Madeira na Arquitetura Moderna Brasileira, Taís de Moraes Alves

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MADEIRA NA ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA

Ta铆s de Moraes Alves graduanda M么nica Junqueira de Camargo orientadora

FAU USP 2014





Para Isabel, MarcĂ­lio e Pedro, pela alegria cotidiana Para o Fulvio, com quem eu descobri a arquitetura



MADEIRA NA ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA

Taís de Moraes Alves graduanda Mônica Junqueira de Camargo orientadora

Trabalho Final de Graduação FAU USP 2014


Ă?ndice


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Agradecimentos

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Preâmbulo

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A Madeira na Arquitetura

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A Madeira no Brasil

86 88 100 116 128 142 154 164

Estudos de Caso Park Hotel São Clemente, Lucio Costa Vila Serra do Navio, Oswaldo Bratke Catetinho, Oscar Niemeyer Protótipo de Casa Pré-Fabricada, Sergio Rodrigues Residência na Praia da Lagoinha, Carlos Millan Casa Artemio Furlan, Paulo Mendes da Rocha Residência Hélio Olga, Marcos Acayaba

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Considerações Finais

185 186 196 198 206 210 218

Entrevistas Sergio Rodrigues Marc Rubin Ricardo Caruana Marcelo Suzuki Marcos Acayaba Carlito Calil Jr

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Bibliografia

232

Fonte das Imagens


Agradecimentos

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À minha orientadora, professora Mônica Junqueira de Camargo, pela atenção, apoio e disponibilidade. Ao arquiteto Sergio Rodrigues, que generosamente compartilhou comigo sua experiência. À Vera Beatriz Rodrigues, pela atenção e revisão cuidadosa da entrevista com Sergio Rodrigues. Ao professor Carlito Calil Jr pela paciência e ajuda. Ao arquiteto Marc Rubin pela atenção. Ao arquiteto Marcos Acayaba pela generosidade e apoio. Ao arquiteto Marcelo Suzuki pela atenção e ajuda. Ao arquiteto Ricardo Caruana pela atenção e o entusiasmo. Ao professor Cláudio Calovi Pereira, que gentilmente cedeu imagens do Pavilhão das Indústrias da Exposição Farroupilha. Ao professor Daniele Pisani, que gentilmente cedeu os arquivos digitalizados dos desenhos da Casa Artemio Furlan. À Isabel Sperry, pelas ideias e ajuda. Ao João Cláudio Parucher, que me recebeu no Núcleo de Pesquisa e Documentação da UFRJ. Ao Eduardo Pompeu, que gentilmente cedeu fotografias da Residência na Praia da Lagoinha. Ao professor José Artur d’Aló Frota, que gentilmente cedeu imagens do Clube de Regatas Jaó. À Juliana Giareta, da Secretaria de Cultura do Distrito Federal, que gentilmente cedeu cópias do levantamento do Catetinho. Ao fotógrafo Leonardo Finotti, que gentilmente cedeu fotografias da Residência Artemio Furlan. À Rita Rocha, do Arquivo Público do Distrito Federal, pela ajuda e paciência. Aos funcionários da biblioteca da FAU pela atenção. Em especial a todos os amigos que me acompanharam nesses anos de faculdade, aos meus pais, Isabel e Marcílio, pelo carinho de sempre e pela paciência com que revisaram o texto, ao meu irmão, Pedro, pelas risadas e companhia, ao Fulvio pelas ideias, ajuda e principalmente pelo amor.

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Preâmbulo

O edifício da FAU fez com que eu descobrisse a beleza da arquitetura com concreto já no início da minha graduação. O piso do museu, o salão caramelo, os estúdios, as rampas: era esse o ponto de partida de meus primeiros desenhos. Uma praça era medida em caramelos; a liberdade soava como o museu em dia de festa. Assim, as lições que fui aprendendo com professores e colegas, embora ampliassem meus horizontes, pareciam sempre reportar a essa mesma origem. Era como se a constelação de obras e arquitetos que eu aos poucos descobria orbitasse em torno da FAU de Artigas, ora funcionando como uma releitura, ora como um contraponto. Foi também com o edifício da FAU que descobri a dimensão material da arquitetura, pois não havia como viver o verão, o inverno e as reformas sem que os sentidos despertassem: ali o som reverbera alto e há vezes em que a melhor maneira de contornar o calor é deitar no piso frio ou apoiar-se em uma empena de concreto. Quando chove, não apenas escutamos a tempestade em alto volume, mas sentimos os pingos na pele e nos abrigamos nos andares inferiores. Para além das sensações, aprendi com a FAU que o concreto sugere, através de suas propriedades intrínsecas, um certo tipo de arquitetura. E se é assim, como desenhar com tijolo, pedra ou aço? Que arquitetura poderia nascer da madeira? Essa inquietação foi crescendo até que escutei alguém dizer que a madeira é um material vivo que envelhece como nós, homens. Acho que de algum modo a beleza dessa imagem me ocorreu quando comecei a procurar um tema para meu Trabalho Final de Graduação, o TFG. O encantamento provocado por essa frase convenceu-me de que estudar o uso da madeira na arquitetura permitiria que eu me aproximasse de sua dimensão sensível. Além disso, parecia que este assunto poderia proporcionar a oportunidade de aprender a desenhar com um material que destoava tão radicalmente do concreto, com o qual eu tinha maior familiaridade. Comecei, portanto, a procurar por livros que me introduzissem ao tema escolhido e logo notei que, embora houvesse um volume significativo de estudos sobre a arquitetura com

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madeira de outros países, pouco se falava da experiência brasileira. Mesmo os arquitetos brasileiros contemporâneos que vinham explorando as possibilidades expressivas desse material pareciam reportar-se mais à experiência internacional recente que a obras produzidas em nosso país. Acreditando que meu trabalho deveria contribuir para o fortalecimento do imaginário projetual em torno do uso desse material no Brasil, resolvi centrar minha pesquisa na arquitetura brasileira − assim como a FAU ensinava a seu estudantes as peculiaridades do concreto armado, parecia que para desenhar com madeira deveríamos resgatar as obras que nos precederam. À medida em que começava a explorar o uso da madeira na arquitetura brasileira desenvolvida em nosso país, ficou claro que, à exceção da arquitetura indígena, as investigações projetuais a respeito desse material que me pareciam mais interessantes concentravam-se na arquitetura moderna. Essa constatação motivou o recorte dado à pesquisa, como também a vontade de aprofundar meu conhecimento acerca da obra de alguns arquitetos modernos. O intuito de estabelecer um repertório de obras com madeira que pudesse inspirar novos projetos despertou a vontade de criar uma exposição que reunisse maquetes dos edifícios estudados, pois parecia que desse modo minhas descobertas poderiam alcançar colegas que, assim como eu, se interessassem por arquitetura com madeira. A dificuldade em obter desenhos com todas as informações necessárias para a confecção de maquetes, além da restrição de tempo para o desenvolvimento do trabalho e da interrupção temporária das atividades do LAME, a oficina onde construímos modelos, dissuadiram-me dessa ideia inicial. Além disso, foi se tornando claro que para compreender a coleção de obras que eu estava estudando seria necessário aprofundar a pesquisa teórica para além do que havia planejado incialmente. Resolvi, então, sintetizar o trabalho desenvolvido em apenas um caderno, este que você tem em mãos. Espero que o formato adotado não tenha prejudicado em demasia o viés projetual e coletivo que gostaria de dar ao trabalho,

cujo principal objetivo é servir como subsídio para novas experiências que investiguem a arquitetura com madeira, seja enfatizando sua dimensão simbólica, seja as possibilidade técnicas que esse material oferece. Gostaria ainda de esclarecer que este trabalho não almeja traçar uma leitura definitiva acerca do uso da madeira em nossa arquitetura moderna, mas sim lançar um olhar panorâmico − e por isso mesmo nem sempre tão denso − para a produção desenvolvida no Brasil ao longo do período estudado. O trabalho tampouco tem a pretensão de ter reunido todas as obras com madeira da arquitetura moderna brasileira, mas apenas aquelas que foram consideradas mais significativas. O próprio levantamento de obras realizado certamente possui lacunas, tendo sido necessário combinar diversas fontes para constituir o panorama apresentado no trabalho. Assim, a seleção feita resultou da leitura de uma bibliografia bastante restrita e pulverizada que teve como ponto de partida o material disponível na Biblioteca da FAU e na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP. Foram consultados também textos encontrados na internet, além de parte do acervo do Laboratório de Madeiras e Estruturas de Madeira da Escola de Engenharia da USP de São Carlos. Essa bibliografia mostrou-se insuficiente e teve que ser complementada com entrevistas, reproduzidas ao final do caderno. Em relação ao material gráfico reunido, foram consultados diversos acervos, dentro os quais cabe destacar a Biblioteca da FAU, o Núcleo de Pesquisa e Documentação da UFRJ, o Arquivo Público do Distrito Federal e um levantamento realizado pela Secretaria de Cultura do Distrito Federal, além do acervo disponibilizado pelos arquitetos entrevistados. No caso da Residência Artemio Furlan, a cópia digitalizada das pranchas foi cedida pelo professor Daniele Pisani. Finalmente, gostaria de manifestar o desejo de que este trabalho se desdobre em pesquisas que possam aprofundar temas que aqui puderam apenas ser enunciados. Torço também para que as obras reunidas neste caderno sensibilizem arquitetos para as qualidades da madeira, material ainda tão pouco investigado na arquitetura brasileira.

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A Madeira na Arquitetura tempos, lugares e significados

Os materiais de que são feitos os edifícios inserem-se em uma trama de significados que ultrapassam nossa memória pessoal, abarcando também um sentido histórico. Assim, a interpretação dada aos materiais e o sentido que cada um deles agrega à arquitetura como um todo integram construções coletivas que flutuam e se modificam em função da conjuntura cultural e histórica na qual se inserem. Embora reconheçamos a oscilação do significado dos materiais, procuramos resgatar aqui o sentido atribuído à madeira por diversos arquitetos para, assim, identificar traços comuns que permitam compreender o modo como esse material foi empregado na arquitetura moderna, particularmente em sua vertente brasileira. Mas se é verdade que a matéria carrega conteúdo em si mesma, é preciso notar que este nos é transmitido lentamente. Para o arquiteto Alvar Aalto (in Pallasmaa, 2010, p. 38-39), enquanto a palavra produz efeito imediato no homem, os materiais necessitam de um longo processo para começarem a ter repercussão na cultura humana. O esforço de compreender o significado da madeira para a arquitetura moderna deve ocupar-se, portanto, de um espectro temporal amplo o bastante para que possamos decifrar o discurso imbuído nesse material. Mesmo para arquitetos contemporâneos como Peter Zumthor, a tentativa de decifrar o efeito da madeira no espaço arquitetônico passa pelo interesse pela raiz da palavra que denota o material, sugerindo uma associação antiga − e por isso mesmo esclarecedora − entre palavras. Em um texto de 2006, Zumthor (p. 56) conta o que lhe dissera um jovem colega: “Na minha língua mãe, o espanhol, (...) existe uma proximidade entre as palavras madeira, mãe e matéria: madera, madre, materia”. Essa vizinhança linguística indica dois temas bastante explorados na arquitetura – em primeiro lugar, a ideia de que a madeira seria um material tão próximo ao ser humano que suscitaria uma sensação de acolhimento maternal; em segundo lugar, a associação da madeira ao primeiro material usado pelo homem para a construção, a matéria-mãe. Em relação à primeira ideia, cabe citar uma bela imagem de que nos fala Alvar Aalto (in Pallasmaa, 2010, p. 40): para ele, a madeira é um material vivo formado por veios crescentes como a musculatura do homem. Frank Lloyd Wright, que

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também nutre especial interesse pelos materiais, assinala a intimidade humana despertada pela madeira e a descreve como como um material amável e gentil (Patterson, 1994, p. 11). Embora a identificação do homem com a madeira possa em parte ser explicada pelo fato de que esta “nunca apresenta uma temperatura muito diferente da nossa” (Rasmussen in Gonçalves, 2009, p. 69), outro aspecto que talvez sugira essa aproximação é a sensibilidade com que a madeira sofre os efeitos do tempo. Nesse sentido, vale lembrar que para Zumthor (2006, p. 24-26), seria justamente o envelhecimento dos materiais que revelaria “(...) a consciência do decorrer do tempo e uma sensibilidade para a vida humana (...)” − através do envelhecimento, a arquitetura seria “(...) confrontada com a sua exposição à vida. Se o seu corpo for suficientemente sensível, pode alcançar uma qualidade que assegura a realidade do passado”. Mas para alguns arquitetos a historicidade que ressoa na madeira não estaria ligada apenas à “vida humana que se desenrola em lugares e salas” (Zumthor, 2006, p. 24), senão também à primeira casa que o homem fez para si, a chamada cabana primitiva, muitas vezes imaginada em madeira.

A Ideia da Cabana Primitiva Segundo Joseph Rykwert (2003, p. 207), o interesse pela cabana primitiva estaria presente não apenas em “(...) praticamente todos os povos, em todas as épocas (...)”, mas também na obra de muitos teóricos da arquitetura que teriam reconhecido “(...) direta ou indiretamente, a relevância da cabana primitiva, já que para muitos deles ela constitui o ponto de referência de todas as suas especulações acerca dos elementos essenciais da arte da edificação”. A primeira referência à ideia de abrigo original coincide com aquela que podemos considerar a mais antiga obra de teoria da arquitetura de que se tem notícia − De Architectura, de Vitrúvio −, em que as origens da arquitetura são descritas minuciosamente.

Para Vitrúvio (in Rykwert, 2003, p. 111), “Os homens dos tempos remotos (...) criaram-se como animais selvagens (...), mantendo-se com dificuldade com alimentos silvestres. Num certo momento, sucedeu que as árvores espessas e compactas (...) friccionaram seus ramos, uns contra os outros, e se incendiaram; os homens, testemunhas do ocorrido, ficaram aterrorizados e fugiram. Ao baixarem as chamas, eles se aproximaram e, percebendo o conforto de seus corpos aquecidos pelo calor do fogo, lançaram mais madeira, e enquanto o mantinham vivo chamaram a outros homens (...) Nesse encontro entre homens, foram articulados sons de diferentes tons, sílabas fortuitas (...) Assim, como conseqüência [sic] desse incidente, os homens, apontando em direção aos objetos de uso mais comum, começaram a falar entre si. Como a invenção do fogo propiciou o encontro entre os homens, a sua troca de idéias [sic] e coabitação; e como muitas pessoas congregavam-se agora em um único local (...); e como os homens podiam facilmente fabricar o que desejassem com suas próprias mãos e dedos; alguns deles começaram a construir telhados utilizando folhas, outros a cavar buracos sob as montanhas e outros, imitando os ninhos e as construções das andorinhas, ergueram refúgios com barro e varas”. Como vemos, na opinião de Vitrúvio a madeira teria sido essencial nos primórdios da humanidade por dois motivos. Em primeiro lugar, por propiciar o fogo, cujo calor teria levado à reunião de homens em grupo e em última instância à invenção da linguagem. Em segundo lugar, a madeira teria sido a matéria-prima, junto com o barro e as folhas, das primeiras construções feitas pelo homem. O significado duplo que esse material teria representado no alvorecer do ser humano retoma a proximidade linguística entre as palavras madeira, mãe e matéria de que falávamos: mais uma vez, a madeira acolhe, por um lado, e constitui o material primordial da cabana primitiva, por outro. É interessante notar que apesar de a discussão acerca do abrigo original do homem permear a teoria da arquitetura desde Vitrúvio, estando presente em textos dos mais diversos períodos, é apenas com os escritos do abade Marc-Antoine Laugier, que publica seu primeiro Essai sur l’Architecture em 1753, que “a cabana primitiva adquire um novo significado: torna-se o princípio e a medida de toda arquitetura (...)” (Kruft in Zein, 2010, p. 5).

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Rykwert (2003, p. 41-45) reforça esse hipótese ao assinalar que enquanto os primeiros teóricos da arquitetura “(...) se referiam um tanto quanto superficialmente às relações entre as origens da arquitetura e seus princípios, (...) para Laugier as origens desfrutavam de uma autoridade única”, pois, tendo sido inspiradas pela “(...) reprodução das “construções” que a natureza oferecia como modelos, eram as respostas diretas do instinto e da reflexão às pressões dos elementos hostis da natureza”. Para Laugier, então, a cabana primitiva representaria “(...) a genuína destilação da natureza, induzida apenas pela necessidade, e desenvolvida por uma razão não adulterada”, sendo, portanto “uma garantia contra os costumes antiquados e caprichosos, bem como as extravagâncias de gosto pessoal” e “um guia para os futuros arquitetos (...)” (Rykwert, 2003, p. 45). Assim, diferente da “concepção moral das origens” do filósofo contratualista Rousseau, para quem os homens de seu tempo deveriam emular as virtudes do bom selvagem, Laugier “(...) não exorta seus contemporâneos a morar no tipo de cabana que descreve, e jamais atribui qualquer virtude moral particular ao retorno à condição “natural” (...) A cabana primitiva é primitiva enquanto conceito. Ela é a demonstração de um raciocínio apriorístico, formulado como uma crítica e um preceito, sem jamais se desviar na defesa de uma “vida primitiva”” (Rykwert, 2003, p. 45). O olhar de Laugier para o passado, então, tem como horizonte a reformulação da arquitetura de seu tempo a partir de princípios encontrados num modo de construir não corrompido. Mas investigar o arquétipo da cabana primitiva significa perscrutar não apenas o modo como o homem construiu sua primeira moradia, mas também quais seriam os traços essenciais que definiriam o ser humano. Se levarmos em conta a estreita relação que o filósofo alemão Martin Heidegger estabelece entre construir, habitar e pensar – anunciada já no título da conferência de 1951 em que desenvolve essa ideia − as implicações das origens do habitar para a definição do ser humano parecem ampliadas, pois para Heidegger (1951, p. 2), “habitar é o traço fundamental do ser-homem”:

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“O que diz então: eu sou? A antiga palavra bauen (construir) a que pertence “bin”, “sou”, responde: “ich bin”, “du bist” (eu sou, tu és) significa: eu habito, tu habitas. A maneira como tu és e eu sou, o modo segundo o qual somos homens sobre essa terra é (...) o habitar”. Talvez seja por conta da conexão entre o habitar e a definição mesma do que é ser humano que diferentes arquitetos envolvidos na formulação da arquitetura moderna tenham refletido acerca dos traços definidores do homem a partir do arquétipo da cabana primitiva. Le Corbusier (in Rykwert, 2003, p. 6), por exemplo, ao descrever a primeira cabana construída pelo homem primitivo em Por uma Arquitetura, afirma que “Os piquetes de sua tenda [do homem primitivo] descrevem um quadrilátero, um hexágono ou um octógono: a paliçada (do assentamento) forma um retângulo cujos quatro ângulos são iguais”; a seguir, declara que o caminho que leva da cabana ao riacho é “tão retilíneo quanto lhe permitem fazer seus instrumentos, suas mãos e seu tempo”. Como vemos, os primeiros homens de Le Corbusier “(...) operam pela luz da razão incorrupta e do instinto e por isso são capazes de empregar um expediente aparentemente da maior elaboração: os tracés régulateurs, ou balizas geométricas” (Rykwert, 2003, p. 6). Adolf Loos, por outro lado, ao falar de uma vila na montanha em um ensaio de 1909, contrapõe a beleza da casa do camponês à perturbação na paisagem causada pela casa do arquiteto. Segundo suas palavras (in Rykwert, 2003, p. 20): “O camponês quis construir uma casa para si, sua família e seu gado, e foi bem-sucedido. Assim como seu vizinho e seu ancestral foram bem-sucedidos. Assim como o animal, guiado por seus instintos. A casa é bonita? Sim, tão bonita quanto a rosa e o cardo, o cavalo e a vaca. Eu, portanto, pergunto de novo: por que o arquiteto, seja ele bom ou mau, fere as margens do rio? Por que [sic] o arquiteto, como praticamente todo homem da cidade, não tem cultura. Falta a ele a segurança do camponês, que possui uma cultura... chamo cultura aquela harmonia (...) entre o homem interior e exterior que garante, sozinha, a sensibilidade do pensar e agir (...)”.

Embora não explique por quê, Loos defende que essa mesma sabedoria elementar do camponês estender-se-ia ao engenheiro, o qual também não teria ainda sido condenado pela “vida sem raízes da cidade” (Rykwert, 2003, p. 20). Como vemos, existe uma diferença marcante entre a visão de Le Corbusier e Adolf Loos. Enquanto o primeiro defende “a unidade da espécie humana e, em conseqüência, sua crença na primazia da razão que poderia, em algum sentido, ser identificada em sua mais pura e precisa fonte: en arche”, Adolf Loos identifica no homem primitivo uma “sabedoria oculta, secular, telúrica que é vedada ao “civilizado”, o “privilegiado”, e acessível apenas ao “primitivo”” (Rykwert, 2003, p. 21). Apesar dessas divergências, ambos estavam de acordo que “Se a arquitetura deveria ser renovada, se a sua verdadeira função deveria novamente ser entendida após anos de negligência, um retorno ao estado “pré-consciente” do edifício, ou, como alternativa, ao alvorecer da consciência, revelaria aquelas primeiras idéias, [sic] das quais nasceria uma verdadeira compreensão das formas elementares com que os arquitetos inevitavelmente jogariam (...) a fim de propor das mais simples às mais elaboradas formulações” (Rykwert, 2003, p. 21). Assim, para esses arquitetos a “(...) a noção de uma primeira casa (correta por ser primeira) (...)” deveria ser invocada na condição de “(...) princípio primeiro de suas reformas radicais” (Rykwert, 2003, p. 5). A ideia de que investigar a essência do morar humano poderia fornecer elementos para enfrentar problemas modernos ressurge, embora com um sentido ligeiramente diferente, no texto já citado de Heidegger (1951, p. 10), no qual o filósofo escreve que “A crise propriamente dita do habitar não se encontra, primordialmente, na falta de habitações (...) [ela] consiste em que os mortais precisam sempre de novo buscar a essência do habitar”. A recorrência do tema da cabana primitiva parece ressoar até mesmo na Bauhaus de Walter Gropius, que ao longo da maior parte de sua trajetória profissional procurou dissociar-se do primitivismo, condenando “alguns Bauhäusler, que

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cultivam um equivocado retorno rousseauniano à natureza. Alguém que nega o mundo como ele é, deveria retirar-se para uma ilha deserta” (Gropius in Rykwert, 2003, p. 17). Apesar do conteúdo dessa citação, a primeira obra construída pela Bauhaus foi uma casa em madeira que Walter Gropius e Adolf Meyer projetaram no subúrbio de Berlim em 1921 tendo como arquitetos colaboradores Josef Albers, Joost Schmidt, Hans Jucher e Marcel Breuer (Rykwert, 2003, p. 17). É possível que o fato de o proprietário ser um mercador de madeira tenha intervindo na escolha desse material para a construção da casa, mas não deixa de ser curiosa a opção por um “(...) detalhamento ao estilo “camponês” – as extremidades das vigas entalhadas, por exemplo −, bem como o uso de métodos construtivos toscos” (Rykwert, 2003, p. 15). Embora Rykwert (2003, p. 18) assinale a possibilidade de que Gropius tivesse sido influenciado pelas ideias do historiador da arte Josef Strzygowski, que “sustentava

Sommerfeld Blockhaus, Walter Gropius 14

e Adolf Meyer, Berlim, 1921.


que a madeira era a técnica de construção original de seus ancestrais indo-germânicos” e que “estabeleceu um instituto de pesquisas em Viena para estudar e documentar as remanescências dessa forma arcaica de construção”, é uma nota do arquiteto alemão Gottfried Semper que mais parece esclarecer o significado desse “exemplar de uma rudeza deliberadamente extravagante” (Rykwert, 2003, p. 15): “Ainda hoje, os filhos supercivilizados da Europa, quando perambulam pelas florestas primevas da América, constroem para si cabanas de troncos” (Semper in Rykwert, 2003, p. 15). A madeira aparece como atributo de primitivismo também no Mausoléu de Lenin (1924), obra contemporânea à Sommerfeld Blockhaus que foi construída “(...) tanto para proteger o corpo embalsamado de Lenin quanto para servir de tribuna para os grandes homens da hierarquia soviética durante as paradas na Praça Vermelha”. Embora tenha sido posteriormente substituído por outra versão em pedra, “Anastas Schusov, que desenhou ambas as formas, é lembrado por tê-lo concebido como o túmulo de algum líder primitivo das estepes mongólicas” (Rykwert, 2003, p. 19).

A referência a um “líder primitivo das estepes mongólicas” na concepção do Mausoléu de Lenin, um dos líderes da Revolução Russa de 1917 e comprometido, portanto, com um projeto de futuro, é muito interessante. O fato de Schusov encontrar inspiração para homenagear um líder da revolução em um passado longínquo remete ao sentido paradoxal que Rykwert reconhece na ideia da cabana primitiva, a qual representaria, a um só tempo, a memória de um passado idealizado e a promessa de um futuro ideal. Rykwert explica o significado que atribui ao arquétipo da cabana primitiva argumentando que já que “Não pode ter existido uma primeira casa cuja autenticidade os arqueólogos pudessem comprovar” (2003, p. 5), a cabana primitiva seria fruto da memória coletiva de um estado, e não de um objeto real, e estaria, portanto, “(...) situada permanentemente (...) em algum lugar que devo chamar de Paraíso. E o Paraíso é uma promessa, tanto quanto uma rememoração” (2003, p. 218-219).

Primeiro Mausoléu de Lenin, Anastas Schusov, Moscou, 1924.

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A Madeira na Arquitetura Pré-Industrial O significado da cabana primitiva anunciado por Rykwert no final do livro A Casa de Adão no Paraíso de fato permeia boa parte dos escritos de arquitetos e teóricos citados pelo autor e talvez forneça pistas para que compreendamos o traço romântico que se deixa intuir em diversas obras arquitetônicas nas quais a madeira tem presença marcante. A maneira como Mies van der Rohe (in Unwin, 2010, p. 69) se refere aos antigos edifícios de madeira em uma palestra de 1938 reforça a nostalgia presente em parte dos projetos modernos que têm a madeira como material expressivo: “Where can we find greater clarity in structural connections than in the wooden buildings of the old? Where else can we find such unity of material, construction and form? Here the wisdom of whole generations is stored. What feeling for material and what power of expression there is in these buildings. What warmth and beauty they have! They seem to be echoes of old songs”.

Vigas na Residência Sakuta, Chiba, Japão; à direita, peças de madeira curvas possibilitam um desenho que não toca o chão úmido da região de Steiemark, Áustria.

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Pagode de Yingxian, China, 1056.


O imaginário que permeia a fala de Mies van der Rohe tem como contrapartida concreta uma extensa e heterogênea produção de diversos momentos históricos e culturas, pois, ao que tudo indica, a madeira desempenhou um papel importante na relação do homem com o ambiente desde a pré-história (Schweitzer in Herzog et al., 2004, p. 24). Embora não possamos afirmar se a madeira foi ou não o primeiro material utilizado pelo homem para a construção de abrigos − como já discutimos, a cabana primitiva é antes de tudo uma ideia, e não um objeto real −, há consenso no fato de que a madeira esteve presente em parte significativa das edificações antigas e medievais. Tendo sido por muito tempo utilizada principalmente na construção de casas, a madeira foi aos poucos sendo adotada também como matéria prima de edifícios com programas que exigiam soluções construtivas mais arrojadas (Schweitzer in Herzog et al., 2004, p. 24). As estruturas de madeira da Grécia antiga, por exemplo, remontam ao século II a.C. e já apresentam certa complexidade, como no edifício com vão de 15m no qual se reunia a Boulé de Priene. As Basílicas de São Pedro e de São Paulo em Roma,

Santuário de Ise, Japão, 692.

por outro lado, datam do século IV e possuem estruturas de madeira que vencem 24m de vão. No oriente, podemos citar como exemplos de edifícios em madeira de complexidade precoce o Santuário Interior do complexo do Santuário de Ise, construído em 692 no Japão, e o Pagode de Yingxian, construído em 1056 na China com 67m de altura (Schweitzer in Herzog et al., 2008, p. 25/27). Apesar de o desafio de atender a programas que sugeriam estruturas mais elaboradas ter propiciado o desenvolvimento de soluções construtivas bastante inovadoras, as propriedades intrínsecas à madeira também induziram obras muito interessantes nas quais a diversidade das formas gestadas pela natureza foi considerada um atributo positivo (Zwerger, 2012, p. 14), merecendo, portanto, destaque. Como exemplo, Klaus Zwerger (2012, p. 14) cita o fato de que muitos edifícios pré-industriais utilizavam peças de madeira naturalmente curvas. Embora o aproveitamento da madeira irregular fosse no início consequência de necessidades econômicas, aos poucos essa prática foi se tornando tão aceita que peças curvas começaram a ser produzidas artificialmente.

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Outra propriedade da madeira que foi explorada pela arquitetura pré-industrial de modo muito interessante é a heterogeneidade de resistência das diferentes partes do tronco devido à aplicação contínua dos esforços horizontais originados pela inclinação do fuste ou pela ação dos ventos. As chamadas madeira de compressão e de tração que resultam desse processo podem ser empregadas na produção de vigas que, instaladas com sua face mais resistente para cima, funcionam como uma peça pré-tensionada (Zwerger, 2012, p. 16).

A Arquitetura Tradicional Japonesa A tradição de explorar a irregularidade dos elementos extraídos de uma árvore, relativamente difundida na arquitetura pré-industrial, encontra fortes ecos no Japão contemporâneo, diferente da Europa ocidental e de grande parte da Europa oriental, onde essa abordagem é pouco usual (Zwerger, 2012, p. 14).

À esquerda, imagens da reconstrução periódica do Grande Santuário 18

de Ise; acima, exemplo de conexão da arquitetura tradicional japonesa.


Muito provavelmente, a preservação das tradições construtivas japonesas está ligada à continuidade dos rituais de reconstrução de templos e santuários em madeira que se prolongam até os dias atuais. O Grande Santuário de Ise, por exemplo, é reconstruído a cada 20 anos usando sempre os mesmos procedimentos de corte, secagem e construção (Henrichsen in Deplazes, 2010, p. 104).

Ainda hoje essa profissão continua sendo extremamente valorizada, devendo um carpinteiro japonês contemporâneo escolher especializar-se apenas na construção de santuários xintoístas, templos budistas ou residências, visto que das 400 junções ainda usadas comumente, poucas podem ser usadas em mais de uma dessas três tipologias (Yobuko e Davis in Seike, 1990, p. 9).

Para Zwerger (2012, p. 11), a persistência dessas tradições pode ser em parte explicada pelo fato de que no Japão ainda resiste a ideia de que cada árvore possui um espírito, ou kodoma, que só seria adequadamente respeitado através da continuidade de práticas construtivas ancestrais.

Devemos lembrar, porém, que apesar de a opção pela madeira como principal matéria prima da arquitetura japonesa desde o período Jomon, que se inicia em 3500 a.C. (Roland Schweitzer in Herzog et al., 2008, p. 27), estar amparada na cultura e religiosidade desse povo, ela também responde a questões práticas.

Talvez seja por conta da relação espiritual entre a cultura japonesa e as árvores que as ferramentas dos carpinteiros fossem originalmente investidas de um certo grau de divindade. Do mesmo modo, a importância da figura do carpinteiro era tal que a tradução literal da palavra japonesa carpinteiro para o inglês seria mestre ou arquiteto (Yobuko e Davis in Seike, 1990, p. 10).

Entre elas, devemos citar o fato de que o solo vulcânico do território japonês oferece poucos materiais adequados para a construção com alvenaria, enquanto que suas abundantes florestas fornecem madeira com boa resistência natural ao ataque de bactérias, fungos e insetos (Seike, 1990, p. 11-12).

Templo do Grande Budha no complexo budista Todai-ji, Nara, Japão, construído na primeira metade do século VIII.

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Corte do Templo Dule si Guanyin ge. Edifício de múltiplos andares 20

mais antigo do Período Liao (907-1125) construído em Laiyuan, China.


A experiência construtiva também demonstrou que os edifícios em madeira resistem relativamente bem aos tufões e terremotos observados com certa frequência no Japão. Como explica Kiyosi Seike (1990, p. 12), uma casa em madeira tem um período de reverberação curto, o que evita que a construção entre em ressonância com as ondas de reverberação de um tremor de terra. Além disso, a fricção entre as conexões em madeira absorve a energia de grande amplitude que ocorre no começo de um terremoto.

Para Lévi-Strauss (2012, p. 85-86), a simetria entre a cultura japonesa e a europeia as uniria na medida em que as opõem, pois “Elas parecem a um só tempo semelhantes e diferentes, como a imagem simétrica de nós mesmos, refletida por um espelho (...)”. A seguir, Lévi Strauss aventa que seria justamente essa simetria que permitiria “(...) melhor compreender a profunda razão pela qual, em meados do século XIX, o Ocidente teve a sensação de se redescobrir nas formas da sensibilidade estética e poética que o Japão lhe propunha”.

Apesar de todos esses fatores fazerem da madeira um material extremamente adequado para a construção no Japão, na opinião de Kiyosi Seike (1990, p. 12) o prematuro surgimento de projetos de reflorestamento no Japão, cujas primeiras experiências datam da segunda metade do século XVII, estaria mais ligado à crença no kodoma, ou espírito da árvore, do que a motivações econômicas e políticas.

Esse texto de Lévi-Strauss talvez forneça elementos para que compreendamos a importância da arquitetura tradicional japonesa para a obra de arquitetos modernos como Le Corbusier e Frank Lloyd Wright, tanto em termos gerais, quanto em relação ao tratamento dado à madeira. As especificidades da arquitetura japonesa com madeira também iria influenciar o uso desse material por arquitetos brasileiros como Lucio Costa, Oswaldo Bratke, Severiano Porto e Marcos Acayaba, como veremos mais adiante.

Seria justamente o significado particular que a cultura japonesa atribui à árvore e à construção com madeira que explicariam, para Klaus Zwerger (2012, p. 32), a razão pela qual a maior e a mais antiga estrutura em madeira do Budismo – um dos templos de Todai-ji e o complexo de templos Horyu-ji, construído no século VII − ainda estão em boas condições. Na opinião do estudioso, a ideia de transitoriedade de todas as coisas, tema fundamental do budismo, e a consequente aceitação da suscetibilidade da madeira ao tempo teria feito com que os antigos japoneses desenvolvessem procedimentos, rituais e técnicas que permitiram contornar o caráter perecível da madeira, aumentando, ironicamente, a durabilidade de seus edifícios. O modo particular como a arquitetura japonesa faz uso da madeira é mais um aspecto, entre tantos outros, que diferenciam sua cultura daquela que chamamos ocidental. Lévi-Strauss comenta em seu texto Domesticar a Estranheza (2012, p. 83-84) a ideia de que de que os japoneses fariam muitas coisas de modo exatamente contrário ao que os europeus consideram conveniente: “(...) as costureiras japonesas enfiavam suas agulhas empurrando o buraco pelo fio ao invés de empurrar o fio pelo buraco (...) os japoneses montavam a cavalo pela direita, contrariamente a nosso costume(...)” e ainda hoje “(...) o visitante estrangeiro se espanta que o marceneiro japonês serre puxando a ferramenta para si e não empurrando-a”.

A Arquitetura Tradicional Chinesa A despeito da relevância da arquitetura tradicional japonesa para a arquitetura moderna ocidental, não podemos deixar de comentar a experiência com madeira da arquitetura tradicional chinesa, na qual esse material, embora não exclusivo, era predominante (Zwerger, 2012, p. 266). Infelizmente, poucos monumentos em madeira da arquitetura tradicional chinesa resistem até os dias de hoje, sendo necessário preencher certas lacunas históricas a partir da pesquisa da influência da cultura arquitetônica chinesa em edifícios japoneses (Zwerger, 2012, p. 266). Segundo Klaus Zwerger (2012, p. 266), a destruição de grande parte desse patrimônio poderia ser explicada por guerras, incêndios, pela chamada perseguição aos budistas e, mais recentemente, pela Revolução Cultural. Roland Schweitzer (in Herzog et al., 2008, p. 27) cita ainda o costume de que cada nova dinastia destruísse os palácios e vilas construídos por aquela que a havia precedido. De qualquer modo, podemos encontrar na China pré-industrial tanto edifícios construídos com toras, como com o chamado sistema poste-e-viga, o qual, com estrutura independente de pilares e vigas, constituía o modo de construir com madeira mais difundido nessa região (Zwerger, 2012, p. 268).

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Além da maior incidência desse sistema em relação à construção com toras, outro traço marcante da produção desse país é a horizontalidade. Isso pode ser explicado pelo fato de que, apesar de haver importantes edifícios em madeira com diversos pavimentos na arquitetura tradicional chinesa, como o já citado Pagode de Yingxian, a verticalização era geralmente interpretada como um indicativo de falta de espaço e, portanto, de status (Zwerger, 2012, p. 285). Podemos citar ainda como característica da arquitetura com madeira que se desenvolveu na atual China o telhado com grande beiral, cuja função é proteger a edificação das intempéries (Zwerger, 2012, p. 275). No caso dos edifícios de prestígio, a necessidade de abrigar a madeira da chuva e do sol combinada à importância de garantir iluminação adequada nos ambientes internos propiciou o surgimento do telhado com forma côncava e beiral com extremidades arqueadas para cima, tipo de cobertura comumente associado à arquitetura tradicional chinesa (Zwerger, 2012, p. 277).

À esquerda, encontro de peças de madeira. 22

Acima, Igreja de Urnes, Noruega, 1130.


A Arquitetura da Europa Pré-Industrial Em relação à Europa pré-industrial, a arquitetura com madeira que floresceu na atual Noruega certamente merece destaque. Nessa região, podemos encontrar duas técnicas de construção com madeira majoritárias: a edificação com toras, geralmente adotada em tipologias mais simples, e o tipo de construção das chamadas igrejas “stave”, surgidas à medida que a região se convertia ao cristianismo e caracterizadas pela estrutura independente e vedação com ripas de madeira (Roland Schweitzer in Herzog et al., 2008, p. 28). Segundo Donnelly (1992, p. 34), entre 1050 e 1250, foram construídas na atual Noruega mais de 700 igrejas em madeira desse tipo, restando atualmente cerca de 30. A igreja de Urnes, construída em 1130, é considerada um dos mais antigos exemplares desse tipo de arquitetura que se mantém até hoje e, junto com as igrejas de Borgund e de Gol, construídas entre 1200 e 1250, compõe o conjunto de igrejas “stave” mais significativas.

Igreja de Gol, Noruega, 1250.

Essa última, a igreja de Gol, foi curiosamente desmontada e remontada em um local diferente daquele em que havia sido originalmente construída no ano de 1884 (Donnelly, 1992, p. 34). Seu transporte remete a outra história inusitada ocorrida em uma vila húngara em 1764, quando a igreja da cidade foi movida 1500m para o lado sem ser desmontada por temor de que o solo pantanoso sobre o qual havia sido construída cedesse (Zwerger, 2012, p. 11). Esses acontecimentos demonstram duas propriedades muito interessantes da madeira como material construtivo: a possibilidade de se desmontar e remontar estruturas em madeira sem que estas sejam comprometidas e a leveza do material, que permite que uma igreja inteira seja movida por um grupo de pessoas e bois. Outra propriedade intrínseca à madeira explorada com sensibilidade pela arquitetura norueguesa é a forma cônica que o tronco das árvores tende a ter. Ao invés de disfarçar o estreitamento de seu diâmetro, nas igrejas “stave” da

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atual Noruega essa característica foi explorada de modo a reforçar a verticalidade do espaço e a dar a impressão, numa tradução livre das palavras de Karl Zwerger (2012, p. 19), de as colunas serem árvores alçando-se em direção ao céu. Além de propiciar o surgimento de soluções plásticas interessantes como a citada acima, a experiência dos noruegueses com as igrejas “stave” também foi muito importante no enfrentamento de uma das maiores limitações da construção com toras, o encolhimento das peças durante sua secagem (Zwerger, 2012, p. 21). Enquanto no norte da atual Rússia desenvolveu-se o costume de construir casas com madeira verde que precisavam ser desmontadas após um período de secagem ao ar livre e remontadas com auxílio de musgo para proteção de eventuais frestas, na Noruega a experiência dos carpinteiros com o uso de sarrafos de madeira na vedação das igrejas “stave” permitiu que contornassem o problema do encolhimento das construções com toras através do uso combinado de toras e ripas de madeira (Zwerger, 2012, p. 22). Na região dos Alpes, por outro lado, desenvolveu-se, devido a condições geográficas, uma técnica alternativa à tradição norueguesa, a construção com toras e pranchas. Já na Europa central predominou o sistema poste-e-viga (Roland Schweitzer in Herzog et al., 2008, p. 28). A despeito das diferenças entre os sistemas construtivos adotados nos Alpes e na Europa central, em ambas as regiões a madeira foi mais difundida na arquitetura residencial, na qual restrições econômicas tendiam a ser determinantes, do que em grandes edifícios de uso comum. Nesse sentido, é interessante notar que no período Barroco era comum revestir ou dar acabamento especial a fachadas de madeira para que o edifício se tornasse mais semelhante com aqueles feitos em pedra que pertenciam à Igreja e à aristocracia (Zwerger, 2012, p. 30).

O Declínio do Uso da Madeira e a Era Industrial Embora centremos nossa atenção no uso da madeira na arquitetura, esse material não foi utilizada apenas para a construção. Referindo-se ao período entre 1500 e 1750, Williams (in Cabral, 2011, p. 406) comenta que na Europa desse período “As florestas forneciam a principal matéria prima para os edifícios, moinhos, teares, móveis, arados, carroças e rodas (...) Todas as ferramentas e instrumentos eram de madeira, exceto aqueles que precisavam de fio cortante, que eram de ferro”.

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Quando consideramos, além dos usos da madeira já citados, a calefação das residências, maior responsável pelo consumo de madeira até a Primeira Guerra Mundial (Myllyntaus e Mattila, 2002, p. 272), fica evidente que na “idade da madeira” a que se refere Williams os níveis de demanda per capta do material eram muito expressivos: para a cidade de Londres por volta de 1600, por exemplo, estimou-se um consumo de 1,76 toneladas por habitante por ano, enquanto que para o conjunto da Europa setentrional dos séculos XVI ao XVIII estipulou-se um consumo per capita anual da ordem de 1,6 a 2,3 toneladas (Cabral, 2011, p. 407). A derrubada de florestas para atender a essa demanda, somada àquela praticada com o intuito de abrir clareiras para uma população de pessoas e de gado em constante crescimento, resultou numa profunda mudança da paisagem do centro-oeste europeu e na drástica redução da oferta de madeira. Para se ter uma ideia, a Europa Central já havia consumido a maior parte de suas florestas nativas na Idade Média (Myllyntaus e Mattila, 2002, p. 272). Além da progressiva escassez de madeira, a associação desse material à falta de recursos, à baixa durabilidade e segurança ajuda a explicar a grande diminuição de seu uso na construção europeia a partir do século XVII. Em relação à segurança dos edifícios em madeira, o principal fator de preocupação costumava ser o risco elevado de incêndios devido às precárias condições das cidades, cujo expressivo crescimento a partir do século XVI havia se dado sem planejamento adequado (Pryce, 2005, p. 268). Um exemplo que ilustra bem essa questão é o grande incêndio ocorrido em Londres no ano de 1666 que, tendo provocado uma extensa destruição, fez necessário um esforço de cerca de 30 anos para que a cidade fosse reconstruída, porém dessa vez em pedra (http://www.london-fire.gov.uk/). Soma-se a tudo isso o desenvolvimento da tecnologia da construção com aço e concreto ao longo da Revolução Industrial e o surgimento de novos programas arquitetônicos que exigiam grandes vãos, fatores que também contribuíram para a progressiva substituição da madeira por outros materiais (Pryce, 2005, p. 268). A despeito dessa tendência, foram construídas no século XVIII grandes estruturas em madeira que ampliaram as possibilidades técnicas da construção com esse material. Como exemplo, podemos citar o andaime rotativo desenhado para a restauração da cúpula do Panteão de Roma em 1756, a ponte sobre o

Rio Kandel, construída na Suíça em 1757, e a ponte sobre o rio Reno em Schaffhausen, também na Suíça, construída em 1758 (e destruída em 1799), que vencia 119m de vão (Schweitzer in Herzog et al., 2008, p. 29). Durante o século XIX, foram realizadas outras experiências que ensaiavam a adequação da madeira ao contexto industrial e levaram à criação de novos sistemas construtivos, dentre os quais podemos destacar arcos feitos com chapas curvas de madeira (1825), estruturas compostas de madeira e metal (1839) e estruturas espaciais nas quais as peças de madeira eram unidas por cabos de aço. No desenvolvimento de estruturas pré-fabricadas de madeira, uma experiência importante foi o projeto de Joseph Paxton para o Palácio de Cristal de 1851 em Londres. Nessa enorme estrutura foram utilizados 17000m3 de madeira que, combinados a elementos de aço, ferro fundido e vidro, compuseram uma cobertura de 70.000m2 (Schweitzer in Herzog et al., 2008, p. 29).

O Balloon Frame A invenção de um sistema estrutural chamado balloon frame em 1833 por um engenheiro civil de Chicago (Ponce, 1997, p. 189) foi mais uma iniciativa do século XIX em sintonia com a ideia de que a madeira poderia ser usada como um material construtivo industrializado. O balloon frame é um sistema composto por peças padronizadas e leves unidas através de pregos. Diferente do tradicional sistema poste-e-viga utilizado na Europa, no Japão e na China, para o qual eram necessárias peças de grande seção e considerável habilidade com carpintaria, o balloon frame utilizava montantes de 2x4 polegadas (aproximadamente 5x10 centímetros) e, dada a simplicidade das conexões, tornava possível que um simples fazendeiro construísse sua própria casa (Ponce, 1997, p. 189). Embora a madeira tenha sido amplamente utilizada na chamada Nova Inglaterra desde o início da colônia devido à influência de técnicas construtivas com madeira trazidas por europeus, foi com o intenso uso do balloon frame na expansão da fronteira para oeste que a madeira se estabeleceu na cultura construtiva norte-americana de forma definitiva (Kniffen e Glassie, 1966, p. 40).

Na página oposta, de cima para baixo: ranhuras verticais feitas nas peças de madeira simulam aparência de parede de pedra; Ponte sobre o rio Kandel, Suíça, 1757; Palácio de Cristal, projetado por Joseph Paxton para a Exposição Universal de Londres em 1851; construção de casa segundo o sistema balloon frame em Nebraska, EUA, 1877.

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A Arquitetura da Costa Oeste dos Estados Unidos É justamente no oeste do território americano, ocupado pelos colonos com casas de madeira, que podemos encontrar uma maior concentração de edifícios projetados ao longo do século XX nos quais a presença da madeira é determinante. Segundo Esther McCoy, os irmãos californianos Greene & Greene, cujos primeiros trabalhos de relevo datam dos anos 1900, estão entre os primeiros norte-americanos a pautarem sua arquitetura pelo estudo aprofundado da madeira. Assim, esses arquitetos, cuja produção tem notável influência da arquitetura japonesa e suíça, estabeleceram um “estilo americano” que iria espalhar-se pelo sul da Califórnia e dali para todo o país (Makinson in McCoy, 1960, p. 103-104) e que poderia ser sintetizado no “Bangalô Californiano”, tipologia

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Casa da Família Blacker, Greene & Greene, Pasadena, Califórnia, 1907.


caracterizada pela simplicidade e pelo uso da madeira que foi desenvolvida após a crise dos anos 1890 para atender, nas palavras de Makinson (in McCoy, 1960, p. 107), à demanda por casas despretensiosas que refletissem a atmosfera relaxada da vida californiana. Se nos projetos do início do século XX a madeira parecia ser o material ideal para obras marcadas pela informalidade, ela também foi escolhida pelos Greene em projetos residenciais especialmente refinados e complexos. Assim, a preferência por peças maciças com detalhes entalhados e a ideia de que em uma estrutura de madeira cada elemento deveria expressar sua identidade e função comparecem com força na estrutura robusta e nos interiores bem detalhados da Casa da Família Blacker, de 1907 (Makinson in McCoy, 1960, p. 135), e na casa feita para David Gamble em 1908.

A partir da Primeira Guerra Mundial, porém, o volume de trabalho dos irmãos Greene diminuiu, assim como o de colegas californianos que também vinham experimentando as possibilidades oferecidas pela madeira, sendo apenas com a Residência Hollyhock, projetada por Frank Lloyd Wright nos anos 1920, que a cena californiana voltou a despertar interesse (McCoy, 1960, p. 149). Durante a construção dessa casa, Wright estava no Japão, ficando a supervisão da obra a cargo de R. M. Schindler, um jovem vienense que havia sido seu assistente no escritório de Chicago por cerca de dois anos (McCoy, 1960, p. 149). Embora Schindler tenha poucos projetos em madeira, é interessante notar que sua Cabana Bennati, de 1934, a primeira estrutura em ‘A’ da arquitetura, não apresentava, na opinião de Esther McCoy, traços de rusticidade. Pelo contrário: para a

Hall de entrada da Casa da Família Blacker; à direita, Cabana Bennati, Rudolf Schindler, Califórnia, 1934.

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Casa Jacobs, Frank Lloyd Wright, Wisconsin, 1936. 28

Esse foi o primeiro projeto das Usonian Houses do arquiteto.


autora (1960, p. 175), apesar de ser construída basicamente em madeira, a Cabana Bennati tinha uma dignidade informal que a afastava de qualquer provincianismo que poderia ser identificado na obra de outros arquitetos trabalhando em Los Angeles. As Casas Usonian de Frank Lloyd Wright, por exemplo, apesar de projetadas à luz da possibilidade de industrialização e produção em massa, têm como pressuposto uma atmosfera mais bucólica, na medida em que foram pensadas como células residenciais de uma proposta de cidade descentralizada e pouco adensada, a Broadacre City. A inserção do conceito das Usonian Houses em um raciocínio urbano amplo explica a razão pela qual March (in Sergeant, 1976, p. 7) defende que as Casas Usonian teriam na obra de Frank Lloyd Wright o mesmo lugar que a Unité d’Habitacion teria na de Le Corbusier, a de uma proposta para a habitação no século XX, ideia que evidencia a relevância do conjunto de casas desenhadas por Wright entre 1936 e 1943. É interessante notar que embora todas as 57 casas projetadas − 26 das quais construídas − fossem diferentes, elas tinham em comum a forte presença da madeira, o baixo custo e o que Wright chamava de mesma gramática (Sergeant, 1976, p. 11-13), o que na prática significava que mesmo que desenhadas para lotes e programas específicos, todas elas compartilhavam o mesmo sistema estrutural. Por conta disso, os desenhos de cada casa eram acompanhados por folhas de detalhamento padronizado que, na opinião de John Sergeant (1976, p. 110), devem ter sido completamente desenvolvidas entre a Residência Hoult, de 1935, e a Casa Jacobs, a primeira das Usonian, de 1936. Em relação à Casa Jacobs, Sergeant (1976, p. 19-28) comenta que com exceção do mínimo de alvenaria portante, as vedações externas eram de vidro ou feitas com o painel-sanduíche típico das Usonian, o qual, composto por placas compensado e sarrafos, demonstrou ser resistente, mas não tão adequado em termos acústicos. Nessa casa também são experimentadas técnicas inovadoras, como o aquecimento com tubos de água ou gás quentes embutidos na laje de piso. O interesse de Wright em propor soluções construtivas inéditas como essa reforça o conteúdo de um manifesto que o arquiteto publicou em 1938 no Architectural Forum, no qual Wright afirma que enfrentar o problema da pequena casa essencial passa pela eliminação de práticas construtivas desnecessariamente complexas, pela

diminuição do trabalho in loco através da pré-fabricação e pela solução racional de aquecimento, iluminação e instalações sanitárias (Sergeant, 1976, p. 16). O comprometimento de Frank Lloyd Wright com o rigor técnico e com a possibilidade de industrialização também transparece no esforço de pautar o desenho das casas Usonian por um gride que coincidisse com as dimensões dos materiais usados, como o compensado, de modo a evitar desperdícios desnecessários (Sergeant, 1976, p. 19-21). O sucesso das Usonian Houses, porém, não é atribuído apenas à racionalidade construtiva e custo reduzido, mas também à “natureza” do espaço: parafraseando as palavras de Seargent (1976, p. 27), os materiais e as características espaciais das casas Usonian proporcionariam uma sensação de serenidade e segurança permeada por materiais naturais e pelo odor da madeira. A madeira, então, teria nessas obras um duplo significado: por um lado, seria adequada para a construção de casas de baixo custo de produção estandartizada e, por outro, contribuiria para a criação de uma atmosfera de aconchego e bem estar. Anos depois, em 1951, Wright voltaria a pesquisar o desenho de casas pré-fabricadas de madeira naquela que construiu em Phoenix para Raymond Carlson, editor da revista Arizona Highways. Essa casa, feita com estrutura e painéis de madeira, remetia aos projetos de casas em aço que havia feito em Los Angeles em 1937 e anunciava os projetos de casas estandartizadas que iria desenvolver na última década de sua vida, quando, entre 1956 e 1958, desenhou quatro tipologias de casas pré-fabricadas que foram produzidas pela Marshall Erdman Company em Madison, Wisconsin (Sergeant, 1976, p. 145). Esse último conjunto de casas de madeira projetadas por Frank Lloyd Wright insere-se num movimento de renovação do interesse pelas qualidades da madeira que ocorreu na arquitetura californiana após a Segunda Guerra Mundial. Num contexto em que esse material voltava a destacar-se como elemento estrutural, a obra de arquitetos como Greene & Greene voltou a ser estudada com mais intensidade, pois, como sugere Makinson (in McCoy, 1960, p. 145-146), os estudantes acreditavam que a produção contemporânea deveria ser essencialmente uma retomada da arquitetura Greene sob as rígidas demandas de uma era de especialização e pré-fabricação.

