias, as tatuagens dos Maras Salvatrucha e dos Maras Dezoito tinham uma característica bem peculiar, principalmente entre tatuagens de cadeia, pois era comum ver os membros da gangue com tatuagens no rosto, pescoço e mãos, lugares difíceis de serem vestidos. Geralmente, tatuagens de organizações criminosas tendem a ser 11
Informações extraídas do filme AMERICAN ME, de Edwad James Olmos; 1992. inspirada na historia real da formação da Máfia Mexicana dentro do presídio Folson, na Califórnia. 12 Informações extraídas do documentário LA VIDA LOCA, de Christian Poveda; Espanha/ França/ México, 2008.
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mais discretas ou possíveis de ser escondidas, visando à possibilidade do indivíduo não ser facilmente reconhecido e passar despercebido, facilitando assim suas atividades criminosas. É o caso dos Yakuza13, que tatuam o corpo inteiro, mas tradicionalmente essas tatuagens não podem ultrapassar o pulso, o tornozelo e o pescoço do mafioso (FELLMAN, 1986). Tatuar o rosto como prova de coragem, era comum entre a tribo Maori14. Motivo de orgulho e prova de sua posição na hierarquia social, estas inscrições corpóreas só eram permitidas a homens livres e nobres. Nas Maras, essas características de coragem e orgulho também são notadas, bem como um sentido de identidade pessoal/coletiva. Ao tatuar o próprio rosto com os símbolos de suas gangues, o jovem demonstra sua bravura e seu desejo de pertencer à “família” (como eles se chamam) assumindo para sempre a identidade do grupo. O que antes era a sua identificação visual particular, as feições do rosto que identificam um individuo, agora passam a pertencer ao grupo, ao coletivo. Assim, a visualidade da gangue passa a fazer parte de seu rosto, da sua identificação pessoal.
3: Jovem integrante da Mara Salvatrucha, com tatuagens faciais, características de sua gang. “MS”, “SALVATRUCHA”, “100%”, “13”, são algumas das inscrições visíveis neste exemplo.
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Organização criminosa japonesa; grupos organizados e com regras rígidas e específicas, influenciam diversos segmentos da sociedade japonesa, e seu surgimento é datado do século XVII. Reconhecidos pelas tatuagens Irezumi, (tatuagem tradicional yakuza) que cobre quase que completamente o corpo. Por utilizarem a prática de tatuagens desde muito tempo, criou-se no Japão um consciente coletivo que associa diretamente a tatuagem com a máfia (MONDADORI, 2006). 14 Povos nativos da Nova Zelândia. Conhecidos também por possuírem métodos primitivos de tatuagens, e pelo sentido sócio-cultural dessas marcas. (MONDADORI, 2006).
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4: Aqui aparece também a sigla “LA” caracteristica de Los Angeles, e também o símbolo “El cornos del Diablo” um signo feito com as mãos que simboliza os Mara Salvatrucha.
1.1.2 - Vor v Zakone. Já na máfia russa, as tatuagens assumem um papel muito maior dentro da sua organização. “Em prisões russas, sua história de vida está escrita em seu corpo, em tatuagens. Você não tem tatuagens, você não existe." disse um detetive da Scotland Yard, personagem do filme Eastern Promises. 15 Os Vor v Zakone ou “ladrões na lei” não costumam tatuar o rosto, porém a complexidade e a riqueza de seus códigos chamam a atenção. Sendo uma organização hierárquica, as tatuagens têm o papel de classificar essa escala social dentro da facção, podendo até ser removida com processos químicos caso um membro perca um determinado cargo. O uso destas tatuagens pode ser voluntário ou forçado, como forma de punição do indivíduo dentro da sociedade criminosa, e aqueles que possuem tatuagens com os símbolos russos sem o devido merecimento, podem ser punidos com a morte (SIDOROV, 2008).
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Eastern Promises do diretor David Cronenberg. Universal, 2007.
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Nascidos nos campos de prisioneiros de Stalin, os Vory se transformaram nos barões do crime, assumindo o status de elite do submundo na Rússia. Possuem um rigoroso código de honra e lealdade, e até um dialeto próprio, características que se refletem em suas tatuagens. Eles estão envolvidos em todo tipo de prática criminosa, desde pequenos roubos, prostituição, tráfico de drogas e de armas, até esquemas de lavagem de bilhões de dólares, também atuando como juristas não oficiais nos conflitos entre facções criminais. Os simbolismos desta facção são tão complexos e secretos quanto ela mesma. Saber identificar suas tatuagens pode trazer detalhes precisos sobre a vida do tatuado. Assim como as imagens dos ortodoxos russos representam os trabalhos piedosos dos santos, as tatuagens dos Vory detalham suas façanhas criminais. É essa riqueza de informação que torna esta prática característica da máfia Russa (SIDOROV, 2008). Através das suas tatuagens, é possível saber aonde o mafioso as fez, em qual presídio cumpriu pena, o número de condenações, se é órfão, se atua no campo ou na cidade, se é descendente de membros da máfia, quais tipos de crimes praticou, se é viciado em drogas, se passou por centros de reabilitação juvenil, se é antissemita, se é fugitivo, dentre outros aspectos possíveis de serem deduzidos a partir da análise das suas gravações corporais.
5 e 6: Esta tatuagem indica alto cargo na hierarquia da Máfia, como capitão, major etc. Já o crânio geralmente designa assassinos.
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7: As estrelas nos ombros indicam que ele pertence à máfia, e o crucifixo no meio do peito significa: “príncipe dos ladrões”, entendendo-se que este tem uma alta posição na hierarquia criminosa.
Outra característica interessante das tatuagens de cadeia é a técnica desenvolvida para gravação de corpos. Desde máquinas de tatuar feitas com motor de barbeador, agulhas com cordas de violão, fabricação da tinta a partir da fuligem da raspa da borracha da bota dos detentos, misturada à própria urina do tatuado, ou até cinzas de cigarro com saliva, e suas demais variações, de acordo com os materiais disponíveis no cárcere (MONDADORI, 2006). Esta técnica improvisada confere aos desenhos uma estética particular, um aspecto rudimentar que atravessa a visualidade da marca, como característica do seu modo de produção. Traços grosseiros causados pela falta de precisão dos instrumentos, falhas, distorções, borrados provocados pelo movimento do pigmento no tecido subcutâneo, interrupções na plasticidade da imagem, cicatrizes provocadas por inflamações consequentes da falta de higiene, e até mesmo os desenhos primitivos e sem estudos feitos por amadores, são notados como elementos estéticos marcantes deste tipo de incisão no corpo.
