a caipirinha vestida por Poiret
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Atelier Caipirinha vestida por Poiret A preguiça paulista reside nos teus olhos Que não viram Paris nem Piccadilly Nem as exclamações dos homens Em Sevilha À tua passagem entre brincos Locomotivas e bichos nacionais Geometrizam as atmosferas nítidas Congonhas descora sobre o pálio Das procissões de Minas A verdura no azul klaxon Cortada Sobre a poeira vermelha Arranha-céus Fordes Viadutos Um cheiro de café No silêncio emoldurado
Oswald de Andrade
` SUMARIO
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Apresentação
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Da Antropofagia ao Experimentalismo
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Infância e aprendizado
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O ano de 1923
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Pau Brasil
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Antropofagia
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Social e Neo Pau Brasil
texto de fernando Cocchiarale
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Apresentacao
Certas pessoas vivem à frente de seu tempo, visionárias e desbravadoras. Tarsila do Amaral foi assim. Foi também uma mulher luminosa e iluminada e uma das artistas essenciais não apenas na história da pintura e das artes visuais brasileiras, mas na própria cultura de nosso país. Tinha 16 anos e estudava em Barcelona quando pintou seu primeiro quadro, em 1902. Nunca mais parou. Em 1922, quando uma de suas obras participou do Salão Oficial dos Artistas Franceses, ela - que morava em Paris - voltou ao Brasil, a tempo de se unir ao revolucionário grupo de artistas e intelectuais que tinha lançado o movimento modernista. Um ano depois, estava de novo em Paris, estudando com Fernand Léger e Albert Gleizes, tornando-se amiga do poeta Blaise Cendrars, pintando, expondo, criando. Um de seus quadros, o Abaporu, pintado como presente para seu então marido Oswald de Andrade, foi o ponto de partida para o movimento antropofágico, outra reviravolta na cultura brasileira. E Operários, de 1933, foi marco da pintura social no Brasil. Ou seja: ao longo de décadas de uma atividade incessante, Tarsila do Amaral esteve presente, de uma forma ou de outra, ao que de mais importante aconteceu na cultura do país. Deixou mais de 2 mil trabalhos. Esse acervo fabuloso encontra-se agora reunido e publicado no Catálogo Tarsila: a caipirinha vestida por Poiret, dedicado a essa artista única.
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da antropofagia ao experimentalismo: um projeto para a arte brasileira
O começo da Arte moderna no Brasil, na segunda década do século 20, foi marcado não só pelo confronto como pelas restrições à sua própria expansão, imposta por uma realidade sócio-econômica paradoxal: se por umlado as grandes cidades, sobretudo o Rio de Janeiro e São Paulo, vivivam um cotidiano moderno, propiciado pela industrialização nascente, por outro lado, a articulação orgânica dessas metrópoles com uma economia então predominantemente agro-exportadora, socialmente retrógada e da qual dependiam, conspirava contra a implantação generalizada do capitalismo que nelas se anunciava. Traçada com alguns fios de modernidade e as amarras de uma estrutura arcaica, essa contradição histórica já apresentava aos intelectuais e artistas da época problemas
urgentes, extra-artísticos, sobre os quais tinham que se pronunciar: qual a relação entre as questões universais nascidas no terreno moderno da cidade e as nacionais, germinadas havia séculos no solo conservador do latifúndio e da monocultura? Como articula-las em um projeto cultural moderno que,criticando obstáculos sociais profundamente enraizados no passado, mantivesse suas tradições? Formuladas ao longo dos anos 20 e 30 por artistas e intelectuais de algumas das regiões mais importantes do país, como o Distrito Federal,São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco, por exemplo, astas questões resultaram me projetos de modernização cultural que, em alguma medida, expressavam as contradições entre as oligarquias regionais e dimensionavam o peso que investiam por sua
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A produção de um marco histórico como a semana de Arte Moderna, que se transformou num divisor de águas de nossa vacilante modernidade, permitiu a fixação de um começo que não se deu, como pode sugerir a ocorrência de um evento tão bem designado, apenas, porque configurava também, nas entrelinhas, uma recusa à hegemonia cultural naturalmente exercida pela capital do país. Nesse sentido é esclarecedor o trecho de uma carta de Mário de Andrade a Manuel bandeira (1924), citado por Angela de Castro Gommes, que trata das propostas modernistas geradas pela intelectualidade do Rio de Janeiro: “O que são as vaidades meu Deus! Essa gente do Rio nunca perdoará SP ter tocado o sino. Não falo de você. Você não é do Rio. Você é como eu: do Brasil.” Não restam dúvidas, para Mário de Andrade o Rio de Janeiro, capital da República, não representava o pais. Excluso que, no entanto, significava um reconhecimento velado daquilo que queria negar.
