CORDEL centro de tradiçoes cearenses
centro de tradiçÕes cearenses
o resgate do passado como manutenção da meMÕRIA coletiva
o resgate do passado como manutenção da meMÕRIA coletiva
Fundação Edson Queiroz Universidade de Fortaleza Centro de Ciências Tecnológicas Arquitetura e Urbanismo
Trabalho de Conclusão de Curso II
CORDEL
centro de tradiçÕes cearenses
o resgate do passado como manutenção da meMÕRIA coletiva
Talita de Aquino Coelho Fortaleza, Dezembro de 2022
Ficha catalográfica da obra elaborada pelo autor através do programa de geração automática da Biblioteca Central da Universidade de Fortaleza
Coelho, Talita de Aquino.
Cordel: centro de tradições cearenses: O resgate do passado como manutenção da memória coletiva / Talita de Aquino Coelho. - 2022 231 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade de Fortaleza. Curso de Arquitetura E Urbanismo, Fortaleza, 2022.
Orientação: Prof. Me. André Araújo Almeida.
1. cultura. 2. tradição. 3. patrimônio. 4. memória. I. Almeida, Prof. Me. André Araújo. II. Título.
Talita de Aquino Coelho
CORDEL CENTRO DE TRADIÇÕES CEARENSES
O RESGATE DO PASSADO COMO MANUTENÇÃO DA MEMÓRIA COLETIVA
Trabalho de conclusão de curso apresentado à coordenação de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza, como requisito para obtenção de título de Arquiteta e Urbanista.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Me. André Araújo Almeida (orientador) Universidade de Fortaleza
Prof. Me. Pedro Araújo Boaventura Filho Universidade de Fortaleza
Maria Júlia Ximenes Jereissati Arquiteta Convidadaresumo
O presente trabalho surgiu de inquietações acerca da relação entre o homem contemporâneo e a memória, e de reflexões acerca da maneira como se constitui e preserva o que se entende, então, como memória coletiva. Busca-se, aqui, compreender como vem se dando o processo de apagamento histórico das culturas tradicionais populares e quais as consequências desse afastamento na formação e manutenção dos grupos sociais. A educação, entendida como uma, ou talvez a, ferramenta mais poderosa para disseminar cultura e patrimônio, e para enraizar na população o sentimento de pertencimento e unidade com um coletivo, foi definida como guia para o projeto. Então, após encontrar em referências a visão de outras pessoas/arquitetos acerca da arquitetura educacional e compreender o contexto urbano da Praia de Iracema, bairro da cidade de Fortaleza, e das pessoas que dão vida a ele; o projeto do Centro de Tradições Cearenses Cordel se desenvolveu com o intuito devalorizar o passado e trazer vida a uma região, em parte, carecida de diversidade de uso. A área de intervenção é formada por quatro terrenos (onde anos atrás haviam vilas militares históricas passíveis de tombamento e hoje há um vazio urbano) e pode-se dizer que está bem no coração do bairro, uma área central, buscando, assim, atender o máximo de habitantes da região. Os quatro terrenos são separados por duas vias que fazem parte da intervenção e formam, juntos, um complexo onde cultura e educação se complementam e, assim, se potencializam. Por fim, o projeto resultante de toda essa pesquisa encontra relevância, então, fazer do processo educativo uma ferramentade disseminação de cultura cearense, permitindo que a população se aproprie cada vez maisdo que lhe foi herdade.
Palavras-chave: cultura, tradição, patrimônio, memória
abstract
The present work arose from concerns about the relationship between contemporary man and memory, and from reflections on the way in which what is understood as collective memory is constituted and preserved. The aim here is to understand how the process of historical erasure of popular traditional cultures has been taking place and what are the consequences of this distancing in the formation and maintenance of social groups. Education, understood as one, or perhaps the most powerful tool for disseminating culture and heritage, and for rooting in the population a feeling of belonging and unity with a collective, was defined as a guide for the project. So, after finding in references the vision of other people/architects about educational architecture and understanding the urban context of Praia de Iracema, a neighborhood in the city of Fortaleza, and the people who give life to it; the Cordel Traditions Cearenses Center project was developed with the aim of valuing the past and bringing life to a region, in part, lacking in diversity of use. The intervention area is made up of four plots (where years ago there were historic military villas that could be listed as a heritage site and today there is an urban void) and it can be said that it is right in the heart of the neighborhood, a central area, thus seeking to meet the needs of maximum number of inhabitants in the region. The four plots are separated by two roads that are part of the intervention and together form a complex where culture and education complement each other and thus enhance each other. Finally, the project resulting from all this research finds relevance, therefore, in making the educational process a tool for disseminating Ceará’s culture, allowing the population to appropriate more and more of what was inherited.
Keywords: culture, tradition, heritage, memory
AGRADECIMENTOS AGRADECIMENTOS
Antes de qualquer coisa, eu preciso pedir licença à todas as pessoas que contribuíram direta e indiretamente para o desenvolvimento e para a conclusão desse trabalho para dedicar um espaço grande dessa página para alguém que eu nunca vou poder agradecer o suficiente. Peço licença, então, à minha mãe, a mulher mais forte e generosa que eu conheço; ao Chicó, meu cachorro, por aquecer meu coração todos os dias; e ao Miguel, o meu melhor amigo e confidente; quem também, para a minha sorte, posso chamar de namorado. Ninguém poderia me encorajar mais do que vocês três.
Preciso pedir licença, também, ao professor André Almeida, o orientador mais metódico, gentil e inspirador. Eu não poderia ter escolhido outra pessoa para me guiar nessa empreitada. E aos três melhores companheiros que os últimos anos poderiam ter me dado. Nayara, a melhor parceira acadêmica; Pedro, responsável por alguns dos meus risos mais genuínos; e Gabriel, que cozinhava pra mim em nossos meses de intercâmbio como se eu não tivesse mais de 20 anos e devesse saber fazer isso sozinha. Eu não teria chegado aqui sem vocês.
Preciso pedir licença, também, ao Gabriel Freire, amigo talentosíssimo que contribuiu muito com esse trabalho ao produzir as belíssimas imagens que nos ajudam a visualizar o projeto de uma forma um pouco mais realista; ao meu primo Lucas, ainda não engenheiro, que não me deixou surtar com minha estrutura; e à Vitória, que encheu meu filho Chicó de amor enquanto eu dedicava cada hora do meu dia a escrever essas páginas. Por fim, peço licença à todos os professores que tive ao longo de todo o percurso acadêmico e compartilharam comigo suas genialidades.
Peço licença à todos, com um enorme sentimento de gratidão, para dedicar cada página desse trabalho para a pessoa mais forte, a mente mais brilhante e a maior inspiração que eu poderia ter.
Pai, é o seu olhar orgulhoso que eu gostaria de ver ao terminar de defender minha banca e é o vazio que vai ocupar o seu lugar no auditório que tornou tão árduo todo esse processo. É verdade quando digo que nunca vou poder agradecer o suficiente, ainda que você estivesse aqui, porque mesmo que você vivesse por 100 anos, eu nunca conseguiria te devolver algo equivalente a cada gota de suor que você derramou por mim, pela minha felicidade, pelo meu sucesso. Queria poder te mostrar que valeu a pena tudo o que investiu em mim e na minha educação, e odeio como a vida escolheu te fazer ir faltando tão pouco pra isso acontecer.
Não é justo você não estar aqui agora quando não há outro alguém no mundo com quem eu quisesse tanto dividir isso. Mas eu prometo acreditar que você está, de alguma forma, e prometo dar tudo de mim pra te orgulhar. No dia 12 e em todos os outros. Cada página desse projeto é por e para você, assim como cada conquista que eu tiver será, acima de qualquer coisa, sua. Vai ser sempre pra você, pai. Pra te honrar, te orgulhar e te celebrar. Desculpa não conseguir evitar o choro enquanto escrevo isso, mas nunca consegui ser forte como você. Pra terminar, eu sei que disse que nunca conseguiria agradecer o suficiente, mas é óbvio que nunca vou desistir de tentar.
Por isso, pai, muito obrigada. Na minha mente, você é uma lenda; e lendas não morrem. Eu te amo e vou viver de saudade.
Lista de Imagens
Imagem 1 - Monumento do Cristo Redentor, patrimônio cultura. Fonte: Shutterstock.
Imagem 2 - Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio, em barbalha. IPHAN.
Imagem 3 - Ofício dos Mestres de Capoeira. IPHAN.
Imagem 4 - Festejos de Bumba Meu Boi no Maranhão. IPHAN.
Imagem 5 - Coliseu em Roma. Toda Matéria.
Imagem 6 - Theatro José de Alencar, em Fortaleza. SECULT-CE.
Imagem 7 - Centro Histórico de Ouro Preto, Minas Gerais. Viagem e Turismo.
Imagem 8 - Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário, em Aracati. Ceará em Fotos.
Imagem 9 - Rua do Meio, Centro Histórico de Icó. Blog do Fabrício. Imagem 10 - Sobrado do Mirante, Centro Histórico de Icó. Diário do Nordeste.
Imagem 11 - Câmara Municipal de Icó. Mapio.
Imagem 12 - Livretos de Cordel. Revista Seleções.
Imagem 13 - Grupo de forró tradicional se apresentando na rua. Estudo Prático.
Imagem 14 - Artesanato em cerâmica. Governo do Estado do Ceará.
Imagem 15 - Redes produzidas em Jaguaruana, município cearense. Governo do Estado do Ceará.
Imagem 16 - Baião de dois, prato típico cearense. Reporter Gourmet. Imagem 17 - Tapioca do Ceará. Blog do Elber Feitosa.
Imagem 18 - Moqueca de Arraia do Ceará. Blog do Elber Feitosa.
Imagem 19 - Rua 25 de Março, Centro de Fortaleza. Cinira d’Alva.
Imagem 20 - Rua Rodrigues Júnior, Centro de Fortaleza. Cinira d’Alva.
Imagem 21 - Rua Rodrigues Júnior, Centro de Fortaleza. Cinira d’Alva. Imagem 22 - Casarão dos Gondim, no Centro de Fortaleza. Diário do Nordeste.
Imagem 23 - Planta baixa. Veredes.
Imagem 24 - Corte A. Veredes.
Imagem 25 - Corte B. Veredes.
Imagem 26 - Fachada principal. Veredes.
Imagem 27 - Fachada lateral. Veredes.
Imagem 28 - Circulação externa. Veredes.
Imagem 29 - Circulação com permeabilidade visual. Veredes.
Imagem 30 - Sala de aula, com acesso para área externa. Veredes.
Imagem 31 - Pátio central. Veredes.
Imagem 32 - Planta baixa do térreo. Estúdio Quagliata.
Imagem 33 - Planta baixa primeiro pavimento. Estúdio Quagliata.
Imagem 34 - Corte longitudinal. Estúdio Quagliata.
Imagem 35 - Corte transversal. Estúdio Quagliata.
Imagem 36 - Fachada 01. Estúdio Quagliata.
Imagem 37 - Fachada 02. Estúdio Quagliata.
Imagem 38 Solução em brise-soleil da fachada. Fonte: stúdio Quagliata.
Imagem 39 - Planta baixa. Lins Arquitetos.
Imagem 40 - Planta de coberta. Lins Arquitetos.
Imagem 41 - Corte BB. Lins Arquitetos.
Imagem 42 - Vista lateral do pergolado com área de convivência.
Fonte: Lins Arquitetos.
Imagem 43 - Vista frontal do pergolado com área de convivência. Fonte: Lins Arquitetos.
Imagem 44 - Vista aérea de parte da área externa do projeto. Fonte: Lins Arquitetos.
Imagem 45 - Blocos E e F. Fonte: Lins Arquitetos.
Imagem 46 - Os quatro pavilhões. Fonte: Lins Arquitetos.
Imagem 47 - Circulação vetical interna e corredores.Fonte: Lins Arquitetos.
Imagem 48 - Circulação e área de convivência entre os blocos. Fonte: Lins Arquitetos.
Imagem 49 - Imagem de satélite da Praia de Iracema. Software Google Earth.
Imagem 50 - Praia de Iracema na década de 30, quando ainda era um espaço marcado pela presença de pescadores. Fortaleza em fotos.
Imagem 51- Antiga Alfândega, hoje sede o Centro Cultural da Caixa. André Almeida.
Imagem 52 - Edifício da Secretaria da Fazenda e traços da linha férrea na Rua Gerson Gradvol. Oliveira.
Imagem 53 - Poço da Draga em 1937. Fortaleza Nobre.
Imagem 54- Praia de Iracema e Praia Formosa em 1940. André Almeida.
Imagem 55 - Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Rever Urbano.
Imagem 56 - Jovem morador do Poço da Draga. Diário do Nordeste.
Imagem 57 - Jovem morador do Poço da Draga. Diário do Nordeste.
Imagem 58 - Poço da draga. Siara News.
Lista de Mapas
Mapa 01 - Mapa da localização do projeto Escola Infantil. Desenvolvido pela autora.
Mapa 02 - Mapa da localização do projeto Centro de Artes. Desenvolvido pela autora.
Mapa 03 - Mapa da localização do projeto Pavilhões Educacionais Unileão. Desenvolvido pela autora.
Mapa 04 - Mapa de localização da área de intervenção no contexto da cidade de Fortaleza. Desenvolvido pela autora.
Mapa 05 - Mapa de uso e ocupação do solo no entorno da área de intervenção. Desenvolvido pela autora.
Mapa 06 - Mapa de condicionantes físicas e ambientais. Desenvolvido pela autora.
Mapa 07 - Mapa de Identificação das Zonas por Macrozonas. Fonte: Lei de Parcelamento, uso e ocupação do solo. (Lei n 236/2017)
Mapa 08 - Mapa de Zona de Orla Trecho III. Fonte: Lei de Parcelamento, uso e ocupação do solo. (Lei n 236/2017)
Mapa 09 - Mapa de setorização. Fonte: Produzido pela autora.
Lista de Tabelas
Tabela 01 - Tabela síntese dos instrumentos de tutela do patrimônio cultural brasileiro. Desenvolvida pela autora.
Tabela 02 - Tabela de Parâmetros urbanos de ocupação. Fonte: Lei de Parcelamento, uso e ocupação do solo. (Lei n 236/2017)
Tabela 03 - Tabela de Parâmetros urbanos de ocupação. Fonte: Produzida pela autora.
Tabela 04 - Tabela 5.11 Subgrupo - Serviços de Educação (SE). Fonte: Lei de Parcelamento, uso e ocupação do solo. (Lei n 236/2017).
Tabela 05 - Tabela acerca da adequabilidade das classes das atividades na ZO III. (Lei n 236/2017)
Tabela 06 - Tabela de restrições de uso para as classes das atividades na ZO III. Fonte: Lei de Parcelamento, uso e ocupação do solo. Fonte: Lei de Parcelamento, uso e ocupação do solo. (Lei n 236/2017).
Tabela 07 - Tabela de recúos. Fonte: Lei de Parcelamento, uso e ocupação do solo. Fonte: Lei de Parcelamento, uso e ocupação do solo. (Lei n 236/2017)
Tabela 07 - Tabela com programa de necessidades e pré-dimensionamento do projeto Centro de Tradições Cearenses Cordel. Desenvolvida pela autora.
SUMÁRIO
memória social: é preciso reconhecer-se parte para pertencer
1.1 entendendo conceitos de patrimônio cultural e suas vertentes 30 1.2 a importância da preservação do patrimônio cultural 39
1.3 interrelações urbanoculturais: o patrimôni cultural no cenário contemporâneo do estado do ceará 51
introdução 17
arquitetura educacional e a democratização dos saberes
2.1 escola infantil 78 2.2 centro de artes 84 2.3 pavilhões educacionais unileão 90
3 4
iracema, a praia contexto urbano
3.1 de praia dos peixes à romance de josé de alencar 101
3.2 dinâmicas urbanas: espaço, cultura e sociabilidades 114
3.3 quem faz a praia de iracema? 121
4.1 área de intervenção 134 4.2 condicionantes projetuais 140 4.3 legislação 142
de intervenção
5.1 diretrizes projetuais 152 5.2 programa de necessidades 154
5.3 o projeto 158
considerações finais 227
[...] a memória, aprendi por mim, é indispensável para que o tempo não só possa ser medido como sentido.
— JOSÉ CARDOSO PIRES, 1997.
INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO
0.1
TEMA E JUSTIFICATIVA
Em todos os momentos em que duas ou mais pessoas se reúnem para buscar informações sobre algo, para compreender um fenômeno, construir e compartilhar conhecimento, está acontecendo o que se pode chamar de atividade educativa. Nesse caso, não há uma atividade educativa dentro da formalidade conhecida (quando o papel de ensinar cabe a um instrutor e o de aprender aos seus instruídos), mas o aprendizado que vem de uma troca informal e espontânea, sem necessariamente uma hierarquia acadêmica entre os que fazem parte desse processo.
A troca de conhecimento, formal ou informal, dentro ou fora dos ambientes escolar e acadêmico, se dá de diversas formas e pode percorrer diversos temas, patrimônio histórico pode ser um deles. É quando a educação patrimonial acontece, quando o conteúdo desses estudos e reuniões está atrelado ao patrimônio natural e/ou cultural; o primeiro sendo os bens naturais de uma região e o segundo sendo formado por saberes, expressões e práticas que fazem referência à história de um grupo e/ou local.
Em se tratando de patrimônio cultural, existem diversas ferramentas e meios pelos quais é possível incentivar a preservação dos bens de natureza material ou imaterial de um grupo social. A educação é apenas uma delas, ainda que, certamente, uma das mais poderosas. Ela permite o enraizamento do senso de proteção e valorização do patrimônio em toda a sua pluralidade e pode transformar profundamente a maneira como uma sociedade reconhece sua história e se relaciona com ela.
Educação patrimonial é, então, um elo entre população e consciência histórica, e uma forma de alfabetização cultural. Desse modo, não deveria estar à margem das atividades de patrimonialização, uma vez que elas são ações que têm como objetivo impulsionar o desenvolvimento por meio da valorização de uma cultura e de seu patrimônio.
Educação patrimonial deveria, na verdade, ser o maior foco em se tratando de ações e decisões do governo acerca da solução dos problemas da questão do patrimônio, ou seja, de políticas públicas para incentivo à proteção dele. O Estado possui o papel fundamental de estabelecer mecanismos de preservação e incentivo cultural, além de disponibilizar recursos para que essas ações tenham participação popular.
Através da educação patrimonial e da aproximação que ela gera entre indivíduos e bens de uma sociedade, sentimentos de identidade, pertencimento e cidadania são fortalecidos, e, dessa maneira, a ideia de comunidade é melhor compreendida. A troca de conhecimento social e histórico, e o reconhecimento de agentes formadores do espaço é o que possibilita a constatação de bens, manifestações, processos e saberes populares como riquezas culturais a serem valorizadas e protegidas.
É de conhecimento geral, então, o quão rica é a cultura popular cearense e o quanto é marcante sua presença na memória dos que vivem no estado e dos que puderam conhecê-lo. Porém, é de conhecimento geral também que existem alguns percalços na tarefa de proteger e valorizar essa identidade cultural, questões oriundas da veloz troca de informação da atualidade e resultantes da marginalização dos conhecimentos populares e da disseminação de características culturais de países mais influentes.
Não é difícil entender a relação do estado do Ceará, como sociedade, com a sua história quando se observa o tratamento que é dado ao seu patrimônio material, às suas edificações históricas que resistiram à grande parte do tempo, mas não à dinâmica econômica atual. Bens que deveriam ser tombados são demolidos com uma visão centrada no lucro e uma ideia limitada de incentivo à economia.
É como age o mercado imobiliário, apropriando-se de espaços que consideram não estar gerando capital, sendo assim, pouco relevantes para a cidade e para o seu desenvolvimento, e transformando-os em grandes edifícios, residenciais e/ou comerciais, que geram lucro imediato, principalmente para grandes imobiliárias. É o capital privado sendo beneficiado em detrimento do bem-estar coletivo e a ideia de desenvolvimento da economia limitada ao crescimento, desenfreado, do mercado imobiliário. O patrimônio histórico e arquitetônico da cidade não é o único a perder com isso, mas é, perceptivelmente, um dos maiores prejudicados.
Como a antiga casa da avó paterna do senador Tasso Jereissati, que até recentemente abrigou o Boteco Praia, uma edificação que faz parte da história da capital do estado, Fortaleza, mas que, por estar em um estado de descaracterização e ser considerada irrelevante historicamente, acabou por
não ser vista como passível de tombamento artístico ou histórico; e a Mansão Macedo, conjunto que é marco arquitetônico e paisagístico, com assinatura de Burle Marx nos jardins, que depois de um curto processo entre possível tombamento e demolição, acabou por ter toda a sua estrutura destruída. Em ambos os casos, essas edificações foram apagadas do espaço da cidade com o intuito de ocupar esse espaço com edifícios mais modernos e maiores.
E não é apenas o patrimônio que faz parte da memória coletiva e é amplamente reconhecido por toda gente que sofre com essa espécie de apagamento histórico que acontece em Fortaleza. Casas populares, edificações mais simples, com estilos que marcaram épocas, mas que não fizeram parte de algum evento grandioso ou foram propriedades de nomes importantes, sofrem ainda mais com o descaso que a sociedade tem diante de suas riquezas históricas.