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1.2 - Pixo Paulista. Na esfera urbana, as inscrições marginais que utilizo como referência visual, são as pixações. “Tais impulsos na cidade, revelam desejos e necessidades que estão além do lugar ofuscado da legislação caduca que tenta rechaçá-las”, diz o professor de Mestrado em Artes, Luizan Pinheiro da Costa16. É através delas que anônimos ganham a sua visibilidade, demarcam seus territórios, deixam rastros, escrevem nas paredes suas identificações e deixam registros de suas existências, de suas ideias e também de como se inserem na sociedade da qual foram marginalizados. “E a essência da pixação mesmo é um corre existencial de uma parte da população que vive à margem, na periferia, que acaba encontrando no movimento uma opção de lazer e de reconhecimento social.” Como define Djan ‘CRIPTA’17, pixador desde 1996, numa conversa/entrevista18 que tivemos. Assim como as tatuagens de organizações criminosas, as pixações dificilmente são compreendidas por quem não está diretamente relacionado com elas. São também um código fechado, restrito, que comunica diretamente de pixador para pixador, “ela não se comunica com a sociedade. Ela é uma agressão. Ela é feita para agredir a sociedade” como define Choque, fotógrafo envolvido com o movimento de pixação em São Paulo, em relato no documentário PIXO19 (2009). Letras que podem dizer de onde veio quem as escreveu, qual seu propósito e como ele se organiza, passam quase despercebidas todos os dias, pois pessoas comuns não conseguem decifrar essa linguagem. A “pichação explode nas cidades, produzindo caoticidade na constituição visual do sistema urbano”, como uma espécie de “expressionismo abstrato” como foi citada por Costa20, sendo “resultante dos acontecimentos socioculturais”. Neste campo, a referência principal é a cena paulistana de pixações, também conhecida como “pixo paulista” e cenário único no mundo. Possui características tão singulares que o torna produto de exportação, por ser considerado um fenômeno tipicamente brasileiro, mais especificamente da cidade de São Paulo. Falo de pixações e não de grafite, pois são fenômenos diferentes, embora estejam intimamente relacionados. Vejamos as definições do dicionário Houaiss para os termos: 16
Vice-coordenador do mestrado no Instituto de Ciência da Arte, da Universidade Federal do Pará. Envolvido nos ataques à 28ª Bienal, e integrante do grupo convidado para exibir registros do movimento paulista de pixações na 29ª Bienal de São Paulo, em 2010. 18 Em anexo. Gravada em 17 de outubro de 2010, na estação de trem de Osasco. 19 Do diretor João Wainer, lançado em 2009. 20 COSTA, Luizan Pinheiro da. Em ensaio Pichação: expressionismo abstrato e caos urbano. 2001. 17
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gra.fi.te s. f. 1. Lápis próprio para desenhar. 2. Palavra, frase ou desenho, geralmente de caráter jocoso, em muro ou parede de local público ou privado. pi.cha.ção s. f. 1. Ato ou efeito de pichar; pichamento. 2. Escritos e desenhos em muros de via pública.
Essa separação entre Grafite (ou graffiti, como é comumente utilizado) e Pichação, não acontece em outras línguas, como no inglês onde o mesmo termo define os dois conceitos (GITAHY, 1999). Aqui, parece ter um abismo entre as duas práticas, uma mais facilmente associada à arte, e a outra ao vandalismo. Porém, os limites dessa separação não são claramente especificados. Linha tênue que separa o que pode ser arte do que pode ser crime. Embora exista o entendimento coletivo de que grafite e pichação são ações diferentes, não se pode afirmar com certeza onde está localizada a separação. O código penal brasileiro distingue as duas atividades, usando os termos ‘pichação’ e ‘grafitagem’ separadamente, o que afirma a ideia de que não são sinônimos. “São dois movimentos distintos que tem a mesma essência” diz CRIPTA. Mesmo com suas diferenças, as duas modalidades se encaixam no mesmo artigo da Lei dos Crimes Ambientais21. Conceitualmente, a separação entre pixação e grafite passa pelo argumento de que a primeira não possui elaboração ou técnicas gráficas, e é desprovida de caráter artístico, ao passo que a segunda, de acordo com suas origens morfológicas, seria uma forma de expressão artístico-visual (plástica ou não) que utiliza um conjunto de palavras e/ou imagens, a fim de transmitir uma mensagem de reflexão. Por isso, “passa a ter uma aceitação melhor perante a sociedade, mas também perde sua essência transgressora”, como lembra CRIPTA. As gerações de pixadores paulistas, ao longo de décadas, vem destruindo estes conceitos, de modo que não se pode afirmar, de maneira nenhuma, que suas grafias não possuem elaboração ou técnicas gráficas, e nem se pode negar-lhes um caráter artístico. A cena urbana construída na megalópole possui uma visualidade única no mundo, onde estes gráficos já estão tão adaptadas ao seu contexto, que dialogam de forma coerente com a paisagem da capital paulista, onde a arquitetura serve de linha-guia para a escrita, como um caderno de caligrafia a céu aberto. Os desníveis sociais, a criminalidade, a organização
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Lei N.º 9.605 de 12 de fevereiro 1998. Art. 65. Pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. Parágrafo único. Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de seis meses a um ano de detenção, e multa.
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espacial, e toda a multiculturalidade e caoticidade da cidade, fizeram com que nela brotasse uma identificação visual singular, cheia de características tipicamente brasileiras. Essa tipografia peculiar foi se desenvolvendo lentamente, e traços de suas possíveis influências podem ser identificadas como logos de bandas de rock, fontes góticas, etruscas, romanas antigas, as runas e etc. Fatores gestuais e técnicos também influenciam nas características
destas
letras,
e
dentro
deste
universo
caligráfico
existem
ainda
subclassificações, onde cada grupo elabora um alfabeto característico, buscando uma identificação mais marcante (CHASTANET, 2007).
8: Diagrama esquemático de possíveis associações para a construção da tipografia encontrada em São Paulo. Imagem retirada do livro Pixação: São Paulo signature.
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9: Diagrama de táticas e técnicas do pixo paulista. Retirado do livro Pixação: São Paulo signature.
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10: Prédio de 22 andares, no centro de São Paulo, coberto de pixações.
9: ‘Agenda’: como é chamada paredes onde encontram-se pixações de diferentes épocas.
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2. Corpo e Pedaços.
2.1 – Os corpos e suas gravações. “Nada é mais próximo da comunicação humana do que nosso próprio corpo.” Célia Maria Ramos.
O suporte utilizado numa produção artística é parte fundamental da obra, ele dialoga com a técnica e enfatiza certas características conceituais. A escolha do suporte é essencial para a concepção do trabalho, pois é ele que vai “carregar” a obra, e é através dele que esta se apresentará aos sentidos do interlocutor. Uma gravura em madeira traz consigo referenciais históricos e culturais diferentes de uma pintura em tela por exemplo, do mesmo modo que uma mesma pintura sobre tela ou sobre um muro tem significações sociais diferentes entre si. O suporte deste trabalho é o corpo. Primeiramente aquele feito de carne, sangue e pele, sagrado ou profano, o corpo humano. O primeiro e o último traje de uma pessoa, com o qual se entra e se parte da existência mundana (GRAHAM, 1993). Tido como o primeiro suporte da comunicação e o mais próximo das relações sociais, como definia o cientista político Harry Pross muitos dos seus escritos citados por Célia Maria Ramos 22. O limite físico do ser individual no mundo que o cerca, sua referência pessoal, é a superfície que divide o Eu dos outros. Uma camada maleável, que lhe confere formas e cores, área de contato entre o dentro e o fora. Em seguida, numa noção de pluralidade por meio de laços sociais, o corpo passa a ser coletivo. À medida que o indivíduo forma conglomerados humanos, sociedades, e se agrupa por aproximações culturais, a fronteira que delimita a noção de nós passa a ser o muro, ao invés da pele. Tanto os muros da casa de uma família, as muralhas de um castelo, ou as fachadas de arranha-céus, são os limites dos espaços individuais/coletivos, áreas sólidas que estruturam e organizam os ambientes privados/públicos. A necessidade humana de guardar informações, de transmitir conhecimentos e memórias, e o modo como essa motivação foi se desenvolvendo ao longo dos séculos, encontrou na gravura e na impressão, um modo de reproduzir tais conhecimentos e multiplicálos, fazendo com que uma memória ultrapasse o limite do tempo, o limite da linguagem oral. 22
Doutora em Comunicaçlão e Semiótica e professora do Ceart/Udesc.