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Conforme a classificação de Eduardo Jardim de Morais, o Modernismo paulista, ao tentar definir a alma profunda do brasileiro, dividiu-se em três vertentes muito bem diferenciadas: a linha investigativoanalítica de Mário de Andrade; easvias sintético-intuitivas de Plínio Salgado, à esquerda. Em maio de 1928, Oswald de Andrade lançou em São Paulo o Manifesto Antropofágico, publicado no primeiro numero da Revista Antropofagia. Dentre as três formulações originadas do marco emblemático da Semana da Arte Moderna (São paulo, 1922), a que mobilizou algumas das gerações futuras de artistase intelectuais brasileiros foi a Antropofagia. O modelo antropofágico, atualizado pelos debates culturais travados desde meados dos anos 60, na primeira fase da ditadura militar, contribuiu para estabelecer as bases iniciais da atual autoconfiança das artes plasticas brasileiraas, em parte responsável por sua inserção positiva no conteto internacional. Assim, o Brasil se destacou mundialmente.
A antropofagia, porém, nunca se constituiu em um ismo ou movimento artístico com padrões formais definidos. Era antes um mdoelo que prescrevia ser a cultura local o resultado da deglutição e digestão das influencias externas. Mesmo assim, apesar de propor um modelo cultural em chovismos ou exclusões étinicas, centrado na atitude criadora e não em uma ontologia da nacionalidade, a Antropofagia não foi de imediato vitoriosa, tenso coexistido, em desvantagem até, com outras respsotas ao problema. Na verdade, o interesse despertado pelo modelo antropofágo é mais recente. Ele ressurge na atenção dos poetas concretos Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Décio Pignatari e do artista Hélio Oticica, difundi-se entre os tropicalistas nos anos 60, e consolidase nos numerosos estudos feitos na universidade,a partir do cinquentenário da Semana, em 1972. Talvez, por isso, todo o desenvolvimento da arte brasileira, até o surgimento das vertentes abstracioni-
stas na passagem dos anos 40 apa os 50, continuou sobredeterminado pela discussão dos fundamentos nacionais, não-artisticos, da modernidade. Ao longo daqueles trinta anos, a produção cultural do país gravitou em torno de questões essencialmente ideológicas, como a brasileira e o regionalismo, que terminaram por eclipsar a possibilidade de uma polêmica estética similar à que ocorria da Europa. Não seria impróprio dizer que a politização e a consequente desestetização do debate sobre a arte brasileira foi um fator que adiou, até o fim da década de 1940, a sua efetiva modernização estética que caracterizavam as vanguardas, deveriam florescer sobretudo no campo específico da arte, e não no território deslocado do discurso social.
Fernando Cocchiarale Curador do MAM-RJ Professor da puc-rio
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Infancia e aprendizado
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o dia 1º de Setembro de 1886 nasce Tarsila do Amaral, paulista do Município de Capivari. Filha de José Estanislau do Amaral e Lydia Dias de Aguiar do Amaral, Tarsila passou a infância e adolescência nas fazendas da família, que detinha uma apreciável fortuna. Estudou em São Paulo, no Colégio Sion e depois em Barcelona, na Espanha. Lá, Tarsila realiza sua primeira experimentação com pintura: o quadro ‘Sagrado Coração de Jesus’, em 1904. Casa-se ainda muito jovem com um noivo escolhido pelos pais, e tem sua única filha, Dulce. Porém, como as diferenças entre ela e o marido eram muitas, Tarsila separou-se. Este fato ocorreu em 1913, e revela o quanto esta mulher ousou em uma época que seria condenável uma mulher se divorciar. Tarsila, então, muda-se para São Paulo e prossegue seus estudos de piano e faz cópias de pinturas, sem orientação. Indecisa entre a vocação musical e o interesse pela pintura. Começou com a escultura no ateliê de Wiliam Zadig, escultor sueco radicado em São Paulo, e teve aulas de desenho e pintura no ateliê de Pedro Alexandrino em 1918, onde conheceu Anita Malfatti. Tarsila constrói o próprio ateliê, um dos primeiros ateliês de artista em São Paulo. O pianista e compositor Souza Lima vai estudar em Paris e trava contato com a Académie Julian. Amigo da família, estimula Tarsila, em carta, a se aperfeiçoar na capital francesa. Em 1920, ela vai estudar em Paris, na Académie Julien e com Émile Renard.