Tão importante quanto esses edifícios históricos que marcaram um período, são as residências ou quaisquer outras edificações de anônimos, consideradas comuns, mas que trazem em sua composição traços de momentos históricos, estilos hoje não mais revisitados e, indo além, muita história sobre o passado da população cearense.
É nesse sentido que é possível notar, então, como a vivência popular vai perdendo espaço diante de novidades importadas, como a paisagem da cidade vai se moldando ao novo e se desfazendo do que era um dia, e como o conhecimento acerca dessa vivência e do que é produzido através dela perdendo força na memória coletiva.
Linguagem, literatura, música, culinária, dramaturgia e diversos outros saberes tradicionais, que vem mais de experiências coletadas ao longo do tempo do que de qualquer outra forma, existindo à margem do conhecimento acadêmico e do desenvolvimento proposto através dele, quando, na verdade, poderia complementá-lo. A valorização desse conhecimento popular e do patrimônio histórico-cultural imaterial requer, então, a ação do Estado em diversas políticas públicas, a educação patrimonial sendo uma importante delas.
Pensando em, de alguma forma, suprir essa escassez, surgiu, então, a ideia
de criar um centro educacional focado na cultura local, o Centro de Tradições Cearenses Cordel, onde diversos saberes populares e tradicionais da população cearense serão perpetuados por meio da troca de conhecimento, profissionalizando moradores em diversas áreas e reafirmando a importância de preservar tudo aquilo que foi criado e semeado ao longo do tempo por aqueles que construíram o Ceará que se conhece hoje.
OBJETIVOS 0.2
Objetivo Geral:
Aprofundar conhecimentos acerca da relação entre a sociedade e o seu passado em contexto contemporaneo para embasar a criação do projeto conceitual do Centro de Tradições Cearenses Cordel na Praia de Iracema, em Fortaleza, Ceará.
Objetivos Específicos:
• Fazer uma análise acerca do papel da educação patrimonial como ferramenta de valorização e proteção do patrimônio imaterial e saberes tradicionais da população.
• Analisar projetos de arquitetura educacional e entender o funcionamento de cada um deles, além das soluções arquitetônicas utilizadas, como amplos espaços de troca de conhecimento.
• Conhecer o contexto territorial e socioeconômico atual da região da Praia de Iracema, em Fortaleza; além de entender mais do seu papel histórico para a capital.
• Desenvolver um partido projetual que consiga conectar mais pessoas aos saberes tradicionais e populares do estado na mesma medida em que cria novos profissionais qualificados em diversas áreas, proporcionando a essas pessoas novas formas de gerar renda.
METODOLOGIA 0.3
Na primeira parte deste trabalho, onde será abordada a questão do patrimônio cultural e sua importância para a coletividade, será feita pesquisa bibliográfica em artigos científicos, teses, dissertações, livros e demais fontes relevantes. Nesse processo, merecem atenção os livros “Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processo”, produzido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e “Memória e Patrimônio: ensaios contemporâneos”, de Regina Abreu e Mário Chagas.
Na segunda parte serão apresentados e analisados três projetos de referência. O primeiro deles será a Escola Infantil, projeto realizado em Cariñena, na Espanha, que destina-se à educação de crianças entre os três e os seis anos, e tem em seu layout uma organização que permite uma permeabilidade entre ambientes internos e externos, criando uma dinâmica que favorece o conforto necessário para o aprendizado.
O segundo será o Centro das Artes, localizado em Bogotá, um projeto de menor dimensão, mas que, através da sua volumetria e soluções sustentáveis, consegue ter espaços amplos e verdadeiramente funcionais para as atividades cênicas que são realizadas no local.
O terceiro e último projeto serão os Pavilhões Educacionais da Unileão, universidade localizada em Juazeiro do Norte, Ceará. O projeto tinha como diretriz incentivar a troca de conhecimento, dentro de um ambiente tradicionalmente didático, através da criação de espaços qualificados para atender as dinâmicas que ali acontecem, mesmo as imprevisíveis. Os materiais utilizados no projeto também merecem atenção, pois contribuem para o melhoramento do conforto térmico.
Não sendo possível realizar pesquisa de campo, em vista do atual contexto pandêmico, a coleta de informações será, então, limitada à pesquisa virtual, em sites e demais fontes, além do uso de softwares livres como Google Earth e Google StreetView, que mostram imagens de satélite geradas ao longo dos anos.
Para a terceira parte, então, o diagnóstico da região da Praia de Iracema, será realizada pesquisa documental, na legislação vigente (Plano Diretor Participativo do Município de Fortaleza, Estatuto da Cidade e Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, entre outros), em acervo virtual e,
se necessário, satravés de visitas em órgãos regionais. Como referência bibliográfica serão utilizadas, principalmente, a tese “Uma leitura sobre a Praia de Iracema - Fortaleza (CE): transformação socioespacial do lugar e suas representações”, de Isolda Machado Evangelista, e a dissertação “Segregação urbana na contemporaneidade: o caso da comunidade Poço da Draga na cidade de Fortaleza”, de André Araújo Almeida.
Ademais, serão realizadas, também, pesquisas de campo, além de entrevistas (preferencialmente virtuais) com residentes, para conhecer mais profundamente a dinâmica atual da área e como seus moradores se relacionam com ela.
Por fim, para a quarta parte do trabalho, serão coletadas, principalmente, informações documentais e geográficas sobre o terreno escolhido, como a zona onde ele está inserido e o seu relevo, para, assim, conseguir compreender as principais necessidades a serem atendidas na elaboração do partido projetual.
MEMÓRIA SOCIAL:
é preciso reconhecer-se parte para pertencer
1
Para um entendimento maior da questão do patrimônio cultural cearense é preciso compreender desde os seus conceitos iniciais, a maneira como ele se apresenta no cotidiano de uma população e todas as suas variações, dentro e fora da legislação vigente, até a sua importância para a memória coletiva e para o desenvolvimento social. Em busca desse entendimento, o presente capítulo se discorre por meio dos seguintes tópicos:
1.1
Oconceito de patrimônio cultural é amplo e, por isso, o seu entendimento pode ser, por vezes, um pouco complexo, uma vez que essas palavras, juntas, acabam por não acusar um sentido tão preciso. Uma boa forma de alcançar esse entendimento, então, é partindo dos significados dos termos patrimônio e cultura, separadamente, para, em seguida, compreender seu significado como unidade.
Quando se fala de patrimônio, fala-se, de um modo mais geral e até mesmo legal, do conjunto de bens que têm algum valor financeiro para pessoas físicas e para empresas. No dicionário Online de Português, Dicio, algumas das definições da palavra patrimônio são: “Bens materiais de família; herança.” e “Conjunto dos bens, direitos e obrigações de uma pessoa ou empresa.”. Essa definição, no entanto, não se aplica no âmbito cultural. Porém, é possível tirar dela dois aspectos, a noção de valor e riqueza, financeira ou simbolicamente, e a ideia de conjunto, de que o todo é mais relevante do que cada parte separadamente.
António Rosa Mendes (2012), historiador português, em seu livro “O que é patrimônio cultural?”, pontua que “Patrimônio, em qualquer acepção, é um todo, um continente que sobreleva o variado e variável conteúdo concreto que o preenche, uma universalidade posta ao serviço de um mesmo fim” (p. 11). Buscando, então, a origem da palavra, Mendes (2012) adiciona:
Originariamente (e é sempre muito elucidativo remontar às origens), a palavra latina patrimonium (derivada de pater, pai) aplicava-se ao conjunto dos bens pertencentes ao paterfamilias e por este transmitidos aos seus sucessores. O patrimonium era aquilo que se herdava; implica, por conseguinte, a ideia de herança. E esta ideia de herança – que carrega os nexos de continuidade, de entrega e recebimento, de tradição (tradição dizia-se em latim traditio, acção de passar algo às mãos de alguém) –, esta ideia de herança resulta capital para a apreensão do que património cultural seja. (MENDES, 2012, p. 11)
De maneira geral, então, patrimônioe herançacarregam o mesmo significado. Em inglês, por exemplo, patrimônio cultural é cultural heritage, termo que pode se traduzir como herança cultural. Dessa forma, é possível entender que o ser humano não está livre do passado, mesmo daquele que sequer viveu, pois esse passado reverbera até os dias atuais, tornando-o herdeiro de
entendendo conceitos de patriMÔNIO CULTURAL E SUAS VERTENTES
tudo que foi criado e construído socialmente antes dele. Nenhuma nova vivência partirá do zero, mas seguirá dentro, e a partir, das formas de existências pré-estabelecidas, dos conhecimentos acumulados e das conquistas como grupo social. Pode-se dizer, então, antecipadamente, que patrimônio cultural é, dentro de suas diversas definições, a nossa herança cultural.
O conceito de cultura, por sua vez, pode ser ainda mais amplo e abrir ainda mais margem para diversas abordagens. O antropólogo e filósofo Roberto da Matta (1981), em transcrição do artigo “Você tem cultura?”, publicado originalmente no Jornal da Embratel, diz que cultura é, em antropologia social e sociologia, “um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas”.
Já Mendes (2012), em uma visão mais simbólica e reflexiva, define (ainda que não goste muito da força limitadora da palavra) cultura através das seguintes palavras:
Enfrentando-se, irredento e inconformado, às agruras duma existência problemática, o ser humano reage criando e inventando meios e instrumentos para manifestar – para “gritar” – a sua permanente e insana perplexidade. Esse reportório de meios e instrumentos espirituais – que podem ser “palavras”, que podem ser “cinzéis”, que podem ser “acordes”, que podem ser “pincéis”, que podem ser multiplicidade de “gargantas” expressivas – é a cultura no sentido mais forte e lídimo do vocábulo: recuando às fontes da nossa, à nossa alma mater helénica, é desde os poemas de Homero às estátuas de Fídias, desde a flauta de Pã aos murais de Pompeia – “desde mais infinito a menos infinito”, porém “infinito” sempre, porque o humano não deixa jamais de continuadamente ser “universo em expansão”. (Ibid, p. 20)
Quando se refere aos acordes, palavras e pincéis, Mendes (2012) está se referindo à música, à literatura e à arte como um todo. Assim, é possível compreender como a dinâmica social não existe sem a cultura e que estava certo o poeta inglês T. S. Eliot (1988), “Cultura pode até ser descrita simplesmente como aquilo que torna a vida digna de ser vivida” (p. 40).
1. Monumento do Cristo Redentor, patrimônio cultura.
Fonte: Shutterstock.
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Unindo, então, os conceitos acerca de patrimônio e cultura, chega-se ao entendimento de que patrimônio cultural é a herança dos grupos sociais, deixada de geração para geração. Essa herança é um conjunto de coisas que inclui conhecimento, crenças, leis, costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem social ao longo do tempo. [img. 1]
De acordo com a página virtual do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), essa ideia foi estabelecida no Brasil em 1937, com o Decreto-Lei nº 25, quando esse conceito era chamado de “patrimônio histórico e artístico”. O referido decreto tinha como objetivo principal a preservação de bens materiais que tivessem relevante valor artístico ou conexão com acontecimentos e fatos importantes da história do país. Dessa maneira, além de bens como edifícios e obras artísticas, a lei também contemplava paisagens modificadas pelo homem e monumentos naturais.
Esse mesmo decreto foi o responsável pela criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), que se transformou, em 1946, em Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN), para, anos depois, em 1970, se tornar o anteriormente citado Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em sua página virtual, pontua que “o patrimônio cultural é composto por monumentos, conjuntos de construções e sítios arqueológicos, de fundamental importância para a memória, a identidade e a criatividade dos povos e a riqueza das culturas”. Essa composição foi definida na Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, concebida na Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 1972, em Paris, e confirmada, no Brasil, pelo decreto No. 80.978, de 12 de dezembro de 1977.
Foi a Constituição Federal de 1988, no Art. 216, que ampliou esse conceito, quando definiu como patrimônio cultural todos os bens materiais ou imateriais que se conectam à identidade e à memória dos grupos responsáveis pela formação da sociedade brasileira. Através disso, o reconhecimento e a preservação de vários outros tipos de bens culturais foram incentivados.
Sobre os bens que constituem o patrimônio cultural brasileiro e a sua proteção, o Art. 216 da constituição federal brasileira de 1988 diz:
Art. 216º Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
§ 2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.
§ 3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.
§ 4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.
§ 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos. (BRASIL, 1988, Art. 216)
Patrimônio cultural é, então, na legislação brasileira, tudo aquilo que possui importância histórica e cultural para um povo, como música, literatura,
arquitetura, culinária e manifestações populares no geral. O Estado é responsável por definir oficialmente os patrimônios de uma região ou grupo social (mas uma comunidade pode ter patrimônios que não necessariamente são reconhecidos pelo Estado), a página do IPHAN explica que:
O Iphan constrói em parceria com os governos estaduais o Sistema Nacional do Patrimônio Cultural, com uma proposta de avanço disseminada de maneira contínua para os estados e municípios em três eixos: coordenação (definição de instância(s) coordenadora(s) para garantir ações articuladas e mais efetivas); regulação (conceituações comuns, princípios e regras gerais de ação); e fomento (incentivos direcionados principalmente para o fortalecimento institucional, estruturação de sistema de informação de âmbito nacional, fortalecer ações coordenadas em projetos específicos). (IPHAN, sd.)
Diferentemente do patrimônio natural, que se refere à todos os nossos recursos naturais, como flora e fauna, ecossistemas e estruturas, sendo assim, todos os elementos da biodiversidade; o patrimônio cultural não se refere apenas ao que é palpável, mas, também, aos elementos espirituais ou abstratos, como os saberes e os modos de fazer.
No território brasileiro, o patrimônio cultural imaterial é sabidamente vasto. Cada região do país apresenta crenças, costumes e diversas características culturais e históricas próprias, e o registro dos bens dessa natureza, uma outra forma de preservar sua relevância cultural e histórica, foi instituído pelo Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000:
Art. 1º Fica instituído o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro.
§ 1o Esse registro se fará em um dos seguintes livros:
I - Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades;
II - Livro de Registro das Celebrações, onde serão inscritos rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social;
2. Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio, em barbalha.
Fonte: IPHAN.
3. Ofício dos Mestres de Capoeira.
Fonte: IPHAN.
4. Festejos de Bumba Meu Boi no Maranhão.
Fonte: IPHAN.
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IV - Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas.
§ 2o A inscrição num dos livros de registro terá sempre como referência a continuidade histórica do bem e sua relevância nacional para a memória, a identidade e a formação da sociedade brasileira.
§ 3o Outros livros de registro poderão ser abertos para a inscrição de bens culturais de natureza imaterial que constituam patrimônio cultural brasileiro e não se enquadrem nos livros definidos no parágrafo primeiro deste artigo. (BRASIL, 2000, Art. 1.º)
Em outubro de 2003, em Paris, na França, ocorreu a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, que gerou a carta patrimonial “Recomendação Paris”, disponibilizada no site do IPHAN, representou um grande avanço para a compreensão desse conceito:
“Entende-se por “património cultural imaterial” as práticas, representações, expressões, conhecimentos e competências – bem como os instrumentos, objectos, artefactos e espaços culturais que lhes estão associados – que as comunidades, grupos e, eventualmente, indivíduos reconhecem como fazendo parte do seu património cultural. Este património cultural imaterial, transmitido de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função do seu meio envolvente, da sua interacção com a natureza e da sua história, e confere-lhes um sentido de identidade e de continuidade, contribuindo assim para promover o respeito da diversidade cultural e a criatividade humana.” (IPHAN, 2003, Art. 2)
Essas manifestações conseguem, então, mostrar claramente como a cultura que é construída (não necessariamente edificada) pelas pessoas comuns ao longo do cotidiano e do tempo são parte do viver social. Essa abstração, presente em festejos populares, nos costumes e simbolos de grupos diversos, no folclore e em outras manifestações, ganha forma e força na identificação e no reconhecimento, podendo ser “lar” tanto quanto o patrimônio edificado. [img. 2 - 4]
5. Coliseu em Roma.
Fonte: Toda Matéria. ▶
6. Theatro José de Alencar, em Fortaleza.
Fonte: SECULT-CE.
7. Centro Histórico de Ouro Preto, Minas Gerais.
Fonte: Viagem e Turismo.
O patrimônioculturalmaterial, todavia, é composto por elementos concretos de uma sociedade, elementos que foram desenvolvidos ao longo do tempo e fazem parte da história dessa sociedade. Estes elementos podem ser móveis, acervos e coleções que podem ser transportados, e imóveis, aquilo que é fixo, como centros históricos, sítios arqueológicos, estruturas arquitetônicas, etc; como, por exemplo, as vestimentas que marcaram diferentes épocas da história da humanidade, os museus e teatros, as igrejas, as praças, as universidades, diversos monumentos, obras de arte e até mesmo utensílios. [img. 5 - 7]
A Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, ocorrida décadas antes da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, no ano de 1972, também em Paris, já havia alertado para as características desse aspecto patrimonial:
Para fins da presente Convenção serão considerados como património cultural:
Os monumentos – Obras arquitectónicas, de escultura ou de pintura monumentais, elementos de estruturas de carácter arqueológico, inscrições, grutas e grupos de elementos com valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;
Os conjuntos – Grupos de construções isoladas ou reunidos que, em virtude da sua arquitectura, unidade ou integração na paisagem têm valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;
Os locais de interesse – Obras do homem, ou obras conjugadas do homem e da natureza, e as zonas, incluindo os locais de interesse arqueológico, com um valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico. (UNESCO, 1972, Art. 1)
Diante de tudo isso, patrimônio cultural é, por fim, tudo aquilo que o homem desenvolveu ao longo do tempo e faz parte da identidade de um povo. Identidade essa que prevalece como forma de herança. São bens que marcaram a história de um território, processos artísticos passados de pais para filhos ou costumes coletivos que marcaram as vivências de um grupo/ sociedade. Patrimônio cultural é, então, antes de qualquer coisa, memória.
A IMPORTÂNCIA DA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL 1.2
Amemória é como um mapa. É ela que situa o ser humano de onde ele está, que o faz reconhecer-se e, mais importante, perceber-se parte de algo ou de algum momento.
A memória é algo subjetivo, mesmo quando fala-se do patrimônio cultural, ainda que possa ser pessoal ou coletiva. Nesse caso, porém, ela está mais associada a um caráter coletivo e, junto dele, o sentimento de unidade social, de pertencimento. Isso acontece quando algo, objeto ou abstrato, está tão enraizado na vivência de um grupo social que os que fazem parte desse grupo acabam por estar ligados a ele de algum modo.
Essa memória coletiva, que se diferencia da pessoal principalmente por carregar muito mais do que apenas o que foi coletado em uma única vivência humana, pode estar atrelada não apenas às experiências pessoais, mas a outras vivências que são transformadas em relatos e viram história, muitas vezes, coletiva. Não é preciso, necessariamente, ter vivido algo para que esse algo seja parte de uma memória afetiva pessoal, para que traga a sensação reconfortante do reconhecimento. Escutar as vivências de outros também pode trazer essa afetividade com um lugar e/ou momento histórico e, então, passamos a, de alguma maneira, compartilhar daquela memória.
É da construção e preservação dessa memória que surge, também, o que se pode chamar de identidade coletiva, que está diretamente ligada ao patrimônio cultural. Para Mendes (2012):
O património cultural gera e fomenta uma solidariedade orgânica entre os membros do corpo social, uma coesão ou convergência mental traduzida no sentimento de pertença a uma mesma comunidade – comunidade de origem, comunidade de destino. Acontece assim porque o património cultural representa (sim, representa, torna presente) a persistência desse agregado humano ao longo do tempo, comprovadamente lhe permitindo que seja o mesmo (idem, em latim, donde identidade) através e apesar das mudanças. Estabilidade e mobilidade, continuidade e variabilidade: eadem sed aliter, “o mesmo mas de outra maneira”, diziam também os latinos, de quem sempre aprendemos. (MENDES, 2012, p. 17)
A identidade coletiva, assim como a memória, não apenas consegue trazer e intensificar esse sentimento de comunidade, de pertencimento, como gera, concomitantemente, uma espécie de contraste entre grupos e sociedades. Ele faz com que nos reconheçamos como parte do algo ou nos diferenciamos e mais, faz com que sejamos reconhecidos parte desse algo. Mendes (2012) explica:
O património cultural, núcleo da identidade colectiva, não só possibilita que nos reconheçamos mas também que sejamos reconhecidos; é ele que, contrastada e caracterizadamente, diferencia e distingue dos demais a fisionomia física e moral de um lugar, uma cidade, uma região, um país – que sem ele ficam desprovidos de individualidade e autónoma personalidade, deixando de ser o que (já não) são. (Ibid, p. 17)
Desse modo, o patrimônio cultural se mostra como um arquivo do passado e, na mesma medida, uma confirmação de futuro, por isso é tão importante preservá-lo.
Uma sociedade sem consciência histórica é uma sociedade sem memória. José Cardoso Pires (1997), após uma “morte branca”, que é como ele chama a sua breve experiência de perda de memória, o dia em que acordou e não reconheceu seu rosto no espelho, escreveu, em “De Profundis, Valsa Lenta”, sua perspectiva sobre:
Sem memória esvai-se o presente que simultaneamente já é passado morto. Perde-se a vida anterior. E a interior, bem entendido, porque sem referências do passado morrem os afectos e os laços sentimentais. E a noção do tempo que relaciona as imagens do passado e que lhes dá a luz e o tom que as datam e as tornam significantes, também isso. Verdade, também isso se perde porque a memória, aprendi por mim, é indispensável para que o tempo não só possa ser medido como sentido. (PIRES, 1997, p.25).