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A gravura traz consigo este aspecto histórico duradouro e de socialização de memórias. Já na Bíblia, a palavra “gravado” significa “indelével”, “irrevogável”, e o verbo hebreu ‘zekher’ além de “gravar” também significa “lembrar-se” (KATZENSTEIN apud RAMOS, 2006). A tatuagem é a forma de gravar no corpo humano. Aquilo que faz dele o que realmente é: um material de troca simbólica (BAUDRILLARD, 1979). Interferência profunda e permanente, que rasga a pele e a faz sangrar. Deixa a marca da ação até o fim da vida de quem a carrega. Este desejo de permanência de uma escrita, já utiliza o corpo como suporte há muito tempo. Passando do corpo individual, para o corpo coletivo, essas gravações aparecem na forma de pixações e grafites. Interagem com a arquitetura de maneira semelhante com a qual um tatuador lida com a anatomia. Devido ao caráter transitório e efêmero, característico das ruas dos centros urbanos, as pixações por sua vez, carregam também essa impermanência, porém se fazem indeléveis através de sua incansável repetição, massiva, e presença histórica tão antiga quanto a própria organização do homem em sociedade. Aparece na epiderme urbana e assim como a tatuagem, lá se mantem enquanto houver vida no corpo que a ostenta. Vida que flui pelas entranhas asfaltadas, movimenta e ergue a cidade.
2.2 – Estilhaços. Como parte conectora das obras que apresento, o texto traz também, impresso em seu corpo, resquícios visuais das ações feitas entre ruas e pessoas. Do mesmo modo que o deslocamento de uma composição urbana destrói seu fator fundamental de compor junto com a cidade, ou ainda como o ato de arrancar uma pele tatuada neutraliza toda sua importância social, escrever este texto sem atravessá-lo com imagens, seria como o manter algemado. E pior, transformaria a escrita em grades e correntes que manteriam a obra “aprisionada por códigos”, deixando-a “esmiuçada em elementos precisos que possam se tornar significados” (MARTINS, apud MEDEIROS, 2009). Não pretendo, e muito me assusta, a ideia de fazer do texto uma arma contra a própria obra. Jamais pretenderia apresentar minha composição visual através de um tradicionalismo linguístico, que visa torná-la “palavra, significado específico, um manual de utilização” (MARTINS, apud MEDEIROS, 2009). Obra e texto são filhos da mesma pesquisa, e compartilham características e personalidade. No corpo pixado/tatuado deste texto, aparecem composições fotográficas, que não só registram as ações, mas deslocam fragmentos para além do espaço/tempo. Desta forma, o
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trabalho ganha dimensão, e pode alcançar observadores distantes das zonas de conflito. A foto aqui é tratada como documento e linguagem, testemunha e coautora destas composições. Compartilha com o conjunto de obras do qual faz parte, a estética transgressora que acompanha a pesquisa. O caráter proibido, efêmero, marginal, subversivo, que não busca explicar, apenas sugere uma leitura, fica claro também no registro fotográfico. Borrados e tremidos, sem foco nem permissão, são os rastros da forma com que as ações foram feitas e pensadas. Poetizadas. A adrenalina que correu em meu sangue, quando na calada da noite agitava a lata de spray e olhava para os lados me preparando para riscar uma parede, tremeu minha mão também na hora de registrar o resultado. As imagens trazem o conflito entre a velocidade necessária para capturar uma infração e a longa exposição que pedem as fotos noturnas. Ultrapassam a utilidade documental, e invadem as brechas no espaço da arte. O movimento frenético da máquina de tatuar, o sopro aerado de uma tinta spray e a batida arrítmica das teclas do computador, causam um ruído comum, característico ao trabalho.
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3. T.U.P.H. 3.1 Composições Urbanas Partindo das observações realizadas ao longo da pesquisa e das proximidades conceituais entre as técnicas e o suporte utilizado, o trabalho entra no campo da experimentação através de composições urbanas (como citado em nota anterior, o termo composição urbana é utilizado pelo Grupo de Pesquisa Corpos Informáticos23, em contraposição ao termo “intervenção urbana”, como convenciona-se denominar ações artísticas realizadas na rua, pois não pretende intervir na cidade, mas sim compor com ela novos contextos) que se configuram como marcas no corpo social, tatuagens carcerárias gravadas nos espaços marginais da cidade. Esta interação com a cidade e seus habitantes, tem o intuito de trazendo aos olhos fragmentos e indícios da ocupação dos espaços urbanos por grupos de delinqüentes, criminosos e contraventores. Elementos que são quase sempre esquecidos ou ignorados, justamente por transgredirem as regras de conduta da sociedade civilizada. Ao utilizar de signos retirados e adaptados de códigos fechados, como são as tatuagens de cadeia e a pixação, para deixar exposto a qualquer transeunte os indícios da história bandida que ocorre no espaço/tempo urbano, o trabalho encontra uma questão importante: Porque fazer meu trabalho na cidade, na rua, onde todos podem ver e poucos poderão compreender minha mensagem? Para responder esta questão, utilizo conceitos do grupo Corpos Informáticos a respeito de sinais nomadizantes e sinais noRmatizantes. O grupo explica que “o sinal noRmatizante (sic) assemelha-se à tatuagem, é previsível, advém de um projeto, se instala convenientemente em locais pré-estabelecidos, estigmatiza, classifica, e permanece no corpo como marca.” (AZAMBUJA, 2009). Já os sinais nomadizantes, são comparados a cicatrizes, e são definidos como sendo “sinais que produzem uma espécie de cesura, onde a espacialidade e atemporalidade anterior se tornam alteradas; uma tensão imediata e modificadora, arrebatamento, nocaute, desesclarecer momentâneo, questionamento obsceno, perturbador,
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www.corpos.org
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reflexos perplexos, pausas.”24 Assim, o sinal retira o corpo que o carrega da conveniência, e “permanece na memória do corpo e no corpo da memória.” (AMAMBUJA, 2009). Mas as tatuagens carcerárias também podem ser lidas como cicatrizes, marcas de uma vida de conflitos, lembranças da batalha. Cabe assim, interpretar minhas tatuagens no corpo urbano atuando como cicatrizes. Memórias de um corte feito na carne cinzenta da metrópole. Feridas por onde escorre a tinta sem pedir licença ou desculpa. Desse modo, as marcas que deixo na cidade, signos postos de maneira explícita ao alcance da visão de todos, são sinais noRmatizantes, numa função de sinais nomadizantes que convidam ao estranhamento. Sinal gráfico com força suficiente para despedaçar uma rotina comum, que não chega batendo, mas possibilita um nocaute. A ‘denúncia’ está lá escrita, mas não à maneira de um tablóide que escancara em suas manchetes: “EXTRA! EXTRA! PORTA DE ESCOLA SE TORNA BOCA DE FUMO!”; e sim de uma maneira silenciosa, um indício que sugere ao espectador um questionamento. Como convite, pode ser aceito ou não, percebido ou ignorado. Assim como as pixações não são decifradas por todos, mas apenas por aqueles que