Livros de Talita Correia
Duologia Solares
Louca Combinação
Novamente Atraidos Duologia Tempo
Sobre o Tempo
Tempo Perdido Série Inferno MC Ryan
Design da Capa:
Talita Correia
Com fotos de: Babi Galeane e Geoffroy Hauwen
Diagramação: Talita Correia
Com vetores de: macrovector / Freepik
1º edição, 2022
Copyright © 2022 de Talita Correia
Nenhuma parte do conteúdo desse livro poderá ser reproduzida em qualquer meio ou forma – impresso, digital, áudio ou visual – sem a expressa autorização da autora sob penas criminais e ações civis.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas ou acontecimentos reais é mera coincidência.
Parte I
Foge comigo agora Me arrisco na hora Pega tudo e vamo embora Tem tanta coisa pra ver lá fora Respira bem fundo Eu vou te levar pro fim do mundo (Fim do mundo – Jão).
Infiel
Hoje é definitivamente o pior dia da minha vida! Tudo bem, é um fato conhecido por todos os meus amigos que sou uma pessoa que tem tendência ao exagero. Eu nem faço por mal, é só meu jeito de ser e, muitas vezes, praticamente todas, depois que reclamo da vida, volto ao normal e percebo que estava sendo idiota, mas hoje…
Hoje eu estava tendo o pior dia da minha vida!
— Amor, espera. Eu posso explicar, não é nada disso que você está pensando!
Além de traidor, ele ainda precisa ser clichê? Por que essa frase não tem o mínimo de efeito quando a pessoa que a diz está tentando fechar as calças e tem uma mulher seminua ajoelhada entre suas pernas, com cara de quem não está entendendo porque o boquete que ela estava dando foi interrompido.
— Mentiroso, traidor, canalha!!
Preciso dizer que, enquanto falava, tentava acertar a cara do safado com qualquer objeto que estivesse ao alcance das minhas mãos? Era uma cena novelesca, daquelas mexicanas de tão exageradas, com lágrimas, gritaria, objetos voando e plateia — uma que minha melhor amiga, Dani, está tentando, sem muito sucesso, afastar.
— Para! Olha o barraco! Deixa eu…
— Deixa o que? Você explicar? Mas eu sei o que você vai dizer, que estava aqui na festa, bebendo tranquilamente quando ela tropeçou e caiu de boca em você?
Um vaso roxo cheio de camisinhas foi arremessado na direção do Fábio, e dessa vez não fui eu quem arremessou o objeto, mas Dani, que desistiu da missão de afastar a plateia, e agora se dedicava em me ajudar a acabar com meu ex-noivo.
01
Dani e eu crescemos juntas, éramos vizinhas de muro em Niterói, onde nossos pais ainda moravam e também eram amigos. Mas ela odiava Fábio, que a odiava desde a época em que estudou com o irmão dela, Edu. Misture nisso o ciúme que Fábio tem do Edu, desde o dia em que Dani contou que eu era apaixonada pelo irmão dela e pronto, não precisava de muito para eles brigarem.
Por isso, não era surpresa nenhuma que ela estivesse me ajudando no ataque; se bobear, ela estava mais do que disposta a pegar a pá e esconder o corpo comigo, quando eu terminasse de matar esse traidor.
— Não é…
— Já sei! — Mais uma rodada de tentativas de agressão da minha parte, e sei que não deveria estar orgulhosa disso, mas baixou a participante de “Casos de Família” que tenho guardada no meu interior e nada seria capaz de me segurar nesse momento. — Você sentiu câimbra no saco e ela estava fazendo uma massagem relaxante com a boca!
A plateia no quarto estava gritando mais do que a música que explodia as janelas daquela casa, e ninguém fazia nada além de assistir a tudo — alguns até mesmo tentavam gravar com os celulares. Mortificada com aquilo, caí na cama, chorando sem parar. Dani se colocou na minha frente, impedindo Fábio de se aproximar.
— Não basta trair, não é, Fábio? Tem que humilhar Mônica publicamente!
— É ela quem está transformando isso em algo público com seus gritos! — Ele tentou contornála para chegar perto de onde eu estava, mas levantei correndo e minha amiga continuou no meio. — Mônica, eu te amo, isso aqui não foi nada, só uma…
— Todas as noites que você não dormiu em casa, porque estava muito tarde para voltar, porque estava estudando, porque bebeu e não poderia dirigir, era tudo mentira! — Me aproximei dele, mas sentia Dani do meu lado, quase formando uma barreira entre mim e Fábio. — Você sempre me traiu, Fábio, e eu fui muito idiota para não perceber!
E porque eu adoro um toque dramático, dei um tapa em cheio na cara dele e joguei o anel de noivado pela sala. Alguns quilates de ouro voando e batendo no chão.
— Espera, Mônica. Vamos conversar!
— Conversar o que, Fábio? Te falei que traição era algo que eu nunca perdoaria. ACABOU!
Só Deus sabe se alguém entendeu o que eu estava falando, chorava tanto que meu rosto estava todo molhado, coberto de lágrimas. Destruída nem começava a definir meu estado. Até meu cabelo
decidiu fazer pirraça, ficando cada mecha para um lado. Foi com essa imagem, digna de filme de terror, que dei de cara com o homem mais lindo da história da humanidade.
Eduardo é gostoso, não tem definição melhor para ele além dessa. Seus quase 1,80m de altura exibem um corpo que diz que ele não é do tipo passa horas na academia, e sim daquele que pratica esportes e é bom nisso. Com sua pele negra, seus dreads — mais curtos do que eu lembrava — presos no alto da sua cabeça, um sorriso fácil, uma voz suave e um conjunto de tatuagens tribais que vão do braço ao tórax, Edu é tão lindo por fora, quanto é por dentro.
E sei disso muito bem, porque, sendo irmão mais velho da Dani, Edu teve que ser nossa babá várias vezes — na escola, em festinhas na praia — e nunca reclamou. Ele cuidava da gente e tinha o mesmo carinho por mim que tinha pela irmã. Para Edu eu era outra irmã, não que isso alguma vez me impediu de desenhar corações com nossos nomes juntos ou de cantar “Eduardo e Mônica” tantas vezes que ela ainda está gravada na minha cabeça desde que eu tinha 13 ou 14 anos.
Foi mais ou menos nessa mesma época que o Eduardo, então com 18, saiu de Niterói para fazer faculdade em São Paulo. Por uma razão que Dani nunca me contou ou talvez nem mesmo saiba, não voltou mais para casa. Há sete anos que não vejo Edu; nesse tempo, minha paixonite virou amizade com as ligações, mensagens constantes, notícias que recebia através da Dani e aqueles comentários aleatórios em redes sociais. Ainda assim, a última coisa que precisava agora era que logo ele me visse naquele estado, chorando, descabelada, fazendo um barraco em público…
Hoje é definitivamente a pior noite de toda a minha existência.
— Eu quero morrer!
Ressaca
Quem foi que deixou uma escola de samba entrar no meu quarto? Falando em quarto, cadê o meu quarto? Porque esse aqui definitivamente não é o meu e nem essas roupas.
— Bom dia, dorminhoca!
Juro por Deus, mas parece que o sol entrando pela janela, de alguma forma, está queimando os meus olhos. Parece que, além de acordar em um quarto com uma escola de samba particular, eu também virei uma vampira.
— Muita luz, meu Deus, de onde vem toda essa luz?
— Do sol, sabe aquela bola de fogo que queima no céu todos os dias?
Verdade seja dita, eu já poderia ter saído do casulo de cobertas em que me meti, assim que Edu entrou no quarto e abriu as cortinas, mas não sabia onde enfiar a cara. Estava na cama dele, vestindo só uma camisa, que deve ser dele, e uma calcinha, que provavelmente não é dele, sem fazer ideia de como cheguei até aqui.
Se rolou algo entre a gente ontem a noite e eu esqueci, nunca vou me perdoar!
— Você pretende sair daí ainda hoje, Mônica?
— Seria estranho se a resposta fosse não?
— Sim, mas, olhando o lado bom, tenho algo para você beber que deve, pelo menos, curar sua ressaca. Basta sair do casulo, Sininho.
02
Sem muita escolha, além daquelas que me levariam direto para o quesito patética, saí do meio das cobertas e, antes mesmo que desse tempo de pensar no que estava fazendo, arrumei a selva de cachos que habita a minha cabeça com um coque apertado e estendi a mão para a caneca que ele me ofereceu.
— Seu remédio para ressaca é café amargo? Cadê aquelas receitas bizarras da Dani com coisas cruas, seres vivos e sei lá mais o quê?
— Você está de ressaca, não sendo torturada. E se tem algo que eu sei é que se Dani preparou algo, é para torturar alguém.
— Deveria ser uma boa amiga e negar, mas vamos colocar essa minha falha na conta da ressaca. — Olho o quarto, observando cada detalhe de onde estava e, com certeza, não parecia como o lugar de alguém que não morava no Rio. — Falando nela, cadê a Dani? E onde estamos exatamente?