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Case Study House #2, John Rex e Sumner Spaulding, Calif贸rnia 1945-47. 30

Casa com estrutura de madeira e amplos pain茅is de vidro.


As Case Study Houses O resgate da tradição da arquitetura californiana com madeira ocorreu concomitantemente à criação de um programa chamado Case Study Houses pela revista californiana Arts & Architecture, cujo editor era John Etenza. Os arquitetos convidados deveriam projetar casas tendo como cliente a própria revista, também responsável por sua construção, o que permitia que os projetos fossem concebidos com grande liberdade criativa. O programa estabelecia, porém, que as Case Study Houses deveriam ter em comum o comprometimento com a indústria estado-unidense, o baixo custo e o fato de destinarem-se a famílias pequenas sem empregados, um perfil de clientes cada vez mais corriqueiro no período pós-guerra (McCoy, 1977, p. 2-4). Esther McCoy propõe dividir essa produção em três fases. A primeira delas vai de 1945 a 1949 e, embora haja projetos que propõem o uso de estrutura metálica, a maioria das casas possui estrutura de madeira e vedações com painéis de gesso ou de compensado. O segundo período do Case Study Houses proposto por McCoy vai de 1950 a 1960 e é caracterizado pelo uso do aço e pela ideia de que os exemplares construídos deveriam funcionar como protótipos de casas fabricadas industrialmente (McCoy, 1977, p. 69). Já a fase pós-1960, última da periodização proposta por McCoy, é marcada pela ampliação do escopo dos projetos, que agora abrangem uma comunidade ao invés de restringirem-se a unidades isoladas. Os projetos desse período, com exceção de um deles, possuem estrutura de madeira maciça ou laminada combinada a alguns poucos pilares de aço que têm como função dar estabilidade ao conjunto. O fato de haver uma oscilação entre o uso do aço e da madeira no projeto de casas ligadas a um raciocínio industrial sugere que talvez ambos os materiais possuam qualidades em comum. Há um texto de Cristoph Wieser e Andrea Deplazes que possivelmente esclarece a convergência de raciocínio arquitetônico que ambos os materiais suscitam.

Nele, os autores (Wieser e Deplazes in Deplazes, 2010, p 1316) defendem a existência de dois arquétipos construtivos: a construção sólida, marcada pelo peso e composta a partir de paredes tridimensionais, na qual se enquadrariam a cantaria, a alvenaria e o concreto armado; e a construção filigrana, pautada pela leveza e regida pelo raciocínio linear, à qual pertenceriam a arquitetura com madeira (excetuando-se aquela feita com toras maciças) e as estruturas industrializadas de aço. Tanto a construção com madeira quanto aquela com aço seriam propícias para a configuração de uma estrutura independente – ou esqueleto − preenchida por painéis, solução bastante propícia para uma prática industrial de pré-fabricação. Mas há diferenças importantes entre os dois materiais. Como aponta Esther McCoy (1977, p. 70), enquanto o aço exige um detalhamento completo, um desenho na escala da máquina, a madeira seria capaz de incorporar acertos de última hora, ou o que McCoy chama de projeto do coração. De qualquer maneira, apesar de a experimentação com o aço e a madeira não ter bastado para que os arquitetos dos Case Study Houses estabelecessem um consenso quanto ao material mais adequado para o projeto de casas industrializadas de baixo custo, é certo que a escolha do material construtivo dessas casas do pós-guerra americano era guiada por motivações práticas sem nenhum caráter romântico. John Etenza reforça a racionalidade com que os materiais eram escolhidos ao comentar 11 anos após o fim do programa que os projetos residenciais desenvolvidos para a revista Arts & Architecture tiveram grande influência no uso de novos materiais e no re-uso de antigos, mas não incorporaram de modo algum o sonho de uma cabana (McCoy, 1977, p. 10). Pelo contrário, as pequenas casas pré-fabricadas, fossem feitas em aço, madeira ou em qualquer outro material estavam imbuídas de um raciocínio e de uma plástica modernos.

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Outras Experiências Essa abordagem racional dos materiais permeia a obra do arquiteto Craig Ellwood não só nas casas que projetou para as Case Study Houses, todas com estrutura de aço, mas na sua produção como um todo. Assim, a escolha da madeira como principal material construtivo de alguns de seus projetos tende a resultar de problemas práticos: a exposição da estrutura à maresia costeira, como na Residência Hint, de 1955, que na opinião de Peter Blake constitui uma reinterpretação do espírito japonês com materiais americanos (McCoy, 1968, p. 36); ou a necessidade de submeter-se a um orçamento reduzido, como na Residência Hale, projetada entre 1949 e 1950, na Residência Kubly e na Residência Moore, ambas desenhadas em 1964. Sobre esta última, Peter Blake (McCoy, 1968, p. 106) declarou com ironia que nela Ellwood empregava a madeira de maneira tal a distanciar-se do estilo “California artsy-craftsy pseudo-Japanese” (algo como estilo californiano artesanal pseudo-japonês). Outro arquiteto americano que contribuiu para as Case Study Houses é Richard Neutra. Tendo como tema re-

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Residência Moore, Craig Ellwood, 1964.


corrente em sua obra a busca por uma arquitetura replicável, pré-fabricada e de baixo custo, Neutra demonstrou um grande interesse por sistemas construtivos leves, modulares e passíveis de reprodução em massa (Hines, 2005, p. 131), o que o levou a explorar o uso do aço e da madeira. É interessante notar que a madeira aparece na obra de Neutra de formas distintas, apesar de sempre encadeada em um conjunto arquitetônico claramente moderno. Assim, em algumas obras a madeira é eclipsada atrás de camadas de tinta cinza ou branca para trazer à tona uma estética industrial (Hines, 2005, p. 149); em outros projetos, ela é evidenciada para amortecer exatamente a plástica moderna que na primeira situação o arquiteto preferira destacar. Esse último procedimento é bastante evidente na Residência McIntosh, de 1939, na qual Neutra procurou contornar o purismo do Estilo Internacional através do uso da madeira. Conforme relata Hines (2005, p. 147), embora o casal McIntosh tivesse cedido ao pedido dos filhos, estudantes de arquitetura que estavam convencidos de que a casa de seus pais deveria ser projetada por Richard Neutra, eles teriam ficado satisfeitos com a sugestão, dada pelo próprio arquiteto, de fazer a casa

Residência McIntosh, Richard Neutra, 1939.

em madeira, uma opção mais aconchegante − ou homey, nas palavras de Hines. Como vemos, construir uma casa com espacialidade moderna utilizando a madeira como principal material construtivo teria representado, na Residência McIntosh, um compromisso entre a radicalidade do Estilo Internacional e o desejo dos clientes por uma atmosfera que lhes parecesse mais próxima de suas referências arquitetônicas, certamente mais tradicionais. Thomas Hines (2005, p. 216) amplia essa hipótese ao lembrar que toda a obra de Neutra seria permeada pela abertura para variações do cânone moderno – duro, frio, de cobertura plana – através de incursões por uma arquitetura mais relaxada e texturizada na qual compareciam o tijolo, a madeira e o telhado inclinado. Para Marcel Breuer, arquiteto húngaro ligado à Bauhaus que mudou-se para os EUA em 1937, a madeira também representou um afastamento do Estilo Internacional, porém por outros motivos. Tendo demonstrado interesse pela arquitetura em madeira da “Nova Inglaterra”, Breuer logo familiarizou-se com a tecnologia estado-unidense de construção com esse material e adotou técnicas construtivas

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como o ballon frame e o tongue-and-groove siding, levando alguns a defenderem que houvesse estabelecido junto com Gropius, a essa altura também morando nos Estados Unidos, um “novo regionalismo”. A ideia de “novo regionalismo” foi amplamente contestada – para Edwin R. Ford, apesar de Gropius e Breuer terem incorporado aspectos da construção americana em suas casas, não há diferenciação clara entre os elementos nesse material e outros em aço; já para Joachim Driller, o uso da madeira pelos arquitetos estaria mais ligado à experiência de Gropius na Alemanha e na Inglaterra entre 1923 e 1936 e ao interesse, em tempo de guerra, de dissociação da produção alemã, promovendo, no lugar disso, a ideia de uma arquitetura nova e americanizada (Hyman, 2001, p. 106). A despeito desse debate, não deixa de ser curioso que a leveza e a potencial eficácia da madeira como material construtivo tenha interessado a sensibilidade racional de Gropius e Breuer. De fato, este último desenvolveu no início dos anos 1940, sem nunca ter tido a oportunidade de colocar em prática, um sistema de casa pré-fabricada desmontável com estrutura de madeira a que chamou de Yankee Portables (http://www.momahomedelivery.org/).

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Pavilhão Finlandês para a Feira Mundial de Paris, Alvar Aalto, 1936-37.


A Arquitetura Moderna Finlandesa Se para Breuer a madeira poderia ser signo de uma arquitetura moderna yankee, para Alvar Aalto ela seria capaz de expressar uma estética finlandesa, já que, assim como a pedra e o tijolo, a madeira fazia parte da cultura arquitetônica de seu país, na qual Aalto buscava inspiração. Esse interesse pelos materiais tradicionais finlandeses estaria ligado, segundo Quantrill (1995, p. 1-2), ao fato de que para Aalto o moderno deveria enraizar-se na compreensão de antigas geometrias e de contextos familiares, pois da depuração dessas referências surgiria uma arquitetura que seria, além de moderna, sensível às particularidades da cultura de seu país. Seria justamente a habilidade de compreender, modificar e combinar tradições locais com temas universais que conferiria identidade à arquitetura moderna da Finlândia. Esse afastamento do cânone internacional poderia ser sintetizado pela uso da madeira, que representava a um só tempo a memória de um passado arraigado na tradição arquitetônica do país e um símbolo das diferenças dessa arquitetura em

relação à vertente mais estabelecida do modernismo. Assim, se para o Estilo internacional a crescente industrialização era algo a ser perseguido sem reservas, para Aalto a cor e a textura aconchegante da madeira poderiam funcionar como um refúgio em um mundo que, já nos anos 1930, oprimia através de sua crescente brutalidade mecânica (Quantrill, 1995, p. 72). A madeira, porém, oferecia outro importante atributo que interessava a Aalto, a capacidade que esse material tem de responder a processos industriais que o deformem de modo a aproximá-lo, quando desejado, de formas esculturais antropomórficas (Quantrill, 1995, p. 72). Apesar de Aalto frequentemente orientar o processamento da madeira no sentido de uma plástica mais orgânica e por isso mesmo, na opinião do arquiteto, mais próxima ao homem, é importante reconhecermos que sua pesquisa com madeira era pautada por avanços técnicos. Assim, as lições de técnicas que Alvar Aalto aprendeu no design de mobiliário inspiraram sua arquitetura (Quantrill, 1995, p. 72), assim como a ousadia estrutural que a madeira permite, como demonstram as treliças do hall de esportes da Universidade

À esquerda, Pavilhão Finlandês para a Feira Mundial de Nova Iorque, Alvar Aalto, 1938-39; à direita, interior da Villa Mairea, Alvar Aalto, 1937-39.

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Técnica de Helsinki (1949-54) (Quantrill, 1995, p. 114). Essa obra insere-se em um momento da produção de Aalto que coroa a transição do funcionalismo para uma combinação única da tradição romântica finlandesa com princípios do classicismo e do funcionalismo. Segundo Quantrill (1995, p. 74), o processo de maturação da arquitetura de Aalto que antecede a produção da década de 1950 pode ser sintetizado em 5 obras, todas com forte presença da madeira: a casa e estúdio que fez para si em Munkkiniemi (1934-36), o Pavilhão Finlandês para a Feira Mundial de Paris (193637), a Villa Mairea (1937-39), o Conjunto Residencial para Ahlström em Kauttua (1937-40) e o Pavilhão Finlandês para a Feira Mundial de Nova Iorque (1938-39). O Pavilhão Finlandês para a Feira Mundial de Paris, no qual o afastamento do funcionalismo estrito e a incorporação de elementos rústicos se consolidaram (Quantrill, 1995, p. 79), é especialmente elucidativo quanto ao significado da madeira na obra de Aalto. O motivo de sua entrada no concurso para o Pavilhão Finlandês, “Le bois est en marche”, algo como “a madeira em movimento”, já anuncia a força da obra ao remeter simultaneamente às florestas finlandesas e ao avanço da arquitetura de Aalto em direção a Paris (Quantrill, 1995, p. 79). Assim, o pavilhão de madeira construído no coração da capital francesa, território dominado pelo trabalho e pelas ideias de Le Corbusier, introduzia a Finlândia como um país de florestas ao mesmo tempo em que insinuava um laço inevitável entre homem e a natureza, contestando o funcionalismo moderno com muita ousadia (Quantrill, 1995, p. 79).

A Cabana de Le Corbusier Mas mesmo Le Corbusier investigou as possibilidades semânticas e expressivas da madeira ao projetar em 1951 uma pequena cabana em Cap-Martin, na costa francesa, para sua mulher. A obra, conhecida como Le Petit Cabanon, era feita com chapas de compensado revestidas externamente por troncos roliços e destoava de outros projetos importantes em que o arquiteto estava envolvido na mesma época, quando

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“(...) terminava a Unité de Habitación de Marselha e iniciava os desenhos da mítica igreja de Ronchamp. Simultaneamente, (...) iniciava os planos da cidade de Chandigarh, publicava o livro Modulor I e expunha no MoMa em Nova Iorque” (Moreira, 2007, p. 3) O Cabanon, a única residência que Le Corbusier construiu para si, era contíguo a um restaurante de alguns amigos (Unwin, 2012, p. 94) e foi nele que o arquiteto ensaiou pela primeira vez a aplicação do sistema de medidas do Modulor, que derivava das dimensões humanas (Unwin, 2012, p. 97). Havia um forte contraste, portanto, entre o interior rigorosamente desenhado, cujas medidas exatas seguiam um princípio matemático, e o exterior rústico e até mesmo, na opinião de Inês Moreira (2007, p. 8), anônimo. Não deixa de ser interessante que o arquiteto experimente a aplicação de um princípio racional matemático justamente em um pequeno refúgio de madeira que, quando visto por fora, transmitia a ideia de rusticidade e até mesmo de primitivismo. Mas apesar de à primeira vista haver uma contradição entre o interior e o exterior do Cabanon, se retomarmos o modo como Le Corbusier descreve os abrigos dos homens primitivos perceberemos que para ele o primitivo não contradiz a racionalidade, pelo contrário: sendo a razão um traço essencial do homem, esta estaria instintivamente presente desde as primeiras construções humanas através da geometria. A respeito das primeiras cabanas humanas, Rykwert comenta que para Le Corbusier “Os construtores primitivos foram capazes de cumprir as duas condições essenciais para a grande arquitetura: a primeira, seus edifícios, sendo medidos pelas unidade que o homem fez derivar de seu próprio corpo (...) foram feitos “à medida do homem, na escala do homem, em harmonia com o homem”; e a segunda, “sendo guiado por instinto para o uso de ângulos, nos eixos, quadrado e círculo [...] (o homem primitivo) não poderia criar de outra forma senão pela demonstração a si mesmo do que havia criado. Porque eixos, círculos e ângulos retos são verdades da geometria, são verdades que nossos

olhos medem [...] A geometria é a linguagem da mente” (Rykwert, 2003, p. 7-8, citando Le Corbusier, Por uma Arquitetura). No Cabanon, Le Corbusier retoma essas duas condições para a grande arquitetura através da aplicação do Modulor. Este, concebido a partir das dimensões humanas, proporcionaria ao espaço interno do Cabanon um sentido antropométrico ao mesmo tempo em que garantiria uma construção geométrica rigorosa e, portanto, guiada pela razão. Tendo-se em vista, talvez seja razoável supor que a combinação desses dois princípios à plástica primitiva das vedações externas sugira que no projeto desse pequeno abrigo Le Corbusier tinha em mente o arquétipo da cabana primitiva. É interessante que a referência ao primitivismo compareça também no depoimento de amigos que costumavam visitar Le Corbusier em Cap-Martin e diziam que no Cabanon o arquiteto podia agir como um “nobre selvagem”: nas palavras de Curtis (in Moreira, 2007, p. 11), o arquiteto podia tomar banho de sol, nadar, pintar e entreter-se informalmente. Devemos lembrar ainda que apesar de o Cabanon distinguir-se da maior parte da obra de Le Corbusier – constituindo, para Inês Moreira (2007, p. 5), um “espaço de contradição com a ‘Obra Moderna’ (representada pelo próprio LC)”−, esse abrigo tinha um sentido afetivo especial para o arquiteto. Em uma entrevista a Brassai, Le Corbusier chegou a declarar que se sentia tão bem em sua cabana que sem dúvida morreria ali, como de fato ocorreu quando em 1965 afogou-se em um banho de mar na praia de Cap-Martin (Moreira, 2007, p. 11). De qualquer modo, é notável que no projeto de Le Corbusier em que a madeira está mais presente transpareça a referência à ideia de homem primitivo e a seu primeiro abrigo. O Cabanon constitui, portanto, uma obra muito particular na qual não está em pauta a possibilidade de industrialização da madeira nem de seu uso no enfrentamento de problemas para os quais a arquitetura moderna procurava dar repostas, como a carência de unidades habitacionais, mas sim o sentido simbólico do material.

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Vista externa do Petit Cabanon, Le Corbusier, Cap-Martin, Franรงa, 1951.


Espaรงo interno do Petit Cabanon, desenhado de acordo com o Modulor.

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A Madeira como Material Industrial na Europa Moderna Outros arquitetos modernos europeus ensejaram o uso da madeira em projetos pensados para a reprodução industrial. Charlotte Perriand, por exemplo, recebeu o prêmio de 2o lugar em um concurso promovido pela revista L’Architecture d’Aujourd’hui em 1934 com La Maison au Bord de L’Eau, uma casa de estrutura e vedações em madeira. Embora a casa tenha sido concebida para permitir a reprodução industrial, já que o edital estabelecia que deveria destinar-se ao mercado de massa, a escolha desse material está provavelmente também ligada ao fato de a casa proposta destinar-se ao veraneio. Ao que parece, embora para Perriand a madeira fosse adequada para a reprodução industrial, esse material ainda aludia a uma atmosfera costeira, despretensiosa e

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Modelo de casa pré-fabricada projetada por Jean Prouvé no pós II Guerra Mundial.


mesmo temporária, pois a estrutura proposta é apenas apoiada no chão, dispensando fundações (http://www.archdaily.com/467200/louis-vuitton-build-charlotte-perriand-s-1934-miami-beach-house/). Para Jean Prouvé, por outro lado, a madeira parecia capaz de atender à demanda por casas emergenciais para os desabrigados pela Segunda Guerra Mundial. Nos anos 1940, então, o arquiteto desenvolveu um sistema de casas para produção em larga escala e montagem rápida no qual a maioria dos componentes eram de madeira (Serafin, 2010, p. 43). O interesse de Prouvé pela pré-fabricação foi retomado em diversos outros projetos ao longo de sua trajetória profissional, entre os quais há diversos que propõem estrutura ou vedações de madeira e derivados (http://www. momahomedelivery.org/).

Diálogos entre a Arquitetura Moderna Internacional e sua Vertente Brasileira Como vemos, o uso da madeira assumiu significados bastante variados na obra dos diversos arquitetos modernos que comentamos. Apesar disso, podemos identificar alguns temas desenvolvidos com alguma recorrência que, embora não impliquem em uma categorização estanque, podem fornecer elementos para a compreensão do modo como a madeira foi empregada na arquitetura moderna. Um desses temas é a associação da madeira ao arquétipo da cabana primitiva, levando à adoção de métodos construtivos artesanais e de uma estética marcada pela rusticidade. A ideia de que a madeira seria o material primordial utilizado pelo homem para a construção talvez também

Protótipo de 2013 da Maison au Bord de L’Eau, projeto de 1934 de Charlotte Perriand.

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tenha dado origem à ideia de que esse material seria quase que instintivamente próximo ao homem e que utilizá-lo na arquitetura contribuiria para uma atmosfera de conforto e aconchego. Esse material também significou, na obra de alguns arquitetos, um certo distanciamento em relação ao cânone do Estilo Internacional, o que provavelmente estaria ligado ao fato de a madeira ter sido utilizada de modo bastante restrito na arquitetura moderna. Por conta disso, o uso desse material foi considerado por certos grupos como um dos elementos que definem e particularizam sua produção, como no caso da arquitetura finlandesa, em que a madeira estaria ligada à expressão da tradição arquitetônica do país. A arquitetura californiana também teve sua identidade associada ao interesse pela madeira como material construtivo. No entanto, mais importante que isso foi o fato de diversos arquitetos do oeste estado-unidense investigarem a adequação desse material à lógica industrial em projetos frequentemente inseridos em um raciocínio de pré-fabricação. A ênfase nas propriedades físicas da madeira e não tanto em suas qualidades plásticas e sensoriais também floresceu na Europa, porém sem constituir um conjunto tão claro. Esta última corrente encontrou pouco respaldo no cânone da arquitetura moderna, a qual tendia a interessar-se mais por novos materiais como o concreto armado e o aço. Estes, além de mais homogêneos, visto que produzidos artificialmente, tendem a resistir melhor ao tempo, exigindo menor manutenção. Mais do que isso, o aço e o concreto armado têm limitações técnicas mais distendidas que as da madeira, permitindo vencer maiores vãos e construir edifícios mais altos. Desse modo, na arquitetura moderna a madeira geralmente limitou-se a elementos secundários do edifício, como caixilharia e piso, ou foi usada apenas como material impres-

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cindível, porém descartável, de canteiros de obra. Assim, pontaletes, andaimes e principalmente formas de concreto eram quase sempre feitos em madeira, a qual, porém, deixava quase nenhuma marca no edifício acabado. Na arquitetura moderna brasileira, como veremos em profundidade mais adiante, a madeira também foi predominantemente utilizada como coadjuvante. Na tentativa de colocar o país a par do cenário internacional, propondo uma arquitetura em sintonia com a ideia de uma sociedade urbana e industrializada, esse material era muitas vezes associado justamente à sociedade artesanal que se tentava superar. Podemos identificar, porém, algumas obras da arquitetura moderna brasileira em que a madeira teve maior destaque. Nelas, é possível reconhecer tendências próximas àquelas elencadas em relação ao uso da madeira na arquitetura moderna da Europa e dos Estados Unidos. Assim, enquanto em algumas dessas obras predominou a rusticidade combinada a uma releitura de tradições construtivas populares das quais poderia emergir um “estilo brasileiro”, em outras a escolha da madeira como material construtivo principal esteve mais ligada a sua disponibilidade e às vantagens práticas que poderia oferecer. O uso desse material pela arquitetura moderna brasileira anunciou ainda outro tema que não identificamos de forma tão consistente em outros países, a ideia de que a madeira seria adequada para construções temporárias fadadas a serem desmontadas ou substituídas. O modo específico como a madeira foi utilizada pela arquitetura moderna brasileira e os possíveis significados dessa produção serão abordados com maior profundidade mais adiante. Por ora, cabe comentar como esse material pouco explorado pela arquitetura moderna passou a despertar crescente interesse entre os arquitetos a partir das últimas décadas do século XX.

O Renascimento da Arquitetura com Madeira Segundo Dominique Gauzin-Müller (in Aflalo, 2005, p. 8), o renascimento da arquitetura com madeira na Europa teve início na década de 1970 devido a condições históricas extremamente favoráveis. Foram diversos os fatores que contribuíram para isso, dentre os quais se destaca a crise do petróleo, que impulsionou técnicas construtivas com maior eficiência energética. Como comenta Alberto Martins, as árvores absorvem carbono e água durante seu crescimento, enquanto que o consumo de petróleo libera carbono na atmosfera, exatamente o contrário. Seria por conta dessa oposição que Julius Natterer afirmaria que quando vê uma árvore vê um poço de petróleo ao contrário. Segundo Martins (in Aflalo, 2005, p. 28), esse não é apenas um simples jogo de palavras: “toda madeira, viva ou morta, traz dentro de si uma quantidade de carbono armazenado. Ao ser queimada, ou ao se decompor naturalmente no chão da floresta, a árvore devolve à atmosfera o carbono que acumulou em vida. Escolher a dedo uma árvore madura — árvore que entraria em declínio e pereceria ao cabo de anos — e dar à sua madeira um uso duradouro como, por exemplo, numa construção, significa manter por mais tempo o carbono aprisionado em seu interior, corrigindo parte do dano ambiental causado pelo uso indiscriminado do petróleo”. Além da cada vez mais difundida ideia de que a arquitetura poderia contribuir para a reversão de problemas ambientais através da chamada “fixação de carbono”, também contribuiu para tornar a madeira cada vez mais atraente o desenvolvimento de novas tecnologias de processamento que permitiram aumentar a precisão de peças e o desemprenho de produtos derivados (Gauzin-Müller in Aflalo, 2005, p. 11).

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Soma-se a isso o fato de grande parte das árvores plantadas na Europa no reflorestamento que se seguiu à Segunda Guerra Mundial terem hoje atingido a maturidade, garantindo a disponibilidade de madeira de qualidade no mercado europeu (Gauzin-Müller in Aflalo, 2005, p. 9). Gauzin-Müller (in Aflalo, 2005, p. 8) cita ainda a importância de alguns arquitetos e engenheiros pioneiros nessa retomada de interesse pela madeira, dentre os quais o alemão Thomas Herzog e os franceses Roland Schweitzer e Pierre Lajus. Na Suíça, a pesquisadora destaca o trabalho de Julius Natterer, que fundou em 1978 a primeira cátedra de construção com madeira na Escola Politécnica de Lausanne.

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Vista aérea da floresta amazônica brasileira.


Outro aspecto que para Guilherme Wisnik (in Aflalo, 2005, p. 51) poderia estar ligado ao recente desenvolvimento da arquitetura com esse material é a compatibilidade entre a indústria madeireira, geralmente voltada para demandas de consumo de pequena ou média escala, e a flexibilização dos processos de trabalho e dos mercados consumidores que caracteriza a economia contemporânea. Tudo isso tem levado a uma aceitação cada vez maior da madeira como um material construtivo de qualidade. Para se ter uma ideia do alcance atual da construção com esse material, em 2005 a proporção de casas em madeira era de “(...) aproximadamente 10% na França, 20% na Ale-

Árvore da floresta amazônica brasileira.

manha, 60% na Finlândia e até 90% na Suécia” (Gauzin-Müller in Aflalo, 2005, p. 12-13). No Brasil, onde as repercussões do resgate internacional do uso da madeira enquanto material construtivo intensificaram-se apenas na década de 1980 (Wisnik in Aflalo, 2005, p. 43), ainda são muitos os desafios a serem enfrentados, principalmente no que tange à constituição de uma indústria madeireira moderna que seja capaz de atender a uma demanda expressiva. Apesar disso, os arquitetos brasileiros têm se mostrado capazes de contornar essas limitações, comprovando através de bons projetos a viabilidade do uso da madeira na arquitetura de qualidade.

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A Madeira no Brasil

Primeiras experiências Apesar da abundância de madeiras no território brasileiro, o uso desse material na arquitetura colonial foi bastante reduzido. O conhecimento construtivo dos grupos indígenas encontrados pelos colonizadores portugueses não despertou maior interesse e, após um breve período de exploração do pau-brasil, a madeira foi relegada a uma posição secundária tanto na economia da colônia, quanto em sua arquitetura. O descaso pelas tradições construtivas indígenas é evidenciado pela escassez de descrições e material iconográfico que enfatize essa arquitetura dentre os documentos produzidos pelas diversas expedições europeias organizadas a partir do século XVI com o intuito de reconhecer o novo território. Por conta disso, reconstituir a arquitetura autóctone desenvolvida em terras brasileiras demanda a reunião de diversos excertos que, justapostos, permitem deduzir os traços essenciais dessa produção.

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Casa Xinguana.


Dentre as diversas menções à arquitetura indígena datadas do período colonial, talvez caiba resgatar aquela que, segundo nos conta Jorge Derenji (in Montezuma (org.), 2002, p. 26), seria a mais antiga delas. Nesse pequeno trecho da carta em que Caminha comunicava a descoberta das terras brasileiras são relatadas as primeiras impressões causadas pela arquitetura autóctone: “Foram-se lá todos e andaram entre eles e, segundo eles diziam, foram bem uma légua e meia a uma povoação de casas, em que haveria nove ou dez casas, as quais, diziam, eram tão compridas cada uma como esta nau capitania. E eram de madeira, e das ilhargas, de tábuas, e cobertas de palha; de razoada altura e todos em uma só casa, sem nenhum compartimento. Tinham dentro muitos esteios e d’esteio a esteio uma rede, atada pelos cabos a cada esteio, altas, em que dormiam, e, debaixo, para se aquentarem, faziam seus fogos (...)”.

Os diversos outros documentos históricos reunidos por Derenji (in Montezuma (org.), 2002, p. 38) demonstram a grande variabilidade das aldeias encontradas, cuja forma dependia das tradições culturais de cada tribo: havia aldeias circulares, retangulares e lineares, além de variações dentro de cada uma dessas categorias. As habitações que compunham as aldeias também eram muito heterogêneas e, segundo Derenji (in Montezuma (org.), 2002, p. 41), poderiam ser classificadas de acordo com a forma de sua planta baixa: circular, elíptica, semielíptica, retangular ou poligonal. As coberturas também assumiam formas muito diversas, entre as quais podemos citar a cúpula ogival, a cobertura cônica e aquela em duas águas; havia ainda exemplos de construções com aberturas na parte superior e mesmo com pátio central descoberto.

Vista aérea de aldeia xavante, organizada de modo circular; à direita, habitação yanomami, circular com pátio central.

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Casa Xinguana em construção. Vemos a estrutura em madeira que posteriormente é coberta com sapé.


Apesar das grandes diferenças espaciais entre as habitações produzidas por cada tribo indígena, há uma notável recorrência dos materiais utilizados em sua construção, em sua maioria de origem vegetal. Segundo Jorge Derenji (in Montezuma (org.), 2002, p. 54), “(...) a estrutura das casas é sempre constituída de peças de madeiras roliças, escolhidas por sua resistência e durabilidade, com dimensões variadas em função de seu uso como esteio, viga, caibro ou ripa. Quanto à cobertura, são utilizadas folhas de palmeira como ubim, bacaba, açaí ou inajá, dependendo da disponibilidade do local (...) Uma exceção à regra do uso de folhas de palmeira é a casa xinguana, em cuja cobertura é utilizado o sapé”. Cabe ressaltar que as estruturas em madeira das habitações indígenas costumavam ser independentes das vedações e que, revestidas apenas na face externa, eram visíveis nos espaços internos. Quanto aos exemplares em que havia fechamentos dissociados da cobertura, há registros de diversas soluções, entre as quais a utilização das mesmas folhagens da cobertura, de estacas de madeira justapostas ou de placas de casca de árvore. Em algumas tribos, também se utilizava a taipa (Derenji in Montezuma (org.), 2002, p. 58). Essa predominância na arquitetura indígena de soluções construtivas que utilizavam essencialmente madeiras e folhagens exerceu, conforme comentamos, pouca influência nas construções realizadas pelos colonizadores, nas quais tendiam a ser reproduzidas técnicas tradicionais portuguesas, como a taipa de pilão, a taipa de mão e, em alguns casos, a alvenaria de pedra. Diante do descaso por materiais de origem vegetal por parte dos colonizadores portugueses, não deixa de ser interessante que o primeiro material a ser explorado pela metrópole tenha sido a madeira do pau-brasil. Segundo Caio Prado Jr. (1945, p. 15), apesar da decepção inicial com as terras encontradas, nas quais pouco havia em comum com a riqueza de mercadorias do Oriente, “(...) o espírito empreendedor daqueles aventureiros conseguiu encontrar algo que poderia satisfazer suas ambições. Espalhada por larga parte da costa brasileira, e com relativa densidade, observou-se uma espécie vegetal semelhante a outra já conhecida no Oriente, e de que se extraía uma matéria corante empregada na tinturaria. Tratava-se do pau-brasil, (...) Os primeiros contactos com o território que hoje constitui o Brasil, devem-se àquela madeira que se perpetua no nome do país”. Assim, até meados do século XVI portugueses e franceses − que contestavam o monopólio lusitano e reivindicavam o direito de explorar as riquezas do “novo mundo” − podiam

ser encontrados na costa brasileira traficando pau-brasil. Essa atividade, porém, era extremamente predatória: obrigatoriamente nômade, já que a extração necessariamente mudava de um ponto a outro da costa à medida que as reservas eram exauridas, não deu origem a um povoamento regular e estável. Desse modo, tratava-se de uma “(...) exploração rudimentar que não deixou traços apreciáveis, a não ser na destruição impiedosa e em larga escala das florestas nativas donde se extraía a preciosa madeira” (Prado Jr., 1945, p. 16). O rápido esgotamento das reservas costeiras de pau-brasil levou à decadência da comercialização desse produto ainda na primeira década do século XVI. Assim, apesar de a exploração esporádica do pau-brasil ter continuado até princípios do século XIX, essa madeira não voltaria a ter destaque na economia brasileira (Prado Jr., 1945, p. 17). Seria apenas após esse ciclo econômico inicial voltado à exploração do pau-brasil que “(...) a razão econômica da colonização se desenharia com seus contornos definitivos − a produção da cana de açúcar a partir da cana” (Gomes in Montezuma (org.), 2002, p. 76). Geraldo Gomes (in Montezuma (org.), 2002, p. 72) relata que teria sido justamente para proteger os escoadouros de cana que foram construídos os primeiros fortes, embora com materiais alternativos à pedra, cuja escassez e dificuldade de extração teria levado inclusive à importação desse material do reino para a colônia. A taipa de pilão foi a alternativa encontrada diante da dificuldade de obtenção de pedra para a construção dos primeiros fortes em terras brasileiras, prática que chegou a ser defendida por engenheiros militares, para quem a taipa assimilava melhor eventuais projéteis, além de oferecer menor custo, maior rapidez de obra e melhor aproveitamento do material local (Gomes in Montezuma (org.), 2002, p. 70). É importante notar que na taipa de pilão, assim como na de mão, a madeira é um material de construção imprescindível: no primeiro caso, constitui a fôrma dentro da qual a mistura de terra é apiloada, sendo removida após o término da obra; no segundo, compõe a trama sobre a qual o barro é colocado, não sendo visível na superfície acabada. Assim, embora não tenha se perpetuado na aparência final dos primeiros fortes coloniais, a madeira foi indispensável à sua construção. O mesmo é verdade em relação às vilas coloniais, cujos lotes eram definidos “(...) pelos taipais − pranchões de madeira, entre os quais o barro era socado (...)” (Camargo, 2010, p. 2).

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Além de ser um material imprescindível à construção da taipa, sistema construtivo dominante na arquitetura civil colonial, a madeira também era utilizada em elementos secundários como batentes, esquadrias, fechamentos, armários e mobiliário, além de na estrutura de telhados. Cabe notar, porém, que “Mesmo enquanto estrutura para as coberturas, [a madeira] teve uma aplicação muito peculiar, pois até meados do século XVIII, não há registro do uso de tesouras para os telhados nas construções paulistas” (Camargo, 2010, p. 3). Em relação à utilização da madeira na arquitetura colonial, devemos lembrar ainda do surgimento de uma arquitetura com taipa de mão no século XVIII na região das Minas Gerais “(...) em que os esteios verticais e as peças horizontais principais eram deixadas à mostra e pintadas de cor diferente das paredes em barro, estas geralmente caiadas de branco” (Gomes in Montezuma (org.), 2002, p. 121). As igrejas mais notáveis da arquitetura barroca mineira eram, porém, “(...) aquelas construídas com alvenaria de pedra onde se empregou, nos seus elementos decorativos, uma pedra de fácil corte, a pedra-sabão”. Assim, nas igrejas de taipa com estrutura autônoma de madeira a sobriedade da composição de seus exteriores, excessivamente singela para os padrões da época, costumava ser contrastada pela “(...) exuberância de seus interiores, profusamente pintados e dourados (...)” (Gomes in Montezuma (org.), 2002, p. 122). O chamado muxarabi, geralmente construído com madeira, também despertou reações negativas durante período colonial. Assim, apesar de esses elementos de sombreamento de origem árabe terem se mostrado muito adequados ao clima tropical, seu uso nas principais cidades brasileiras foi restringido a partir de 1809, quando o “(...) Intendente Geral do Rio de Janeiro, ao assumir seu cargo criado pelo príncipe D. João recém chegado (...)”, determinou “(...) a retirada, no prazo de oito dias, de muxarabis e rótulas das janelas e dos sobrados: tendo a cidade sido elevada à alta dignidade de Corte, “certos góticos costumes”, de “irritante paladar mourisco” (...)” não seriam mais aceitos (Santos e Pereira, 2010, p. 8). O descaso com que grandes porções de floresta nativa foram queimadas é coerente com a reduzida valorização da madeira no período colonial. Conforme relata Caio Prado Jr. (1945, p.

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61), “A mata, sempre escolhida pelas propriedades naturais de seu solo, e que dantes cobria densamente a maior parte das áreas ocupadas pela colonização, desaparecia rapidamente devorada pelo fogo (...)”. Assim, ao invés de a madeira proveniente das áreas desmatadas para a instalação de novas culturas ser aproveitada, preferia-se queimá-la no próprio local ou, ainda, utilizá-la como lenha, consumida sobretudo pelos engenhos de açúcar. Apesar de muitas vezes desperdiçada, a madeira brasileira também foi utilizada na construção naval, tendo havido estaleiros de relativa importância na Bahia e no Maranhão. Segundo Caio Prado Jr. (1945, p. 73), foi em fins do século XVIII que a administração começou a interessar-se pelas madeiras brasileiras: “Desleixadas até então, apesar das leis que restringiam o desperdício e que nunca foram efetivamente aplicadas, elas [as madeiras] avultam por esta época nas providências administrativas da metrópole; sobretudo porque se tratava de reconstruir a decadente e já quase extinta marinha portuguesa (...) Para aquela restauração naval portuguesa, a colônia americana devia contribuir com suas madeiras. E de fato assim se fez, observando-se no Brasil um recrudescimento de atividades neste terreno, tanto no corte de madeiras como na construção de embarcações, algumas de certo vulto. A indústria, no entanto, não tomou pé. Por falta de técnica e de organização eficiente, manteve-se estacionária depois do primeiro surto, e vegetou daí por diante”. Ainda que o aproveitamento das madeiras brasileiras tenha se tornado mais intenso depois de 1810, quando, com a abertura dos portos, os ingleses foram autorizados a explorar as matas da colônia (Prado Jr., 1945, p. 73), a importância do setor madeireiro na economia brasileira continuou sendo bastante reduzida. Segundo dados de Caio Prado Jr. (1945, p. 197), no primeiro surto da indústria brasileira, ocorrido no último decênio do Império (1880-1889), a participação da indústria da madeira era de 4%. Quando comparamos esse dado à participação da indústria de “vestuário e objetos de toucador” no “capital invertido”, de 3,5%, fica evidente a pouca expressão do setor madeireiro na economia brasileira do fim do século XIX.

A Arquitetura de Imigrantes Europeus no Século XIX Mesmo com a chegada a partir do mesmo século XIX de imigrantes europeus que possuíam grande habilidade técnica no trabalho de carpintaria, dentre os quais se destacavam os de origem italiana e alemã, o uso da madeira como material predominante na construção de casas restringiu-se a comunidades de imigrantes concentradas principalmente no sul do país. Podemos citar como exemplo de reduto de difusão do uso da madeira o território do atual estado do Paraná, que recebeu imigrantes europeus não portugueses a partir do final do século XIX. Essa população contribuiu para o surgimento de uma série de edifícios de madeira que, por reproduzirem as tradições construtivas de diferentes culturas, apresentavam grande diversidade. A respeito da variabilidade dessa arquitetura, Antonio Carlos Zani (2013, p. 17) relata o seguinte: “Os imigrantes alemães construíam suas casas com enxaiméis, ou seja, estrutura de madeira com peças diagonais de travamento cujos intervalos são preenchidos com tijolos (...) Os poloneses empregavam troncos de árvores sobrepostos horizontalmente, com encaixes nos cantos das paredes, seguindo o mesmo sistema de sobreposição e encaixe de troncos horizontais da região da Polônia” A predominância de construções com madeira em relação às de alvenaria perpetuou-se na região do Paraná até a década de 1960, quando a escassez de madeira na região diminuiu a competitividade econômica desse material (Zani, 2013, p. 29). Nas zonas de fronteira agrícola, construções com madeira também foram muito comuns. No entanto, diferentemente da arquitetura definitiva dos imigrantes da Europa central, as edificações rurais em madeira eram consideradas provisórias, sendo substituídas, assim que possível, por outras que utilizassem técnicas construtivas mais valorizadas (Ponce, 1997, p. 185).

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Igreja do Ó, Sabará, Minas Gerais, século XVIII. Nela, a estrutura de madeira 52

é destacada das paredes de taipa através do uso de cores diferentes.


Igreja São Miguel Arcanjo, construída com madeira de araucária no Paraná entre 1899-1903 por imigrantes poloneses.

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Arquitetura Moderna Brasileira Ao longo do século XX, a madeira permaneceu como um material pouco difundido na arquitetura brasileira, sendo empregada principalmente em elementos construtivos coadjuvantes, como pisos, revestimentos e caixilharia. Há, no entanto, um conjunto muito interessante de obras de arquitetos brasileiros nas quais a madeira contribui de forma decisiva para o significado do edifício como um todo. Procuramos revisitar alguns desses projetos com o intuito de, à luz de sua materialidade, desvelar possíveis interpretações para cada um deles. Nosso esforço principal, porém, foi no sentido de traçar um panorama do modo como a madeira foi utilizada na arquitetura moderna brasileira e de identificar quais significados foram atribuídos a esse material ao longo do período estudado.

Vista interna e externa de estrutura lamelar de cobertura de edifício 54

de malharia construída pela Hauff em Curitiba por volta de 1927.


As Estruturas Hauff e o Pavilhão das Indústrias da Exposição Farroupilha Talvez possamos reconhecer nas estruturas de madeira projetadas e construídas pela empresa Hauff as primeiras experiências com madeira nas quais sobressai uma linguagem moderna. Fundada em 1929 por Erwin Hauff, um engenheiro civil austríaco formado em Munique, a Hauff passou por três fases distintas em sua produção, sendo que a primeira delas, que vai do final dos anos 1920 até meados dos anos 1950, caracterizou-se pelo uso da madeira. Já a segunda, que vai até o final dos anos 1960, enfatizou o uso do concreto armado e pré-moldado, enquanto a terceira, que se desenrolou até 1983, destacou-se pela utilização de estruturas metálicas (Cesar, 1991, p. 23).

Interessa aqui retomar brevemente o primeiro intervalo da produção da empresa, cuja contribuição tecnológica “(...) está firmada no emprego racional da madeira e na adoção de sistemas estruturais viáveis que vencessem, inclusive, vãos bastante grandes” (Cesar, 1991, p. 42). É importante assinalar que, assim como o próprio Hauff era imigrante formado na Alemanha, a mão de obra utilizada pela empresa era predominantemente de estrangeiros. A esse respeito, Fábio Sando Cesar (1991, p. 20) comenta que o grau de especialização que muitos dos operários da Hauff possuía “(...) decorria, em muitos casos, de uma formação de nível técnico adquirida em seus países de origem”, o que os distinguia da mão de obra brasileira, pouco qualificada para o trabalho com carpintaria.

Hangar da Varig no Aeroporto de Congonhas. A estrutura de madeira com 70m de vão foi construída pela Hauff por volta de 1949.

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O conhecimento técnico de Erwin Hauff, que centralizava o processo criativo das estruturas (Cesar, 1991, p. 21), e a habilidade dessa mão de obra estrangeira certamente foram imprescindíveis para a viabilização de estruturas em madeira que chegavam a vencer vãos de 40m, “(...) como também vãos maiores com arcos treliçados, e de seção caixão”. Em relação às estruturas treliçadas, cabe destacar a proposta desenvolvida por Erwin Hauff de ligações cavilhadas, em que parafusos metálicos eram substituídos por pinos de madeira, tornando possível cobrir vão de até 70 metros, como na hangar da antiga Real Transportes Aéreos, no aeroporto de Congonhas (Cesar, 1991, p. 147-148). Além das estruturas treliçadas, devemos citar o sistema de cobertura lamelar. Constituído por barras de madeira que compõem uma malha losangular tridimensional em forma de abóbada (Ferreira, 1999, p. XV), o sistema lamelar foi utilizado

À esquerda, Ponte de Guarulhos com 52m de vão; acima, ponte sobre o Rio Tietê. Ambas as estruturas foram construí56

das em madeira pela Hauff em ano desconhecido.


em diversas obras da Hauff, sendo a primeira delas uma cobertura construída em Curitiba em 1927 (Ferreira, 1999, p. 3). Fábio Sandro Cesar (1991, p. 29-31) ressalta ainda outras obras de grande porte que atestam o pioneirismo tecnológico da Hauff, como a ponte de Guarulhos, que pode ser considerada, “(...) para a época em que foi executada (...) o maior vão livre da América do Sul, por vencer 52 metros entre apoios, com tabuleiro inferior de 3,30m de largura”. Outro exemplo significativo de ponte desenhada e construída pela Hauff é “(...) a estrutura em arco triarticulado construída sobre o rio Tietê para o prolongamento da rua São Felipe, na capital de São Paulo. Essa ponte tinha um vão livre de 38 metros, sendo seu comprimento total de 48 metros”. Apesar da viabilidade de se construir pontes em madeira demonstrada por essas experiências, a Hauff construiu apenas 11 pontes em madeira ao longe de 25 anos. A tecnologia da empresa, no entanto, era utilizada nos cimbramentos de pon-

tes rodoviárias em concreto armado, estruturas que, embora temporárias, “(...) apresentavam o mesmo rigor tecnológico, quando comparadas com as pontes de madeira” (Cesar, 1991, p. 31). O fato de a Hauff ter construído um volume reduzido de obras de grande porte em madeira apesar da habilidade técnica demonstrada pela empresa provavelmente está ligado à desconfiança com que era recebida a ideia de se construir com esse material no Brasil. Parte dos preconceitos associados à madeira podem ser depreendidos do conteúdo dos catálogos produzidos pela Hauff para divulgar a empresa (Cesar, 1991, p. 24): “(...) [os catálogos explicativos] mostravam as potencialidade [sic] dos sistemas construtivos patenteados, como também as vantagens do material madeira em relação ao ferro para construções [sic] de estruturas de grandes

Estrutura lamelar construída pela Tekno no Rio de Janeiro entres as décadas de 1940 e 1950.

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vãos para telhados, pontes e cimbres. Apresentavam ainda o prestígio do material fibroso em países da Europa Central e nos Estados Unidos da América (...) A firma “Hauff” também procurava destacar em seus catálogos publicitários a realidade brasileira em relação ao potencial madeireiro da época (anos trinta), enfocando as grandes extensões de matas naturais compostas por espécies de madeira com características físicas e mecânicas superiores em relação as das madeiras européias (...)”. Apesar das dificuldades enfrentadas pela Hauff para a aceitação da madeira como material construtivo, foi o encarecimento da matéria-prima e a progressiva escassez de mão de obra qualificada para o trabalho com madeira que levaram a empresa a optar por priorizar estruturas em concreto a partir de meados da década de 1950. Somava-se a isso o fato de o Estado brasileiro ter instituído medidas que favoreciam a indústria do cimento, assim como o surgimento de diversas

Estrutura de madeira do Pavilhão das Indústrias 58

da Exposição Farroupilha em construção, Porto Alegre, 1935.


empresas concorrentes centradas na produção de estruturas de madeira (Cesar, 1991, p. 26-27). É interessante notar que grande parte dessas empresas − entre as quais se destacavam a Spilborghs & Cia, a Sociedade Tekno, a Montana, a Alt Coppert, a Fibrotécnica, o Escritório de Engenharia Caviúna e a Esmara (Cesar, 1991, p. 103) − foram criadas por profissionais que haviam trabalhado na Hauff, o que evidencia a transferência de tecnologia de uma firma para outra (Cesar, 1991, p. 146). Assim, a Hauff contribuiu para a formação de engenheiros com experiência no dimensionamento e detalhamento de estruturas de madeira, além de ter sido responsável pela formação de muitos carpinteiros brasileiros que, segundo Sandro Cesar (1991, p. 20), aprendiam a profissão através das orientações do mestre carpinteiro, muitas vezes imigrante.

O papel desempenhado por profissionais de origem europeia também foi notável no Pavilhão das Indústrias da Exposição Farroupilha de 1935, uma estrutura de grande porte em madeira concebida por profissionais que tinham, em sua grande maioria, ascendência germânica (Pereira et al., p. 5). Esse edifício temporário montado e desmontado em Porto Alegre destacou-se na época tanto pela amplidão do espaço público de livre circulação do projeto, quanto pela “linguagem geometrizada que caracterizava seu exterior” (Pereira et al., 2010, p. 2). Além disso, a solução estrutural adotada era bastante inovadora, o que não impediu que as tesouras de madeira, que venciam 30m de vão, fossem ocultadas por um forro. Do mesmo modo, as vedações externas em madeira foram revestidas com estuque para conferir uma aparência permanente ao edifício temporário (Pereira et al., 2010, p. 10).

Estrutura de madeira do Pavilhão das Indústrias da Exposição Farroupilha em construção; à direita, edifício terminado, no qual a madeira utilizada não é aparente.

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Park Hotel S達o Clemente, Lucio Costa, Nova Friburgo, RJ, 1944-45.


A Ênfase na Rusticidade da Madeira Apesar de as estruturas da Hauff e de experiências pontuais como o Pavilhão das Indústrias da Exposição Farroupilha demonstrarem a existência de tecnologia para a construção com madeira a partir de meados da década de 1920, a ênfase desse material em projetos de arquitetos modernos reconhecidos começou a delinear-se apenas a partir da década de 1940. O interesse reduzido de nossa arquitetura moderna pela madeira como matéria prima para a construção pode ser explicado em parte pela associação desse material à rusticidade e à feitura artesanal − para muitos, o esforço de modernização do país parecia mais compatível com o concreto armado do que com a madeira. Hugo Segawa (1988, p. 36) reforça essa hipótese ao observar que “Com a consagração do concreto armado na arquitetura moderna brasileira (enfatizando o caráter modernizador dessa tecnologia), serão raras as manifestações preocupadas com o emprego de sistemas construtivos tradicionais, principalmente em programas arquitetônicos de maior porte”. Mas a madeira, um material construtivo tradicional, era imprescindível para a construção com concreto armado, já que era com esse material que costumavam ser feitas as formas. Assim, embora a madeira fosse descartada após a conclusão da obra, a demanda gerada por edificações em concreto teria contribuído significativamente, na opinião do arquiteto João Filgueiras Lima (in Camargo, 2010, p. 4), para o desmatamento de reservas florestais: “(...) foi uma coisa violenta (...) O pinho-do-paraná, quando eu me formei [em meados da década de 1950], era considerado uma madeira vil. Como o concreto precisa ser feito por meio de um molde, esse molde era fabricado com pinho, e depois toda a madeira era desperdiçada. Resultado: o pinho-do-paraná foi se extinguindo, hoje é uma espécie que tem que ser protegida”. O descompasso entre uma arquitetura que aparentava uma modernidade radical e as condições em que se dava sua produção traduzia as profundas contradições do país, cuja modernização coexistia com a perpetuação de uma economia majoritariamente agroexportadora e de uma sociedade marcada pela desigualdade.