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Meu Ateli锚 (Rua Vit贸ria) 1918 贸leo sobre tela 34 x 26 cm
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Estudo (Nu sentado) 1921 óleo sobre cartão 71,7 x 53,3cm
Suas pinturas se alteram gradativamente. Passa de um materismo de grandes pinceladas a um impressionismo incipiente, porém suave. As obras dessa época, de um modo geral, possuem uma grande suavidade e uma atmosfera lírica, além de serem muito acadêmicas. Em 1922 Tarsila tem uma tela admitida no Salão Oficial dos Artistas Franceses. Em junho desse mesmo ano soube da Semana de Arte Moderna (que aconteceu em fevereiro) através das cartas da amiga Anita Malfatti. Ela, então, regressa ao Brasil, e é integrada ao grupo modernista, chamado o “grupo dos cinco”, composto também por Anita, Oswald de Andrade, o também escritor Mário de Andrade e Menotti Del Picchia. Juntos eles agitaram culturalmente São Paulo com reuniões, festas e conferências. Nessa
época Tarsila começa seu namoro com Oswald de Andrade. Embora não tenha sido participante da “Semana de 22”, Tarsila integra-se ao Modernismo que surgia no Brasil. De acordo com a própria, entrou em contato com a arte moderna em São Paulo, pois antes ela só havia feito estudos acadêmicos. Mais tarde, Tarsila teria sua arte conhecida pelas cores fortes: azul puríssimo, rosa violáceo, amarelo vivo e verde cantante.
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Vaso com flores amarelas e azuis 1922 óleo sobre tela 56 x 47 cm
Cores estas que ela resgata da infância, e que seus mestres acadêmicos insistiam em dizer que eram de mau gosto, caipiras. Outro ponto característico de suas pinturas é temática brasileira, traduzida nas paisagens rurais e urbanas do nosso país, além da fauna, flora e folclore – característica que também pode ser atribuída a sua formação no meio rural, em contato direto com a natureza e com as lendas do folclore contadas por todo Brasil. A fase acadêmica de Tarsila, que vai até meados de 1922, pode não se assemelhar em matéria de traço com as obras que se sucederiam, mas essa 20
pode-se dizer que esse período fora essencial para toda sua carreira, pois além de ganhar domínio da cor, do clássico, e de ter a oportunidade de aprender de renomados mestres, foi neste meio que Tarsila apareceu pela primeira vez para o mundo artístico. Ainda que com seus quadros de aura suave e feminina, já podíamos ver em algumas obras o começo de uma preferencia pelas cores intensas, as pinceladas fortes e os temas intimistas que marcaram sua arte.
Auto-retrato com vestido laranja 1921 贸leo sobre tela 50 x 41,5 cm
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O ano de 1923
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este ano, Tarsila encontrava-se em Paris acompanhada do seu namorado Oswald. Conheceram o poeta franco suíço Blaise Cendrars, que apresentou toda a intelectualidade parisiense para eles. Foi então que ela estudou com o mestre cubista Fernand Léger e pintou em seu ateliê, a tela ‘A Negra’. Léger ficou entusiasmado e até chamou os outros alunos para ver o quadro. A figura da Negra tinha muita ligação com sua infância, pois essas negras eram filhas de escravos que tomavam conta das crianças e, algumas vezes, serviam até de amas de leite. Com esta tela, Tarsila entrou para a estória da arte moderna brasileira. A artista estudou também com Lhote e Gleizes, outros mestres cubistas. Cendrars também apresentou a Tarsila pintores como Picasso, escultores como Brancusi, músicos como Stravinsky e Eric Satie. E ficou amiga dos brasileiros que estavam lá, como o compositor Villa Lobos, o pintor Di Cavalcanti, e os mecenas Paulo Prado e Olívia Guedes Penteado. Tarsila oferecia almoços bem brasileiros em seu ateliê, servindo feijoada e caipirinha. E era convidada para jantares na casa de personalidades da época, como o milionário Rolf de Maré. Além de linda, vestia-se com os melhores costureiros da época, como Poiret e Patou. Em uma homenagem a Santos Dumont, usou uma capa vermelha que foi eternizada por ela no auto-retrato ‘Manteau Rouge’, de 1923. Com a classe de uma dama e a criação do meio rural, a Caipirinha vestida por Poiret conquistara a todos com sua forte personalidade.