A memória é, então, uma forma de estar vivo. Mendes (2012) diz que “Talvez uma certeira definição para a morte seja a ausência de memória” e complementa:
01. Tabela síntese dos instrumentos de tutela do patrimônio cultural brasileiro. Desenvolvida pela autora.
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Para uma pessoa física, não ter memória é estar morta enquanto pessoa, ainda que as restantes funções vitais se mantenham; para uma pessoa colectiva, não ter património cultural é morta estar, ainda que na aparência subsista. Em ambos os casos, carecem de identidade. (MENDES, 2012, p. 18)
Falar sobre patrimônio cultural é, então, como dito no tópico anterior, conscientizar historicamente uma sociedade da sua condição de herdeira. É importante o reconhecimento de que o que se é hoje, como indivíduo ou sociedade, deve-se aos acontecimentos passados, e que conectar-se a esse passado é necessário para pertencer ao presente.
Preservar o patrimônio cultural é, portanto, tornar isso possível e, por isso, é tão importante para a construção e manutenção das identidades que formam os grupos sociais. Existem diversas formas de proteger e afirmar a importância dele e é, certamente, algo que deve ser pensado por todos, principalmente, por aqueles que detém o conhecimento e o poder necessários.
A Constituição Federal brasileira de 1988, como já mostrado, deixou claro como o poder público deve agir juntamente com a comunidade para promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro, através de instrumentos de tutela como inventários, registros, vigilâncias, tombamentos e desapropriação, além de outros modos de preservação.
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação,
e de outras formas de acautelamento e preservação.
§ 2º - Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.
§ 3º - A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.
§ 4º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.
§ 5º - Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.
§ 6 º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de:
I - despesas com pessoal e encargos sociais;
II - serviço da dívida;
III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados (BRASIL, 1988, Art. 216)
De acordo com Yussef Daibert Salomão de Campos (2013), professor adjunto da Faculdade de História e permanente dos Programa de Pós-Graduação em História na Universidade Federal de Goiás, em seu artigo “O inventário como instrumento de preservação do patrimônio cultural: adequações e usos (des) caracterizadores de seu fim”, o inventário “na seara patrimonial, é instrumento de conhecimento de bens culturais, seja de natureza material ou imaterial, que subsidia as políticas de preservação do patrimônio cultural” (p. 3).
Marcos Paulo de Souza Miranda (2008), por sua vez, coordenador da Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural de Minas Gerais, em seu artigo “O inventário como instrumento constitucional de proteção ao patrimônio cultural brasileiro”, define:
Sob o ponto de vista prático o inventário consiste na identificação e registro por meio de pesquisa e levantamento das características e particularidades de determinado bem, adotando-se, para sua execução, critérios técnicos objetivos e fundamentados de natureza histórica, artística, arquitetônica, sociológica, paisagística e antropológica, entre outros. Os resultados dos trabalhos de
pesquisa para fins de inventário são registrados normalmente em fichas onde há a descrição sucinta do bem cultural, constando informações básicas quanto a sua importância histórica, características físicas, delimitação, estado de conservação, proprietário etc. (MIRANDA, 2008)
O inventário, portanto, instrumentaliza o tombamento, mas não pode ser confundido com ele. Diferente do segundo, o primeiro não tem poder restritivo e é uma medida mais branda, como um levantamento de bens culturais. De acordo com o IPHAN, em sua página virtual:
O tombamento é um ato administrativo regulado pelo DecretoLei nº 25, de 30 de novembro de 1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. O tombamento é realizado pelo Poder Público, nos níveis federal – de responsabilidade do Iphan, estadual ou municipal e aplica-se, exclusivamente, aos bens de natureza material ou ambiental. O tombamento de um bem inicia-se com o pedido de abertura do processo, que pode ser realizado por qualquer cidadão ou instituição pública. Quando se aplica este instrumento, o objetivo do poder público é preservar bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também aqueles de valor afetivo para a população, impedindo a destruição e/ou descaracterização dos bens em questão. O tombamento, portanto, é aplicado apenas aos bens materiais de interesse para a preservação da memória coletiva. Aplica-se, portanto, não apenas a edificações, mas também a fotografias, livros, mobiliário, utensílios, obras de arte dentre outros. (IPHAN, sd.)
O artigo 17º da lei federal de tombamento (Decreto-lei 25/1937) diz que: Art. 17 As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruídas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cinquenta por cento do dano causado. (BRASIL, 2012, Art. 17)
No mesmo decreto, no artigo 4º, foi estabelecida a criação de quatro Livros do Tombo, onde devem ser inscritos bens sob proteção legal. Eles são: o Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; o Livro do Tombo Histórico; o Livro do Tombo das Belas Artes; e o Livro das Artes Aplicadas. A página do IPHAN aponta que:
Os bens inscritos nos Livros do Tombo podem ser imóveis, como os núcleos urbanos, os sítios arqueológicos e paisagísticos, e os bens individuais. Os bens móveis são: as coleções arqueológicas, os acervos museológicos, documentais, arquivísticos, bibliográficos, videográficos, fotográficos e cinematográficos. (IPHAN, sd.)
Outra ferramenta da qual os aspectos podem se confundir com os do tombamento é a desapropriação Ela não é um instrumento de uso dedicado exclusivamente à tutela patrimonial, mas um instrumento que pode ser utilizado em diversas políticas públicas, inclusive nas patrimoniais.
A desapropriação acontece quando o Poder Público retira, de forma compulsória, alguém de sua propriedade. Para adquiri-la, porém, é necessário o pagamento de uma indenização justa e algum fundamento que justifique uma necessidade pública. Não há desapropriação no tombamento, o proprietário do imóvel apenas passa a ter restrições e obrigações para o seu uso, logo, não há necessidade de indenização a ser paga pelo poder público.
O registro patrimonial, por sua vez, é mais uma ferramenta existente para garantir a segurança desses bens, definida pelo “Manual de Administração Patrimonial de Bens Móveis do Ativo Permanente” (2012), produzido pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas, como:
Procedimento administrativo que consiste em cadastrar no patrimônio de cada unidade gestora as características, especificações, número de tombamento, valor de aquisição e demais informações sobre um bem adquirido. (IFAM, 2012)
De acordo com a página virtual do IPHAN:
O Registro de Bens Culturais é um ato administrativo que se aplica exclusivamente aos Bens de Natureza Imaterial. Instituído pelo Decreto nº 3551/2000, é um instrumento legal de preservação, para reconhecimento e valorização do patrimônio cultural imaterial brasileiro. Os bens imateriais são aqueles que contribuíram para a formação da sociedade brasileira, como as Celebrações, os Lugares, as Formas de Expressão e os Saberes, ou seja, as práticas, representações, expressões, lugares, conhecimentos e técnicas que os grupos sociais brasileiros reconhecem como parte integrante do seu patrimônio cultural. (IPHAN, sd.)
Existem quatro livros onde esses bens são registrados, sendo eles: o Livro de Registro dos Saberes; o Livro de Registro das Celebrações; o Livro de Registro das Formas de Expressão; e o Livro de Registro dos Lugares. Os bens que neles são registrados, recebem o título de Patrimônio Cultural do Brasil.
Já a vigilância patrimonial nada mais é do que um serviço criado para garantir, diretamente, a segurança do patrimônio cultural material, reduzindo, por exemplo, danos causados por roubos ou invasões. Ela é focada em controlar irregularidades e dentre as tarefas de um agente que realiza serviço de vigilância patrimonial, de acordo com o site da Primatto, empresa de limpeza e conservação de bens, estão:
Orientação sobre quais as melhores medidas de segurança a serem tomadas no ambiente; fiscalizar pessoas e cargas; advertir pessoas que estejam praticando ato irregular; intervir para o impedimento de delitos; registrar ocorrências, caso ações criminosas sejam praticadas; combater incêndios; comunicar órgãos competentes. (PRIMATTO, sd.)
A vigilância é, então, uma forma de manter a população tranquila acerca da segurança e integridade de um patrimônio.
Uma outra palavra muito utilizada para se tratar da proteção do patrimônio cultural é a salvaguarda. O portal do IPHAN (2017) explica que Salvaguarda do Patrimônio é ”o conjunto de medidas que visam garantir a viabilidade do Patrimônio Cultural Imaterial, tais como a identificação, documentação, investigação, proteção, valorização, promoção, transmissão e revitalização desse patrimônio”.
Na página virtual do Secretaria de Cultura de Alagoas, apresenta-se a seguinte definição:
Salvaguardar um bem cultural de natureza imaterial é apoiar sua continuidade de modo sustentável, atuar para melhoria das condições sociais e materiais de transmissão e reprodução que possibilitam sua existência. O conhecimento gerado durante os processos de inventário e registro é o que permite identificar de modo bastante preciso as formas mais adequadas de salvaguarda.
A elaboração de um plano de salvaguarda é a etapa posterior à obtenção do Registro. Este plano tem objetivo de indicar de que forma o poder público e a sociedade agirão, a partir daquele momento, para preservar as condições que tornam possível a continuidade da manifestação cultural registrada. (SECULTAL, sd.)
Portanto, é um processo que envolve diversas ferramentas e necessita da participação de vários setores do poder público, além da população, porque é mais do que uma atividade pontual, é algo que precisa ser perpetuado ao longo do tempo. A Secretaria de Cultura de Alagoas complementa:
O conhecimento gerado durante os processos de inventário e Registro é o que permite identificar de modo bastante preciso as formas mais adequadas de salvaguarda. Essas formas podem ir desde a ajuda financeira a detentores de saberes específicos com vistas à sua transmissão, até, por exemplo, a organização comunitária ou a facilitação de acesso a matérias primas. Para que um bem seja registrado como Patrimônio Cultural do Brasil, é preciso incluir no processo recomendações para a sua salvaguarda, ou seja, indicações do que precisa ser feito para que aquele bem cultural seja preservado. (SECULTAL, sd.)
As ações de salvaguarda geralmente envolvem a transmissão do conhecimento para gerações mais jovens, a divulgação do bem cultural, a valorização dos responsáveis pela existência e manutenção do bem, e a organização de atividades relacionadas a ele. Muitas das ações possíveis, e citadas, giram em torno do conceito de educação patrimonial, uma das ferramentas mais poderosas para a proteção e preservação do patrimônio cultural.
Ana Carmen Amorim Jara Casco (sd), arquiteta e urbanista, em um artigo do IPHAN chamado “Sociedade e educação patrimonial”, defende que:
Ensinar o respeito ao passado, mais do que a sua simples valorização, é contribuir para a formação de uma sociedade mais sensível e apta a construir um futuro menos predatório e descartável, menos submetido à lógica econômica de um mercado cada vez mais voltado para os jovens, seus hábitos e seus gostos (ou a falta e a volatilidade destes). É construir uma sociedade que respeite seus velhos como portadores de saberes e tradições que precisam e devem ser reinventados ou transmitidos, em sua
integridade, às gerações futuras. Uma sociedade culta é uma sociedade cultivada, seja pelos meios formais de educação – a escola –, seja pelos informais – a família, os mestres, as práticas sociais etc. E será culta, no sentido mais amplo de portadora de uma cultura, na medida em que for capaz de escolher, no passado e no presente, aqueles – objetos, signos, pessoas, tradições etc. – com os quais quer construir sua linha do tempo no mundo. (CASCO, sd, p. 3)
O IPHAN (2014), por sua vez, na publicação “Educação Patrimonial: história, conceitos e processos”, diz que: Educação Patrimonial constitui-se de todos os processos educativos formais e não formais que têm como foco o Patrimônio Cultural, apropriado socialmente como recurso para a compreensão sóciohistórica das referências culturais em todas as suas manifestações, a fim de colaborar para seu reconhecimento, sua valorização e preservação. Considera ainda que os processos educativos devem primar pela construção coletiva e democrática do conhecimento, por meio do diálogo permanente entre os agentes culturais e sociais e pela participação efetiva das comunidades detentoras e produtoras das referências culturais, onde convivem diversas noções de Patrimônio Cultural. (IPHAN, 2014)
A educação patrimonial acontece de maneira efetiva quando há a participação coletiva em sua formulação, pois trata-se de um conhecimento que precisa ser construído em comunidade, por meio do compartilhamento. É preciso fazer com que os grupos sociais se entendam como produtores de cultura e saberes, e que reconheçam os seus antepassados e o que foi produzido por eles até o presente momento.
Na mesma publicação, o IPHAN (2014) complementa:
Para tanto, as políticas de preservação devem priorizar a construção coletiva e democrática do conhecimento, por meio do diálogo permanente entre os agentes institucionais e sociais e pela participação das comunidades detentoras e produtoras das referências culturais. Nesse processo, as iniciativas educativas devem ser encaradas como um recurso fundamental para a valorização da diversidade cultural e para o fortalecimento da identidade local, fazendo uso de múltiplas estratégias e situações de aprendizagem construídas coletivamente. (IPHAN, 2014)
Para que essa construção coletiva aconteça, porém, é preciso que a população tenha sua vida integrada, de alguma maneira, à existência daquele bem. Nas palavras do IPHAN (2014):
Em lugar de preservar lugares, edificações e objetos pelo seu valor em si mesmo, em um processo de reificação, as políticas públicas na área deveriam associar continuamente os bens culturais e a vida cotidiana, como criação de símbolos e circulação de significados. (IPHAN, 2014)
O vínculo entre a população e o seu patrimônio cultural é, portanto, extremamente importante para a sua preservação e valorização; e, quando a educação patrimonial é utilizada como ferramenta para isso, ela consegue mais do que conectar as pessoas com seu patrimônio cultural material e imaterial, mas as conecta com as situações para as quais (e com as quais) ele foi criado, fazendo com que essas pessoas incorporem a sua cultura.
Para criar esse vínculo afetivo é importante promover, também, bons espaços educativos, fazer com que as pessoas compreendam a cidade como um território produzido por aqueles que moram nela e como educadora. O IPHAN (2014) aborda esse tema:
Paulatinamente, as políticas educativas foram se afastando de ações centradas em acervos museológicos e restritas a construções isoladas para a compreensão dos espaços territoriais como documento vivo, passível de leitura e interpretação por meio de múltiplas estratégias educacionais. Seus efeitos se potencializam quando conseguem interligar os espaços tradicionais de aprendizagem a equipamentos públicos, como centros comunitários e bibliotecas públicas, praças e parques, teatros e cinemas. Tornam-se também mais efetivas quando integradas às demais dimensões da vida das pessoas e articuladas a práticas cotidianas e marcos de referências identitárias ou culturais de seus usuários. (IPHAN, 2014)
Ana Beatriz Goulart de Faria (2010), na publicação “Cadernos pedagógicos, do Programa Mais Educação”, do Ministério da Educação, afirma que espaço educativo é “Todo espaço que possibilite e estimule, positivamente, o desenvolvimento e as experiências do viver, do conviver, do pensar e do agir consequente” (p. 29). Ela conclui:
Portanto, qualquer espaço pode se tornar um espaço educativo, desde que um grupo de pessoas dele se aproprie, dando-lhe este caráter positivo, tirando-lhe o caráter negativo da passividade e transformando-o num instrumento ativo e dinâmico da ação de seus participantes, mesmo que seja para usá-lo como exemplo crítico de uma realidade que deveria ser outra [...] o espaço não é educativo por natureza, mas ele pode tornar-se educativo a partir da apropriação que as pessoas fazem dele, ou seja, o espaço é potencialmente educativo. E o arranjo destes espaços não deve se limitar a especialistas (arquitetos, engenheiros...), mas sim, deve ser prática cotidiana de toda a comunidade escolar (FARIA, 2010, p. 25)
As atividades educativas podem, então, potencializar o uso do espaço urbano e de diversos equipamentos da cidade, transformando-os em espaços formativos e ferramentas para o desenvolvimento social. Não podem ser descartados os espaços educacionais formais como a escola e o meio acadêmico desse processo, afinal, eles também podem, e devem, ser aliados. Porém, sendo o tema retratado extremamente abrangente, ele não pode ser limitado a esses únicos meios de compartilhamento de conhecimento.
A educação patrimonial precisa, então, ser compreendida como uma ferramenta necessária para o incentivo à valorização do patrimônio cultural, pois faz com que a população reconheça esse patrimônio como seu e não apenas reproduza o que dizem aqueles que possuem conhecimento na temática; e como uma ferramenta complexa e plural, que necessita de diversos espaços, físicos e abstratos, para ser ampliada e, assim, ter efetividade. Em resumo, é através da educação patrimonial que o valor do patrimônio cultural ganha sentido na memória coletiva e constrói relações urbanas mais ricas e conectadas.
instrumentos de proteção do patrimônio inventário
como se definem
Levantamento completo e detalhado dos bens que fazem parte do patrimônio cultural.
quais seus objetivos
A partir da dentificação das características, relevância e particularidades, apontar o caminho para a proteção dos bens culturais.
tombamento registro vigilância salvaguarda
Ação de transformar um bem material em patrimônio oficial público.
Preservar bens culturais imateriais, por meio da legislação, impedindo que sejam descaracterizados ou mesmo destruídos.
1. Tabela síntese dos instrumentos de tutela do patrimônio cultural brasileiro. Desenvolvido pela autora.
Procedimento administrativo onde cada unidade gestora cadastra todas as informações necessárias sobre um bem de natureza imaterial adquirido.
Reconhecimento e valorização do patrimônio de natureza imaterial em esfera institucional.
Fiscalização e controle de irregularidades que possam ameaçar a integridade de um bem.
Garantir a segurança do patrimônio cultural material de forma direta.
Constituído por atividades de promoção, valorização e transmissão de um bem cultural imaterial.
Garantir a viabilidade do patrimônio cultural imaterial, principalmente, através da educação patrimonial.
1.3
INTERRELAÇÕES URBANOCULTURAIS: O PATRIMÔNIO CULTURAL NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO do ESTADO DO CEARÁ
Oestado do Ceará é reconhecidamente uma terra de manifestações artísticas próprias. Sua identidade plural e os diversos saberes tradicionais que resistem, ainda que com ressalvas, ao passar do tempo são referência em todo o território brasileiro.
Levou-se algum tempo para a compreensão de que o povo é o maior protagonista da trajetória sócio-histórica brasileira e que existia valor no que é produzido por ele, e não apenas no que se entende, como visto anteriormente, como patrimônio construído.
Esse processo de reconhecimento de valor, porém, foi ainda mais lento quando se tratando das regiões que não eram consideradas pelos estudiosos pioneiros (em sua maioria modernistas mineiros), na temática patrimonial como dignas de proteção e valorização, por não expressarem efetivamente, de acordo com esses intelectuais, o que era considerado manifestações artísticas relevantes. Algo que Romeu Duarte, professor doutor da UFC e exsuperintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Ceará (Iphan CE), no portal do Anuário do Ceará (2018), na página “O Patrimônio Cultural Cearense e os 80 anos do IPHAN-CE”, explica:
As cidades da administração colonial e imperial (Salvador e Rio de Janeiro) e as dos ciclos econômicos da cana-de-açúcar (Recife, Olinda e João Pessoa), do ouro e das tropas (as urbes mineiras, paulistas e goianas), com sua diversificada, rica e por vezes suntuosa arquitetura, serão aquelas escolhidas para atendimento prioritário pelo órgão federal de preservação. Outros Brasis, seja pela ocupação territorial recente, seja por manifestarem, ao ver desses estetas, valores arquitetônicos e urbanísticos de menor relevância, terão que aguardar na fila até que estes sejam compreendidos e aceitos como legítimos, operação esta que consumirá tempo considerável. (DUARTE, 2018)
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) seguia as orientações teórico-conceituais desses estudiosos. Foi o caso do Ceará, que só teve atenção ao seu patrimônio edificado a partir do final da década de 1950. Duarte (2018) complementa:
O patrimônio edificado cearense só mereceu menção federal no fim da década de 1950, com o tombamento em 1957, pelo Iphan,
8. Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário, em Aracati.
Fonte: Ceará em Fotos.