Segundo Roberto Conduru (in Andreoli e Forty, 2004, p. 58), “Esse lapso fundamental entre um certo ideal de construção e a realidade efetiva dos edifícios permaneceria ao longo de todo o século XX, a despeito das insistentes tentativas de superação desse quadro mobilizadas pelos principais personagens envolvidos no processo de modernização da arquitetura no Brasil”. Uma das maneiras de enfrentar essa questão consistia em evidenciar a complexidade da modernização brasileira ao invés de negá-la, procedimento explorado por Lucio Costa com muita propriedade. De fato, a obra do arquiteto é perpassada por ambiguidades que, longe de comprometerem sua integridade, parecem sintetizar tensões subjacentes à sociedade brasileira. Para Lucio Costa, então, a modernidade e o resgate da história do país andavam lado a lado. Nas palavras do arquiteto (in Wisnik, 2001, p. 13), seriam “(...) justamente aqueles poucos que lutaram pela abertura para o mundo moderno, os que mergulharam no país à procura das suas raízes, da sua tradição”. Esse olhar simultâneo para o passado e o futuro estaria presente, segundo Guilherme Wisnik (2001, p. 31) em diversos dos edifícios projetados por Lucio Costa: “Sua maneira particular e erudita de combinar referências variadas estabelece um campo preciso dentro do qual é legítimo justapor extensos panos de vidro e quebra-sóis industriais a treliçados de madeira ou blocos cerâmicos, num entrosamento que flagra a gênese das formas como produto de diversas trocas culturais”. Uma das obras do arquiteto que traduzem mais claramente os impasses técnicos e sociais da modernização brasileira é o Park Hotel São Clemente, projetado entre 1944 e 1945 para abrigar possíveis compradores de um loteamento para casas de veraneio em Nova Friburgo, na serra carioca. Com durabilidade prevista de 10 anos, esse edifício tinha como tema central o desafio de adequar materiais rudimentares como a madeira e a pedra a “(...) um raciocínio espacial moderno (planta livre, independência dos volumes construídos, modulação geométrica)” (Wisnik in Aflalo (org.), 2005, p. 38). Assim, se a madeira utilizada dava ao edifício uma atmosfera bucólica, a planta funcional e a espacialidade do edifício demonstravam sua filiação moderna.

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É interessante notar que nesse par de elementos contraditórios a madeira representava a tradição popular e a rusticidade, enquanto que a planta e a volumetria remetiam à modernidade. Essa associação da madeira a um certo primitivismo, que se repetiu em diversas obras modernas que exploraram a tensão entre modernidade e tradição, deve ser entendida como uma escolha, pois, como vimos, na década de 1940 já havia no Brasil diversas estruturas em madeira extremamente arrojadas, como aquelas construídas pela Hauff. Duas residências construídas na serra do Rio de Janeiro pouco após o Park Hotel demonstram a influência que este projeto iria exercer sobre algumas obras que investigaram as possibilidades expressivas da madeira. A primeira delas é a Casa de Fim de Semana do arquiteto Carlos Frederico Ferreira, premiada no Congresso Pan-Americano de Arquitetos de 1950. Construída em Nova Friburgo em 1949, a obra combinava vedações de pau a pique, paredes de pedra e elementos estruturais de madeira roliça a uma planta e volumetria modernas.

À esquerda, Casa de Fim de Semana de Carlos Frederico Ferreira em construção; Nova Friburgo, RJ, 1949. 62

À direita, Casa de Campo do Embaixador Hildebrando Accioly, Francisco Bolonha, Petrópolis, RJ, 1950.


A segunda delas é a Casa de Campo do Embaixador Hildebrando Accioly, projetada em 1950 por Francisco Bolonha para um terreno em Petrópolis. Esta obra aproxima-se ainda mais do Park Hotel de Lucio Costa devido a sua implantação, que aproveita um desnível do terreno de modo que a fachada principal da casa se debruça sobre um talude. Outro ponto compartilhado pelos dois projetos é a combinação de paredes de pedra a elementos de madeira roliça: principalmente na galeria coberta da fachada principal da Casa do Embaixador Accioly, construída em madeira e delimitada em alguns trechos por paredes de pedra bruta, a semelhança com o Park Hotel é evidente. Outro projeto que explora a justaposição da pedra e da madeira com acabamento bruto a uma volumetria moderna é o Pavilhão Lowndes, projetado pelos irmãos Roberto e construído em 1954 em Petrópolis. A semelhança entre esse escritório de vendas de loteamento e o Park Hotel estaria também ligada, para Hugo Segawa (1988, p. 36), ao fato de que em ambas as obras “(...) paira a marca do provisório (...)”, já que a durabilidade dos edifícios foi determinada já no momento de sua concepção.

Pavilhão Lowndes, Irmãos Roberto, Petrópolis, RJ, 1954.

A obra de Lucio Costa também pode ser comparada à de Lina Bo Bardi. Na opinião de Marcelo Suzuki (2010, p. 82), os dois arquitetos compartilham a “(...) proposição muito firme de re-utilização de técnicas tradicionais ou muito antigas, sacadas de seu contexto (...) [grifo do autor]”, pois, para eles, o moderno estaria “(...) em várias coisas, em vários momentos, em vários lugares (...)”, sendo necessário apenas revelá-lo. Há, porém, diferenças importantes entre o modo como os dois arquitetos encaram a tradição. Segundo Guilherme Wisnik (2001, p. 36), “(...) [os elementos tradicionais recorrentes na obra de Lucio Costa] podem ser tomados como uma “coleção de resíduos das obras humanas”, reapropriados e associados às vantagens e circunstâncias contemporâneas. Nessa chave, sua produção é diametralmente oposta à de Oscar Niemeyer, que molda com o concreto formas novas e imprevistas. Num ponto intermediário, poderíamos situar a obra de Lina Bo Bardi, que se apropria de elementos tradicionais para deslocá-los em favor da originalidade

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inventiva, operação nítida na escada que projetou para o Solar do Unhão (1959), em Salvador. Nesse caso, o recurso ao encaixe tradicional das rodas dos carros de boi é aplicado em uma configuração organizada segundo um rigor intelectual geométrico”. Essa escada faz parte de um projeto de restauro de um conjunto arquitetônico tombado no qual Lina procurou aplicar a chamada restauração crítica, método de restauro que estava a par das discussões do pós-guerra europeu e que, segundo texto de Lina Bo Bardi de 1962 (in Cerávolo, 2010, p. 220), “(...) tem por base o respeito absoluto por tudo aquilo que o monumento, ou o conjunto representam como “poética” dentro da interpretação moderna da continuidade histórica, procurando não embalsamar o monumento, mas integrá-lo ao máximo na vida moderna”. A escada de madeira do Solar do Unhão possui, portanto, um sentido duplo: por um lado, representa um acréscimo

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Escada do Solar do Unhão, Lina Bo Bardi, Salvador, BA, 1959.


moderno em um conjunto histórico; por outro, resgata o tradicional encaixe dos carros-de-boi, utilizado no apoio dos degraus. Além do fato de nesse projeto a madeira estabelecer um diálogo simultâneo com a modernidade e com o passado, é interessante lembrar que o pilar central em torno do qual a escada se desenvolve “(...) veio lá do sul da Bahia, aquela maravilha no meio da escada que pega três andares com pés direitos altíssimos, um tronco único” (Marcelo Suzuki entrevista, 2014). Outra obra de Lina Bo Bardi na qual a madeira é utilizada com expressividade é a Casa Cirell, de 1958, cujo perímetro é cercado por uma varanda com estrutura de madeira roliça. Na opinião de Marcelo Suzuki (entrevista, 2014), a presença de uma estrutura de madeira extremamente singela em uma “casa de luxo” reforçaria o fato de que na arquitetura de Lina Bo Bardi a madeira não estaria associada a “(...) uma coisa praieira, bucólica (...)”:

Casa Cirell, Lina Bo Bardi, São Paulo, SP, 1959.

“Era uma postura de diferenciação anti-burguesa, contra o consumo: é uma casa da cidade, é uma igreja num bairro pobre, porém é uma igreja que é pra ficar pra sempre. Quando ela propõe a escada do Unhão ela propõe uma escada pra sempre, ela não estava querendo desmontar aquilo em momento nenhum. Acho que é um protesto contra o consumismo e o pseudo-luxo burguês”. A igreja a que Suzuki se refere é a Igreja Espírito Santo do Cerrado (1976-82), construída com materiais doados pela população envolvida na obra, entre os quais havia peças de aroeira que foram utilizadas na estrutura da cobertura de parte do edifício (Ferraz, 2008, p. 212-14) Ainda em relação ao uso da madeira na obra de Lina Bo Bardi, devemos lembrar de suas peças de mobiliário, marcadamente ligadas a uma estética moderna. Segundo Maria Cecília Loschiavo (1995, p. 95), uma peça que teve repercussão no desenvolvimento da mobília brasileira foi

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a cadeira que Lina Bo Bardi desenhou para o auditório da primeira instalação do Museu de Arte Moderna de São Paulo em 1947, “(...) dobrável e empilhável, em couro e madeira”. Um ano depois, em 1948, Lina Bo Bardi fundou o Studio de Arte Palma junto com Pietro Maria Bardi e Giancarlo Palanti. Segundo Loschiavo (1995, p. 96), “No Studio de Arte Palma foi feita uma tentativa de produção manufatureira de móveis de madeira compensada, cortada em pé, não dobrada, seguindo os princípios de Alvar Aalto. Não utilizaram nenhum tipo de estofamento. Para o assento e o encosto das cadeiras eram usados lona, couro e até chitas das Casas Pernambucanas, o que foi revolucionário diante dos costumes e gosto da época. Em meio às reticências do mercado em relação à aceitação do móvel moderno, a obra de Lina definiu novos padrões de gosto e pode ser considerada um ponto de referência em termos da introdução de novos materiais, principalmente a madeira compensada recortada em folhas paralelas, uma novidade num país onde até então imperava o emprego da madeira maciça”.

À esquerda, poltrona dos Móveis Z e namoradeira da série de móveis-denúncia de Zanine Caldas; acima, Capela da Fazenda 66

Barra das Princesas, no Araguaia, MT, projetada por Zanine Caldas.


Havia nos anos 1950 outras iniciativas no campo do design de móveis que procuravam desenvolver produtos em série, dentre os quais se destacou a Fábrica de Móveis Z, fundada em 1950 por Zanine Caldas e Sebastião Pontes. Segundo o próprio Zanine (in Loschiavo dos Santos, 1995, p. 104), responsável pelo desenhos das peças da Móveis Z, “Eu acreditei no começo da industrialização brasileira, certo de que iríamos desfrutar mais suas conquistas. Por isso, embarquei no processo de industrialização e a promovi no âmbito do móvel, tornando-o mais accessível (sic). Nessa época, o móvel era produzido artesanalmente e, com a industrialização, eu consegui baratear o custo”. Assim, os móveis Z “(...) eram quase que completamente industrializados: a produção era mecanizada, a fábrica dispunha de bom equipamento e somente tarefas de montagem requeriam a participação de operários (...)”. Além disso, os móveis seguiam uma lógica modular e aproveitam ao máximo as chapas de compensado (Loschiavo dos Santos, 1995, p. 107).

Em 1968, porém, Zanine Caldas mudou-se para Nova Viçosa, na Bahia, e sua produção de mobiliário tomou novos rumos. Em contraposição aos Móveis Z, em sua maioria produzidos industrialmente com chapas de compensado, em Nova Viçosa o arquiteto passou a fazer um tipo de móvel que ele mesmo chamou de “móvel denúncia”: “(...) Lá em Nova Viçosa eu faço uma denúncia, dou um testemunho: ao ver aquelas madeira imensas serem queimadas e jogadas fora, eu pego a madeira bruta e transformo em móvel, nas dimensões naturais. Aí eu também peco, porque uma peça dessas só pode adquirir quem tem dinheiro” (Zanine Caldas in Loschiavo dos Santos, 1995, p. 110) O interesse pela madeira em estado bruto que transparece na segunda fase da produção de mobiliário de Zanine Caldas parece ressoar o conjunto de casas que o arquiteto projetou na Joatinga, Rio de Janeiro, durante os quatro anos que antecederam sua ida à Bahia.

À esquerda, Casa Krajcberg, Zanine Caldas e Frans Krajcberg, Nova Viçosa, BA, início da década de 1970; à direita, detalhe do forro de uma das obras de Zanine Caldas.

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Esses projetos causaram uma profunda impressão em Lucio Costa (in Segawa, Magnani (cur.), 2003, p. 20), para quem a produção de Zanine indicaria “(...) como combater um aspecto negativo do choque causado pela introdução de novas técnicas de produção industrial (...) no meio da cultura ainda primitiva (...)”.

mio Furlan, nos permite deduzir o viés nostálgico que permeia muitos dos projetos modernos em que a madeira foi utilizada como símbolo da tradição popular. Neles, a materialidade parece reportar a uma vaga noção de primitivismo que, contrastada por elementos modernos, é ressignificada.

O esforço de recuperar “o fio da tradição” de que falava Lucio Costa permeou a obra de Zanine, que, apesar de incluir algumas iniciativas voltadas para a habitação popular, centrou-se em projetos para casas de alto padrão:

Essa investigação acerca da tradição − não raro retomada mais enquanto reminiscência pessoal que estudo aprofundado − resvala em outras questões, como a busca por uma expressividade brasileira, tema recorrente no modernismo.

“Zanine dedicou-se a um artesanato de luxo que explorava as potencialidades construtivas e as qualidades sensoriais dos diferentes modos de tratar a madeira, valendo-se de arranjos geométricos e detalhes inusitados para criar grafismo, espaços e volumes de grande apelo (...)” (Conduru in Andreoli e Forty, 2004, p. 73/74).

Assim, se na obra de Niemeyer, por exemplo, a ideia de brasilidade estaria mais ligada à forma que à materialidade, para outros arquitetos seriam justamente os materiais que teriam a capacidade de sintetizar as origens do país. Vale notar, porém, que é bastante curioso que se tenha desenvolvido a ideia de que a madeira seria um material tipicamente brasileiro, já que, como comentamos, com exceção da arquitetura indígena, pouco se valorizou a madeira ao longo do período colonial.

Há ainda duas obras modernas importantes nas quais a madeira foi empregada de modo a enfatizar a rusticidade: a Residência na Praia da Lagoinha, projetada por Carlos Millan em 1964, e a Casa Artemio Furlan, projetada por Paulo Mendes da Rocha em 1974.

O Uso da Madeira em Edificações Temporárias As duas casas foram construídas na Praia da Lagoinha, em Ubatuba, litoral norte de São Paulo, e exploram a expressividade da madeira não aparelhada como estrutura da cobertura. O restante dos materiais utilizados corroboram para a criação de uma atmosfera ligada à tradição popular: paredes de tijolo caiado, piso de tijolo e cobertura de telhas de barro. No texto que escreveu a respeito da casa, Paulo Mendes da Rocha (in Revista Projeto, 1989, p. 89) parece muito consciente da tensão que o projeto de Millan estabelece entre tradição e modernidade ao descrevê-la como “(...) um harmonioso e agradável conjunto de paisagem e construção, que é simples, de desenho popular interpretado com refinamento e mesmo erudição”. Mais adiante, Mendes da Rocha (in Revista Projeto, 1989, p. 89) assinala que seu projeto foi feito como um contraponto à casa desenhada por Millan e reconhece o “encantamento” despertado pelo trabalho do casal que construiu o telhado da Casa Furlan, “(...) dois maestros caboclos que sabem de coisas que jamais saberemos. Distâncias que teremos que sempre aproximar...”. Esse depoimento de Paulo Mendes da Rocha, apesar de escrito 15 anos após a realização do projeto da Casa Arte-

É provável que a falta de costume de se construir com madeira desde a colonização portuguesa tenha contribuído para alguns dos preconceitos frequentemente associados ao material. Assim, embora seja verdade que em um clima tropical a construção com madeira exige mais cuidados que em um clima temperado, essas dificuldades podem ser contornadas através de cuidados de projeto, como tem demonstrado a boa durabilidade de diversos edifícios em madeira construídos no Brasil. O fato de diversas obras modernas terem sido concebidas como edificações temporárias revela, portanto, a desconfiança, muitas vezes infundada, com que esse material era encarado por diversos arquitetos modernos, postura que em grande medida se perpetua até os dias de hoje. São diversos os exemplos de edifícios provisórios em madeira, dentre os quais já citamos o Pavilhão das Indústrias da Exposição Farroupilha (1935), o Park Hotel São Clemente (1944-45) e o Pavilhão Lowndes (1954). Além deles, devemos lembrar dos edifícios em madeira construídos para viabilizar as obras de Brasília, sendo o primeiro deles o chamado Catetinho, projetado por Niemeyer em 1956 para abrigar o então presidente Juscelino Kubitscheck.

Na página oposta: acima, Residência Artemio Furlan, Paulo Mendes da Rocha, Ubatuba, SP, em 1974; abaixo, Residência na Praia da Lagoinha, Carlos Millan, Ubatuba, SP, 1964.

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De cima para baixo: Escola Júlia Kubitscheck, Niemeyer, 1959; Hospital, 1957-60; 70

Catetão, Niemeyer, 1957. Todas as obras foram construídas em Brasília, DF.


Catetinho, Oscar Niemeyer, 1956, BrasĂ­lia, DF.

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Um ano depois, em 1957, foi construído o Catetão, um segundo pavilhão “(...) com desenho semelhante [ao do Catetinho], mas com a varanda protegida por treliças (...)” (Schlee, 2010, p. 7). Além dele, diversos outros edifícios temporários em madeira foram construídos ao longo das obras de Brasília, dentre os quais podemos citar um dos terminais do aeroporto comercial da capital; o altar da primeira missa da cidade, projetado por Niemeyer; a sede do Banco de Crédito Real de Minas Gerais; a Escola Júlia Kubitscheck; o conjunto arquitetônico do Hospital Juscelino Kubitscheck de Oliveira da Cidade Livre; os pavilhões da Central da Novacap; o Centro de Ensino da Vila Metropolitana; o conjunto de residências dos engenheiros da Vila Planalto; o Posto de Abastecimento Atlantic e o Teatro Brasília (Schlee, 2010, p. 8). Por volta da mesma época foi construído outro edifício temporário em madeira, dessa vez em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Apelidado de Mata Borrão, o pavilhão deveria servir para expor as obras do governo Brizola no ano da cha-

Pavilhão de Exposições do SETUR, ou Mata Borrão, 72

Marcos Heckman, Porto Alegre, RS, 1960.


mada Escolarização, 1960. A urgência exigida pela obra foi um dos fatores que determinou a escolha da madeira para a construção, “(...) material cuja técnica de utilização era corriqueira nas construções no Rio Grande do Sul” (Canez, 2010, p. 6). A despeito do uso de um material tradicional para a construção do pavilhão, a forma do edifício era inusitada, remetendo a um olho ou, para alguns, a uma nave espacial. Segundo o arquiteto Marcos Heckman (in Canez, 2010, p. 13), autor do projeto, foi “justamente por que [sic] [a construção] era efêmera [que] pude adotar uma forma inusitada em relação às demais”. Além do Mata Borrão, o governo de Leonel Brizola construiu diversos outros edifícios em madeira, a maioria deles como parte de um programa chamado Nenhuma Criança Sem Escola no Rio Grande do Sul, que se desenvolveu entre os anos de 1959 e 1963 (Canez, 2010, p. 7).

Nessas escolas, a opção pela madeira como principal material construtivo respondia principalmente a questões econômicas. Segundo Heckman (in Canez, 2010, p. 7), “Tentaram construir as escolas pré-fabricadas em metal, eu mesmo cheguei a visitar fábricas de estruturas metálicas em São Paulo, aqui ainda não difundidas, mas o recurso financeiro do Estado não era suficiente para tamanha novidade”. Dentre esses edifícios, há alguns cuja qualidade arquitetônica merece destaque, como a Escola do Parque Zoológico do Rio Grande do Sul, de autoria de Marcos Heckman. A obra foi premiada com a Grande Medalha de Bronze no II Salão de Arquitetura do Rio Grande do Sul de 1962, “(...) justamente na outra obra [de autoria do mesmo arquiteto] edificada dois anos antes, o Pavilhão de Exposições do SETUR”, o Mata Borrão (Canez, 2010, p. 8).

À esquerda, Mata Borrão em construção; à direita, Escola do Parque Zoológico do Rio Grande do Sul, Marcos Heckman, 1962.

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Outras Experiências com Madeira No mesmo ano de 1962 foi projetado o Clube de Regatas Jaó, projeto que merece atenção tanto por suas dimensões, quanto pelo refinamento com que a madeira é utilizada. A obra do arquiteto Sérgio Bernardes autor de diversas casas com forte presença da madeira como aquela que projetou para si no Rio de Janeiro entre 1960 e 1961, é marcada pela “(...) presença implícita de mecanismos da obra miesiana” e pelo “(...) contraste entre madeira (...), concreto aparente, tijolo à vista, vidro e paredes laminares revestidas de reboco chapiscado (...)”. Esses materiais estabelecem “(...) diálogos visuais com a rede de canais e espelhos d’água (...)” circundantes, resultando em um conjunto de grande apelo sensorial (Frota e Caixeta, 2010, p. 16-17). Além da ênfase na materialidade, outros aspectos que se sobressaem no Clube Jaó são a horizontalidade espacial e a fluidez funcional e formal. Essas características são sintetizadas pela estrutura composta por pilares de concreto e vigas de madeira laminada que vencem vãos generosos, de modo a articular as “(...) diferentes funções de um programa

Vigas laminadas do Clube de Regatas Jaó, projeto de 74

Sérgio Bernardes construído em Goiânia, GO, em 1962.


extenso e variado (...)” e a confundir espaços internos e externos (Frota e Caixeta, 2010, p. 17). Também é muito interessante o trabalho desenvolvido pelo escritório Botti Rubin, que na década de 1960 construiu em São Paulo diversos edifícios residenciais com fachadas protegidas por persianas de madeira, como o Edifício Hildebrando de Almeida Prado (1963-65) e o Edifício São Félix (1966-69). Dada a dimensão das obras, a opção por utilizar a madeira foi bastante ousada, tendo sido possível, segundo Marc Rubin (depoimento, 2014), apenas “(...) porque na época Botti e eu ficamos responsáveis pela construção, além do projeto e principalmente porque não houve interferência do pessoal do produto, do marketing, corretores, construtora e tivemos naturalmente a confiança dos proprietários. Não era uma incorporação típica, mas uma obra executada por conta dos proprietários que iam ficar cada um com 1 ou 2 andares (...) assumimos um risco calculado de mandar um simples marceneiro executar as venezianas (para cada projeto um sistema diferente de abertura) em cedro maciço, o que hoje seria impossível”.

A simplicidade elegante dos edifícios de Alberto Botti e Marc Rubin e do clube de Sérgio Bernardes destoa da maneira como a madeira é empregada na Casa Elza Berquó, projeto de Vilanova Artigas desenvolvido em 1967 cuja complexidade é atestada pela diversidade de interpretações suscitadas pela obra. Esta parece ter, à primeira vista, um desenho bastante rígido marcado pela geometrização do volume, pelo emprego do concreto armado aparente e pela estrutura modulada. Mas logo se dissolve qualquer noção de previsibilidade: em torno do pátio central os pilares de concreto de seção retangular usados no restante da casa são substituídos por troncos de madeira. Conforme Ruth Verde Zein (2010, p. 10-11), “(...) o que chama mais a atenção não é apenas o fato das colunas serem de madeira, mas o fato de não serem colunas “abstratas”, e sim troncos de madeira, cuidadosamente escolhidos, cortados e tratados de maneira a manter ao máximo sua aparência “natural”: texturas, imperfeições superficiais, rugosidades, e mesmo e principalmente, a forquilha de um galho eliminado. Não são colunas que abstraem os aspectos contingentes da

Vigas laminadas do Clube de Regatas Jaó, projeto de Sérgio Bernardes construído em Goiânia, GO, em 1962. À direita, Edifício São Félix, escritório Botti Rubin, São Paulo, SP, 1966.

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madeira em direção ao desenho perfeito, proporcionado e tripartido das colunas das ordens clássicas [sic] mas colunas de desenho quase espontâneo e “natural”, tal e qual a Cabana Primitiva de Laugier”. É muito curioso que a Casa Elza Berquó tenha sido publicada por Artigas ao lado da Casa Mendes André, projeto de 1965 marcado pela ousadia estrutural. A análise do artigo escrito por Artigas e publicado em edição de 1969 da Revista Acrópole leva Zein (2010, p. 6) a defender que enquanto na Casa Elza Berquó o arquiteto estaria demonstrando o valor da dimensão artística da arquitetura, na Mendes André ele estaria manifestando a importância de seus aspectos técnicos. A autora assinala ainda que o fato de o artigo não dar destaque a nenhuma das duas obras revelaria que, para Vilanova Artigas, a arte e a técnica seriam faces igualmente essenciais da arquitetura. Através dessa argumentação, Zein descontrói um depoimento dado pelo arquiteto já mais velho no qual afirmou

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Vistas da Casa Elza Berquó, Vilanova Artigas, São Paulo, SP, 1967.


que a estrutura em concreto apoiada sobre troncos havia sido pensada “(...) para dizer, nessa ocasião, que essa técnica toda de concreto armado, que fez essa magnífica Arquitetura que nós conhecemos, não passava de uma tolice irremediável em face das condições políticas que vivíamos naquele momento” (Artigas in Zein, 2010, p. 12). Para a estudiosa, portanto, a dimensão sensível do projeto sobrepor-se-ia a uma interpretação estritamente político-ideológica: mais do que “um mero gesto de desespero político”, a Casa Elza Berquó seria uma pequena casa “(...) onde a informalidade da vida é celebrada pelo jogo sábio de referências cultas e populares, com destaque para a noção de abrigo, ou cabana, primitivos, refúgio das turbulências do mundo – simbolizados por quatro colunas-tronco de madeira que se destacam em seu pátio interno singular e original” (Zein, 2010, p. 13-14).

Como vemos, nesse projeto de Artigas a madeira assume um significado especial. Na interpretação mais corrente, os pilares de troncos naturais seriam um gesto irônico de contraposição à conjuntura política em que a casa foi construída; na análise de Ruth Verde Zein, as colunas de madeira sintetizariam um exercício projetual em torno do tema da cabana primitiva. Em ambas as interpretações a madeira teria sido utilizada para transmitir uma ideia, seja ela mais ligada à dimensão política da arquitetura, seja ao seu sentido artístico, de modo a sugerir que a escolha desse material não partiu de premissas técnicas, mas do valor simbólico que poderia ser associado a ele. A Casa Elza Berquó retoma, portanto, a ênfase nas propriedades sensoriais e simbólicas da madeira, tão recorrente na arquitetura moderna brasileira. Grande parte das obras modernas nas quais esse material tem destaque transparecem, inclusive, um viés nostálgico e por vezes bucólico.

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O Uso Racional da Madeira Houve, contudo, experiências de utilização da madeira pautadas por um pensamento pragmático, como os abrigos projetados por Álvaro Vital Brazil para o Serviço de Transporte dos Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA) em 1943. Nesse projeto, “(...) sobressai o contraste entre formas ortogonais moduladas rigorosamente e as condições locais: a mão de obra, os materiais (carnaúba, babaçu e buriti) e as técnicas construtivas disponíveis” (Conduru in Andreoli e Forty, 2004, p. 71) Ícaro Castro de Melo foi outro arquiteto que explorou as possibilidades técnicas da madeira em alguns dos edifícios esportivos que desenhou, como no Ginásio de Bauru, de 1953. Projetado para abrigar 4 mil espectadores, o ginásio foi resolvido com planta circular e cobertura em cúpula, sendo o diâmetro interno de 52 metros. A estrutura da cobertura foi feita com arcos de madeira contraplacada

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revestidas com elementos metálicos, havendo um lanternim para assegurar a iluminação natural (Fontana e Bormio, 2010, p. 7-8). Oswaldo Bratke também utilizou a madeira de forma muito racional, principalmente no projeto de dois núcleos urbanos para um empreendimento de exploração de minério no Amapá, Vila Serra do Navio e Vila Amazonas, projetadas entre 1955 e 1960. Nelas, a madeira obtida no local foi amplamente utilizada, pois na região a disponibilidade de outros materiais era muito reduzida. Outro ensaio de racionalização da madeira foi desenvolvido pelo arquiteto e designer Sergio Rodrigues, que em 1960 apresentou o primeiro protótipo de seu sistema de construção com madeira pré-fabricada, o SR2. Nele, o arquiteto propunha um sistema estrutural independente em madeira com vedações de placas de madeira compensada. Para termos ideia do volume da produção do arquiteto, devemos assinalar que entre 1962 e 1968 Sergio Rodrigues projetou e construiu cerca de 200 edifícios, “(...) sendo 70

para o Centro de pesquisas Humboldt na Amazônia mato-grossense. As unidades eram produzidas em São Paulo e enviadas em aviões Hércules para a selva”. Além disso, Sergio Rodrigues executou o primeiro prédio da sede social do Iate Clube de Brasília e construiu, a pedido de Darcy Ribeiro, o pavilhão dos professores visitantes da Universidade de Brasília (Maia, 2010, p. 6). Devemos destacar ainda o trabalho de Severiano Porto, que se formou em 1954 no Rio de Janeiro e transferiu-se para a Amazônia em 1965, onde desenvolveu a maior parte de seus projetos. Neles, sobressai um olhar crítico e sensível para a arquitetura amazonense autóctone que levou à incorporação de técnicas e materiais tradicionais. É muito interessante notar que a despeito desse interesse pela cultura da região, as decisões de projeto de Severiano Porto são pautadas pela adequação ao clima amazônico, região extremamente quente e úmida ao longo de todo o ano que exige soluções de projeto que amenizem “(...) os efeitos do calor, da alta umidade relativa do ar, da intensa radiação solar e das chuvas torrenciais (...)” (Lee, 1998, p. 19).

Na página oposta, planta e vista dos abrigos projetados por Álvaro Vital Brazil para o Serviço de Transporte dos Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA) em 1943. Acima, Ginásio de Bauru, Ícaro Castro de Melo, 1953.

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Vista da Vila Serra do Navio, AP, Oswaldo Bratke, 1955-60.


Prot贸tipo de Casa Pr茅-Fabricada apresentada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1960. Projeto de Sergio Rodrigues.

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A disponibilidade de materiais e de mão de obra também são fatores essenciais para a definição das estratégias adotadas em cada projeto de Severiano Porto. Assim, o amplo uso da madeira na obra do arquiteto está ligado tanto a uma releitura das tradições construtivas da Amazônia, quanto a uma cuidadosa ponderação de fatores objetivos, de modo que parte significativa de seus projetos combina nítidas referências à arquitetura indígena a um detalhamento meticuloso da estrutura de madeira. O restaurante Chapéu de Palha, construído em 1967, exprime com clareza a particular combinação de tradição e técnica que permeia a obra de Severiano Porto: embora a volumetria, a configuração espacial e os materiais utilizados − estrutura de madeira roliça e palha de palmeira − retomem aspectos da arquitetura indígena, a estrutura foi desenhada com precisão.

Chapéu de Palha, Severiano Porto, 82

Manaus, AM, 1967. Fotografia e vista.


A pesquisa desenvolvida por Severiano Porto a respeito das possibilidades oferecidas pela construção com madeira continuaram a partir do projeto do restaurante “(...) num trabalho sistemático que o tornou, equivocadamente, um profissional associado exclusivamente à arquitetura desse material” (Segawa, 1988, p. 40). Na realidade, o arquiteto projetou e construiu com diversos materiais, o que só reforça o fato de que nos edifícios em que optou pela madeira essa decisão foi motivada pela análise criteriosa da situação a ser enfrentada. Entre os inúmeros projetos em madeira de Severiano Porto, podemos destacar a Residência do Arquiteto, de 1971, cuja construção deveria ser rápida e de baixo custo (Neves, 2006, p. 55). Esse projeto, que foi premiado pelo IAB-RJ (Lee, 1998, p. 49), difere da maior parte de seus edifícios, na medida em que remete, segundo Marcos Acayaba (entrevista, 2014), à arquitetura tradicional japonesa, e não tanto às tradições amazonenses.

Assim, a ortogonalidade da Residência do Arquiteto, possivelmente inspirada pelas tradições japonesas, é substituída em outras obras pelo esforço em encontrar “(...) formas de organizar estruturas e espaços invulgares com sistemas construtivos tradicionais” (Segawa, 1988, p. 40). Esse procedimento fica evidente em edifícios como a Pousada da Ilha Silves (1979-83) e o Centro de Proteção Ambiental de Balbina (1983-88), na qual o arquiteto retomou o tema pavilhonar que perpassa seu projeto para a Universidade do Amazona, de 1973: “(...) edifícios interligados por passarelas cobertas, todavia, sem a ortogonalidades do campus manauense. A forma “livre” do conjunto proporciona um jogo de sinuosidade onde a cobertura poderia ser confundida com uma estrutura tensa” (Segawa, 1988, p. 41).

À esquerda, Residência do Arquiteto Severiano Porto, Manaus, 1971. À direita, Centro de Proteção Ambiental de Balbina, AM, Severiano Porto e Mário Emílio Ribeiro, 1983-88.

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Mais uma vez, apesar da expressividade da forma final do projeto, o rigor técnico é um fator determinante para a escolha da madeira como material construtivo principal: “[No Centro de Proteção Ambiental de Balbina] A variedade e a abundância de madeiras disponíveis no local levaram o arquiteto a optar pelo seu uso em todas as formas possíveis de aplicação: troncos roliços, vigas e colunas retangulares, tábuas, caibros e esquadrias de madeira beneficiadas. Na cobertura foi utilizado o cavaco, que são telhas de madeira lascada, extraídas do local” (Lee, 1998, p. 98). A pré-fabricação também é um tema que comparece em alguns trabalhos de Severiano Porto, como nas Escolas PréFabricadas de Madeira projetadas em 1965, não construídas, na qual o arquiteto combinava alvenaria a diversos elementos pré-fabricados de madeira (Lee, 1998, p. 30). A postura racional que depreendemos da obra de Severiano Porto permeia também a obra de Marcos Acayaba, na qual a opção pelo uso da madeira é consequência da análise criteriosa das condições específicas do lugar, dos materiais

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Residência Hélio Olga, Marcos Acayaba, São Paulo, SP, 1987.


disponíveis, da mão de obra existente e da energia necessária para a construção. Nas palavras de Acayaba (texto cedido pelo arquiteto, 2011), “(...) procuro sempre atingir a maior eficiência, conforto e, como consequência, a beleza. Onde nada sobra, onde nada falta”.

as repercussões dessa obra foram extremamente amplas. Premiada pelo IAB em 1991 e muito publicada no exterior, essa casa tornou-se referência para uma série de projetos com madeira que vêm sendo desenvolvidos nos dias de hoje por diversos arquitetos brasileiros contemporâneos.

Assim, a madeira é escolhida como material construtivo principal apenas em projetos nos quais essa solução parece adequada, seja pela alta declividade do terreno, pela dificuldade de acesso ao lote, pela necessidade de minimizar o impacto da construção em ambientes naturais ou pelo esforço em reduzir o tempo de construção no local da obra (texto cedido pelo arquiteto, 2011).

Certamente contribuiu para o aumento do interesse pela madeira como material construtivo no Brasil o movimento de resgate da madeira que ocorreu na Europa a partir da década de 1970 (Gauzin-Müller in Aflalo, 2005, p. 8), o qual, como já comentamos, acompanhou a crescente preocupação com os aspectos ambientais da construção. A conjuntura econômica contemporânea, da qual tendem a beneficiar-se sistemas construtivos flexíveis, também pode ser apontada como um dos fatores que incentivaram a construção com esse material no Brasil (Wisnik in Aflalo, 2005, p. 51).

A Residência Hélio Olga, projetada em 1987 por Acayaba para o engenheiro Hélio Olga − que calculou e detalhou a estrutura, além de ser responsável por sua construção − demonstra com clareza o esforço em chegar a uma solução marcada pelo rigor técnico, tendo sido inclusive pensada como protótipo de um sistema industrializado que pudesse ser reproduzido. Embora as soluções construtivas desenvolvidas para a Residência Hélio Olga não tenham sido aplicadas em outros projetos,

Casa Baeta, Marcos Acayaba, Guarujá, SP, 1991.

Não podemos esquecer, porém, da importância de se criar um imaginário ligado à arquitetura com madeira para a inspiração de novas experiências com esse material. Tendo-se isso em vista, não há dúvida de que a Residência Hélio Olga colaborou enormemente para o interesse de novas gerações de arquitetos pelas qualidades da madeira.

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Estudos de Caso

Park Hotel São Clemente Lucio Costa Vila Serra do Navio Oswaldo Bratke Catetinho Oscar Niemeyer Protótipo de Casa Pré-Fabricada Sergio Rodrigues Residência na Praia da Lagoinha Carlos Millan Casa Artemio Furlan Paulo Mendes da Rocha Residência Hélio Olga Marcos Acayaba

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A seguir, analisamos com maior profundidade algumas obras da arquitetura moderna brasileira nas quais, a nosso ver, a madeira desempenha um papel significativo. A escolha dos edifícios que fizeram parte dos Estudos de Caso foi definida por diversos critérios.

Bardi, também foi deixada de lado por não ter sido possível obter acesso a desenhos em boa resolução. Outros projetos que sem dúvida mereceriam uma maior atenção são a Residência Elza Berquó, de Vilanova Artigas, e o trabalho de Severiano Porto.

Em primeiro lugar, decidimos investigar obras de arquitetos cuja produção foi importante para a arquitetura moderna brasileira como um todo. Assim, embora o Catetinho, por exemplo, não seja o projeto de maior destaque da obra de Oscar Niemeyer, pareceu interessante entender em que circunstâncias esse arquiteto utilizou a madeira com maior ênfase. O mesmo poderia ser dito a respeito da Casa na Lagoinha, de Carlos Millan, e da Residência Artemio Furlan, de Paulo Mendes da Rocha.

Apesar dessas lacunas, acreditamos que os Estudos de Caso realizados abrangem um espectro significativo de obras, além de permitem identificar alguns temas recorrentes no uso da madeira na arquitetura moderna brasileira.

Além disso, procuramos selecionar projetos que de alguma maneira influenciaram a produção subsequente, como é o caso do Park Hotel São Clemente, de Lucio Costa, que se tornou referência para diversas obras com madeira, e da Casa na Lagoinha, de Millan, que inspirou a Residência Artemio Furlan, de Mendes da Rocha. Há outras obras que foram selecionadas pelo fato de proporem um modo de construir com madeira inovador, como a Vila Serra do Navio, de Oswaldo Bratke, o Protótipo de Sistema SR2, de Sergio Rodrigues, e a Residência Hélio Olga, de Marcos Acayaba. Finalmente, a disponibilidade de material gráfico − desenhos técnicos, croquis e fotografias − que viabilizasse uma análise mais criteriosa foi determinante. A obra de Zanine Caldas, por exemplo, não foi incluída nos Estudos de Caso devido à dificuldade em encontrar desenhos técnicos de seus projetos. A Escada do Solar do Unhão, de Lina Bo

Devemos assinalar ainda que procuramos padronizar a estrutura de análise das obras para facilitar sua comparação. Desse modo, iniciamos cada Estudo de Caso com uma breve apresentação, após a qual é traçado o que chamamos de histórico do projeto. Nesse tópico, tentamos compreender a maneira como a obra se insere na trajetória do arquiteto que a concebeu, além de retomar brevemente as circunstâncias em que o projeto foi desenvolvido. A seguir, comentamos a arquitetura da obra como um todo para, finalmente, discutir a maneira como a madeira foi utilizada no edifício. Em relação aos desenhos, decidimos apresentar os originais em todos os casos em que foi possível obter uma cópia digital e legível, pois acreditamos que a linguagem gráfica de cada arquiteto pode ajudar a compreender sua arquitetura. Quando não conseguimos acesso a cópias digitais em boa resolução, como no caso do Catetinho e da Casa na Lagoinha, optamos por refazer os desenhos a partir das fontes disponíveis. Devemos lembrar também do caso do Park Hotel São Clemente, no qual optamos por apresentar croquis do arquiteto ao lado de desenhos não originais já publicados, pois não encontramos cópias cotadas que permitissem refazer plantas, cortes e fachadas.

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Park Hotel São Clemente

Apresentação da obra O Park Hotel São Clemente foi projetado por Lucio Costa entre 1944 e 1945. Localizado em Nova Friburgo, deveria hospedar eventuais compradores de lotes de um empreendimento de alto padrão que ocupava um antigo parque privado comprado pela família Guinle em 1913 (Comas, 2010). Segundo Carlos Eduardo Comas (2010), duas decisões fundamentais definem o projeto: “(...) dispor os apartamentos num andar superior, dada a exigüidade do terreno” e utilizar uma “(...) estrutura mista de alvenaria e madeira, à base de paus roliços constituindo esqueleto independente”. O conjunto resultante combina uma aparência vernacular, ligada à utilização de madeira não aparelhada e de pedra bruta, a princípios modernos como a liberdade de organização da planta, a aproximação entre espaços internos e externos, a geometrização do conjunto e, finalmente, a opção por uma estrutura modular e independente.

Arquitetura Lucio Costa (1902-1998) Localização Nova Friburgo, RJ Cliente César Guinle Projeto I Construção 1944-45 I ? Acervos Instituto Antonio Carlos Jobim, Acervo digital Lucio Costa

Detalhe do edifício. Vemos que são utilizadas 88

peças roliças e que a estrutura não é coplanar.


Histórico do projeto A obra construída e escrita de Lucio Costa desafia a todo o momento aquele que procura apreendê-la, pois justapõe com desenvoltura ideias à primeira vista contraditórias. Guilherme Wisnik (2001, p. 8) alerta já na abertura de seu livro sobre o arquiteto quão ociosas são as tentativas de circunscrever sua produção, já que as contradições e ambiguidades que a perpassam são aspectos que, longe de diminuírem sua importância ou interesse, “(...) renovam seu vigor e sua atualidade”. Ainda segundo Wisnik (2001, p. 13), a ambivalência de Lucio Costa repousaria, em última análise, no fato de o arquiteto “(...) ter sido o sujeito definidor de uma importante singularidade da história arquitetônica brasileira: a da conexão entre modernidade e tradição”. Assim, Lucio Costa foi responsável por trazer Le Corbusier para o Brasil em 1936, passo essencial para a implantação da arquitetura moderna no país, ao mesmo tempo em que exerceu papel central

Vista geral do Park Hotel a partir da rua de acesso.

“(...) na definição das normas e diretrizes de preservação do patrimônio histórico no Brasil (...)” e na fundação de nossa historiografia arquitetônica (Wisnik, 2001, p. 7). Na opinião de Roberto Conduru (in Andreoli e Forty (org.), 2004, p. 69), essa proposta de conciliação entre tradição e modernidade pretendia “(...) resolver cultural e tecnicamente os impasses técnico-sociais (...)” da modernização brasileira e responderia “(...) às pressões existentes na sociedade brasileira para a criação de uma arte moderna e nacional”. Para tanto, Lucio Costa teria recuperado tanto materiais e técnicas artesanais, como a cerâmica e a taipa, quanto elementos arquitetônicos antigos, como os telhados inclinados e os muxarabis. É importante notar que a filiação que Lucio Costa propõe para a arquitetura moderna brasileira assenta-se sobre um olhar seletivo que elege determinados princípios − entre os quais “a qualidade construtiva de “não mentir”, de construir com rigor e sobriedade (...)” − como referências para o modernismo no Brasil.

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Nesse sentido, o olhar de Costa volta-se para “(...) uma arquitetura civil, anônima, simples e austera, desataviada e pobre” e não tanto para obras de exceção, como as construções religiosas barrocas (Wisnik, 2001, p. 15). A valorização do vernacular na obra de Lucio Costa a aproxima, na opinião de Wisnik (2001, p. 36), da produção de Lina Bo Bardi. Há, no entanto, diferenças importantes entre os dois arquitetos: na obra de Lucio, os elementos tradicionais poderiam ser compreendidos como uma “coleção de resíduos das obras humanas”, enquanto que na produção de Lina Bo Bardi o dado popular seria deslocado “(...) em favor da originalidade inventiva (...)”. O exemplo que Wisnik (2001, p. 36) usa para demonstrar a criatividade com que Lina se apropria de elementos tradicionais, a escada de madeira do Solar do Unhão, de 1959, é muito interessante, pois está ligado à atuação de Lucio Costa junto ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Segundo conta Ana Lúcia Cerávolo (2010, p. 235236), esse projeto de Lina, que propunha uma intervenção moderna em um sítio histórico, enfrentou grande resistência por parte dos órgãos do patrimônio, sendo sua construção possível graças à intervenção de Lucio Costa, na época diretor da Divisão de Estudos e Tombamentos (DET), no processo de aprovação do projeto. Lucio Costa também foi essencial para garantir que Zanine Caldas, cuja produção está ligada à cultura popular, pudesse continuar a exercer a profissão de arquiteto. Ricardo Caruana (entrevista, 2014), que trabalhou com Zanine, conta que, diante de propostas de impedir que Zanine, que não tinha formação acadêmica, continuasse a projetar, Lucio Costa teria escrito uma carta em sua defesa. “Ele [Lucio Costa] diz assim: “(...) na minha condição de ex-diretor da escola onde se formavam os arquitectos, proponho à congregação da atual Faculdade de Arquitectos a concessão do Título de Arquitecto Honoris Causa à José Zanine Caldas. E se, apesar desse reconhecimento acadêmico, ainda se considere necessário condicionar-lhe o exercício da profissão ao patrocínio legal de um colega regularmente registrado, a carteira 715-D estará sempre ao seu dispor, pois neste caso gostaria que, antes de a qualquer outro, a honra me coubesse”” A postura de Lucio Costa em relação à construção da escada de madeira proposta por Lina Bo Bardi para o Solar do Unhão e seu apoio a Zanine Caldas, em cuja obra a madeira é presença constante, demonstra a abertura de Costa para

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um material pouco empregado pela arquitetura moderna brasileira e leva a crer que para ele a madeira seria perfeitamente compatível com a boa arquitetura. A despeito disso, esse material tende a comparecer em sua obra de forma pontual, com algumas exceções, sendo talvez a mais importante delas o Park Hotel São Clemente, no qual a plasticidade da madeira, assim como da pedra e da alvenaria caiada, é destacada. Para que se compreenda o significado da escolha desse materiais e o acabamento rústico dado a eles, é preciso retomar o contexto em que o hotel, que Lucio Costa preferia chamar de pousada (Comas, 2010), foi concebido, como fazemos a seguir. O Park Hotel São Clemente foi projetado em 1944 a pedido da família Guinle para receber possíveis compradores de lotes do empreendimento residencial que estava sendo montado em meio ao parque privado projetado por volta dos anos 1870 pelo botânico francês Auguste Glaziou. Localizado em Nova Friburgo, município em região montanhosa 136km a norte do Rio de Janeiro, o loteamento deveria abrigar casas de fim de semana ou veraneio (Comas, 2010). Dada a atmosfera despojada que se pretendia conferir ao empreendimento, o hotel de Lucio Costa deveria, segundo Carlos Eduardo Comas (2010), “(...) passar a imagem de lazer sofisticado mas informal”. O decreto-lei aprovado pela Prefeitura de Nova Friburgo no mesmo ano de 1944 ia no mesmo sentido e definia que os hotéis de loteamentos deveriam obedecer “(...) em seu estilo ao tipo hotel de montanha. O artigo 10 reforça e amplia [essa determinação]: todas as construções deverão ter cunho marcadamente campestre, não se permitindo construções de madeira desmontáveis” (Comas, 2010). Além da legislação, outra questão a ser considerada por Lucio Costa era a disponibilidade de materiais. Segundo o folheto de lançamento do loteamento (Comas, 2010), “A Cerâmica Parque São Clemente, de propriedade dos loteadores, pode abastecer o bairro com toda sorte de produtos cerâmicos, tijolos, telhas e manilhas. Uma pedreira atende as demandas de pedra para fundações, pisos, paredes e revestimentos. As matas, embora distantes, darão a madeira, completando a lista dos materiais básicos de uma construção campestre”.

Dadas as circunstâncias, provavelmente o mais razoável seria construir com alvenaria portante. Apesar disso, Lucio Costa propôs para o hotel uma estrutura mista de alvenaria e madeira, a qual teve que ser buscada em São Paulo, onde havia “(...) eucalipto seco da qualidade necessária” (Comas, 2010). Para Comas (2010), essa decisão está ligada ao fato de a madeira manifestar de modo contundente o “(...) caráter de cabana (com suas conotações de moradia primitiva, efêmera, precária) (...)” que a ideia de “edifício campestre”, estabelecida pela legislação, sugeria. Além disso, esse material tornava possível “(...) evidenciar a independência moderna entre suporte e vedação”, demonstrando, como queria Lucio Costa, que “(...) a arquitetura moderna é coisa mental, não questão de material”. Se para Comas o uso da madeira no Park Hotel poderia aproximar o projeto tanto da ideia de cabana, quanto de modernidade, é provável que o fato de o edifício ter sido concebido como provisório, com durabilidade prevista de 10 anos, também tenha contribuído para a determinação de utilizar esse material. De qualquer modo, é interessante que o aspecto vernacular conferido pela combinação de madeira, pedra e tijolo seja contraposto por um “(...) sistema modular racional e equilibrado, sob rigorosa simetria” que resulta em “(...) um raro êxito na obtenção das conquistas espaciais modernas, tais como a estrutura independente, as amplas superfícies de vidro (...) e um terraço em balanço, aberto para a melhor vista” (Wisnik, 2001, p. 34). A justaposição do tradicional ao moderno, presente no Park Hotel e em diversas outras obras de Lucio Costa, leva Wisnik (2001, p. 42) a tentar explicar qual seria o legado do equacionamento da “(...) lógica construtiva da colônia e a do projeto moderno (...)”. Diferente de Sophia Telles (in Wisnik, 2001, p. 42), para quem o arquiteto “não consegue sublimar o frágil horizonte de um passado que não se impõe senão como um exercício de caráter mais afetivo (...) no limite de uma certa nostalgia”, Wisnik defende que a resistência “(...) à homogeneização e estandartização cultural” através da valorização das raízes locais está imbuída de certa atualidade. O autor segue argumentado que “Essa forma velada de resistência encontra interessantes semelhanças com o movimento que, na arquitetura, veio a ser chamado de regionalismo crítico, formulado por Kenneth Frampton. Sua proposta é contrapor-se à desarti-

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culação cultural provocada pelo consumismo generalizado, pelo internacionalismo high-tech, predador das identidades locais, em suma, um movimento tendente a estabelecer uma cultura mundial de bases regionais. É claro que a militância aguerrida está distante da contenção reservada de Lucio Costa, mas não é difícil reconhecer entre ambos semelhanças de princípios” (Wisnik, 2001, p. 43). A inclusão de elementos tradicionais oriundos da cultura popular seria, portanto, o caminho encontrado por Lucio Costa para a formulação de uma arquitetura moderna em diálogo com as raízes brasileiras. Tendo essa questão como horizonte, a madeira, empregada com acabamento tosco, representaria o elemento tradicional e popular que, tensionado por aspectos modernos, revelaria uma expressividade única, na medida em que ligada às especificidades históricas e culturais brasileiras. Nesse sentido, o Park Hotel São Clemente de Lucio Costa constituiria uma referência importante para uma série de projetos regidos por essa mesma lógica, como a Casa de Fim de Semana, de Carlos Federico Ferreira (1949) e a Casa de Campo do Embaixador Accioly, de Francisco Bolonha (1950), ambas construídas na serra carioca com forte presença da madeira. As repercussões das questões despertadas pela obra de Lucio Costa continuariam sendo sentidas na década de 1980 na Amazônia, onde Roberto Conduru (in Andreoli e Forty (org.), 2004, p. 75 e 77) reconhece a tendência de uma arquitetura regional e artesanal. Assim, a partir da casa que Costa projetou em 1978 para Thiago de Mello, em que “(...) explorou com sobriedade o sistema portante em madeira (...)” teria se desenvolvido “(...) uma quarta geração que ampliou o repertório plástico re-interpretando a cobertura como elemento-chave do edifício”. Nesse sentido, José Castro Filho, Octacílio Teixeira, Milton Monte e Paulo Sérgio Nascimento, teriam respondido às “(...) condições bioclimáticas da região de modo mais ou menos abstrato, mas sempre enfatizando a rusticidade artesanal”.

À esquerda, vistas da Residência Thiago de 92

Mello, Lucio Costa, Barreirinha, AM, 1978.