buscam tal compreensão, as tatuagens de gangue, só podem ser lidas plenamente por quem está familiarizado com estes códigos. Porém, quando se expõe um trabalho ele vai lido, entendendo-se a ideia inicial do artista ou não, em sua totalidade ou parcialmente, ou ainda de uma maneira totalmente nova, pois a leitura é feita de pré-supostos que mudam de espectador para espectador. Aqui encaixaria a definição do que seria uma Obra-Aberta, uma proposta de um campo de possibilidades interpretativas, como configuração de estímulos dotados de uma substancial indeterminação, de maneira a induzir o leitor a uma série de leituras sempre variáveis; enfim, como constelação de elementos que se prestam a diversos diálogos (ECO, 1991). Vale lembrar que esta ação criativa utiliza métodos semelhantes aos dos grupos estudados, e a dos que serão representados através das marcas. É prática ilegal e atividade de risco. A pigmentação da pele social transgride o planejamento urbano e coloca o artista na mesma situação que seu objeto de estudo, e por isso as ações então foram programadas para as madrugadas, sob a mesma escuridão que camufla a ocupação do espaço público, por quem foi publicamente banido do convívio social. Por apresentarem um menor fluxo social, quando as brechas do sistema ficam mais frouxas e passíveis de penetrações, as madrugadas ditam o ritmo das composições. 24
AZAMBUJA, Diego; MARTINS, Fernando Aquino; MEDEIROS, Maria Beatriz de. CORPOS INFORMATICOS. Arte, cidade, composição. Brasília: PPG-Arte-UnB, 2009. pg.18
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3.1 - Certificação INMETRO de Prostituta Limpinha. O primeiro plano de composição interage com uma ação tão antiga e presente na história da humanidade quanto tatuagens e pixações. Discriminadas, mal vistas, indignas e mesmo assim, sempre presentes, estas ações se misturam, conversam e se potencializam no espaço urbano. Para fazer esta amarração, busquei como referencial imagético uma tatuagem encontrada em algumas prostitutas russas que eram tratadas como propriedade da Vor v Zakone. Muitas vezes feita à força, pretendia assegurar a procedência e qualidade da mulher que a carregasse, uma marca que sinalizava ao mafioso que buscava satisfazer seus desejos com tal corpo, que este estava livre de doenças. O ícone gravado era o selo de qualidade concebido pelo governo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, normalmente encontrado sobre o seio ou em outra região íntima (SIDOROV, 2008).
11: Znak Kachestva, selo de qualidade instituído pela URSS e suas rigorosas regras de composição.
12: Selo de qualidade tatuado no seio juntamente com a inscrição em inglês made in.
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Para reconfigurar este conceito e torná-lo visível na epiderme da cidade, o selo da URSS foi substituído pelo seu similar brasileiro, podendo ser facilmente reconhecível no contexto nacional. Por aqui, a certificação de qualidade de produtos comercializados, é dada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO – e possui diferentes configurações e formatos de acordo com o produto e o segmento social para o qual é destinado. Na ausência de normalização para o comércio do corpo – o que já era de se esperar, pois prostituição não é legalizada por aqui – e consequentemente a inexistência de um selo específico para estas questões sexuais, utilizei apenas a logomarca do Instituto, que é reproduzida em todos os seus selos independente das suas características específicas, ou área de atuação. Porém, uma proximidade maior com o novo contexto em que o selo foi inserido é obtida através do uso da cor. Segundo o Regulamento para Uso das Marcas, Símbolos de Acreditação e Selos de Identificação do Inmetro25, o foco do programa e a cor do selo estão relacionados, justamente para facilitar a visualização e identificação por parte dos consumidores. Sendo instituída a cor azul como referente à assuntos de saúde. Com forma, cor e conceito definidos e conectados, o estudo passa para a escolha das superfícies a serem tatuadas. Zonas onde putas exibem seu produto de comércio. Pontos da cidade tomados por meretrizes e seus clientes em busca de sexo. Locais entranhados nos centros urbanos que se reconfiguram ao cair da noite. Toda cidade tem uma zona, um prostíbulo, um puteiro, um bordelzinho que seja. Algum lugar onde senhoras de família não frequentam e até evitam passar por perto, com medo de serem confundidas com as damas da noite. Situação comum em diferentes comunidades, que possibilita que o trabalho rompa as fronteiras geográficas. Escolhi duas cidades para carregar em seu corpo as marcas desse fluxo marginal: uma já é senhora, caos urbano no meio da selva, e mesmo com algumas rugas e cicatrizes se mantem viva, pulsante e sedutora aos 395 anos; a outra é ninfeta, moderna, aberta, uma jovem cinquentona de família tradicional, mas que dá lá suas escapulidas e acumula escândalos e intimidade com a marginália. Belém e Brasília, mesmo com suas diferenças, compartilharam a experiência de ter seu corpo tatuado. Brasília tem espaços já bastante conhecidos de seus moradores por abrigarem este tipo de transação sexual. Áreas divididas com outros tipos de atividade social, diurnas, como o comércio e o transporte público, mas que são subvertidas pelas rupturas destes fluxos. A noite 25
Instituído pela Portaria 073/2006, disponível no endereço: www.inmetro.gov.br
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torna as ocupações mais frequentes, e é neste breve espaço de tempo, sem a luz do sol, que prostitutas ganham a vida e fazem a alegria de muitos homens. Um tempo relativamente curto, ao apagar das luzes, mas que pela sua repetição cotidiana enraizou-se no conhecimento popular. Não é preciso muito esforço para saber que na capital federal, as quadras comerciais da 315 e 314 norte são pontos certos para esse tipo de relação social. Partindo dali, as garotas de programa também tomaram como seus ‘escritórios’, os pontos de ônibus ao longo de toda a avenida W3 Norte26. Em Belém, o setor onde mais frequentemente ocorreu essa transação comercial, ficou conhecido como “Zona do Meretrício” – nome dado a ruas do bairro da Campina, que desde o início da urbanização da cidade comporta bordéis, e que lhe rendeu a fama de área de prostituição. Tão forte foi essa identificação, e presença tão grande desses cabarés, que quem teve que se identificar não foram os bordéis, e sim as casas de famílias que foram surgindo e dividindo o espaço. Para não serem mais incomodados no meio da madrugada por homens sedentos por sexo, alguns moradores passaram a usar placas que identificavam suas casas como residências familiares (PORTO, 2008).
13: Família. Identificação de residência familiar dentro da ‘Zona do Meretrício’, em Belém. Fotos: Priscila Porto.
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Informações extraídas de diferentes matérias no site do Correio Brasiliense, bem como no da Policia Militar do Distrito Federal. www.correiobraziliense.com.br e www.pmdf.df.gov.br, respectivamente.
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14: Casa identificada para não ser confundida com prostíbulo, em Belém. Fotos: Priscila Porto.