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da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário, em Aracati. (DUARTE, 2018)
Sendo assim, a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário, em Aracati, pode ser considerada pioneira dentro desse movimento. Ela tem traços de uma arquitetura colonial, até mesmo de um barroco mais modesto. [img. 8]
Nas décadas seguintes houveram alguns avanços na esfera do patrimônio cultural material. Duarte (2018) cita:
Em meados da década seguinte, essa situação iria se alterar. Mediante a condução do Arq. José Liberal de Castro, um dos paladinos do Modernismo em terras cearenses e então professor da Escola de Engenharia da UFC, o Ceará daria seus primeiros passos no sentido do reconhecimento federal do seu acervo construído dotado de interesse cultural. Com bom trânsito junto às autoridades do Iphan, foi comissionado pelo seu presidente, Dr. Rodrigo Melo Franco de Andrade, para cuidar do patrimônio cearense de valor nacional. Os trabalhos tiveram início em 1964 com os tombamentos do Theatro José de Alencar e da Casa Natal de José de Alencar. (DUARTE, 2018)
Duarte (2018) ainda acrescenta:
Em 1965, com a criação e o pleno funcionamento da Escola de Arquitetura e Artes da UFC8, Liberal de Castro passou a contar com apoio institucional e humano para realizar suas pesquisas relativas ao patrimônio construído cearense, de que é exemplo o notável esforço de inventariação de nossa arquitetura antiga, por ele conduzido até meados da década de 1980 com a ajuda dos seus muitos alunos. Foi também na metade da década de 1960 que se deu o tombamento federal do Passeio Público, a velha Praça dos Mártires de Fortaleza, tipologia urbanística típica do Império e associada às transformações espaciais havidas nas cidades brasileiras decorrentes da vinda da Família Real portuguesa ao Brasil em 1808. (DUARTE, 2018)
Nas décadas seguintes houveram alguns avanços na esfera do patrimônio cultural material. Duarte (2018) cita:
Em meados da década seguinte, essa situação iria se alterar. Mediante a condução do Arq. José Liberal de Castro, um dos paladinos do Modernismo em terras cearenses e então professor da Escola de Engenharia da UFC, o Ceará daria seus primeiros passos no sentido do reconhecimento federal do seu acervo construído dotado de interesse cultural. Com bom trânsito junto às autoridades do Iphan, foi comissionado pelo seu presidente, Dr. Rodrigo Melo Franco de Andrade, para cuidar do patrimônio cearense de valor nacional. Os trabalhos tiveram início em 1964 com os tombamentos do Theatro José de Alencar e da Casa Natal de José de Alencar. (DUARTE, 2018)
Duarte (2018) ainda acrescenta:
Em 1965, com a criação e o pleno funcionamento da Escola de Arquitetura e Artes da UFC8, Liberal de Castro passou a contar com apoio institucional e humano para realizar suas pesquisas relativas ao patrimônio construído cearense, de que é exemplo o notável esforço de inventariação de nossa arquitetura antiga, por ele conduzido até meados da década de 1980 com a ajuda dos seus muitos alunos. Foi também na metade da década de 1960 que se deu o tombamento federal do Passeio Público, a velha Praça dos Mártires de Fortaleza, tipologia urbanística típica do Império e associada às transformações espaciais havidas nas cidades brasileiras decorrentes da vinda da Família Real portuguesa ao Brasil em 1808. (DUARTE, 2018)
Já em meados da década de 90, depois de anos de debate acerca do tema, ampliou-se o conceito de patrimônio imaterial no cenário brasileiro da proteção patrimonial. Duarte (2018) fala de realizações no campo da pesquisa:
Considerado desde o início dos trabalhos do Iphan nesse campo, merecendo inclusive a realização de extraordinárias pesquisas por parte de intelectuais do porte de Mário de Andrade e de Luís da Câmara Cascudo, suas manifestações (celebrações, formas de expressão, saberes e fazeres e lugares) e os meios necessários à sua salvaguarda, apesar da menção constante da Constituição Federal de 1988, ainda não eram contemplados por um diploma legal
9. Rua do Meio, Centro Histórico de Icó.
Fonte: Blog do Fabrício.
10. Sobrado do Mirante, Centro Histórico de Icó.
Fonte: Diário do Nordeste.
11. Câmara Municipal de Icó.
Fonte: Mapio.
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específico, isso só irá ocorrer, em nível federal, com a criação do Decreto nº 3.551, no ano de 2000. (DUARTE, 2018)
Para a elaboração desse decreto, foi realizado na cidade de Fortaleza, anos antes, em 1997, o seminário internacional “Patrimônio Imaterial: Estratégias e Formas de Proteção”, responsável, também, pela Carta de Fortaleza, documento que recomendou ao IPHAN produzir o inventários desses bens em nível nacional e integrar as informações produzidas ao Sistema Nacional de Informações Culturais (SNIC), entre outras demandas. Merece atenção algumas proposições e recomendações da Carta de Fortaleza, como:
6 - Que a preservação do patrimônio cultural seja abordada de maneira global, buscando valorizar as formas de produção simbólica e cognitiva; (...)
10 - Que seja desenvolvido um Programa Nacional de Educação Patrimonial, a partir da experiência do IPHAN, considerando sua importância no processo de preservação do patrimônio cultural brasileiro;
11 - Que seja estabelecida uma Política Nacional de Preservação do Patrimônio Cultural com objetivos e metas claramente definidos; e 12 - Que o Ministério da Cultura procure influir no processo de elaboração das políticas públicas, no sentido de que sejam levados em consideração os valores culturais na sua formulação e implementação. (IPHAN, 1997)
Recomendações em dimensão macro, que envolvem não apenas dinâmicas de educação patrimonial, mas que buscam integrar diversas formas de preservação desses bens, ressaltando a relevância da participação de diversos órgãos públicos.
Foram os tombamentos federais de sítios históricos cearenses, entre o final do século XX e início do século XXI, no entanto, que marcaram essa mudança desse pensamento focado no patrimônio edificado. Foram efetuados tardiamente e protegendo áreas que já estavam bastante deterioradas como: as cidades de Icó, Sobral, Aracati e Viçosa do Ceará.
O sítio histórico de Icó, por exemplo, recebeu ações do Programa Monumenta, que investiu recursos na restauração de prédios públicos e religiosos e é considerado por alguns o melhor da arquitetura tradicional cearense. [img. 9 - 11]
Duarte (2018) explica:
Os tombamentos de Icó, Aracati e Viçosa do Ceará foram efetuados tomando-se por base os processos sócio-históricos de formação e evolução dessas cidades e o seu rebatimento em tipologias arquitetônicas e morfologias urbanas de maior interesse, com rigor na seleção do acervo edificado passível de proteção. Já o de Sobral foi marcado pela vinculação do urbano à sua dinâmica funcional, à sua forma atual e às principais referências culturais aí existentes, elementos estes definidores da preservação. (DUARTE, 2018)
Foi compreendido, então, que Sobral tinha relevância não apenas em seu aspecto arquitetônico ou através das expressões materiais dos seus processos históricos, mas em suas manifestações culturais advindas desses processos. Entrando ainda mais no século XXI, os avanços nos processos de proteção do patrimônio cultural são notórios no Brasil e no estado do Ceará, principalmente, no município de Fortaleza. Duarte (2018) conta que:
Procurando ampliar o protagonismo da atuação municipal, a administração Fortaleza Bela, tendo à frente a prefeita Luizianne Lins, deflagrou suas ações tombando os bens imóveis existentes na Cidade protegidos nas esferas estadual e federal. Com o apoio do Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural (Comphic), procedeu ao tombamento de diversos imóveis de escalas, tipologias e essências arquitetônicas variadas e à abertura de uma grande quantidade de processos de proteção edilícia, estes em boa medida prejudicados pela falta de regulamentação de instrumentos urbanísticos de mediação entre a preservação e o mercado imobiliário e a atuação desconexa das instâncias municipais. (DUARTE, 2018)
Nesse período foi notado um número maior de registros de bens tombados, vale frisar, mas não é possível dizer que não há ainda desafios na gestão do patrimônio cultural cearense material e imaterial. Uma das razões é o fato desse esforço da gestão pública não ter tido continuidade por muito tempo.
O que se tem, então, é uma sociedade que conhece muito pouco do seu patrimônio cultural e sabe menos ainda do seu valor. A verdade é que, de maneira geral, se conhece muito pouco acerca do patrimônio cultural do Ceará, principalmente quando se fala do abstrato, do imaterial. Houveram, sim, como já exemplificado, ganhos dentro do setor, mas é possível observar
nas relações sociais que tem como palco o espaço urbano como é fraco o elo entre o nativo cearense e sua identidade histórica.
Um exemplo disso é um processo que pode ser compreendido por uma espécie de naturalização da perda. É importante relembrar como o Estado tem papel fundamental em fazer com que o patrimônio cultural seja protegido, valorizado e inserido na vivência da população, e que tornase consideravelmente compreensível que um povo não tenha consciência histórica quando não existem políticas públicas que estreitam sua relação com os bens materiais e imateriais que fazem parte de sua história coletiva.
Quando não existe uma verdadeira conexão entre um grupo social e seu patrimônio cultural, a destruição desse patrimônio, e essa espécie de apagamento histórico que acontece a partir dessa destruição, acaba por ser vista de maneira banal. Não quer dizer que não seja sentida, mas não gera na população comoção o suficiente para defender a integridade desse bem.
Mais uma vez, quando fala-se, então, do patrimônio cultural imaterial, é ainda uma questão mais delicada, pois, nesse caso, trata-se de um apagamento paulatino e praticamente invisível, uma vez que não se trata, por exemplo, de um bem edificado que é demolido frente aos olhos dos moradores da cidade.
O patrimônio cultural imaterial ainda recebe o peso de uma realidade mundial extremamente conectada. Murilo Sérgio da Silva Julião, Francisco José Freire de Andrade e Leopoldo Gondim Neto (2018), professores universitários, no artigo Ensaio sobre a identidade cultural cearense a partir do “Baião de Dois”, discorrem sobre:
O Nordeste brasileiro, o Ceará e outros lugares do mundo passaram por intensas mudanças socioeconômicas e culturais nos últimos trinta anos (1987-2017) devido à globalização, resultante das ações que garantiram o surgimento de um mercado dito global, que se sobrepôs aos espaços, como consequência de uma nova fase do sistema capitalista de produção, denominada de período técnicocientífico-informacional ou de capitalismo tecnológico. Santos (2014, p. 9) considera que a globalização é o estágio supremo do processo de internacionalização do capital. O capitalismo, nesta fase atual da história, só se dispersa mais rapidamente graças ao papel unificador das técnicas de informação, as quais asseguram a
presença de um capital comum em todos os lugares. Para Santos (2006, p. 23), a globalização só acontece quando esse processo penetra nas práticas cotidianas dos homens, ou seja, na totalidade do lugar. (JULIÃO et al., 2018, p. 5)
Eles complementam com a ideia de que, devido a essa movimentação e comunicação global acelerada, as identidades próprias de cada região acabam por serem perdidas:
O aumento na miscigenação entre culturas e destruição das identidades são consequências do processo de globalização, e isto leva a uma produção de kits de perfis-padrão de acordo com cada órbita do mercado, para serem utilizados por indivíduos, indiferentemente ao contexto, âmbito geográfico, nacional, cultural, etc. As identidades regionais fixas somem e dão lugar às identidades globais mutáveis, que se alteram com a velocidade e a vontade dos movimentos do mercado (LINS, 2002, p. 20). (JULIÃO et al., 2018, p. 5)
É possível ver os resultados desse processo no cotidiano cearense, quando as expressões de linguagens, comportamentos, costumes e produções locais se tornam cada vez mais escassas, e, quando vistas, acaba por ser, por vezes, em grupos sociais marginalizados, o que indica uma espécie de marginalização e desvalorização da cultura regional.
12. Livretos de Cordel.
Fonte: Revista Seleções. ▶
A cultura cearense é bastante diversificada e conta com aspectos marcantes. Tem diversas influências, desde do sudeste da Europa, até influências africanas e indígenas. Na literatura têm nomes relevantes como José de Alencar, Rachel de Queiroz, Adolfo Caminha e Patativa do Assaré, escritores nacionalmente consagrados. Tem, também, o Cordel, um símbolo da literatura popular local e referência do estado no resto do país. É como uma poesia popular, impressa em folhetos, com ilustrações feitas em xilogravura. [img. 12]
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13. Grupo de forró tradicional se apresentando na rua.
Fonte: Estudo Prático.
Na música o gênero do forró é protagonista e instrumentos como sanfona e triângulo são extremamente tradicionais. A música cearense não se restringe a esse gênero, todavia, tendo nomes importantes para movimentos como o da MPB, sigla para Música Popular Brasileira, e do tropicalismo, como Fagner, Belchior e Ednardo. [img. 13]
14. Vaso em cerâmica, uma das diversas técnicas artesanais cearenses.
Fonte: Governo do Estado do Ceará.
15. Redes produzidas em Jaguaruana, município cearense.
Fonte: Governo do Estado do Ceará.
16. Baião de dois, prato típico cearense.
Fonte: Reporter Gourmet.
17. Tapioca do Ceará. Fonte: Blog do Elber Feitosa.
18. Moqueca de Arraia do Ceará.
Fonte: Blog do Elber
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A arte popular é composta por um vasto repertório. O artesanato (feito em diversos materiais como: madeira, barro, ou em vegetais como cipó e carnaúba), de renome também nacional, é uma mistura das técnicas dos indígenas e de influências europeias. A produção de rede nos mais diferentes bordados e a tecelagem de algodão merecem atenção, a primeira podendo ser considerada um dos maiores destaques do artesanato cearense e sendo uma atividade tradicional desde pelo menos o século XVIII. [img. 14 e 15]
As rendas, os bordados, as esculturas humanas, os vasos adornados, as conhecidas garrafas de areias coloridas, que reproduzem paisagens dentro de diversos temas; e os artigos feitos de palha, como chapéus. São diversas as formas que o povo cearense encontrou para expressar sua arte.
Não pode ser esquecida a gastronomia local, também um conjunto de influências europeias, indígenas e africanas, que se uniram criando algo verdadeiramente particular, tendo pratos típicos como: baião-de-dois, tapioca, peixada (com suas variações), moqueca de arraia, camarão no leite de coco, entre outros. [img. 16 - 18]
Julião, Andrade e Neto (2018) discorrem mais sobre como a gastronomia é importante para a cultura de um povo:
Nesta componente estão envolvidos desde os ingredientes (frutas, verduras, legumes, carnes, bebidas), e alguns são endêmicos de uma determinada região, até as preparações culinárias dispostas à mesa. Estas, principalmente, identificam um povo, um lugar ou uma época da vida. A culinária local, com cheiros, cores e sabores únicos, reúne em suas receitas formas de preparação que seguem a uma tradição.
A comida além de fornecer informações sobre um povo, também transmite aspectos sentimentais e sensoriais, ou seja, a cultura e os hábitos de um povo podem ser compreendidos através de sua gastronomia. O aspecto cultural da comida deve ser evidenciado a partir dos valores atribuídos aos pratos típicos e na forma como devem ser preparados, assim como na manutenção das tradições culinárias e a sua perpetuação simbólica. (JULIÃO et al., 2018, p. 8)
19. Rua 25 de Março, Centro de Fortaleza.
Fonte: Cinira d’Alva.
20. Rua Rodrigues Júnior, Centro de Fortaleza.
Fonte: Cinira d’Alva.
21. Rua Rodrigues Júnior, Centro de Fortaleza.
Fonte: Cinira d’Alva.
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Assim como através da gastronomia, a cultura de um povo pode ser compreendida, também, através da sua linguagem, aquela tradicional, os dizeres característicos, os vícios, a maneira como a fala e o corpo se unem para expressar algum sentimento. A fala geralmente acelerada e, comumente citada por brasileiros de outros estados como, “cantada”; e as expressões próprias, que em outras regiões perdem completamente o significado, precedem os cearenses.
Todas essas manifestações culturais, além de outras como o folclore, as artes plásticas e até mesmo o patrimônio edificado (tanto já citado), são elementos de identidade para uma sociedade e, nesse caso, para o povo cearense. A vida cotidiana, e os costumes diários, são, por si só, cultura, em sua forma mais espontânea, produzida sem qualquer intenção de ser e tão importante quanto qualquer outra manifestação.
A identidade da população cearense está tanto na sua produção artística quanto no costume de sentar na calçada no fim de tarde para “jogar conversa fora” com os vizinhos. Assim como tão relevantes quanto são os prédios que foram marcados por importantes acontecimentos históricos são aquelas casinhas populares que estão ali por décadas, mas abrigaram/abrigam nada além de famílias comuns e, por isso, não recebem qualquer atenção das políticas públicas de preservação ao patrimônio arquitetônico. Existem diversas no centro de Fortaleza e o estado em que estão mostram exatamente essa realidade. [img. 19 - 21]
Apreciar e consumir todas essas manifestações, sejam formais ou informais, físicas ou abstratas, é manter essa cultura viva. É nítido, também, que essa cultura não apenas se perde com o tempo, mas encontra formas de sobrevivência na transformação.
Festejos, costumes, linguagem e artes acabam por irem se adaptando aos novos formatos de vivência social, às novas atividades, gostos e aos novos conhecimentos, tentando, desse modo, não se perderem completamente da cultura contemporânea local.
O forró, que já tem diversos estilos, está cada vez mais próximo de outras referências musicais (pop, rock, sertanejo, etc), trazendo novas características
Apreciar e consumir todas essas manifestações, sejam formais ou informais, físicas ou abstratas, é manter essa cultura viva. É nítido, também, que essa cultura não apenas se perde com o tempo, mas encontra formas de sobrevivência na transformação.
Festejos, costumes, linguagem e artes acabam por irem se adaptando aos novos formatos de vivência social, às novas atividades, gostos e aos novos conhecimentos, tentando, desse modo, não se perderem completamente da cultura contemporânea local.
O forró, que já tem diversos estilos, está cada vez mais próximo de outras referências musicais (pop, rock, sertanejo, etc), trazendo novas características para sua composição e se tornando, de certa maneira, mais moderno. É o que chamam de forró eletrônico ou estilizado. É, então, de extrema importância frisar que ambos os estilos estão diretamente ligados ao estilo de vida das pessoas que o consomem, sendo um retrato dessas vivências e costumes.
Outro exemplo são as festas juninas, tão comuns em todo o estado. Claudinei Cabreira (2018), defendendo o evento em seu formato mais tradicional (que ela chama carinhosamente de “festa caipira”), escreve para o jornal eletrônico O Extra:
Hoje o povo se junta nessas festas para comer frango assado, batata frita e tomar cerveja. Tomar quentão, comer pipoca ou amendoim torrado, virou coisa do passado. Os correios elegantes deram lugar aos torpedos enviados via redes sociais pelo watzap, facilmente identificáveis. E aí perde a graça. Bom mesmo era o charme do correio elegante de antigamente. E o gostoso era desvendar o mistério e descobrir o autor, que mandava versinhos anônimos caprichados e sempre usava um amigo ou até mesmo o garçom ou leiloeiro de prendas para mandá-lo às escondidas. E será que algum dia você foi parar na “cadeia do amor” por ordem de algum amigo travesso ou de uma paquera não correspondida? Eram tempos divertidos. (CABREIRA, 2018)
Assim como o modo de falar cearense, tido por muitos como peculiar, cada vez mais perdido entre novas expressões (até mesmo de línguas estrangeiras) e cada vez mais deixado para aqueles de idade mais avançada, quando na verdade é uma das maneiras mais simples e e espontâneas de reconhecer-se,
e ser reconhecido, parte de uma identidade coletiva.
São diversos exemplos sobre como a cultura tradicional estar a perder espaço diante do novo, ainda que perder espaço seja buscar uma reinvenção de seus moldes para caber no novo cotidiano urbano.
Como já dito, a legislação tem papel fundamental nesse aspecto e ainda são muitos os desafios. Duarte (2018) fala sobre:
Se estas manifestações de arte e história ainda permanecem desconhecidas da maior parte do público é porque não há ainda obras de referência ou outros meios de promoção ao dispor do interesse popular. Em resumo: sabe-se ainda muito pouco sobre o patrimônio cultural do Ceará. Permanecendo dissociado dos processos de desenvolvimento sócio econômico, o patrimônio não cumpre a sua função de “instrumento” (DUARTE JR., 2012, p. 429) para a melhoria das condições de vida das comunidades, principalmente aquelas mais carentes, isso faz com que seja impositiva a sua consideração como ativo e recurso fundamental, conforme estabeleceram as Normas de Quito, de maneira a que possa se consolidar como eminente função urbana e influir nos rumos dos planejamentos das cidades. (DUARTE, 2018)
E em se tratando da importância da participação do município nessa mudança de pensamento coletivo, Duarte (2018) complementa:
Para tanto, faz-se mais que necessário que os municípios se organizem e se estruturem para a montagem de uma política pública de patrimônio, que deverá se iniciar com um amplo trabalho de identificação e documentação dos seus acervos, em largo escopo, pois, como disse muito bem o Dr. Rodrigo Melo Franco de Andrade, “só se conhece o que se preserva e só se preserva o que se conhece”. Essa operação, realizada com o apoio dos municípios, do Estado, do Iphan e, quem sabe, da iniciativa privada, trará a lume manifestações que confirmarão a riqueza e a diversidade de nossa particular cultura, num momento em que o patrimônio se expande de forma cronológica, tipológica e geográfica, ampliando-se também o público interessado em seus assuntos. Assim, as ações dos conselhos municipais e do Coepa conformam-se como um ponto-chave, de forma a garantir essência democrática às decisões sobre o que proteger e preservar. (DUARTE, 2018)
No Ceará, então, como já dito, ainda que exista um longo caminho a percorrer, houveram, sim, avanços tanto em termos de legislação protetiva quanto em políticas de promoção patrimonial. Hoje existem diversas leis, por exemplo, que dispõem sobre a proteção do patrimônio cearense, sobre sua fiscalização e sobre o seu registro, além de outras como a lei de tombamento e de fomento à cultura.
A Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (SECULT-CE), criada pela lei nº 8.541, de 9 de agosto de 1966, é um órgão do governo responsável por gerenciar atividades patrimoniais. O portal da Secretaria diz que:
A Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult) é a pasta etadual de cultura mais antiga do Brasil. A Secult foi criada pela Lei nº 8.541, de 9 de agosto de 1966, se desmembrando da Secretaria de Educação, pelo então governador do Estado, Virgílio Távora. Tem como missão executar, superintender e coordenar as atividades de proteção do patrimônio cultural do Ceará, difusão da cultura e aprimoramento cultural do povo cearense. Compete também à Secult auxiliar o governador na formulação da política cultural do Estado; incentivar e estimular a pesquisa em artes e cultura; apoiar a criação, a expansão e o fortalecimento das estruturas da sociedade civil voltadas para a criação, produção e difusão cultural e artística; deliberar sobre tombamento de bens móveis e imóveis de reconhecido valor histórico, artístico e cultural para o Estado do Ceará; e cooperar na defesa e conservação do Patrimônio Cultural Histórico, Arqueológico, Paisagístico, Artístico e Documental, material e imaterial do Estado. (SECULTCE, sd)
É considerada pioneira em diversas atividades e criou ações que serviram de inspiração até mesmo para o Ministério da Cultura do Brasil, como, por exemplo: o projeto Agentes da Leitura do Ceará e a Lei dos Tesouros Vivos do Estado. O primeiro, de acordo com a definição do site da SECULT, é:
O Projeto Agentes de Leitura do Ceará, pioneiro no Brasil, é, originalmente, uma ação da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará junto ao Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECOP), que, desde 2006, vem promovendo a democratização do acesso ao livro e à leitura por meio de diversas atividades mediadoras ancoradas em acervos bibliográficos que, mais tarde, são integrados ao acervo das bibliotecas públicas municipais e/ou comunitárias. No projeto, cada Agente acompanha o processo leitor de 20
famílias por ele cadastradas, dentre as escolhidas pelas secretarias municipais de Educação, em municípios cearenses de grande vulnerabilidade social no interior do Estado, determinados pelo Fundo Estadual de Combate à Pobreza/FECOP, com base nos critérios técnicos e no Índice de Focalização dos Agentes de Leitura/IFAL elaborados pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará/IPECE. (SECULT-CE, sd)
Segundo o portal (sd), “entre 2015 e 2018, a Secult investiu um total de R$ 5 milhões no projeto, selecionando 196 agentes de leitura. São beneficiadas mais de 31 mil pessoas em 34 municípios”.
O Edital Tesouros Vivos do Estado, por sua vez, é uma iniciativa que se preocupa com o reconhecimento do patrimônio cultural imaterial do estado.
O Anuário do Ceará (2021) explica:
A iniciativa é parte da política cultural da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult-CE) voltada ao patrimônio imaterial, que visa contribuir para o reconhecimento, a proteção e a valorização da diversidade dos conhecimentos, fazeres e expressões das culturas populares e tradicionais no Ceará, por meio da titulação dos “Tesouros Vivos da Cultura”, com vistas à preservação da memória cultural e transmissão de seus saberes e fazeres artísticos e culturais.
Os Mestres da Cultura do Ceará são reconhecidos pelas leis 13.351/2003 e 13.842/2006 que instituem o registro dos Tesouros Vivos da cultura tradicional popular. Por meio de seleção pública, os mestres agraciados passam a receber um auxílio financeiro vitalício, e os grupos tradicionais recebem apoios para suas atividades. (ANUÁRIO DO CEARÁ, 2021)
De acordo com o Edital, eles se dividem em três tipologias:
Pessoa natural: mestre(a) da cultura tradicional popular, pessoa que detém um conhecimento ancestral recebido do meio familiar e/ou de prática de convivência no grupo ancestral que manteve/ mantém o saber/fazer; tem ampla experiência e capacidade de transmitir estes conhecimentos e as técnicas necessárias para a produção, difusão e preservação de uma expressão tradicional popular. Tem seu trabalho reconhecido pelos agentes da manifestação cultural que representa, pela comunidade onde vive, como também por outros setores culturais, constituindo importante referencial da cultura tradicional popular no Ceará.
Grupo: agrupamento que possui legado ancestral na prática de um saber/fazer, formado espontaneamente por membros de uma comunidade que se envolvem diretamente com uma expressão cultural tradicional popular. É dotado de conhecimentos e técnicas de atividades culturais, com elevado grau de maestria na produção, preservação e transmissão de um saber e/ou fazer tradicional, constituindo importante referencial da cultura tradicional popular no Ceará.
Coletividade: comunidade e/ou associação de pessoas que é dotada de conhecimentos e técnicas de atividades culturais, com elevado grau de maestria na produção, preservação e transmissão de um saber e/ou fazer tradicional, constituindo importante referencial da cultura tradicional popular no Ceará. (ANUÁRIO DO CEARÁ, 2021)
É papel da SECULT, então, gerenciar atividades, políticas e ações como essas. No portal da Secretaria são definidas suas missões institucionais, competências e valores, que são:
A Secretaria da Cultura (Secult) tem como missão executar, superintender e coordenar as atividades de proteção do patrimônio cultural do Ceará, difusão da cultura e aprimoramento cultural do povo cearense, competindo-lhe:
I- auxiliar direta e indiretamente o Governador na formulação da política cultural do Estado do Ceará, planejando, normatizando, coordenando, executando e avaliando-a, compreendendo o amparo à cultura, a promoção, documentação e difusão das atividades artísticas e culturais, a defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Paisagístico, Artístico e Documental; II- incentivar e estimular a pesquisa em artes e cultura; III- apoiar a criação, a expansão e o fortalecimento das estruturas da sociedade civil voltadas para a criação, produção e difusão cultural e artística;
IV- analisar e julgar projetos culturais; V- deliberar sobre tombamento de bens móveis e imóveis de reconhecido valor histórico, artístico e cultural para o Estado do Ceará;
VI- cooperar na defesa e conservação do Patrimônio Cultural Histórico, Arqueológico, Paisagístico, Artístico e Documental, material e imaterial, do Estado;
VII- além de outras atribuições correlatas, nos termos deste Regulamento. (SECULT-CE, sd)
Em se tratando do patrimônio cultural imaterial do estado, o IPHAN-CE (sd) dispõe:
A Superintendência do Iphan concluiu o Mapeamento do Acervo Documental do Patrimônio Imaterial do Ceará e o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) da Região do Cariri. Está em andamento o inventário dos lugares sagrados de Juazeiro Norte. Por meio do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI), foi realizado o Mapeamento do Acervo Documental do Patrimônio Imaterial do Ceará que contempla formas de expressão, saberes, lugares e celebrações e se constitui, também, num diagnóstico abrangendo as condições estruturais de preservação, funcionamento, ambientais e de acesso às fontes e obras nas entidades detentoras dos acervos. As categorias de patrimônio mapeadas abarcam literatura de cordel, maneiro-pau (dança típica do cangaço), maracatu, padaria espiritual (movimento literário) e reisados (bumba-meu-boi e outros), penitentes (cerimonial de penitência), quadrilhas juninas, romarias (Cariri e Juazeiro), Toré (prática ritualística indígena de pajelança), profetas da chuva (previsão empírica do tempo), rabequeiro (execução musical com rabeca), rede de dormir (produção manual), rezadeiras (rituais de reza e cura), vaqueiro/ aboiador e xilogravura; e a Praça do Ferreira (categoria Lugares). (IPHAN-CE, sd)
E complementa reafirmando a importância da Roda Capoeira e do oficial de Mestre de Capoeira, do Teatro de Bonecos do Nordeste e da Festa de Pau da Bandeira de Santo Antônio em Barbalha:
Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira - A capoeira é um elemento estruturante de uma manifestação cultural, espaço e tempo, onde se expressam simultaneamente o canto, o toque dos instrumentos, a dança, os golpes, o jogo, a brincadeira, os símbolos e rituais de herança africana - notadamente banto - recriados no Brasil. Profundamente ritualizada, a roda de capoeira congrega cantigas e movimentos que expressam uma visão de mundo, uma hierarquia e um código de ética que são compartilhados pelo grupo. Os mestres são detentores dos conhecimentos tradicionais dessa manifestação e responsáveis pela transmissão de suas práticas, rituais e herança cultural. O conhecimento produzido para instrução do processo permitiu identificar os principais aspectos que constituem a capoeira como prática cultural desenvolvida no Brasil: o saber transmitido pelos mestres formados na tradição da
capoeira e como tal reconhecidos por seus pares. Teatro de Bonecos do Nordeste - Para o Iphan, esse bem imaterial não é um brinquedo ou um traço do folclore, e envolve, sobretudo, a produção de conhecimento criativo, artístico e com uma forte carga de representação teatral. O registro como Patrimônio Cultural Imaterial justifica-se devido à originalidade e tradição dessa expressão cênica, repassadas de mestre para discípulo, de pai para filho, de geração para geração. Uma tradição que revela uma das facetas da cultura brasileira, onde brincantes, por meio da arte dos bonecos, encenam histórias apreendidas na tradição que falam de relações sociais estabelecidas em um dado período da sociedade nordestina e de histórias que continuam revelando seu cotidiano, através dos novos enredos, personagens, música, linguagem verbal, das cores e da alegria que são inerentes ao seu contexto social.
Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio em Barbalha - Esta é uma tradição que, além da sua relevância nacional, engloba a memória, a identidade e a formação da sociedade brasileira. Referência cultural importante que foi exercida, principalmente, pelas camadas populares do nordeste brasileiro e dos grupos formadores da nacionalidade, além de ser um dos momentos fundamentais na construção e afirmação da identidade da população de Barbalha, da região do Cariri. Os festejos a Santo Antônio de Pádua ocorrem desde o final do século XVIII, quando foi erguida uma capela em devoção ao santo, dando origem ao desenvolvimento da cidade de Barbalha. São treze dias de festa em homenagem ao padroeiro e a data central é o domingo mais próximo de 31 de maio, dia do Carregamento e Hasteamento do Pau da Bandeira. No dia do Carregamento, que acontece desde 1928, eles percorrem os cerca de sete quilômetros que separam o local de preparação do mastro e a Praça da Matriz de Santo Antônio no centro de Barbalha, com o Pau da Bandeira às costas. (IPHAN-CE, sd)
Diante de tudo isso, é possível compreender os avanços que o estado teve em relação à tutela do seu patrimônio cultural, ainda que, mais uma vez, seja preciso relembrar do descaso que se apresenta quando se fala dos bens arquitetônicos demolidos nos últimos anos, por exemplo. Nos últimos 3 anos, pelo menos 4 prédios em processo de tombamento (em tombamento provisório) foram demolidos só na cidade de Fortaleza, como explica a publicação feita pela página virtual do jornal Diário do Nordeste (2021). “Na espera por proteção definitiva, bens são demolidos ou sofrem avarias que
afetam a estrutura. Secultfor indica que está produzindo uma lista de prioridades”, introduz o portal.
O Diário do Nordeste (2021) dá mais detalhes:
A lista com 53 bens tombados provisoriamente pelo município de Fortaleza, aos poucos, é reduzida. Mas, diferentemente da expectativa, a diminuição não acontece porque as edificações deixam o status de proteção provisória e passam a definitiva. Pelo contrário, ainda na espera, são destruídas. (DIÁRIO DO NORDESTE, 2021)
Foi o que aconteceu ao famoso Casarão dos Gondim, como explica o jornal, um prédio histórico localizado no centro da cidade. [img. 23]
O Diário do Nordeste (2021) ainda acrescenta:
Um levantamento feito pelo Diário do Nordeste indica que, além do Casarão dos Gondim, derrubado em julho deste ano, na lista de bens com tombamento provisório, mas cuja estrutura já não existe ou teve parte considerável destruída, há: - Uma casa antiga que ficava na Rua Franklin Távora, no Centro; cujo processo de tombamento era de 2010 e que teve a estrutura completamente destruída entre 2019 e 2020; - O Condomínio Residencial Iracema, tombado provisoriamente em 2015 e demolido em 2021 sob a alegativa que sem a emissão de um novo registro de tombo definitivo, a derrubada era regular; - O Casarão dos Fabricantes, no Centro, que sofreu um incêndio em setembro de 2020 ficando completamente comprometido. (DIÁRIO DO NORDESTE, 2021)
Ainda de acordo com o Jornal (2021), Fortaleza tem 64 bens tombados, “sendo 7 na esfera federal, 25 pelo Governo Estadual e 32 pela Prefeitura” e “Uma lista de outros 53 protegidos provisoriamente (dos quais 4 foram mencionados) aguarda uma decisão do município sobre a proteção permanente”.
É um processo consideravelmente longo e Júlia Jereissati (2021), Coordenadora do Grupo de Trabalho de Patrimônio do Instituto de Arquitetos do Brasil no Ceará (IAB-CE), faz uma avaliação para a plataforma:
“Muitos dos problemas enfrentados são relativos a essa instrução, que quando não bem elaboradas, tendem a atrasar o processo de tombamento, precisando de um parecer mais técnico e até social no documento a ser aprovado”. (DIÁRIO DO NORDESTE, 2021)
Jereissati (2021) acrescenta:
“Uma sociedade que não tem interesse em preservar seu passado como forma de crescimento no futuro. Estamos em constante evolução arquitetônica, mas essa evolução parece não contemplar o que um dia já foi nossa história”. (DIÁRIO DO NORDESTE, 2021)
É certo que compreender a relevância do poder público como promovedor do patrimônio cultural, com tanto reafirmado até então, não retira o papel da população cearense como responsável, também, por esse cuidado. Infelizmente, uma vez que esse conhecimento não chega da maneira mais efetiva para a população geral, resta aos que o detém em algum nível a tarefa de representar os demais.
Não é mais raro, no momento presente, ver ações e atividades patrimoniais independentes acontecendo pelo estado, mas elas dificilmente vem de alguém ou algum grupo que não teve algum contato mais profundo com a questão do patrimônio cultural. Professores, estudantes universitários, pesquisadores e outras diversas pessoas e grupos que, por alguma razão, tiveram ou têm acesso ao que entende-se por educação patrimonial são muitas vezes responsáveis por defender sua herança cultural, em momentos que o Estado falta com a sua obrigação.
Porém, esses projetos acabam por não conseguir, muitas vezes, dialogar com a população geral, alcançando apenas os que já compreendem a demanda e a sua relevância. O que acontece, então, é que a referida temática acaba por circular e ser debatida com considerável frequência no meio acadêmico, por exemplo, e muito pouco nas camadas populares, carecidas de políticas públicas necessárias.
Um ótimo exemplo é o projeto da arquiteta urbanista e artista visual, Cinira d’Alva, o “Casinhas Feias” (que recebeu esse nome a partir de uma intenção claramente provocativa). O projeto busca valorizar as casinhas comuns (imagens 22, 23 e 24), de pessoas comuns, que resistem ao tempo no Centro da capital do estado. Em seu site a arquiteta urbanista explica a sua ideia:
A intenção é “fazer ver” o valor que existe no que seria entregue ao esquecimento, no caso, o casario sem aparente valor arquitetônico remanescente no centro da cidade de Fortaleza. A pesquisa tem foco na “escuta” dos moradores de uma amostra de dez residências. Essa escuta, registrada através de vídeo para posterior apresentação ao público, tem a pretensão de “rememorar”, provocar um retorno ao passado que possibilite o luto e a continuação da vida. Tem também a pretensão, ao ser exibida em um museu - espaço destinado ao que “já não existe” -, de ser um manifesto. (D’ALVA, 2020)
O que se propõe, então, é um longo debate acerca da relevância dessas ditas “casinhas feias”. A ideia é mostrar que, ao contrário do nome escolhido, essas pequenas casas populares são mais que restos de um passado esquecível, mas são memória e herança coletiva. Uma visão que Cinira d’Alva, uma profissional da área, e diversas pessoas que aderiram à ideia, e acompanham o caminhar do projeto, acreditam e defendem.
É importante pensar também onde chega a compreensão genuína da relevância de um projeto como esse. É importante saber quem o vê, quem o segue e quem o defende. Em quais camadas da população um projeto como esse se desmembra? Esse é o ponto. Enquanto as políticas públicas de educação patrimonial não dialogarem com toda a população leiga, projetos independentes como esse terão dificuldade ao tentar fazer o mesmo.
Para concluir, diante de todas as informações coletadas e expostas, a valorização e proteção do patrimônio cultural é uma ação que precisa de muitas partes envolvidas para ser efetivada. No Ceará, e em todo o território brasileiro, ainda que tenha havido diversos ganhos relevantes dentro da temática, existe muito a ser aprimorado para que, assim, o patrimônio cultural faça verdadeiramente parte da memória coletiva da população.
22. Casarão dos Gondim, no Centro de Fortaleza. Fonte: Diário do Nordeste.
Em busca de nortear a concepção conceitual do projeto arquitetônico do Centro de Tradições Cearenses foram utilizados três projetos como referência. Todos espaços educacionais, com o mesmo fim (em certa medida), mas que apresentam soluções projetuais distintas, servindo, assim, de inspiração em diferentes aspectos e para objetivos específicos.
ARQUITETURA educacional E a democratização dos saberes 2
01. Mapa da localização do projeto Escola Infantil.
Desenvolvido pela autora.
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2.1 PROJETO ESCOLA INFANTIL
23. Planta baixa.
Fonte: Veredes.
24. Corte A. Fonte: Veredes.
26. Fachada principal.
Fonte: Veredes.
27. Fachada lateral. Fonte: Veredes.
28. Circulação externa. Fonte: Veredes.
Arquiteto: Sala Arquitetura + Diseño
Localização: Cariñena, Espanha
Ano: 2020 Área: 918m²
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Oprojeto Escola Infantil é voltado para crianças entre três e seis anos de idade e foi pensado a partir da análise da percepção e das habilidades motoras das crianças. A partir desses estudos e definições foi criada uma grande permeabilidade entre espaços internos e externos. (VEREDES, 2021) [img. 23 -25]
O programa arquitetônico é composto por salas de aulas, zonas de lazer, refeitório, escritórios e serviços comuns e a equipe buscou posicionar a edificação, térrea, de acordo com as orientações mais favoráveis, valorizando a disposição dos ambientes. (VEREDES, 2021) Os ambientes são amplos, bem iluminados e se comunicam muito bem com as áreas externas, criando um espaço onde essas crianças podem se sentir mais livres para conhecer e experimentar, o que é o intuito de um espaço educativo. [img. 26 - 28]
29. Circulação com permeabilidade visual. Fonte: Veredes.
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30. Sala de aula, com acesso para área externa. Fonte: Veredes. ▶
31. Pátio central Fonte: Veredes.
A edificação é formada por unidades que se alternam, se adaptando ao programa já citado. As primeiras peças a aparecerem são as salas de aulas, que são como módulos trapezoidais e se desdobram no entorno do parque infantil. Essas salas foram concebidas como espaços de convivência, considerando o ponto de vista das crianças, e tem grandes aberturas, favorecendo a iluminação natural. Existem sistemas de controle de luz solar nas janelas que a recebem mais diretamente, além de clarabóias nas orientações menos expostas e uma cobertura inclinada para o pátio, buscando melhor iluminação e ventilação cruzada. (VEREDES, 2021) [img. 29 e 30]
Tudo busca o movimento, em razão da percepção dinâmicas das crianças. O playground, por exemplo. Sua fachada que vai de encontro às salas de aula é caracterizada pela repetição, porém, sua a regulação passa uma ideia de mutação no todo. O corredor de acesso, por sua vez, tem uma grande conexão visual com o ambiente urbano. São grandes lacunas onde a imagem do ambiente externo varia quando vista em movimento por meio do filtro que são as várias pequenas aberturas. (VEREDES, 2021) Essa liberdade, movimento e conexão que envolvem a dinâmica interna do edifício educacional é o que o torna tão especial e relevante para o presente trabalho. [img. 31]
O projeto foi escolhido como referência, então, por toda a sua proposta mais intimista e atenta aos modos de aprendizagem do grupo que atende, além da organização do seu layout, que permite uma permeabilidade entre ambientes internos e externos, como já citado, criando uma dinâmica que favorece o conforto necessário para o aprendizado.
02. Mapa de localização do projeto Centro de Artes.
Desenvolvido pela autora.
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2.2
32. Planta baixa do térreo.
Fonte: Estúdio Quagliata.
33. Planta baixa primeiro pavimento.
Fonte: Estúdio Quagliata.
34. Corte longitudinal
Fonte: Estúdio Quagliata.
35. Corte transversal.
Fonte: Estúdio Quagliata.
36. Fachada 01.
Fonte: Estúdio Quagliata.
37. Fachada 02.
38. Solução em brisesoleil da fachada.
Fonte: stúdio Quagliata.
Arquiteto: Taller de Arquitectura de Bogotá
Localização: Bogotá, Colômbia
Ano: 2009 Área: 2816m²
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Oprojeto da Taller de Arquitectura de Bogotá, é composto por dois volumes soltos, articulados por uma espécie de átrio longitudinal, onde um funciona como operativo e o outro para serviços. (ESTUDIO QUAGLIATA, 2018)
Nos desenhos técnicos a seguir é possível observar como se apresenta a distribuição dos ambientes na edificação e um pouco mais, por meio das vistas, de como as simples soluções de fachada a compõem (além da disposição dos ambientes dentro dela), criando uma estética sem tanta informação visual e com uma identidade marcante. A fachada do volume exterior, por exemplo, composta por vidro, é protegida da iluminação direta tanto por um sistema de brise-soleil vertical, feito de madeira laminada, como pelo beiral sólido que marca os volumes. [img. 32 - 35]
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Os elementos verticais da edificação, responsáveis por essa ideia de movimento que ela passa em certos aspectos, foram inspirados pela arte cinética e simulam essa movimentação através do ângulo pelo qual são observados. Eles foram desenhados de maneira que uma peça de madeira, com um único corte, gerou dois perfis que, ao serem intercalados, criaram esse efeito de movimento. (ESTUDIO QUAGLIATA, 2018) [img. 36 - 38]
03. Mapa de localização do projeto Centro de Artes.
Desenvolvido pela autora.