Arquitetura O edifício Park Hotel São Clemente, fortemente horizontal, é implantado no alto de um talude abrupto. Seu lote, bastante exíguo, levou Lucio Costa a organizar o programa em dois andares: no térreo, restaurante, estar, espaço de recreação e gerência, além da ala de serviços; no primeiro pavimento, 10 suítes acessadas por uma galeria de circulação. A distinção entre os dois pavimentos é bastante nítida, já que a planta celular do pavimento dos dormitórios contrapõe-se à planta livre do térreo, cuja extroversão é “(...) tão exuberante quanto no Pavilhão Brasileiro na Feira de Nova York de 1939, ou no Grande Hotel de Ouro Preto”, de 1938-40 (Comas, 2010). Esses dois últimos projetos também anunciam o contraste formal entre fachadas opostas que podemos notar no Park Hotel, em que a contenção volumétrica da fachada dos fundos contradiz “(...) a adição de volumes (ou decomposição volumétrica) na fachada de entrada (...)” (Comas, 2010). São três os volumes que se distinguem na fachada frontal, implantada junto à rua: “(...) um principal, de alvenaria caiada, onde estão os quartos, outro secundário, de madeira aparente, cujo telhado inclina-se em direção oposta, contendo a galeria de circulação íntima, e um terceiro, de pedra, contíguo ao segundo, que abriga a circulação vertical” (Wisnik, 2001, p. 34). Essa distinção de blocos caracterizados por diferentes materiais confere riqueza compositiva ao conjunto, além de, na opinião de Wisnik (2001, p. 34), dissolver o volume do edifício. Mais ainda, essa solução ajuda a resolver questões práticas, como a iluminação dos banheiros dos quartos, que é feita através de janelas altas acima da galeria de circulação.

térreo através de uma varanda em balanço emoldurada por um guarda-corpo treliçado. No térreo, por outro lado, predominam panos de vidro. Estes não são contínuos: em um certo ponto, recuam através de um chanfro que encaminha o usuário para a varanda e dali para o jardim, de modo a enfatizar a fluidez entre espaço interno e externo. Essa harmonia entre edifício e paisagem e o flerte com a ideia de um loteamento de veraneio sofisticado, mas informal (Comas, 2010), também se dá através dos materiais utilizados, cujo aspecto bruto dialoga com o entorno arborizado. Os materiais também são muito importantes na ambiência dos espaços internos, nos quais a plástica da madeira e da pedra fica em evidência. O projeto dos interiores, desenvolvido em parceria com o decorador Pierre Volko, é muito detalhado e inclui o desenho de diversos móveis e a escolha das louças e talheres: “Lucio (...) Desenha as mesas e cadeiras de pé palito, a lâmpada de pé de ferro forjado e abajur cilíndrico de pergaminho, os apliques de mesma linha acima da lareira. Escolhe as cadeiras dobráveis tipo safári, as poltronas e os sofás despretensiosos forrados de tecido azul com vivos brancos ou de listas azul e branco com vivos azuis, a louça branca com filete vermelho comprada junto com o proprietário, os talheres pesados e os copos de cristal bojudos” (Comas, 2010). O preciosismo com que Lucio Costa elabora o projeto de interiores impressiona e, ao mesmo tempo, evidencia o amplo domínio que o arquiteto tinha do projeto, no qual todos os elementos, desde a implantação e distribuição espacial até a escolha dos materiais construtivos, louças e copos, corroboram para uma obra na qual tradição e modernidade estão em constante diálogo.

Na fachada posterior, mais simples, a composição é dominada por um volume superior que avança em relação ao

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Planta do tĂŠrreo e do primeiro pavimento 94

do Park Hotel; desenhos fora de escala.


Estudos do Park Hotel feitos por Lucio Costa entre 1940 e 1949.

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O uso da madeira No Park Hotel, a madeira está por toda parte. Utilizada tanto na estrutura de peças roliças de eucalipto, quanto no forro, piso, no revestimento interno das paredes dos quartos e no mobiliário, esse material é determinante para a atmosfera bucólica que se pretendia conferir ao edifício. Desse modo, a ideia de um refúgio de veraneio, de um abrigo despojado e ao mesmo tempo refinado, pauta a concepção do edifício, o qual de fato harmoniza-se com a paisagem. No delineamento de uma plástica “(...) marcadamente campestre (...)” que atendesse ao decreto-lei aprovado pela Prefeitura de Nova Friburgo em 1944 (Comas, 2010), a madeira com acabamento bruto seria essencial, motivando sua utilização apesar da limitada oferta na região. É muito provável que liberdade projetual oferecida pelo fato de o edifício ter sido pensado para durar apenas 10 anos também tenha contribuído para a decisão de utilizar esse ma-

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Vista interna do edifício; vemos o restaurante e ao fundo a varanda.


terial, pois isso permitia que fossem experimentadas técnicas construtivas pouco correntes no Brasil para aquela escala de construção com menor responsabilidade. Além do apelo vernacular oferecido pela madeira e da durabilidade reduzida exigida para o edifício, é provável que uma das razões pelas quais Lucio Costa escolheu utilizar esse material no projeto seja o fato de ele permitir, diferentemente da alvenaria, uma estrutura independente das vedações, solução condizente com os princípios da arquitetura moderna. É nesse sentido que Roberto Conduru (in Andreoli e Forty, 2004, p. 91) comenta que Com seus poucos, mas instrutivos projetos, Costa já havia ilustrado com pedra (Museu da Missões, 1937), aço (Pavilhão do Brasil em Nova York, 1939), madeira (Park Hotel São Clemente, 1944) e concreto (Parque Guinle, 1948-54) como os princípios formais modernos eram independentes de materiais e sistemas construtivos”.

Detalhe da varanda e vista geral da fachada posterior.

Apesar de a estrutura independente do Park Hotel dialogar com o cânone da arquitetura moderna, sua materialidade contradiz essa filiação: a estrutura não é apenas feita em madeira, mas em peças roliças que guardam em sua superfície irregular reminiscências dos troncos e galhos naturais. A união dos elementos da estrutura, não coplanar, também aponta para referências populares, assim como o acabamento dado ao piso e ao revestimento interno de algumas paredes, que evidencia a superfície irregular do material. No revestimento externo da galeria de circulação das suítes do primeiro andar o acabamento dado à madeira também é simples, assim como na marquise que protege a entrada, sustentada por pilares em ‘V’. Nos caixilhos e no guarda-corpo da varanda do térreo, porém, o tratamento dado à madeira é diferente: pintados de branco com alguns detalhes em marrom, são bastante discretos. O guarda-corpo da varanda dos quartos, treliçado e pintado de azul, também não revela a superfície da madeira.

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É interessante notar que apesar de a madeira ser empregada com acabamento bruto, as soluções construtivas adotadas pelo arquiteto denotam um bom conhecimento do material. Assim, a porção de madeira do Park Hotel é elevada do chão e os pilares são assentados sobre bases de pedra, práticas importantes para aumentar a durabilidade da estrutura. É razoável supor que algumas dessas soluções tenham sido inspiradas pelo estudo de práticas construtivas tradicionais. Nesse sentido, é interessante o comentário do arquiteto Marcos Acayaba (entrevista, 2014), que identifica no Park Hotel influências da arquitetura tradicional japonesa, cujas práticas teriam sido difundidas no Brasil colonial por jesuítas, na época também presentes no Japão: “Eu há muito tempo tinha essa ligação com a arquitetura tradicional japonesa e aí uma vez visitando Ouro Preto eu identifiquei casas, até fotografei algumas coisas em

Acima, à esquerda, vista geral do edifício; à direita, fachada frontal, na qual vemos a passarela de acesso aos quartos em 98

madeira escura. Abaixo, marquise de acesso ao hotel.


Ouro Preto, com um tipo de construção muito próxima do que se fazia no Japão. Eu acho que essa referência é importante aqui no Brasil (...) Mas quando o Lucio Costa faz aquele hotel, o Park Hotel em Nova Friburgo, tinha muito dessa raiz japonesa porque o Lucio Costa era um estudioso de arquitetura brasileira, fez muitos levantamentos, foi muito envolvido com o patrimônio histórico. Então acho que quando ele desenhou aquele hotel ele tinha na cabeça alguma coisa que tinha visto por aí de arquitetura colonial”.

Apesar de não podermos comprovar essa hipótese, é interessante reconhecer o esforço de compreender a origem do projeto do Park Hotel São Clemente, no qual a madeira é utilizada de maneira provavelmente inédita no Brasil. A originalidade dessa experiência de Lucio Costa e o constante empenho do arquiteto em valorizar as tradições arquitetônicas brasileiras abriram precedente para uma série de experiências que ensaiam a aproximação entre tradição e modernidade, muitas vezes utilizando a madeira como contraponto a elementos modernos.

Acayaba (entrevista, 2014) segue afirmando que essa influência japonesa seria ainda mais evidente na casa que Lucio Costa projetou para Thiago de Mello na Amazônia, que “(...) tem muito de arquitetura tradicional japonesa e muito de arquitetura brasileira do século XVI, provavelmente de coisas que os jesuítas foram construindo em situação de clima mais quente, parecido com o que tinham visto no Japão”.

Vista da varanda.

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Vila Serra do Navio

Apresentação da obra Na década de 1950, a Indústria de Comércio de Minérios, Icomi, instalou-se no Amapá com o intuito de explorar jazidas de manganês encontradas na região. Como estas encontravam-se em meio à selva amazônica, a cerca de 200km de Macapá e do rio Amazonas, fez-se necessário construir uma pequena cidade para abrigar os funcionários envolvidos na empreitada. O núcleo urbano, projetado por Oswaldo Bratke entre 1955 e 1960, ficou conhecido como Vila Serra do Navio e foi previsto para uma população entre 2.500 e 3.500 habitantes (Segawa e Dourado, 1997, p. 242). Além da Vila Serra do Navio, o arquiteto projetou outro núcleo chamado Vila Amazonas, construído junto ao rio de mesmo nome, onde deveria ficar o embarcadouro a partir do qual o minério extraído seria transportado. Apesar de a Vila Amazonas também ser importante, a Vila Serra do Navio foi pensada, desde o início, como núcleo principal, conforme estabelece o próprio contrato do projeto.

Arquitetura Oswaldo Bratke (1907-1997) Localização Serra do Navio, AP Cliente Indústria e Comércio de Mineiros S.A., ICOMI Projeto I Construção 1955-60 I ?-1960 Acervos Biblioteca da FAU-USP

À esquerda, vista geral da Vila Serra do Navio. 100

Acima, vista aérea do empreendimento


Oswaldo Bratke teve certa liberdade na concepção da Vila Serra do Navio, já que, segundo o arquiteto (in Segawa e Dourado, 1997, p. 239), o proprietário da Icomi, Augusto Trajano Antunes, colocou ele e sua equipe “(...) à vontade para desenvolver aquilo que julgássemos melhor”. Diante dessa relativa autonomia, fez-se necessária uma análise criteriosa de todos os fatores envolvidos no projeto. Assim, Bratke dimensionou os núcleos urbanos, visitou no exterior outras cidades ligadas a companhias mineradoras para estabelecer referências concretas, estudou as características físicas e climáticas da região, os costumes da população local e analisou quais materiais e métodos construtivos seriam mais adequados para construir naquelas circunstâncias (Segawa e Dourado, 1997, p. 242-255). Segundo o arquiteto (in Segawa e Dourado, p. 258), “Como era um lugar que eu não conhecia... Queria conhecer, verificar os costumes da população, para fazer uma coisa que ajudasse as pessoas a ter uma vida decente,

Vista interna da igreja da Vila Serra do Navio.

correta, e a cidade não fosse desfeita tempos depois. Minha proposta [para o concurso que escolheria o arquiteto responsável pelo projeto] foi inicialmente estudar o assunto em profundidade para depois apresentar um projeto que fosse eficiente (...) Eles gostaram da minha idéia e fechamos o contrato”. Essa abordagem racional pauta o projeto da Vila Serra do Navio em seus diversos níveis, desde sua concepção urbanística – atenta tanto a fatores ambientais e requisitos de infraestrutura, quanto à qualidade espacial da cidade −, até o projeto de arquitetura das casas e centros de uso comum. Aqui, procuramos enfatizar o projeto das edificações, pensadas a partir de uma série de fatores, entre os quais a disponibilidade de materiais e mão de obra, a intenção de estimular funcionários a se transferirem para a região através da qualidade das casas oferecidas e o cuidado em considerar as tradições culturais da população nativa (Segawa e Dourado, 1997, p. 255).

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No caso das residências, o equacionamento de todas essas questões levou a um desenho moderno e a uma planta funcional bem resolvida. A estrutura, caixilharia, piso e forro das casas foram feitos em madeira, material abundante na região; as vedações foram resolvidas com blocos de concreto fabricados no próprio local; a cobertura utilizava telhas de fibrocimento. A implantação das casas e as soluções construtivas adotadas contemplam, como veremos, cuidados para garantir o conforto térmico das residências, assim como a durabilidade das construções. A simplicidade e economia de recursos presente no projeto das residências dá lugar a soluções um pouco mais complexas no caso de alguns dos edifícios de uso comum, como a igreja e o estádio, para os quais foram desenvolvidas estruturas em madeira mais arrojadas e muito expressivas. Dada a escala do empreendimento e o fato de Vila Serra do Navio ter sua durabilidade prevista para um longo período de mínimo 50 anos (Ribeiro, 1992, p. 98), podemos afirmar que a experiência de Oswaldo Bratke com o uso da madeira nesse projeto foi bastante inovadora, pois a escolha desse material se deu a partir de uma abordagem racional que procurou identificar a solução mais adequada para as condições existentes, não enfatizando aspectos simbólicos frequentemente associados à madeira.

Histórico do projeto Oswaldo Arthur Bratke, filho de imigrantes, iniciou seu curso de engenheiro-arquiteto na Faculdade Mackenzie em 1926 e tendeu a afastar-se, desde cedo, do “mimetismo histórico” promovido por boa parte dos docentes que lhe ministravam aulas (Segawa e Dourado, 1997, p. 14-15). Carlos Lemos (in Segawa e Dourado, p. 19-20), em artigo publicado em 1972, descreve Bratke como um “(...) homem sempre interessadíssimo na execução racional e barata dos pormenores (...) imaginados de acordo com a tecnologia moderna (...)”. De fato, a arquitetura de Oswaldo Bratke é pautada por questões como a funcionalidade da planta, a racionalidade construtiva e as novas tecnologias disponíveis, assim como pelo interesse pela estética moderna (Segawa e Dourado, 1997, p. 20). Nesse sentido, a aproximação de Bratke da arquitetura desenvolvida na costa oeste dos Estados Unidos é bastante reveladora: em sua primeira viagem ao país, feita em

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1948 para a Costa Oeste, o arquiteto visitou obras de Richard Neutra e Frank Lloyd Wright, assim como a redação da revista californiana Arts & Architecture (Segawa e Dourado, 1997, p. 24), que desde 1945 vinha promovendo a construção das Case Study Houses. Ainda em 1948, Bratke publicou sua casa na rua Avanhandava, projetada em 1947, na revista californiana, tendo provavelmente sido o primeiro latino-americano a fazê-lo (Segawa e Dourado, 1997, p. 23). Para Hugo Segawa e Guilherme Dourado (1997, p. 24), esse projeto “(...) tinha, em sua essência, os atributos dos modelos de habitação preconizados pelo padrão Case Study”: segundo depoimento do então estagiário Arnaldo Paoliello, a casa na Avanhandava era pautada pelo “(...) uso de novas técnicas construtivas, de baixo custo, e soluções especiais de muito bom gosto, utilizando muita madeira, que ele tão bem sabia usar”. A referência ao uso da madeira associada a uma casa publicada na revista Arts & Architecture é muito interessante, pois, como vimos, nos primeiros Case Study Houses esse material foi intensamente utilizado em elementos estruturais, ao passo que painéis de compensado eram frequentemente empregados em elementos de vedação. Não foi na casa da rua Avanhandava, porém, que Oswaldo Bratke manifestou seu interesse pela madeira pela primeira vez. Alguns anos antes, em 1944, o arquiteto projetou algumas casas para Campos do Jordão com forte presença desse material que, embora jamais tenham sido construídas, foram publicadas na Revista Acrópole (Segawa e Dourado, 1997, p. 27). A pesquisa do arquiteto em relação às possibilidades oferecidas pela madeira foi retomada em 1947 na Casa de Férias em São Sebastião, uma “Edificação experimental na qual Bratke estuda as possibilidades técnicas e expressivas de materiais de custo reduzido e correntes na região, como madeira para a estrutura e bambu combinado a alvenarias de tijolos para os paramentos” (Segawa e Dourado, 1997, p. 31). Esse projeto também aponta para a afinidade de Bratke com a arquitetura tradicional japonesa através de detalhes como “(...) a utilização de pedras como base para os pilares de madeira, e os caibros da cobertura levemente avançados em relação às telhas” (Segawa e Dourado, 1997, p. 31).

Talvez seja razoável aventar que a simpatia de Oswaldo Bratke pela arquitetura japonesa, que foi se ampliando ao longo de sua trajetória profissional, tenha contribuído para sua abertura em relação ao uso da madeira. O arquiteto Ricardo Caruana (entrevista, 2014) relata inclusive que a biblioteca de Oswaldo Bratke era “(...) a melhor que existia por aqui” em relação à arquitetura tradicional japonesa, tendo sido em parte através dela que Zanine Caldas teria despertado seu interesse por esse material construtivo. Mas uma das experiências mais interessantes de Bratke em relação ao uso da madeira parece mais próxima da influência das Case Study Houses que da arquitetura tradicional japonesa. Trata-se do pequeno pavilhão-estúdio que o arquiteto construiu nas imediações da casa que fez para sua família no Morumbi em 1951. Essa pequena obra, que abrigava um escritório de trabalho para o arquiteto e dependências para hóspedes, possuía estrutura de madeira e contou com “(...) um sistema de cobertura de rápida montagem e custo reduzido, (...) placas de compensado tratadas com isolantes termoacústicos e feltros asfálticos para impermeabilização” (Segawa e Dourado, 1997, p. 110). Além desse ateliê, Bratke projetou e executou outras edificações experimentais em sua chácara no Morumbi nas quais testou novos materiais e tecnologias. Segundo Hugo Segawa e Guilherme Dourado (1997, p. 32), “Bratke deve ter projetado e executado um dos primeiros protótipos de casa em madeira compensada com cobertura também com telhas de compensado protegidas com folhas de alumínio, em sua chácara no Morumbi. Foi solicitação de uma indústria de madeira que introduzia o produto no país”. A madeira compensada, que desde a década de 1930 vinha despertando interesse em arquitetos atuantes na costa leste americana como Richard Neutra e Rudolph Schindler, foi explorada por Bratke também para “(...) a confecção de armários/divisórias (com isolamento acústico), segundo uma preocupação de reorganizar plantas ao sabor de necessidades”, como na casa da rua Avanhandava, de 1947, em uma residência no Jardim Paulista, de 1948, e em sua casa no Morumbi, de 1951 (Segawa e Dourado, 1997, p. 32). Como vemos, a abertura para novas tecnologias construtivas permeou a atuação profissional de Oswaldo Bratke, que, além de realizar ensaios em relação à flexibilização de ambientes

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internos através de divisórias móveis, desenvolveu sistemas de caixilharia inéditos e experimentou sistemas de cobertura pouco correntes na época, como lajes planas de concreto aperfeiçoadas a partir das orientações de um engenheiro dinamarquês (Segawa e Dourado, 1997, p. 38). A postura racional que permitiria ao arquiteto desenvolver técnicas construtivas inovadoras e experimentar soluções pouco difundidas seria essencial no projeto da Vila Serra do Navio e da Vila Amazonas (Segawa e Dourado, 1997, p. 49), em que o isolamento em relação a centros urbanos que pudessem fornecer materiais industrializados, a especificidade do clima e as restrições de custo exigiam uma abordagem a um só tempo consequente e inovadora. Conforme relata Benjamin Ribeiro (1992, p. 11-13), o minério de manganês foi identificado na região do Amapá pela primeira vez em 1934, tendo sido apenas em 1945 que a dimensão das jazidas do Vale do Rio Vila Nova foi constatada. Face a essa descoberta, o governo do Amapá abriu uma concorrência internacional para a concessão da exploração

À esquerda, restaurante em Campos do Jordão, SP, década de 1940. 104

À direita, Casa de Férias em São Sebastião, SP, 1947.


do manganês durante 50 anos que foi vencida pela Indústria de Comércio de Minérios, Icomi, sediada em Belo Horizonte. No contrato de concessão, a Icomi comprometia-se a projetar e construir, entre outros itens, um porto fluvial, uma estrada de ferro com 194km de extensão, instalações industriais destinadas à extração, movimentação e beneficiamento de minério e, finalmente, duas vilas residenciais destinadas aos funcionários da empresa. Quando se leva em conta que as jazidas encontravam-se em território inexplorado da floresta amazônica, a complexidade da operação fica evidente, evocando, para Hugo Segawa, qualidades épicas (Segawa e Dourado, 1997, p. 238). Diante dos desafios que o projeto do plano urbanístico e das edificações das vilas de apoio à extração e transporte de manganês oferecia, foi lançado um concurso do qual participaram diversos escritórios. Oswaldo Bratke não apresentou um projeto, preferindo propor que as questões a serem enfrentadas pelo empreendimento fossem analisadas antes da elaboração de soluções (Segawa e Dourado, 1997, p. 238).

Essa abordagem pragmática foi bem recebida e foi com essa postura que Bratke desenvolveu todo o projeto da Vila Serra do Navio: as decisões eram tomadas a partir de um raciocínio lógico, inclusive porque as experiências anteriores de cidades planejadas ligadas à mineração pareceram bastante negativas para o arquiteto. Segundo depoimento seu, (in Segawa e Dourado, 1997, p. 242) “Ninguém fazia cidade. Abriam uma rua central e lá se instalavam negócios que vendiam coisas para os coitados. As casas dos chefes eram muito boas, as demais muito precárias”. Diante da falta de exemplos satisfatórios a seguir, Bratke assumiu uma postura criativa e minuciosa, enfrentando problemas que iam desde o dimensionamento dos núcleos urbanos até a elaboração do programa do hospital da Vila Serra do Navio. A mesma atitude foi necessária para a definição de estratégias de conforto ambiental e de quais materiais e técnicas construtivas seriam mais adequados.

Vistas do pavilhão que Bratje construiu em sua casa no Morumbi, em São Paulo, na primeira metade da década de 1950.

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Além de todos esses fatores, o arquiteto procurou ser sensível aos costumes da população. Em relação à cultura da população nativa, a solução dada aos banheiros das casa dos operários é muito interessante. Segundo o arquiteto (in Segawa e Dourado, 1997, p. 256), “A proposta era a seguinte: o banheiro tinha dois batentes, um aberto para fora e outro fechado, embutido na alvenaria, voltado para dentro. Num primeiro momento, o banheiro com acesso por fora era mais compatível com a falta de hábito dessa peça entre as dependências internas da habitação. Na medida em que se assimilava o uso do banheiro, era possível estabelecer a ligação direta do interior da casa ao sanitário mediante a abertura daquele batente emparedado”. O cuidado em chegar a uma solução que satisfizesse os futuros habitantes também pautou a implantação das casas, cujo desalinhamento deveria, segundo Bratke (in Segawa e

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Estudo de residência.


Dourado, 1997, p. 257), quebrar a monotonia do conjunto, assim como a variação da pintura das fachadas elaborada pelo pintor Francisco Rebolo Gonzales. Já na determinação das técnicas construtivas que deveriam ser empregadas na construção das edificações da Vila Serra do Navio foram priorizadas questões práticas. Assim, diante da distância de centros urbanos e da dificuldade de transporte de materiais até o local, parecia razoável priorizar o uso da matéria-prima disponível no local, principalmente a madeira. A disposição de Oswaldo Bratke em reconhecer as vantagens que esse material oferecia em um momento em que esse material era geralmente utilizado de forma pontual provavelmente está ligada aos projetos que desenvolveu anteriormente, os quais certamente contribuíram para que o arquiteto dominasse as especificidades técnicas da madeira.

Residência de funcionário graduado.

Arquitetura A Vila Serra do Navio, acessível apenas através da estrada de ferro da Icomi (Correia, 2012, p. 137), organiza-se em dois núcleos. De um lado, ficam as habitações dos operários, que são dispostas em torno de uma área mais arborizada em que ficam o alojamento de operários, o complexo educacional e o centro cívico – uma praça em torno da qual são dispostos equipamentos como lojas, supermercado, administração e igreja. O hospital fica em uma extremidade dessa área. Do outro lado da vila, ficam as habitações de funcionários de nível médio, a casa de hóspedes e as habitações de funcionários graduados. Entre esses dois polos, comunicados por três vias, localiza-se o centro esportivo.

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Na opinião de Telma de Barros Correia (2012, p. 139), Bratke “(...) não hesitou em estabelecer uma rígida divisão social do espaço, dividindo as vilas em dois setores residenciais, um, para os dirigentes, e outro, para os operários, cada um deles com casas de diferentes modelos e tamanhos. Dentro dos setores, a segmentação social prossegue, com uma divisão em subsetores (...)”. Não cabe, porém, discutir e problematizar aqui o projeto urbano da Vila Serra do Navio, mas apenas descrever brevemente sua organização geral. Nesse sentido, vale notar que na disposição das casas “(...) pode-se perceber a articulação do espaço segundo a influência das cidades-jardins (...)”. Além disso, as vias de distribuição são diferenciadas, sendo que as principais contornam as grandes quadras e as vielas secundárias dão passagem apenas a veículos de serviço e emergência (Segawa e Dourado, 1997, p. 281-282).

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As residências foram implantadas de forma desalinhada e em diferentes planos de terraplanagem para viabilizar a utilização de um sistema de coleta de esgoto escolhido pelo arquiteto (Segawa e Dourado, 1997, p. 257). As casas têm orientação constante, abrindo-se para as faces norte e sul, e não há cercas divisórias nas partes fronteiras das edificações, o que deveria proporcionar “(...) uma sensação de maior largueza” (Bratke in Segawa e Dourado, 1997, p. 283). Em relação às unidades dos operários, o arquiteto optou por casas geminadas duas a duas, solução, segundo Bratke (in Segawa e Dourado, 1997, p. 285), “(...) relativamente econômica na construção e manutenção, contribuindo para um equilíbrio razoável entre espaço verde e de construção”. Há diferentes plantas, entre as quais varia, entre outras coisas, o número de dormitórios. As casas para funcionários categorizados também apresentam mais de uma tipologia.

Plantas de diferentes tipologias residenciais.

Apesar das diferenças, todas as casas possuem, segundo o arquiteto (in Segawa e Dourado, 1997, p. 285), “(...) ventilação, higiene e condições de habitabilidade (...) comum”, já que “Requisitos de uso, clima, material disponível estabelecem as características arquitetônicas de uma determinada região”. Assim, todas as casas compartilham diversas soluções. Entre elas, podemos destacar o uso de estrutura de madeira, o telhado de duas águas com beiral generoso e o embasamento de concreto recuado para evitar fungos. Além disso, as aberturas são opostas umas às outras para garantir a ventilação cruzada dos ambientes e observa-se o uso extensivo de venezianas e telas de mosquiteiro ao invés de vidro, com algumas exceções. Finalmente, Bratke propôs que houvesse uma abertura entre o forro de madeira e a cobertura de telhas de fibrocimento para criar um colchão de ar que ajudasse no conforto térmico.

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Prancha de veneziana utilizada na Vila Serra do Navio.


Prancha mostrando estratĂŠgias de conforto adotadas na casas da Vila Serra do Navio.

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Devemos lembrar ainda que os materiais usados tanto nas casas, quanto nos edifícios comuns, são os mesmos, visto que sua seleção “(...) derivou de uma racional e criteriosa análise de variáveis empíricas e econômicas”. Assim, diante da dificuldade de implantar uma cerâmica ou olaria que pudesse fornecer tijolos e telhas, optou-se por construir as vedações com bloco de concreto, que poderiam ser fabricados no local, apesar de suas deficiências enquanto isolante térmico. A praticidade também guiou a decisão de fazer as coberturas com telhas de fibrocimento, que tinham que ser trazidas de outras regiões, mas cujo transporte era mais fácil que o de telhas cerâmicas (Segawa e Dourado, 1997, p. 252). Em relação ao mobiliário, entregue junto com as casas, parte foi importado e parte desenhado pelo arquiteto e produzido na região em uma oficina montada especialmente com esse fim. Finalmente, cabe comentar o intenso uso da madeira disponível na região − presente nas estruturas, caixilhos, pisos e forros −, como veremos a seguir.

Oficinas de carpintaria e marcenaria 112

montada na Vila Serra do Navio.


O uso da madeira Para Mônica Junqueira de Camargo (2010, p. 7), na trajetória profissional de Oswaldo Bratke a “(...) experiência mais intensa com a racionalização da construção, em que também usou a madeira foi, sem dúvida, nos núcleos habitacionais do Amapá”. A decisão de utilizar esse material em diversos elementos construtivos está ligada à disponibilidade de madeira em contraposição à escassez de outros materiais, devendo as obras de concreto serem limitadas, segundo Bratke (in Segawa e Dourado, 1997, p. 286), “(...) a uma fração mínima, por falta de pedregulho, conglomerado, ou pedra para ser britada nas imediações (...) e ainda pela areia muito fina, inadequada para concreto”. Assim, apesar da falta de preparo para a exploração da madeira, esse material apresentou-se como a melhor opção, inclusive por permitir que a madeira proveniente da área desmatada para implantação do empreendimento fosse aproveitada (Camargo, 2010, p. 7).

Perspectiva da igreja e fotografia interna do edifício.

A despeito das vantagens oferecidas, houve muitas dificuldades no uso desse material. Não havia estoque local nem estufas de secagem e, mais importante, as propriedades da maioria das madeiras da região era desconhecida, visto que não havia tradição de construção com esse material. O arquiteto relata o seguinte (in Camargo, 2010, p. 7): “Não havia dados técnicos sobre as madeiras locais. Mandamos cortar de trinta a quarenta tipos e os enviamos para o Instituto de Pesquisas Tecnológicas da USP (IPT) para exame. Fizeram um estudo completo, menos quanto à durabilidade, que levaria no mínimo um ano. Com isso tínhamos conhecimento da qualidade das madeiras e selecionamos cerca de vinte tipos para as obras”. Em função das propriedades de cada espécie, decidiu-se utilizar “(...) a andiroba e louro para estruturas protegidas contra a intempérie e sucupira e maçaranduba para obras expostas. Para pisos, a mais indicada e encontrada com relativa facilidade é a sucupira. Não havendo na região fabrica-

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Vistas de casas da Vila Serra do Navio nas 114

quais notamos o padrĂŁo cromĂĄtico utilizado.


ção em escala industrial, de folhas de portas de madeira compensada à prova d’água ou de cupim, será necessário recorrer às indústrias do sul do país, o mesmo acontecendo com outras peças de esquadrias, em que o mais indicado é o cedro, encontrado com mais facilidade no Amazonas” (Bratke in Segawa e Dourado, 1997, p. 286). Assim como a escolha das madeiras, o processamento da matéria prima também encontrou dificuldades, nesse caso devido à “(...) carência de mão-de-obra de qualidade, demandando soluções muito simples e criativas, além de grande investimento na formação de operários para trabalhar em todos os setores da construção civil” (Camargo, 2010, p. 8). Segundo Bratke (in Segawa e Dourado, 1997, p. 252), o engenheiro Luiz de Mello Mattos, responsável pela fiscalização das obras, não podendo levar todos os operários de que precisava de outras regiões, “(...) montou uma oficina-escola para treinar gente do lugar, que aprendeu rapidamente a fabricar tacos, janelas, carpintaria. Os nossos desenhos foram feitos de maneira que esse pessoal pudesse entender e executar com facilidade. Ele treinou muita gente, formando uma importante mão-de-obra qualificada que depois continuou trabalhando na região, no ramo”. A experiência reduzida da mão de obra, assim como o esforço de se chegar a soluções econômicas e eficientes, levou à concepção de estruturas de madeira em sua maioria bastante singelas, embora elegantes, principalmente no caso das residências. Assim, nas habitações as peças de madeira têm seção retangular e a maior parte delas é pintada em diferentes cores com o intuito de dar variabilidade estética ao conjunto, o que, apesar de razoável, demonstra um interesse reduzido pela expressividade da superfície natural do material. Apesar disso, as propriedades da madeira foram consideradas no projeto das edificações, em que foram tomados diversos cuidados de projeto importantes para a durabilidade da

madeira, como o beiral prolongado, o que talvez explique os “(...) relatos feitos em 1992 sobre o notável estado de conservação da Vila quarenta e cinco anos depois da inauguração (...)” (Espallargas, 2009, p. 69). Nos edifícios de uso comum, especialmente na igreja e no centro de esportes, foram propostas estruturas mais complexas, também em madeira, que exploram com maior intensidade a plástica da superfície do material, que é aparente. De qualquer modo, é importante frisar que o uso da madeira na Vila Serra do Navio foi muito inovador, pois, diferente da maior parte das experiências com esse material que haviam sido realizadas até então, nesse projeto de Oswaldo Bratke a escolha da madeira é consequência de um raciocínio projetual que pretende tirar partido máximo dos recursos disponíveis. Não há, portanto, nenhum apelo regionalista ou simbólico no uso da madeira. Pelo contrário, interessa saber as propriedades de cada espécie e viabilizar a produção em larga escala. Ainda que o projeto de Bratke tenha muitas qualidades, devemos reconhecer suas limitações. Segundo Mônica Junqueira de Camargo (2010, p. 11), apesar do porte do empreendimento, que demandou a organização da produção em escala industrial, ele “Constituiu, do ponto de vista dos elementos construtivos, uma experiência, como tantas outras, fechada em si mesma, com alguns poucos detalhes incorporados pela indústria local sem qualquer reconhecimento de autoria, como os brises de madeira basculantes executados pelas oficinas locais”. Apesar da repercussão reduzida da construção da Vila Serra do Navio, na década de 1960 Oswaldo Bratke insistiu em sua convicção na potencialidade da madeira para a construção de casas econômicas ao desenvolver, a pedido do governo federal, “(...) um projeto para a casa mínima, para o qual previu peças em madeira para a produção em larga escala, mas que também não foram levadas à frente” (Camargo, 2010, p. 12).

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Catetinho

Apresentação da obra O Catetinho, batizado em alusão ao Palácio do Catete carioca, foi construído em 1956 como uma residência temporária onde o então presidente Juscelino Kubitschek pudesse hospedar-se durante suas visitas às obras de Brasília. Segundo depoimento do arquiteto Oscar Niemeyer (1998, p. 110), autor do projeto, “(...) era preciso criar um ponto de apoio naquele descampado, uma construção onde ele [Juscelino], nos fins de semana, pudesse dormir. E foi no Juca’s Bar, com o Milton Prates, que o assunto foi resolvido. Fiz o projeto de uma casa de madeira: no primeiro piso, uma sala, quartos e banheiros, e no térreo, a cozinha e um local de comer. Assinei a promissória para um banco fornecer o dinheiro. Era um presente para JK. E, em 10 dias, o Catetinho foi construído”. Apesar do despojamento com que o edifício foi projetado, seu bloco principal, um volume longilíneo elevado, possui uma planta modulada interessante e funcional na qual a

Arquitetura Oscar Niemeyer (1907-2012) Localização Brasília, DF Cliente presente para o então Presidente Juscelino Kubitschek Projeto I Construção 1956 I 1956 Acervos Arquivo Público do Distrito Federal*

*Não foram encontrados desenhos técnicos originais. Os desenhos consultados são fruto de um levantamento realizado em 2011 pela equipe técnica da 116

Secretaria de Cultura do Distrito Federal para o restauro do edifício.


circulação do primeiro pavimento – onde ficam os quartos e banheiros, a sala de despachos e o bar –, é feita através de uma varanda contínua à qual se tem acesso por uma escada. No térreo pontuado por pilotis de madeira há um depósito de alvenaria que organiza o espaço restante em duas partes, sendo uma delas utilizada para refeições. Nos fundos do bloco principal do Catetinho há um anexo, também construído principalmente em madeira, no qual ficam a cozinha com forno a lenha, a lavanderia, um banheiro e outros cômodos cujo uso original não pôde ser determinado. A planta deste bloco, cuja estrutura não foi possível depreender a partir da análise dos desenhos de levantamento consultados, é pouco rigorosa e dialoga de forma precária com o bloco principal. A inexistência de desenhos técnicos originais, que provavelmente sequer foram realizados, torna difícil saber se o anexo foi concebido por Niemeyer ou se foi resolvido durante a obra sem maior planejamento.

Histórico do projeto O chamado Palácio de Tábuas, praticamente todo construído em madeira, foi projetado e executado muito rapidamente. Nesse sentido, o fato de a obra ter sido comandada por José de Castro Chaves, ou Juca Chaves, um engenheiro experiente que havia trabalhado com Niemeyer no Palácio da Pampulha em Belo Horizonte (Cabral (ed.), sem data, p. 43), provavelmente foi importante na solução de questões técnicas não detalhadas por Niemeyer. A pressa com que foi construído o edifício, que deveria ficar pronto antes do início das obras da nova capital, fica bastante evidente no depoimento de 1981 de Sebastião Calazans (in Cabral (ed.), sem data, p. 49), que trabalhou em sua construção: “Todos nós [engenheiro, bombeiro, eletricista e mestre de obras] pegamos no cabo do machado e fomos tirar madeira ali onde é hoje a mata do Catetinho”.

Na página oposta, Tom Jobim e Viníicus de Moraes nos jardins do Catetinho. Acima, vista da escada de acesso ao primeiro pavimento,

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A urgência de terminar a obra em um prazo exíguo e a dificuldade de transportar grandes quantidades de material até Brasília talvez tenham contribuído para a escolha da madeira disponível no local como principal material construtivo da obra, embora tenha sido necessário trazer alguns itens de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro, incluindo um gerador (Cabral (ed.), sem data, p. 52). Além da economia de tempo que a madeira poderia proporcionar, a escolha desse material para a construção do Catetinho provavelmente estava ligada ao fato de o edifício ter sido concebido desde o início como temporário. A expressão “Palácio Provisório” antecede, inclusive, cada uma das notas sobre o andamento da construção do Catetinho publicadas pelo Diário de Brasília, órgão oficial da Novacap (Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil) entre 17 de outubro e 1o de novembro de 1956 (Cabral (ed.), sem data, p. 51). Segundo o arquiteto Sergio Rodrigues (entrevista, 2014), que construiu em Brasília alguns edifícios temporários de madeira, “No Plano Piloto de Brasília não era permitido fazer casa em madeira, casa em madeira era considerado algo provisório”. Mesmo as casas SR2 de Sergio Rodrigues, cuja qualidade havia sido reconhecida por Lucio Costa após a apresentação de um protótipo no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1960, deveriam “(...) depois de um certo tempo (...) ficar sendo casas de empregados, casas das crianças, (...) ter outra finalidade qualquer até serem cortadas definitivamente”. Além das edificações construídas por Sergio Rodrigues na UnB a convite de Darcy Ribeiro, foram feitos diversos outros edifícios em madeira que deveriam fornecer a infraestrutura mínima necessária para a construção de Brasília e garantir o funcionamento da cidade enquanto as obras não estivessem completamente concluídas.

De cima para baixo: Hospital do Núcleo Bandeirante; acampamento 118

dos pioneiros do Núcleo Bandeirante; Cine Teatro Brasília.


O Catetinho de Niemeyer insere-se, portanto, em um conjunto de construções de madeira concebidas como edificações provisórias. Na opinião de Andrey Schlee (2010, p. 7), grande parte dessa produção teria tido como modelo o Catetinho, o qual, por sua vez, seria uma “(...) versão povera do Park Hotel (1944), em Nova Friburgo, de Lucio Costa”. Ao falar do Catetinho, o arquiteto Ricardo Caruana (entrevista, 2014), que trabalhou com Oscar Niemeyer no projeto e construção da Universidade de Argel na década de 1970, também lembra de Lucio Costa. Para Caruana, teria sido Lucio Costa o responsável por sugerir que o Catetinho fosse feito de madeira “(...) pra ser igual a todos os barracos, pra ser leve, provisório”, pois “O Oscar não tinha cabeça pra pensar numa coisa dessas. O Oscar teria feito, sei lá, uma escultura de concreto pra simbolizar que ali morava o começo da cidade”. Embora não seja possível averiguar a veracidade dessa hipótese, é interessante que Caruana identifique uma contradição entre o internacionalismo monumental presente em grande parte da obra de Niemeyer e o uso da madeira em uma construção relativamente simples como o Catetinho. De fato, esta é a única obra projetada por Oscar Niemeyer inteiramente em madeira − na maioria de seus projetos, esse material restringiu-se a elementos secundários como brises, caixilhos e pisos, além das fôrmas para o concreto armado. A respeito dos moldes para concreto, Caruana (entrevista 2014) conta que na construção da Universidade Técnica de Argélia a madeira era descartada independentemente de sua qualidade: “A madeira chegava na obra bitolada 3 zeros depois da vírgula, embalada em plástico, maravilhoso, uma coisa de louco. Chegava aquela madeira claríssima sem nada de nó, coisa do outro mundo, e a gente fazia os moldes.

Eu era bastante atento aos moldes e, um dia antes da concretagem, entrava lá, olhava aquilo tudo e dizia “gente, daqui a pouco vão desmontar tudo isso porque vão colocar o concreto e tirar o molde”. Era o que acontecia”. O desinteresse de Oscar pela madeira como material construtivo definitivo e plasticamente predominante poderia ser entendido, para Ricardo Caruana (entrevista, 2014), como decorrência da opção de Niemeyer por uma arquitetura universal em detrimento de soluções regionalistas: “O Oscar pensava uma arquitetura pro mundo, tanto que ele fez em Brasília a mesma coisa que fizemos na Argélia (...) Ele não estava nem aí pra cultura do lugar, ele achava que o lugar não existia”. De fato, talvez para Niemeyer a madeira não parecesse adequada para a construção de uma arquitetura universalista e mais voltada à forma plástica do que a sua materialidade. O Catetinho significaria, então, um experimento pontual no qual o arquiteto teria investigado a associação da madeira a recursos arquitetônicos modernos. Para Andrey Schlee (2010, p. 7), essa combinação constituiria uma “arquitetura modernista candanga”, na medida em que sintetizaria a fusão entre a cultura dos trabalhadores que iriam construir Brasília – representada pela madeira − e a linguagem moderna – presente na volumetria do edifício, na estrutura modular e em elementos como o piloti. É interessante notar que para Niemeyer a investigação do uso da madeira – e, talvez, de uma linguagem mais próxima da tradição popular – tenha parecido adequada justamente em um projeto pautado pela urgência e pela ideia de transitoriedade. De fato, o Catetinho não foi utilizado nem mesmo até o final da construção de Brasília: a pedido do próprio Juscelino Kubitscheck, pouco após sua finalização foi construído outro pavilhão de madeira com desenho relativamente próximo ao do Catetinho. O novo edifício foi batizado de Catetão e executado em dois meses (Schlee, 2010, p. 7).

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Arquitetura O fato de o Catetinho ter sido projetado de forma apressada e de ter sido desde o início concebido com o intuito de ser temporário talvez explique a despretensão com que seu projeto parece ter sido encarado. Tudo indica que sequer foram feitos desenhos executivos para sua construção, a qual provavelmente foi sujeita a soluções improvisadas no canteiro. A inexistência de um projeto detalhado e talvez a maior tolerância a imprecisões de obra parecem materializarem-se na planta do bloco principal do Catetinho, no qual os banheiros do primeiro pavimento têm dimensões variadas, a fachada frontal possui janelas de diferentes dimensões e o depósito do térreo não é alinhado à estrutura. No edifício anexo, a leve desordem do bloco principal aparece de modo mais incisivo, não sendo possível deduzir a lógica de sua estrutura. Além disso, sua planta é confusa e seu volume não é definido.

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Catetinho em construção.


A falta de rigor do projeto e da construção do Catetinho soma-se à imprecisão do levantamento oficial consultado, havendo incongruências entre os desenhos feitos em 2011 pela Secretaria de Cultura do Distrito Federal e aqueles apresentados no livro Catetinho: o Palácio de Tábuas, editado por Eduardo Cabral e patrocinado pela mesma secretaria. Como exemplos, podemos citar que nos desenhos de levantamento, diferentemente dos contidos no livro, não há bar no primeiro pavimento, apenas um recuo para acesso ao banheiro. Além disso, há incoerências entre os desenhos – tanto do levantamento quanto do livro Catetinho: o Palácio de Tábuas – e fotografias de época e atuais. Entre as discrepâncias, podemos citar a ausência nos desenhos de um pilar na cozinha visto em fotografias. Em relação às vedações laterais no piso térreo, há imagens em que a vedação lateral da extremidade esquerda de fato está lá, outras em que não existe nenhuma vedação lateral e ainda outras em que há vedação apenas na outra extremidade do edifício.

Apesar de a documentação consultada ser restrita e de o edifício não ter sido visitado, optou-se por alterar os desenhos de levantamento nos casos em que as contradições com as fotografias de época presentes no livro e aquelas cedidas pelo Arquivo Público do Distrito Federal fossem muito evidentes. Assim, o pilar da cozinha foi inserido, o beiral foi removido e as vigas e barrotes da cobertura visíveis nas fotografias foram acrescentados. Apesar de essas alterações terem sido feitas com cuidado, ainda restam dúvidas em relação à planta e à estrutura do anexo, à estrutura do bloco principal – principalmente vigas e estrutura da cobertura − e à existência original ou não de cobertura conectando os dois blocos. Além disso, em algumas fotografias atuais parece que alguns cômodos do primeiro pavimento são revestidos internamente por sarrafos verticais ou placas, soluções cuja originalidade não pôde ser averiguada.

À esquerda, Catetinho em construção; à direita, vista posterior mostrando o anexo do edifício.

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Planta do tĂŠrreo e do primeiro pavimento.


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Corte tramsversal e longitudinal.

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Além da imprecisão da documentação oficial, algumas dessas discrepâncias provavelmente são fruto de restaurações realizadas sem respaldo histórico-crítico. No livro Catetinho: o Palácio de Tábuas (Cabral (ed.), sem data, p. 75), é relatado que durante a década de 1990 “(...) o Catetinho sofreu um ataque de cupins e quase foi destruído”. Na época, foi solicitado um parecer técnico sobre o estado do edifício à Universidade Federal do Rio de Janeiro e os técnicos da UFRJ “(...) apontaram uma série de falhas na conservação do prédio: reformas apenas para manter as aparências, paredes de revestimento original substituídas, ausência de medidas preventivas contra os cupins existentes na região” No ano de 1996, o ataque de cupins foi controlado e, segundo o livro (Cabral (ed.), sem data, p. 77), “(...) o Catetinho foi restaurado por técnicos especializados” de modo a manter as características originais da obra. O estudo aprofundado dos sucessivos restauros aos quais o Catetinho foi submetido e um esforço para determinar com precisão o modo como o edifício foi originalmente

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construído seriam importantes para balizar uma análise mais criteriosa da obra. Apesar disso, o exame dos desenhos de levantamento, dos desenhos publicados, de fotografias de época, de registros atuais e de depoimentos torna possível estabelecer uma leitura geral do projeto, como fazemos a seguir. Como já dissemos, o Catetinho possui dois blocos, ambos construídos majoritariamente em madeira: um edifício térreo reservado aos serviços e um volume sobre pilotis no qual ficam os dormitórios, banheiros, umas sala de despachos e um bar; esses cômodos são acessados por uma varanda aberta que se liga ao térreo através de uma escada destacada do volume principal. No térreo, há um depósito e uma ampla varanda para refeições. Este longo pavilhão elevado por 12 fileiras duplas de pilares de madeira de seção quadrada possui cobertura de uma água originalmente sem beiral, de modo que sua geometria é bem definida. O enfileiramento dos quartos permite que

Nesta e na outra página, Catetinho em construção.

todos eles abram-se para a fachada posterior, de orientação noroeste, assim como dois dos banheiros. Já os outros dois banheiros são iluminados e ventilados através de janelas de diferentes dimensões que olham a varanda de circulação. É interessante notar que a organização programática do Catetinho é pouco tradicional para uma residência presidencial. Assim, os quartos têm todos o mesmo tamanho, não havendo hierarquia entre eles, e há pouca privacidade, sendo a circulação do primeiro pavimento aberta. Cabe comentar também que o Catetinho, o primeiro edifício projetado por Niemeyer para a nova capital, já apresentava um desenho de matriz moderna, como fica evidente ao observarmos a racionalidade da planta, a clareza da estrutura de módulos fixos e a configuração espacial do térreo, que é praticamente livre.

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O uso da madeira O principal material construtivo utilizado no Catetinho é a madeira. Assim, a estrutura é composta por peças prismáticas de madeira maciça e as vedações são feitas com tábuas dispostas horizontalmente e encaixadas de modo a evitar a infiltração da água da chuva. Além da atenção na disposição das tábuas, havia originalmente uma peça na junção entre estas e o telhado para garantir que a água escorresse para fora do edifício, detalhe que se perdeu em suas sucessivas restaurações (Queiroz in Cabral (ed.), sem data, p. 59). Outro cuidado de projeto que evita problemas de apodrecimento da madeira é o fato de os pilares apoiarem-se em uma laje de concreto, e não diretamente na terra. No bloco anexo, apesar de térreo, os pilares e as vedações também assentam-se sobre uma laje maciça.

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Assim como a estrutura e as vedações, os caixilhos, o piso do primeiro pavimento do bloco principal e o forro dos dormitórios também são em madeira. Nas fotografias de época, vê-se que a maioria das peças de madeira são pintadas em tons claros, não sendo possível, porém, identificar o acabamento dado ao piso e ao forro. O fato de a madeira ser pintada revela um certo desinteresse pela expressividade plástica da superfície natural do material. Essa postura, que se repete na maioria dos edifícios temporários de madeira construídos durante as obras de Brasília, talvez esteja ligada à praticidade da pintura em comparação com acabamentos que deixam a superfície da madeira aparente, nos quais imperfeições, inevitáveis em edifícios construídos rapidamente sem extenso planejamento, tendem a ficar evidentes.

Nesta e na outra página, vistas do edifício.

Assim, a escolha da madeira para a construção dos edifícios temporários de Brasília, e particularmente do Catetinho, foi provavelmente motivada pela velocidade de construção e a facilidade de manipulação que esse material permite, e não tanto por suas qualidades plásticas. É condizente com essa postura o fato de que nos edifícios definitivos de Brasília a madeira seria usada em grande quantidade, porém apenas como matéria-prima de cimbramentos e formas fadados ao descarte ou em elementos arquitetônicos pontuais. A pretensa incompatibilidade da madeira com a ideia de modernidade, qualidade e elegância que se pretendia associar à nova capital do país se deixa intuir no apelido dado ao Catetinho, Palácio de Tábuas, que parece ironizar a suntuosidade sugerida pelo termo “Palácio” através da alusão às tábuas de que o edifício é feito.

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Protótipo de Casa Pré-Fabricada

Apresentação da obra Em 1960, Sergio Rodrigues apresentou um protótipo de casa pré-fabricada de madeira no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Embora em 1959 já houvesse construído outra casa utilizando o mesmo sistema construtivo, essa foi a primeira unidade apresentada ao público. O protótipo, executado em 20 dias, foi muito bem recebido pela crítica, tendo agradado inclusive a Lucio Costa (Maia, 2010, p. 6), que teria dito que aquela seria “(...) a única construção residencial em madeira permitida no Plano Piloto de Brasília”. Além da estética moderna do projeto, provavelmente despertou atenção o fato de a obra propor a construção industrializada com madeira. De fato, o protótipo apresentava ao público um sistema construtivo que Sergio Rodrigues

Arquitetura Sergio Rodrigues (1927-2014) Localização Rio de Janeiro, RJ Cliente protótipo desenvolvido para apresentação no MAM-RJ Projeto I Construção 1960 I 1960 Acervos Fundação Sergio Rodrigues

Modelo do protótipo apresentado no MAM; 128

na página oposta, vista do protótipo construído.


chamou de SR2 e que se baseava, segundo um folheto cedido pelo escritório do arquiteto (sem data), “(...) na criação de espaços a partir de uma estrutura independente, de componentes industrializados em madeira maciça, e painéis de vedação especiais”. O sistema permitia, além do mais, expansão tanto horizontal quanto vertical, possibilitando a individualização dos projetos. Ao protótipo de 47m2 apresentado no MAM seguiram-se, apenas entre 1960 e 1965, “(...) cerca de duzentas unidades, entre casas, clubes, hotéis, escritórios de campo etc. (...)” que foram montadas em quase todo o território nacional (Loschiavo dos Santos in Cals (org.), 2000, p. 153). Nas décadas seguintes, Sergio Rodrigues continuou construindo edifícios segundo o sistema SR2, o qual, revisto a partir da construção de uma casa para o próprio arquiteto em 1983, teve soluções técnicas aprimoradas e custos sensivelmente reduzidos (Galvão, 2001, p. 145).

Histórico do projeto Sergio Rodrigues formou-se em 1952 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Brasil em meio ao florescimento da arquitetura moderna carioca. Sabendo que a linguagem arrojada dessa arquitetura não encontrava respaldo no mobiliário tradicionalista disponível no mercado, Sergio Rodrigues resolveu criar em 1955 uma marca dedicada a projetar e produzir peças modernas (Loschiavo dos Santos in Cals (org.), 2000, p. 25). A proposta da marca transparece já em seu nome, Oca, que sugere o resgate das tradições indígenas (Loschiavo dos Santos in Cals (org.), 2000, p. 29), como se a construção de uma modernidade brasileira devesse partir desse passado desprezado, e não dos estilos europeus reproduzidos pelo mobiliário da época.