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A negra 1923 óleo sobre tela 100 x 80 cm
A negra Pouco antes de encerrar a estada e o aprendizado em Paris, desde 1920, Tarsila pinta a tela “A negra“, fundamental para o desenvolvimento de sua pintura. Antecipando a marca “antropofágica“, ela já alcança aqui a fusão eficaz de contemporaneidade internacional e raízes nacionais – o objetivo supremo do nosso modernismo. Seu “serviço militar no cubismo“ transparece na abstrata geometria das faixas que fazem o fundo do quadro ou na própria monumentalidade da legeriana da
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figura. Mas essa negra vem da terra, fruto brasileiro, mais mulata do que africana pura, ainda que respire um ar ancestral e mítico, de mãe também na generosa presença do seio dado à raça. A folha de bananeira, na oblíquoa, ao fundo, atua como elo entre o retilíneo e o curvilíneo, a razão e a emoção, o clássico e o barroco, o distante e o próximo.
Manteau Rouge 1923 óleo sobre tela 73 x 60,5 cm
Manteau Rouge “Assim como esse modo de ar-ranjar os cabelos sinalizava sua identificação com o modelo materno da mulher de elite, a adoção do cabelo curto do famoso auto-retrato Manteau rouge parecia explicitar sua nova opção pessoal e artística, a de levar à frente uma carreira em sintonia com seus mestres de vanguarda e o empenho em se assumir como mulher bonita e independente.” Em Paris, Tarsila foi a uma homenagem a Santos Dumont com esta maravilhosa capa (Manteau Rouge, em francês,
significa casaco, manto vermelho). Tarsila era uma mulher muito bonita e vestia-se elegantemente e com certo exotismo. Chamava a atenção de todos quando chegava nos lugares. Depois desse jantar, pintou este maravilhoso auto-retrato, que eternizou sua elegância. Tarsila conheceu o costureiro Poiret na França, e este desenhou alguns vestidos para ela e até algumas molduras especiais para seus quadros. Ele a chamava de “caipirinha vestida”.
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Pau brasil
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m 1924, Blaise Cendrars veio ao Brasil e um grupo de modernistas passou com ele o Carnaval no Rio de Janeiro e a Semana Santa nas cidades históricas de Minas Gerais. No grupo estavam além de Tarsila, Oswald, Dona Olívia Guedes Penteado, Mário de Andrade, dentre outros. Tarsila disse que foi em Minas que ela viu as cores que gostava desde sua infância, mas que seus mestres diziam que eram caipiras e ela não devia usar em seus quadros. ‘Encontei em Minas as cores que adorava em criança. Ensinaramme depois que eram feias e caipiras. Mas depois vinguei-me da opressão, passando-as para as minhas telas: o azul puríssimo, rosa violáceo, amarelo vivo, verde cantante, ...’ E essas cores tornaram-se a marca da sua obra, assim como a temática brasileira, com as paisagens rurais e urbanas do nosso país, além da nossa fauna, flora e folclore. Ela dizia que queria ser a pintora do Brasil. E esta fase da sua obra é chamada de Pau Brasil, e temos quadros maravilhosos como ‘Carnaval em Madureira’, ‘Morro da Favela’, ‘EFCB’, ‘O Mamoeiro’, ‘São Paulo’, ‘O Pescador’, dentre outros. Em 1926, Tarsila fez sua primeira Exposição individual em Paris, com uma crítica bem favorável. Neste mesmo ano, ela casou-se com Oswald, após conseguir anilar o primeiro casamento. Washington Luís, o Presidente do Brasil na época e Júlio Prestes, o Governador de São Paulo na época, foram os padrinhos de casamento deles. Na época, predominava no Brasil a pintura acadêmica, com regras para tudo: que cores usar, o que devia ser pintado, como os quadros de naturezamorta. O modo de retratar devia ser realista. Os modernistas, o grupo de artistas ao qual Tarsila pertencia, achavam que este era um tipo de arte que não refletia a cultura brasileira.