Foi nestes dois cenários que compus o Selo INMETRO de Prostituta Limpinha, que interage com o local e as pessoas que por ali transitam, sejam meretrizes, clientes ou transeuntes. Qualificação marginal, sem autorização das instituições competentes, que pretende incitar um novo olhar, novo questionamento sobre estes espaços urbanos. Aqui apresento uma parte dessa experiência, através de fotografias, como meio de divulgar o trabalho e permitir a visualização da obra mesmo que à distância. Apenas uma parte da obra, pois se tratando de uma composição urbana, side specific, o trabalho só está completo em seu contexto original.
14 e 15: Certificação INMETRO de Prostitutas Limpinhas, e garota de programa próxima da composição, na avenida W3 Norte, Brasília. Fotos do Autor.
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16 e 17: Ponto de ônibus na avenida W3 Norte ocupado por prostitutas, e devidamente identificado.
18.19 e 20: Certificação INMETRO de Prostituta Limpinha na comercial entre 314 e 315 Norte, Brasília.
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21 a 24: Certificação INMETRO de Prostitutas Limpinhas. na Zona do Meretrício, Belém. 24: Foto: Luciana Magno.
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25 e 26: Certificação INMETRO de Prostitutas Limpinhas. Flagrante em Brasília e pose em Belém, onde a travesti Roberta sorri para a foto de Paulo Souza, mestrando em Artes da UFPA.
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3.1 – Saci CRK. Outro fato que não poderia passar em branco nessa pesquisa, tem a ver com comércio e consumo de substâncias ilícitas. Alucinógenos e estimulantes proibidos por lei, mas que são utilizados por milhares de pessoas no mundo inteiro. Presentes em todas as classes sociais podem causar dependência química e psicológica, ou serem vistas como artigo de status em determinados grupos. Atualmente, a droga que mais cresce em número de dependentes no Brasil, está longe do glamour e idealização atribuída a outras substâncias, como a cocaína ou a maconha. Extraída por processos químicos obscuros e relacionada com mendigos e moradores de rua, a bola da vez nas campanhas governamentais de saúde publica é o Crack27. Citada em diversas reportagens, tanto na mídia impressa como na televisionada 28, e também através da internet, Brasília ficou conhecida pela proximidade das chamadas crackolândias29 com o centro do poder político nacional. Situados nas proximidades da Rodoviária do Plano Piloto e Setor Comercial Sul, estes espaços são áreas onde o tráfico é intenso e o consumo se dá também a luz do dia. Nos arquivos do Museu Penitenciário de São Paulo, e derivado daqueles estudos do Dr. Moraes Mello, aparece um registro curioso. Uma figura do folclore popular nacional – um negrinho de uma perna só que usa um gorro vermelho e esta sempre pitando um cachimbo – foi percebida riscada na pele dos detentos que exerciam atividades de tráfico de drogas. O lendário Saci (ou Saci-pererê), ser maléfico e brincalhão, é imagem rara nos detentos de hoje, mas esse símbolo pôde ser transferido à contemporaneidade através de uma nova associação. O cachimbo característico do Saci, hoje em dia é também referente aos usuários de crack, que o utilizam para fumar a droga, vendida em forma de uma pequena pedra. O Saci aparece na cidade significando tanto traficantes como usuários, a figura travessa das lendas brasileiras, na cidade se torna bem menos inofensiva. Ele vem acompanhado da inscrição CRK, uma abreviação parecida com as que pixadores criam para designar seus pseudônimos ou a gang a qual pertencem, fragmento que enfatiza a ligação da imagem com a droga consumida no local. A tipografia utilizada é também inspirada na cultura 27
Conforme demonstra reportagem em: http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/noticias/default.cfm?pg=dspDetalheNoticia&id_area=124&CO_NOT ICIA=10953 ; acessada em: 21/3/2010. 28 Como, por exemplo, reportagem exibida no programa Fantástico, da Rede Globo, no dia 25 de março de 2010. 29 Termo popular utilizado para designar áreas de consumo recorrente e ponto de venda da droga.
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dos pixadores, são letras retas, anguladas e riscadas com o preto fosco, características da pixação de São Paulo (CHASTANET, 2007).
27 e 28: Como aparece a figura folclórica nos registros da EAP-SP, e como aparece nos muros do Setor Comercial Sul.
29 e 3: CRK SACI. Inscrições no CONIC e Setor Comercial Sul, áreas conhecidas como crackolândias.
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31 a 34: SACI+CRK e fluxos, no Setor Comercial Sul.
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3.3 – Pixo Vivo Numa ligação direta com o local de origem, espaço físico e palco para as cenas urbanas, o grafite e a tag – espécie de assinatura ou contrassenha (KNAUSS, 2001) – surgem fortalecendo e expandindo este vínculo. Nas assinaturas espalhadas pela cidade e pelos trens, o grafiteiro escrevia nome e o número da rua em que morava (GITAHY, 1999). Ao mesmo tempo em que demarcava seu território, imprimia na cidade rastros do vai-e-vem cotidiano. No deslocamento para o corpo, essas marcas bairristas ultrapassam um limite territorial. Nesta inversão, “o espaço parece ter se esfarelado, trocando sua fixidez e imobilidade por um espaço em fluxo, que coloca na conexão, na mobilidade, nas relações e no sujeito em trânsito seu eixo fundamental” (ARANTES, 2007). Conectando pessoas aos seus habitats e transpondo fronteiras geográficas, as Pixações Humanas incorporam uma visão mais fluida do território. Tatuei pessoas que desejavam manter-se ligadas ao seu ponto de partida, carregando no seu corpo um indício visual da influência deste local em suas vidas. Com traços e tipografias vindas das ruas, essas gravações atropelam a anatomia e se instalam definitivamente naquela superfície. O território ganha o mundo à medida que este corpo se desloca.
35: DF, com letras inspiradas nos primeiros grafites nova-iorquinos.
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36: Rua 12, gravada na perna de um grafiteiro do Núcleo Bandeirante.
37: Os Dois Candangos segurando rolinhos, e o pixo ‘DF GANG’, feitos em um tatuador brasiliense pouco antes de ele ir morar nos Estados Unidos.
38: SOUL do SUL, rabisco na mão de um fotógrafo do Rio Grande do Sul.