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A relevância do nome adotado por Sergio Rodrigues foi comentada por Lucio Costa (in Loschiavo dos Santos, 1995, p. 126) da seguinte maneira: “Oca é casa indígena. A casa indígena é estruturada e pura. Nela os utensílios, o equipamento, os petrechos e paramentos pessoais, em tudo se articula e integra, com apuro formal em função da vida. A simples escolha do nome define o sentido da obra realizada por Sérgio Rodrigues e seu grupo”. Mas Sergio Rodrigues não se voltou apenas para a cultura indígena, mas também para a mobília popular e para os materiais disponíveis no Brasil: “Quando se fala em Brasil fala-se em madeira em primeiro lugar. E se a pessoa vai fazer um estudo mais profundo sobre os materiais do mobiliário colonial, do mobiliário de diversas épocas, vai perceber que tem outros materiais também: a palhinha, o couro, o próprio cordão, o tecido. São materiais que são brasileiros, que caracterizam o brasileiro” (Rodrigues, entrevista, 2014). Foi a partir da combinação dessas referências que Sergio Rodrigues criou em 1956 uma cadeira com estrutura de

Acima, Poltrona Mole; na outra página, croqui de Sergio Rodrigues no qual 130

o arquiteto associa a figura do índio a um modo de sentar descontraído,


madeira e assento de palhinha que, na opinião de Lucio Costa (in Loschiavo dos Santos in Cals (org.), 2000, p. 41), em cuja homenagem a peça foi posteriormente batizada, seria a “primeira peça moderna brasileira feita com espírito tradicional”. Para Lucio Costa, então, a obra de Sergio Rodrigues seria definida pelo “(...) despertar de uma tradição salutar do mobiliário brasileiro de outras épocas (...)” e pela sobreposição de elementos modernos a essas reminiscências do mobiliário tradicional. A recorrência do tema da brasilidade iria manifestar-se também na expressão formal dos móveis, que contestavam os padrões ecléticos, o formalismo e os “(...) adelgaçados pés-palito que grassavam nos interiores de então”, propondo em seu lugar a “(...) grossura e a robustez estupenda da madeira brasileira” (Loschiavo dos Santos in Cals (org.), 2000, p. 27). A aposta em um desenho de mobiliário ligado à história, aos materiais e aos costumes do Brasil consagrou-se através da premiação da poltrona Mole em um concurso mundial de 1961, cujo relatório referia-se à peça como o “(...) único modelo com características atuais, apesar da estrutura com tratamento convencional, não influenciado por modismo e absolutamente representativo da região de origem” (Galvão, 2001, p. 39). De fato, na Mole compareciam a madeira e o

couro brasileiros, um desenhos robusto e, mais que isso, a proposta de um modo de sentar descontraído e informal. Ao mesmo tempo em que se dava esse reconhecimento internacional, as peças de Sergio Rodrigues foram se tornando cada vez mais requisitadas por arquitetos modernos. Em Brasília, por exemplo, seu móveis foram escolhidos para ocupar diversos edifícios, “(...) como o Palácio do Catetinho, o Palácio dos Arcos, o Senado Federal, os ministérios, o Memorial JK e a Universidade de Brasília, entre outros” (Loschiavo dos Santos in Cals (org.), 2000, p. 35). Segundo Maria Cecília Loschiavo (in Cals (org.), 2000, p. 36), a alta demanda de móveis gerada pela construção de Brasília foi extremamente importante para a Oca, pois “(...) provocou o redimensionamento da escala e a aceleração do ritmo de produção, que anteriormente era muito reduzido”. Mas Sergio Rodrigues não forneceu apenas mobiliário para Brasília, mas também casas e pavilhões pré-fabricados desenhados de acordo com o sistema construtivo SR2, desenvolvido pelo arquiteto a partir de 1959. Embora essas edificações devessem ser futuramente substituídas, já que no “(...) Plano Piloto de Brasília não era permitido fazer casa em

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madeira” (Rodrigues, entrevista, 2014), a experiência foi um sucesso no que diz respeito à pré-fabricação das peças, algo que até então vinha sendo um desafio. A esse respeito, Sergio Rodrigues (entrevista, 2014) conta o seguinte: “Só veio a ter alguma coisa nesse sentido [de maior industrialização] quando fiz algumas construções pra Brasília a convite do Darcy Ribeiro. Nesse caso a madeira era toda preparada no Rio, toda cortada em elementos pré-fabricados já estudados milimetricamente. Pré-fabricado não é pegar a madeira e fazer a casa no local com essa madeira assim; você vai produzir na fábrica e depois apenas montar”. Como vemos, havia uma diferença marcante entre o mobiliário e a arquitetura de Sergio Rodrigues. Embora algumas das peças de design fossem projetadas para a produção em série, a maioria delas era executada de modo artesanal (Galvão, 2001, p. 44); seus projetos de edificação, por outro lado, eram mais comprometidos com a industrialização apesar das dificuldades em viabilizar uma produção sistemática. O próprio Sergio Rodrigues (entrevista, 2014) reconhece a cisão entre suas facetas de designer e de arquiteto ao negar que houvesse uma inspiração mútua entre seu mobiliário e sua arquitetura. Nem mesmo as conexões entre partes de madeira eram aproveitadas: “O tipo de encaixe numa fábrica artesanal era muito mais simples. Na casa você justapunha madeira com madeira e fixava com parafuso; já no mobiliário, embora eu tenha feito algumas experiências usando os encaixes rústicos das casas pré-fabricadas, você quase sempre esculpia a madeira”. Apesar das diferenças entre o mobiliário e a arquitetura de Sergio Rodrigues, o uso recorrente da madeira é certamente um ponto em comum. Ao que parece, o interesse do arquiteto por esse material estaria ligado à ideia de que ele seria adequado para a elaboração de uma expressividade brasileira, na medida em que associado à história e à cultura do país. Além disso, as propriedades físicas da madeira certamente eram um atrativo. Diante do interesse do arquiteto pela madeira tanto como matéria prima de móveis, quanto para de edificações, é muito

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interessante a maneira como ele desconstrói a desconfiança com que muitas vezes esse material é recebido no Brasil: “Para os imperialistas romanos, a construção em pedra e cal significava a ETERNIDADE, enquanto o material bárbaro, a madeira, representava o precário, o provisório; assim, nós latinos até hoje temos esse descabido preconceito contra casas de madeira, justamente o oposto do que acontece com os povos BÁRBAROS de origem saxônica, germânica ou nórdica, cujo respeito e admiração por tal material é tão profundo que o índice de utilização da madeira em suas construções é quase absoluta [sic]” (Rodrigues in Galvão, 2001, p. 143). O reconhecimento das qualidades da madeira para a construção de edificações provavelmente contribuiu para que esse material aparecesse com ênfase já no início da carreira de arquiteto de Sergio Rodrigues. Assim, após uma primeira experiência em que, ainda estudante, integrou uma equipe experiente no projeto do Centro Cívico de Curitiba, Sergio Rodrigues iniciou em 1959 a construção de uma casa de madeira em Petrópolis. Um ano depois, em 1960, construiu um protótipo de casa pré-fabricada de madeira utilizando os mesmos elementos experimentados anteriormente. Essa obra, apresentada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro a convite de sua diretoria (Galvão, 2001, p. 33), ensaiava a aplicação de um sistema construtivo que Sergio Rodrigues chamou SR2, referência a um apelido de infância. Desde os primeiros ensaios, o sistema SR2 já possuía estrutura independente de madeira maciça serrada, sendo a vedação feita com painéis de placas de compensado. A planta era livre, devendo apenas seguir a malha ortogonal modulada em função da dimensão dos painéis de vedação. Assim, permitia-se a adaptação do sistema conforme a vontade do arquiteto e do cliente, sendo possível expandir a casa tanto horizontalmente, quanto verticalmente. A flexibilidade do SR2 abrangia também a solução da cobertura, que poderia ser plana ou em vertente (Galvão, 2001, p. 146-1477). É interessante notar que, embora o sistema SR2 tenha sido concebido para permitir a produção em escala industrial, a falta de uma indústria que fosse capaz de atender a essa demanda fez com que, em um primeiro momento, diversos procedimentos fossem artesanais.

A respeito disso, Vera Beatriz Rodrigues (entrevista, 2014), mulher de Sergio, conta o seguinte: “Eu acho que a sua [Sergio Rodrigues] intenção era fazer casas pré-fabricadas, mas tinha que ter uma indústria por trás (...) Nenhuma dessas indústrias que fazia casa pré-fabricada queria a casa dele porque a casa dele era um pouco mais requintada que as outras, era uma arquitetura, era casa de arquiteto, feita por arquiteto”. Assim, no início a produção das peças do sistema SR2 se dava na fábrica de móveis da Oca: “Em determinadas horas em que havia uma certa folga na fábrica os operários faziam esses elementos pré-fabricados, que eram artesanais (...) Depois, com o aumento do número de pedidos, foi necessário uma fábrica separada para produzir as peças; essa fábrica foi lá em Rezende” (Sergio Rodrigues, entrevista, 2014) Apesar das dificuldades em promover uma produção industrial eficaz, entre 1960 e 1965 foram montadas aproximadamente 200 edificações, desde casas até clubes e hotéis (Loschiavo dos Santos in Cals (org.), 2000, p. 153). São dessa mesma época as obras de Sergio Rodrigues em Brasília que citamos anteriormente. A partir de 1983, porém, o sistema SR2 foi revisto a partir do projeto que o arquiteto fez para a residência de sua família em Petrópolis. Segundo Tânia Nunes Galvão (2001, p. 145), esse processo, no qual a contribuição da filha de Sergio, Verônica Rodrigues, foi muito importante, teria levado a um significativo aprimoramento tecnológico das peças e do sistema como um todo, além de ter contribuído para uma sensível redução de custos. Apesar dos desafios enfrentados pelas primeiras obras do sistema SR2 − entre os quais se destacam a qualidade dos materiais disponíveis na praça e a carência de uma indústria madeireira estabelecida − o vanguardismo da proposta de Sergio Rodrigues é notável. De fato, provavelmente o SR2 foi o primeiro sistema brasileiro de construção de casas pré-fabricadas em madeira que foi utilizado em diversas regiões do país.

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A experiência de Oswaldo Bratke em Vila Serra do Navio e Vila Amazonas (1955-1960), por exemplo, embora um pouco anterior ao sistema SR2 e também comprometida com a produção de edificações em madeira de modo racional e sistematizado, restringiu-se àquela situação, não sendo reproduzida posteriormente. Do mesmo modo, o pavilhão-estúdio de madeira que Bratke construiu por volta de 1951 e as diversas edificações experimentais em madeira que realizou em sua chácara no Morumbi não foram levadas adiante. Diante da importância do sistema SR2, não deixa de ser surpreendente que ele tenha sido desenvolvido sem influência das diversas experiências de pré-fabricação em madeira que vinham sendo realizadas por diferentes arquitetos nos Estados Unidos e na Europa desde o início do século XX. Assim,

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Vistas internas do protótipo de casa pré-fabricada.


quando perguntado se a criação do sistema SR2 havia sido inspirada por outros arquitetos ou obras, Sergio Rodrigues (entrevista, 2014) respondeu o seguinte: “Não, nada. Tanto é assim que logo no início eu imaginava que estava criando alguma coisa diferente, quando na realidade era um tipo de construção nova que era feita e produzida nos Estados Unidos que eu não conhecia. Vim a conhecer depois”. O protótipo apresentado no MAM em 1960 seria, portanto, fruto de um raciocínio projetual sem lastro em experiências anteriores, o que evidencia tanto a habilidade e ousadia do arquiteto, quanto a precária circulação de informações a respeito do estado da arte da construção com madeira naquele momento histórico.

Arquitetura Construído junto ao mar com o Pão de Açúcar ao fundo, o protótipo de casa pré-fabricada apresentado no MAM em 1960 foi implantado sobre uma porção de terreno plana. Ao redor dela, havia uma cerca de madeira muito simples que, apesar de possivelmente não ter sido feita a pedido do arquiteto, negava a ideia de uma casa solta na paisagem natural, na medida em que a circunscrevia em um lote fictício em meio aos jardins do museu. Sob o volume prismático elevado do chão, foram dispostas empenas de tijolo caiado que não tocavam a estrutura da casa e escapavam de sua projeção. Os planos perpendiculares e descolados da casa, que remetem a um desenho miesiano, abrigavam uma pequena exposição. Segundo Sergio

Vista geral do protótipo mostrando a exposição que foi montada no térreo do edifício.

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Rodrigues (entrevista, 2014), a decisão de elevar a casa além da altura necessária para a preservação da madeira permitiria ao usuário utilizar essa área para uma expansão futura: “Tem que se observar certas regras de utilização da madeira. Por exemplo, a casa não pode encostar no chão, a casa tem que ficar elevada. Aí houve o seguinte: como a casa tinha que ficar elevada 70cm do chão pra não haver umidade passando diretamente eu dizia “Por que já não faz com 2m? Você faz com 2m, 2m e pouco e assim pode utilizar a parte debaixo da casa para uma possível ampliação”. Então você comprava uma casa de 50m2 que na realidade tinha 100m2 de possibilidade de ocupação: você tinha a parte de cima da casa e podia depois fazer a parte de baixo utilizando qualquer outro material, a própria madeira ou outros materiais convencionais mesmo, tijolo, pedra”. O volume elevado era acessado por uma escada protegida pela cobertura. A porta do patamar superior abria-se para um hall de circulação: à esquerda, dois quartos; ao fundo, um banheiro completo; e à direita, um único ambiente que se dividia em sala de estar, de um lado, e cozinha e sala de jantar, de outro. A cozinha e o banheiro concentravam todas as instalações hidráulicas na divisória que compartilhavam. A planta, que somava 47m2, era organizada a partir da modulação estrutural que, por sua vez, era definida em função da dimensão dos painéis de vedação. Havia 6 pilares principais, sendo 3 na extremidade da cozinha e 3 alinhados à porta de entrada. A escada e parte da sala de estar ficavam, portanto, em balanço. Os pilares eram compostos por duas peças de madeira separadas por um intervalo que abrigava as vigas, o que permitia que as peças horizontais inferiores fossem embutidas nos painéis de vedação, dando leveza ao conjunto. Já as vigas superiores eram visíveis devido a “(...) uma espécie de faixa vasada ou frecha contínua, a separar a parte superior das paredes externas e o teto” (Módulo, 1961, p. 28). Essas janelas altas e estreitas iluminavam todos os cômodos e eram muito eficazes para garantir ventilação cruzada, além de contribuírem para a separação visual entre as paredes de vedação e a cobertura. Apenas na sala de estar e na de jantar havia janelas maiores que, sendo opostas umas às outras, aproximavam a paisagem dos espaços de convivência.

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À esquerda, vistas internas do protótipo de casa pré-fabricada.


Se nos ambientes internos a superfície das paredes era lisa e branca, sendo a madeira natural visível apenas no piso de peroba e no forro de réguas estreitas, no exterior os barrotes principais dos painéis eram aparentes e davam ritmo à fachada. Os pilares, vigas principais e vigas de arremate da cobertura, também em madeira aparente, realçavam ainda mais a presença desse material, ao mesmo tempo em que evidenciavam a independência da estrutura e a lógica modular da casa. Sergio Rodrigues (entrevista, 2014) explica a solução adotada para o piso e a cobertura no sistema SR2 − presente já nesse protótipo − do seguinte modo: “Você tinha os pilares e as vigas principais que eram colocadas, claro, horizontalmente. Apoiadas nessa viga você tinha diversas vigotas e em cima um assoalho pregado. Para fazer o telhado você usava esse mesmo esquema com o mínimo de inclinação necessária para as placas de feltro asfáltico. Eram placas de 1m por 1m fixadas diretamente nas vigotas. Claro que se você quisesse um pouco mais de sofisticação você colocaria um forro de madeira e sobre ele as placas de feltro asfáltico”. Sobre o piso das áreas molhadas, o arquiteto (entrevista, 2014) conta que geralmente “(...) eram usadas chapas de amianto: não tinha esses últimos materiais, então eram chapas de amianto que eram colocadas. No final eu achei que não havia tanta necessidade disso porque a desculpa da dona da casa era “Como é que eu vou fazer isso? Tem que jogar água, esfregar, vai molhar”, mas na época colonial os pisos eram de madeira e não tinha outro piso, não tinha outro material. Então se o piso fosse todo em madeira resolveria perfeitamente, mas mesmo assim todas as casas foram feitas com essas chapas de amianto”. No caso do protótipo do MAM, porém, o piso da cozinha, que é integrada à sala, é de madeira. Não há fotos do banheiro para verificar a solução adotada. Em relação às instalações elétricas do protótipo do MAM 1960, as fotografais sugerem que não se viam tubulações. De fato, na maior parte das construções do sistema SR2

o arquiteto (entrevista, 2014) conta que costumava evitar instalações com conduítes comerciais aparentes por conta da rejeição dos clientes: “Agora, o engraçado da casa é o que o pessoal pergunta sempre: “Como é que se resolve o problema de eletricidade?”. Era de uma maneira muito fácil. Debaixo da casa você fazia feito o automóvel: colocava as entradas de eletricidade, furava próximo ao pilar, subia uma canaleta e passava o fio. Essa canaleta tinha na parte de baixo a tomada, no meio o interruptor e em cima a luz. Então a qualquer momento você podia colocar em qualquer lugar os conduítes fabricados − uma caixa de madeira com o conduíte normal por dentro. Você fazia esse instalação toda e era rápido, perfeito, sem problemas (...) Mas as instalações podiam perfeitamente ser com o tubo aparente, eu só fazia a carenagem porque muita dona de casa acharia estranho”. Finalmente, cabe notar o fato os armários do protótipo do MAM serem colocados contra a parede dos quartos. Com isso, os guarda-roupas funcionavam como isolantes térmicos, melhorando o conforto térmico do ambiente. A reportagem da Revista Módulo (1961, p. 27) sobre o protótipo do MAM comenta como o sistema SR2 propunha resolver a questão do isolamento térmico e acústico: “(...) onde fôr [sic] o caso, aumentar o índice de isolamento térmico, com uma aplicação entre as duas chapas de placa [das vedações] de “eraklit” (...) Para um ótimo aproveitamento de espaço, os armários poderão servir também de divisão entre quartos, ou mesmo dispensar qualquer fôrro [sic] de isolamento, se colocados rente à parede a ser isolada”. Como se vê, os diversos aspectos construtivos do projeto do Protótipo de Casa Pré-Fabricada apresentado no MAM foram cuidadosamente considerados com o intuito de se chegar a uma solução prática que pudesse ser reproduzida em escala industrial. Esse tipo de raciocínio funcional é coerente com os diversos outros elementos modernos do projeto, como a estrutura independente, a cobertura plana, a janela em fita que recorta todas as fachadas e a planta modulada. A solução adotada sugere, portanto, o comprometimento total de Sergio Rodrigues com os princípios da arquitetura moderna, tanto nos aspectos produtivos, quanto nos plásticos e formais.

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Planta do prot贸tipo de casa pr茅-fabricada; 138

desenho sem escala.


Vista da escada que dรก acesso ao primeiro pavimento.

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O uso da madeira O protótipo apresentado no MAM em 1960 procurava demonstrar as qualidades de um sistema construtivo que propunha o uso da madeira industrializada para a construção de edificações pré-fabricadas. Nessa obra, a madeira − cuja superfície era aparente nos elementos estruturais, no piso e no forro − foi empregada segundo uma plástica moderna que se afastava de qualquer noção de rusticidade: as peças utilizadas eram aparelhadas e a composição geral tinha princípios geométricos claros. Além disso, o protótipo do MAM, assim como os projetos subsequentes que utilizaram o mesmo sistema construtivo, foi pensado como uma edificação definitiva (Rodrigues, entrevista, 2014), algo que no Brasil era pouco comum quando se tratava de obras construídas principalmente com madeira. A abordagem moderna com que Sergio Rodrigues se apropriou desse material construtivo revela uma profunda depuração das tradições construtivas brasileiras, que seriam, segundo o arquiteto, uma inspiração para seu trabalho. Mas essas referências, que passam pela arquitetura indígena e colonial, comparecem em suas obras de modo bastante abstrato. Assim, a brasilidade que transparece no sistema SR2 está principalmente ligada à atmosfera descontraída e à leveza das obras, que segundo Sergio Rodrigues (entrevista, 2014) destoava das “(...) casas americanas ou casas suecas, que eram feitas com toras de madeira uma ao lado da outra”. A leveza de que Sergio Rodrigues fala está muito ligada ao fato de o sistema SR2 propor uma estrutura independente, o que também permite a flexibilização da planta e a expansão das unidades no plano horizontal ou vertical. Com isso, garante-se a variabilidade entre os projetos construídos com o sistema, já que, segundo o arquiteto (entrevista, 2014), “Com os mesmo elementos eu podia fazer uma casa de um ou de quatro pavimentos”. Sergio Rodrigues (entrevista, 2014) conta que para a definição da estrutura do SR2 foi essencial ponderar quais materiais eram abundantes no mercado e identificar “(...) uma madeira fácil de encontrar”. Segundo reportagem de 1961 da Revista Módulo (p.26), “A estrutura é de peroba maciça, mas de acôrdo com as bitolas vigentes na praça, quer dizer, de 3 polegadas (0,075m) e múltiplos e submúltiplos. Se a aceitação pública fôr [sic] de ordem a levar os arquitetos projetadores a empreender a produção em larga escala desses modelos em madeira, isso obrigará a, deixando a fase experimental, entrar em verdadeiro processo de industrialização. E, para começar, modificarão o módulo típico das peças maciças de 3 para 2 polegadas (0,05m), já que a resistência e a fle-

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xão das peças apresentarão as mesmas propriedades das bitolas atuais do mercado (3 polegadas), com a vantagem da redução de um têrço na madeira e de tornar o material mais acessível e mesmo mais elegantes as estruturas”. Assim, diferente dos móveis da Oca, que por vezes utilizavam madeiras mais raras e, portanto, mais caras, no sistema SR2 as decisões de projeto estavam intrinsecamente ligadas ao problema do custo e à viabilização da construção. Apesar da preocupação com questões práticas, a falta de uma indústria que pudesse atender à demanda dos projetos de Sergio Rodrigues foi um problema na implantação do sistema SR2: “Quando se fala em uma arquitetura pré-fabricada com madeira ou qualquer arquitetura, você tem que ter uma indústria acompanhando (...) Então quando imaginei a casa pré-fabricada e fiz o primeiro protótipo, fiz como ela deveria ser se fosse industrializada apesar de ainda não haver fábrica pra isso. Se ela não fosse industrializada seria caríssima porque a madeira é cara” (Rodrigues, entrevista, 2014). De fato, a produção das peças do sistemas SR2 não se deu de forma exclusivamente industrializada. Conforme comentamos, incialmente a produção se dava na mesma fábrica dos móveis da Oca e fazia uso dos recursos disponíveis. Mesmos quando, com o aumento dos pedidos, “(...) foi necessário uma fábrica separada para produzir as peças (...)” (Sergio Rodrigues, entrevista, 2014), a dificuldade em instituir uma produção exclusivamente industrializada persistiu. O depoimento de Sergio Rodrigues (entrevista, 2014) reforça os desafios enfrentados na tentativa de viabilizar a construção industrial dos projetos do sistema SR2: “(...) as primeiras casas foram feitas nesse sistema artesanal. Eu não podia dizer que eram pré-fabricadas. Eram pensadas para serem pré-fabricadas porque eu queria industrializar quando tivesse a indústria necessária. Só veio a ter alguma coisa nesse sentido quando fiz algumas construções pra Brasília a convite do Darcy Ribeiro. Nesse caso a madeira era toda preparada no Rio, toda cortada em elementos pré-fabricados já estudados milimetricamente. Pré-fabricado não é pegar a madeira e fazer a casa no local com essa madeira assim; você vai produzir na fábrica e depois apenas montar”. Além do descompasso entre a concepção seriada do sistema SR2 e a precária indústria madeireira brasileira, a dificuldade em viabilizar a comercialização dos projetos foi um dos motivos que levaram o arquiteto a gradativamente interromper a produção de edificações em madeira (Rodrigues, entrevista, 2014). É preciso comentar, porém, que apesar das dificul-

dades há centenas de obras construídas segundo o sistema SR2, sendo que a mais recente de que temos notícia é uma casa de 2006 (www.sergiorodrigues.com.br). De qualquer modo, é notável que grande parte das soluções adotadas em obras posteriores já estivessem presentes no protótipo do MAM, a começar pela estrutura independente feita com pilares compostos por duas peças entre as quais são encaixadas as vigas. O sistema de vedação utilizado na maioria das obras do sistema SR2 também é similar ao utilizado em 1960 e seria, segundo Rodrigues (entrevista, 2014), “(...) uma certa adaptação do Modulor de Le Corbusier”. Em termos práticos, a vedação do sistema SR2, independente da estrutura, é resolvida por placas de 1,22m x 2,50m. Estas são constituídas por dois painéis de compensado “(...) à prova d’água, podendo ser forradas, ou não, do lado interno” (Módulo, 1961, p. 26-27), como era o caso do protótipo do MAM. As placas são estruturadas internamente por barrotes secundários de madeira. Nas primeiras casas, não era utilizado nenhum material isolante em seu miolo (Sergio Rodrigues, entrevista, 2014). Outra questão interessante refere-se às fundações utilizadas pelo sistema SR2 e, muito provavelmente, no protótipo do MAM. Segundo Sergio Rodrigues (entrevista, 2014), as primeiras casas utilizavam sapatas de 0,7m x 0,7m de concreto nas quais era encaixada uma “(...) língua, que era metade de um pilar que ficava preso à sapata esperando o pilar em si, que entrava e encaixava”. Por ficarem mais próxima do solo, as “línguas” eram tratadas com feltro asfáltico, enquanto que o restante das peças era “(...) tratada com um material anti-bicho qualquer (...) que garantia por um determinado período a durabilidade da peça”. No caso do protótipo do MAM, o beiral também ajudava a conferir maior durabilidade às peças de madeira. Como vemos, o apuro técnico das soluções construtivas adotadas no sistema SR2 é evidente, assim como o conhecimento a respeito dos cuidados de projeto necessários para a boa conservação da madeira. Considerando ainda o fato de o sistema propor a pré-fabricação combinada a uma estética moderna, especialmente evidente no protótipo do MAM, a proposta de Sergio Rodrigues para a construção com madeira parece em sintonia com as experiências europeias e norte-americanas, embora o arquiteto não as conhecesse. Cabe notar ainda que como todos os aspectos definidores do sistema SR2 já estavam presentes no protótipo de 1960, essa obra constituiu, na época em que foi construída uma declaração extremamente ousada acerca da possibilidade de se conceber uma arquitetura moderna e comprometida com a indústria utilizando a madeira como principal material construtivo.

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Residência na Praia da Lagoinha

Apresentação da obra A Residência na Praia da Lagoinha é uma casa de veraneio térrea projetada por Carlos Millan em 1967. Seu volume, fortemente horizontal, é definido por um telhado de duas águas que abriga três blocos independentes – quartos, banheiros e área social. A circulação entre essas áreas se dá através da varanda, protegida apenas pela cobertura, e propicia uma convivência descontraída, ao mesmo tempo em que evidencia a paisagem. Esta, segundo depoimento de Masseti recolhido por Carlos Faggin (in Koury e Anelli, 2010, p. 19), teria servido de inspiração para o projeto desde o início, pois “Millan, ao visitar o terreno, ficou grande tempo observando a sua posição particular entre a foz do rio Lagoinha e o mar. Fez alguns rabiscos na areia e disse ter resolvido o projeto”.

Arquitetura Carlos Barjas Millan (1927-1964) Localização Praia da Lagoinha, Ubatuba, SP Cliente Mário Masetti Projeto I Construção 1964 I 1967 Acervos Biblioteca FAU-USP

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Vista externa da cozinha.


A sensibilidade de Millan em observar a paisagem parece inspirar a implantação da casa, cujo lote é definido com muros de pedra de desenho fluido. As particularidades do lugar, uma região de Mata Atlântica que ainda guardava “(...) reminiscências da primeira ocupação colonial em meio a poucos assentamentos de “caiçaras” (...)” (Koury e Anelli, 2010, p. 5), talvez explique também a opção por uma plástica de matriz popular, a qual transparece em elementos figurativos da arquitetura tradicional − como o telhado de duas águas – e no uso de materiais construtivos corriqueiros − como a estrutura de madeira roliça e as vedações de tijolo caiado. Esses elementos rudimentares estabelecem uma tensão interessante com a estrutura modulada, a planta funcional e a espacialidade moderna da casa, resultando em um conjunto que, nas palavras de Paulo Mendes da Rocha (in Revista Projeto, 1989), “(...) é simples, de desenho popular interpretado com refinamento e mesmo erudição”.

Vista da casa em construção.

Histórico do projeto A casa da Praia da Lagoinha é provavelmente o último projeto completado pelo arquiteto Carlos Millan (Matera, 2005, p. 259), que morreu precocemente em um acidente de automóvel em 1964, pouco mais de uma década após completar sua formação na Faculdade de Arquitetura Mackenzie. Apesar da brevidade de sua carreira profissional, Millan destacou-se na cena arquitetônica paulista e “(...) deixou um legado de idéias expressas, tanto nas suas obras como através de sua atividade acadêmica (...)” que influenciou diversos arquitetos de sua geração (Camargo, 2005, p. 3). Havia diferenças, no entanto, entre a arquitetura de Millan, marcada pela contenção estrutural, e a produção de diversos arquitetos paulistas em cuja obra costumavam ser enfatizadas as possibilidades estruturais do concreto armado. A respeito disso, Jean Maitrejean (in Camargo, 2005, p. 7), que se

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aproximou de Carlos Millan enquanto ambos lecionavam na FAU-USP, comenta que Millan “(…) não trabalhava a estrutura com a pretensão de fazer vãos desnecessários. Eram vãos necessários, muito bem organizados. (…) A sua arquitetura é muito simples e bonita”. A simplicidade a que se refere Maitrejean seria fruto de uma abordagem racional e do rigor de detalhamento construtivo presente nos projetos do arquiteto, que para Sérgio Ferro (in Camargo, 2005, p. 7) talvez fosse, “(…) sob o ponto de vista da coerência construtiva, (…) o mais exigente de todos [os arquitetos a ele contemporâneos]. (…) O guia dele era a razão”. A ênfase nos aspectos construtivos da arquitetura ajuda a explicar o “(...) profundo respeito por aquilo que é o encaixe, a viga, o tamanho, a dimensão (…)” que Millan, segundo Jorge Wilheim (in Camargo, 2005, p. 8), manifestava em sua obras. Ainda segundo Wilheim, Millan chamava o modo como detalhava seus projetos “(...) de japonesismo, da arquitetura tradicional japonesa, cuja construção em madeira é artesanal, de uma sofisticação de encaixes e de detalhes construtivos muito grande”. Apesar de o próprio Millan comentar a influência da arquitetura tradicional japonesa em madeira em sua produção, esse material aparece com pouca ênfase na maior parte de seus projetos, geralmente restringindo-se a elementos secundários como piso, forro, caixilharia e mobiliário. Mas o fato de a madeira aparecer como coadjuvante em grande parte de suas obras não impede que Millan demonstre uma grande sensibilidade para com o material através da qualidade de detalhamento da caixilharia e do mobiliário de seus projetos de arquitetura. Certamente esse seu conhecimento acerca da madeira está ligado a sua experiência na loja Branco & Preto, criada em 1952 com os colegas Chen Y. Hawa, Jacob Ruchti, Miguel Forte, Plínio Croce e Roberto Aflalo. A loja de móveis, pensada para oferecer móveis e projetos de interiores modernos (Acayaba 2010, p. 8), teria, na opinião de Mônica Junqueira de Camargo (2005, p. 11), aproximado Millan ainda mais do rigor do detalhe que o arquiteto iria perseguir ao longo de toda sua trajetória.

De cima para baixo, Mesa Aranha e poltrona MF5, 144

ambas da Móveis Branco & Preto, e Casa Eternit.


Se sua atividade como designer iria influenciar sua arquitetura, o contrário também é verdade, visto que a racionalidade e funcionalidade que podemos identificar nos projetos de edificação de Millan comparecem também em seus desenhos de móveis. Assim, para Marlene Acayaba (2010, p. 9) os móveis da Branco & Preto não eram pensados como escultura; pelo contrário, deveriam ter clareza estrutural e qualidade ergonômica. Ao mesmo tempo, o mobiliário desenvolvido deveria relacionar-se com a produção tradicional, articulando “(...) madeiras como jacarandá-da-baía, caviúna, cabreúva ou pau-marfim com mármore-calacata, fórmica, vidro ou ferro (...)”. O contraste entre os diferentes materiais deveria valorizar as qualidades individuais de cada um deles e seria justamente essa combinação que revelaria a essência brasileira. Apesar do interesse por madeiras nacionais e pelo mobiliário tradicional, parte dos arquitetos da Branco & Preto − especialmente Plínio Croce, Roberto Aflalo e Carlos Millan − procuravam dar um caráter industrial a seus móveis devido à influência de Richard Neutra, Marcel Breuer e Mies van de Rohe, cujos desenhos de mobiliário eram pautados pela racionalidade. Assim, os móveis da Branco & Preto eram criados “(...) a partir de formas geométricas, de superfícies lisas, da lógica construtiva e do emprego de novos materiais” (Acayaba, 2010, p. 10). Embora esses cuidados de desenho tornassem possível executar os móveis em série, a falta de uma demanda consistente e as dificuldades de gestão de uma produção industrial fizeram com que os móveis da Branco & Preto fossem restringidos a uma produção artesanal de pequena quantidade (Acayaba, 2010, p. 11). A oscilação entre uma abordagem ora mais artesanal, ora mais industrial no uso da madeira repete-se na década de 1960 em dois projetos de arquitetura, ambos publicados na revista Acrópole em setembro de 1966 − um protótipo de habitação desenvolvido em 1960 para a multinacional Eternit, fabricante de placas de fibrocimento, e a Residência na Praia da Lagoinha, projetada em 1964.

Enquanto o protótipo projetado a pedido da Eternit tinha como premissas a reprodutibilidade e o emprego dos produtos industriais fabricados e comercializados pela empresa, a casa de veraneio na Praia da Lagoinha era um projeto único para uma região pouco urbanizada e deveria ser construída com mão de obra local. As diferenças entre os projetos ficam evidentes no modo como a madeira é utilizada em cada um deles. Assim, no protótipo da Eternit esse material está presente em diversos elementos − na articulação entre os painéis de vedação, na estrutura do forro e na estrutura do telhado − mas é pouco visível, destacando-se, ao invés dela, os produtos industrializados Eternit que o projeto deveria promover (Koury e Anelli, 2010, p. 11-14). Na Residência na Praia da Lagoinha, por outro lado, a madeira aparece com muita expressividade junto a outros materiais disponíveis nas redondezas, todos utilizados em estado quase bruto. Na opinião de Ana Paula Koury e Renato Anelli, os partidos contraditórios que transparecem nos dois projetos do início de década de 1960 de certo modo os aproximariam, na medida em que ambas as obras constituiriam experimentos em relação ao modo como o arquiteto poderia atuar em “(...) situações contrastantes de produção construtiva” (Koury e Anelli, 2010, p. 23) típicas de um país em que a industrialização “(...) não foi capaz de superar as contradições e desigualdades do passado rural do qual a modernização cultural e arquitetônica buscava emancipar-se” (Koury e Anelli, 2010, p. 5). Desse modo, diante das incongruências do desenvolvimento periférico brasileiro Millan teria experimentado duas abordagens: a primeira, representada pelo protótipo de habitação para a Eternit “(...) apontava para a continuidade do desenvolvimento nacional através da industrialização (...)”, enquanto que a segunda, sintetizada na Residência na Lagoinha, priorizava técnicas construtivas em “manufatura rudimentar” (Koury e Anelli, 2010, p.5) e contrapunha em si mesma “(...) a ordem funcional moderna e a rudimentaridade de técnicas construtivas e materiais locais” (Koury e Anelli, 2010, p. 6).

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Arquitetura A casa na Lagoinha resume-se a uma grande cobertura de duas águas que abriga três volumes: um reservado aos quartos, outro a dois banheiros e o último à sala e à cozinha. A varanda que comunica esses blocos é a um só tempo circulação e espaço de estar e compreende diferentes atmosferas. Na extremidade do bloco dos quartos, por exemplo, a varanda alarga-se devido a uma curva no muro de pedra que a delimita e adquire um tom mais íntimo; entre os banheiros e a cozinha, por outro lado, a varanda abre-se para os fundos e para a frente da casa, enfatizando sua transparência e criando um espaço de sociabilidade mais expansiva. É interessante notar que a projeção da cobertura e o desenho da varanda são desencontrados, o que parece evidenciar a permeabilidade entre espaço interno e externo e o despojamento da organização programática da casa. Essa

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Vista a partir da extremidade do bloco dos quartos.


simplicidade parece ser um dos temas da obra: até mesmo seu projeto executivo, resolvido em 4 pranchas, mostra-se bastante sintético quando comparado, por exemplo, com o da Residência Fujiwara, desenvolvido por Millan entre 1954 e 1955, que possui mais de 100 pranchas (Matera, 2005, 165). Os desenhos gerais, na escala 1:25, são compostos por 1 planta, 3 cortes e 3 vistas, além da implantação. As ampliações, por outro lado, foram feitas na escala 1:5 e, embora representem caixilhos e mobiliário fixo, não explicitam certos aspectos construtivos, como as conexões entre peças de madeira e entre estas e elementos de alvenaria.

das do próprio terreno, enquanto que “(...) o madeiramento [foi] selecionado na mata local de acordo com as medidas do projeto executivo” (Matera, 2005, p. 359). Com essa madeira não aparelhada foram feitas as ripas, caibros e vigas − com diâmetro aproximado de 5, 10 e 20 centímetros, respectivamente – que apoiam a cobertura de duas águas de telhas cerâmicas, cuja carga é descarregada ora em pilares roliços de madeira, ora na própria alvenaria. Todos os acabamentos parecem seguir essa plástica rudimentar: as paredes são de tijolo aparente caiado de branco; o piso é de tijolo, exceto nas áreas úmidas, onde é de cimento pigmentado de azul; e os caixilhos são de madeira pintada de azul (Matera, 2005, p. 359-360).

Esse modo de projetar parece compatível com a mão de obra que seria utilizada na construção da casa, assim como com a imprecisão dos próprios materiais, extraídos em parte da redondeza: as bases de pedra, por exemplo, foram retira-

À esquerda, implantação; à direita, vista do balcão da cozinha em construção.

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1

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Elevações e planta; no desenho original o norte não está indicado.


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1

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Cortes transversais e vista lateral.

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O uso da madeira No projeto de Millan para a Residência na Lagoinha, os materiais têm acabamento bruto e sua heterogeneidade é enfatizada. Embora a madeira não seja o único material em evidência no projeto, ela sem dúvida tem uma presença muito marcante, estando presente nos pilares e vigas, no madeiramento do telhado, nos caixilhos, no forro dos quartos e no mobiliário embutido. Em grande parte das peças a madeira não é aparelhada e sua superfície é aparente; mesmo nos batentes, que têm seção prismática, e nos caixilhos, que são pintados de azul, o acabamento dado à madeira é simples. Assim, esse material é utilizado em sintonia com a plástica rudimentar que permeia o projeto e é condizente com o despojamento da planta e com a reinterpretação de elementos típicos da arquitetura popular, como o telhado de duas águas e o forno a lenha que constitui a peça central da cozinha.

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Detalhes de caixilharia; desenhos sem escala.


A opção por técnicas construtivas rudimentares e por materiais corriqueiros com acabamento bruto é recorrentemente interpretada como consequência da falta de infraestrutura do local e da dificuldade de acesso de materiais, maquinário ou mesmo de mão de obra que não fosse da região, já que na década de 1960 a ocupação da Praia da Lagoinha ainda era incipiente. Ana Paula Koury e Renato Anelli (2010, p. 17) contestam, no entanto, essa hipótese ao lembrar que “(...) no ano de 1962, em local próximo, Rino Levi construiu a Casa Gomes, utilizando estrutura em concreto e alvenaria aparente, sem nenhum apelo à figuratividade das construções locais (...)” e que o “(...) próprio Millan, em 1958, projetou a casa Marino, na mesma praia de Lagoinha, com um volume único coberto por telhado de uma água, no qual está ausente qualquer retórica às construções “caiçaras” (...)”.

Vista frontal da Residência na Praia da Lagoinha.

O uso de técnicas de construção populares e materiais pouco processados seria, portanto, uma opção de projeto e não uma resposta lógica às restrições impostas pelo isolamento do local da obra. Apesar da escolha deliberada de empregar soluções artesanais, para Ana Paula Koury e Renato Anelli (2010, p. 22) “(...) Millan não realiza seu projeto da Casa Masetti em Lagoinha com o intuito de uma recuperação romântica de técnicas populares ali presentes (...), mas sim como elemento reflexivo de contraste que potencializa o rigor formal e funcional da arquitetura moderna. A solução construtiva adotada em Lagoinha não impede que a planta apresente uma organização funcional do programa, resultando em uma operação estética que enfatiza a coexistência do arcaico e do moderno (...) a opção por uma técnica construtiva rudimentar (...) [parece] pretender elucidar o caráter da técnica, compreendida no âmbito dos processos sociais de setores produtivos diversos que coexistem em diferentes graus de desenvolvimento no país”.

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Para os autores, portanto, o uso da madeira na Residência da Lagoinha, assim como do tijolo e da pedra bruta, teria uma conotação arcaica que seria ressignificada através da combinação desses materiais a uma planta racional e a uma espacialidade moderna. A justaposição do rudimentar ao moderno refletiria a combinação paradoxal entre tradição e modernidade existente no Brasil e sugeriria a tese de que para Millan explorar as contradições socioeconômicas brasileiras seria uma opção tão interessante quanto tentar eliminar as marcas do arcaísmo através da industrialização. Mas talvez o uso plástico da madeira em estado quase natural não signifique apenas uma proposta para a atuação do arquiteto na sociedade brasileira, como defendem Koury e Anelli, mas também revele uma certa romantização do modo de construir popular. Não deixa de ser interessante que a casa de Millan na Lagoinha tenha ressurgido na imprensa de arquitetura após anos de esquecimento em 1989 através de uma edição da

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Vista da Praia da Lagoinha.


Revista Projeto em que Hugo Segawa reunia, “(...) após apresentar um conjunto de obras de Severiano Porto e Luis Barragán, as três casas de Lúcio Costa para Thiago de Mello em Barreirinha (AM), uma de Vilanova Artigas na praia de São Sebastião (SP) e uma de Paulo Mendes da Rocha na mesma praia de Lagoinha em Ubatuba (SP)” (Koury e Anelli, 2010, p. 22). Acompanhava a publicação um depoimento de Paulo Mendes da Rocha no qual o arquiteto comentava a proximidade entre a casa de Millan e aquela que projetara na mesma praia em 1974 para Artemio Furllan. Nesse texto, Paulo Mendes da Rocha (in Revista Projeto, 1989, p.88) fala da casa de Millan como “(...) uma construção cabocla com programa de veraneio, uma coisa que parece que sempre esteve lá, de tão singela, suave a transparente”. Mais adiante, comenta o trabalho de um casal local que construiu o telhado da Residência Arthêmio Furllan e pouco depois refez o da casa de Millan, “(...) dois maestros caboclos que sabem de coisas que jamais saberemos. Distâncias que teremos que sempre aproximar...”.

Talvez a tentativa de incorporação dessa sabedoria do caboclo, inacessível ao homem erudito, não seja apenas uma interpretação tardia elaborada por outro arquiteto, mas também permeie a concepção original do projeto de Millan. Nesse sentido, o projeto de Millan não se distanciaria da lógica industrial apenas para experimentar uma maneira alternativa de enfrentar as contradições sociais, culturais e econômicas da modernização brasileira, mas também para aproximar-se da “harmonia (...) entre o homem interior e exterior (...)” (Loos in Rykwert, 2003, p. 20) que Adolf Loos via no camponês já em 1909. Esse interesse pelo saber não acadêmico encontraria sua expressão, entre outros elementos, no uso da madeira bruta, de modo a dialogar com uma longa tradição que associa a esse material um caráter primitivista.

À equerda, vista frontal da casa, à direita, vazio central com bloco dos banheiros ao fundo.

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Casa Artemio Furlan

Apresentação da obra A Casa Artemio Furlan foi projetada em 1973 pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha para um lote na praia da Lagoinha “(...) como um contraponto àquela outra do Millan, onde o erudito e o popular estão em confronto (...)”(Mendes da Rocha in Revista Projeto, 1989, p.88). É uma casa térrea com cobertura de quatro águas estruturada por peças de madeira roliça, vedações de tijolo maciço caiado e piso de tijolo aparente. A planta retangular organiza-se em duas alas, sendo uma dedicada aos dormitórios e outra à cozinha e aos espaços de convivência. A porção mais livre da casa possui um aterro artificial que se prolonga em direção ao jardim, diluindo a divisão entre ambiente interno e externo. A conexão entre a casa, o quintal

Arquitetura Paulo Mendes da Rocha (1928) Localização Praia da Lagoinha, Ubatuba, SP Cliente Artemio Furlan Projeto I Construção 1973 I ? Acervos Arquivo do arquiteto; cópias digitalizadas do anteprojeto cedidas pelo Professor Daniele Pisani.

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Vista geral com o patamar elevado à direita.


e, em última instância, a rua, é reforçada pela existência de portas para o exterior em todos os cômodos, inclusive nos banheiros, o que proporciona uma circulação livre que, para Paulo Mendes da Rocha (prancha de anteprojeto), condiz com “(...) a intensa movimentação dos banhistas, crianças, hóspedes”. Nesse sentido, o interesse do projeto recairia, para o arquiteto, principalmente em sua planta, “(...) que distribui os espaços de uma forma muito adequada a [sic] vida nas praias (...)”. A ideia de que as árvores constituam “(...) com sua sombra, uma extensão da casa, garantindo o uso dos 3 páteos, inclusive para refeições” (Mendes da Rocha, prancha de anteprojeto), sugere a ideia de uma casa suave e transparente, adjetivos que Mendes da Rocha (in Revista Projeto, 1989, p.88) usa para descrever o projeto de Millan para a mesma praia.

Histórico do projeto Na opinião de Daniele Pisani (2013, p. 87), a casa unifamiliar não é, na obra de Paulo Mendes da Rocha, “(...) um tema isolado: entre a casa e a cidade existe um limiar indefinido (...)”. Nesse sentido, suas casas representariam “(...) uma narrativa sintética das características predominantes e do desenvolvimento da obra (...)” do arquiteto. Assim, a Casa Artemio Furlan, apesar de na superfície destoar do corpo principal da obra de Mendes da Rocha, materializa temas presentes em projetos mais emblemáticos do arquiteto, como a Casa Butantã, projetada a partir de 1964. Nesta obra, a “(...) presença de um espaço antes de tudo uno e articulado (...)” revela “(...) algumas das intenções mais profundas da obra de Mendes da Rocha nessa fase (...) [como a ideia de] pôr abaixo as barreiras

À esquerda, vista interna do patamar elevado; à direita, porta do patamar que se abre para o jardim.

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residuais em cujos interiores o indivíduo se fechava” (Pisani, 2013, 94-96). Estes “(...) mesmos princípios que a casa do Butantã enunciava em termos peremptórios (...)” também estariam presentes na Casa Artemio Furlan, na qual “A aspiração é deixar transparecer, por meio de sua nudez, as características difíceis e fundamentais de uma vida doméstica despretensiosa e que ainda conserva alguma coisa da “vida descalça do pescador”” (Pisani, 2013, p. 144). Além de “(...) resgatar um estilo de vida pré-burguês” (Pisani, 2013, p. 144), a casa de Mendes da Rocha na Praia da Lagoinha retoma outros temas presentes em sua obra residencial urbana, como “(...) o uso de aterros artificiais para organizar (...) ambientes sociais (...)” (Zein, sem data, p. 147). A Casa Artemio Furlan também dialoga com suas outras casas de veraneio, as quais teriam em comum um maior “(...) grau de liberdade nos contrastes entre os hábitos e a “convivência”, em geral impossível nas casas urbanas” (Pisani, 2013, p. 139). Levando em conta o fato de as casas de praia e campo representarem “(...) uma interessante oportunidade de experimentação com materiais e programa face seu menor compromisso funcional (...)”, Ruth Verde Zein (sem data, p. 147) compara doze casas de veraneio do arquiteto que se dividem em duas vertentes: aquelas que assumem um partido mais fragmentado e aquelas que abrigam o programa em apenas um volume, dentre as quais estaria a Casa Artemio Furlan. Entre as oito casas de veraneio resolvidas sob uma única cobertura, a maioria delas também tem em comum a organização do programa “(...) em duas faixas paralelas, uma livre e social, a outra compartimentada e íntima − que no limite poderia ser considerada igualmente uma variante do esquema palladiano onde as três faixas foram reduzidas a apenas duas alas” (Zein, sem data, p. 147).

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A aproximação da arquitetura palladiana com a casa bandeirista paulista é, para Zein (sem data, p. 147) , inevitável, “(...) justificando de certa maneira a opção pelo telhado em quatro águas presente em duas dessas casas”, dentre elas aquela na Lagoinha. Mas talvez mais evidente que a referência bandeirista seja aquela da casa projetada por Carlos Millan na mesma praia alguns anos antes, descrita pelo próprio Paulo Mendes da Rocha (in Revista Projeto, 1989, p.88) como “(...) um harmonioso e agradável conjunto de paisagem e construção (...)”. A casa de Millan e a de Mendes da Rocha têm em comum a contraposição da cobertura em vertente e do emprego de materiais tradicionais como o tijolo e a madeira a uma planta moderna, atitude que, para Mendes da Rocha (in Revista Projeto, 1989, p.88) “(...) marca de forma nítida o que pensam os arquitetos a respeito da modernidade, do popular e erudito, de técnicas construtivas em relação às falsas disputas dos que querem sempre estabelecer parâmetros rígidos para a criatividade e invenção na arquitetura (...) procurando enquadrar os artistas com idiossincráticas molduras onde, de fato, os artistas não cabem”. Paulo Mendes da Rocha (in Revista Projeto, 1989, p.88) segue afirmando que na Casa Artemio Furlan “(...) o erudito e o popular estão em confronto não só pela via acadêmica, do meu diploma, mas também pela memória que tenho das praias e do sertão da minha terra natal, onde passei grande parte da infância”. Ao que parece, para Paulo Mendes da Rocha a presença de elementos populares na casa que projetou para a Lagoinha não significaria um distanciamento da ideia de modernidade que perpassa sua obra, mas um experimento em torno da tensão entre o popular e o erudito, entre as memórias de infância e o diploma do arquiteto.

Arquitetura Um dos elementos mais evidentemente ligados à cultura construtiva popular da Casa Artemio Furlan, o telhado de quatro águas com estrutura aparente de madeira roliça, não está presente em um dos estudos feitos por Paulo Mendes da Rocha para o projeto durante seu desenvolvimento. Nele, a planta é praticamente igual àquela da versão final construída, com exceção da presença de quatro pilares, ao invés de dois, que sustentam uma cobertura plana de concreto. Não foi encontrado nenhum depoimento que explique o motivo pelo qual o arquiteto preferiu substituir a cobertura plana pelo telhado em vertente, mas o fato de a planta de ambas as soluções ser praticamente a mesma parece reforçar que a distribuição de programa e a organização espacial da Casa Artemio Furlan têm matriz moderna. Nesse sentido, a organização da planta retangular da casa é muito clara: na face sul, a ala íntima da casa, são dispostos lado a lado três dormitórios, dois banheiros completos e uma suíte para serviço; na face norte, destinada aos espaços de convivência, ficam a cozinha, cujo limite é definido por uma despensa de alvenaria, a sala de refeições e, em um patamar elevado, a sala de estar. Entre essas duas alas de profundidade similar há uma galeria de circulação na qual se encontram os dois pilares de madeira roliça que suportam a cumeeira da cobertura. É interessante notar que a parede que define a ala íntima não vai até o telhado, seguindo o gabarito das paredes externas da casa. Há um vão, portanto, entre a face superior da parede e o telhado, contradizendo, como em outras obras do arquiteto, a ideia do dormitório com total privacidade. Esse despojamento parece coerente com a existência de portas que se abrem diretamente para o jardim em todos os cômodos, inclusive banheiros, sugerindo uma circulação livre

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Planta da ResidĂŞncia Artemio Furlan; desenho sem escala.


Vista e corte da ResidĂŞncia Artemio Furlan; desenho sem escala.

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e informal que dá ao usuário a possibilidade de sair para o jardim a todo momento. O fato de o patamar da sala de estar não coincidir com a projeção da cobertura reforça a continuidade entre a casa e o ambiente externo, ao mesmo tempo em que delimita, através de seu volume, pátios externos que, de acordo com Paulo Mendes da Rocha, poderiam ser usados para refeições. Essas varandas ao ar livre deveriam, segundo o arquiteto (prancha de anteprojeto), ser protegidas pela copa de árvores “(...) próprias do lugar (...) mangueiras (...) castanheiras”. O despojamento que permite que a casa se abra para o jardim transparece também na escolha de seus materiais construtivos: madeira roliça e aparente na cobertura, telhas de barro, caixilharia de madeira pintada, tijolos caiados nas paredes e aparentes no piso. São todos materiais comuns na arquitetura popular e sua escolha sugere o intuito de “(...) reduzir ao máximo e despojar o “habitar” de toda superestrutura” (Pisani, 2013, p. 144).