— Você está na minha casa. Para ser mais exato, na minha cama. — Ele senta ao meu lado na cama, esticando as pernas e ligando a televisão que fica bem ali na frente, já sintonizada em algum canal de esportes. — Espere aí, você não lembra o que fizemos ontem à noite?
Ai, meu Deus! Será? Não pode ser, por favor, não! Não posso ter transado com ele e ter esquecido! Se bem que se rolou uma vez, bem que podemos fazer de novo e dessa vez… Espera, por que ele está rindo? O que está acontecendo?
— Você deveria ver a sua cara agora! Eu nunca vi ninguém fazer tantas expressões em tão pouco tempo! Relaxa, você estava fora da casinha ontem, não rolou nada.
— Nada? Como foi que fiquei sem roupas? Por que estou dormindo na sua cama? Onde está a Dani? —Falava tão rápido que perdi o fôlego, ou só fiquei impactada com esse homem deitado do meu lado. — Ainda estamos no Rio? Por que eu nem sabia que você tinha uma casa aqui? E o mais importante, de quem é a calcinha que estou usando? Por que eu não tenho nada que seja fio dental como essa aqui!
— Você quer um relato longo ou curto?
— Em qual mantenho alguma dignidade?
— De verdade? — questionou, e eu fiz que sim com a cabeça. — Em nenhum deles!
Tentando manter o mínimo de compostura depois dessa revelação, pedi um tempo para tentar voltar a me sentir humana. Eduardo, como um bom cavalheiro, apontou para o banheiro no corredor
***
— havia um em seu quarto, mas a parede que separava os ambientes era de vidro e não oferecia nenhuma privacidade. Sem ter muito o que fazer, tomei um banho rápido, mantive os cabelos presos no alto da cabeça e fiz o que toda mulher faria na minha situação: espiei o apartamento do Edu!
E cara, que apartamento sensacional!
Cozinha integrada à sala, cores vibrantes nos detalhes de bancos e almofadas, em contraste com as cores claras que dominavam o ambiente. Duas pranchas de surfe bem gastas estavam penduradas na parede, como se fossem obras de arte. Uma grande varanda aberta, de frente para o mar — infelizmente muito calmo para ser usado para o surfe —, fornecia um visual muito mais atrativo do que a enorme televisão.
Embolada sobre o sofá estavam as cobertas e travesseiros que Edu usou durante a noite. Sentindo-me culpada por tirar ele da sua cama, tratei logo de dobrar, arrumar e deixar seu sofá o mais apresentável possível. Havia ainda um segundo quarto, que foi transformado em escritório. A mesa com os computadores era quase uma ilha de edição, com duas máquinas interligadas. Lembrei da Dani me contando que Edu estava trabalhando para uma produtora de canais no YouTube, fazendo edição de vídeos.
Antes que conseguisse espiar mais, especialmente as várias fotos que estavam praticamente gritando meu nome, um vira-lata preto e branco parou na minha frente e latiu bem alto.
— Merda, Fred, que susto! – Olhei em volta para ver quem mais me pegou no flagra quando perdia fala ao ver Edu, saindo do banho, usando nada além de uma bermuda esportiva, secando os dreads com uma toalha, enquanto gotas escorriam por seu peito nu e tatuado, despertando a inveja de qualquer ser humano.
— Tudo bem, Fred! Não precisa se vingar dela pela cantoria de ontem!
— Cantoria? Quem… Quer saber? Ok, conta logo tudo o que aconteceu!
— A mocinha não vai nem se desculpar pela espionagem? Se Fred não tivesse me avisado, vai saber quais segredos você teria descoberto, dona Mônica!
— Quais segredos você esconde aqui, senhor Edu? Agora você… Você é um traidor, Fred! Eu já te peguei no colo, seu ingrato!
O amor por animais era algo que eu e Edu tínhamos em comum, em especial por aqueles que eram abandonados. Fred foi resgatado por Edu em uma caixa, na beira da estrada. Por anos,
compartilhamos a guarda do cachorro preto e branco, mas, quando Edu foi para São Paulo, levou seu melhor amigo.
Menos de um ano depois, resgatei outros dois animais, Cara e Melo, vira-latas amarelos raiz, tipicamente brasileiros, que ficavam na casa dos meus pais em Niterói, onde tinham um grande quintal só para eles. Aqui no Rio, eu e Dani criamos uma gatinha preta, de nome Mana Bruxa, que é, basicamente, dona do nosso apartamento.
— Quer sentar e começar a história de ontem ou vamos adiar mais um pouco?
— Não adianta evitar. O que aconteceu, aconteceu.
Eduardo me leva até o sofá que deixei arrumado e sentamos de frente um para o outro. Confesso que estava muito curiosa para saber o que aconteceu durante a minha bebedeira e o jeito leve dele estava me deixando à vontade, mesmo depois de todos esses anos afastados.
— Por que não começamos com você me contando o que rolou? A única coisa que eu sei foi que Dani e Thiago estavam vindo para cá, comemorar minha primeira semana de volta ao Rio.
— Espera, de onde você conhece o namorado da Dani?
— Mônica, eu morava em São Paulo, não do outro lado do mundo.
— Engraçadinho.
— Assim que o lance deles ficou sério, eles passaram um feriadão comigo, em Santos, e eu gostei do cara, eles se completam de um jeito que é especial. Mas voltando ao assunto sobre a noite de ontem, de repente, só o Thiago aparece falando que Dani nos mandou ir até um sítio para servir de apoio, mas não sei como vocês duas foram parar naquele lugar.
— É aqui que começa minha humilhação, me mudei para a casa do Fábio faz um tempinho, mas como é no mesmo prédio em que morava com a Dani, não fiz uma mudança por assim dizer, estava movendo minhas coisas aos poucos, e também porque não tinha ajuda, Dani era contra a mudança, e Fábio nunca estava com tempo para ajudar.
— Que príncipe encantado, tão prestativo!
— Vou ignorar sua ironia, Edu. Enfim, estava com Dani, encaixotando algumas coisas minhas no nosso antigo apê, quando ela recebeu a dica da festa e que Fábio estava por lá e gritando que estava soltinho.
— E vocês foram até a festa, nesse sítio.
— Dani sempre desconfiou que Fábio estava me traindo, só nunca conseguiu me convencer, mas dessa vez ela falou tanto que aceitei ir, só para mostrar que ela estava errada. Entramos no carro dela e, quando vi, estava lá, dando o flagrante.
— Que merda, Mônica.
— Sempre falei com ele que traição era um limite para mim. Enganar, mentir, tudo isso é um grande não para mim, e ele sabia, até concordava, porque Fábio parecia ser o cara perfeito, mas não é e agora estou morrendo de vergonha.
— Vergonha de quê? Era ele quem estava no erro, te traindo na frente daquele monte de gente.
— Você viu minha cena! Você e toda a festa, já que, como eu tenho uma puta sorte, com certeza as imagens do barraco já estão rodando todos os grupos possíveis da faculdade.
— Eu gostei do que vi. Você mostrou suas garras, foi braba e sexy para caramba!
— Obrigada. — Fiz uma reverência a ele, mesmo sentada no seu sofá. — Então lembro que Dani me levou da festa, com você e o Thiago tirando Fábio de perto, e fomos até o Bar dos Cornos. Escolha irônica de bar, mas foi ideia minha. Comecei a beber, chorar e não me lembro de mais nada depois disso.
Olhei para Edu e esperei ele contar o que realmente aconteceu. Estava nervosa, minhas mãos suavam e meu coração batia rápido. Poderia até mesmo soltar aquela frase, famosa e tradicional, que soltei o ar que não sabia que prendia, mas não estava prendendo nada, tal era o medo de o meu mico ter ido parar na internet!
— Me conta, o que foi que aconteceu no bar, Edu?
— Você não fez muito mais do que isso. Bebeu, apagou e Dani te deixou aqui, porque nossos pais estão no apê dela.
— Por que parece que você está mentindo? E isso não explica a calcinha que não é minha e está no meu corpo, nem o desaparecimento da minha.
— Por alguma razão que não quero pensar muito, Dani tinha essa desculpa de pano na bolsa e te emprestou, mas ela jurou que estava nova, limpa e tudo o mais.
— E o resto da história? Pode falar a verdade, eu aguento!
— Tudo bem, ontem era noite dos amadores no bar. Você realmente bebeu muito, misturou cerveja com destilados e estava bem altinha quando decidiu subir no palco e cantar “Estranha Loucura”, da Alcione.
— Vamos deixar claro que você não tem futuro como cantora, sou obrigado a dizer como seu amigo que foi horrível, mas, depois de um tempo, lá pela terceira ou quarta música, e vários shots de tequila, você decidiu que a noite estava muito parada ou que as pessoas não estavam aplaudindo o bastante seu show e decidiu fazer uma performance um pouco mais… Ousada.