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A feira 1924 óleo sobre tela 64 x 76 cm
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A Feira Tempo de “pau-brasil“. O quadro é quase um mostruário dessa feliz redescoberta da terra: bananas, laranjas, abacaxis, maracujás, caquis, uma abóbora, palmeiras, viço de plantas, pássaros, animais, cursos e descansos de águas. Na ausência do homem, a atmosfera se enche de infância, bom humor marinal, festa de cores, ritmo de feira. Mas isto não impede que um pouco da estrutura d’A Negra se prlongue aqui: o que nela havia contraste – vigor versus calor – é sub-
stituido agora pela alegria de a tudo igualmente geometrizar, sem rigidez. As faixas de cor continuam ao fundo; as frutas refazem círculos ou ovais; as fachadas nascem de retângulos ; os toros acumulam cilindros; e os vasos são cones seccionados. Cabe à palmeita mais à direita, sinuosa, acentuar barrocamente uma sensualidade que no resto se contém. E está aberta essa preocupação com a arquitetura popular que volpi, depois de Tarsila, seria o primeiro a reviver.
Morro da favela “Quero, na arte, ser a caipirinha de S. Bernardo“ – dizia Tarsila em 1923. Esse quadro tem muito de caipira, de falta de jeito, de recusa dos padrões formais precisos que nunca abandonaram de todo a maneira da artista. É ainda construído, pensado, até calculado, porém sob flagrante desobediência de esquemas geométricos mais rijos. No casario e a gente isso se acentua: a casa que se abriga sob a primeira árvore a esquerda também se move com o ven-
to, parece irmanada a ele; as figuras, de tão toscas, beiram a caricatura. É que estamos no Rio de Janeiro, na subida do morro, na esteira do samba – longe das arestas da cidade, acima das prisões da forma, para além dos cuidados convencionais.
Morro da favela 1924 óleo sobre tela 64 x 76 cm
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Antropofagia
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assados o lirismo, a candura e o humor do “Pau Brasil“, interesses novos vão surgindo na pintura de Tarsila. Em janeiro de 1928, Tarsila queria dar um presente de aniversário especial ao seu marido, Oswald de Andrade. Pintou o ‘Abaporu’. Quando Oswald viu, ficou impressionado e disse que era o melhor quadro que Tarsila já havia feito. Chamou o amigo e escritor Raul Bopp, que também achou o quadro maravilhoso. Eles acharam que parecia uma figura indígena, antropófaga, e Tarsila lembrou-se do dicionário Tupi Guarani de seu pai. Batizou-se o quadro de Abaporu, que significa homem que come carne humana, o antropófago. Baseado nele, Oswald escreveu o Manifesto Antropófago e fundaram o Movimento Antropofágico. A figura do Abaporu simbolizou o Movimento que queria deglutir, engolir, a cultura européia, que era a cultura vigente na época, e transformá-la em algo bem brasileiro. Nesta fase ela usou bichos e paisagens imaginárias, além das cores fortes. A artista contou que o Abaporu era uma imagem do seu inconsciente, e tinha a ver com as estórias de monstros que comiam gente que as negras contavam para ela em sua infância. Em 1929 Tarsila fez sua primeira Exposição Individual no Brasil, e a crítica dividiu-se, pois muitas pessoas ainda não entendiam sua arte. Foi seu professor, Almeida Júnior, que lhe desviou os passos, quando, ao ver um quadro com frutas e flores, que o aluno acabara de pintar, disse-lhe impressionado: “Não pinta senão isso. É a tua arte.”