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Prancha de anteprojeto.


A atmosfera de austeridade da Casa Artemio Furlan também está presente na Residência na Praia da Lagoinha de Carlos Millan, onde são usados materiais semelhantes. Paulo Mendes da Rocha não encontra, porém, um lote com as mesmas qualidades daquele “(...) na desembocadura do rio Lagoinha, junto ao costão e à largueza da praia (...)” que tanto inspirou Millan (Mendes da Rocha in Revista Projeto, 1989, p.88). A Casa Artemio Furlan, restringida a um lote que, embora de esquina, é pouco generoso, sofre interferência dos muros excessivamente próximos aos limites da casa, o que parece prejudicar a eloquência do seu desenho, favorável a um diálogo mais franco com a paisagem. De qualquer modo, é interessante notar que a paisagem ou, antes, o lugar, embora considerado com sensibilidade pelo arquiteto, não inspira uma abordagem contextual. Ruth Verde Zein (sem data, p. 148) evidencia essa abordagem ao comentar quatro casas de praia ou campo da autoria do arquiteto definidas por volumes interconectados:

“(...) o lugar aqui é também uma invenção, até mesmo podendo ser sítio plano ou aplainado, idealizado, evidentemente referenciado aos pontos cardeais e às contingências de acesso urbano, quando as há, ou de paisagem natural, quando é o caso; mas todas essas referências nunca são tomadas enquanto mímese ou subordinação. São lastros, mas o lugar que está pede para ser interpretado e ‘inventado’, na medida que a intervenção proposta lhe acrescenta ou desvela qualidades até então ocultas, ou mesmo inexistentes”. Assim, a Casa Artemio Furlan é implantada paralelemente aos limites do lote, estando referenciada, portanto, pelo traçado viário. Do mesmo modo, o patamar retangular elevado que contém a sala e a varanda externa redefine a geografia original do terreno, enquanto as árvores, consideradas tão importantes pelo arquiteto, não são nativas, mas sim plantadas. Nesse sentido, o projeto de Mendes da Rocha para a Praia da Lagoinha a um só tempo dialoga com o lugar e o reinventa através de uma postura de projeto que entende a paisagem como construção humana.

À esquerda, vista da cozinha; à direita, vista dos caixilhos a partir do patamar elevado.

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O uso da madeira Na Casa Artemio Furlan, a madeira tem uma presença bastante marcante principalmente devido à estrutura da cobertura de quatro águas, feita com madeira roliça aparente. Os pilares que suportam a cumeeira da cobertura são feitos de troncos robustos e pousam na galeria de circulação, sendo visíveis, portanto, na sala de estar e na sala de refeições. Essas colunas abrem-se em três ramos que, assim como o tronco principal, alcançam as peças principais da estrutura do telhado, as quais repousam, em sua outra extremidade, sobre uma cinta de amarração de madeira que envolve todo o perímetro da casa. Segundo depoimento de Paulo Mendes da Rocha (in Revista Projeto, 1989, p. 88), a cobertura foi feita por um casal de “(...) exímios construtores de telhados, com todo o madei-

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Vista dos quartos a partir do patamar do estar.


ramento tirado diretamente por eles, da mata, lavrado e montado com requintes de sabedoria que só meus desenhos não conseguiriam”. A solução adotada conta, portanto, com intervenções dos construtores, não tendo sido definida apenas através de desenhos técnicos. Além de presente na estrutura do telhado, a madeira também é utilizada na construção de beliches embutidos de desenho muito próximo ao desenvolvido por Millan para a Residência na Lagoinha. Os caixilhos, todos pintados de azul, também são em madeira e combinam recursos eruditos a um desenho tradicional: funcionam como painéis verticais da altura das paredes devido à existência de platibanda, mas têm desenho simples e acabamento bruto.

Casa Artemio Furlan: sua planta é moderna, mas a cobertura é um telhado de quatro águas; o espaço de estar é fluido e sem divisórias, mas os pilares são feitos em madeira não aparelhada e abrem-se em ramos secundários como árvores. Nesse conjunto de pares contraditórios a madeira representa a tradição construtiva popular: Paulo Mendes da Rocha não explora as possibilidades estruturais ou de industrialização que esse material oferece, mas sim seu valor simbólico. A madeira comparece no projeto, portanto, como uma espécie de homenagem à tradição, possuindo, assim, um caráter primitivista cujo potencial expressivo depende de sua contraposição a elementos modernos.

Essa mesma contraposição entre o erudito e o popular que identificamos nos caixilhos parece reger todo o projeto da

À esquerda, vista geral da casa; à direita, beliche embutido dos quartos e porta aberta para o exterior.

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Residência Hélio Olga

Apresentação da obra A Residência Hélio Olga, projetada por Marcos Acayaba em 1987, responde a circunstâncias muito particulares: um lote com 100% de declividade e um cliente engenheiro civil, projetista e fabricante de estruturas de madeira. O próprio Acayaba (entrevista, 2014) conta que “(...) se eu não tivesse tido o Hélio Olga como cliente não teria feito a casa dele (...) Fiz pra ele que comprou aquele terreno, tinha a fábrica e era um ótimo calculista”. O projeto da casa nasce, portanto, do equacionamento de diversos fatores. Assim, a alta declividade do lote, sua orientação e a direção dos ventos predominantes condicionam a implantação da casa, que é dividida em duas partes: de um lado, um plano de concreto assentado no limite horizontal do

Arquitetura Marcos Acayaba (1944) Localização São Paulo, SP Cliente Hélio Olga Projeto I Construção 1987 I 1987-90 Acervos Arquivo do arquiteto

Vista geral da Residência Hélio Olga; 164

no primeiro plano, patamar da piscina.


terreno; de outro, uma torre de quatro andares que se estreita em direção à cota inferior do lote como uma pirâmide invertida, tocando o solo em apenas seis pontos. A preocupação em propor uma construção leve que permitisse reduzir ao mínimo o apoio da edificação no solo combinada à possibilidade de construir com madeira devido à experiência profissional do cliente levaram Acayaba a optar por utilizar esse material como protagonista da Residência Hélio Olga. Assim, à parte da fundação em concreto e do patamar de entrada, a estrutura da casa é resolvida com pilares e vigas de madeira conetados por peças de aço e atirantados por cabos do mesmo material. O sistema construtivo é completado por vedações com painéis leves de madeira compensada, caixilhos, piso e forro em madeira maciça e cobertura com chapas de alumínio revestidas por manta emborrachada.

Todas essas soluções foram pensadas como um sistema que pudesse ser reproduzido, de maneira que a Residência Hélio Olga constitui, na realidade, um primeiro protótipo de um sistema construtivo adequado para a construção de casas em terrenos com alta declividade. Embora esse sistema construtivo não tenha sido utilizado em outros projetos, o rigor técnico e o raciocínio industrial são premissas do projeto, cujos elementos em madeira são pré-fabricados. Como veremos, o viés industrial que perpassa a concepção dessa obra e a precisão das soluções construtivas adotadas a distingue das experiências anteriores de construção com madeira no Brasil. Desse modo, a Residência Hélio Olga inaugura um modo de projetar com esse material que se tornou referência para a arquitetura contemporânea com madeira no Brasil.

À esquerda, vista geral da casa; à direita, detalhe da fachada mostrando os tensores de aço.

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Histórico do projeto Marcos Acayaba estudou na FAU-USP entre 1964 e 1969, um período de intensas transformações da faculdade durante o qual o regime militar, inicialmente mais brando, foi progressivamente se acirrando, especialmente a partir do AI-5. Essa conjuntura histórica teve reflexos diretos no ensino da faculdade e levou ao desmonte da reforma curricular proposta no Fórum de 1962 através “(...) da cassação dos professores Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha e Jon Maitrejean, em 1969” (Wisnik in Acayaba, 2007, p. 14). Para além da faculdade, os anos 1960 “(...) combinaram explosivamente agitações políticas, militância estudantil, festivais de música popular, contracultura, existencialismo, diluição dos limites entre arte e vida (...)”, representando um “(...) período extremamente fecundo na história brasileira recente, sobretudo no âmbito cultural” (Wisnik in Acayaba, 2007, p. 14). A efervescência desse período de transformações estaria presente, para Guilherme Wisnik (in Acayaba, 2007, p. 14), no trabalho de Marcos Acayaba, cuja versatilidade denota “(...) a presença de um espectro amplo de referências sobrepostas (...)” que, mobilizadas em direção a sínteses pessoais, fazem “(...) convergir uma disciplina de racionalização construtiva e uma poética”. Nesse sentido, a obra de Acayaba seria “(...) simultaneamente herdeira de uma tradição (...) e representante de um momento de ruptura (...)” no qual a chamada escola paulista, preocupada em contribuir para o desenvolvimento infraestrutural do país através de obras de grande porte em concreto armado, foi aos poucos substituída por uma arquitetura sem escola ou coesão de grupo que “(...) voltou a pensar soluções particularizadas, a valorizar construções em menor escala e a fazer uso mais heteróclito dos materiais” (Wisnik in Acayaba, 2007, p. 17). A flexibilização da obra de Acayaba, que se recusa a seguir “(...) a militância do concreto armado como material único, praticada por seus professores (...)”, estaria também ligada, na opinião de Wisnik (in Acayaba, 2007, p. 15-16), ao fato de as casas desempenharam um papel central em sua produção. Essa característica, comum a sua geração de arquitetos, imporia uma “(...) maior maleabilidade diante das decisões de projeto” devido ao “(...) trato com o cliente particular e suas idiossincrasias”.

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Apesar das diferenças de Acayaba em relação aos arquitetos modernos de gerações anteriores, Hugo Segawa (in Acayaba, 2007, p. 10) assinala que em sua obra “(...) persiste o inerente risco do projeto moderno” e que seu trabalho é pautado por “(...) uma estética da lógica, na qual as soluções devem resultar de uma judiciosa percepção estrutural”. O modo como Acayaba descreve seu procedimento de trabalho evidencia a abordagem racional que a orienta: “(...) livres de questões de estilo, as formas das minhas construções, quase sempre novas, resultam de processos de análise rigorosos de condições específicas, da natureza do lugar, do emprego correto dos materiais e da energia necessária para a produção, uso e manutenção. São, portanto, projetos ecológicos. Com o mínimo de meios, procuro sempre atingir a maior eficiência, conforto e, como consequência, a beleza. Onde nada sobra, onde nada falta” (texto cedido pelo arquiteto, 2011). Assim, nos projetos de Acayaba a definição da solução final é feita a partir da consideração de fatores que incluem programa, local onde vai ser realizada a obra, topografia, solo, paisagem, clima, facilidade (ou dificuldade) para fornecimento de materiais e mão de obra disponível (texto cedido pelo arquiteto, 2011). Os materiais a serem utilizados dependem, portanto, das condições particulares de cada projeto, o que explica a variedade de soluções construtivas adotadas nas diversas obras do arquiteto, que incluem concreto, aço e madeira. No caso particular das estruturas industrializadas de madeira, as principais vantagens oferecidas seriam, na opinião de Acayaba (texto cedido pelo arquiteto, 2011), a rapidez da execução, a limpeza da obra, a ausência de entulho e a minimização do impacto da construção em ambientes naturais. Assim, esse tipo de solução seria adequado para “projetos em terrenos dificílimos” e pouco acessíveis em que a pré-fabricação constituiria uma vantagem essencial. É importante notar, porém, que Acayaba não propõe o uso exclusivo da madeira, mas sim de estruturas mistas. Assim, em suas estruturas industrializadas, “As peças de madeira são conectadas entre si através de peças de aço, capazes de resistir aos esforços localizados de tração e torção. Também são de aço os tirantes para travamento e contraventamento da estrutura. Já a parte

inferior, que tem de ficar em contato com o terreno, frequentemente úmido, e onde é descarregado todo o peso da obra, obriga o uso do concreto armado. É o melhor material para resistir à compressão, e não deteriora com a umidade como acontece com a madeira” (texto cedido pelo arquiteto, 2011) Como vemos, o modo como Acayaba faz uso da madeira em seus projetos é bastante particular. Apesar disso, o arquiteto aponta algumas influências que contribuíram para que esse material, antes restrito a elementos pontuais de suas obras, aos poucos ganhasse autonomia. Um encontro importante teria ocorrido na Bienal de Arquitetura de Buenos Aires de 1985, em que um projeto em concreto de Acayaba, o Pavilhão Pindorama, foi premiado, assim como uma obra em madeira de Severiano Porto. Acayaba (entrevista, 2014) conta que nessa ocasião aproximou-se de Severiano Porto e que no ano seguinte o visitou em Manaus: “Em Manaus visitamos o Severiano. Fomos na casa dele e ele mostrou suas coisas. Eu já gostava muito de arquitetura japonesa então me lembro que nessa visita ele mostrou um livro de arquitetura japonesa, engraçado, o Severiano Porto... Ele era muito ligado em arquitetura japonesa, gostava muito. Mostrou livros, coisas que eu já conhecia, a gente ficou falando muito de arquitetura japonesa na casa dele em Manaus. Eu gostei das coisas que ele estava fazendo. Não vou dizer que comecei a fazer coisas de madeira por causa dele, mas foi um contato forte”. Além da obra de Severiano Porto, Acayaba (entrevista, 2014) comenta seu interesse pela obra de Sérgio Bernardes: “Ele tinha algumas obras com madeira, sempre vigas de laminado colado e uma cobertura de meios tubos que eram feitos com cimento amianto e remetiam um pouco à telha capa-e-canal da arquitetura colonial. Então era uma coisa bem brasileira, de um sabor brasileiro, mas também muito moderno, muito leve, muito enxuto. Eu gostava das coisas do Sérgio Bernardes. Aquela casa dele no Rio tem uma estrutura de vigas de madeira, um embasamento de pedra maciça e uma cobertura muito leve”. Também é interessante o modo como o arquiteto comenta o uso da madeira na obra de Lucio Costa. Na opinião de Acayaba (entrevista, 2014), as obras com madeira de Lucio Costa incorporavam elementos da arquitetura colonial que

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estariam ligados a reminiscências da arquitetura tradicional japonesa, as quais teriam sido trazidas ao Brasil pelos Jesuítas: “(...) quando o Lucio Costa faz aquele hotel, o Park Hotel em Nova Friburgo, tinha muito dessa raiz japonesa porque o Lucio Costa era um estudioso de arquitetura brasileira, fez muitos levantamentos, foi muito envolvido com o patrimônio histórico. Então acho que quando ele desenhou aquele hotel ele tinha na cabeça alguma coisa que tinha visto por aí de arquitetura colonial. Tem mais ainda, não sei se eu te mostrei, mas eu tenho uma publicação de uma casa que o Lucio Costa fez pro Thiago de Mello. Essa casa é exatamente isso, tem muito de arquitetura tradicional japonesa e muito de arquitetura brasileira do século XVI, provavelmente de coisas que os jesuítas foram construindo em situação de clima mais quente, parecido com o que tinham visto no Japão. Essa casa do Thiago de Mello é uma beleza, é linda, de madeira (...) Para mim essa casa do Lucio foi importante. Eu só a vi quando foi publicada e já estava fazendo coisas de madeira, mas pra mim foi importante ver essa obra do Lucio”. Outra referência para as obras de madeira de Acayaba, a arquitetura moderna californiana, também teria sido influenciada, na opinião do arquiteto, pela arquitetura oriental. Acayaba explica essa hipótese através da presença de colônias chinesas e japonesas na região e de alguns elementos arquitetônicos de obras de arquitetos como os Greene & Greene, que visitou em 1979. Mas a principal inspiração para o uso da madeira em sua obra seria, segundo Acayaba (entrevista, 2014), a arquitetura de Frank Llloyd Wright: “(...) a minha referência é o Frank Lloyd Wright. O Wright fazia uso de madeira de um jeito bem técnico, bem preciso, fazendo estruturas mais ou menos arrojadas com madeira. Se você olhar as coisas do Wright dos anos 1930, 1940, as Usonian Houses... Eram casas que ele começou a fazer na época da depressão de 1929, casas muito econômicas, muito simples, muito compactas, em que ele usou muita madeira (...) Eram coisas técnicas, precisas, comprometidas com a indústria (...) Na hora em que ele teve que fazer coisas muito econômicas nos anos 1930, 1940, ele usou muita madeira, desenvolveu sistemas de painéis muito interessantes, painéis compostos. Olhar essas casas, o detalhamento, todo o sistema de montagem, isso foi muito importante pra mim”.

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Apesar dessas diversas referências, Acayaba elege a arquitetura tradicional japonesa como ponto de partida para o uso extensivo da madeira em sua arquitetura. Assim, após uma primeira experiência com estrutura integralmente construída com esse material, um pequeno quiosque de 1979, Acayaba projetou uma casa em “estilo japonês” acreditando que seria através do estudo dessa arquitetura que aprenderia “(...) a “falar uma nova língua”, a da estrutura de madeira modulada e padronizada (...)” (Acayaba, 2007, p. 176). Essa casa no Guarujá (1986-1987) constituiu a primeira parceria profissional entre Acayaba, autor do projeto de arquitetura, e Hélio Olga, que construiu a casa com sua construtora, a Ita.

que começava no nível da rua e mergulhava logo depois 30 metros abaixo, só trazia problemas (...) Desacorçoado, [o proprietário] conclui a conversa com a pergunta: “Você não quer comprar?”. Para manter a palestra no tom da brincadeira amigável, Hélio oferece um valor baixo, equivalente na época ao valor de um carro usado. O homem aceita sem pestanejar. Terreno comprado, a situação se coloca: o que fazer com ele? Aos poucos amadurece o desafio de tentar ali — naquele penhasco com vista para a marginal do Pinheiros, que nos dias de vento recebe em cheio a umidade da represa Guarapiranga — uma aventura técnica radical. Realizar, enfim, uma obra de verdadeira engenharia” (Martins in Afalo (org.), 2005, p. 23)

A proximidade entre Marcos Acayaba e Hélio Olga iria estreitar-se a partir dessa experiência, consolidando-se com a Residência Hélio Olga. Cabe notar, porém, que a Ita já trabalhava há algum tempo com madeira, apesar de inicialmente também estar envolvida com obras em concreto.

Tendo como horizonte uma casa tecnicamente bem resolvida, Hélio Olga decidiu encomendar a Marcos Acayaba o projeto de uma residência que equacionasse os diversos desafios colocados pelo terreno. A solução final, cuja estrutura seria detalhada pelo próprio Hélio, deveria propor um sistema construtivo em madeira pré-fabricada que pudesse ser aplicado na construção de casas em lotes de alta declividade.

A progressiva especialização da Ita em edificações em que a madeira constituía o principal material construtivo da obra está ligada a sua parceria com Zanine Caldas. Conforme relata Alberto Martins, Zanine, que no final da década e 1970 já havia se consagrado por suas casas de madeira rústica, transferiu seu ateliê para Nova Viçosa, na Bahia, onde preparava as peças de madeira que seriam utilizadas nas casas que construía em São Paulo. Após uma primeira montagem da casa na Bahia, “(...) desmontava, marcava, chamava um caminhão e enviava as peças soltas (...)” que eram montadas pela Ita no local designado (Martins in Afalo (org.), 2005, p. 19). Apesar de em 1987 a Ita transferir sua oficina para um galpão de 80 mil m2 em Vargem Grande Paulista, indicando seu sucesso econômico, a construtora ainda continuava, segundo Martins (in Afalo (org.), 2005, p. 22-23), “(...) sob a sombra de Zanine”, principal responsável pelas encomendas feitas à construtora. Naquele mesmo ano, porém, essa situação se modifica: “Andando na rua de sua casa em São Paulo (onde residia, vale lembrar, em casa desenhada por Zanine), Hélio Olga (...) se depara com uma cena insólita: um homem que luta com seu terreno. Em poucos minutos de conversa, desenha-se a situação: aquele terreno, uma pirambeira

Essas premissas de projeto afastavam Hélio Olga da arquitetura de Zanine, mais ligada às tradições vernaculares. Nesse sentido, Alberto Martins assinala que “(...) enquanto Zanine olhava para a África e a China (...), a Ita estudava os livros de Julius Natterer e as construções do Vorarlberg, na Áustria”. Essa mudança na direção do olhar assinalou uma transformação significativa no modo como a madeira passou a ser empregada pela Ita, agora mais em sintonia, segundo Alberto Martins, com a complexidade contemporânea (Martins in Aflalo, 2005, p. 25). Wisnik (in Acayaba, 2007, p. 17) também reconhece a pertinência de estruturas pré-fabricadas em madeira em um cenário econômico marcado pela substituição do padrão extensivo e estandartizado fordista pela acumulação flexível. Na sua opinião, o fato de esse tipo de estrutura constituir um “(...) sistema industrializado, com grande precisão de acabamento, facilidade de transporte e montagem e com um preço acessível para obras de pequeno e médio porte (...)” somado à “(...) flexibilidade de desenho, já que as peças são fabricadas especialmente para atender ao projeto” fariam com que a construção com madeira industrializada suportasse “(...) uma dialética entre a padronização e a particularidade (...)”, característica muito adequada à conjuntura contemporânea.

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Nesse sentido, a abordagem industrial da arquitetura com madeira de Marcos Acayaba a aproximaria do modo como esse material passou a ser empregado na Europa a partir da década de 1970 mesmo que, para o arquiteto, essa produção não o tenha influenciado (entrevista, 2014). Por outro lado, o “(...) emprego bruto de paus roliços in natura, feito por arquitetos como Costa, Bolonha, Carlos Frederico, Severiano e Zanine” (Wisnik in Aflalo (org.), 2005, p. 39-40) estaria muito distante da produção de Acayaba. Mesmo o projeto de Bratke para Vila Serra do Navio e Vila Amazonas e o Sistema SR2 de Sergio Rodrigues, que podem ser considerados antecedentes de uma abordagem racional e estandartizada da madeira, diferem do modo como esse material é empregado na Residência Hélio Olga, que sem dúvida avança nas soluções técnicas adotadas, principalmente no que diz respeito às conexões entre peças de madeira e ao uso de tensores de aço. A esbeltez da estrutura, possível em grande medida devido aos elementos de aço, é outro fator que diferencia a Residência Hélio Olga das experiências de Bratke e Rodrigues. O próprio Acayaba (entrevista, 2014) comenta a leveza da solução final:

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Quiosque na Fazenda Arlina, Itupeva, SP, projetado em 1979.


“(...) quando eu cheguei no desenho (...) da casa do Hélio Olga eu disse, “isso aqui podia ser uma boa homenagem ao Santos Dumont”. Lembra o 14 bis, a estrutura do 14 bis é de cubos atirantados”. O arquiteto (entrevista, 2014) relata também o espanto com que a obra foi recebida por seus colegas: “Muita gente viu fotos, até colegas de classe na FAU, e, não prestando muita atenção, me ligou e queria saber quem tinha feito aquela estrutura metálica pra mim. O cara olhava sem prestar muita atenção e pensava que a estrutura só podia ser metálica. Mas não é metálica, então fazer com madeira um desenho que só poderia ser pensado com estrutura metálica foi uma novidade”. Apesar dos aspectos inovadores do projeto, a discussão entre os membros do júri da premiação de 1991 do IAB, que afinal foi vencida pela Residência Hélio Olga, foi bastante acirrada. Ao que parece, despertava confusão o fato de a estrutura da casa ser a um só tempo construída com madeira e evidentemente arrojada:

“É interessante olhar a ata do concurso, que diz que esse projeto levou o júri a discussões radicais, inconciliáveis. Uma parte achava que aquela obra era só mais uma casa pré-fabricada de madeira, dessas tantas que são feitas (...) E parte do júri achava que não, que era um projeto radical, comprometido com a técnica, desenvolvido rigorosamente, que tinha um avanço técnico na sua solução” (Acayaba, entrevista, 2014) Esse prêmio certamente foi importante para a divulgação da Residência Hélio Olga que, tendo sido uma das obras brasileiras mais publicadas fora do país, “(...) terminou por descortinar possibilidades formais e construtivas novas, que se desdobraram de modo frutífero até os dias de hoje” (Wisnik in Aflalo (org.), 2005, p. 35). De fato, as reverberações dessa obra de Marcos Acayaba foram amplas: não só o arquiteto desenvolveu diversos outros projetos em madeira, entre eles sua série de casas triangulares, como a Ita estabeleceu-se como referência no dimensionamento, detalhamento e construção de estruturas de madeira em São Paulo. Além disso, diversos arquitetos de gerações mais jovens passaram a reconhecer na madeira um material viável para projetos industrializados e modernos.

Fotografia e perspectiva da Residência em Iporanga, Guarujá, SP, projeto de 1991.

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Arquitetura Como comentamos, um dos maiores desafios do projeto da Residência Hélio Olga era oferecido pelo terreno com inclinação de quase 100%. Duas casas foram referências importantes para a solução adotada: a Smith House (1955-58) e a Weekend House (1964-68), ambas de autoria do norte-americano Craig Ellwood, arquiteto que, segundo Acayaba (2007, p. 177), “(...) levou às últimas conseqüências uma hipótese projetual formulada por Mies van der Rohe em 1934: a Glass House on a Hillside (...)”. Considerando as soluções propostas por esses projetos para a construção em terrenos íngremes, a orientação do lote e a direção dos ventos predominantes, Acayaba decidiu organizar o programa da Residência Hélio Olga em duas partes construtivamente distintas: “(...) um patamar de entrada com garagem e piscina, junto à rua, de concreto armado, apoiado diretamente no terreno; e uma torre de madeira, perpendicular às curvas de nível, apoiada em seis tubulões” (memorial do projeto cedido pelo arquiteto, 1990).

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Essa torre é escalonada de modo a acompanhar o perfil do terreno e possui “(...) 3 treliças principais (bi-articuladas) com módulos quadrados de 3,30m (...)” que se desenvolvem de modo simétrico através de balanços sucessivos (memorial do projeto cedido pelo arquiteto, 1990). A partir do equacionamento da estrutura e do programa definido pelo cliente, os cômodos foram distribuídos: estar e serviços no piso superior, dormitórios no piso abaixo deste e nos dois pisos inferiores dormitório de hóspedes e sala de crianças. Os diversos pavimentos são acessados por uma escada enclausurada. O sistema construtivo da casa, que deveria, a pedido do proprietário, ser industrializado e adequado para a construção de casas em terrenos muito inclinados, foi organizado a partir de módulos estruturais de 3,30m x 3,30m compostos por pilares e vigas de madeira tensionados por cabos de aço cruzados dispostos nas fachadas. A conexão entre as peças de madeira foi feita através de encaixes complexos que utilizam peças de aço.

É interessante notar que o módulo estrutural adotado, com 3,30m de altura, combinado ao pé-direito de 2,50m em toda a casa permitiu, segundo o arquiteto, que “(...) sobrassem (...) 65cm livres da estrutura para a passagem das instalações (visitáveis) e de ventilação cruzada. Daí, por convecção, o ar fresco pode ser encaminhado aos ambientes através de aberturas reguláveis no piso, com a correspondente exaustão do ar quente pelo teto” (memorial descritivo cedido pelo arquiteto, 1990). As vedações da casa foram resolvidas com painéis industrializados com espessura de 4cm feitos com madeira compensada e a cobertura com beiral largo foi feita com chapas trapezoidais de alumínio revestidas com manta emborrachada tipo alwitra. A leveza desses elementos ajudou a reduzir o peso total da construção e, consequentemente, tornou possível uma estrutura muito esbelta. A redução dos pontos de apoio e o desenho do perfil da casa, que se abre a partir do chão, sugerem um movimento de ascensão e contribuem para a leveza do conjunto.

Na página oposta, vista a partir da piscina; acima, vista da sala.

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Plantas de todos os pavimentos.


Corte longitudinal.

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O uso da madeira Na Residência Hélio Olga, a madeira tem presença muito expressiva tanto em seus ambientes internos − pilares, vigas, piso, forro e caixilhos são em madeira aparente −, quanto nas vistas externas, nas quais a estrutura e os painéis de sombreamento se destacam. A composição geométrica da fachada modulada a partir de quadrados evidencia o rigor da solução construtiva, conferindo à casa uma plástica muito diversa daquela de feição mais artesanal e regionalista que caracteriza diversas obras modernas em madeira. De fato, as peças de madeira maciça aparelhadas, o uso de perfis com estrutura mínima e as conexões complexas denotam uma arquitetura arrojada e indissociável das soluções de engenharia que a tornam possível.

À esquerda, vista da garagem; à direita, 176

vista da sala com janelas ao fundo.


A sintonia entre arquitetura e engenharia fica evidente no depoimento de Marcos Acayaba (2007, p. 177): “(...) para que fosse possível pensar melhor o trabalho da estrutura, foi necessário um modelo da mesma. O próprio Hélio o fez. Passamos vários meses discutindo, em cima do modelo e dos desenhos, hipóteses de solução para os nós, para a composição dos tramos das treliças, para o contraventamento etc. O design final dessa casa foi feito a quatro mãos, fruto da discussão sobre a estrutura, principalmente”. As conexões não deixam dúvidas quanto ao rigor com que o projeto foi desenvolvido, já que em cada nó diversos elementos são unidos: peças de madeira esculpidas, tensores de aço, chapas e parafusos. É interessante, porém, que a despeito da aparente complexidade da perspectiva explodida de cada

Vista geral da casa a partir da cota inferior do terreno.

encontro, uma vez que todos os elementos são encaixados chega-se a uma aparência limpa. A dualidade entre a complexidade das peças separadas e a aparente simplicidade da solução final remete às tradicionais conexões japonesas. Aqui, no entanto, as peças de madeira são pré-fabricadas industrialmente e o funcionamento da estrutura depende de elementos em aço. Assim, apesar de a madeira destacar-se, não seria correto afirmar que a estrutura é feita apenas em madeira: na realidade, a Residência Hélio Olga faz uso de um sistema misto de madeira e aço, o que, como já comentamos, contribui para a esbelteza das peças de madeira. A precisão do sistema construtivo, cujos painéis de vedação são em madeira compensada, certamente está ligada ao fato de a casa ter sido concebida como um protótipo no qual as soluções deveriam ser testadas, de modo a permitir seu aprimoramento

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SequĂŞncia de montagem da estrutura prĂŠ-fabricada.


Prancha de detalhamento.

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e posterior aplicação em outros projetos que apresentassem problemas similares. Apesar de o sistema não ter sido, segundo Acayaba, integralmente utilizado em outros projetos, o esforço de síntese e o comprometimento com a viabilidade produtiva são evidentes no projeto da Residência Hélio Olga. É interessante também que a decisão de utilizar a madeira como principal material construtivo tenha partido do cliente, que possuía uma construtora com experiência com estruturas em madeira e pretendia responsabilizar-se pela obra. Assim, a madeira era uma premissa de projeto da qual, vale notar, Acayaba se apropriou com muita lucidez, enfatizando as propriedades físicas do material como sua resistência e leveza. Não interessa o imaginário rústico que envolve a madeira: trata-se de uma casa urbana definitiva na qual a praticidade

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de montagem, redução de custos, desperdício de material e tempo de construção eram tão importantes quanto aspectos plásticos. De fato, a casa foi montada por três trabalhadores em 45 dias, não sendo necessário nenhum tipo de escoramento, já que a simetria da estrutura a tornava estável por compensação (apresentação cedida pelo arquiteto, sem data). Como vemos, são diversos os fatores que contribuem para diferenciação desse projeto em relação a outras obras modernas com expressiva presença da madeira. Dentre eles, podemos destacar a precisão técnica do projeto, o perfil exíguo dos elementos estruturais, a redução dos pontos de apoio da construção, o uso de elementos de aço nas junções e de cabos tensores como elementos complementares aos pilares e vigas em madeira.

De fato, como afirma Guilherme Wisnik (in Aflalo (org.), 2005, p. 39-40), pode-se dizer que “(...) através da casa Hélio Olga, Acayaba inaugurou um caminho arquitetônico capaz de explorar expressivamente algumas características essenciais da madeira (...), recusando, ao mesmo tempo, os atributos pitorescos, nostálgicos, e mesmo “regionalistas”, normalmente associados ao material”. Assim, a partir da divulgação desse projeto observou-se um crescente interesse entre os arquitetos brasileiros pela madeira como material construtivo, cujo uso na arquitetura contemporânea muitas vezes parece ecoar os princípios anunciados pelo projeto da Residência Hélio Olga.

Na página oposta, perspectivas dos nós da estrutura; acima, conexão da estrutura ao tubulão de concreto.

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Considerações Finais

Iniciamos este trabalho com a suspeita de que a madeira teria sido utilizada de modo bastante restrito na arquitetura moderna brasileira. De fato, constatamos que, embora quase sempre presente, esse material tendeu a ser reservado a elementos arquitetônicos específicos, como pisos ou caixilhos, quando não empregado apenas como material de obra a ser descartado. A carência de bibliografia a respeito do uso da madeira na arquitetura moderna brasileira reforça o fato de que esse material não ocupou um papel central nessa produção. Na realidade, houve poucas e fragmentadas investigações a respeito das possibilidades oferecidas por esse material construtivo, as quais resultaram em obras que, em sua maioria, não integram o conjunto mais significativo da arquitetura moderna de nosso país. Assim, o esforço aqui realizado de compreender o modo como a madeira foi empregada no modernismo brasileiro não foi motivado pela importância desse tema na arquitetura do período, mas sim pelo crescente interesse pela construção com madeira que temos observado entre os arquitetos contemporâneos. Procuramos, portanto, constituir um quadro de referências de obras brasileiras que possa inspirar projetos atuais. O olhar para o passado deve, porém, ser sempre crítico − se há grandes qualidades nos projetos reunidos neste trabalho, há também limitações que apontam para desafios que ainda hoje precisam ser enfrentados. Assim, a maior parte das obras modernas em que a madeira comparece com maior vulto não demonstra uma firme convicção nas qualidades desse material construtivo, mas uma certa desconfiança em relação às circunstâncias em que seria válido utilizá-lo. Um dos aspectos que sugerem as reservas com que esse material foi encarado é o fato de a maioria dos edifícios modernos pesquisados ser de pequeno ou médio porte, havendo ainda um predomínio de programas residenciais. Além disso, há diversas obras construídas no campo ou na praia, contextos que representam uma “(...) interessante oportunidade de experimentação com materiais e programas face seu menor compromisso funcional, sua natural disposição ao lazer e divertimento (...)” (Zein, sem data, p. 147). A concentração de obras com forte presença da madeira em ambientes não urbanos sugere, então, a ideia de que para muitos arqui-

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tetos modernos esse material seria adequado em situações descontraídas e informais, não se prestando à construção de grandes edifícios e obras de infraestrutura, problemas que estavam no centro dos esforços do período. O desajustamento da madeira em relação aos princípios modernos mais rígidos é reforçado pelo fato de que em boa parte das edificações construídas em ambientes rurais e costeiros a madeira recebeu acabamento bruto e artesanal, de modo a associar-se à ideia de tradição, enquanto outros aspectos do edifício, como a planta e a espacialidade, remetiam à modernidade. Embora a tensão entre o tradicional e o moderno tenha sido explorada de modo muito interessante em obras como o Park Hotel e a Residência na Lagoinha, a repetida associação da madeira a uma estética que flerta com o primitivismo tendeu a reduzir a potencialidade desse material, que também pode ser utilizado de forma arrojada e inovadora, como demonstram projetos pautados pela racionalidade e pela lógica industrial. Obras em que a opção pela madeira foi guiada por questões pragmáticas constituem, porém, um conjunto extremamente reduzido que em raros casos deu origem a outras iniciativas que seguissem os mesmos princípios. O ensimesmamento dessas investigações talvez possa ser em parte explicado pela precária circulação de informações a respeito de obras em madeira. Nesse sentido, é interessante lembrarmos que quando Sergio Rodrigues (entrevista, 2014) desenvolveu o sistema SR2 o arquiteto acreditava “(...) que estava criando alguma coisa diferente, quando na realidade era um tipo de construção nova que era feita e produzida nos Estados Unidos (...)”. A tecnologia para a construção de grandes estruturas em madeira dominada por empresas como a Hauff tampouco era plenamente conhecida pelos arquitetos modernos, o que talvez tenha explique a razão pela qual parcerias entre arquitetos e empresas de engenharia especializadas em estruturas de madeira, que certamente poderiam ser muito interessantes, foram bastante raras. O desconhecimento também ajudou a perpetuar uma série de preconceitos a respeito das propriedades da madeira. Assim, a infundada desconfiança de que esse material não seria adequado para a edificação de obras definitivas, associada à rapidez de construção que esse material possibilita, deram origem a uma série de edifícios em madeira marcados

pela ideia de transitoriedade, como o Catetinho e o restante das edificações temporárias feitas para viabilizar as obras de Brasília. É interessante notarmos que, com exceção do tema da provisoriedade, mais comum em nosso país, o uso da madeira na vertente brasileira do movimento moderno possui diversos pontos de contato com o modo como esse material foi utilizado em outros países. Assim, na arquitetura moderna internacional também houve uma oscilação entre projetos que enfatizavam as dimensões simbólicas da madeira e obras que exploravam sua potencialidade técnica. De qualquer modo, tanto na arquitetura moderna internacional, quanto em seu braço brasileiro, houve um predomínio de materiais como o concreto e o aço, sendo comum a ideia de que a madeira seria pouco compatível com a nova arquitetura. Mas a produção contemporânea tem demonstrado que a madeira, embora presente desde os primórdios das construções humanas, pode originar edifícios em consonância com a estética e a tecnologia atuais. A conjuntura econômica e ambiental em que vivemos também tem reforçado o interesse pela construção com a madeira e seus derivados, materiais que têm origem renovável, além de oferecerem uma excelente relação entre a resistência das peças e a energia necessária para sua produção. Soma-se a isso a potencialidade econômica oferecida pelo setor madeireiro, especialmente no Brasil, país com enormes reservas florestais. A despeito das vantagens oferecidas pela madeira, ainda persistem diversos desafios para sua utilização, a começar pela urgência de se consolidar em nosso país uma indústria de silvicultura e beneficiamento moderna e bem fiscalizada. Para o professor Carlito Calil (entrevista, 2014), a viabilização da construção com madeira no Brasil também passa pela diminuição dos impostos e dos custos de produção. Além disso, é essencial que os cursos de arquitetura e engenharia de nosso país deem maior ênfase ao estudo das propriedades técnicas da madeira, assim como das possibilidades plásticas que esse material oferece. A consolidação da construção com madeira no Brasil também demanda, a nosso ver, o resgate de obras da arquitetura moderna brasileira que possam inspirar novos desenhos. Esperamos, então, que tenhamos contribuído através deste trabalho para a reunião de boas referências de edifícios em que a madeira comparece com vulto e expressividade.

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Entrevistas

As entrevistas que seguem foram feitas ao longo de 2014 com o intuito de complementar os livros e artigos lidos, que muitas vezes não continham todas as informações necessárias para a pesquisa. Cada um dos entrevistados foi procurado para esclarecer aspectos específicos.

Sergio Rodrigues Marc Rubin Ricardo Caruana Marcelo Suzuki Marcos Acayaba Carlito Calil Jr

A conversa com Sergio Rodrigues, arquiteto e designer, foi motivada por questões acerca do sistema SR2 e das relações entre seus projetos de arquitetura e de mobiliário. Marc Rubin, sócio do escritório Botti Rubin, foi contatado devido aos diversos edifícios com persianas em madeira que construiu em São Paulo na década de 1960. Ricardo Caruana, por outro lado, estabeleceu conexões muito interessantes ao longo de sua trajetória profissional. Assim, após ter trabalhado com Oscar Niemeyer no projeto e construção da Universidade de Argélia, mudou-se para o Brasil e passou a trabalhar com Zanine Caldas. Mais tarde, aproximou-se de Julius Natterer, engenheiro civil alemão que teve grande influência na retomada da construção com madeira que ocorreu na Europa a partir da década de 1970. Já o arquiteto Marcelo Suzuki ajudou a esclarecer o significado da madeira na obra de Lina Bo Bardi, com quem trabalhou. Outro entrevistado foi o arquiteto Marcos Acayaba, autor de uma das obras estudadas. Na conversa, Acayaba comentou o uso da madeira em sua obra, além de lembrar de arquitetos que inspiraram seu trabalho com esse material. Finalmente, o engenheiro Carlito Calil Júnior, professor titular da Escola de Engenharia de São Carlos e coordenador do Laboratório de Madeiras e Estruturas de Madeira, pontuou alguns aspectos da atual conjuntura da construção com madeira no Brasil, enfatizando questões técnicas e normativas.

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Conversa com Sergio Rodrigues

TAÍS Qual a origem do interesse do senhor pela madeira? SERGIO RODRIGUES Eu fui criado na casa de um tio-bisavô que tinha por hobby uma marcenaria. Ele era apaixonado pela madeira e como era uma casa muito antiga tinha uma porção de possibilidades de copiar, desenvolver, criar coisas relativas à madeira. Na casa tinha uma oficina completa sem nada elétrico em que trabalhavam dois operários portugueses de altíssimo nível que ficavam executando os trabalhos que meu tio imaginava, desenhava. Ele desenhava pessimamente mas acreditava que aqueles desenhos que ele fazia podiam ser desenvolvidos. Os operários, que eram pessoas ótimas, de bom coração, criavam a partir daqueles desenhos que ele fazia, criavam peças e as faziam. Então eram dois, imagina só, dois pra uma pessoa só que criava uma peça por semana, uma coisa nessa faixa. Ele não tinha uma satisfação absoluta porque percebia que as peças eram variações dos desenhos, das criações dele, mas ele não ligava, ele tinha aquela madeirada toda e os operários ficavam o dia trabalhando na marcenaria. Eu era garoto na base dos 5, 6, 7 anos e ficava fazendo meus brinquedos. Eu fazia todos os meus brinquedos na base de madeira usando canivete, usando peças rudimentares pra fazer alguma coisa especial. Então eu fiquei ligado com a cola, ligado com as ferramentas rudimentares como o formão, a lima, etc. Eu curtia a madeira e cada vez que chegava uma espécie nova aquilo era apresentado a mim como se fosse uma coisa extraterrestre, uma coisa maravilhosa. Então eu curtia as principais madeiras brasileiras, sempre curti.

Apartamento do arquiteto Rio de Janeiro 02.08.2014

E como eu via que esse meu tio apresentava um desenho pra fazer determinada peça, comecei a desconfiar que se fizesse um desenho praquilo que estava produzindo eu teria mais sucesso. Então eu comecei a desenhar também. Acredito que talvez tenha vindo daí minha vocação para desenho e execução, que é o caso da arquitetura e é o caso do design também. Então eu comecei com esse meu tio-bisavô que não dava muita atenção ao que eu produzia mas permitia que eu tivesse um papo bastante bom com os operários. E fui aprendendo, fui tendo uma noção de tudo aquilo.

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T Em uma entrevista do senhor, quando perguntado sobre o que é brasileiro em sua obra, o senhor disse que “a minha procura era por matérias que caracterizam a brasilidade”. O senhor diria, então, que a madeira é um material em sintonia com sua ideia de Brasil? Por quê? SR Quando se fala em Brasil fala-se em madeira em primeiro lugar. E se a pessoa vai fazer um estudo mais profundo sobre os materiais do mobiliário colonial, do mobiliário de diversas épocas, vai perceber que tem outros materiais também: a palhinha, o couro, o próprio cordão, o tecido. São materiais que são brasileiros, que caracterizam o brasileiro.

T No mobiliário desenhado pelo senhor, o resgate de aspectos do Brasil indígena foi, segundo Maria Cecília Loschiavo, identificado por Lucio Costa. O senhor acredita que o primitivismo seja um traço de sua obra? SR Sim, claro. Se eu sou um apaixonado pelo Brasil, apaixonado pela madeira e faço mobiliário e arquitetura alguma coisa relacionada ao índio tem a ver. Essas matérias típicas dos indígenas são muito importantes para mim. Tem a cadeira Lucio Costa, não feita por ele, feita por mim mas com o nome de Lucio Costa, que é aquela cadeirinha lá na sala, na mesa. O Lucio Costa quando viu aquela cadeira pela primeira vez olhou e disse “Gostei muito dessa cadeira. Essa cadeira tem o espírito tradicional brasileiro e é moderna; é interessante”. Ele valorizou a peça, então eu comecei a chamar a cadeira de Lucio Costa em homenagem a ele. Essa outra cadeira, chamada Oscar, foi feita na mesma época. Essa já tem uma influência um pouco mais nórdica do que brasileira. Eu fiz essa peça porque me pediram, mas como cliente não quis eu a coloquei na loja pra ser vendida. O Oscar Niemeyer um dia entrou na loja, viu essa cadeira − ele não era muito expansivo, Lucio Costa já fazia uma certa teatralidade − e disse “Olha, gostei dessa cadeira. Essa cadeira vai. Você manda duas, minha filha vai casar em breve, você manda duas dessa pra minha filha”. Então eu achei aquilo maravilhoso e passei a chamar essa cadeira de Oscar Niemeyer, embora também não tenha nada de desenho dele, foi uma homenagem.

T Uma coisa que acho interessante é que embora o mobiliário do senhor seja muito artesanal, no momento de usar a madeira na arquitetura o senhor optou por criar um sistema. O senhor poderia explicar essa diferença? SR O que eu gosto de fazer são móveis ou peças únicas. Os móveis realmente são mais artesanais do que industriais, no princípio inclusive não tinha indústria. Mas quando começou a ser criada a indústria eu comecei a fazer os desenhos de acordo o maquinário que eu tinha para produção porque não adianta imaginar alguma coisa que a indústria tenha muita dificuldade pra fazer. A própria poltrona Mole quando foi desenhada em 1956 era mais artesanal, só foi ser realmente industrializada depois que eu tinha uma fábrica um pouco mais equipada para produzir em série. Agora você perguntou sobre arquitetura. Quando se fala em uma arquitetura pré-fabricada com madeira ou qualquer arquitetura, você tem que ter uma indústria acompanhando. Você não pode fazer uma casa pré-fabricada sem indústria; não é que você não possa fazer, mas não terá absolutamente o resultado que você teria com uma indústria de elementos pré-fabricados. Então quando imaginei a casa pré-fabricada e fiz o primeiro protótipo, fiz como ela deveria ser se fosse industrializada apesar de ainda não haver fábrica pra isso. Se ela não fosse industrializada seria caríssima porque a madeira é cara. [Vera Beatriz, mulher de Sergio Rodrigues, entra na sala] Então as primeiras casas foram feitas nesse sistema artesanal. Eu não podia dizer que eram pré-fabricadas. Eram pensadas para serem pré-fabricadas porque eu queria industrializar quando tivesse a indústria necessária. Só veio a ter alguma coisa nesse sentido quando fiz algumas construções pra Brasília a convite do Darcy Ribeiro. Nesse caso a madeira era toda preparada no Rio, toda cortada em elementos pré-fabricados já estudados milimetricamente. Pré-fabricado não é pegar a madeira e fazer a casa no local com essa madeira assim; você vai produzir na fábrica e depois apenas montar.

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VERA BEATRIZ RODRIGUES Eu acho que a sua intenção era fazer casas pré-fabricadas, mas tinha que ter uma indústria por trás, e como a casa dele não era uma casa de cachorro como muitas que foram feitas − era uma casa mais sofisticada, tinha um pouquinho mais de detalhes −, não tinha nenhuma indústria que quisesse. A mesma coisa aconteceu com os móveis dele: teve uma época em que nenhuma indústria queria fazer porque achavam que eles eram muito difíceis, que seriam artesanais, muito caros, e hoje todos torcem a orelha e choram porque querem um móvel do Sergio e agora não tem mais. A gente ficou 20 anos procurando, e as casas a mesma coisa. Nenhuma dessas indústrias que fazia casa pré-fabricada queria a casa dele porque a casa dele era um pouco mais requintada que as outras, era uma arquitetura, era casa de arquiteto, feita por arquiteto. A maioria das casas na época era aquela casinha de cachorro, casinha com telhadinho, uma cabana de madeira, e essa não era a proposta dele. SR Então eu estudei elementos pré-fabricados para montagem de casas. Das quase 200 casas que eu fiz não tinha uma casa igual à outra. Se fosse industrializada normalmente seriam todas iguais, casinha de operário, a gente chama de uma casa de cachorro mesmo, bem simples, com aquele telhado. VB Cada casa dele é diferente da outra, não tem nenhuma igual.

T Mas usavam as mesmas soluções... SR Com os mesmo elementos eu podia fazer uma casa de um ou de quatro pavimentos. Aqui em Itaipava fiz uma de quatro pavimentos com uma variação da mesma estrutura. Cada caso tinha que ser estudado. Quando você comprava a casa comprava na fábrica tantas peças assim, tantas peças assado, pra montar.

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T Onde elas eram produzidas? SR As primeiras foram produzidas na minha fábrica de móveis. Em determinadas horas em que havia uma certa folga na fábrica os operários faziam esses elementos pré-fabricados, que eram artesanais. Na montagem não, na montagem já era uma coisa que podia ser industrializada. Depois, com o aumento do número de pedidos, foi necessário uma fábrica separada para produzir as peças; essa fábrica foi lá em Rezende. T E o primeiro protótipo de casa pré-fabricada foi apresentado no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1960? SR Foi, 1960. Engraçado que esse foi o primeiro protótipo apresentado ao público. Eu já estava fazendo uma casa pra uma amiga nossa lá em Petrópolis com esses mesmos elementos. Então na realidade a casa do museu foi a segunda casa. Falo que a do MAM foi a primeira porque foi apresentada ao público, a outra tinha sido escondida, poucas pessoas iriam ver a casa.

T Eu li que o Lucio Costa teria gostado da casa e que por isso teriam sido construídas casas em Brasília usando o sistema SR2.

estão querendo construir que não têm possibilidade de fazer uma casa de alvenaria imediatamente vocês fizessem as casas desse jeito, casas de madeira do Sergio Rodrigues, porque são casas que depois de um certo tempo podem ficar sendo casas de empregados, casas das crianças, podem ter outra finalidade qualquer até serem cortadas definitivamente”. Também fiz em Brasília algumas casas na Universidade de Brasília a convite do Darcy Ribeiro, de quem fiquei amigo nessa época. Ele conhecia a casa, conhecia os detalhes todos e pediu pra que eu fizesse as casas da universidade. Eram pavilhões de madeira de construção rápida para hospedar provisoriamente professores e pessoas que trabalhassem na universidade. Foram feitos dois grandes edifícios de madeira com mais ou menos 40m de frente e 20 quartos cada, além de um grande pavilhão de restaurante para estudantes também totalmente de madeira. Isso daí durou até os edifícios que fossem substituídos por construções de alvenaria. T Por que, na opinião do senhor, existe no Brasil a associação da construção com madeira a algo temporário? SR No caso de Brasília porque não se podia construir com madeira. Então para as pessoas que não tinham dinheiro, não tinham possibilidade, ou no caso da Universidade de Brasília, que tinha que resolver imediatamente a hospedagem de professores que vinham passar uma semana para dar uma aula, fazíamos uma construção mais rápida em madeira.

SR No Plano Piloto de Brasília não era permitido fazer casa em madeira, casa em madeira era considerado algo provisório. Mas quando eu apresentei a casa lá no Museu de Arte Moderna o Lucio Costa ficou muito entusiasmado e escreveu uma carta ao Israel Pinheiro – o Israel Pinheiro era o profissional que tomava conta de Brasília inteira − pedindo licença a ele e dizendo “Olha, nós sabemos dessa história toda de Brasília, mas seria muito interessante se para as pessoas que

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T Mas as casas do sistema SR2 eram pensadas para serem definitivas, não eram? SR Para serem definitivas, é claro. Eu morei numa casa dessas. Eu tive que sair há uns 5 anos atrás porque a casa era num lugar que não era acessível com muita facilidade e eu tive alguns probleminhas de saúde. A casa foi vendida, mas ainda existe. Outras casas feitas para pessoas que se preocupavam com a ideia da casa pré-fabricada tradicional mas gostavam da casa de madeira também estão por aí. A maioria das casas que eu fiz era para pessoas que queriam uma casa de madeira que não tivesse nada que ver com casas americanas ou casas suecas, que eram feitas com toras de madeira uma ao lado da outra; as minhas eram casas mais leves. Tem diversas assim. Lá em Secretário tem umas 5 ou 6 casas feitas assim. Lá em Itaipava tem também uma 4 ou 5 casas, tem uma que inclusive é de 4 andares. O pessoal a essa altura já pagava inclusive mais caro porque depois de um certo tempo a madeira passou a ser mais cara e eu não tinha indústria, não tínhamos ainda um sistema comercial ou de propaganda para falar a respeito da casa, dizer que essa casa tem tais vantagens e etc. Viabilizar a comercialização já requereria um estudo um pouco mais complexo. Então desistimos da produção, estava dando algum trabalho porque fazer artesanalmente uma casa dessas era complicado, mandar operários pra montar uma casa dessas num lugar, só montar e ir embora, quer dizer, manter o pessoal lá era um problema. T O uso da madeira na arquitetura moderna brasileira, além de ser restrito, está muitas vezes associado ao rústico e ao artesanal. O que inspirou o senhor a explorar a madeira de modo mais industrializado? SR Eu fazia arquitetura mesmo. Você está falando em termos gerais de uma arquitetura usando elementos de madeira para criar rusticidade, isso aí é outro problema.