— Não!! Pelo amor de Deus, me diz que não tirei a roupa no palco!
— Não toda a roupa. Pagou uns peitinhos, mas pulei no palco antes de você conseguir soltar o vestido e te carreguei no colo até o carro.
— Eu nunca mais vou sair de casa!
— Espera que ainda tem mais! A Dani estava com você no banco de trás enquanto eu dirigia o carro dela e escutava você cantar as mesmas músicas sobre traição sem parar. Como ela não queria te levar para o apê dela, por conta dos nossos pais, decidimos que você deveria ficar aqui.
— Então não foi tão ruim assim. Eu só bebi até quase entrar em coma alcoólico, estraguei uma das minhas músicas favoritas da Alcione, em um bar no fim do mundo que nem sei chegar, tentei fazer um show com nudismo e passei a noite na cama do irmão da minha melhor amiga. Quem nunca?
— E voltou a cantar no meu apartamento, antes de tentar transar comigo quando a Dani foi embora. Chorou dizendo que não era gostosa e que eu deixei a sua calcinha molhada quando era mais nova… Ah, tirou a roupa na minha frente e tentou pular em mim, mas olha a lado bom, só quem viu essa parte foi Fred e eu, e a gente sabe guardar segredo!
— Você tirou a roupa para o meu irmão depois que eu saí? Sua safada!
— Dani, eu posso explicar!
Ai, meu Deus! Eu falei exatamente como o Fábio! Que nojo!
— Nãooo!!
Batom vermelho
Conhecendo a Dani como conheço, deveria saber que a cachorra gargalharia de chorar da minha cara de assustada, quando chegou de surpresa na casa do irmão, e que não deixaria passar em branco minha curta trajetória de cantora e stripper.
— A melhor parte foi quando você esqueceu a letra e começou a improvisar uma dança sexy!
— Não, amor, a melhor parte foi quando Edu teve que carregar Mônica do palco e ela continuou cantando na cara do seu irmão!
E ela ainda tinha ajuda do Thiago para fazer a retrospectiva da noite anterior. Basicamente, eu estava ferrada e escutaria sobre esse dia durante meses, talvez anos. Me desliguei do falatório deles para observar como aqueles dois estavam confortáveis um com o outro. Edu ainda estava comigo no sofá, enquanto sua irmã e o namorado dela arrumavam nosso café, parecendo observar a mesma coisa.
À primeira vista, eles chamam atenção pela beleza e pela confiança. Dani compartilha a aparência, o riso e a voz suave do Edu, mas em um corpo matador mantido a muita malhação e aulas de dança, que fazíamos juntas.
Já Thiago era, assim como eu, filho de um casal inter-racial, e cuidava da sua barba com mais cuidado do que eu com meus cachos. Cria, como ele mesmo dizia, de uma comunidade aqui do Rio, Thiago se dividia entre faculdade, treinos como reserva no time de basquete do Flamengo e aulas que dava para as crianças da comunidade onde cresceu, no mesmo projeto onde foi descoberto. Mesmo com sua agenda apertada, vivendo numa correria louca, ele estava sempre rindo, brincando e cuidando da Dani; e de mim, por tabela.
03
A única vez que vi Thiago perder sua sempre presente calma foi quando Fábio nos chamou de mulatinhos. Naquele dia, ele me contou que até relevava quando alguém dizia que ele era moreno, mas mulato era algo que não permitia, nunca. Até tentou racionalizar com Fábio, mas, quando não deu certo, perdeu a cabeça e por muito pouco não deu um soco no meu agora ex.
Dias depois, Thiago me chamou para se desculpar, mas lhe disse que não precisava fazer isso, porque ter orgulho da nossa cor e da nossa história não estava errado. Era Fábio quem deveria aprender, mas claro que isso nunca aconteceu e ainda rendeu uma briga entre nós. De alguma forma, Fábio ainda reverteu para virar vítima e me culpar por tudo, e me afastar ainda mais dos meus amigos.
E me afastei deles por um babaca que não possui a capacidade de manter o pau dentro das calças. Uma amiga de uma vida e um cara que bateu uma amizade fácil, e que fazia a minha amiga feliz.
É, eu sou uma trouxa!
— Já chega disso, quero comer e Sininho precisa colocar algo no estômago para ajudar com a ressaca.
— Sininho? — Acho que esse apelido fez a Dani ativar o modo detetive. — De onde veio isso?
— Essa é uma boa pergunta, não é a primeira vez que você me chama disso.
— Mônica sabe porque, só ela usar um pouco de memória.
— Sei?
Edu não respondeu nada, só deu uma piscadinha para mim e foi conversar com Thiago na cozinha, cantando marchinhas de Carnaval…
Fiquei olhando para Edu por alguns segundos, tentando juntar carnaval com uma fada de desenho animado, mas só consegui me lembrar de um certo baile de Carnaval em Itacoatiara, sete anos atrás, um que virou também o último dia do Edu no Rio. Dani me enfiou no vestido verde soltinho, prendeu meu cabelo para cima, completou o visual com asas de fada e passou a noite me chamando de Sininho. Naquele dia, minha eu de quatorze anos estava deprimida e chateada, sem saber como viveria longe do Edu.
E tudo fez sentido!
— AI. MEU. DEUS!!!
Edu começou a rir bem alto na cozinha, assim que percebeu do que me lembrei. De mim, subindo nas pontas dos pés para roubar um beijo em sua boca, não mais que um selinho, inocente e rápido, que terminou comigo correndo para casa, cheia de vergonha e não contando sobre essa história
para ninguém. Ele foi embora no dia seguinte, depois de um abraço desajeitado meu, que Dani nunca perguntou porque foi tão ruim, mas é impressionante ele ainda se lembrar disso.
— Mônica? Terra para Mônica?
— O quê?
— Amiga, você deu um grito, e depois ficou catatônica, está em que planeta?
— Ela foi para Terra do Nunca, amor.
— Quer saber? Não importa. — Dani me puxou pela mão, em direção ao quarto do irmão, sem esperar por resposta. — Por mais sexy que o visual camisa do Edu seja, está na hora de ir à luta e, para isso, você precisa estar gata e gostosa!
Me deixei levar e, meio no automático, vesti a blusa de frente única com um decote matador, o shortinho jeans desfiado, que Fábio odiava, e o quimono floral por cima. Sempre me vesti assim quando morava com meus pais, e até um pouco antes de conhecer o Fábio, mas quando ele começou a implicar com o tamanho do short, com as blusas que mais pareciam biquínis, os tops cortados, eles foram ficando no fundo da gaveta. As roupas que ele elogiava foram sendo usadas e ganhando outros modelos parecidos.
— Tenho certeza de que você não escuta isso há algum tempo, então lá vai: amiga, você está muito gostosa!
— Exagerada!
— Nós duas sabemos que a exagerada aqui é você, Môn, mas te ver vestida assim, como você sempre gostou, e com esse riso no rosto que sumiu por tanto tempo, me deixa muito feliz.
Voltamos para sala de braços dados. Estava quase chorando, mas consegui impedir as lágrimas no último segundo. Edu olhou para nós duas, mas, depois que abri um sorrisinho fraco para ele, sua expressão demonstrou certo alívio.
Tão logo sentamos nos banquinhos da cozinha, ele e Thiago começaram a devorar sanduíches tão recheados que desafiavam as leis da física para caber todos no mesmo espaço. Dani foi até uma sacola de papel e tirou dois sanduíches menores, me passando um deles.
— Rapazes, isso não é justo, para onde vai toda essa caloria? Sério, teê umas três carnes diferentes nesse sanduíche.
— Experimente treinar um monte de pirralhos cheios de energia e você vai descobrir rapidinho para onde vão minhas calorias.
— E qual a sua desculpa, Edu? — questionei, e ele fez questão de mostrar sua barriga tanquinho. — Dani, olha só seu irmão esfregando a boa forma dele na minha cara! Vai deixar?
— A vida é muito curta para viver de restrições. — Edu deu uma mordida enorme e bebeu um gole de suco antes de responder. — Mas não como todo dia e malho como um condenado para balancear.
— Agora você malha? Mônica, lembra como ele reclamava de academias quando morava no Rio? Agora virou paulista marombeiro, meu!
— Não enche, Daniela. Posso ter me rendido às academias, mas ainda prefiro surfar; aliás, o dia tá perfeito para isso, bora cair no mar depois, Sininho?
— Tão fofa essa coisa de Sininho…
— Não começa, senhorita Albuquerque!
— Você ainda não viu nada, senhorita Ferreira! Em tempo, essa imagem me faz muito feliz, te ver comendo algo de verdade, tipo pão, agora que Fábio está fora da jogada.
— Qual a relação entre pão e seu ex?
— A bonita da Mônica aqui vivia fazendo dieta maluca porque o Rei dos Babacas falava que ela estava gorda! Aliás, Môn, cadê seu batom vermelho?