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Abaporu 1928 贸leo sobre tela 85 x 73 cm
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Abaporu
“O movimento antropofágico saiu do quadro Abaporu. Procurei num dicionário antigo, que meu pai havia me dado, dicionário de Montoya [Antonio Ruiz de Montoya], um jesuíta que fez um dicionário da língua tupi-guarani. Encontrei ‘a-ba-po-ru’, ‘homem que come homem’, e dei esse nome. Eu tinha feito esse quadro para presentear Oswald pelo aniversário [11 jan. 1928]. Saiu um quadro monstruoso que eu mesma não sabia como tinha feito, não sabia por que tinha feito, achei uma coisa monstruosa. Era uma cabecinha pequenina com aqueles pés enormes, sentado numa superfície verde. No dia seguinte, quando fui ver pela manhã, me assustei com o quadro. Oswald de Andrade também se assustou e imediatamente telefonou a Raul Bopp, recém-chegado do Rio Grande do Sul. Pediu que viesse ver uma coisa muito interessante. Quando chegou, ele também ficou muito assustado com o quadro. Oswald dizia: ‘Isso parece um antropófago, um homem da terra’. Daí é que fui procurar como é que se dizia em
tupi-guarani ‘antropófago’. Então ficou com esse nome. Depois de ter feito há muito tempo o Abaporu, conversando com uma amiga, Sofia Villalva, ela me disse: ‘Tarsila, quando vejo seus quadros da antropofagia, eu penso sempre nos pesadelos que tenho’. Imediatamente, encontrei a chave de onde vinha isso: quando era criança, aquelas pretas velhas que moravam na fazenda, muitas delas (tinha muitos empregados) contavam histórias de assombração. Elas contavam que havia uma sala que estava fechada, e tinha uma abertura no forro da casa, e a gente ouvia: ‘Eu caio, eu caio’. Essa é uma história que muita gente do interior conhece. Eu, naturalmente, como criança, vendo-as falando aquilo, tinha aquele pavor. Devia ter achado que caía um braço enorme, um pé enorme, era tudo enorme... Então liguei uma coisa à outra e descobri que aquilo eram reminiscências de infância.”
Tarsila do Amaral, 1969
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Antropofagia Tão significativo para a fase quando o Abaporu, que a iniciou, este quadro nos leva de volta sobretudo até A Negra, de seis anos antes. Aqui, há o mesmo seio imenso, as mesmas pernas descomunais se entrecruzando, a mesma folha de bananeira na oblíqua. Estranha é a desproporção das cabeças, quase excluídas da anatomia; a réstea vermelha que dissimula por detrás da planta, nesse jardim que respira Rousseau, mas que respeita nosso verde-amarelo-azul, povoando-o com a cor simultanea da carne e da terra. Algo de teluricamente mítico envolve o cenário e a cena. “Imagens subconscientes, sugeridas por histórias que ouvira em criança“. Costumes e lendas vindas de escravos, assombrações de infância, formas primordiais. A obra que se constrói basicamente com a emoção. 40
Antropofagia 1930 óleo sobre tela 83 x 129 cm
Quando olhamos suas obras percebemos uma grande simplicidade. Mas o que hoje é tão familiar, no início do século era um choque. Muito se discutiu e se criticou até que pinturas como as de Tarsila fossem consideradas obras de arte de importância. Na época, predominava no Brasil a pintura acadêmica, com regras para tudo: que cores usar, o que devia ser pintado, como os quadros de natureza-morta. O modo de retratar devia ser realista. Os modernistas achavam que este era um tipo de arte que não refletia a cultura brasileira.
Composição (Uma Figura Só) 1930 óleo sobre tela 83 x 129 cm
Composição (Uma Figura só) Em épocas extremamente introspectivas de sua vida, Tarsila marcaria, através de inúmeros desenhos, as perambulações de uma figura solitária em paisagem infinita. Desse tempo (1930) ficaria uma tela, Composição, de colorido lunar. Como sempre desde 1924, a fatura lisa, sem rastros, a mesma atmosfera de irreal, agora definida e envolvente. Assim, se antes a cor identificava o país, o assunto ‘santeiro’ dava o tom local da religião brasileira que Tarsila pintou com excelência, em 29-30 a artista se revela, sobretudo subjetivamente relacionada com a paisagem.