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Arquiteto: Lins Arquitetos Associados Localização: Juazeiro do Norte, Ceará, Brasil Ano: 2014 Área: 9815m²
PROJETO PAVILHÕES EDUCACIONAIS UNILEÃO
39. Planta baixa.
Fonte: Lins Arquitetos.
40. Planta de coberta.
Fonte: Lins Arquitetos.
41. Corte BB.
Fonte: Lins Arquitetos.
O projeto do Centro Universitário Unileão teve como diretriz incentivar a troca de conhecimento, dentro de um ambiente tradicionalmente didático, através da criação de espaços qualificados para atender as dinâmicas que ali acontecem, mesmo as imprevisíveis. Ele é composto por um conjunto existentes, o que fez necessária uma intervenção. (LINS ARQUITETOS
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Para atender a isso, foram edificados quatro pavilhões que complementam-se com o jardim e todas as áreas de convivência. Os blocos apresentam três pisos cada e estão distribuídos nesses pisos laboratórios, auditório, quiosques (no pavimento térreo) e salas de aula (nos pavimentos superiores). A estrutura segue uma trama de eixos bem definida e os blocos formam pátios cobertos no espaço entre eles. Os materiais utilizados no projeto também merecem atenção, pois contribuem para o melhoramento do conforto térmico: alvenaria, dobrada nas fachadas nascente e poente, textura branca, madeira, piso industrial e ladrilho hidráulico. (LINS ARQUITETOS ASSOCIADOS,
A orientação do conjunto é justificada pela insolação e conformação com a topografia, o que também possibilita a captação dos ventos para os ambientes. Sendo as salas equipadas de janelas altas em lados opostos, é favorecida a técnica de ventilação cruzada, independendo do uso de ar-condicionado para longa permanência das pessoas. No afastamento entre os blocos pergolados em estrutura metálica e réguas de madeira são protegidos por telhas translúcidas que permitem a exaustão do ar quente. Esses elementos filtram a insolação excessiva e protegem os acessos (passarelas, escadas e rampa). Esse espaço livre também desobstrui a passagem natural do vento, beneficiado pelos generosos jardins internos que umidificam e resfriam o ar, criando um microclima mais ameno em oposição ao extremo climático do sertão cearense. (LINS ARQUITETOS ASSOCIADOS, 2020)D’ALVA, 2020)
42. Vista lateral do pergolado com área de convivência.
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43. Vista frontal do pergolado com área de convivência.
44. Vista aérea de parte da área externa do projeto.
Fonte: Lins Arquitetos.
45. Blocos E e F. Fonte: Lins Arquitetos.
Fonte: Lins Arquitetos. 46. Os quatro pavilhões. Fonte: Lins Arquitetos. 47. Circulação vetical interna e corredores. Fonte: Lins Arquitetos.
Fonte: Lins Arquitetos. 48. Circulação e área de convivência entre os blocos.
Fonte: Lins Arquitetos.
É possível, então, ver como houve uma preocupação com diversos detalhes acerca do funcionamento e identidade da edificação, soluções sustentáveis que se adaptam ao clima local, soluções de layout que criam áreas livres e permitem a troca de vivências, a valorização do regionalismo e da produção local (na escolha dos ladrilhos hidráulicos, por exemplo) e até mesmo a redução dos custos finais da execução ao decidir, por exemplo, que os guarda-corpos fossem fabricados em peças metálicas produzidas em série. Para além do paisagismo, que se integra com maestria aos blocos edificados, servindo tando como área de passagem quanto área de permanência (LINS ARQUITETOS ASSOCIADOS, 2020) [img. 42 e 44]
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Esses vazios, já citados, criados nos edifícios dão o devido suporte para a diversidade de usos, previstos ou não, dentro do ambiente acadêmico ou não, e funcionam como convite para diversas manifestações e formas de comunicação. (LINS ARQUITETOS ASSOCIADOS, 2020) [img. 45 e 48]
Diante de todos os projetos citados, então, cabe frisar como as soluções sustentáveis presentes neles, as estruturas bem trabalhadas que se integram com um paisagismo adequado, a escolha de materiais que valorizam a cultura local e a permeabilidade entre ambientes internos e externos, além da funcionalidade que cada um apresenta, são inspiradores e ótimas referências para o desenvolvimento de um projeto conceitual que atenda as necessidades de um espaço educativo seguro e confortável e, mais, que se preocupe também em criar um espaço de múltiplas apropriações e usos e que se conecte da maneira mais harmoniosa possível com o seu entorno.
IRACEMA, A PRAIA 3
APraia de Iracema talvez seja o espaço que mais representa a história, as transformações sociais e as dimensões culturais da cidade de Fortaleza, sendo uma das maiores referências da capital dentro da memória coletiva. Sua narrativa e os processos urbanos pelos quais passou a tornaram um marco e fizeram com que seu território seja hoje espaço reconhecido de vivência e sociabilidade. No presente capítulo será feita uma análise sobre o que torna essa região tão forte e atraente às diversas formas de apropriação.
49. Imagem de satélite da Praia de Iracema.
3.1
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Fonte: Google Earth. ▶
50. Praia de Iracema na década de 30, quando ainda era um espaço marcado pela presença de pescadores.
Fonte: Fortaleza em fotos.
DE PRAIA DOS PEIXES À ROMANCE DE JOSÉ DE ALENCAR
Aregião hoje conhecida como Praia de Iracema já foi chamada de diversas formas e até mesmo nos dias atuais tem reconhecimento distinto para as diferentes gerações de moradores. Porto das Jangadas (o primeiro porto de Fortaleza), praia dos amores, praia dos peixes ou Grauçá, a região que até então era considerada como um espaço de vivência mais bucólica, a partir das primeiras décadas do século XX passou por profundas mudanças. [img. 49]
O que, inicialmente, era um espaço utilizado por comunidades pesqueiras e famílias mais simples, acabou por se tornar atraente para a elite fortalezense quando disseminou-se a ideia de que o contato com o mar poderia ser terapêutico e que sua contemplação poderia ser uma boa atividade de lazer, comportamento com influência europeia. O nome que leva hoje a região veio da intenção de torná-la mais sofisticada para essas pessoas com um maior poder aquisitivo. Fez-se, então, uma homenagem ao escritor cearense José de Alencar ao dar à região o nome de uma de suas obras mais memoráveis. [img. 50]
Professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza, André Araújo Almeida (2015), em sua dissertação “Segregação urbana na contemporaneidade: o caso da comunidade Poço da Draga na cidade de Fortaleza”, contou um pouco sobre o processo espontâneo de reorganização urbana que se fez necessário após a construção do Porto do Mucuripe, mais afastado do Centro da cidade:
Na fase de adaptação espontânea, além do abandono de parte das edificações outrora ligadas ao comércio exterior e à atividade aduaneira, a região passa também a receber uma população de mais baixo poder aquisitivo, que se unindo a que já ali residia, busca na proximidade com o centro comercial da cidade e com o mar, meios para sua sobrevivência, através da pesca e do trabalho formal e informal no comércio e na atividade industrial remanescente. Por esse motivo, hoje observamos uma grande quantidade de espaços de ocupação popular no núcleo original da cidade. Entre as áreas populares identificadas na região, temos o Poço da Draga. (ALMEIDA, 2015, p.109)
Até o momento utilizada como cais marítimo, é, então, nas primeiras décadas do século XX que tem início um processo de ocupação mais intenso da Praia
51. Antiga Alfândega, hoje sede o Centro Cultural da Caixa.
Fonte: André Almeida.
52. Edifício da Secretaria da Fazenda e traços da linha férrea na Rua Gerson Gradvol. Fonte: Oliveira.
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de Iracema. É um período marcado por novidades dentro do cenário de edificações e equipamentos urbanos, com, por exemplo, a instalação da linha de bonde animal do centro da cidade até a Alfândega Velha em 1903, a inauguração do novo cais estruturado em ferro com piso de madeira em 1906 e a implantação de diversos edifícios que hoje fazem parte do patrimônio edificado da cidade, como o antigo edifício da Alfândega, atualmente sede da Secretaria da Fazenda e do Centro Caixa Cultural. (ALMEIDA, 2015) [img. 51 e 52]
A partir da década de vinte, pouco depois do início das instalações das edificações comerciais, galpões e armazéns, a região mais ao leste foi ganhando atenção também de famílias mais abastadas que passaram a erguer na região suas casas de veraneio, conhecidas como “bangalôs”, que se caracterizam por terem pequenas dimensões, apenas um andar e varanda. A região ganha nesse momento, então, um aspecto diferente do que carregava, tornando-se atraente para o lazer. (ALMEIDA, 2015) Luiz Tadeu Feitosa (1998), em texto para o Jornal O Povo, explica como essa região se tornou uma referência da/para a cidade:
Em 1860 foi iniciada a construção de um paredão no Meireles, e para fixação das areias do Mucuripe, fazer o plantio de gramas nas dunas. Estudos do engenheiro Domingos Sérgio de Sabóia e Silva resultaram na construção de um viaduto na altura da Alfândega, todo de ferro, com piso de madeira, que ficou conhecido como “ponte metálica”. A construção foi iniciada no dia 18 de dezembro de 1902 e sua inauguração se deu em 26 de maio de 1906. Tinha uma escada móvel para acompanhar as marés, onde as pessoas subiam e desciam para embarque e desembarque. Também existiam guindaste para transporte de mercadorias. Tanto as cargas como os passageiros embarcavam em lanchas e botes, indo até o navio. [...] Em 1922 foi reconstruída, desta vez em concreto armado. [...] No governo de Epitácio Pessoa, a ponte foi reconstruída e dado início à construção do porto de Fortaleza, uma nova ponte ligaria a terra firme a uma ilha submersa a 900 metros dali. Chamou-se esta outra ponte de Ponte dos Ingleses, devido ser construída por uma firma inglesa, a Morton Griffths. A outra ponte começou a ser chamada de ponte velha. (FEITOSA, 1998, p. 191 Apud ALMEIDA, p. 111)
É quando surgem maiores indícios da segregação socioespacial naquela região. Quando os pescadores que ali residiam presenciam novas formas de
região. Quando os pescadores que ali residiam presenciam novas formas de ocupação e passam a sentir-se deslocados dentro desse novo contexto elitizado. Para além, não sendo vistos como parte interessada nessas mudanças e como possuidores do direito de estarem ocupando aquele espaço, são expulsos para outras partes da cidade na busca do enobrecimento do bairro.
Porém, mesmo passando a ser vista como uma área com potencial para lazer e até mesmo moradia, a partir da década de 30 o interesse econômico na Praia de Iracema foi se perdendo diante de novas propostas para a cidade, como explica Almeida (2015):
Apesar do aumento do interesse para lazer e moradia, o interesse econômico reduz-se a partir do final da década de 1930, durante as discussões sobre a necessidade de um novo porto para a cidade. As atividades portuárias e aduaneiras existentes deslocam-se pouco a pouco para o extremo leste da orla, onde se iniciam as obras do Porto do Mucuripe no início da década de 1940. Além do início da desativação da principal atividade econômica da região para a enseada do Mucuripe, as obras do novo porto também geram grande impacto ambiental na região. A faixa de praia é reduzida pelo avanço das marés, destruindo parte das edificações existentes. (ALMEIDA, p.114)
Solange
Schramm,socióloga, arquiteta e urbanista, explica:
Na década de 1940, as obras do novo porto, na enseada do Mucuripe, provocaram o avanço das marés e da destruição da faixa litorânea do bairro Praia de Iracema [...]. Diversos armazéns e casas comerciais foram abandonados e a maioria dos galpões passou a ser ocupada por famílias de baixa renda ou se manteve fechada em processo de deterioração. No entorno do ramal ferroviário existente, nas proximidades da Ponte Metálica, formou-se a favela do Poço da Draga, constituída principalmente por famílias de pescadores. Permanecem alguns bares e casas de prostituição, frequentados por boêmios e, posteriormente, por intelectuais e artistas, com destaque para o bar-restaurante Estoril, antiga residência de veraneio transformada em cassino de oficiais americanos durante a Segunda Guerra Mundial. (SCHRAMM, 2001, Apud ALMEIDA, p. 115)
53. Poço da Draga em 1937.
Fonte: Fortaleza Nobre.
Diante do que é dito por Schramm é possível compreender, então, como se deu a volta da ocupação da área por parte de famílias de pescadores e de outros grupos menos abastados na década de 40, no ramal ferroviário do Poço da Draga, que viram no afastamento dos mais ricos a oportunidade de ocupar edificações que foram deixadas à mercê do processo gradativo de deterioração. [img. 53]
54. Praia de Iracema e Praia Formosa em 1940.
Fonte: André Almeida.
Como constata Almeida (2015) na descrição de uma fotografia da década de 1940, a área passou, então, a ser habitada, principalmente, por pescadores. [img. 54]
Pela foto aérea da década de 1940, constatamos a existência de pequenas manchas escuras. Trata-se, possivelmente, de embarcações de pescadores na Praia Formosa, como relata a antiga moradora. Enquanto nas áreas próximas à praia, seguindo na direção leste, a ocupação é de clubes e dos primeiros hotéis da orla, as edificações abandonadas e os espaços livres na área mais a oeste do bairro, próximas à Ponte Metálica e à Ponte dos Ingleses (inacabada), atrairão, nas décadas seguintes uma população de mais baixa renda, na sua maioria, migrantes que constituirão comunidades de pescadores. (ALMEIDA, p.114)
Nas próximas décadas a Praia de Iracema passa por um longo e profundo processo de decadência socioeconômica. Nas décadas de 1950 e 1960, o bairro foi marcado pela ocupação popular no Poço da Draga (comunidade local), enquanto as classes mais abastadas e os serviços que a elas atendiam iam para o lado leste do bairro, e pelos impactos ambientais causados pelas obras do Porto do Mucuripe (visto por autoridades como essencial para o desenvolvimento econômico de todo o estado), além da grande explosão demográfica causada pela migração intensa do campo para a cidade.
Pelos dados demográficos de Fortaleza entre 1950 e 1960, podemos ver que sua população Praia Formosa Poço da Draga quase dobra, atingindo uma taxa de crescimento que chega a 90,5%. A população da cidade passa de 270.169 habitantes para 514.813. Na década seguinte, a taxa mantém-se elevada (66,6%), atingindo-se a marca de 857.980 habitantes em 1970. (ALMEIDA, p.116)
Esse crescimento, como explica Almeida (2015), manifestou-se em paralelo com a escassez de ofertas de vagas de emprego na capital, fazendo com que
vezes precisando se submeter à atividades em condições precárias com salários consideravelmente menores do que o necessário para o custo de vida básico local.
A década de 1970, por sua vez, com a marginalização gradativa da região e o afastamento da atenção do poder público, é marcada pelo processo de favelização das comunidades locais. Para ilustrar, Scrhamm (2002 Apud ALMEIDA, 2015) reapresenta uma matéria do Jornal O Povo, do anos de 1978, que descreve a região onde está instalada a comunidade do Poço da Draga:
[...] a área é suja frequentemente, as condições de vida dos moradores é (sic) a pior possível [...] Alguns passam dias e dias [no mar] e o apurado não dá sequer para a alimentação da família. Vender? Só quando sobra. [...] e assim mulheres consertam as velas que chegam rasgadas. Meninos e cachorros (como tem) brincam no pano branco, de muitos remendos. O cheiro de peixe está no ar, está no estômago, na vida de todos eles. (SCHRAMM, 2002, p. 94 Apud ALMEIDA, p.119
Já na década de 1980 a Praia de Iracema recebe atenção como potencial espaço para a instalação de bares e restaurantes. Ao longo do tempo houveram diversas tentativas de remoção da população em prol de uma perspectiva de reestruturação e elitização da região, mas apenas a partir desse período há registro da efetivação da remoção de parte da vila dos moradores para outra área da cidade.
De acordo com Almeida (2015), “essa época coincide com o período em que os moradores do Poço da Draga iniciam sua organização comunitária”.
A comunidade passa a reivindicar melhores condições de vida, diante das condições de extrema precariedade urbana a que estão obrigados a viver, mas também seu direito de permanecer no bairro, diante da primeira concretização das intenções de remoção a que se tem registro. (ALMEIDA, p.121)
Na década de 1990, ganham força os projetos de requalificação urbana e, com eles, as ameaças de remoção das comunidades, como relata Almeida (2015):
55.
A partir da década de 1990, intensificam-se as ameaças de remoção das comunidades localizadas na Praia de Iracema, em virtude das intenções de execução de projetos destinados aos “projetos de requalificação”. Dentre esses, podemos citar a reforma do restaurante histórico Estoril, espaço boêmio durante a II Guerra Mundial, em virtude da presença de forças militares americanas, e a construção de um calçadão na orla da praia, retomando a área para o lazer turístico, induzindo o uso das edificações privadas a esse fim. Para viabilização de tais projetos, a prefeitura chega a alterar a própria legislação municipal, pondo em risco não apenas as favelas, mas também as edificações históricas existentes. (ALMEIDA, p.122)
Referência turística do bairro e de toda a cidade, o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura é outro projeto desse período. [img. 55]
Aberto ao público em 1998, o CDMAC converteu-se em um importante marco turístico da cidade. Em se conhecendo os usos do entorno, predominantemente gastronômico e de lazer, os possíveis incentivos à reforma e adaptação dos imóveis de entorno para atividades culturais, como era o conceito original do projeto, não obtiveram sucesso. O mesmo podemos falar das políticas de integração social da população do entorno. (ALMEIDA, p.123)
A primeira década do século XXI é marcada por diversos outros projetos, efetivados ou não, para a Praia de Iracema, como equipamentos de lazer e edifícios culturais. Por exemplo, o Centro Multifuncional de Eventos e Feiras do Ceará, no local onde hoje se encontra o Poço da Draga. Infelizmente, é notável como muitos desses projetos, mesmo quando finalizados, acabam por não dialogar com a população e suas vivências e se perder entre uma boa intenção e o fracasso pela escassez de políticas públicas e atividades complementares a eles.
É importante ressaltar, também, que os investimentos feitos na região nesses últimos anos não vêm apenas do interesse público, mas do privado, que passa a ver no bairro potencial para o mercado imobiliário após a região centroleste da cidade se mostrar em seu limite em se tratando do crescimento da zona residencial desde 1999. Potencial que se explica em aspectos como a proximidade do local com áreas de lazer e com a orla, e como a presença de infraestrutura e serviços públicos. (ALMEIDA, 2015)
A Praia de Iracema é, então, diante de tudo que foi dito e desde muito tempo, extremamente relevante para Fortaleza e o seu desenvolvimento econômico. Em seus bons e maus momentos o bairro se apresentou multiplamente funcional e diversas atividades encontraram espaço para se manifestar em seu território.
Hoje, região turística, pouco se vê dos pescadores que um dia eram predominantes na região, mas todas as transformações e reestruturações que ocorreram no local o tornaram o marco socioespacial que ele é nos dias atuais para a capital cearense.
DINÂMICAS URBANAS: ESPAÇO, CULTURA E SOCIABILIDADES
Demorou-se certo tempo para que a geografia entendesse como parte da compreensão do espaço a sua dimensão cultural, para compreender a influência que as condições naturais têm sobre o homem e a maneira como o homem pode moldar essas condições.
Isolda Machado Evangelista (2013), mestra em Políticas Públicas de Turismo e doutora em Geografia, explica:
No final do século XIX até a metade do século XX, ainda de acordo com Claval (1997), delineia-se uma proposta de uma nova teoria de diferenciação regional de Terra. Essa proposta pauta-se na crença de que a associação dos aspectos naturais aos artefatos comuns, em determinados espaços, advém das forças naturais e da ação do homem. São exemplos dessa associação as regiões históricas, turísticas, industriais, agrícolas etc. A Geografia alemã, pela primeira vez, introduziu o termo cultura, quando Friedrich Ratzel publicou, em 1882, seu principal livro, denominado Antropogeografia - fundamentos da aplicação da Geografia à História. Pode-se dizer que essa obra funda a Geografia Humana. (EVANGELISTA, 2013, p.80)
A geografia humana se preocupa, então, com a relação homem-natureza e compreende que o homem sofre influência do meio na mesma medida que o transforma, sendo esse meio, então, palco para diversas dinâmicas humanas. É o que se pode chamar, também, de Geografia Cultural.
A Geografia Cultural tem como objetivo “entender a experiência dos homens no meio ambiente e social”. Nesta abordagem, a cultura é valorizada, o espaço é tratado como local das experiências, das representações, do espaço vivido, com significados. Nesta corrente, a vivência é valorizada, busca-se compreender como as pessoas criam o significado de lugar. Essa “abordagem cultural integra as representações mentais e as reações subjetivas no campo da pesquisa geográfica”. (EVANGELISTA, p.84)
A Praia de Iracema, ainda que tenha passado por diversas intervenções e transformações ao longo do tempo, segue sendo referência não apenas por sua conjuntura atual, mas por tudo aquilo que simbolizou ao longo de tantas décadas. Sua história faz parte da memória coletiva mesmo daqueles que apenas ouviram falar, pois são demasiadamente jovens para terem
presenciado. Essa memória pretérita está diretamente ligada a visão que as pessoas têm da região nos dias atuais.