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T Mas o Park Hotel do Lucio Costa, por exemplo, foi feito com troncos roliços, tem uma estética mais rudimentar...

T O senhor tomava cuidados de projeto para garantir a durabilidade das casas?

SR Uma coisa maravilhosa, inclusive eu passei a lua de mel lá. Maravilhosa. O Lucio Costa fez uma casa de madeira porque era charmoso fazer uma casa de madeira. E ali tinha muita madeira. Pra fazer aquela casa ele teve que derrubar umas árvores perto, então ele aproveitou aquela madeira.

SR Tem que se observar certas regras de utilização da madeira. Por exemplo, a casa não pode encostar no chão, a casa tem que ficar elevada. Aí houve o seguinte: como a casa tinha que ficar elevada 70cm do chão pra não haver umidade passando diretamente eu dizia “Por que já não faz com 2m? você faz com 2m, 2m e pouco e assim pode utilizar a parte debaixo da casa para uma possível ampliação”. Então você comprava uma casa de 50m2 que na realidade tinha 100m2 de possibilidade de ocupação: você tinha a parte de cima da casa e podia depois fazer a parte de baixo utilizando qualquer outro material, a própria madeira ou outros materiais convencionais mesmo, tijolo, pedra.

T Quando o senhor desenvolveu o sistema SR2 houve obras ou arquitetos que o influenciaram? SR Não, nada. Tanto é assim que eu logo no início eu imaginava que estava criando alguma coisa diferente, quando na realidade era um tipo de construção nova que era feita e produzida nos Estados Unidos que eu não conhecia. Vim a conhecer depois. Estive inclusive em Vancouver, no Canadá, para oferecer esse tipo de casa porque lá 100% das unidades unifamiliares eram de madeira. Eles vibraram com aquilo mas disseram “Nós não podemos fazer isso por uma razão, nós temos aqui séculos de construção com madeira, não vamos alterar o que está sendo feito”, por isso a maioria das casas lá são feitas no estilo colonial americano. E a minha casa já era uma coisa diferente, havia necessidade de um arquiteto pra resolver cada casa.

T Falando nisso, diferente de sistemas construtivos como o balloon framing, muito difundido nos EUA, o senhor optou por um sistema com estrutura independente das vedações.

T Qual a relação entre o mobiliário e as edificações em madeira desenvolvidas pelo senhor? Há uma inspiração mútua? SR Não, não. Eventualmente eu estudei mobiliário para casa, mas não tinha nada que ver com o tipo de casa em si.

T Nem mesmo os encaixes eram aproveitados? SR O tipo de encaixe numa fábrica artesanal era muito mais simples. Na casa você justapunha madeira com madeira e fixava com parafuso; já no mobiliário, embora eu tenha feito algumas experiências usando os encaixes rústicos das casas pré-fabricadas, você quase sempre esculpia a madeira.

SR É, isso aí é uma vantagem bastante grande. Você pode ter um esqueleto e colocar as paredes externas onde você quiser. Você cria vãos, cria janelas, cria grandes espaços nas paredes unicamente colocando placas. Se fosse de outro modo você precisaria recortar a janela onde havia janela, mas nesse caso não, você já entrega as paredes com a altura do parapeito da janela.

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T O senhor chegou a estudar nessa época a arquitetura japonesa? SR Não, a arquitetura japonesa já era uma outra coisa, de altíssimo nível. Claro que eu vi algumas casas nórdicas também, eram coisas maravilhosas, enquanto a minha era bastante simples. Não eram resistentes o suficiente para o clima frio. Eu tive inclusive um arquiteto dinamarquês que passou um ano comigo estudando a possibilidade de o sistema SR2 ser produzido na Dinamarca.

T O arquiteto Leif-Artzen? SR É, exatamente. Ele um dia foi me procurar; já tinha ouvido falar no meu mobiliário e era arquiteto e fazia móveis também. Perguntou se podia trabalhar comigo e eu falei “Pode, mas eu não posso pagar”. Ele falou “Não tem problema, quero aprender isso que você faz”. Então ele ficou comigo trabalhando. Quando ele viu que eu fazia casas pré-fabricadas ele se interessou muito e começamos a pensar o que precisaria ser modificado para construir com o sistema na Dinamarca. Pegamos uma casa, um modelo de casa pré-fabricada normal, completa, para ser repetida. Claro que seriam necessárias muitas alterações porque aqui no Brasil você podia fazer uma parede com 7cm de espessura − um compensado de 1cm por fora, um compensado de 1cm por dentro e uma estrutura interna de 5cm. E você não pode fazer isso lá fora. Lá fora você tinha problema de aquecimento no inverno, principalmente nos países nórdicos, então tinha que ser feito um estudo mais desenvolvido.

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T Foram feitas casas na Dinamarca? SR Não, foram feitos protótipos de casas que ele depois levou pra Dinamarca, mas eu não tive mais contato com ele, não sei o que aconteceu. T O senhor pode falar um pouco sobre o sistema SR2? SR Eu comecei a pensar na época em uma madeira fácil de encontrar. A madeira fácil de encontrar era toda em polegada. Não de 1”, mas madeiras de 3”, quer dizer, 7cm. A casa era toda baseada nisso, 7cm: 21cm de pilar, 21 por 21cm. Os pilares e o vigamento eram nessa base.

Um problema sério é a fixação desses pilares no piso. Eu fiz um cálculo aproximado e minhas primeiras casas foram todas feitas assim: eu tinha um pilar de 21cm por 21cm que entrava em blocos de 70cm por 70cm de concreto, que eram as sapatas. Era muito engraçado, muito engenhoso. Para não ter que colocar o pilar inteiro você colocava o que eu chamava de língua, que era metade de um pilar que ficava preso à sapata esperando o pilar em si, que entrava e encaixava. Agora, para não fazer um cálculo para cada casa as sapatas eram sempre de 70cm por 70cm de concreto. Era o único concreto que entrava na obra. T E como eram feitos o piso e a cobertura?

No caso dos pilares, tendo uma peça de 3”, um miolo de 3” e outra peça de 3” você teria praticamente 21cm por 21cm. Entre dois pilares ficava o vigamento, que era de 7cm, ou 3”. Era um pilar composto e a viga encaixava no meio. Você tinha esses elementos e usava como paredes externas o compensado que existia na época. Eu fiz aí uma certa adaptação do Modulor de Le Corbusier. Eu fazia as paredes externas com três módulos, três duplas de chapas de compensado. Só desenhando mesmo, mas você juntava uma parede a outra com uma talisca. Tudo de madeira. Claro que houve uma certa evolução com o tempo, que era a impermeabilização disso. As primeiras peças eram todas de peroba do campo, caras, mas muito boas. Deixou de existir isso para ser maçaranduba, para ser outra madeira qualquer, eucalipto.

SR Você tinha os pilares e as vigas principais que eram colocadas, claro, horizontalmente. Apoiadas nessa viga você tinha diversas vigotas e em cima um assoalho pregado. Para fazer o telhado você usava esse mesmo esquema com o mínimo de inclinação necessário para as placas de feltro asfáltico. Eram placas de 1m por 1m fixadas diretamente nas vigotas. Claro que se você quisesse um pouco mais de sofisticação você colocaria um forro de madeira e sobre ele as placas de feltro asfáltico. Nas últimas casas que eu fiz em Secretário eu encomendava a cobertura em São Paulo e ela já vinha toda em alumínio. Vinham aquelas peças todas que eram só apoiadas em cima, era uma vantagem bastante grande. Toda vez que for possível substituir alguma coisa artesanal por outra industrializada é muito vantajoso, mais rápido e mais barato.

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T A madeira era protegida com algum produto? SR No princípio houve uma grande preocupação minha em relação a isso. A madeira passou a ser toda tratada com um material anti-bicho qualquer, cujo nome eu não lembro agora, que garantia por um determinado período a durabilidade da peça. No caso dos pilares, como eram fixados na língua, não era preciso tratar com feltro asfáltico. Então eu embebia a língua no feltro asfáltico e a casa era montada assim, sem contato com a terra. Algumas casas foram feitas por operários do local − o cliente por uma razão ou outra dizia que a montagem seria feita por ele mesmo e não prestava atenção à proteção da madeira. Houve problemas, mas era possível substituir algumas peças caso houvesse apodrecimento ou bicho. Agora, coisas interessantes: nas áreas molhadas, cozinha, banheiro, eram usadas chapas de amianto: não tinha esses últimos materiais, então eram chapas de amianto que eram colocadas. No final eu achei que não havia tanta necessidade disso porque a desculpa da dona da casa era “Como é que eu vou fazer isso? Tem que jogar água, esfregar, vai molhar”, mas na época colonial os pisos eram de madeira e não tinha outro piso, não tinha outro material. Então se o piso fosse todo em madeira resolveria perfeitamente, mas mesmo assim todas as casas foram feitas com essas chapas de amianto. Agora, o engraçado da casa é o que o pessoal pergunta sempre: “Como é que se resolve o problema de eletricidade?”. Era de uma maneira muito fácil. Debaixo da casa você fazia feito o automóvel: colocava as entradas de eletricidade, furava próximo ao pilar, subia uma canaleta e passava o fio. Essa canaleta tinha na parte de baixo a tomada, no meio o interruptor e em cima a luz. Então a qualquer momento você

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podia colocar em qualquer lugar os conduítes fabricados − uma caixa de madeira com o conduíte normal por dentro. Você fazia esse instalação toda e era rápido, perfeito, sem problemas. Claro que eu nunca fui especialista em eletrificação, gás, essa coisa toda, de modo que eu tinha auxiliares. Mas as instalações podiam perfeitamente ser com o tubo aparente, eu só fazia a carenagem porque muita dona de casa acharia estranho.

T Entre as placas de compensado das paredes era colocado algum material para isolamento térmico e acústico? SR Nas primeiras casas as paredes eram feitas só com madeira. Depois era colocado eraclit entre as paredes, o que isolava o som e dava uma certa resistência à placa. O calor também melhorava. Agora o problema do calor. Claro que a casa seria implantada com uma determinado orientação, então só colocávamos o eraclit onde era realmente necessário. Quer dizer, nas paredes sul em princípio não colocávamos para ficar mais barato.

T É interessante que esses projetos de arquitetura do senhor usam a madeira de forma muito diferente de como usavam arquitetos como Lina Bo Bardi ou Zanine Caldas. SR Zanine, grande amigo. Fizemos casas juntos, ele fazia a dele, eu fazia a minha. Houve inclusive uma firma na avenida Brasil que fez a dele e a minha. A minha tinha muito mais charme do que a dele porque ele não pensava muita coisa, fazia assim uma casa de 4 pilares robustos em que você embutia uma porção de coisas. Nas minhas casas não, você embutia onde fosse necessário e subia o tubo.

T As casas do Zanine eram muito mais rudimentares, muitas vezes com a madeira não aparelhada, por exemplo. SR Era a madeira que ele encontrava no local. Algumas casas tinham acabamento maravilhoso, mas a maioria era muito mais simples. Ele gostava de fazer assim. Ele tinha muitas manias, não tinha uma preocupação maior com os banheiros, com a cozinha, muitas donas de casa chiavam com uma cozinha minúscula ou um banheiro minúsculo. Ele justificava do jeito dele, mas geralmente o que ele fazia não era aceito porque eram coisas simplificadas, como ele era simples também como pessoa. No caso dos meus banheiros eu tinha o box que era uma peça, uma bacia de fibra de vidro que eu desenhei que era colocada numa certa posição sem paredes. Sobre a bacia tinha uma auréola de metal com cortinas que davam a volta, então você tomava banho e depois quando abria a cortina os banheiros eram ampliados. T Existe material – desenhos, fotografias − daquele primeiro protótipo de 1960? SR Tem uma obra de arte que foi produzida pro lançamento no museu pelo Mário Pedrosa. Mário Pedrosa era um estudioso de arquitetura e fez um estudo muito grande sobre pré-fabricação que começava com Marcel Breuer, que fazia casas pré-fabricadas. Lá tem as plantas da casa do museu. A casa do museu tinha a parte de baixo também. No caso da exposição no museu, a parte de baixo foi transformada numa exposição com fotografias, com artes descritivas, etc. Uma coisa muito interessante.

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Depoimento de Marc Rubin

TAÍS 21.05.2014 Caro Roberto*, sou aluna da FAU/USP e no meu Trabalho Final de Graduação, orientado pela Profa. Mônica Junqueira, estou estudando o uso da madeira na arquitetura moderna brasileira. No trabalho, que deverá originar uma publicação e uma pequena exposição, proponho resgatar alguns projetos desenvolvidos entre as décadas de 1930 e 1980 nos quais a madeira tenha presença marcante. Em minha pesquisa, deparei-me com alguns projetos do escritório Botti Rubin que utilizam a madeira de maneira muito expressiva, como os Edifícios Albina, Hildebrando de Almeida Prado, Antonio Augusto e São Félix. Apesar da importância desses edifícios, tem sido muito difícil encontrar desenhos técnicos, croquis e boas fotografias. Gostaria de saber se vocês possuem material gráfico desses projetos em seu acervo e se poderiam disponibilizá-lo para a pesquisa Além disso, seria muito interessante ter a oportunidade de conversar com O Sr. Alberto e o Sr. Marc a respeito dessa produção e de como entendem a possibilidade do uso da madeira como material construtivo no Brasil.

E-mails trocados com o arquiteto entre 21.05.2014 e 22.05.2014

Seria possível que me recebessem no escritório para uma conversa rápida? Agradeço desde já por sua atenção e aguardo retorno. Atenciosamente, Taís M. Alves

*e-mail enviado a Roberto de Castro Mello 196

e encaminhado a Marc Rubin


MARC RUBIN 22.05.2014 Prezada Taís, Muito obrigado pelo interesse que você demonstra pelos nossos trabalhos dos anos 60. Os prédios que você mencionou com venezianas de madeira só puderam ser executados porque na época Botti e eu ficamos responsáveis pela construção, além do projeto e principalmente porque não houve interferência do pessoal do produto, do marketing, corretores, construtora e tivemos naturalmente a confiança dos proprietários. Não era uma incorporação típica, mas uma obra executada por conta dos proprietários que iam ficar cada um com 1 ou 2 andares. Uma característica dos projetos é que a estrutura e a fachada obedeciam a uma modulação única. Não tinha corretor para dizer que uma dependência tem que ter a largura de 2,80m, outra 3,15m e assim por diante. Alias, uma estrutura de concreto aparente quando periodicamente mantida com aplicação de silicone tem durabilidade para dezenas de anos (vide Edifício Rua Hungria, 888). Quanto a [sic] parte de caixilhos de madeira assumimos um risco calculado de mandar um simples marceneiro executar as venezianas (para cada projeto um sistema diferente de abertura) em cedro maciço, o que hoje seria impossível.

Sabemos que qualquer madeira, até o ipê, em lugar úmido acaba com o tempo apodrecendo. No entanto, as nossas fachadas resistiram ao tempo (40 anos) porque são ventiladas e recebem sol diretamente. Na época também fizemos, em várias ocasiões, treliças quadriculadas ou venezianas de madeira da mesma forma que alguns arquitetos de prestígio fazem hoje para fechar fachadas de residências particulares de alto padrão. Quanto a madeira utilizada, quando maciça, hoje ela tem uma proteção diferenciada pelos tratamentos químicos ou em estufa pelos quais passam (por exemplo eucalipto hoje pode ser utilizado externamente, antigamente a madeira que apodrecia rapidamente (exceção estaqueamentos mergulhado em áreas encharcadas de água para apoio das paredes das casas situadas em área úmidas como os dos Jardins América e Europa . Devemos ter algum desenho dos detalhes guardados no escritório e já mandei verificar. Não tendo havido, infelizmente, uma janela do meu tempo para recebê-la nestes dias agradeço novamente seu interesse, permanecendo à sua disposição no caso de maiores informações. Um abraço. MARC RUBIN

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Conversa com Ricardo Caruana

TAÍS Você trabalhou tanto com Zanine Caldas, que tinha a madeira como material construtivo principal em muitas de suas obras, quanto com Oscar Niemeyer, que com exceção do Catetinho, que foi pensado como uma edificação temporária, utilizou a madeira somente como acessório construtivo. Gostaria que você comentasse essa diferença no emprego da madeira na obra dos dois arquitetos. RICARDO CARUANA O Catetinho foi coisa do Dr. Lucio. O projeto da Praça dos Três Poderes é do Niemeyer? Pega os “Registros de uma Vivência”, que é o livro do Dr. Lucio, e vê o desenho que ele deu pro Oscar desenvolver o projeto. Tem a cúpula virada pra cima, a cúpula virada pra baixo. Os dois prédios do meio foi o Oscar que fez, mas no projeto do Dr. Lucio era um só, tinha a laje, tinha o rebaixo do terreno... O que o Oscar fez foi dividir um prédio em dois e deixar passar o eixo do raiar do sol do 21 de abril, que marca a República e que vem do Alvorada, então o sol entra bem por ali. O Dr. Lucio foi o rei do Brasil. Vai demorar centenas de anos para acontecer uma pessoa da qualidade humana do Dr. Lucio. Porque o Dr. Lucio não estava preocupado com a obra dele, ele estava preocupado com Brasil, então ele botava a ideia no bolso das pessoas e deixava elas irem defendendo essas ideias como se fossem delas.

Escritório do arquiteto São Paulo 22.07.2014

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No caso do Catetinho, o Dr. Lucio falou pra fazer de madeira pra ser igual a todos os barracos, pra ser leve, provisório, coisa do Dr. Lucio. O Oscar não tinha cabeça pra pensar numa coisa dessas. O Oscar teria feito, sei lá, uma escultura de concreto pra simbolizar que ali morava o começo da cidade. O Oscar tinha cabeça pra se destacar com uma destreza do outro mundo. Era paralisante trabalhar lá, o Oscar é maravilhoso. Mas isso, a coisa cultural, ele não tinha não. A coisa cultural o Zanine tinha pra dar de 1000 a 0. O Oscar não saia do escritório, ele ficava o dia inteiro no escritório e depois ainda de noite no escritório fazendo reunião política. No escritório a vida inteira. Ele não andou na rua, pra ele a rua era a noite do Rio de Janeiro quando ele era jovem. Isso é a noção de rua que ele tem, um pouco da malandragem, da boemia, mas o Oscar nunca foi conversar com um pescador pra saber como se amarram os nozinhos de uma rede. Nunca foi mexer com as próprias mãos, fazer um pote de argila. Jamais. O Zanine era outra coisa, o Zanine sabia como é que se dá o nozinho da palha de carnaúba da casa do sertão do Piauí, sabia como na África os caras amarram bambu pra fazer uma trelicinha. Ele sabe como é que no


Nepal acontece o encaixe de não sei o quê com quê. Ele foi pro Nepal, ele foi pra Bahia, pro Japão. O Zanine sabia até o último detalhe da casa japonesa. Quem sabia muito de arquitetura japonesa era o Oswaldo Bratke. Ele tinha um sítio no Morumbi na época em que o Morumbi era mais ou menos Cuiabá. Quando o Zanine veio pra São Paulo ele mexia com paisagismo e vivia precisando de viveiros, então o Oswaldo Bratke, que identificou a capacidade que o Zanine tinha, emprestou o sítio dele no Morumbi pro Zanine morar e fazer um viveiro. Aí o Zanine entrou em contato com a biblioteca de arquitetura japonesa que o Oswaldo Bratke tinha, que era a melhor que existia por aqui. Então com isso o Zanine entendeu muita coisa sobre arquitetura japonesa. E como ele era muito ligado à natureza, dali pra se interessar por madeira foi um passo só. Esse paralelo que a gente faz entre Le Corbusier e Gaudí você pode fazer entre Oscar e Zanine. O Oscar pensava uma arquitetura pro mundo, tanto que ele fez em Brasília a mesma coisa que fizemos na Argélia, a mesma, e se fosse na Índia seria a mesma coisa também. Ele não estava nem aí pra cultura do lugar, ele achava que o lugar não existia. É bacana como pensamento. O Paulo [Mendes da Rocha] fala muito disso: brinca que quando fazem o congresso de arquitetura brasileira os arquitetos do Rio Grande do Sul vão lá pra Fortaleza e ficam bebendo chimarrão e ostentando regionalidade. Que besteira monumental, tem coisa muito mais importante que esse fetiche cultural. Então por um lado o universalismo é verdade. Por outro lado, você tem que entender que a cultura é resultado das soluções de sobrevivência que uma sociedade inventa pra uma região. É por isso que a cultura do Saara não pode ser a mesma que a do Polo Norte e que uma casa no Sun Belt dos Estados Unidos vai ter muito mais a ver com a do Saara do que com a do Polo Norte, o clima é mais próximo... Não adianta você imaginar uma arquitetura “mundializada”. Por outro lado, não adianta você ficar com os fetiches da arquitetura regional como citação retórica. Então tanto o Oscar quanto o Zanine têm uma parte da razão, os dois juntos é que têm razão, o que é completamente paradoxal. Tanto Le Corbusier quanto Gaudí têm parte da razão. Então você chega na arquitetura de madeira... Para o Zanine a arquitetura de madeira não é um ponto de partida, é um ponto de chegada. Ele chega na madeira porque o Brasil,

porque o sol, porque a umidade, porque a produção natural da madeira no Brasil, porque etc. e tal, porque o próprio índio já tinha entendido isso e não fazia casa de outro jeito. É o resultado de uma análise que te leva a uma verdade, ela é imanente da terra. Você chega na madeira no fim da sua jornada intelectual. Você percebe que ali tem uma verdade e depois você faz a arquitetura ficar bonita através da sua sensibilidade plástica. Então sua arquitetura vai ser verdadeira além de bonita. E aí você vai bater no conceito de Platão de que “a beleza é o esplendor da verdade”. Você chega na madeira porque você está no Brasil com a possibilidade de crescimento natural de madeira, que evidentemente vai ser mais barata do que qualquer coisa porque se a natureza já está fazendo isso sozinha... Já pra fazer o metal você tem que pegar a madeira, cortar, fazer carvão pra jogar no fogo da siderúrgica pra reduzir o ferro gusa. Então por que você não vai fazer de madeira? Porque você não sabe, se não você faria. O Brasil foi colonizado sempre, tiraram a possibilidade de se aprender a construir com madeira porque a cultura ibérica, portuguesa, era influenciada por um lado pelos árabes, que não têm madeira, e por outro pela cultura mediterrânea: o Mediterrâneo, o Egito, Atenas, Florença, Paris... Essa história é a história mediterrânea, que é: a pele é portante, a pele é estrutural, você fura a pele pra fazer portas e janelas e a pele segura o teto. Quando você vai pra Ásia, que é o lugar das árvores, das monções, tem muita floresta, a árvore já é uma estrutura. A pele não é portante. Você tem o esqueleto de madeira e você tem uma pele, que é feita de qualquer coisa, em geral de terra não portante, de painel de terra estabilizada, armada. A arquitetura japonesa no século VIII já tinha resolvido tudo: o esqueleto é uma coisa e a pele é outra. A madeira se presta pra ser esqueleto, ela já é esqueleto, uma árvore é uma coluna com vigas em balanço, a vocação dela é ser estrutura. A arquitetura moderna foram os austríacos, os russos e uns outros poucos que inventaram. Mas Le Corbusier, que era genial, entendeu uma coisa importantíssima. Ele foi pro Japão e quando chegou lá ele sacou que a arquitetura japonesa era barroca. Ele foi o único, até então, que tinha sacado isso, que a arquitetura japonesa era barroca. Porque a essência do barroco é a surpresa, é a arquitetura não dedutível. Você chega em Praga e anda por uma ponte que tem uma certa direção e

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está enquadrando lá no fundo uma igreja. Você vai andando e, de repente, a ponte muda de direção e enquadra... outra igreja. Essa surpresa é uma brincadeira, é o barroco. Você chega em Praga e vai andando por uma rua com casinhas de 6m de fachada uma do lado da outra. De repente a rua engrossa e, naquele lugar, a casa não tem 6m, mas tem 12 ou 18. Quer dizer, você é forçado a fazer uma barriga e ficar mais longe da fachada para ter uma percepção correta dessa fachada de 18m, quando antes você tinha uma percepção correta dos 6m porque a rua era mais estreita. Quando você vinha na rua você não conseguia ver essa barriga: de repente, a surpresa. Isso é o barroco. O barroco tem a ver com a surpresa e tem a ver com a construção linear, uma coisa depois da outra, como quando as crianças brincam. Criança fala assim, “vamos fazer aqui o trem elétrico?”, “vou colocar a estação aqui”, “vou colocar o posto de gasolina aqui”, “então se você vai pôr o posto de gasolina aqui, eu vou colocar a igreja aqui”, é uma coisa em relação à outra linearmente, não existe projeto prévio. Na arquitetura clássica, que é o oposto ao barroco, você pensa primeiro os eixos e depois começa a preencher a árvore de natal; primeiro a árvore, os galhos, e depois você começa a colocar as bolinhas. No barroco não é assim, no barroco você vai colocando e vai vendo o que acontece, então é muito divertido, é muito parecido com a vida. Tanto o clássico quanto o barroco têm razão. É uma coisa que dura, faz 500 anos que tem essa discussão entre o clássico e o barroco. Essa é a grande contribuição que o Oscar deu, ele matou essa charada. É o único na história que matou essa charada. Ele vai lá e faz o prédio da Bienal: tá, tá, tá, tá, aí podia ser uma fábrica, podia ser uma fábrica estúpida, racional, clássica e previsível; “nã-na-nina, agora vou soltar as varandas”. E ele se solta totalmente da estrutura e faz aquelas curvas todas em cima de uma estrutura racional. Então é racional, clássico e ao mesmo tempo barroco. Onde é fácil tomar a liberdade ele toma e onde não convém ele não toma, com o que ele matou a charada. Essa é a grande contribuição que o Oscar tem pra dar pra história da arte.

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T Mas por que a arquitetura japonesa é barroca?

T Como é sua história com a madeira?

RC Uma das características da arquitetura clássica é a previsibilidade. Quando você olha um hospital clássico ou uma escola ou um castelo, para começar é simétrico. Então se pusessem um pano em frente da metade de cá você já saberia como é a metade de lá. A simetria é a composição do bobo porque uma metade afirma a outra, mas isso não quer dizer que essa metade seja verdade, pode ser uma porcaria, qualquer caleidoscópio te mostra isso. Você tem uma sensação de beleza, de harmonia, de equilíbrio, de tudo isso porque uma metade conversa com a outra. Quer dizer, é a coisa mais fácil que tem. E é previsível. O que é a arquitetura barroca? Ela é necessariamente imprevisível. Você aponta pra lá e é... pro outro lado. É uma piada... tem humor. Quando você entra na arquitetura japonesa você não sabe o que está acontecendo, você tem que percorrer o espaço pra descobrir o que vai acontecer. Le Corbusier sacou isso, mas na França daquele momento você dizer para um cara que ele era barroco era um insulto, barroco era o contrário de clássico, de claro, preciso e conciso, de inteligente, de elegante. Imagina, a França, 1900, triunfo total do racionalismo. Olha a maravilhosa arquitetura clássica, previsível, com os eixos, com tudo, Haussmann, imagina! Você falar de barroco era dizer “você é um atrasado, troglodita, homem das cavernas, não sabe pensar”. Então o Corbusier criou um conceito que se chamou a “indizibilidade” do espaço, l’espace indicible, que é o espaço que você não pode dizer, você tem que vivenciar, você tem que percorrer. Você pode descrever o prédio clássico, mas não pode descrever o prédio barroco. Você pode descrever, não sei, Les Invalides, em Paris, mas você não pode descrever o Palácio de Katsura. Então a “indizibilidade” do espaço, a impossibilidade de você dizer o espaço, a necessidade de você percorrê-lo e vinvenciá-lo, pra que ele exista, é próprio do barroco. Como Le Corbusier não podia falar disso sem que os franceses o jogassem Sena abaixo, ele inventa esse “espaço indizível” que os franceses adoraram. Ele dourou a pílula, os franceses a engoliram e isso se chama arquitetura moderna.

RC Eu fui pra Paris estudar arquitetura e fiz duas faculdades, a École des Beaux-Arts e a École Spéciale d’Architecture. Fiz essa segunda também de propósito porque era mais técnica. A Escola de Belas Artes, ainda que fosse pós Maio de 68, ainda tinha uma coisa formalista. Eu trabalhava num escritório bacana e, com a crise do petróleo de 1972, 1973, fecharam muitos escritórios de arquitetura, um desastre. Naquele ano nos Estados Unidos fecharam 900 escritórios de arquitetura. Tive que sair do escritório onde eu estava, que era bacana, procurei trabalho e acabei achando com o Oscar! Fui pra Argélia. Em Argel, eram obras gigantescas, trabalhei no projeto e na obra da Universidade de Argel. Gigantesca! Na Argélia não tem madeira, é um deserto. Como tinha muita grana do gás natural, eles compravam madeira na Finlândia e ela vinha pelo Mediterrâneo. A madeira chegava na obra bitolada 3 zeros depois da vírgula, embalada em plástico, maravilhoso, uma coisa de louco. Chegava aquela madeira claríssima sem nada de nó, coisa do outro mundo, e a gente fazia os moldes. Eu era bastante atento aos moldes e, um dia antes da concretagem, entrava lá, olhava aquilo tudo e dizia “gente, daqui a pouco vão desmontar tudo isso porque vão colocar o concreto e tirar o molde”. Era o que acontecia. O meu sonho, eu tinha 25 anos, meu sonho era que aquilo já fosse a obra, mas não passava pela minha cabeça que fosse possível, era só um desejo. Aí eu voltei pro Brasil porque o Zanine propôs que a gente fizesse uma parceria pra montar uma fábrica de estruturas de madeira lá em Nova Viçosa, no sul da Bahia. Então eu vim de Paris pra fazer essa fábrica com o Zanine e o Jorge Restrepo, que era colombiano e estudava comigo. Viemos direto de Paris para Nova Viçosa, um choque cultural, uma viagem no tempo, e começamos a trabalhar com o Zanine, que era um homem de imensa cultura. E eu era um menino intelectual formado na Paris pós Maio de 68. Fui me metendo em muita floresta, vi boi carregando tora no barro da chuva tropical com

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os mosquitos, com os caminhoneiros comendo farofa. Para mim era um choque antropológico e eu tinha uma visão antropológica da coisa. Eu saí da coisa intelectual e pelo Zanine cheguei à prática. O Zanine era um taurino eminentemente prático, pé no chão. E eu era exatamente o oposto, um escorpiano intelectual. Então a gente ficou amigo de paixão porque eu era tudo que ele não era e ele era tudo que eu não era. Foi uma complementariedade maravilhosa. Depois eu fiz meu escritório no Rio e, passado um tempo, cansei do Brasil e da arquitetura e fui pra Europa tentar outra coisa pra trabalhar. Mas como a única coisa que eu sabia fazer era arquitetura, fui lá trabalhar com o Jean Ellenberger. Era o melhor arquiteto de Genebra. Ele tinha feito o Jato d’Água e o aeroporto, que naquela época era o mais moderno do mundo. Enquanto eu trabalhava lá, chegou um convite pra uma palestra sobre madeira e eles disseram “Caruana, você que gosta de madeira, vai lá você”. Na Suíça tem aquilo de descentralizar as conferências, então de repente um cara de Genebra tem que falar numa cidadezinha de sei lá onde. Essa conferência do Natterer era não sei em que montanha. E eu fui. Quando cheguei comecei a assistir a apresentação e a cada slide que ele passava eu afundava uns 2cm na cadeira, eu não acreditava naquilo que estava vendo, era a realização do meu sonho, era aquilo tudo, aquela arquitetura enorme feita de madeira e já definitiva. No intervalo da palestra já fui lá falar com ele e contei que eu estava chegando da Amazônia, que tinha feito umas pré-fabricações na Bahia, que a gente tinha feito um trabalho grande no Araguaia, que eu tinha algumas fotografias e que queria mostrar pra ele... Na hora ele disse “Me interessa muito, aparece amanhã na EPFL [Escola Politécnica Federal de Lausanne]”, onde estava sendo fundado o Instituto da Madeira. Eu fui. Pensei “O que é que eu vou mostrar pra esse cara?, Imagina, ele está louco, ele não vai se interessar nunca por nada disto”. Mas fui, ele convidou e eu fui. Pedi licença em Genebra pra ficar um dia fora, fui pra Lausanne. Às

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10h da manhã comecei a mostrar os slides pro Natterer e no primeiro slide ele “Ja, wunderbar, Ja, Ja”. Ele achou o máximo e disse “O senhor começa a trabalhar aqui comigo amanhã às 9h”. Ele não perguntou se eu queria, se eu podia, se nada, ele achou o trabalho tão legal... Imagina o que era pra um alemão o Amazonas, madeira roliça com aquelas coisas que a gente fazia com o Zanine, ele achou o máximo. Eu fiquei muito surpreso porque eu achava aquilo tudo muito primitivo ao lado da erudição, do virtuosismo e da escala dele. Aí eu falei pro Ellenberger “Desculpe, mas é a chance da minha vida, é aquilo de que eu mais gosto, vou parar de trabalhar aqui e vou pra lá”. Fui e comecei a trabalhar com o Natterer. Eu não falava alemão e não podia escrever as plantas, aquele negócio todo, então eu comecei fazendo muitas maquetes. A gente fazia umas maquetes estruturais enormes e primorosas pra apresentações ao governo. E comecei também a registrar obras. Tinha que fotografar as montagens etc. e tal, então eu tinha um Mercedes-Benz bem antigo a diesel e tinha que atravessar a Alemanha pra ver a obra tal na qual estavam montando a viga tal, depois atravessava pro outro lado da Suíça, Alemanha, Suíça, ida e volta. Eu descobri toda essa tecnologia e ainda tinha escritório no Rio de Janeiro com um sócio que era o Jorge com quem eu tinha trabalhando com o Zanine e com o Oscar. Ligue pra ele e falei “Olha, chega. Pode ficar com os clientes, com o escritório, com tudo, eu vou ficar aqui”. Fui pra Europa pra ficar mais um mês e fiquei mais dois anos. Essa viagem da madeira, bom... Eu estou contando tudo isso por causa desse negócio de acharem a madeira bonita. “A beleza é o esplendor da verdade”. A verdade não pode ser a Pamela Anderson, entende? Nós temos hoje um problema mundial que é o CO2. Se você descobrir a cura do câncer é bacana. Se você descobrir a cura da AIDS é bacana. Mas não é nada em relação à importância que tem o problema das emissões de CO2 para o mundo. Se mudar o clima, e vai mudar, as migrações de insetos e de pessoas vão causar um desequilíbrio tal no abastecimento de comida que nós vamos ter saudade da AIDS como problema. Nós temos que ir lá catar o carbono de volta, nós já mandamos dióxido

de carbono demais. Se a gente parar de produzir poluição hoje não adianta, só poluição zero agora não adianta porque a gente já mandou demais. Ou seja, além da poluição zero nós temos que ir lá buscar e trazer de volta porque o efeito estufa já está aí. Para isso, as únicas alternativas são as algas e as árvores. Usar as algas é complicado, caro. Então sobram as árvores, que enquanto crescem sequestram carbono. Depois que a árvore cresceu você tem que decidir o que fazer com ela: se você cortar e fizer celulose você vai estar poluindo de novo porque o carbono volta pra atmosfera; se fizer carvão, o carbono volta pra lá. Mas, se você fizer uma cadeira com essa madeira o carbono é fixado, ele fica na peça. A noção de sequestro de carbono todo mundo já entendeu, o que as pessoas não entenderam ainda o bastante é que o problema não é só sequestrar carbono, o problema é fixar o carbono sequestrado. Se a humanidade fez muitos metros cúbicos de alguma coisa, foi de construção civil. Não fez muitos metros cúbicos de relógios, de computadores. Então nós temos que pegar o carbono, sequestrá-lo e fixá-lo dentro da madeira. E o que que você faz com a madeira? Ué, você faz piso, porta, cadeira, mesa. Com isso, por um lado você fixa o carbono sequestrado e impede que ele volte pra atmosfera, e, por outro, você deixa de fazer essa cadeira de alumínio, gastando energia, ou de plástico, gastando petróleo fóssil: não só você fixa como você para de poluir. Então existe aí uma verdade que não é arbitrária. A escolha da madeira é feita a posteriori de uma análise. Usar a madeira porque ela é cozy, gemütlich, aconchegante, très chaude, très élégante, não é por aí. É por outra razão. É pela performance ambiental e pelo desempenho técnico da madeira. Uma viga de madeira é mais leve que uma de concreto que vence o mesmo vão, tem um montão de razões objetivas e técnicas. Se ela é mais bonita é um presente, é um brinde, mas não é por isso que a gente usa.

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T Mas na arquitetura do Zanine, por exemplo, você diria que a madeira era usada no limite da técnica? RC Não, ele não podia. Ele usou no limite da técnica que ele pôde observar no Brasil. O Zanine usou madeira porque o Dr. Lucio fez o IPHAN e nomeou o Luis Saia e ele [Zanine] pra fazerem estudos do patrimônio histórico. O Zanine segurava a fita métrica de um lado e Saia do outro e iam medir as igrejas barrocas por aí. Então o Zanine sabia que uma viga de tanto por tanto aguentava tanto porque ele tinha medido a viga, não porque ele soubesse o que é o momento fletor, entende? Então tudo o que ele fazia era superdimensionado. Ainda assim ele era tão ousado que a coisa superdimensionada dele acabava tendo a dimensão certa, ele tomava tanto risco que no fim dava certo. Como ele mesmo estava na obra ele colocava um peso lá e se deformasse ele acrescentava mais uma coluna e fazia uma biblioteca e não sei mais o quê, inventava. Ele foi indo às escuras, como ele pôde. Agora um erro fundamental que fazem é dizer que o Zanine era autodidata. Quanta bobagem. Imagina se o Zanine era autodidata... O Zanine não foi pra escola de arquitetura, mas isso não quer dizer que ele era um autodidata. O Zanine fez 330 maquetes disso que se chama hoje a arquitetura moderna. Ele fez a maquete do Copan, de Brasília, dos hospitais, do Maracanã, sei lá, ele fez todas as maquetes dessa história. Como maquetista, o que acontecia?, a turma ia lá −Alcides da Rocha Miranda, Dr. Lucio, Sérgio Bernardes, Oscar Niemeyer − e passavam a noite inteira olhando a maquete e dizendo “Vamos mudar aqui porque tal coisa”, “Vamos fazer isso porque...”. Ele é o único no Brasil que tomou aula particular com os melhores arquitetos brasileiros. Ele entendia de arquitetura até dizer chega. Claro que acomodava a alguns modernos achar que ele era um baiano analfabeto decorador de madame. Porque quando ele começou a fazer a primeira casa tinha 50 anos e

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quando ele completou 60 ele tinha feito 600 casas. Invejosos, não aguentaram isso, então fizeram um processo contra ele por uso indevido da profissão, alegando que ele não era formado.

T O Lucio Costa interviu nesse processo, não foi? RC Eu tenho a carta do Dr. Lucio. Ele diz assim: “(...) na minha condição de ex-diretor da escola onde se formavam os arquitectos, proponho à congregação da atual Faculdade de Arquitectos a concessão do Título de Arquitecto Honoris Causa à José Zanine Caldas. E se, apesar desse reconhecimento acadêmico, ainda se considere necessário condicionar-lhe o exercício da profissão ao patrocínio legal de um colega regularmente registrado, a carteira 715-D estará sempre ao seu dispor, pois neste caso gostaria que, antes de a qualquer outro, a honra me coubesse”. Aí pararam com aquele processo idiota. O Dr. Lucio tinha paixão pelo Zanine. A gente ia verificar as obras no Rio de Janeiro e quando chegava, às 7h30 da manhã, o mestre dizia “Veio um sujeito com um carro preto, ficou lá em cima naquela rua, depois desceu do carro e ficou uma meia hora olhando, depois foi embora; tem que ver porque deve ser fiscal da prefeitura... alguma coisa”. E era o Dr. Lucio que passava na obra e ficava olhando como é que ela estava sendo montada antes de ir trabalhar. Pega o livro dele e vê o capítulo em que ele fala sobre o Zanine. O Zanine é coisa séria. Agora, claro, eu depois trouxe alguma tecnologia pro trabalho do Zanine. Descobri essa coisa hiper-hightech com o Natterer e quando voltei, oito anos depois, consegui incorporar mais tecnologia em alguns projetos que o Zanine me

passava. Natterer apreciava o trabalho do Zanine de joelhos. Eles ficaram amigos mas nunca puderam trocar uma palavra porque o Zanine não falava bem mesmo nem o português, imagina. Mas eles se adoravam, eu levei o Zanine para Lausanne várias vezes. O Natterer convidou o Zanine para dar a aula inaugural da segunda edição do mestrado de arquitetura em madeira da EPFL. Ele lhe tinha um respeito imenso. O Schweitzer, que é o arquiteto de maior importância no uso da madeira na França e que fez, por sua vez, a primeira cátedra de estudos de madeira em Paris, era apaixonado pelo Zanine e fez um texto sobre sua obra. O Zanine é coisa seríssima, só os brasileiros não perceberam muito.

T Tem algumas obras do Zanine que você destacaria? RC Tem: a Casa da Cuca, na Joatinga; a Casa dos Triângulos, que já não existe mais e era em Nova Viçosa; a Casa da Maria Haydée em Itaipava; a primeira casa que ele fez pra ele mesmo na Joatinga, que é uma casa muito palladiana com cheio, vazio, cheio, telhadão, uma piscina que entra por baixo da sala; a Casa do Sörensen, que era figurinista da Globo na época, uma casa simplérrima. São casas importantes como projeto. Eu teria que pensar um pouco pra responder bem a essa pergunta. Ah, a casa que a gente fez no Alto Araguaia para o Wilson Lemos de Morais, na época dono da Supergasbrás e de representações Scania. Era a sede da fazenda e a capela, que é outro projetaço. Eu estou te falando de meia dúzia entre cerca de 700 obras que ele fez. Mas se você pegar essas daí, essas daí são jogo duríssimo de qualidade de projeto, de arquitetura e de construção, de conceito, de tudo. São inacreditáveis.

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Conversa com Marcelo Suzuki

TAÍS Você pode falar um pouco sobre a escada de madeira projetada pela Lina Bo Bardi para o Solar do Unhão? MARCELO SUZUKI A estrutura do Unhão já existia. Estava em ruínas, mas foi recuperada. Ela abre um grande buraco e faz uma escada simplesmente magnífica. Você já foi lá? Eu tenho uma descrição bem forte que você consegue achar no meu doutorado. O mais legal disso é que quem mandou autorizar que fosse feita a escada foi o Lucio Costa. O departamento do patrimônio regional Bahia barrou a obra, achavam que era uma interferência forte demais. Então a Lina recorreu ao IPHAN central no Rio de Janeiro e o Lucio mandou uma autorização escrita à mão. Os meninos lá na Bahia viram a pasta do processo em que constava esse bilhete. Há uns quatro anos esse bilhete sumiu, alguém roubou. Mas o bilhete existe, tem várias pessoas que viram o documento, várias pessoas fotografaram.

T Dentre as obras da Lina, em que projetos você acha que a madeira tem um papel relevante?

Escritório do arquiteto São Paulo 11.06.2014

MS Bom, essa escada é uma obra prima por si só. Outro lugar onde eu acho que a Lina usou a madeira de uma forma muito bonita foi na Igreja do Santo Espírito do Cerrado porque é um tipo de estrutura bastante primitiva. Os grandes vãos são vencidos por um sistema de pilar e travessão, aí as madeira maiores vão se apoiando nas traves. É em Uberlândia, uma toda arredonda. Recentemente essa igreja estava meio em ruínas e alguns arquitetos fizeram um movimento e estão tentando recuperá-la; é que tinha um padre que odiava a igreja, então ele não dava bola e começou a não cuidar. Então acho que essas duas obras e isso aqui [aponta para a mesa], eu aprendi a fazer móveis com a Lina. No livro tem a cadeira original projetada pro MASP. Faltou dinheiro e como tinham que inaugurar o MASP compraram uma cadeira comercial que foi sendo paga ao longo do tempo. Isso foi em 1968, eu ainda não tinha me mudado pra São Paulo. Comecei a trabalhar com a Lina em 1981, no SESC Pompéia.

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T Uma coisa que eu queria perguntar para você é por que você acha que a madeira foi pouco usada na arquitetura moderna brasileira? MS Na raiz está uma visão que tem como similar o que aconteceu no paisagismo: o que é do Brasil não presta, então se importavam roseiras para fazer os jardins dos casarões da Avenida Paulista, importavam da Inglaterra. Folhagens, mato?, “quero isso longe de mim”. Rio?, “esgoto”. Então o ideal, o que era visto como chique, era uma negação do que era possível aqui. Pau-Brasil, índios?, “nem pensar”. “A gente quer a cidade, a civilização, quer destruir tudo porque o Brasil pode reconstruir tudo de novo, fazer 10 cidades em 100 anos, como aconteceu com São Paulo entre o século XIX e o final do século XX”. Somam-se a isso dois fatos: a presença forte das construções em madeira está na Amazônia, para os pobres, e no Sul, através dos imigrantes. A descendência imediata dos imigrantes já não queria morar em madeira porque ela era o símbolo da condição pobre dos seus pais. Então até descendentes de alemães ou poloneses, que têm uma tradição no uso da madeira, passaram a ter preconceito. Para piorar, as primeiras indústrias de casas pré-fabricadas de madeira eram muito ruins, tanto é que na legislação de todo condomínio se proibiam casas de madeira. Eles não estavam querendo evitar uma casa do Acayaba, não é isso, eles queriam evitar essa pré-fabricada. E até hoje, se você olhar os catálogos das casas pré-fabricadas, o máximo de aparência razoável é de um rancho de cowboy. Se você olhar os catálogos norte-americanos de construções em madeira, é outra história, parecem peças do Sérgio Rodrigues pra frente, aquele modelinho dele. Enfim, somou tudo isso e o Brasil deu uma emperrada na construção com madeira. Eu fiz uma casa bem grande com estrutura de madeira que foi publicada no Caderno Casa do Estado de São Paulo. Vou contar de onde foi tirada essa madeira porque foi uma história muito interessante.

Um fazendeiro que era pecuarista tinha na sua fazenda aquelas árvores no pasto que são isoladas; os boizinhos de vez em quando vão lá ficar na sombra, em geral depois que comem bastante. O dono dessa fazenda na margem do Rio Grande, que no início do século XX era muito visionário, deixou dois quilômetro de floresta em torno do rio. Hoje a legislação exige 50 metros e ele resolver deixar dois quilômetros, então tem de tudo quanto é bicho. E desde essa época era proibido caçar e pescar ali, ele mandava os peões dele vigiarem. Quando o filho desse cara herdou a fazenda, tocou durante muito tempo, estava muito bem, mas a pecuária acabou se tornando inviável nessas regiões que estão sendo invadidas pela cana. Então ele arrendou a terra para a cana. Você pode ver, o canavial é um zero, então entraram com um pedido de abater as árvores soltas no pasto. Quando os fiscais do IBAMA foram lá e viram a reserva florestal nas margens do rio eles falaram “Essas do pasto são brincadeira, pode tirar”. Quando o menino me procurou − menino nada, é um senhor, é mais velho que eu − e me contou das árvores eu disse que não ia nem começar o projeto sem antes ver o material. Aí fui lá e tinha pilhas e pilhas de tronco. Eu fiquei meio chocado e falei que íamos usar tudo. Era tudo Arueira, sabe o que é uma Arueira, né? Eu disse que iria lá com um engenheiro para medir, ver o tanto que as árvores eram tortas, numerar e transportar lá pra obra. Enquanto isso eu já fui fazendo o projeto em função das árvores. Depois o projeto foi publicado nesse Caderno Casa do Estado de São Paulo, um caderno que sai lá no meio do jornal de domingo. Choveram cartas mandando a lenha em mim, dizendo que eu estava desmatando a Amazônia. A fazenda é no estado de São Paulo. Não leram o texto, bastou a pessoa olhar pra ficar horrorizada. O Acayaba contou várias histórias semelhantes, o Hélio Olga deve ter mais milhões. As pessoas esquecem que na Finlândia, que é um país desse tamanhozinho em que 90% é gelo e só tem um pouquinho de floresta, eles usam madeira desde os vikings. A questão não é usar madeira, a questão é como usar. O Japão é uma ilhota perto do Brasil, faz construções em madeira há 2000 anos e as florestas estão todas lá. Então pessoas que mandaram pau assim são simplesmente vigilantes de uma situação que desconhecem.

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T Uma coisa que eu acho interessante é que a maioria dos arquitetos modernos que usaram madeira de uma forma mais enfática o fizeram em casas de campo, casas de praia. Você acha que existe uma associação da madeira a uma atmosfera bucólica, nostálgica? MS Tem, tem. Inclusive, é na praia que estão as casas com madeira do Paulo Mendes e do Millan. Acho que é mais uma das barreiras. Ou seja, quando a madeira foi usada, mesmo pelos modernos, foi usada com esse caráter.

T No caso da Lina, que tinha um interesse muito grande pela cultura brasileira, você acha que a associação da madeira à tradição popular despertava seu interesse, ao invés de possuir um caráter negativo? MS É, ela fez uma casa de luxo no Morumbi, a Cirell, usando muita madeira. Acho que ela não tinha a menor vontade de usar a madeira para fazer uma coisa praieira, bucólica, não. Era uma postura de diferenciação anti-burguesa, contra o consumo: é uma casa da cidade, é uma igreja num bairro pobre, porém é uma igreja que é pra ficar pra sempre. Quando ela propõe a escada do Unhão ela propõe uma escada pra sempre, ela não estava querendo desmontar aquilo em momento nenhum. Acho que é um protesto contra o consumismo e o pseudo-luxo burguês. Quando ela descreve a escada do Unhão, ela conta como tiveram que esperar para que o tronco principal fosse descoberto. Essa peça veio lá do sul da Bahia, aquela maravilha no meio da escada que pega três andares com pés direitos altíssimos, um tronco único. Ela falava da disponibilidade de uso da madeira no Brasil, da importância de se repor as florestas o tempo todo, tanto é que ela tinha o maior orgulho da mata lá em volta da casa dela e do jardim anti-burguês, o jardim selvagem, até mais descomposto que os do Burle-Marx. No caso da Lina, acho que usar a madeira é uma proposição categórica mesmo.

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T E o que você acha da possibilidade de uso da madeira para construção no Brasil?

T Então você diria que a madeira exige uma manutenção um pouco maior?

MS Se você fala com qualquer ecologista radical é assim, “não toque na floresta, daí não se tira nada”. Se você fala com qualquer biólogo não radical e com engenheiros florestais eles falam, “florestas morrem”. Por exemplo, é sabido, registrado, que a Mata Atlântica emendava na Amazônia. Então a abertura do semi-árido do nordeste as separou. Não tinha ser humano em quantidade suficiente para ter acabado com a floresta, foi um processo natural.

MS É, um pouco mais constante. E precauções de projeto são fundamentais. Conversando com o Acayaba, o Hélio Olga, você vai ver que o projeto tem muitas defesas. Uma, por exemplo, é o topo da madeira, que não pode sofrer muito porque o topo é onde estavam as veias pelas quais corria seiva, aquilo é vaso-comunicante. Você pode ver que uma tábua abandona no tempo vai se abrindo pelas pontas.

O sistema indígena de abrir clareiras, por exemplo, é bom para a floresta porque ajuda ela a se repor, se não a floresta envelhece. E mais, ao longo do tempo, vai aumentando demais a acidez do terreno sob a floresta por decomposição de matéria orgânica, então ela vai se matando. O que os engenheiros florestais falam é que é possível ficar vigiando a floresta, percebendo árvores que estão com tendência a morrer e retirá-las. Se você imaginar a Amazônia inteira, a madeira que sairia por reposições sérias estaria ajudando a floresta sem comprometer a disponibilidade futura de madeira. Essa operação podia ser organizada e incluir o transporte, na Amazônia se poderia contar até com os cursos d’água como foi no Canadá, onde usavam os cursos d’água na época de degelo para escoar a madeira, um transporte baratíssimo. Então se o Brasil inteiro ficar consciente de que pode usar madeira sim, mas com essas condições, sem madeireiras ilegais, tresloucadas, já haveria um grande salto na qualidade da mão de obra e do material disponíveis. Outras opção é o reflorestamento a sério, com programação para corte.

T E a durabilidade da construção com madeira? MS Isso aí é simples. Você tem saveiros andando no mar da costa da Bahia com quase 100 anos de uso. Todo mundo teoricamente tem que repintar uma casa a cada 5 anos usando látex da Suvinil. Verniz dura 3 anos, 2 anos. A pintura a cal, popular, dura 2 anos no máximo, a cal desbota. Então a questão é o ritmo de manutenção.