Essa obra também carrega um toque de sensualidade feminina dado pela forma como os cabelos se encaracolam no vento, atravessando a tela de maneira delicada, porém intensa, através das pinceladas de Tarsila. No anseio da projeção do nacional, a artista redescobriria em adulta a paisagem dos seus olhos de criança, na viagem que realiza, em 1924, para as cidades históricas de Minas Gerais e para o Rio de Janeiro, com alguns modernistas e com o poeta Blaise Cendrars, que se reflete tanto na fase Antropofágica, quanto na do Pau-Brasil. 41
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sOCIAL E NEO PAU BRASIL
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m 1931 Tarsila expôs em Moscou. Ela sensibilizou-se com a causa operária e foi presa por participar de reuniões no Partido Comunista Brasileiro com o namorado. Depois deste episódio, nunca mais se envolveu com política. Estávamos há 14 anos da revolução comunista e a nova face do regime, criando uma atmosfera de ascensão do proletariado, impressionou a artista que, de volta ao Brasil, iniciou a série Operários, focalizando o homem simples, rude, sofrido, na busca do pão de cada dia. Não era sua praia. Muito pouco politizada, não a encantava a pregação contra injustiças sociais e, em breve, voltou à temática do Pau Brasil, iniciada em Minas, só que agora em nova versão e tomando formas mais delicadas, com as arestas aparadas pela experiência dos últimos anos. Ela trabalhou como colunista nos Diários Associados por muitos anos, do seu amigo Assis Chateaubriand. Em 1950, ela voltou com a temática do Pau Brasil e pintou quadros como ‘Fazenda’, ‘Paisagem ou Aldeia’ e ‘Batizado de Macunaíma’. Uma das primeiras artistas brasileiras a adotar tendências modernistas em seu trabalho, Tarsila foi responsável pela criação de uma nova linguagem para a pintura brasileira. Podemos afirmar que, da história da nossa pintura, Tarsila foi a primeira que conseguiu realizar uma obra de realidade nacional, já que é a inspiração de seus trabalho que versa temas nacionais. Tarsila participou da I Bienal de São Paulo em 1951, teve sala especial na VII Bienal de São Paulo, e participou da Bienal de Veneza em 1964. Tarsila do Amaral faleceu na cidade de São Paulo em 17 de janeiro de 1973. A grandiosidade e importância de seu conjunto artístico a tornou uma das grandes figuras artísticas brasileiras de todos os tempos. 45
Costureiras 1936/1950 óleo sobre tela 73 x 100 cm
As obras desse período possuem forte conteúdo social e melancólico, devido ao momento que Tarsila estava passando em sua vida, ao ter contato com os membros do Partido Comunista Brasileiro. Os temas voltados para o cotidiano, como o dia dia de mulheres trabalhando em um atelier de costura, uma família camponesa, trabalhadores. A palheta de cores apresenta mais tons terrosos e fechados, dando um ar de monotonia a composição. Nos anos cinquenta a artista retomou as paisagens e as cores brasileiras que tanto a caracterizaram e voltou à pintura pau-brasil, agora intitulada neo pau-brasil. No todo, o projeto estético de Tarsila foi fazer uma síntese entre o Brasil, enquanto motivação e referência, e a arte internacional de sua
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época, resultando numa linguagem e em produtos cuja qualidade e inteligibilidade possam ser universais. A obra “Costureiras”, finalizada em 1950, exemplifica a preocupação social da artista. Nela, retrata o cotidiano da vida das mulheres, a monotonia e a rotina. Os tons terra destacam a falta de vida nos rostos das mulheres, que parecem cansadas. Em contraposição, as roupas qu elas estão a costurar são de um colorido vivo, forte. A pintura “Boi na floresta”, abraça simultaneamente o abstracionismo calculado do movimento cubista (cheio de pesos e contrapesos, equilíbrio e dinamismo convencional, linhas e cores variando ao infinito) e a “brasilidade” das cenas interioranas, conquistando a emancipação das tradições acadêmicas.
Tarsila morreu aos 86 anos, deixando pouco mais de duas centenas de quadros, alguns desenhos e esculturas. É relativamente pouco, mas fundamental para uma busca que prossegue até hoje: a consolidação de uma pintura nacional. Ela era uma mulher muito bonita, além de toda importância para a arte e cultura: É considerada uma das mais importantes artistas brasileiras que, embora tenha tido uma curta carreira, criou obras de expressão inigualável para a arte moderna no Brasil. O ser criado por Tarsila só pode existir na imaginação. Queria liber-
Boi na Floresta 1928 óleo sobre tela 50 x 61 cm
dade para se expressar, usar as cores e formas que desejasse, representar paisagens e figuras vindas da imaginação e, que refletisse as cores da sua terra, contasse as lendas e o folclore do Brasil. Podemos dizer que Tarsila encontrou soluções extremamente pertinentes para o que talvez seja o maior dilema da arte brasileira contemporânea: a difícil combinação entre as novas informações e a tradição advindas da arte européia e o caldo cultural brasileiro, principalmente no que se refere à expressão popular.
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Este catálogo foi impresso em papel Couché 150g. As família tipográficas utilizadas foram: Mr. Eaves (corpo de texto), e Ostrich Sans Sans.