— O quê? Sei lá, na bolsa de maquiagem, talvez.
— Pensando bem, tem meses que não te vejo com esse batom, e nem nenhuma maquiagem mais forte.
— Estava testando um visual mais limpo, Dani, só isso.
— Não consigo acreditar nisso. Pode me chamar de paranoica, mas só sei que aquele cara fez alguma coisa com o batom, não fez?
— Dani…
— Não se mete, Edu! Mônica, o que aconteceu com a porcaria de batom vermelho que você usa desde os 15 anos?
— ELE JOGOU FORA! — Não conseguia olhar para ninguém, encarava o prato à minha frente como se ele tivesse todas as respostas do mundo. — Fábio jogou o batom fora porque vermelho não ficava bem em mim…
— Besteira! – Dani estava tão nervosa que colocou suas mãos na cintura, pronta para briga, o que me deixava com mais vergonha. – Você fica linda de batom vermelho, amiga.
— E ele disse que é cor de puta, de mulher que saía de noite para caçar macho. — Levantei e deixei o sanduíche na mesa. Não queria mais comer ou conversar sobre Fábio e sabia que Dani não deixaria o assunto morrer. Principalmente, não queria mostrar para ninguém minha vergonha. — Deixei Fábio me dominar e nem sei dizer como, quando ou até mesmo porque fui tão facilmente manipulada por ele, só sei que foi acontecendo e, quando vi, não usava as roupas que ele não gostava, ou o batom que adoro e queria emagrecer a qualquer preço!
O silêncio que surgiu na sala era tão pesado que dava para cortar com uma faca, e sim, eu acabei de usar esse clichê, mas, ei, estou de ressaca, física e moral, então vamos manter esse segredinho entre a gente, sabe como é? Se vocês não contarem…
— Mônica, não acredito que vou te dizer isso, porque é bem óbvio, mas, querida, você é linda, com ou sem batom, tamanho 42 ou 52 não importa. — Dani me abraçou apertado, estava tão acolhida em seus braços que me permiti chorar. Senti a mão do Edu no meu ombro quase no mesmo instante. — Você sempre foi a romântica entre nós duas, te conheço desde o dia em que os seus pais se mudaram para a casa ao lado da minha. Acho que tínhamos o quê? Quatro anos?
— Por aí, talvez menos.
— Te amo como se você fosse minha irmã de verdade. E lamento muito ter soltado sua mão quando vi Fábio te machucando desse jeito. Deveria ter me esforçado mais, feito você ver que ele não prestava.
— Não é culpa sua, eu que sou uma cega, idiota, burra, iludida… pode me parar quando achar que tá bom, viu, amiga?
— Isso é para vocês duas, parem de se culpar por algo que é culpa do Fábio. – Edu beijou meu cabelo antes de continuar falando. – Ele era um babaca quando a gente estudava junto e, pelo jeito, segue sendo o mesmo otário, só está mais velho.
— Odeio admitir, mas meu irmão está certo, não é nossa culpa, e amiga, você é um doce de mulher, meio ingênua, meio boba, que não percebe o quão sexy é. E que, não sei por que, acredita não poder viver um amor tão intenso e belo quanto o dos seus pais, e estava se contentando com qualquer merda.
Trocamos um abraço longo, meio chorando, meio rindo, que era exatamente o que eu precisava para curar minha ressaca, tanto física quanto moral.
— Thiago, espero que você saiba que sua namorada é, tipo assim, um gênio!
— Claro que sei, e faço um serviço maravilhoso com a língua para garantir que toda essa sabedoria nunca saia do meu lado!
— Puta que pariu, definitivamente não precisava saber isso sobre minha irmãzinha!
Começamos a rir e a sala voltou ao clima leve, com pequenas implicâncias e piadinhas. O tempo todo, Dani ficou do meu lado, sua mão presa na minha, não só figurativamente, mas fisicamente. Ela estava demonstrando que não soltava minha mão, e jurei para mim mesma que não faria o mesmo, não soltaria a mão dela e nem a minha.
Era hora de voltar a ser eu mesma, e essa Mônica não deixaria de se amar. Só esperava conseguir fazer isso.
Golpe Baixo
Já era final de tarde quando soltei a bomba para meus amigos que estavam comigo na sala do Edu, era hora de voltar, pegar minhas coisas no apê do Fábio e descobrir para onde ir. Como quase tudo que era meu estava no apartamento dele, precisava de tempo para empacotar e a última coisa que queria era dar de cara com ele, com ressaca ou sem.
— Está ficando tarde, preciso pegar minhas coisas no Fábio e levar para Niterói.
— Por que você quer levar para Niterói? Seu quarto está meio vazio, mas ainda está lá. Pegamos suas coisas, algumas viagens de elevador e tudo volta ao normal.
— Eu quero ficar um tempinho em casa com meus pais, Dani. E Fábio mora no mesmo prédio que a gente, quero colocar uma distância, evitar esbarrar no elevador, sei lá.
— Só vou deixar porque tio Renato e tio Greg têm as melhores receitas para curar seu coração partido, Mônica, mas passa a noite lá em casa, tô com saudade da minha amiga.
— Daniela, por acaso você não me falou ontem que nossos pais estavam no seu apartamento, dormindo no quarto da Mônica e por isso ela teve que passar a noite aqui?
— Por acaso menti para você, mas foi por uma razão boa e totalmente lógica da minha parte.
— Você quer me juntar com a sua amiga!
— Qual é, Edu? A Mônica é linda, sexy, divertida e você está solteiro.
— E você nunca gostou da Chantal, tanto quanto nunca gostou do Fábio.
— Como eu poderia gostar da Chantal? Aquela mulher é uma esnobe, já Mônica…
Deixei os dois discutindo, coisa que era muito normal entre eles e, por experiência, sabia que aquela disputa verbal duraria algum tempo. Chamei um carro por aplicativo e sinalizei para Thiago
04
que estava indo. Ele até tentou me parar, mas, entre interromper a disputa dos irmãos e me convencer a esperar, escapei.
Pobre Thiago, até o momento em que peguei o elevador, ainda era possível ouvi-los discutindo, sendo que o assunto havia evoluído para algo que aconteceu durante a festa de 15 anos da Dani. Como? Não sei! Mas, naquele momento, estava preocupada em não encontrar nenhuma cena bizarra de sexo explícito no apartamento, ainda mais porque meu telefone não havia recebido mais nenhuma ligação ou mensagem dele desde ontem de madrugada.
Ele tentou, os registros mostravam que tentou me ligar, mas, depois de certo momento, parou. Quando senti o aparelho vibrando na mão, até imaginei ser ele, e quase não peguei para ver quem era, mas assim que reparei no nome da Dani na tela, respirei aliviada.
— Oi, Dani, escuta, estou quase no apartamento e não quero falar na rua, então pode me ligar daqui a pouco?
— Não! Querida, não sobe ainda, espera a gente que estamos indo te encontrar, vamos chegar aí em menos de 5 minutos, Môn.
— Para de ser exagerada, Dani. Eu já abusei muito de vocês. Aliás, agradece ao Edu por tudo, seu irmão continua sendo um príncipe. Tenho que ir, amiga, já cheguei.
Desliguei o telefone, paguei pela corrida e desci do carro, caminhando direto para o elevador, muito mal trocando um “boa tarde” com o porteiro. Não sei por que Dani está tão preocupada. Sei que ela não gosta do Fábio, mas tem horas que exagera nas reações. Ele nunca foi violento nem nada parecido.
Não queria dar de cara com ele no apartamento, mas, se acontecesse, no máximo discutiremos novamente. Até aí, não seria a primeira vez. Pegaria minhas coisas, deixaria no apê dela e amanhã iria para casa, ficar com meus pais. Não existe nada que não se cure com uns dias de descanso em casa e com amor dos meus pais e ….
— NÃO!!! — Bastou abrir a porta para descobrir que estava errada. Fábio era sim capaz de violência e fez algo imperdoável, praticamente um assassinato. — Meus livros!
— Ah, que bom, ela sabe o caminho de casa. — Fábio apareceu sem camisa saindo do quarto e nem mesmo se dignou a olhar para a chacina que fez na minha estante. — Como você pode fazer isso comigo, Mônica?
Era uma cena digna de filme de terror, tirada diretamente dos meus piores pesadelos. Todos os meus livros estavam jogados aos pés da minha estante, rasgados, picados, amassados! Perda total em cada um deles, alguns que esperei meses para chegar, outros que esperei anos até o autor escrever e lançar. Livros que levei horas numa fila para pegar um autógrafo.
Todos destruídos!
— Olha só o que você fez! Estão todos… Meu Deus! Você molhou também?
— O que eu fiz? E o que você fez, Mônica? Que tal falar sobre o que você fez, saindo da festa com aquele cara, chegando em casa só agora?