Um bom projeto que contenha todos os cuidados com a preservação da própria madeira vai contribuir para a manutenção ser menos intensa ao longo do tempo. Eu tive a oportunidade de fazer 5 passarelas em roliços de madeira sobre os córregos de São Carlos com a ajuda do professor Calil. O Calil fez ponte para caminhões passarem, caminhões com qualquer carga, ele fez uma lá e outras no Brasil inteiro. Então precisa de manutenção, mas não é nada exorbitante.

T E para habitação popular, você acha que a madeira é uma alternativa? MS É uma alternativa, mas aí temos problemas. Um deles está vinculado a toda aquela questão dos preconceitos, da aceitação: se você fizer vai ser rejeitado. E manutenção é outro problema. É uma questão de responsabilidade, quem ficará responsável pela manutenção, já que o morador teria condições limitadas pra fazer isso regularmente a cada 3 anos? Tem alguns outros problemas. O regime climático dos trópicos é muito diferente do regime climático do Japão ou da Finlândia. Lá o clima é dividido em 4 estações nítidas e precisas e no Brasil não, o regime é mais dinâmico. Você tem variações de umidade e calor durante o dia muito intensos e o ambiente é todo muito mais propício para insetos, então é muito importante tomar alguns cuidados. Esses cuidados, como por exemplo com cupim, aumentam um pouco a rejeição à madeira que já existe. São Paulo por exemplo é uma das cidades onde mais tem cupim. Cupim de uma infinidade de tipos. Eu estava me informando e soube que grande parte dos cupins chegou em São Paulo na época da industrialização por conta do containers, que eram de madeira. Vários deles que eventualmente tinham cupim foram reutilizados, as caixas eram desmontadas e se fazia de tudo: móveis, caixilharia... Então tem uma variedade quase universal de cupins presente em São Paulo. A ONU dos cupins é São Paulo.

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Conversa com Marcos Acayaba

TAÍS Segundo a tese do Décio Gonçalves, você levantou a hipótese de que a técnica japonesa de construção com madeira teria sido trazida ao Brasil pelos jesuítas, influenciando o modo de trabalhar com esse material em nosso país. Que elementos da arquitetura colonial brasileira a aproximam, na sua opinião, da tradição construtiva japonesa? MARCOS ACAYABA Essa hipótese é uma coisa que me ocorreu vendo a arquitetura tradicional japonesa e muita coisa da arquitetura colonial no Brasil. Em Ouro Preto há muitas casas construídas com uma estrutura que tem coluna, viga e trave em cima; o vão livre é preenchido de taipa de sopapo, essa taipa de barro jogado sobre uma trama de ripas de madeira ou de bambu. Isso é tipicamente uma construção japonesa, os japoneses faziam isso desde sempre. E esse tipo de construção não tem nada a ver com a arquitetura portuguesa. Em Portugal jamais se fez isso, lá se faz construção de pedra ou de adobe inteiro, paredes maciças, não existe essa coisa da estrutura de madeira e vedo de taipa. Então sabendo da presença simultânea dos jesuítas no Brasil e no Japão me ocorreu essa ideia – os portugueses não chegaram a ter uma colônia no Japão como tiveram na China ou na Índia, mas os jesuítas estiveram lá e foram muito influentes.

Casa do arquiteto São Paulo 18.07.2014

No Brasil não tinha pedra como tinha em Portugal; o clima mais úmido, quente, tem mais a ver com certas épocas do ano no Japão. Com os recursos naturais brasileiros, o clima e os materiais disponíveis... Então eu pensei na hipótese de os jesuítas terem trazido certas soluções da arquitetura japonesa para o Brasil e conversei com professores de história que acham muito razoável, que isso deve ter acontecido. Se for pesquisado, provavelmente vão ser encontrados documentos, desenhos que comprovam isso. Eu há muito tempo tinha essa ligação com a arquitetura tradicional japonesa e aí uma vez visitando Ouro Preto eu identifiquei casas, até fotografei algumas coisas em Ouro Preto, com um tipo de construção muito próxima do que se fazia no Japão. Eu acho que essa referência é importante aqui no Brasil. Isso não se manteve, mais adiante, no século XX foi meio esquecido.

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Mas quando o Lucio Costa faz aquele hotel, o Park Hotel em Nova Friburgo, tinha muito dessa raiz japonesa porque o Lucio Costa era um estudioso de arquitetura brasileira, fez muitos levantamentos, foi muito envolvido com o patrimônio histórico. Então acho que quando ele desenhou aquele hotel ele tinha na cabeça alguma coisa que tinha visto por aí de arquitetura colonial. Tem mais ainda, não sei se eu te mostrei, mas eu tenho uma publicação de uma casa que o Lucio Costa fez pro Thiago de Mello. Essa casa é exatamente isso, tem muito de arquitetura tradicional japonesa e muito de arquitetura brasileira do século XVI, provavelmente de coisas que os jesuítas foram construindo em situação de clima mais quente, parecido com o que tinham visto no Japão. Essa casa do Thiago de Mello é uma beleza, é linda, de madeira. O Park Hotel tem menos explícita essa raiz de arquitetura colonial feita com madeira e vedos de alvenaria branca. O Park Hotel tem menos disso, mas o Lucio quando foi fazer uma casa na Amazônia fez desse jeito. Eu acho aquela casa uma beleza e ela tem tudo a ver com a arquitetura tradicional japonesa. Então pronto, o raciocínio fecha. Para mim essa casa do Lucio foi importante. Eu só a vi quando foi publicada e já estava fazendo coisas de madeira, mas pra mim foi importante ver essa obra do Lucio. As coisas do Severiano Porto eu já conhecia, até visitei, estive lá em Manaus.

T Você foi visitar as obras do Severiano Porto antes de começar a trabalhar com madeira? MA Fui, na verdade fui. Eu fazia umas coisas com madeira de vez em quando, mas não era integralmente de madeira: tinha a estrutura da cobertura, tinha coluna, de vez em quando uma outra coisa, fiz até um quiosque que coloquei no meu livro. Foi um ensaio.

No ano seguinte, nós fizemos uma viagem, a família, fomos pro Nordeste, depois pra Belém do Pará e pra Manaus fazendo turismo. Em Manaus visitamos o Severiano. Fomos na casa dele e ele mostrou suas coisas. Eu já gostava muito de arquitetura japonesa então me lembro que nessa visita ele mostrou um livro de arquitetura japonesa, engraçado, o Severiano Porto... Ele era muito ligado em arquitetura japonesa, gostava muito. Mostrou livros, coisas que eu já conhecia, a gente ficou falando muito de arquitetura japonesa na casa dele em Manaus. Eu gostei das coisas que ele estava fazendo. Não vou dizer que comecei a fazer coisas de madeira por causa dele, mas foi um contato forte.

T Você acha que a arquitetura indígena, assim como a japonesa, influenciou o trabalho do Severiano Porto? MA Sim. Na casa que ele fez para si mesmo a maior influência é japonesa, mas aqueles hotéis que ele fez, aquelas coberturas, aquilo tem coisa indígena. Aliás, é muito bom, gosto muito. Foi aquele primeiro hotel grande que ele fez em madeira no meio da floresta que ganhou o prêmio principal da Bienal de Buenos Aires. Agora, tinha outras coisas feitas em madeira que me chamavam a atenção. Quem usou muita madeira foi o Sérgio Bernardes. Ele tinha algumas obras com madeira, sempre vigas de laminado colado e uma cobertura de meios tubos que eram feitos com cimento amianto e remetiam um pouco à telha capa-e-canal da arquitetura colonial. Então era uma coisa bem brasileira, de um sabor brasileiro, mas também muito moderno, muito leve, muito enxuto. Eu gostava das coisas do Sérgio Bernardes. Aquela casa dele no Rio tem uma estrutura de vigas de madeira, um embasamento de pedra maciça e uma cobertura muito leve. Muito bonito. Era o que tinha, o que me chamava a atenção. Se fazia muito pouca coisa de madeira.

Mas em 1985 teve a bienal de Buenos Aires e eu mandei um projeto, o Pavilhão Pindorama, que foi premiado. O Severiano Porto também ganhou um prêmio e ficamos muito amigos porque teve muita festa, muita comemoração.

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T E a arquitetura indígena brasileira, foi uma referência para suas obras com madeira? MA A arquitetura indígena não, sempre me impressionou, mas não foi uma coisa que eu peguei como uma referência, de jeito nenhum. Minhas referências seriam a arquitetura japonesa e o Frank Lloyd Wright. Para mim, foi muito importante o trabalho do Frank Lloyd Wright com madeira. E uns arquitetos cujas obras eu também fui visitar na Califórnia, Greene & Greene. Já viu?

T Não, não conheço. MA Fundamental. Muito importante. Eles são mais ou menos contemporâneos ao Frank Lloyd Wright. São dois arquitetos formados na costa leste, acho que na região de Boston, dois irmãos. Eles fizeram Artes e Ofícios, Arts and Crafts. Foram para a Califórnia e lá montaram uma oficina, projetavam casas muito interessantes, tenho alguns livros que posso te mostrar. E faziam móveis, a produção deles ficou muito importante na área do design porque eles fizeram móveis modernos para as casas deles. Vamos lá, vou te mostrar. [vamos ao escritório] Eu fui para a Califórnia e comprei esse livro aqui, Five California Architects. Isso aqui são as primeiras coisas que os Greene & Greene andaram fazendo, 1907, tá vendo? Tem uma evidente influência oriental. Na Califórnia tinha muita colônia Chinesa e Japonesa, sabia? Eu visitei... foi em 1979 que eu estive lá. A minha primeira casa com madeira, que é meio japonesa, também é muito influenciada por essa arquitetura. Isso eu reconheço. Eu gostava muito desses caras, gosto até hoje, mas na época me impressionou muito, eu andei fazendo coisas parecidas. Na hora em que eu fui trabalhar com o Hélio Olga pela primeira vez, foi isso que pintou.

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T E você visitou obras do Frank Lloyd Wright? MA Eu visitei muitas obras do Frank Lloyd Wright, muitas. [continua folheando o livro] Esse aqui é o Schindler. Esse cara é um austríaco que trabalhou muito tempo com o Wright e que também fez muita coisa usando madeira. Então eu fiz uma casa que tem um pouco a ver com isso aqui, a primeira casa que eu fiz com estrutura de madeira com o Hélio. [começa a mexer em um arquivo de fotos e desenhos de projetos seus] Isso aqui é anterior, essa casa é de 1983. Isso aqui tem bastante madeira. Essa fica em Atibaia. É uma casa de alvenaria, esse balanço é de concreto. Essa casa tem um telhado que de repente dá um terraço daquele ali, encaixado, que vira uma estrutura de madeira. Dentro ela é assim, com forro de madeira. Mas é engraçado, essa é uma casa de que eu nem lembro muito.

T E o Craig Ellwood, eu vi que no seu livro você cita o trabalho dele. MA Ele fez umas poucas coisas de madeira, poucas. O que me influenciou mais é o desenho de estrutura dele, estrutura de aço treliçado, essa coisa de fazer estrutura na fachada. [continua mostrando casas suas] Essa obra é aqui perto. São duas casas de tijolo que têm bastante madeira, um pé direito duplo bacana. Isso também é desses anos 1980, começo dos anos 1980, 1982.

Isso aqui é Paúba. Eu fiz uma brincadeira, esse tronco, essa mão francesa, no meio da sala. É uma casinha pequenininha, tem um mezaninozinho. Essas foram minhas primeiras experiências com mais madeira do que só telhado: fazer um mezanino, uma coluna.

T Ver esses seus primeiros projetos com madeira, a maioria casas no campo ou na praia, me remete ao fato de que na obra de muitos arquitetos modernos a madeira aparece com mais ênfase em projetos no campo ou na praia. Por que você acha que existe essa associação? MA Essa coisa da segunda casa, a casa de weekend. No weekend você quer ficar mais relaxado, mais informal, quer um material mais natural, não é assim? Aí pinta a madeira. Essa casa aqui foi com telhado gang-nail, aquele sistema, veio tudo pronto da fábrica. Era tudo de tijolo à vista. No sistema gang-nail você faz uma treliça e em vez de fazer uma tesoura, depois fazer terça e caibro você usa isso aqui, que já vai praticamente no espaçamento dos caibros. Você faz a estrutura com peças leves, traz pronto de uma fábrica e monta em série com gabarito. As peças são prendidas com esse sistema gang-nail, uma chapa que repuxa e fixa com o prego. Essa estrutura tem uma produção industrializada e em cima disso só vai o telhado. É uma casa meio tradicional, mas tinha que ser, não tinha jeito, eles já tinham aberturas antigas que queriam usar na casa. Aqui tem uma outra casa em que eu usei muita madeira. Essa casa é interessante, eu nunca esqueço completamente dela, vamos olhar. Essa casa tem uma planta bonita. São colunas de madeira, é um vão livre grande. Essa casa é bonita, é em Ilha Bela, de 1973. Você vê, eu tinha vontade de usar madeira, mas foi quando eu conheci o Hélio Olga que essa história ficou favorável, ficou prático.

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T Falando nisso, queria saber se as soluções construtivas que vocês desenvolveram para a Residência Hélio Olga puderam ser reproduzidas em outros projetos obras. MA O sistema estrutural completo, os nós e tudo, aquilo não foi reproduzido nenhuma outra vez.

T Então a cada projeto são desenvolvidas novas soluções? MA Geralmente sim, mas naquela série de casa triangulares que eu fiz deu para aproveitar soluções de uma para a outra. Mas voltando a essa casa em Ilha Bela, você vê que a madeira sempre esteve presente no meu trabalho, mas foi ganhando autonomia.

T Em relação a essas casas mais antigas, os projetos que você fez depois com o Hélio Olga são bastante diferentes, não acha? Muitas das casas parecem estar voando... MA As mais conhecidas são casas voando. Essa coisa da madeira me leva um pouco a isso por ser um material leve, por você fazer uma estrutura leve, uma espécie de gaiola. Não sei se eu já te contei, mas quando eu cheguei no desenho final da casa do Hélio Olga eu disse, “isso aqui podia ser uma boa homenagem ao Santos Dumont”. Lembra o 14 bis, a estrutura do 14 bis é de cubos atirantados. Então acabei associando a madeira a coisas leves, com uma certa autonomia em relação ao solo, muito boas para terrenos difíceis, acidentados. Meu caminho com a madeira é esse, não tem muito segredo, não.

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T Essa nova geração de arquitetos que usam madeira, muitas vezes trabalhando com o Hélio Olga, é muito influenciada pelo seu trabalho. Acho que esse jeito de trabalhar madeira que começou na Residência Hélio Olga é uma referência muito importante. MA É, aquela casa ganhou um prêmio importante. Nos 70 anos de fundação do IAB nacional organizaram uma premiação nacional comemorativa. Foi uma premiação especial e eu mandei a casa do Hélio Olga, que tinha acabado de ficar pronta, e ganhei o prêmio principal. Saiu em página inteira no Jornal do Brasil, saiu aqui na Veja, no Estadão. Aí muita gente começou a fazer coisas com madeira que têm um pouco a ver com esse espírito. Tem coisas muito boas, de que eu gosto muito. Eu mesmo não tenho tido clientes para fazer mais dessas coisas com madeira. Fiz nesses últimos anos uma casa de madeira boa que eu nem publiquei, mas é uma casa bem boazinha lá em Ubatuba, o Hélio Olga fez a estrutura e ficou boa. É uma casa de 250 m2. Mas aí foi diminuindo o número de projetos de casa, tem uma coisa de geração. Enquanto eu tinha 30 anos eu fazia casas pra pessoas que tinham 30 anos, 30 e poucos, um pouco mais velhas que eu. Agora as pessoas da minha idade não fazem mais casas, já têm. Então estou fazendo programas sociais, programas públicos, coisas de que eu gosto muito.

T Falando nisso, você acha que a madeira é um material adequado para habitação social ou para um edifícios públicos de grande porte? MA Dá pra fazer. Prédio público depende. Acho que hoje em dia ainda é bem difícil fazer uma escola com estrutura de madeira por conta da manutenção. Eu fiz umas escolas em pré-moldado de concreto que têm tanta interferência do uso, mudam a pintura, fazem alterações, sabe? O pré-moldado de concreto aguenta. Fico imaginando que se fossem construções de madeira seria mais difícil. Agora, você pode fazer escolas particulares, o Vera Cruz tem coisas de madeira feitas pelo escritório Base 3. Tem uma construção nova, recente, cuja estrutura o Hélio Olga fez que ficou uma maravilha, uma belezinha. Habitação social também daria pra fazer, mas acho ainda um pouco difícil, porque a habitação social no Brasil tem uma tal escala... Quando você vai fazer um projeto de habitação em geral são conjuntos muito grandes. Eu estou fazendo um que tem 1300 apartamentos, é um negócio enorme. É um bairro, são vários prédios, comércio e tudo. Quer dizer, se eu tivesse projetado com estrutura de madeira eu não teria quem fornecesse, não tem uma produção de estrutura de madeira numa escala como essa pra atender esse volume todo de obra, não dá. Agora, dá pra fazer coisas menores. Se, por exemplo, houvesse aqui uma coisa admirável que acontece no Uruguai há muito tempo, um sistema de cooperativas em que as pessoas compram um terreno, procuram um arquiteto e fazem um projeto de uma escala menor, daria perfeitamente pra trabalhar com estrutura de madeira.

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Agora, o que se faz aqui para o poder público depende de concorrência, então ainda não tem como produzir com madeira. Teria que ser uma outra escala, um outro tipo de produção, como esse da cooperativa.

T Você acha que a difusão do uso da madeira na arquitetura europeia a partir da década de 1970 influenciou a sua obra, na qual esse material passa a ter mais destaque a partir dos anos 1980? MA Acho que não. O que eu olhava foi o que te falei. Frank Lloyd Wright, o Wright fez muita coisa de madeira industrializada, trabalhou muito com essa questão. As coisas do Wright foram importantes como referência pra mim. As coisas na Europa nos anos 1970, acho que eu vi, mas não me aprofundei, não estudei, o que eu estava estudando era a obra do Frank Lloyd Wright, as coisas do Wright nos anos 1920, 1930, 1940. O Wright foi importante, pra mim foi.

T Tenho mais uma pergunta que gostaria de fazer. Tem um texto do Guilherme Wisnik (in Aflalo, 2005) em que ele diz que o modo como a madeira é explorada em seus trabalhos difere do uso desse material por alguns arquitetos modernos brasileiros, em cujos trabalhos predominam técnicas mais rudimentares. Você concorda com essa leitura? MA Pois é, a minha referência é o Frank Lloyd Wright. O Wright fazia uso de madeira de um jeito bem técnico, bem preciso, fazendo estruturas mais ou menos arrojadas com madeira. Se você olhar as coisas do Wright dos anos 1930, 1940, as Usonian Houses... Eram casas que ele começou a fazer na época da depressão de 1929, casas muito econômicas, muito simples, muito compactas, em que ele usou muita madeira. Para mim isso foi uma referência grande. Eram coisas técnicas, precisas, comprometidas com a indústria.

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O Wright, apesar de os historiadores em geral, os maus historiadores, colocarem o Wright em um departamento de arquitetura orgânica com um lado romântico, era extremamente comprometido com a indústria, com o projeto de arquitetura para produção industrial. Ele foi por exemplo o inventor do bloco de concreto. Tem umas casas do Wright na Califórnia antes dos anos 1920 com bloco de concreto, bloco estrutural, elementos vazados. O Wright tinha uma coisa interessante: a ideia de a indústria produzir componentes pequenos que você transporta para obra e monta, a filosofia dele era essa, e não peças muito grandes. Grandes pré-moldados de concreto, por exemplo, o Wright nunca usou. Então é um arquiteto que sempre foi muito ligado à indústria. Na hora em que ele teve que fazer coisas muito econômicas nos anos 1930, 1940, ele usou muita madeira, desenvolveu sistemas de painéis muito interessantes, painéis compostos. Olhar essas casas, o detalhamento, todo o sistema de montagem, isso foi muito importante pra mim. Então quando eu fui trabalhar com madeira produzida numa fábrica, um sistema pré-fabricado, eu acabei fazendo uma coisa de técnica. Tive oportunidades pra fazer isso, se eu não tivesse tido o Hélio Olga como cliente não teria feito a casa dele, não iria fazer pra outro cara. Fiz pra ele que comprou aquele terreno, tinha a fábrica e era um ótimo calculista. Pude fazer essa experiência por conta dessas circunstâncias favoráveis. De fato, quando cheguei no desenho dessa casa pensei “Puxa vida, aqui tem uma coisa nova muito forte, descobri uma coisa”. Você descobre, mas é claro que eu não tirei isso do nada. Tinha um monte de referências que eu estava olhando e que compareceram na hora em que eu tive que enfrentar essa questão. Apareceu uma coisa nova na minha mão, mas porque eu estava vendo diversas outras coisas que estavam sendo feitas. É tudo um processo e esse processo não estava

acontecendo no Brasil. De fato acho que o Wisnik tem razão, aqui não tinha ninguém usando esse material de uma forma mais radical. A premiação do IAB no Rio de Janeiro foi muito importante para divulgar essa casa. É interessante olhar a ata do concurso, que diz que esse projeto levou o júri a discussões radicais, inconciliáveis. Uma parte achava que aquela obra era só mais uma casa pré-fabricada de madeira, dessas tantas que são feitas. Desde os anos 1960 tinha casa pré-fabricada de madeira, a mais famosa de São Paulo se chamava Bel Recanto, se fazia muito casinha pronta pré-fabricada de madeira pra você comprar e plantar numa praia, numa montanha, num loteamento de campo. Em São Paulo devia ter uma 3, 4, 5 empresas produzindo casas de madeira pré-fabricadas, era uma coisa assim de telhadinho, depois vinha um lambrizinho por fora, outro por dentro, a estrutura era revestida com tabuinhas, umas janelinhas, um telhadinho, uma casinha de campo típica. Por aí anda existem muitas, se foram bem mantidas duram, resistem. Então parte do júri achava que a Casa do Hélio não passava de mais uma casinha pré-fabricada de madeira, dessas bem vulgares, que não mereciam maior interesse. E parte do júri achava que não, que era um projeto radical, comprometido com a técnica, desenvolvido rigorosamente, que tinha um avanço técnico na sua solução. Na época tinha um menino que trabalhava comigo que dizia assim, “Esse radical não é só radical de pegar as coisas pela raiz, como dizia o Marx, essa casa tem a ver com esportes radicais, ela é radical como um ultraleve”. Pode ser, essa leitura é interessante, uma casa radical desse jeito. Muita gente viu fotos, até colegas de classe na FAU, e, não prestando muita atenção, me ligou e queria saber quem tinha feito aquela estrutura metálica pra mim. O cara olhava sem prestar muita atenção e pensava que a estrutura só podia ser metálica. Mas não é metálica, então fazer com madeira um desenho que só poderia ser pensado com estrutura metálica foi uma novidade.

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Conversa com Carlito Calil Jr

TAÍS Você pode falar um pouco sobre o Laboratório de Madeiras e Estruturas de Madeira (LaMEM) da Escola de Engenharia de São Carlos da USP? CARLITO CALIL O LaMEM faz parte do Departamento de Engenharia de Estruturas. As atividades aqui começaram em 1970 com o Professor Hellmeister. Ele trabalhava no IPT e veio para a USP para montar um grupo de pesquisa nessa área de madeira. Eu entrei aqui em fevereiro de 1976 junto com o Rocco [Francisco Antônio Rocco Lahr].

T Vi que você é o coordenador da comissão da ABNT para elaboração da Norma Brasileira para o Projeto de Estruturas de Madeira. Como está esse processo? CC A versão revisada das normas, a versão atual, já foi inclusive aprovada pela ABNT, só não foi promulgada ainda porque está faltando definir os métodos de ensaio. Isso está sendo feito para a aprovação da nova norma.

T É uma norma para estruturas de madeira no geral? CC Sim, é a NBR7190. A atual é de 1997 e agora fizemos essa revisão que deve sair ainda esse ano. Houve algumas modificações em relação à norma original. Laboratório de Madeiras e Estruturas de Madeira USP São Carlos 16.09.2014

T Como você compara a nova norma brasileira com a de outros países? CC A norma brasileira está muito boa. Semana passada eu estava numa comissão lá no Uruguai em que estamos fazendo uma norma sul-americana para estruturas de madeira. A norma brasileira é melhor que a argentina e que a chilena, que ainda usam o método das tensões admissíveis. O Eurocode remete aos estados limites, então nós estamos no mesmo nível das normas internacionais europeias, americanas e canadenses. Nossa norma está bem atual.

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T Você construiu diversas pontes em madeira no país inteiro. Você considera a madeira um material adequado para a construção de infraestrutura e habitação social, obras públicas no geral? CC Não tenho nenhuma dúvida em relação a isso. Eu acho que a madeira é um material estrutural ecologicamente correto. Veja que a madeira é o único material de fonte renovável. Se você analisar o consumo energético para produção de cimento e de aço verá que é muito grande, enquanto que a madeira se forma com energia solar. Em relação à viabilidade técnica, a madeira é um material que tem uma resistência maior que a do concreto e o peso 1/5 menor. Em relação ao aço, se você considerar a relação peso/resistência, a madeira também ganha. Então tanto ecologicamente como tecnicamente a madeira é um material correto para a construção de qualquer tipo de estrutura, tanto estruturas pequenas como estruturas grandes. Exemplo disso é que no Canadá está sendo projetado um prédio de 30 andares em madeira. Até agora existem prédios de 12 andares, mas estão projetando um de 30 andares para mostrar a viabilidade técnica da construção com madeira.

T No Brasil, que avanços são necessários na silvicultura e na indústria de beneficiamento da madeira para viabilizar obras de grande porte? CC O futuro da madeira é a industrialização, ou seja, produtos engenheirados da madeira como madeira laminada colada, madeira laminada colada cruzada, painéis estruturais de compensado, etc. Para isso precisamos ter uma boa indústria. Atualmente, tem poucas indústrias de madeira laminada colada no país [Ita, de São Paulo (SP); CAM, de Catalão (GO); e Esmara, de Viamão (RS)] e por enquanto esse material ainda é economicamente pouco viável por causa do custo do adesivo. A madeira laminada colada é composta pela madeira e pelo adesivo para finalidade estrutural, que é importado e atualmente custa muito caro. Então hoje a madeira laminada colada no Brasil está custando de R$3000 a R$4000 por m3, enquanto que no Chile está US$750,00,

na Argentina está na faixa de US$800,00. Eles pagam menos imposto. Na Áustria, por exemplo, a madeira laminada colada custa 800,00 €/m3. Em Fortaleza estão fazendo um shopping com madeira laminada colada vinda da Itália. Uma obra muito bonita, está sendo montada. Ainda não fui até lá dar uma olhada, mas todas as vigas vieram da Itália. O projeto é italiano também, tudo é italiano. O Brasil não teve condições de arcar com a construção por causa do custo e da disponibilidade do material. Então nós temos condições, mas temos que diminuir um pouco os impostos e os custos de produção. Mas é viável sim. Tecnicamente é viável, tanto que outras obras de madeira laminada colada estão sendo construídas no Brasil, não desse porte, mas estão sendo construídas.

T Quais cuidados devem ser tomados para garantir a durabilidade da madeira no Brasil? CC Esse é um ponto importante porque no Brasil temos muitos problemas com insetos: térmites, cupins, etc. Então dependendo da madeira utilizada, principalmente se for de reflorestamento, ela muitas vezes precisa ser tratada. Hoje no Brasil o tratamento é feito com produtos hidrossolúveis, o CCA e o CCB. A madeira precisa ser tratada se for Pinus; já se for utilizado eucalipto, principalmente o cerne, a madeira não absorve muito tratamento e o tratamento normalmente é superficial. Atualmente, dessas três indústrias de madeira laminada colada daqui, duas usam eucalipto não tratado e uma usa pinus tratado.

T No caso da madeira nativa a necessidade de tratamento depende da espécie? CC Depende da espécie. Normalmente, o cerne da madeira tropical não é tratado: não adianta nem tentar tratar o cerne porque o produto não penetra. O tratamento seria mais para o albuno da peça quando a madeira não

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tem uma durabilidade natural já comprovada. Nesse caso o tratamento é recomendável para não haver uma deterioração muito rápida do material, para aumento da durabilidade. Mas hoje mais do que a espécie se consideram as classes de uso. Se eu utilizar a madeira no litoral, onde tem um molusco chamado Teredo que ataca a madeira, é necessário um tratamento especial. Se você deixar a madeira interna, onde você não tem ações de ultravioleta, de água, umidade, etc., já é uma classe de uso 1. Na água do mar, por outro lado, é uma classe de uso 6. E para cada classe de uso você tem um tratamento recomendado para a madeira. Essa é a filosofia hoje.

T Na aula você estava falando que na Suíça não é permitido fazer nenhum tratamento na madeira... CC Tem alguns países que não aceitam por conta dos produtos utilizados, mas eles não têm muitos problemas com insetos. No Brasil algumas espécies não são tratadas, como o cerne de eucalipto, que é utilizado sem tratamento. Agora, se a madeira estiver em contato com o solo é preciso tomar um cuidado especial porque além do problema da umidade tem o problema dos cupins de solo que atacam muito a madeira.

T E os cuidados de projeto? CC Projeto. Isso é muito importante. Projetar a madeira pensando na durabilidade. Ou seja, sempre que possível fazer uma varanda, elevar as colunas de madeira do solo. São alguns cuidados, como evitar muito contato com ultravioleta; se forem persianas ou janelas, que ficam sujeitas à ação do sol, pôr um tratamento superficial adequado, e assim por diante.

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T Comparando a madeira plantada com a madeira nativa manejada, quais são as vantagens e desvantagens? CC Na minha opinião deveriam ser usados os dois. Hoje estão fazendo grandes trabalhos de manejo de madeira tropical que são muito importantes. Acho que a floresta tem que ser utilizada, essa história de não mexer na floresta é uma besteira muito grande porque a árvore tem a vida dela. Eu já visitei áreas de manejo florestal e nitidamente as árvores antigas são comidas por dentro por insetos, a árvore depois de um tempo morre, então o ideal é renovar. A filosofia de manejo é exatamente isso, é você tirar as árvores mais antigas para dar espaço para as novas crescerem. Então acho que tem que se usar tanto manejo florestal como florestas plantadas. Todas têm suas vantagens e desvantagens. Claro que a madeira tropical é muito mais estável, muito mais resistente, não tem defeitos. Toda floresta plantada apresenta naturalmente defeitos, como os nós, que são comuns no Pinus. Mas a utilização da madeira de florestas plantadas é perfeitamente coerente desde que se faça uma classificação visual e mecânica do material. Aí você utiliza o material adequadamente.

T Eu li uma tese do Reinaldo Ponce (1997) em que ele diz que a diversidade biológica das florestas brasileiras poderia ser um empecilho à utilização da madeira nativa, pois significaria um baixo volume por hectare de cada espécie, o que comprometeria a disponibilidade de uma mesma espécie para o cliente. Você concorda? CC Não. Prevendo isso daí nós definimos os critérios para peças estruturais em função da sua classe de resistência. Eu não falo de uma espécie, falo de uma classe de resistência, então tem muitas espécies que caem na mesma classe de resistência. Você pode usar qualquer espécie, essa é a vantagem. O

mercado das madeiras tropicais é muito dinâmico, chegam espécies que você não conhece, mas através de alguns ensaios você já determina a classe de resistência do material. Se você olhar o Eurocode hoje vai ver que as normas internacionais falam de classe de resistência, quanto vale a resistência a compressão e a flexão da classe, aí você tem um valor em que várias espécies se encaixam. Não teria muito sentido falar numa espécie porque uma espécie pode ter uma variabilidade de 100%, você pode pegar uma peça de madeira de Arueira ou de Maçaranduba, qualquer espécie tropical, e ela tem uma variabilidade muito grande, ela pode ter tanto uma resistência de 50 como de 100. O recomendado é fazer os testes. A madeira é um material heterogêneo e anisotrópico [comporta-se diferentemente em cada eixo de orientação], então apresenta grande variabilidade. Para melhor utilizar esse material é preciso fazer a classificação visual e mecânica. Evidentemente madeiras tropicais não têm tanta variabilidade como têm as florestas plantadas, cujo crescimento é muito mais rápido, mas existe uma variabilidade que deve ser considerada no dimensionamento, então a norma brasileira já considera a classe de resistência independentemente da espécie.

T Então a caracterização das espécies não faz mais sentido? CC Nas florestas plantadas sim, faz sentido. Cada vez que entra uma nova espécie de floresta plantada − por exemplo, Pinus, Eucalipto, Teca − é bom que se façam tabelas de suas propriedades de resistência. Nesse caso, o dimensionamento é voltado para uma tabela das classes de resistência daquelas espécies.

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T Eu queria fazer uma pergunta a respeito da Companhia Hauff e de suas estruturas de madeira do início do século XX. Você acha que a tecnologia utilizada pela Hauff foi levada adiante ou houve uma interrupção depois dessa primeira experiência? CC Houve uma interrupção, a própria Hauff depois de um tempo começou a fazer estruturas metálicas e de concreto em função dos problemas culturais da utilização da madeira no Brasil. Mas nós resgatamos todas as estruturas Hauff com a finalidade de dar continuidade a esse trabalho. As dificuldades que nós temos hoje é que na época Hauff trouxe para o Brasil carpinteiros alemães e italianos que construíam suas estruturas, carpinteiros que tinham experiência na construção de estruturas de madeira. Hoje nós não temos mais essa mão de obra. A madeira deve agora começar a ser usada de modo industrializado para contornar a dificuldade em conseguir bons carpinteiros para montar as estruturas de madeira. T Durante minha pesquisa demorei muito para entrar em contato com as obras da Hauff e de outras empresas de engenharia como a Sociedade Tekno. Tenho a impressão de que existe um intercâmbio muito reduzido entre engenheiros e arquitetos a respeito das possibilidades de utilização da madeira para construção no Brasil. Você concorda? CC O grande problema é que infelizmente nesse país engenheiros e arquitetos não têm um bom relacionamento como deveriam ter. Acho que começa por aí. Não só no caso das estruturas de madeira como no geral. Você vê obras, mesmo no interior, que são feitas só por engenheiros, coisas quadradas. Você não vê nos escritórios entrosamento entre o arquiteto e o engenheiro para fazer uma coisa melhor, mais adequada. Além do entrosamento falta educação em relação aos materiais. Quer dizer, o pessoal não tem educação na utilização da madeira, não aprenderam, e ninguém projeta com um material que não conhece. Tanto na engenharia civil como na arquitetura. Estamos tentando fazer um trabalho mas somos poucos perto do país. Já formamos 70 a 80 doutores que foram para outras universidades. Realizamos a cada 2 anos o Encontro Brasileiro de Madeira e Estruturas de Madeira buscando gente da indústria, gente da academia para me-

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lhorar a divulgação e a média de participação é de 350 a 400 trabalhos, não é muita coisa, mas está aumentando. Para o tamanho do Brasil é pouco. Veja a quantidade de participantes dos encontros de concreto e aço em relação aos de madeira. É pouco, muito pouco. Isso precisa ser melhorado tanto entre os arquitetos como entre os engenheiros.

Cimento, haja energia, e nós já estamos com problemas energéticos. O aço, grande parte do aço é produzido com carvão vegetal, sabe o que é isso?, queimam madeira para fazer aço. Tá certo isso?

T Além do LaMEM, que outros centros de pesquisa de madeiras e estruturas de madeira você destacaria no Brasil? T Acho que os arquitetos muitas vezes não têm conhecimento das pesquisas sobre estruturas de madeira que tem sido desenvolvidas, das possibilidades que a engenharia brasileira oferece. CC É verdade, falta divulgação. Nós estamos trabalhando: criamos o Instituto Brasileiro de Madeiras e Estruturas de Madeira, realizamos o encontro a cada 2 anos, damos cursos para professores e técnicos. Mas ainda não se especifica muita construção com madeira, esse é o grande problema. O arquiteto sem conhecimento não especifica obra em madeira. E a madeira é renegada sempre. Se você pergunta “Por que que você não usa?”, a resposta é sempre “Madeira, madeira pega fogo, pega bicho, pega inseto”. Então a cabeça deles é assim por falta de conhecimento. Mas sem dúvida a madeira é um material estrutural ecologicamente correto e em termos de arquitetura, beleza, o concreto e o aço jamais vão ser iguais, acho que disso não se tem dúvida, isso se vê nos países desenvolvidos. Na Suíça hoje 10% das obras públicas são obrigatoriamente em madeira. Isso é uma lei do governo devido aos problemas ecológicos, problemas energéticos, entre outros... Você já pensou de onde sai o cimento, de onde sai o aço? Pense nisso. Tem aquela velha história da Coca-Cola e do Guaraná que achei ótima. O representante do Guaraná pega um barco, vai no meio da Amazônia, “Olha, tá vendo essa frutinha aqui? Essa frutinha é o guaraná, é com isso que se faz Guaraná. E como é que se faz Coca-Cola?”. Então é a mesma coisa: a madeira está aqui, olha a Amazônia, olha a árvore, essa é nossa indústria. Onde estão o cimento e o aço? Acho essa história legal para as pessoas começarem a questionar.

CC Nós formamos muitos professores que foram para outros centros e montaram laboratórios gerais de estruturas. Como este laboratório infelizmente não existe, mas tem alguns professores de estruturas de madeira em outros centros e em outras Universidades que dão curso obrigatório de estruturas de madeira e que já colocaram no currículo do curso. Não como a maioria dos casos em que é dada uma disciplina chamada “Estruturas Metálicas e de Madeira” em que o professor só dá uma ou duas aulas sobre madeira. Mas sobre laboratórios de pesquisa de estruturas de madeira, eu diria que são poucos, muito poucos. Tem um no INPA, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia em Manaus, o FPL em Brasília; no Estado de São Paulo tem laboratórios de estruturas onde são feitos alguns trabalhos sobre madeira, mas laboratórios especificamente de madeiras como esse daqui são muito poucos.

T Achei interessante você ter falado sobre estruturas mistas de madeira e concreto na aula que assisti sobre pontes. CC É, sistemas mistos estão na moda. Assim como se fazem estruturas mistas de aço e concreto se fazem também de madeira e concreto. Estamos desenvolvendo alguns trabalhos nessa linha e considerando os preconceitos brasileiros em relação à madeira e a cultura de utilização do concreto esse sistemas misto têm sido bem aceitos na comunidade.

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Peças de madeira curvas Zwerger, 2012, p. 14.

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Pagode de Yingxian John Roberts via Flickr

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18

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Templo do complexo budista Todai-ji Surfactant via Flickr

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Corte do Templo Dule si Guanyin ge Zwerger, 2012, p. 286

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Encontro de peças de Madeira Tere Sue Gidlof via Flickr

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Igreja de Urnes http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Urnes_ Stave_Church_2.jpg

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Igreja de Gol http://dhrandy.deviantart.com/art/ Gol-Stave-Church-Repleca-72921293

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Le Petit Cabanon http://www.lablog.org.uk/wp-content/060131-cabanon.pdf

Palácio de Cristal http://joeltaylorwrites.blogspot.com.br/2013/10/ can-paxtons-crystal-palace-be-rebuilt.html

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Le Petit Cabanon http://espaciosdemadera.blogspot.com.br/2012/05/ le-cabanon-de-le-corbusier.html

Casa construída com sistema balloon frame http://jeanhuets.com/ whitman-house-framing-19th-century/

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Casa pré-fabricada http://socks-studio.com/2013/12/17/ jean-prouves-experimental-prefabricated-houses/

Casa da Família Blacker http://www.thecraftsmanbungalow.com/ lodge-at-torrey-pines/

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Maison au Bord de L’Eau http://www.archdaily.com/467200/louis-vuitton-build-charlotte-perriand-s-1934-miami-beach-house/

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Floresta amazônica Sebastião Salgado via http://www.survivalinternational.org/fotos/salgado-awa

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Árvore Sebastião Salgado via http://www.survivalinternational.org/fotos/salgado-awa

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Casa Xinguana Milton Guran via http://programaclick.blogspot. com.br/2008/08/panorama-click-25-de-agosto.html

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Aldeia Xavante José Medeiros via http://img.socioambiental.org/v/ publico/pibmirim/como-vivem/habitacoes/XVF0018. jpg.html

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Habitação Yanomami http://agoras.typepad.fr/.a/6a00d8341ce44553ef0 147e1771533970b-pi

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Igreja do Ó http://www.trekearth.com/gallery/South_America/Brazil/Southeast/Minas_Gerais/Sabara/ photo1120297.htm

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Hall de entrada da Casa da Família Blacker http://www.hammstudios.com/lighting/074.html

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Cabana Bennati http://www.theplancollection. com/house-plan-related-articles/ the-a-frame-house-plan-revisiting-a-50s-sensation

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Residência McIntosh Michael Locke via Flickr

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Pavilhão Finlandês para a Feira de Paris http://file.alvaraalto.fi/search.php?id=446

35

35

Pavilhão Finlandês para a Feira de Nova Iorque http://www.designboom.com/history/aalto/pavilion. html Villa Mairea Andrew Carr via Flickr

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53

Igreja São Miguel Arcanjo http://www.vanhoni.com.br/2009/03/ restauro-da-igreja-sao-miguel-arcanjo-mallet-pr/

54

Vista interna de estrutura lamelar Cesar, 1991, p. 109

54

Vista externa de estrutura lamelar Cesar, 1991, p. 108

55

Hangar da Varig Cesar, 1991, p. 72

56

Ponte de Guarulhos Cesar, 1991, p. 30

56

Ponte sobre o Rio Tietê Cesar, 1991, p. 33

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Estrutura lamelar construída pela Tekno Cesar, 1991, p. 110

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Estrutura do Pavilhão das Indústrias ArqCentro-PROPAR/UFRGS

59

Pavilhão das Indústrias em Construção ArqCentro-PROPAR/UFRGS

59

Pavilhão das Indústrias ArqCentro-PROPAR/UFRGS

60

Park Hotel Nelson Kon via Comas, 2010

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Casa de Fim de Semana http://casasbrasileiras.wordpress.com/2011/04/04/ casa-de-fim-de-semana/#more-288

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Vista Casa de Campo H. Accioly http://casasbrasileiras.wordpress.com/2012/08/28/ casa-accioly

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Varanda da Casa de Campo H. Accioly http://casasbrasileiras.wordpress.com/2012/08/28/ casa-accioly

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Pavilhão Lowndes Acervo do Núcleo de Pesquisa e Documentação FAU/UFRJ - Brasil


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Detalhe da escada do Solar do Unhão http://c.imguol.com/album/escadas_f_006.jpg

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Mata Borrão http://www.webpoa.com/cms/memória/ artigos/278-o-mata-borrão.html

Escada do Solar do Unhão Nelson Kon via Reches, 2010.

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Escola do Parque Zoológico Canez, 2010, p. 8

Casa Cirell http://tectonicablog.com/?p=38607

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Detalhe de vigas do Clube Jaó Arquivo do Clube Jaó

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Montagem de vigas do Clube Jaó Arquivo do Clube Jaó

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Vista do Clube Jaó Arquivo do Clube Jaó

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Edifício São Félix http://www.bottirubin.com.br/port/projetos/projeto.php?id=80

Poltrona dos Móveis Z http://saoromaomoveis.wordpress. com/2011/03/23/design-brasileiro-zanine-caldas/ Namoradeira-denúncia http://donshoemaker.com/brazilian-modernism-furniture-design-in-brazil-part-2/ josezaninecaldas1/

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Capela da Fazenda Barra das Princesas Silva, 1991, p. 82 76

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Casa Krajcberg http://outraspalavras.net/posts/ krajcberg-arte-com-estertor/

Vista interna da Casa Elza Berquó Nelson Kon via http://www2.nelsonkon.com.br/

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Vista externa da Casa Elza Berquó Nelson Kon via http://www2.nelsonkon.com.br/

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Detalhe Residência Artemio Furlan Leonardo Finotti

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68

68

Detalhe Residência na Praia da Lagoinha http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/carlos-faggin-residencia-ubatuba-sp-16-08-2004.html

70

Escola Júlia Kubitscheck Arquivo Público do Distrito Federal

79

Ginásio de Bauru Guilherme Colosio via Flickr

70

Hospital Arquivo Público do Distrito Federal

80

Vista da Vila Serra do Navio Costa e Gouveia, 2010.

70

Catetão Arquivo Público do Distrito Federal

81

Protótipo de Casa Pré-Fabricada Instituto Sergio Rodrigues

71

Catetinho http://www.oscarniemeyer.com.br/obra/pro070

82

Fotografia do Chapéu de Palha http://www.arquitetonico.ufsc.br/ severiano-mario-porto

72

Mata Borrão http://www.webpoa.com/cms/memória/ artigos/278-o-mata-borrão.html

82

Desenho do Chapéu de Palha Acervo do Núcleo de Pesquisa e Documentação FAU/UFRJ - Brasil

235


236

83

Residência do Arquiteto http://arcoweb.com.br/projetodesign/especiais/confira-parte-do-especial-preparado-para-a-edicao-400-da-projetodesign-dedicado-as-residencias

83

Vista aérea do Centro de Proteção de Balbina http://www.archdaily.com.br/br/01-98384/ feliz-aniversario-severiano-porto

83

Detalhe do Centro de Proteção de Balbina http://www.archdaily.com.br/br/01-98384/ feliz-aniversario-severiano-porto

84

Residência Hélio Olga Acervo do arquiteto Marcos Acayaba

85

Detalhe da Casa Baeta Acervo do arquiteto Marcos Acayaba

88

Detalhe Park Hotel Nelson Kon via http://www2.nelsonkon.com.br/

89

Vista geral Park Hotel Nelson Kon via http://www2.nelsonkon.com.br/

92

Fotografias da Residência Thiago de Mello Acervo Lucio Costa do Instituto Antônio Carlos Jobim

94

Planta Park Hotel Acervo Lucio Costa do Instituto Antônio Carlos Jobim

95

Estudos Park Hotel Acervo Lucio Costa do Instituto Antônio Carlos Jobim

96

Vista interna Park Hotel Nelson Kon via http://www2.nelsonkon.com.br/

97

Detalhe varanda Nelson Kon via http://www2.nelsonkon.com.br/

97

Vista geral Park Hotel Acervo Lucio Costa do Instituto Antônio Carlos Jobim

98

Vista geral Park Hotel Acervo Lucio Costa do Instituto Antônio Carlos Jobim

98

Detalhe entrada http://www.eye4design.com.br/arqpedia/ park-hotel-sao-clemente


98

Fachada frontal Park Hotel Nelson Kon via http://www2.nelsonkon.com.br/

113

Perspectiva da Igreja Acervo da Biblioteca da FAU/USP

99

Vista da varanda Park Hotel Acervo Lucio Costa do Instituto Antônio Carlos Jobim

113

Vista interna da Igreja Nelson Kon

114

Vistas de casas da Vila Serra do Navio Nelson Kon

116

Jardins do Catetinho http://4.bp.blogspot.com/_GDw0vOLOHK0/ SwwfRuibjAI/AAAAAAAABNk/Lh-eexncpd4/ s400/Moraes+Jobim+no+Catetinho1.jpg

100

Vista geral Serra do Navio Nelson Kon

100

Vista aérea Acervo da Biblioteca da FAU/USP

101

Vista interna da Igreja Nelson Kon

117

Vista geral Catetinho Arquivo Público do Distrito Federal

Restaurante Segawa e Dourado, 1997, p. 73

118

Edifícios de Brasília Arquivo Público do Distrito Federal

Casa de Férias em São Sebastião Segawa e Dourado, 1997, p. 33

120

Catetinho em construção Arquivo Público do Distrito Federal

Ateliê vista frontal Segawa e Dourado, 1997, p. 118

121

Catetinho em construção Arquivo Público do Distrito Federal

Ateliê em construção Segawa e Dourado, 1997, p. 35

121

Vista do anexo do Catetinho Mercado Viagens via Flickr

Estudo Vila Serra do Navio Acervo da Biblioteca da FAU/USP

124

Vista geral Catetinho http://doc.brazilia.jor.br/HistDocs/Pubs/1959-Visao-origem-do-Catetinho.shtml

125

Catetinho em construção Brasília 50 Anos via Flickr

126

Vista geral Catetinho Cabral (ed.), sem data, p. 54

127

Vista geral Catetinho Brasília 50 Anos via Flickr

128

Modelo do Protótipo Instituto Sergio Rodrigues

129

Vista geral do protótipo Instituto Sergio Rodrigues

104

104

105

105

106

107

Residência Vila Serra do Navio Nelson Kon

108

Planta tipologia A e B Acervo da Biblioteca da FAU/USP

109

Planta tipologia C Acervo da Biblioteca da FAU/USP

110

Prancha de veneziana Acervo da Biblioteca da FAU/USP

111

Prancha estratégias de conforto Acervo da Biblioteca da FAU/USP

112

Artesãos http://www.thegreenclub.com.br/projetos-urbanos/icomi-e-suas-company-towns-no-meio-da-floresta-amazonica/

237


238

130

Poltrona Mole http://www.bossame.com.br/ sergio-rodrigues-o-eterno-designer/

131

Desenho http://revista.casavogue.globo.com/design/ ha-50-anos-poltrona-mole-se-consagrava/

134

Vistas internas do protótipo Instituto Sergio Rodrigues

135

Vista geral do protótipo Módulo, 1961, p. 26

136

Vistas internas do protótipo Módulo, 1961, p. 29

138

Planta do protótipo Instituto Sergio Rodrigues

139

Vista da escada Módulo, 1961, p. 27

142

Vista externa Residência na Lagoinha Eduardo Pompeu

143

Vista da casa em construção http://www.casasbrasileiras.arq.br/teste/visualizarProjeto.php?id=27#fragment-4

144

Mesa Aranha http://saoromaomoveis.wordpress. com/2011/02/18/design-brasileiro-branco-preto/

144

Poltrona MF5 http://revistacasaejardim.globo.com/Casa-e-Jardim/Design/noticia/2013/06/designers-de-z.html

144

Casa Eternit http://www.casasbrasileiras.arq.br/teste/visualizarProjeto.php?id=23

146

Vista da casa http://www.casasbrasileiras.arq.br/teste/visualizarProjeto.php?id=27#fragment-4

147

Prancha de implantação Acervo da Biblioteca da FAU/USP


147

Vista da cozinha http://www.casasbrasileiras.arq.br/teste/visualizarProjeto.php?id=27#fragment-4

163

Vista dos beliches Extraída da Revista Projeto, n127, disponível em cópia digital em Frederico Freitas via Flickr

150

Detalhes de caixilharia Acervo da Biblioteca da FAU/USP

164

Vista Residência Hélio Olga Arquivo do arquiteto Marcos Acayaba

151

Vista frontal Montagem a partir de fotografia de Eduardo Pompeu

165

Vista e detalhe tensores Arquivo do arquiteto Marcos Acayaba

170 152

Vista da Praia da Lagoinha Eduardo Pompeu

Quiosque na Fazenda Arlina Arquivo do arquiteto Marcos Acayaba

171 153

Vista da casa http://arcoweb.com.br/projetodesign-assinantes/arquitetura/ carlos-faggin-residencia-ubatuba-sp-16-08-2004

Fotografia e perspectiva Arquivo do arquiteto Marcos Acayaba

172

Vista geral Residência Hélio Olga Arquivo do arquiteto Marcos Acayaba

153

Vista do vazio central Eduardo Pompeu

173

Vista interna Residência Hélio Olga Arquivo do arquiteto Marcos Acayaba

154

Vista geral da Residência Artemio Furlan Extraída da Revista Projeto, n127, disponível em cópia digital em Frederico Freitas via Flickr

174

Plantas Residência Hélio Olga Arquivo do arquiteto Marcos Acayaba

175 155

Vista estar e porta Leonardo Finotti

Corte Residência Hélio Olga Arquivo do arquiteto Marcos Acayaba

176 158

Planta da Residência Artemio Furlan Arquivo Professor Daniele Pisani

Vistas internas Residência Hélio Olga Arquivo do arquiteto Marcos Acayaba

177 159

Vista e corte da Residência Artemio Furlan Arquivo Professor Daniele Pisani

Vista geral Residência Hélio Olga Arquivo do arquiteto Marcos Acayaba

178 160

Prancha de anteprojeto Arquivo Professor Daniele Pisani

Montagem da estrutura Arquivo do arquiteto Marcos Acayaba

179 161

Vista da cozinha e do patamar elevado Leonardo Finotti

Prancha de detalhamento Arquivo do arquiteto Marcos Acayaba

180 162

Vista dos quartos Leonardo Finotti

Perspectivas dos nós da estrutura Arquivo do arquiteto Marcos Acayaba

181 163

Vista geral Extraída da Revista Projeto, n127, disponível em cópia digital em Frederico Freitas via Flickr

Detalhe conexão da Residência Hélio Olga Arquivo do arquiteto Marcos Acayaba

239


Este caderno foi composto em Frutiger e impresso em papel sulfite Chamex Colors 75g/m2 marfim e azul.






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