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3.4 – Proposta Final: A Casa. A terceira proposta deste conjunto surge diretamente relacionada com o encerramento do meu curso de graduação, esperado para o final do segundo semestre letivo de 2010. Como trabalho de encerramento, este último ato trata intimamente da ligação do artista com a instituição de ensino que possibilitou seus estudos. Parte do corpo discente da Universidade de Brasília desde o começo do ano de 2004, chego ao final desta etapa sugerindo uma composição que conecte esses dois corpos. Ação que deixa visível em um, a participação do outro. Tatuagem e pixação, arte e vida interligados, resquícios de uma convivência. O signo escolhido para ilustrar esses fluxos vem das prisões da ex-União Soviética. Paralelamente ao símbolo da força da Igreja Cristã, as catedrais tatuadas nos corpos dos criminosos russos, mostram uma dualidade característica desse tipo de inscrição. Lidas como “a igreja é a casa de Deus” (SIDOROV, 2008), seu significado real na comunidade da máfia russa é bem mais intenso. Se a igreja é a casa de Deus, a cadeia é a casa do ladrão. É com esse sentido que as catedrais são gravadas nos corpos de criminosos russos, como forma de respeito e apreço pelo lugar-base de sua facção. Estes templos demostram a passagem do bandido pela casa de detenção, escola da máfia, e as torres desenhadas nestas catedrais representam o número de condenações que o portador da tatuagem cumpriu no cárcere. Deslocado este signo para a minha experiência acadêmica, passaria então a representar a UnB, mesclando aspectos e vivências dos meus sete anos de curso – justamente o número de torres que desenhei para a obra. As paredes da igreja serão construídas com base no conhecimento transmitido pelos professores, feita com recortes de textos, provas, apostilas e todos os documentos acumulados por mim durante minha passagem pela universidade. Ato que valoriza o aprendizado que tive na instituição, colocando-o como parte da obra de arte, ao mesmo tempo que me desapega da papelada que guardei por tanto tempo. O trabalho será então colado, como um cartaz de rua, na parede do Instituto de Artes, na época da exposição dos formandos deste semestre. Mas não será apenas o corpo coletivo que carregará esta marca. Minha presença na universidade ficará exposta em seu muro, da mesma maneira que a influência da academia na minha vida ficará visível em meu corpo. Pretendo tatuar em minha pele, uma miniatura do desenho a ser colado na parede. Ação reversa diretamente proporcional, registrada por vídeo e fotografias, fragmentos da obra, que poder ser acessada por um maior número de interessados.
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39 a 42: exemplos de como as igrejas aparecem nos corpos de marginais russos em diferentes épocas.
43: Gravura em metal feita com máquina de tatuar. Serve como exemplo de composição sugerida para a obra.
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44: esboço para a composição.
Minhas composições foram feitas no corpo do coletivo e no corpo do indivíduo, estão espalhadas geograficamente, de norte a sul do país, e tratam justamente de ocupar espaços na vida humana/urbana, reconfigurando o espaço/tempo contemporâneo. Como então apresentar meu trabalho em uma galeria? Para responder esta questão utilizo a fala do CRIPTA: “De forma documental, de uma forma que a rua estaria ali, mas sem estar ali. Estaria ali na forma de um registro”, quanto perguntei a ele como foi a passagem da pixação para o espaço institucionalizado da Bienal de São Paulo (a convite) sem que se perdesse justamente a essência transgressora da ação. Com este mesmo pensamento, levarei para o Espaço Piloto apenas fragmentos, resquícios poéticos de todo o processo de pesquisa acadêmica e criação artística, que resultaram no conjunto de obras aqui apresentados, sem que este perca sua principal característica.
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4.
Conclusão
No decorrer das sessões noturnas de tatuagens urbanas, pude perceber rapidamente a interação e ligação dos símbolos com os espaços, o diálogo direto e indireto destas composições com a rede social da qual faz parte. Desde prostitutas que ficaram orgulhosas de receberem um selo de qualidade, até um viciado, morador de rua, que quando soube que as pixações no seu espaço significavam crack, levantou a mão exibindo uma pequena pedra, e disse: “isso aqui, né?”. A participação dos personagens da noite, ora avisando se um carro de polícia se aproximava, ora pedindo o resto da lata de spray utilizada para que eles também pudessem deixar suas marcas no local, reafirmam a conexão e coerência da prática artística aqui citada com os suportes, técnicas e locais de exibição. Ao intervir no corpo urbano de forma ilegal, sem autorização, deixo de ser apenas um estudioso interessado em temas subversivos, e passo a ser considerado também um marginal. Essa imersão no campo estudado deu uma propriedade ao trabalho, que dificilmente seria alcançada apenas com conceituações teóricas. Um mergulho real que foi sentido na pele, na minha e na de meus amigos, que entregaram corajosamente seus corpos para esta experiência. Termino a produção deste trabalho sem abandonar a pesquisa, tão marcante em minha vida, e que se tornou visível em meu corpo. Tanto no sentido individual – o meu limite físico – aquele que com o qual caminhei no calor da capital paraense e corri na noite fria de Brasília, quanto na sua expansão – a versão coletiva – corpo social no qual interferi deixando marcas e histórias. Relatos do submundo cotidiano quase inexplorado, mas que constituem um campo fértil para a vida e para a arte.
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ANEXOS a) Entrevista: Djan CRIPTA São Paulo, 17 de outubro de 2010. TAIOM – Djan, na sua visão o que caracteriza a pichação? Se pudesse resumir, o que seria a essência da pichação? DJAN CRIPTA – A pichação está mais baseada na estética, o diferencial dela você percebe pela estética, né? E a essência da pichação mesmo é um corre existencial de uma parte da população que vive à margem, na periferia, que acaba encontrando no movimento uma opção de lazer e de reconhecimento social. Acho que devido até a ausência do estado na vida de muitas pessoas a pichação acabou surgindo. E acabou virando uma forma não só de corre existencial, como uma forma de expressão artística também. Porque às vezes o cara que é pichador, ele não teve opção de aprender, de estudar em uma escola de artes, aprender desenho, essas coisas, e tem aquele potencial dentro dele, que é uma coisa que ele não consegue segurar. Então eu acho que a pichação é mesmo esse grito existencial. TAIOM - Se fosse pra você dizer a linha que diferenciaria o que é grafite e o que é pichação. Já vi pessoal falando que graffiti é mais elaborado tem cor... Até a própria definição e graffiti no Aurélio, fala que ele passa uma mensagem de protesto. Outra coisa que eu pesquisei é que aqui no Brasil é o único lugar que existe essa diferenciação entre pichação e grafite forma de palavra mesmo, geralmente no exterior, usa-se o mesmo termo pra definir pichação, graffiti, tag, e tudo mais... Aqui no Brasil tem essa visão bem diferente do que é pichação do que é grafite mais ninguém sabe onde acaba um e termina outro... Onde é que seria? CRIPTA – Eu acho que fica bem claro pra quem é pichador porque o movimento Pixação é um movimento tipicamente de São Paulo, paulista né? Nasceu aqui... Como o Graffiti nasceu em Nova York, entendeu? São dois movimentos distintos que tem a mesma essência, né? Nasceram praticamente da mesma forma. Um grito existencial, uma forma de expressão... Libertária. Que não precisava de um aval da sociedade pra poder estar se apropriando de espaços públicos e privados. Porém o graffiti, devido à sua estética ser mais colorida, ele passa a ter uma aceitação melhor perante a sociedade, mas também perde sua essência transgressora . Que é o que acontece, hoje em dia pode se dizer... TAIOM - Está ficando estéreo, né?