— Eu não consigo respirar… Meu coração… Acho que vou morrer!
— Corta o drama.
— Você destruiu uma vida em livros, Fábio! UMA VIDA! Você me atacou naquilo que tenho de mais precioso, fora minha família e amigos. Isso é golpe baixo, é pior do que sua traição!
— É o que você merece por me cornear! — Ele chutou um dos meus livros. — Aposto que foi aquelazinha lá quem fez a sua cabeça para trepar com o irmão dela!
— Do que você está falando, seu louco?
Fábio estava começando a me assustar. Ele avançou na minha direção e, quando ficou perto, senti o cheiro de álcool muito forte. Não adiantaria conversar com ele assim. Um pouco assustada com seu descontrole, corri até a porta, mas não fui rápida o bastante.
— Você trepou com Edu, porra!
— O quê? — indaguei, e Fábio agarrou meus braços, me sacudindo e gritando na minha cara.
— Você está me machucando, Fábio!
— Você ainda não viu nada, sua puta!
Fábio levantou a mão como se fosse me bater. Não perdi tempo tentando entender o que estava acontecendo: reagi instintivamente, usando meu joelho com toda a força, direto no meio de suas pernas. Ele me soltou e caiu no chão, gemendo de dor. Corri até a porta, mas, antes mesmo de chegar lá, meus amigos entraram.
— MÔNICA!! — Daniela me apertou em seus braços. — Amiga, está tudo bem com você?
— Ele tentou me bater, preciso sair daqui, Dani, me tira daqui, por favor!
Edu partiu para cima do Fábio. Ele mal havia levantado do chão quando o punho acertou sua cara em cheio e ele caiu no sofá, Thiago não perdeu tempo e ficou no meio dos dois. Precisou só de um empurrão dele para manter Fábio longe, de tão bêbado que estava.
— Não quero saber o que você acha que aconteceu, mas se levantar a mão para Mônica outra vez, corto ela fora e enfio pela sua goela abaixo — Edu falou, de um jeito que não deixava dúvidas do quanto ele estava sendo sério.
— Cai fora daqui, e deixe Mônica arrumar as coisas dela em paz, Fábio.
— Essa casa é minha, Thiago, e você não manda em nada aqui — Fábio esbravejou, sua voz arrastada e desconexa me dando nojo. — Se alguém tem que sair é essa puta.
— Se chamar Mônica de puta outra vez, deixo Edu te moer na porrada. — Thiago ainda estava entre Fábio e Edu, eles pareciam prontos para uma briga, mas, com Fábio bêbado como estava, não faria nenhum bem para o Edu brigar com ele.
Fábio arremessou alguns objetos pela sala, copos, garrafas, todos eles espatifaram na parede durante sua fúria, cacos de vidro espalhados ao redor.
— Você sempre quis ela, não é, Edu? Sempre ficou de olho na minha mulher. — A cada objeto jogado, Fábio se aproximava do Edu, até que Thiago segurou seu braço e o afastou. — Me solta, porra!
— Nem estava no Rio quando vocês começaram a se envolver, seu babaca!
— Você vai se arrepender de ter me traído com esse cara. Isso não vai ficar assim!
— Foi você quem me traiu… — Espere aí! Fábio acha que transei com Edu? Eu jamais perderia essa chance. — Quer saber? COMEU! Ele comeu e comeu bem gostoso!
— Vagabunda!
— Quer uma verdade, Fábio? — Fiz um gesto universal para indicar o tamanho do Edu, ou pelo menos, o tamanho que eu imagino que ele deveria ter em uma certa área do corpo. — Menti para você, porque sim, o tamanho importa!
Ele tentou avançar na minha direção, mas Edu se colocou na frente e praticamente jogou Fábio para fora do apartamento. Thiago assumiu o lugar da porta, sendo bem mais eficiente no trabalho do que um pedaço de madeira.
— Sai da minha frente, Thiago, tenho todo o direito de arrebentar a cara do filho da mãe que comeu minha mulher!
— Cai fora, ou quem vai te arrebentar sou eu, e nós dois sabemos que não é de hoje que temos contas para acertar, Fábio.
— Vão se foder, todos vocês! Mônica, pega as suas merdas e some da minha casa. E você? Preste atenção ao seu redor, porque vai ter volta, Edu, essa merda não vai ficar assim.
Thiago bateu a porta na cara do Fábio e não se dignou a saber se ele saiu do prédio ou ficou pelo corredor. Levou uns dois minutos até a adrenalina passar e o que estava acontecendo bater em mim. Os livros, as acusações, o barraco digno de programa de televisão. Senti minhas pernas ficarem fracas, mal sustentavam o peso do meu corpo. Edu me levou para o sofá.
— Eu não acredito que ele destruiu todos os meus livros e tentou me agredir. E essa história que a gente transou, de onde ele tirou isso?
— Depois do que você falou, ele não acha, tem certeza. — Edu jogou um braço sobre meu ombro. — Obrigado pelo tamanho, a propósito!
— Eu acho que sou culpada…
— O que você fez, Dani?
Destruição
Daniela não respondeu, e isso já era muito estranho, porque em todos esses anos que a conheço, ela nunca deixou de falar o que pensa ou o que fez. Onde sou mais reservada, ela é expansiva e nós sempre ficamos bem em nossos papéis. Era isso que fazia nossa amizade ser forte, a gente se completava, e o silêncio dela dizia muito.
— Edu, o que a sua irmã fez? — Mais silêncio, até mesmo Thiago estava olhando para a namorada e eu sentia que todo mundo sabia o que estava acontecendo, menos eu. — Alguém pode me falar o que está acontecendo?
— Eu menti! — Dani gritou, e se jogou no sofá na minha frente. — Queria você na casa do Edu porque sabia que Fábio te procuraria e não queria que vocês se encontrassem.
— Não edita a verdade, maninha.
— Para de ser mala, Edu!
— Então conta a história toda, incluindo o teatro que você e o Thiago armaram.
— Para ser justa, eu fiz isso pelo bem de todo mundo. Sim, sempre sonhei em ver vocês dois juntos, mas Edu sempre vem com esse papinho furado da irmã caçula, que por acaso é filha do Gregory e do Renato, e não dos nossos pais, e não percebe como vocês combinam, então pensei que, se ele cuidasse de você, veria o mulherão que você é.
— Então, dormi no Edu porque você estava manipulando a gente, só para fazer seu irmão me ver como mulher?
— Desculpa, Mônica, se eu soubesse que Dani fez isso ontem, teria dado um jeito de te avisar.
05
— Me desculpa também, Edu. Eu até tive uma paixonite por você, mas foi coisa de criança e depois do Fábio, preciso de um tempo e não namorar outra pessoa.
— Meu Deus, até no discurso chato vocês combinam. Edu falou a mesma besteira de ter um tempo depois da Chantal. Como podem não ver isso? — Dani disse, e Edu jogou um travesseiro nela, mas Thiago agarrou antes de acertar a namorada. — Obrigada, amor! Mas, tudo bem, já que começamos a cavar minha cova, vamos terminar.
— Deixa eu adivinhar: Fábio foi até nosso andar e você falou que eu estava no Edu. — E voltamos ao silêncio. — O quê? Ela fez pior?
— Foi exatamente isso. Falei que você estava com Edu, vamos arrumar suas coisas? Vamos!
— Na verdade, quando Fábio bateu no apartamento de vocês, te chamando no meio da madrugada, Dani fez algo além de falar com ele.
— THIAGO!!
— Ela me obrigou a ficar batendo na parede do quarto que era seu, como se fosse a cabeceira da sua cama batendo na parede. — Thiago começou a bater na parede como se estivesse fazendo sua melhor imitação de efeito especial de filme pornô. — E, enquanto batia na parede, ainda fiz uns gemidos, falei umas putarias… eu deveria ser ator!
— Que porrada violenta é essa, Thiago? Edu estava transando ou me matando?
— Ele fez a mesma batida lá em casa, pensei a mesma coisa, aí me arrependi, porque isso é sexo selvagem e eu não quero a imagem mental dele fazendo isso com minha irmã caçula.
— Se as paredes do meu quarto falassem…
— Obrigado, amor. Quando Dani atendeu a porta, ela não o deixou entrar, dizendo que você estava muito ocupada com Edu.
— Então foi isso, vamos seguir em frente né, gente?
— Sua maluca, por isso ele destruiu tudo!
— Mesmo se você, realmente, estivesse mandando ver com Edu, nada justifica violência física, psicológica ou material, que foi exatamente o que ele fez.
Escondi a cara no peito do Edu, porque não sabia o que pensar. É claro que não quero voltar para Fábio, não depois do que ele fez com meus livros, mas estava com dificuldade em aceitar que não enxerguei esse outro lado dele. Esse homem agressivo me assustou, era como se, depois de anos de
namoro e cinco meses de noivado, dos quais passamos dois praticamente dividindo a mesma casa, eu não conhecesse realmente a pessoa que estava dormindo ao meu lado.