Essa história é, em certo ponto, relembrada até mesmo quando se fala de planejamento e requalificação do espaço urbano, de forma a justificar intervenções, como explica Evangelista (2013):
É visível, nos vários projetos de requalificação da Praia de Iracema, a utilização da memória para justificar as transformações realizadas nesse espaço. Esses projetos invocaram e continuam invocando as tradições, como forma de legitimar o bairro como locus do turismo e do lazer. As políticas públicas, mediante seu planejamento urbano e suas intervenções urbanísticas, aliadas ao setor privado, buscam cristalizar a imagem da Praia de Iracema como sendo ainda um bairro de tradição bucólica, boêmia e cultural. Tal postura deve-se ao fato de que há interesse político e econômico em garantir que a população local mantenha essas representações no seu imaginário, sobretudo para assegurar esse diferencial cultural da cidade de Fortaleza como atrativo turístico. (EVANGELISTA, p.84)
Essa preocupação se manifesta no fenômeno que se pode chamar, então, de comercialização — através do turismo e do lazer — da cultura. Observar esse aspecto é extremamente importante para a compreensão das dinâmicas e transformações pelas quais passou e ainda passa o bairro por ser um símbolo cultural e turístico, repleto de tradição e referências memoráveis, que se tornou uma espécie de mercadoria por meio da comercialização do patrimônio cultural.
As políticas públicas buscam, então, em suas ações no meio urbano, manter no imaginário da população a vivência da Praia de Iracema como boêmia e cultural, muitas vezes tentando nublar da memória das pessoas até mesmo os momentos de degradação da região, para que não seja manchada sua imagem.
Evangelista (2013) pontua:
No decorrer das transformações do espaço da Praia de Iracema, verifica-se uma relação dinâmica entre os fatores sociais e
econômicos impactando o universo cultural do lugar. Portanto, analisar os significados que o homem dá ao seu meio ambiente, a ação da sociedade sobre o espaço, torna-se uma necessidade quando se investigam as origens e as consequências dos novos usos e apropriações do espaço. (EVANGELISTA, p.87)
É possível compreender, desse modo, que o espaço social da Praia de Iracema foi produzido em muito por meio das memórias, símbolos e referências — boas ou ruins — que habitam até hoje o imaginário popular; e que essas memórias, símbolos e referências surgem e se manifestam através das práticas.
Considere-se como exemplo o uso social dos corpos pelas “jovens nativas” no espaço da Praia de Iracema, o que desperta sentimentos relacionados a valores morais, pertença, xenofobia, discriminação. Em vários relatos, ficou evidente que os comerciantes do bairro, de maneira geral, associam a presença de estrangeiros nos espaços públicos àquelas jovens nativas de pele “morena”, normalmente originárias de famílias pobres, e com baixa escolaridade. Isso contribuiu para a consolidação da imagem de espaço urbano degradado. (EVANGELISTA, p.88)
Evangelista (2013) ainda relata a espécie de disputa que acontece no espaço urbano do bairro, quando antigos e novos moradores/frequentadores, ou mesmo moradores e visitantes, se apropriam de maneira distinta da região e suas formas de apropriação acabam por ser conflitantes. É citada a maneira — às vezes — tensa como coexistem moradores e turistas, por exemplo. O segundo grupo, apropriando-se do espaço de maneira mais boêmia, acaba por afastar dos espaços e serviços coletivos a população local que está em busca de atividades em família.
Um outro aspecto resultante da degradação dessa região, e de seu caráter turístico, é a presença de grupos marginalizados que se sentem atraídos pela movimentação dos turistas; como pessoas em situação de rua, que muitas vezes prestam serviços não regulamentados de limpeza e proteção de veículos estacionados na rua, e ambulantes.
Essas peculiaridades das práticas cotidianas da Praia de Iracema e a maneira com elas moldam sua identidade são reafirmadas por Evangelista (2013)
quando ela fala sobre os lugares e suas individualidades.
Os lugares devem ser tratados em sua individualidade, em suas diferenciações e singularidades, visto que o lugar, como espaço vivido e também como uma construção socioespacial, resulta de mudanças culturais, sociais, econômicas e políticas. O lugar é um sistema de relações, objetivo e subjetivo, real e simbólico, e no espaço da Praia de Iracema pode-se perceber nitidamente a dialética entre o antigo e o novo, o tradicional e o moderno. (EVANGELISTA, p.90)
Evangelista (2013) ainda complementa sobre o conceito de lugar dentro da compreensão da Geografia Humanista:
Para a Geografia Humanista, o lugar é associado apenas ao espaço vivido. Essa corrente encontrou no lugar a possibilidade de compreender a forma como o mundo é construído, pois é aí que acontecem as experiências e as percepções do homem. Na abordagem humanista, de acordo com Buttimer (1982), o lugar é um conceito importante, cujas bases metodológicas estão ligadas à fenomenologia e ao existencialismo, onde o homem e seu meio dialogam por meio da percepção, dos símbolos, do pensamento e da ação. O lugar e o espaço são distintos, segundo Tuan (1983), visto que o espaço pode transformar-se em lugar, basta que a ele sejam atribuídos valor e significado. No entanto, o lugar somente pode ser entendido se for experienciado. Para o autor (1983), o lugar é determinado pela percepção, experiência e valores. (EVANGELISTA, p.91)
Esse lugar, no caso a Praia de Iracema, ainda que tenha passado por mudanças, tem em sua identidade os símbolos e referências do passado, evidenciando que a história segue influenciando nas práticas cotidianas atuais e que é a relação espaço-tempo que constrói o, já citado, sentimento de lugar.
Esses simbolismos podem ser elaborados até mesmo pelo poder público e é o que acontece na região. Foram realizadas diversas atividades e instalações de equipamentos com o intuito de criar novos significados para o bairro, ainda que esses significados se manifestem através da transformação de referências culturais históricas em bens de consumo. Felizmente, o bairro e o seu passado estão enraizados e protegidos no imaginário coletivo.
Apesar da ocorrência das profundas transformações no perfil socioeconômico, físico e espacial, em curso na Praia de Iracema, há mais de duas décadas, e das inúmeras tentativas de se institucionalizar uma memória mais adequada para a fruição turistificada do lugar, percebe-se que ainda reside fortemente na memória da população referências do antigo bairro, com suas históricas representações sociais: boêmio, cultural, romântico, histórico. (EVANGELISTA, p.94)
A Praia de Iracema, diante dessas transformações — e ainda que seja um dos poucos bairros onde edifícios antigos são consideravelmente valorizados na cidade de Fortaleza, se afastou de seu aspecto residencial e boêmio e acabou por se tornar o polo de lazer e turismo que se conhece hoje. O que se busca é o equilíbrio entre a modernidade e suas práticas e o fortalecimento da identidade local, principalmente aquela que traz resquícios do passado.
Não deve ser esquecido, porém, que, mesmo quando se fala do aspecto residencial do bairro, houveram profundas mudanças. A orla, outrora espaço de famílias de pescadores e relações mais intimistas, hoje está adaptada às novas configurações do habitar e em meio a um grande processo de verticalização.
A partir dos anos 1970, as políticas públicas deram início a um programa de requalificação que respalda a intervenção privada. Então teve início a construção de hotéis, pousadas, restaurantes, barracas e estações balneárias, bem como loteamentos e arranhacéus, determinadores da verticalização da zona leste de Fortaleza, com o governo impulsionando obras de infraestrutura e oferecendo subsídios a novos empreendimentos turísticos. (EVANGELISTA, p.98)
Esse processo de verticalização traz novos simbolismos — prestígio e poder — para o espaço do bairro e, mais especificamente, para os moradores desses empreendimentos, e não é algo exclusivo da cidade de Fortaleza, sendo bastante comum em outras cidades modernas. Traz também novos sentimentos para a vivência urbana, uma vez que edifícios muito altos, que em sua grande parte apresentam fachadas inativas, contribuem para espaços públicos pouco atrativos e muito inseguros.
A falta de escala humana, a falta de comunicação entre edificação e rua, e a segregação socioespacial que se manifesta com a existência de projetos como esses são decisivos para uma percepção menos agradável do espaço da cidade.
O planejamento urbano, sempre voltado para projetos que buscam atender a apenas uma das demandas da população frequentadora do bairro — a turística, não consegue compreender as necessidades locais e criar espaços que acrescentem vida, saúde e segurança à dinâmica urbana.
Tendo, então, sua forma e função alteradas, a Praia de Iracema teve transformadas, também, as relações interpessoais que acontecem dentro do seu território. Um espaço que antes era caracterizado por uma dinâmica comunitária e familiar, e de relações próximas, tornou-se um espaço de conflito entre diversos grupos sociais que não conseguem coexistir tão naturalmente dentro desse território.
Diante de tudo isso, é curioso observar que a pluralidade do bairro aparece em todos os seus aspectos e dinâmicas. Em suas edificações, formas, funções, apropriações e até mesmo na maneira como todas essas coisas tocam os seus frequentadores, fazendo da Praia de Iracema o lugar difícil de definir e para além da contradição.
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De acordo com o Censo Demográfico de 2010, produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e com estudos e dados de 2020 do Sistema de Monitoramento Diário de Agravos (SIMDA), da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza, a Praia de Iracema é um dos bairros menos populosos da cidade de Fortaleza.
As informações publicadas pelo IBGE apontam uma população de 3130 habitantes, enquanto o SIMDA, com dados mais atualizados, identifica em sua totalidade uma população formada por 3431 habitantes. Levando em consideração que o SIMDA utiliza a demarcação apontada pelo IBGE, temse uma taxa de crescimento populacional de cerca de 9,61% em 10 anos.
Dentro desse grupo, 1856 pessoas são do gênero feminino, o que representa cerca de 54% dos moradores, e 1575 são do gênero masculino, representando 46% da população. Estão 2194 pessoas na faixa etária entre 19 a 59 anos, cerca de 63% do grupo, evidenciando uma vivência mais jovem-adulta da região. Dentro de 0 a 18 anos, por exemplo, estão apenas 657 pessoas (19,14%), enquanto o grupo 60+, por sua vez, é formado por 580 pessoas (16,90%).
O bairro Meireles, por sua vez, seu vizinho que é bem mais populoso, do seu total de 40517 moradores, tem 7046 pessoas dentro da faixa etária de 0 a 18 anos (17,39%), 26215 dentro do grupo de 19 a 59 anos (64,70%) e 7256 na faixa etária de 60+ (17,90%).
Já o bairro Lourdes, que tem população semelhante a Praia de Iracema, 3693 moradores, apresenta 946 pessoas (25,61%) no grupo de 0 a 18 anos, 2378 pessoas (64,39%) na faixa etária de 19 a 59 anos e 369 pessoas (9,99%) com 60 anos ou mais.
Os dados da Praia de Iracema e dos dois bairros citados em comparativo conversam com os dados gerais da cidade de Fortaleza que, de acordo com o IBGE de 2010, apontam que 58,6% da população da capital está dentro da faixa etária de 19 a 59 anos.
Essa vivência jovem-adulta já citada e que se reflete nos dados da Praia de Iracema, então, é possível observar ao caminhar pelas ruas do bairro, ao observar quem pratica atividade física na orla, quem está nos restaurantes
3.3 quem faz a praia de iracema?
ou quem está mesmo aproveitando a praia, e acaba por reafirmar esse aspecto boêmio que tem a região, no sentido de ser palco para um estilo de vida mais alegre, simples e despreocupado, oferecendo serviços e atividades para esses fins.
Como já mostrado através do relato de sua história, o bairro já passou por diversos momentos de degradação, oscilando entre períodos onde era bucólico e/ou considerado sem valor para famílias mais abastadas, quando se concentraram ali as famílias de pescadores e de pessoas com menor poder aquisitivo, e períodos de repentina valorização, onde grupos elitizados passavam a ver potencial social e de lazer em sua área.
O bairro tem, com base nos dados do Censo Demográfico realizado no ano de 2010, o sétimo melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da capital cearense. Em uma escala de 0 a 1, quando mais próximo de 0 pior é o grau de desenvolvimento e mais próximo de 1 melhor é ele, a Praia de Iracema tem o índice 0,720062247.
Esse valor se encontra bastante acima do IDH mais baixo da cidade, o do bairro Conjunto Palmeiras que é 0,119471077, mas está consideravelmente abaixo do IDH do bairro Meireles — seu vizinho, o mais alto da capital (0,953077045). Esse índice, claro, reflete alguns dados importantes sobre a região, como, por exemplo, o nível de escolaridade e a renda média mensal dos seus moradores.
Infelizmente, sendo sendo esses dados obtidos a partir de uma análise e média geral do bairro, não é possível compreender apenas através de sua análise que coexistem ali, com pessoas e famílias em boas condições financeiras, grupos abastados e pessoas vivendo completamente à margem de direitos básicos de infraestrutura como saúde, educação, rede de água e esgoto, e até mesmo renda; mostrando que a região não pode ser considerada homogênea e que dentro de sua configuração existem espaços que não condizem com a visão que se tem do bairro através dos seus índices.
De acordo com o Atlas de Assentamentos Precários de Fortaleza de Fevereiro de 2016, do Instituto de Planejamento de Fortaleza (IPLANFOR), e, mais precisamente, com o Mapa - Assentamentos Precários de Fortaleza, a Praia
56. Jovem morador do Poço da Draga. Fonte: Diário do Nordeste.
57. Poço da draga. Fonte: Siara News.
58. Jovem pulando Ponte Velha do Poço da Draga. Fonte: Jornal O Povo.
de Iracema tem dois assentamentos precários em seu território, Japão e Come Burra — ainda que em parte do documento eles sejam identificados, respectivamente, como inseridos nos bairros Meireles e Papicu, no mapa citado estão dentro do perímetro da Praia de Iracema.
É importante ressaltar, porém, que a comunidade Poço da Draga, colocada pelo município como parte do território do Centro de Fortaleza, se reconhece, na verdade, como parte da história e da vivência da Praia de Iracema e, por isso, neste trabalho, será considerada como tal.
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A comunidade do Poço da Draga, uma das maiores da cidade, com mais de 25.000 m² e mais de 1.000 habitantes, vive no ponto da orla que divide a costa da cidade entre leste e oeste, situando-se entre o Centro Histórico e a Praia de Iracema. Essa localização dá aos moradores acesso a diversos serviços, atividades culturais e de lazer, além de diversas oportunidades econômicas. [img. 56 - 58]
É ocupada por edificações do tipo residencial (uni e multifamiliar), predominantemente de médio e alto padrão, comercial e de serviços, voltadas principalmente ao lazer e ao turismo. São observados também núcleos habitacionais populares, edifícios abandonados, em estado de degradação e a indústria naval, resquícios da atividade portuária que deu início à ocupação da região. (ALMEIDA, 2015, p.152)
Estar próxima dessas oportunidades, bens e serviços, porém, não facilita à comunidade uma imersão mais profunda na vida cotidiana, em se tratando de políticas de sociabilidade, integração e acesso à infraestrutura urbana básica, como já citado, fazendo com que ela esteja muitas vezes à margem da vivência saudável do bairro e sofrendo com um apagamento gerado pelas tentativas do poder público de disfarçar sua presença no território pela qual se tem tanto interesse turístico e econômico.
Amanda Máximo Alexandrino Nogueira (2019), em sua dissertação apresentada ao Programa de Pós–Graduação em Arquitetura, Urbanismo e Design, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo, citando Schramm (2001) conta que:
A chegada do tráfico de drogas e o aumento da violência no Poço da Draga coincidem com as tentativas de revitalização urbana na Praia de Iracema, articuladas à promoção do turismo pelo poder público e pelo capital privado, nos meados da década de 1980 e início da década de 1990. Encravada na Praia de Iracema, a comunidade foi testemunha da crescente implantação de bares, restaurantes e casas noturnas na sua vizinhança, sem que essas transformações trouxessem benefícios concretos para a população local. (SCHRAMM, 2001 Apud NOGUEIRA 2019, p.171)
Essas mudanças e alguns dos problemas, também citados anteriormente, que vieram com elas, como a especulação imobiliária e o aumento da prostituição, mexeram diretamente com as relações de sociabilidade e cotidianas entre a comunidade e as pessoas que vivem nas outras áreas do bairro. Há até mesmo uma conhecida divisão entre os moradores das “ruas principais” e do “Pocinho”, como explica Nogueira (2019) referenciando Gomes (2019):
Atualmente, as crianças são ensinadas desde cedo a não andar ‘‘por lá’’, nas ruas ‘‘lá de dentro’’ e mesmo entre os moradores adultos a ida ao ‘‘Pocinho’’ só é motivada em raríssimos casos. Nesse sentido, comumente, a referência geográfica ‘‘lá’’ se contrapõe ao ‘‘cá’’, como estratégia para distinguir os microterritórios e legitimar a distinção social entre ‘‘nós’’ e ‘‘eles’’, deslocando, assim, os estigmas da violência e da precariedade para outros sujeitos. (GOMES, 2019 Apud NOGUEIRA, p.171)
Essa distinção mostra como a população da comunidade em questão precisa lutar por sua existência dentro daquele espaço e, mesmo que os outros dois assentamentos citados não tenham tanto reconhecimento (talvez até mesmo por não terem a mesma dimensão espacial) e, assim, tanta informação acerca de suas dinâmicas internas e sua relação com as demais áreas do bairro, não é difícil presumir que passam por questões semelhantes.
Uma forma de perceber essa heterogeneidade é através da distribuição de renda, que está diretamente ligada ao acesso que a população tem à bens e serviços. A Praia de Iracema, de acordo com o Informe Nº 42 de outubro de 2012, que fala acerca da Distribuição Espacial da Renda Pessoal da cidade de Fortaleza, produzido pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE), está na décima posição dos bairros mais ricos da capital, apresentando renda média mensal
de R$ 1903,17, valor consideravelmente elevado e que equivalia a cerca de três salários mínimos da época, que era R$ 622,00. O Guajeru, bairro identificado como mais pobre, por sua vez, colocado aqui em comparação, tinha no mesmo período renda média mensal de apenas R$ 612,34.
De acordo com o Atlas de Assentamentos Precários de Fortaleza (2016), a renda média mensal do chefe de família no Poço da Draga é de 2 a 3 salários mínimos, o que pode ser considerado baixa renda, mas não miséria, e sobre os assentamentos Japão e Come Burra não há essa informação.
Almeida (2015) explica que a infraestrutura urbana, porém, segue sendo uma das principais precariedades da comunidade. Ele cita o depoimento de uma moradora dado à Feitosa (1998 Apud Almeida, 2015) em 1994:
A vida aqui melhorou, meu filho. Hoje nós temos essa beleza toda aí. [referência aos hotéis e aos calçadões da praia]. [...] Hoje tá tudo mais bonito e melhor, né?. (FEITOSA, 1998 Apud ALMEIDA, 2015, p.176)
Almeida (2015) ainda acrescenta:
Segundo os moradores, pouco se conseguiu dos poderes públicos, e muito da comunidade. Estes percebem o desenvolvimento à sua volta, resultado dos investimentos públicos voltados ao turismo, mas não veem rebatimento na comunidade. Esta aproveita a localização na cidade e a “requalificação urbana” promovida pelo poder público e busca, por meio de iniciativas coletivas das associações comunitárias, das ONGs e das parcerias sociais e acadêmicas, se capacitar e assim conquistar as oportunidades de trabalho ou de geração de renda, formal e informal, existentes nas proximidades. (ALMEIDA, p.176)
Como mostra o Atlas de Assentamentos Precários de Fortaleza (2016), a comunidade do Poço da Draga não apresenta sistema de esgotamento sanitário e não apresenta em seu território, ou mesmo no entorno, equipamento cultural ou posto policial.
O assentamento precário Japão, de área total de 5.168 m² e população de 255 habitantes, não apresenta informações sobre renda média mensal, e, assim
como o Poço da Draga, não tem em seu território ou entorno a presença de equipamento cultural ou posto policial. Algo que se repete no assentamento Come Burra, de 10.013 m² de área total e 365 habitantes.
Todos apresentam, no entanto, equipamentos educacionais, postos de saúde, centros comunitários e esportivos, conquistas que pouco vieram da iniciativa pública e muito da iniciativa e do esforço das comunidades, mesmo frente ao progresso econômico vivenciado pela cidade nas últimas décadas. O progresso não chegou diretamente a essas pessoas e elas tiveram que encontrar sua maneira de aproveitar as novas oportunidades. Esse progresso não veio, então, para combater a segregação socioespacial que sofre a área, mas voltado para interesses particulares, sendo impossível, assim, não questionar a sua definição. Almeida (2015) aponta:
Mesmo diante do progresso econômico que Fortaleza vivenciou nas últimas décadas, em especial da grande concentração de investimentos na própria área da Praia de Iracema, e das melhorias pontuais que a comunidade promove para si mesma, o enfrentamento do processo de segregação social é difícil. Em outras palavras, o “desenvolvimento” promovido pelo poder público na área não é usufruído pelos moradores da comunidade. Esse fato nos leva a ver como continuamente a cidade é o pano de fundo para a estruturação apenas das atividades econômicas, firmemente embasadas pela atuação política, cujos resultados são direcionados às classes sociais mais altas. (ALMEIDA, p.179)
Através dessas informações é possível, então, observar e entender melhor a maneira conflituosa como esses diferentes grupos coexistem e compreender melhor também a construção do território da Praia de Iracema que se conhece hoje, caracterizada por políticas públicas questionáveis, conflitos cotidianos e um valor histórico forte e resistente.