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CRIPTA – É. O graffiti MESMO, essência, ele é bem pouco, ele é tímido. Se for comparada a pichação no Brasil, ele quase não existe. Ele se torna uma coisa bem pequena. Agora existiram, acabaram se criando outras formas de graffiti. O graffiti comercial, o desenho com técnicas de graffiti, o muralismo... É. Uma mistura de movimentos né? Do muralismo com o graffiti e acabou surgindo uma coisa mais... Eu não diria artística, mais técnica e menos transgressora. Mais domesticada inclusive né? Porque não é só o lance da transgressão que se perde, é o lance da liberdade... TAIOM - Aconteceu isso com o graffiti, nasceu de uma forma bem rebelde, bem selvagem, totalmente independente. Foi se instalando nos espaços, e acabou que aos poucos ele foi sendo domesticado, foi sendo aceito, cortado em alguns pontos, foi sendo esterilizado para poder ser mais aceito na sociedade... Qual o risco de acontecer isso com a pichação? De a pichação sofrer essa podagem e acabar se adequando aos espaços que antes ela transgredia? CRIPTA – Eu acho difícil a essência do movimento se perder, porque o movimento tem uma aceitação muito ruim pela sociedade. Ele é visto como algo que incomoda. E também pela liberdade do pichador, eu acho que se não tiver mais liberdade pra fazer o que quer, acho que automaticamente ele já deixa de ser o que ele é. Eu acho que o que pode ser assimilado pelo mercado é a estética da pichação. Isso pode ser assimilado, mais eu não acredito que terá muros e prédios autorizados para pichadores como existe até uma demanda muito grande para o graffiti. Eu acho isso impossível, está longe, uma realidade longe de se acontecer. Mas uma coisa tem que ser ressaltada que é o lance do reconhecimento artístico. Eu acho que independente do movimento está recebendo esse reconhecimento artístico pelo circuito das artes é importante, por que se realmente as pessoas que ditam o rumo da arte no país prezam pela arte, eles já tinham que ter reconhecido o potencial da pichação há muito tempo. Porque independente do reconhecimento até do circuito, a pichação ela já é arte por si própria, entendeu? Ela já tem seu potencial artístico, independente de gosto, de opinião. Por essência ela já tem toda essa potência artística. É que o conceito de arte tá muito distorcido pelo mercado, pelo governo, há muito tempo. A arte sempre foi manipulada por minorias. E também libertada por minorias, que muitas vezes estavam ali e... Tem muita coisa que tentaram apagar, tem muita coisa que recusaram e que agente nem deve ter chegado a ficar sabendo, porque a burguesia tinha esse poder, o clero também né?... Mais eu acho que a arte é isso, a resistência, sabe? A resistência mesmo, do povo, que cria uma linguagem e rompe com os conceitos estéticos estabelecidos né? Eu acho que é isso a definição de arte, é você romper com um conceito estabelecido...
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TAIOM – E sobre a relação da pichação com a marginalidade? Com a marginalidade dentro do espaço da arte, com a marginalidade da chamada street art (stencil, sticker, graffiti) e pela sociedade com a questão da criminalização da pichação. Qual é a relação do pichador com o crime, com essa marginalidade? CRIPTA – Eu acho que isso vem muito da onde ele vive né? De onde ele cresce em volta, vendo, das opções que ele tem, que o estado proporciona na vida dele, entendeu? Então realmente é uma linha estreita que qualquer jovem da periferia vai ter. Muitos acabam até escolhendo a pichação como um refúgio, sabe? É, porque você acaba vendo que muitos jovens acabam se envolvendo no crime mais por status do que por dinheiro. Porque às vezes ele tinha até uma situação estável ali, que a família dele dava pra ele. A pichação substitui esse reconhecimento social. De uma certa forma marginalizado, mais não deixa de ser. Que acho que é o que move todo ser humano, ser reconhecido no que faz. Um jornalista, um pintor, todo mundo... Um artista, um jogador... Então esse lance da marginalidade, acho que é um rótulo que a sociedade acabou colocando. É por justamente as coisas serem ditadas por uma minoria, acabam acontecendo esses equívocos. Pra mim não faz sentido a pichação ser crime ambiental, até porque pichador num picha árvore, não picha rio... TAIOM – E tem muito mais poluição visual pela mídia... CRIPTA – É! Eu fiz uma comparação esses dias numa discussão: O que polui mais o meio ambiente? É um prédio construído numa área verde de forma irregular, ou a pichação no topo desse prédio? Quem é que está sendo mais prejudicial para o meio ambiente? A pichação é inofensiva! Eu defendo essa tese. Defendo a tese de que a pichação é apenas uma intervenção estética, ela não agride nem destrói nada. Ela só interfere esteticamente. E ela pode ser reparada com a mesma tinta que ela foi usada pra cometer aquele ato criminoso. Então é muito complicado isso por que... Então, como é que tinta agora é um produto ilícito!? Então as grandes empresas de tinta, a Willians, a Suvinil teriam que ser indiciadas. TAIOM – Por tá fornecendo... CRIPTA – É. Como um tráfico de drogas então, uma coisa ilícita. TAIOM - E a relação da pichação com o espaço urbano, como tipo de ocupação de certas brechas que o sistema deixa? (...) A população que é colocada às margens, pela periferia, mas acaba voltando por que tem muito espaço vazio nesse espaço urbano. Qual a relação da pichação com esse espaço? CRIPTA – É, então, praticamente tudo é tomado pela pichação. Tem o lance de atacar os locais mais deteriorados, pelo apego que o pichador tem com a sua assinatura, de querer ver
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aquilo permanecer por mais tempo, mais também tem o lance instantâneo né? Daquele impacto de pegar um prédio que, porra! Super escandaloso a fachada dele, que você sabe que vai apagar no outro dia, mas você vai fazer e aquilo vai entrar pra história como algo que foi conquistado. Então tem esse da demarcação e da conquista. Isso é muito presente na pichação como na sociedade também só que de uma forma simbólica, né? São os excluídos buscando alguma forma de reconhecimento, de demarcação. Por que agente não tem nada na cidade, agente mal tem casa. Muitos moram ai em locais invadidos ou pagam de aluguel com muita dificuldade, e de repente você é dono de um prédio. Aquele prédio vira seu, porque você conquistou ele, sabe? Tem muito disso, é muito legal essa inversão de valores que existe. TAIOM – outra relação que eu faço, é como na tatuagem é eterna enquanto aquele corpo sobreviver, aquela gravação vai continuar a permanecer nele. A pichação como você falou ele pode ser muito facilmente apagada, mas ela se torna eterna pela repetição, pela quantidade e pela repetição histórica dela. (...) como que é essa relação com a parte... CRIPTA - humana? TAIOM – É... CRIPTA – Então, eu acho que a escrita em geral ela já é uma comunicação humana a muito, a milhares de anos. Então é uma característica humana, de comunicação, troca de informação. Através de letras ou de desenhos isso sempre foi presente. E a pichação nada mais é do que isso, uma comunicação. Específica, cada local tem o seu estilo de pichação, alguns são tag, outros são graffiti. Acho que essa forma de se expressar através de símbolos, signos já é uma necessidade humana. E a pichação nada mais é do que isso, uma forma de comunicação humana. TAIOM – Em relação à técnica, o que tem de particular? (...) CRIPTA - Nessa busca existencial por espaço e ver quem se destaca mais na paisagem urbana, o movimento foi se apropriando de instrumentos que chamassem mais atenção. Então sempre teve esse lance do destaque, de ver quem aparece mais. Então devidamente, uma hora alguém pensou: “pô! Eu vou pegar um rolinho e vou fazer um aqui” aí começou isso... Tem esse lance também, muito paulista, esse lance típico paulista de querer ser o melhor de querer buscar o topo né? Essa coisa paulistana, sabe? Então eu acho que pichação é um reflexo da sociedade paulistana, entendeu? Como a arte reflete todas as veias da humanidade... TAIOM – Falando em arte, como que foi essa passagem pro espaço institucional, só que dessa vez a convite?