— Nisso, a maluca da minha irmã tem razão.
— Fábio te traiu primeiro, você deixou claro que o noivado acabou e estava livre para fazer o que quiser da sua vida, incluindo transar loucamente com meu muito sexy irmão mais velho, o que já passou da hora de acontecer…
— Dani!
— Só dizendo! — Dani levantou e me puxou do sofá, já dando ordens pela sala. — Agora, chega de conversa e vamos embora logo dessa casa cheia de energia ruim. Mônica e eu vamos cuidar do quarto; Edu e Thiago, juntem os livros dela, com cuidado, por favor. Quem sabe no meio dessa destruição sobrou alguma coisa?
E assim fizemos. Antes de ir com Dani, recebi um abraço de cada um dos meninos e fui fazer as minhas malas. Colocava as roupas de qualquer jeito, sem dobrar ou me preocupar com nada. Dani estava certa, Fábio deixou uma energia ruim na casa e eu queria sair daqui o quanto antes.
— Assim que a gente chegar ao nosso apê, coloca tudo para lavar e acende um incenso. Qual deve ser o cheiro para afastar ex embuste? — Quando não respondi, ela seguiu fazendo planos. — A gente veste uma roupa branca para limpar a energia, joga tudo na máquina e acende um incenso. Coloca uns cristais pela lavanderia, um sal grosso na água…
— Você não é normal! E corta o sorrisinho, não gostei nada de ser manipulada por você, Dani.
— Escuta, Sininho — começou, e usei minha melhor expressão de cara feia. Dani levantou as mãos e trocou o apelido. — Mônica, então, errei, sei disso, não devia ter mentido para vocês, mas sabia que Fábio tentaria te encontrar lá em casa e, depois de tudo que ele aprontou, queria dar uma lição nele.
— Deixa para lá, cansei desse drama todo. Preciso ser prática e colocar minha vida de volta nos trilhos.
— Exatamente, vamos ser práticas. Como você quer se vingar pelos livros?
— Oi? — indaguei. Dani estava com um batom vermelho nas mãos, caminhando decidida até o espelho do quarto. — O que você está fazendo?
— Não é óbvio? Vou escrever no espelho um recado para o traste, algo tipo, “corno” ou talvez o chame de “banana-nanica”.
— Daniela, ele destruiu todos os meus livros. Escrever no espelho não vai dar em nada. Passou um paninho e pronto.
— Ela tá certa, maninha. Se for para ser olho por olho, tem que ser algo que machuque. — Edu estava parado na porta, com tinta spray na mão. — Tem que ser algo que dure.
— De onde saíram essas latinhas?
— Estavam no meu carro e são sobras da decoração do meu apartamento, aquelas formas geométricas na parede. — Ele sacudiu as latinhas e me passou uma. — Eu fiz usando essa tinta durável, cores fortes. Só cuidado, porque mancha muito a roupa, se respingar! Onde e o que você quer escrever?
— Você disse que essa tinta mancha? E se por acaso ela cair em camisas de futebol raras? O estrago seria grande?
— Raras como aquelas que esse vacilão coleciona desde a época em que estudávamos juntos? O estrago seria enorme!
Sem chances para conversa, corri até o armário para pegar as camisas em questão. Fábio as mantinha guardadas em perfeito estado. O xodó dele por elas rivalizava com o meu amor pelos livros, mas era sobre isso.
Olho por olho, total aniquilação e está tudo bem!
A Proposta
Levamos menos de 20 minutos, e algumas viagens de elevador, para deslocar todas as minhas coisas do apartamento do Fábio para o que eu dividia com a Dani desde que passamos a fazer faculdade na Tijuca, aos 18 anos, e vimos que seria complicado sair e voltar de Niterói todo dia.
Não passou despercebido para ninguém meu pequeno problema: Fábio poderia bater à nossa porta sem precisar anunciar ao porteiro, era só apertar um botão no elevador, como fazia na época do namoro, e pronto, estaria na minha porta me perturbando, ou se vingando do estrago que fizemos em suas camisas.
— Sei que vacilei, e que vocês vão falar que é outra armação minha, mas não sei se é seguro para Mônica ficar aqui.
Dani trancou a porta assim que Thiago passou com a última caixa. Deixamos minhas coisas pelo caminho antes de cada um achar um canto na sala para se jogar, literalmente. Nosso apê era a nossa cara, afinal, depois de tanto tempo de amizade, a mistura na decoração ficou natural. Isso é, cores fortes, referências literárias por toda parte, até mesmo nas almofadas e flores. Dani e eu amamos flores naturais, dando cor e frescor ao lugar.
— Mônica, e se você der queixa contra ele? A forma como ele te segurou é agressão, somos suas testemunhas, tem marcas no seu braço.
— Concordo com Thiago. Eu te levo, você faz a denúncia e pode pedir uma medida restritiva. Depois fica lá em casa, até te deixo cantar pro Fred.
06
— Mas a gente meio que vandalizou as camisas dele, será que serve de alguma coisa dar queixa? E ele não me bateu. Não estou defendendo, fiquei assustada, mas queixa não é muito radical?
— Você escutou o que ele disse, amiga. Fábio estava fora de si, ele é um perigo para você. E, além disso, todo mundo do condomínio sabe que vocês moravam juntos e o brasileiro tem essa maldita frase de que briga de marido e mulher não se mete a colher. Se Fábio te encurralar no prédio, ninguém vai fazer nada.
— Não vou prestar queixa, pelo menos não agora. Já destruímos as camisas, está de bom tamanho. E obrigada pela oferta, Edu, mas vou atravessar a ponte mais cedo, meu melhor remédio será o colo dos meus pais.
— E a faculdade? O recesso começou ontem, mas daqui a pouco vem outro semestre e o babaca está fazendo a tese de mestrado com um dos coordenadores do seu curso. Vocês vão se esbarrar pelo prédio, com certeza.
Sabe aquele ditado o que é um peido para quem está… Enfim, vocês entenderam! Foi só a Dani me lembrar da faculdade que todas as minhas dúvidas sobre cursar Direito voltaram. Ainda não falei com ninguém sobre essa minha dúvida, mas com tanta coisa acontecendo, e mudando, talvez seja a hora perfeita para me abrir sobre isso.
— Sei que já te disse isso hoje, mas você é a criatura mais expressiva da Terra, Sininho. Fez tantas caras e bocas agora que tenho certeza que você vai soltar outra revelação.
— Acho que não quero mais fazer Direito.
— Quer fazer errado?
— Amor, essa foi horrível! — Thiago ignorou a cara feia que a Dani fez depois da sua piada ruim. — Mônica, se Direito não é sua vocação, qual é?
— Esse é meu problema, não sei qual é a minha vocação!
— Por que você escolheu estudar Direito em primeiro lugar? — Edu só precisou de meio segundo para entender o que aconteceu. — Mônica, Fábio falava desde a época que estava comigo sobre fazer Direito. Não me diz que você escolheu estudar isso porque ele estava fazendo esse curso?
— Eu sei, sou patética, mas é isso, estava no terceiro ano quando reencontrei Fábio em Niterói, uma festinha de amigos em comum, nós ficamos durante a festa, ele disse que estudava Direito e botei na cabeça que também adorava a área. Quando veio o vestibular, marquei a opção.
— Só para deixar claro, maninho, eu faço faculdade particular porque o pai pode pagar e meu resultado do Enem foi um massacre. Só que Mônica tinha nota para entrar na federal e desistiu para ficar perto do Fábio.
— Minha nota não era suficiente para fazer Direito na federal, poderia ter feito Letras lá, mas queria Direito, por isso optei pela particular, que é ótima também.
— E porque não tenta fazer Letras agora? Duvido muito que seus pais vão reclamar de alguma coisa, eles só querem te ver feliz.
— E se gostar de ler não for realmente um motivo válido para fazer faculdade de Letras? Para ser sincera, nem sei qual é meu sonho.
— Sabe do que você precisa, minha amiga?
— Dinheiro para comprar meus livros que Fábio estragou e coragem para falar para os meus pais que os dois anos de mensalidade que eles pagaram vai para o ralo?
— Não, distanciamento, olhar seus problemas de longe para poder buscar a melhor solução, e você sabe que Gregory e Renato vão te apoiar incondicionalmente.
— Tenho uma ideia e acho que vai ser a solução dos seus problemas, e dos meus. — Edu levantou e sentou do meu lado, celular já aberto no seu aplicativo de e-mail, onde ele me mostrava uma troca de mensagens com o assunto “Projeto – RoadTrip”. — Você lembra que sempre sonhei em viajar pelo mundo com nada além de uma mochila, sem destino ou planos?
— Eu sei, você sempre falou em fazer um mochilão pela Europa.
— Sem querer cortar vocês, vou com Dani pegar uma pizza ali na esquina. Se Fábio bater aqui, tenta não matar aquele idiota antes que eu chegue para gravar a surra.
Dani não seria Dani se, antes de sair, não fizesse algum gesto obsceno na nossa direção, mesmo tendo que desviar de um travesseiro, e Thiago não seria Thiago se não arrastasse Dani para fora, rindo das palhaçadas dela.
Antes de recomeçar a falar sobre seu tal projeto, Edu me ajudou a arrumar a mesa para a pizza, pois sabia que levaria, pelo menos, uma hora, ou até mais, para nossos amigos voltarem. Como queríamos conversar sem interrupções, deixamos tudo pronto, e voltamos para o sofá, lado a lado. Peguei meu notebook para ele me mostrar outras coisas.
— Transformei esse sonho de viagem em outra coisa. Ele deixou de ser um projeto pessoal e virou algo profissional. Estava tudo encaminhado para acontecer, mas então terminei meu noivado,
pedi transferência para a filial da produtora aqui no Rio e estou com um problema, porque preciso apresentar uma solução ao meu chefe.
— Espera! Você já disse isso antes, mas você também era noivo?
— Foi um noivado rápido. Meio que entendo o seu sentimento de agora, com Fábio, porque vivi isso. Eu amei Chantal, uma versão dela que demorei a entender que existia na minha cabeça, e quando percebi que ela não era o que idealizei, estava noivo e me tornando alguém que não era eu.
— Por que alguém iria querer que você fosse diferente? Você já é ótimo do jeito que é.
— Poderia falar o mesmo sobre você, Mônica, e mesmo assim… Olha, é exatamente por isso que eu acho que você deveria vir comigo.
— Ir com você para onde? Você fala e não explica.
— Talvez porque uma Sininho fofoqueira fica me interrompendo? — Ele bateu com o dedo no meu nariz, um gesto que fazia desde que éramos crianças. Estava com saudade desses pequenos atos de intimidade entre a gente. — A ideia é viajar pelo litoral do Brasil, com uma equipe de filmagem reduzida. Eu mesmo posso fazer boa parte do trabalho técnico, mas preciso de uma pessoa carismática para ser o rosto do projeto, ficar na frente das câmeras. Será pelos olhos dela, e pelos meus, que vamos apresentar praias, as melhores ondas do Brasil, comidas locais, bares… Tudo que alguém da nossa idade gostaria de conhecer.
— Mas esse tipo de vídeo não precisa de alguém famoso para chamar o público?
— Sim, geralmente usamos alguém famoso para apresentar, o problema é que contratar alguém famoso só para testar é um custo que eles não vão assumir, meu chefe decidiu que quer assistir sete episódios fechados, fazer uma avaliação deles com os outros donos e só então investir para fazer algo que vá a público; e aí sim, contando com alguma personalidade.
— Então você vai gravar um programa piloto, de sete episódios, viajando pelo Brasil e mostrando picos de surfe? E me quer nele?
— É uma área que domino. Posso ser o rato de laboratório desse piloto, e depois passo a trabalhar na produção de outros programas dentro do canal. Mas não posso fazer tudo, Mônica, trabalhar atrás e a frente das câmeras. Preciso de ajuda, meu chefe já estava no meu pé querendo um nome e ele é você. Temos confiança um no outro, a gente se conhece desde pequenos, só de olhar um para o outro já sabemos que algo deu merda ou não.
— Mas e…
— Sem “mas”, Mônica. Volta para casa, passa o Natal com a família, e depois disso é pé na estrada. Um tempo longe de tudo e de todos é exatamente o que você precisa, tempo para pensar.
— Edu, eu nunca fiz nada remotamente parecido com isso, e sou tímida. Dani é a comunicativa da dupla, lembra?
— Dani não consegue ficar em pé sobre uma prancha nem se a vida, ou um dos sapatos dela, dependesse disso. Você estará comigo, que teoricamente sou o produtor e apresentador. Preciso só de uma dupla, para aliviar, mas podemos na estrada ver como fica e mudar. E, outra coisa, só quem vai ver esse programa é meu chefe e o pessoal da produtora, não será algo público, juro.
Era tentador, alguns meses longe de tudo, em busca de ondas e belas imagens, com muito sol, mar e diversão. O que uma mulher de 20 anos poderia querer? Um cara lindo de companheiro de viagem? Espera… Até isso está no pacote! Era difícil dizer não, mas será que o momento era esse? Com todos os problemas que tenho de enfrentar em casa, a resposta é botar o pé na estrada?
— É tentador, só não sei se…
— Sabe de uma coisa? Quando estava de pileque ontem, você cantou “Fim do Mundo”, do Jão, então porque você não faz como diz a letra? — Edu colocou a mão no meu rosto, se aproximando de mim de um jeito que eu não tinha outra opção a não ser encarar seus lindos olhos castanhos. — Respira bem fundo e me deixa te levar ao fim do mundo?
Um tempo em casa
Não falamos mais sobre a viagem durante toda a noite, uma consideração do Edu para não fazer pressão e me deixar pensar por conta própria, nem mesmo quando voltei para a casa dele. Depois de comer pizza, arrumei algumas roupas numa mala, e voltei com ele dirigindo meu carro. Thiago decidiu passar a noite com a namorada no nosso apê, caso Fábio tivesse alguma ideia de merda. Dessa vez, dormi no quarto de hóspede, onde apaguei um pouco depois de chegar.
No dia seguinte, acordamos cedo, tomamos café e partimos para uma não tão longa viagem até a praia de Itacoatiara. Edu amarrou a prancha de surfe no teto do meu carro, repleto de saudades de cair no mar que nos era tão familiar, e eu, louca para encontrar com os pilares da minha vida, meus pais, Gregory Stewart e Renato Ferreira.
— Liguei para minha mãe mais cedo, e ela vai me encontrar no restaurante dos seus pais.
— Ela sabe que estou com você?
— Claro, foi a forma mais rápida e fácil de avisar todo mundo que precisava saber da nossa chegada em uma ligação.
— E você vai ficar por aqui? Ou quer uma carona para atravessar de volta?
— Vou dar um beijo na minha mãe, talvez cair no mar, e voltar correndo, mas não precisa me trazer, vou deixar a prancha lá em Niterói e volto de aplicativo. Amanhã já tenho reunião na produtora sobre o projeto, e como o cronograma está apertado, só volto no Ano-Novo, já para me despedir antes de cair na estrada.
— Sem folga até no Natal?
07
— Meu pai vai aportar em casa para o Natal, e não tô com disposição de brigar com ele.
Queria perguntar mais sobre o problema entre Edu e seu pai, mas estávamos na porta do “Califórnia”, o restaurante de frutos de mar dos meus pais. O nome foi escolhido graças à música do Lulu Santos e porque, antes de viver no Brasil, casado com Renato, que é meu pai biológico, Greg nasceu e viveu em Santa Mônica, na Califórnia.
— O que aconteceu?
E foi assim, sem meias palavras que meu pai Renato me recebeu, antes mesmo que eu entrasse no restaurante, ainda vazio pela hora. Foi como ser engolida por uma onda: em um instante, eu estava na porta, no outro, no meio dos braços dele, caindo no choro e sendo engolida logo em seguida pelo Greg, que abraçava nós dois e alisava meus cabelos.
— Foi horrível! — Respirei fundo algumas vezes e soltei a bomba de uma vez só. — Fábio me traiu, terminamos, ele destruiu meus livros, e eu as camisetas de futebol dele. Ele tentou me agredir, jurou se vingar do Edu, porque acha que transamos e não quero mais fazer faculdade de Direito.
— Espera! Repete o que você falou!
— Que eu não quero fazer Direito?
— Não, antes disso, eu não ouvi que aquele filhinho de papai metido a besta tentou te agredir, ouvi?
— Tentou, e nem quero imaginar o que ele faria se a gente não chegasse a tempo.
— Edu! – tentei chamar, mas fui ignorada.
— E ela não quer prestar queixa!
— EDU! – gritei enquanto tentava pular nele e tampar sua boca.
— MÔNICA! – meu nome foi dito por tantas vozes que foi impossível descobrir quem gritou primeiro.
— Parem com o momento “Diário de Bridget Jones” e comecem a falar o que aconteceu — meus pais tinham certa dinâmica entre eles. Renato era prático; já Greg, emotivo. Não foi de se espantar que, no meio daquela confusão, foi Renato quem tomou as rédeas e controlou a situação. — Quer saber? Amanda, toma conta do restaurante, precisamos conversar com nossa filha.
— Não precisa de tudo isso…
— Precisa sim, se eu vou matar Fábio, Renato vai esconder o corpo e nós três vamos precisar fugir para Noruega, não podemos falar sobre isso aqui na frente de tantas testemunhas.
— Renato! Greg! Esperem! — Amanda saiu do pequeno escritório que ficava atrás da cozinha do restaurante, telefone na mão e olhar de desespero. — É da peixaria, temos problemas com o carregamento de hoje.