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CRIPTA – Desde quando agente começou toda essa transição, com o sacrifício do TCC do Rafael, na Belas Artes, nossa busca é existencial também, até porque o movimento era simplesmente ignorado. Que nem eu disse, não que agente precise definitivamente do aval desses caras pra ser arte. Pichação ela já é arte por si só. Mas se realmente, as pessoas que estão à frente das instituições de arte no Brasil presam realmente pela arte, era mais do que direito a pichação ter tido já esse reconhecimento. Que já é um movimento que existe há trinta anos e ele se apropria de tudo na cidade né? TAIOM – Ela tá bem na cara de todo o pessoal que vive na cidade, mas finge não ver... CRIPTA – Principalmente o circuito das artes, que sempre apontava para um caminho que pichação é uma doença , e que se o cara se transformasse num grafiteiro ele seria curado. Então pichação é uma doença e o graffiti a cura, entendeu? Então é muitas pessoas que estavam à frente da arte, e estão até hoje, apontavam pra esse caminho, ou acham que esse é o caminho. Acham que pichação é algo que é transitório, que o cara por aquilo ali ele vai superar, e não. Tem cara que é pichador desde os anos 80 e tá pichando até hoje. TAIOM – Não por falta de conhecimento estético ou de arte... CRIPTA – Não, não. Porque o talento dele tá ali, é outra forma de talento, entendeu? Cada um tem um potencial. Um faz escultura, o outro faz gravura, e tem o cara que pixa. TAIOM – E a transição para o caso dessa bienal agora, através dos registros... CRIPTA – É. Voltando ao foco do assunto... Como as instituições de arte acabaram... O Ministério da Cultura, que é o principal né? Quem dita o rumo da arte no Brasil é o Ministério da Cultura que financia todos os projetos... A pichação ela não precisa do Ministério da Cultura pra sobreviver, e isso já é muito claro, certo? Então é, de que forma agente riria fazer isso, sem ferir a nossa essência? De forma documental, de uma forma que a rua estaria ali, mas sem estar ali. Estaria ali na forma de um registro. TAIOM - Fragmento... CRIPTA – É. Porque não tem como agente levar. Nosso ateliê é a rua, nossa tela é a rua. Agente não precisa de uma tela de pano pra tá fazendo o que agente faz, entendeu? Então como representar algo tão grande se dessem uma parede em branco pra nós? Seria pouco. É só mais uma representação estética. Por mais que seja interessante também o reconhecimento estético, pelo que o movimento representa é pouco. Então foi dessa forma que agente falou... Que agente tá sempre convicto que é a melhor forma de representar o movimento. Porque em Paris foi mais interessante ter esse reconhecimento estético, essa representação estética porque realmente não se vê pichação na Europa, do tipo paulistano. Porque até o tag, ele é a evolução
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do graffiti, tag e graffiti é tudo a mesma coisa lá. Se você acompanhar a historia de Nova York, você vai ver que o graffiti evoluio dos tag, que começaram a ser contornados elaborados e tal. Mas a pichação aqui, a única evolução dela é de apropriação. TAIOM – Procurar lugares maiores, mais difíceis? CRIPTA – É, isso. Porque cada pichador tem sua estética. Então a riqueza de estética é muito grande. TAIOM – Variada... CRIPTA – Variada. Infinita, pode-se dizer. Então é muito legal que tem esse lance da identidade da pessoa, cada pichador ele vai ter seu estilo, por mais que ele até tente copiar alguém. Ele vai tentar mais vai ter um traço genético dele ali, sabe? Isso é interessante. TAIOM – Então você já falou, que o que faz o pixo ser arte não é só a referência estética, a tipografia, tem o valor artístico é justo a... CRIPTA – Eu acho que é o conjunto. É o conjunto de tudo. É um conjunto estético, um conjunto representativo, porque eu não entendo sabe? Como que a pessoa é artista e ela só faz arte financiada por alguém, por uma instituição, ou pelo governo ou pela igreja, e muitas vezes o suposto artista não tem nem contato com a obra dele. É uma equipe que faz. Eu não consigo entender arte como isso, sabe? Eu acho que arte é o que as pessoas fazem, o que as pessoas sentem, que é uma experiência de vida. Algo que é de dentro pra fora mesmo TAIOM – e num cenário utópico, se essa pichação começasse a ser mais tolerada, mais aceita, ela ia se acomodar com esse espaço que seria cedido a ela na cidade, ou ela ia migrar pra outros meios... Ia evoluir com que atitude? CRIPTA – Eu acho que sempre vai ter a resistência, eu acho que por mais que tenham pessoas que podem acabar cedendo ou se acomodando com o espaço, eu acho que automaticamente já vira outra coisa, sabe? O cara pode até estar representando esteticamente o movimento, mais num vai ter respeito, porque sempre vai ter alguém que vai tá a margem, que vai se sentir excluído, porque é muito relativo... É complicado, você autoriza uma parede, aí vêm lá só três pessoas e se apropriam. Aí vem um cara da rua e fala: “meu, porque que agente tem que respeitar algo que não foi conquistado?”. Porque que é tão grave atropelar um pixo? Justamente por causa dessa mesma questão. Da questão do respeito, de você respeitar aquilo que foi conquistado de forma transgressiva. Então é isso. TAIOM – De quem que é realmente aquele muro, do dono da construtora ou da pessoa que passa ali todo dia...
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CRIPTA – Como a pichação é algo que é a demarcação de espaço, libertária. O que é respeitado é aquilo que foi conquistado de forma libertária, de forma transgressora. É aí que entra o lance do respeito, entendeu? Você respeitar o seu semelhante, aquele está fazendo o mesmo que você, sabe? Que tá ali se arriscando por algo que é malvisto, que é odiado, entendeu? Eu acho que entra aí o lance do respeito. TAIOM – E questão de estética, como é que é o estudo técnico de um pichador? Como que é a formação dele, a tipografia. Como é que vêm esses desenhos? Tem a questão da troca de folhinha. Como é que é mais ou menos? CRIPTA – Eu acho q é meio que uma influência, né? Ele acaba sendo influenciado por pixos que ele vê na infância, no correr de sua formação de rua. E ele acaba criando um estilo automaticamente único também, o movimento pede isso. E automaticamente alguém que tenta copiar outro acaba não copiando porque acaba criando um estilo parecido, que acaba sendo único também. Então tem muito desse lance da identidade mesmo. O pixo ele cria a identidade do cara. Ele acaba se tornando. TAIOM - Através dessa identidade então é capaz da gente ler uma pichação e identificar de onde ela veio, se o cara é da zona oeste, da zona leste... CRIPTA – De qualquer lugar de onde ele é, pode ser do Rio, de Brasília, de Minas. Hoje em dia com o conhecimento que a internet está proporcionando para todo mundo que faz isso na rua. Que nem eu fui a Belo Horizonte, eu já sei o estilo de Belo Horizonte, da pichação de lá. Eu já vi algumas fotos de uns pixos de Brasília, e já dá pra perceber. Da Bahia também já é outro estilo. Então é isso, uma demarcação que você acaba identificando, vira uma logomarca mesmo né?
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5.2 – Fala no Grupo de Pesquisa DG – Guerrilhas Estéticas. Belém, PA.
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