— Droga.
— Renato, você resolve o problema da peixaria, e eu resolvo o da Mônica. Quando terminar, nos encontre na praia.
Sem esperar por resposta, meu pai me arrastou pela mão. Edu e sua mãe, Fabiana, a quem eu chamo carinhosamente de tia, nos acompanharam até certa parte, mas, logo em seguida, acenaram e foram conversar sob a copa das árvores, local que tia adorava ficar. Meu pai me colocou sentada na areia e me abraçou pela cintura.
— O que aconteceu entre você e Fábio, baby girl?
— Ele estava me traindo — contei tudo desde o começo: Fábio não dormindo em casa, a festa do boquete e terminei com o massacre dos livros e camisas. — Então é isso.
— I’m gonna kill…
Se meu pai estava trocando o português pelo inglês, depois de passar quase 20 anos morando no Brasil, significa que Fábio pode se considerar morto se aparecer em qualquer lugar perto de Niterói pelo resto da vida. Mas seu instinto assassino dá lugar ao paternal, assim que ele vê chorando, o que eu faço, nos braços dele.
Senti as mãos da tia Fabiana abraçarem meu ombro, ela e meu outro pai se aproximaram. Não querendo repetir tudo, deitei no colo da mãe do Edu e deixei meus pais conversando. Ela abriu um sorriso tão caloroso enquanto me acarinhava, que senti aquele conforto dentro do peito, que um filho tem quando encontra a mãe.
Fabiana Albuquerque era mais do que a mãe da Dani e do Edu, ela era parte da minha família, até porque, eu quase não tinha parentes de quem gostasse. A família do Greg ainda vivia em Santa Mônica, a do Renato meio que odiava a gente porque ele morava com um homem e minha mãe biológica, a última vez que soube dela… Era melhor esquecer.
Ficamos, nós duas, olhando para o mar, tentando identificar Edu entre tantos pontinhos dentro d’água, mas era impossível.
— Como você está, Tia?
— Estaria bem se esse teimoso do meu filho aceitasse falar com o pai.
— Tio Afonso está em casa?
— Não, mas vai chegar para o Natal e esse menino se recusa a passar o feriado aqui.
— Ele me disse que estava ocupado com trabalho.
— No dia de Natal? Ele até pensa que me engana, mas conheço esse menino tem vinte e cinco anos e sei quando ele está tentando me enrolar.
Ela me deu um beijinho na bochecha, ao mesmo tempo em que respirei fundo e me abri com meus pais sobre tudo que estava preso no peito, como estava me sentindo sufocada pelas mentiras do Fábio, as formas sutis em que ele controlou minha vida, e permiti que acontecesse, minhas dúvidas sobre a faculdade que escolhi fazer.
Eles insistiram que deveria prestar queixa contra Fábio, mas, depois que mostrei que não tinha mais nenhuma marca no meu braço, e que, fora os livros, ele não me agrediu realmente, eles pararam de insistir, falando o quanto era teimosa, mas me fizeram jurar que, se meu ex tentasse me procurar, de qualquer forma, deveria ir até eles e que pensaríamos em medidas sérias a serem tomadas.
— Nunca gostei desse garoto, sempre achei que tinha algo esnobe nele.
— É aí que está, amor. Para gente feito aquele idiota, um cara que veio de uma comunidade da Baixada Fluminense, um gay americano e uma mulher estão abaixo dele.
— Como eu não enxerguei esse Fábio?
— Não tire a culpa dele puxando ela para você. Esquece essa coisa de como não enxerguei, como não percebi. Ele é o manipulador, ele que está errado. E, querendo ou não, a gente escondeu algumas coisas de você, achando que estava apaixonada, que falar sobre só te machucaria.
— Do que você está falando, pai?
— Querida, lembra quando vocês vieram jantar no “Califórnia” com os pais do Fábio, e a gente fechou o restaurante? — Fiz que sim com a cabeça e Greg continuou falando: — Você estava atrasada, então não viu quando ele me apresentou como sócio e amigo do Renato, não como marido.
— Ai, meu Deus! Desculpa, pai, desculpa.
— Desculpa pelo quê? Isso agora não importa, meu amor.
— Renato está certo, o que você precisa é olhar para o futuro, tudo bem se não quer estudar Direito, ou até mesmo estudar alguma coisa agora. Se você quiser, pode passar os próximos meses trabalhando no bar do Cali, morando com a gente.
— Então, ontem Edu falou desse projeto de viajar pelas praias brasileiras, fazendo um programa para a produtora que ele trabalha. A ideia é legal, parece divertido, mas não sei porque ele me quer nisso, ou como posso servir de alguma ajuda, então acho que provavelmente vou dizer não.
— Por que você não vai aceitar? – Aquela ser a resposta do meu pai Renato era uma surpresa, imaginei que ele seria contra fazer uma loucura. – Tranca a faculdade, cai na estrada e bota o Fábio para trás.
— E tem Edu para embelezar a paisagem!
— O que Gregory quer dizer é que a gente conhece Edu desde criança, somos amigos dos Albuquerque desde que viemos morar aqui e você tem na Dani uma irmã. Tenho certeza de que ele não vai te colocar em roubada.
— Eu sei que Edu… Tipo assim, é O EDU! Ele é o cara mais responsável e mais gente boa que conheço, e que me ajudou muito nesse fim de semana, mas o que eu vou fazer nessa viagem?
— Sabe, querida, quando escolhi o Brasil para curtir o Carnaval, não estava planejando nada além de beber caipirinha e beijar na boca. Esses eram meus planos, mas conheci seu pai, e você, aí minha vida mudou, de endereço até idioma.
— Greg tem razão, querida. Às vezes, o melhor caminho é não ter caminho, esquecer planos, objetivos e porquês. Apenas me responde uma coisa: o que a Mônica quer? — indagou, e eu não respondi, porque, honestamente? Não fazia ideia! — Do que você tem medo, filha?
— Barata?
— Mônica…, – Renato respirou fundo, enquanto Greg ria da minha falta de senso de humor.
— Tubarão? — continuei. Ele não falou nada, só levou as mãos ao rosto. — Isso é um medo sério! Pai, fala para seu marido que tubarão é um risco!
— Sua filha tem seu senso de humor, Greg, aquele que é inexistente.
— E você ama isso em mim. — E assim, sem se importar com o mundo, eles trocaram um selinho e me deixaram com aquela velha sensação quente no peito. — Que cara é essa, bonita?
— Quero isso, viver um amor assim como o de vocês, sem barreiras ou medos, pleno e seguro!
Greg estava curtindo o Carnaval carioca quando conheceu meu pai, que estava trabalhando servindo mesas em um quiosque para sustentar certa criança muito fofa, bonitinha e carismática, que, caso estejam em dúvida, era eu.
Ele jura que foi coincidência ter ido tantas vezes no quiosque onde meu pai trabalhava, mas, quando Greg descobriu que eu existia, achou que meu pai era hétero, e Renato corrigiu a situação não só explicando que era bi, como atacou logo com um beijo, para deixar claro que estava interessado naquele gringo surfista, e meio viciado em caipirinha.
O beijo virou uma curtição de Carnaval, que virou amor de uma vida. Fui criada por dois homens, sabendo que amor é muito maior do que rótulos como hétero, homo ou bissexual. Renato se apaixonou por Gregory. Gregory se apaixonou por Renato e pela criança adorável que ele ajudou a moldar no ser humano que sou hoje. Os dois são meus pais, e tenho orgulho de hoje ter o sobrenome de ambos em minha certidão.
— Meu amor, eu sou um homem negro, periférico e bissexual no Brasil, não preciso te falar os medos que carrego. Você os vê, todo os dias, basta abrir um jornal. Então sim, sinto medo todos os dias ao acordar, Mônica, por mim, por você, pelo Greg, mas não me permito deixar o medo vencer, ou deixar que pessoas como Fábio ditem o que posso ou não sentir.
— E como faço para ser assim?
— Você precisa viver, Mônica. Cair, machucar, levantar, só viver. E, minha menina, você já está a meio caminho de se encontrar, só de se livrar daquele peso morto chamado Fábio. Agora basta que se entregue para a vida, mas sem se perder no meio do caminho.
— Quando acho que não posso amar esse brasileiro lindo ao meu lado, ele fala essas coisas e meu coração tem certeza de que todas as minhas escolhas foram certas. — Greg puxou seu marido pela mão, mas antes de eles voltaram, de mãos dadas, para o restaurante, me deu um último conselho: — Tá esperando o que para viver, my beautiful girl?
Não pensei muito no que estava fazendo. Caminhei até a beira da praia, esperei bem pouco antes de ele aparecer na minha frente, prancha debaixo do braço, peito nu molhado pela água do mar e sorriso aberto. Só esperei que ele prendesse a prancha na areia antes de falar:
— Me leva para o fim do mundo, Edu?
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