A identidade da Praia de Iracema está diretamente conectada a todos que fazem parte de sua história, antiga e recente, à maneira como eles socializam e às possibilidades que lhes foram oferecidas. Sua história, que está intrinsecamente ligada à história da capital cearense, é marcada por diversas formas de uso e ocupação, por transformações culturais e econômicas e, até mesmo, por um processo de segregação socioespacial responsável por tornar essa região o que ela é hoje.
Espaço de troca e de conflitos, de vivências que carregam história e daquelas que vieram junto da modernidade, de gente que foi feito dessa terra e de gente que vem cheio de vontade de conhecer um pouco mais dela, de gente jovem e cheia de vida preenchendo as ruas e dos senhores e senhoras que sentam na calçada cheios de memória, de casebres simples que resistiram ao passar do tempo e de arranha-céus que apontam para um futuro questionável, de quem tem um teto com vista pro mar e de quem tem vista pro mar, mas não um teto. A Praia de Iracema é, então, diante de tudo explorado até aqui neste trabalho: povo, história e cultura. Por isso foi escolhida para receber de maneira conceitual o projeto Cordel: Centro de Tradições Cearenses, espaço de integração, memória e coletividade.
CONTEXTO URBANO 4
Éimprescindível para o presente trabalho avaliar e compreender o que caracterizada o contexto urbano e social que da Praia de Iracema, e é muito importante compreender, então, quais as limitações legislativas que a região oferece, quais suas principais demandas e as ferramentas projetuais seriam mais indicadas para acrescentar à vivência da região.
04. Mapa de localização da área de intervenção no contexto da cidade de Fortaleza. Desenvolvido pela autora.
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4.1
05. Mapa de uso e ocupação do solo no entorno da área de intervenção. Desenvolvido pela autora.
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área de intervenção
No presente trabalho, o esvaziamento da memória coletiva que acontece por meio do apagamento histórico que vem sofrendo o espaço material e imaterial da cidade de Fortaleza é ponto de partida para a criação de um espaço edificado que possa incentivar a proteção e valorização de expressões artísticas populares, o sentimento de coletividade e a troca de conhecimentos tradicionais.
Por se tratar de uma escola de ensino voltada para arte e cultura (e pela legislação um tanto quanto limitante à projetos de maior porte), escolheuse quatro terrenos vazios e/ou subutilizados inseridos mais ao centro do bairro, dois deles localizados na Avenida Historiador Raimundo Girão. Por nenhum dos terrenos ter conexão entre si, estando todos separados pelas duas vias locais, as ruas Historiador Guarino Alves e Tigipió, não seria possível fazer a unificação de matrícula de todos eles, abrindo margem para uma intervenção urbana ao tornar trechos dessas duas vias parte do projeto.
Esses terrenos que um dia foram vilas militares históricas e hoje são propriedade de uma empresa imobiliária estão sem qualquer utilização, evidentemente, então, não cumprem sua função social, que é, de acordo com o Artigo 5° da Constituição Federal de 1988, quando uma propriedade, urbana ou rural, está de acordo com os objetivos de uma sociedade, atendendo aos interesses desse coletivo e não apenas o de seu proprietário. Inserir naquele espaço uma escola de disseminação da cultura cearense é não só devolver àquela parcela do território uma função social, acrescentandolhe vida, mas oferecer ao território da Praia de Iracema um equipamento de bastante relevância para a manutenção de sua identidade local.
Ainda que o bairro apresente diversos tipos de uso e ocupação do solo, existem muitos terrenos vazios e subutilizados em seu território, além de algumas edificações antigas que também assim se encontram. Dando função e uso aos quatro terrenos já citados, como é a proposta, parte dessa demanda seria atendida.
Um outro aspecto relevante do entorno da área de intervenção é que a diversidade que aparece nas formas de uso e ocupação é predominante nas quadras mais próximas da orla da praia, mais ao norte, deixando para a região mais central e sul do bairro um aspecto mais residencial. É notável,
edificações curvas de nível terrenos vazios à serem apropriados imagem de satélite da região
avenida historiador raimundo girão rua tigipió rua historiador guarino alves rua vinte e três de outubro
A B C D
então, a escassez de espaços de fachadas ativas, de equipamentos de lazer e até de praças e espaços públicos em geral, além de áreas verdes.
O recorte apresentado, escolhido por ser bastante fiel às demais áreas do bairro, mostra apenas duas praças e elas estão próximas da praia, deixando clara essa configuração que concentra na orla as atividades de lazer do bairro, fazendo com que o deslocamento de habitantes mais do centro e sul do bairro seja mais longo, mesmo que o bairro em questão tenha um território pequeno.
Um agravante para essa realidade aparece quando se pensa em sistema viário e mobilidade urbana. A Praia de Iracema, de acordo com a classificação viária da Lei de Uso e Ocupação do Solo (2017), abrange duas tipologias viárias, a arterial tipo I e a arterial tipo II. Sendo a primeira a Avenida Monsenhor Tabosa e a segunda a Avenida Historiador Raimundo Girão.
A Avenida Monsenhor Tabosa é, também, uma via de atividade predominantemente comercial, no entanto, o que há alguns anos era um espaço de fluxo intenso e grande movimentação econômica, com ruas cheias de vida, hoje é repleta de lojas — e fachadas — desativadas, desperdiçando uma infraestrutura que foi completamente requalificada no ano de 2014 e não ignora o bem-estar do pedestre, como poucos espaços da cidade.
Dentro do aspecto da mobilidade, como é possível perceber pela escassez de demarcações no mapa, existem poucos pontos de ônibus (dentro do recorte havia apenas um), poucas estações de bicicleta compartilhada (concentradas mais perto da praia) e linhas de ônibus apenas nas vias principais, como a que está demarcada na Avenida Historiador Raimundo Girão. Não há, então, uma infraestrutura que possibilite um fluxo saudável de transportes alternativos ao veículo automotor privado, fazendo com que os habitantes da parte mais central, por exemplo, precisem fazer grandes locomoções em meio há ciclofaixas que são interrompidas em pontos aleatórios e passeios que pouco oferecem para um caminhar confortável e seguro.
Uma outra escassez notada no bairro é a de equipamentos educacionais, como instituições de ensino fundamental, médio e superior. Logo ao lado do terreno 4 da área de intervenção encontra-se o único colégio de ensino
rua historiador guarino alves rua vinte e três de outubro 4
4 5 6 7 8 9 10 9 10 11 8 7
avenida historiador raimundo girão
vazios residencial hotelaria
praças serv iço
educacional institucional religiosos bens tombados ciclovia linha de ônibus arterial II curvas de nível
fundamental e médio do recorte, uma instituição privada que dificilmente atende a população de menor poder aquisitivo que vive na região, como as crianças e jovens dos assentamentos precários.
Outra questão que merece ser citada, uma vez que patrimônio cultural é um dos principais temas abordados nesta pesquisa, é a que se refere aos bens tombados da região. Sendo uma zona histórica, e como já foi exposto no capítulo anterior, a Praia de Iracema tem diversas edificações antigas em seu território. Infelizmente, muitas delas hoje estão completamente degradadas ou em processo de degradação, encontrando-se esquecidas na paisagem do bairro.
São poucos os casos de edificações ou equipamentos antigos com tombamento definitivo no bairro. No caso, apenas dois. Um deles está inserido dentro da poligonal analisada, o Estoril, sede da Secretaria Municipal de Turismo de Fortaleza (SETFOR). Ele está localizado entre as ruas dos Tabajaras e o calçadão da praia.
Chamado de Vila Morena, o palacete de taipa foi erguido, em 1925, com materiais vindos de diferentes países europeus. Durante a II Segunda Guerra Mundial, o local foi ocupado por soldados americanos. Terminada a Guerra, o lugar passou a ser administrado por portugueses, tornando-se bar e restaurante. No fim da década de 1940, recebeu o nome de Estoril, que permanece até hoje. O equipamento foi reinaugurado em 2012, e, em 2017, passou a sediar a Secretaria Municipal do Turismo de Fortaleza (Setfor). (ANUÁRIO DO CEARÁ, 2021)
Assim como o Estoril, uma forte referência da região é o edifício São Pedro. Não está tombado, mas está dentro do que se pode chamar de processo de tombamento ou tombamento provisório. O que não o impede de sofrer diversas ameaças de demolição ao longo dos últimos anos.
Júlia Duarte, em matéria para o Jornal O Povo (2021), falou sobre o edifício e sua situação atual:
Alto e imponente são algumas das primeiras impressões que se pode ter ao chegar na rua Historiador Raimundo Girão, 293. É quase impossível para quem passa na região não notar o Edifício
São Pedro. O prédio com vista privilegiada da orla da Beira Mar, em Fortaleza, já agradou diversos hóspedes em um luxuoso hotel, mas hoje, a estrutura do edifício é motivo de preocupação para os donos do empreendimento e diversas instâncias da gestão municipal da Capital. Nesta quinta-feira, 19, o processo de tombamento discutido há anos não foi deferido pela Prefeitura e seu futuro ainda é avaliado pelos donos. [...] O saudosismo para sua época de ouro ainda é grande entre os fortalezenses, e não é à toa. Ele foi o primeiro prédio construído da orla. Chamado formalmente Edifício Hotel São Pedro, ou Copacabana Palace cearense, foi fundado em 1951 e é constituído de uma estrutura de concreto armado no formato de navio. (JORNAL O POVO, 2021)
Quando há descaso mesmo com um edifício de tamanho porte e com sabida relevância histórica e cultural, não é difícil compreender — no caso, rememorar — como o poder público trata, então, seus edifícios antigos de menor porte e que pouco protagonismo tiveram nos cenários históricos da cidade e do bairro, como, por exemplo, as pequenas casas de simples moradores. Um perfeito retrato de tudo que já foi dito até aqui sobre a renovação da área e de sua identidade.
06. Mapa de condicionantes físicas e ambientais. Desenvolvido pela autora.
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CONDICIONANTES PROJETUAIS 4.2
Os terrenos escolhidos somam uma área total de 9.193,38 m².
O primeiro terreno (1), localizado entre a avenida Historiador Raimundo Girão e a rua Tijipió, tem 3.175,82 m² de área. O terreno (2) localizado ao lado direito dele tem área total de 2.247,50 m². Já o terceiro terreno (3), localizado ao sul do primeiro, tem área total de 2.871,06 m² e o quarto terreno (4), por sua vez, localizado ao lado direito do terceiro e ao sul do segundo, tem área de 899 m².
Em se tratando das condicionantes ambientais, observa-se que os ventos provenientes do leste e do sudeste, predominantes na capital, sofrem certo prejuízo em seu percurso pela presença de edifícios mais altos no entorno dos terrenos, principalmente na região voltada para essa zona. Em relação à incidência solar, por sua vez, há edificações de alto porte ao leste da edificação, mas duas quadras depois, e nenhuma, no entorno imediato, à oeste, fazendo com que a área de intervenção fique desprovida de proteção solar e sejam necessárias a presença de soluções bioclimáticas voltadas para conforto térmico.
Rosa dos ventos da cidade de Fortaleza. Gerado pela autora através da plataforma EPWVIS.
Carta solar da cidade de Fortaleza. Gerado pela autora através da plataforma 2D Sun Path PD.
5 6 7 8 9 10 11
62,84 m 52,55 m 11,83 m
30,82 m 46,13 m 31,38 m N
17,63 m
vegetação existente - pequeno porte vegetação existente - médio/grande porte imagem de satélite da região
62,48 m 62,20 m 25,22 m
48,97 m 28,12m
39,13 m 49,43 m 25,19 m
61,96 m 32,69 m 69,13 m
A= 899 m² [06]
07. Mapa de Identificação das Zonas por Macrozonas.
Fonte: Lei de Parcelamento, uso e ocupação do solo. (Lei nº 236/2017)
4.3
08. Mapa de Zona de Orla Trecho III.
Fonte: Lei de Parcelamento, uso e ocupação do solo. (Lei nº 236/2017)
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legislação
De acordo com a já citada Lei Complementar n° 236, de 11 de Agosto de 2017, que institui o Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS), a Praia de Iracema está inserida na Macrozona de Ocupação Urbana, mais especificamente no Trecho III da Zona da Orla, que conta com 7 trechos no total, e tem parte do seu território enquadrado em Zonas Especiais, sendo elas a Zona Especial de Preservação do Patrimônio Paisagístico, Histórico e Cultural (ZEPH) e as Zonas Especiais de Interesse Social de Vazios (ZEIS 3).
Essa organização e divisão acontece para que a ocupação dessa região seja feita de maneira diferenciada, seguindo condições específicas, físicas e ambientais, de cada área, além de interesses do Poder Público e de toda a população, sendo necessária a sua aprovação pelo Município. Os terrenos escolhidos estão localizados, então, na Zona de Orla III (ZO III) e nas Zonas Especiais de Interesse Social de Vazios (ZEIS 3), por essa razão a análise feita será acerca dos aspectos e dos parâmetros exigidos para essas áreas. [mapa 02]
ZO III
De acordo com a LPUOS, em seu Capítulo I, Seção II, Art. 7, a Zona de Orla (ZO) “caracteriza-se por ser área contígua à faixa de praia, que por suas características de solo, aspectos paisagísticos, potencialidades turísticas, e sua função na estrutura urbana exige parâmetros urbanísticos específicos” (LPUOS, 2017).
Ainda de acordo com LPUOS, a Zona de Orla Trecho III (ZO III) apresenta duas Subzonas, sendo elas a Subzona 1: Monsenhor Tabosa e a Subzona 2: ZEPH (Zona Especial de Preservação do Patrimônio Paisagístico, Histórico e Cultural) - Interesse Urbanístico. Essa divisão se deu a partir de uma preocupação com a preservação, a revitalização e a renovação da área, incentivando, assim, a manutenção do espaço no que diz respeito ao parcelamento do solo, à volumetria e características das edificações e à relação do espaço edificado com o espaço não edificado; e os usos de aspectos diversos como: habitacional, lazer, cultural e hotelaria. [mapa 03]
Dentro da Subzona 2 ainda existe outra subdivisão de uso e ocupação do
02. Tabela de Parâmetros urbanos de ocupação.
Fonte: Lei de Parcelamento, uso e ocupação do solo. (Lei nº 236/2017)
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solo, os setores 1 e 2. O primeiro, de acordo com o art. 7 da PLUOS, sendo definido como “área destinada à revitalização urbana com incentivo à implantação dos usos Residencial, Cultural, Alimentação e Lazer e Hospedagem” (LPUOS, 2017) e o segundo, de acordo com o inciso segundo, como “área destinada à preservação urbana, envolvendo a manutenção do ambiente, no tocante ao parcelamento do solo, à volumetria e às características das edificações e às relações entre o espaço edificado e o espaço não edificado” (LPUOS, 2017).
Dessa maneira, o que se tem no fim são 3 áreas com diferentes focos dentro do planejamento urbano, cada uma com suas próprias características, parâmetros urbanos de ocupação e funções.
Estando os terrenos escolhidos inseridos na Subzona 1: Monsenhor Tabosa, têm-se, de acordo com o Anexo 4.2 da LPUOS, os parâmetros exibidos abaixo:
Algo que pode ser visto nesses parâmetros, então, é uma possível busca de tentar equilibrar o respeito pela região de orla e por sua identidade, além da sua importância para o conforto térmico de demais áreas da cidade, e uma proposta de adensamento urbano, que pode, muitas vezes, dinamizar a utilização do espaço da cidade, tornando-o mais acessível para uma quantidade maior de pessoas.
ZEIS
Segundo a LPUOS, em seu Capítulo I, Seção III, Art. 8, as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) “são porções do território, de propriedade pública ou privada, destinadas prioritariamente à promoção da regularização urbanística e fundiária dos assentamentos habitacionais de baixa renda existentes e consolidados e ao desenvolvimento de programas habitacionais de interesse social e de mercado popular nas áreas não edificadas, não utilizadas ou subutilizadas, estando sujeitas a critérios especiais de edificação, parcelamento, uso e ocupação do solo”. (LPUOS, 2017)
Dentro das subdivisões, as ZEIS 3 “são compostas de áreas dotadas de infraestrutura, com concentração de terrenos não edificados ou imóveis subutilizados ou não utilizados, devendo ser destinadas à implementação de empreendimentos habitacionais de interesse social, bem como aos demais usos válidos para a Zona onde estiverem localizadas, a partir de elaboração de plano específico”. (LPUOS, 2017) De acordo com o Art. 145, são invalidades e consideradas sem eficácia como ZEIS 3 as áreas que encontram-se dentro dos limites da zona, mas sejam áreas de:
I - logradouros públicos (ruas, avenidas, praças e parques); II - imóvel edificado com índice de aproveitamento igual ou maior que o índice de aproveitamento mínimo estabelecido para a Zona em que esteja inserido o imóvel, exceto se este estiver desocupado e sem utilidade há mais de 1 (um) ano. (LPUOS, 2017)
E são objetivos da ZEIS 3, de acordo com a Lei Complementar N 062º, de 02 de Fevereiro de 2009, que institui o Plano Diretor Participativo do Município de Fortaleza e dá outras providências:
I - ampliar a oferta de moradia para a população de baixa renda; II - combater o déficit habitacional do Município; III - induzir os proprietários de terrenos vazios a investir em programas habitacionais de interesse social. (PDPFOR, 2009)
Para isso, serão aplicados nas ZEIS 3, de acordo com o Art. 135 e com prioridade, os instrumentos a seguir:
I - parcelamento, edificação e utilização compulsórios; II - IPTU progressivo no tempo;
03. Tabela de Parâmetros urbanos de ocupação.
Fonte: Produzida pela autora.
04. Trecho da tabela 5.11 SubgrupoServiços de Educação (SE).
Fonte: Lei de Parcelamento, uso e ocupação do solo. (Lei nº 236/2017)
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III - desapropriação para fins de reforma urbana; IV - consórcio imobiliário; V - direito de preempção; VI - direito de superfície; VII - operações urbanas consorciadas; VIII - transferência do direito de construir; IX - abandono; X - plano de intervenção. (PDPFOR, 2009)
Diante das instruções e definições das ZEIS 3, então, por se tratar de uma ferramenta voltada para a ampliação da oferta de moradia popular, que não é o caso do projeto a ser desenvolvido, uma escola profissionalizante, os parâmetros a serem seguidos são os da ZO III
Dessa maneira, através do cálculo de potencial construtivo para cada uma das quatro edificações, de acordo com suas respectivas áreas, chegou-se aos seguintes resultados:
terreno A terreno B terreno C terreno D
IAmin. 0,25 793,96m² 561,88m² 717,77m² 224,75m²
IAbasico 2 6351,64m² 4495,00m² 5742,12m² 1798,00m²
IAmax. 2 6351,64m² 4495,00m² 5742,12m² 1798,00m²
TO 60% 1905,49m² 1348,50m² 1722,64m² 539,40m²
De acordo com a classe de atividade, porém, ainda existem parâmetros construtivos mais rígidos e esses parâmetros se sobressaem aos que foram mostrados anteriormente. O projeto proposto nesse caderno se encaixa, de acordo com a Tabela 5.11 do Anexo 5 da LPUOS, que dispõe acerca dos subgrupos de atividades pertencentes ao grupo Serviço de Educação (SE), em Ensino profissional ligado a indústria e ao comércio (escola profissionalizante)
Sendo esse o caso, existem 3 classes possíveis para o projeto, de acordo com
05. Tabela acerca da adequabilidade das classes das atividades na ZO III.
Fonte: Lei de Parcelamento, uso e ocupação do solo. (Lei nº 236/2017)
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o porte: Classe 1, que são os projetos que tem até 1000m², PGV1, para os que tem porte de 1001 à 2500 m² e PGV2-EIV para os que tem acima de 2500m².
Porém, a escolha se torna restrita quando na Tabela 6.5, do Anexo 6, a LPUOS dispõe sobre a adequabilidade de cada uma dessas classes com bases nas vias onde a edificação está localizada. Como é possível observar na imagem abaixo, apenas a Classe 1 tem adequabilidade garantida, representada pela letra A, enquanto PGV1 e PGV2-EIV contam com a restrição representada pela indicação P4. A restrição 4, por sua vez, indica que “Adequado apenas em Vias Coletoras e Arteriais I.” (LPUOS, 2017)
06. Tabela de restrições de uso para as classes das atividades na ZO III.
Fonte: Lei de Parcelamento, uso e ocupação do solo. (Lei nº 236/2017)
07. Tabela de recúos.
Fonte: Lei de Parcelamento, uso e ocupação do solo. (Lei nº 236/2017)
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Levando em consideração, então, que o projeto está inserido em vias arteriais II e vias locais, seu porte está limitado à 1000m² por terreno, ou seja, está dentro da Classe 1. Por isso os terrenos deverão atender a norma que indica que são necessárias 1 vaga de estacionamento para cada 100m², apresentando, no mínimo, 10 vagas para cada terreno utilizado. A Tabela 8.11, por fim, que indica os recúos a serem considerados, dispõe da seguinte maneira:
Fica definido, então, que para todos os terrenos, por serem Classe 1 e estarem em vias arteriais II e locais, serão considerados os recúos de 7 metros de frente, 3 metros de lateral e 3 metros de fundo.
PROPOSTA DE INTERVENÇÃO 5
Oprojeto do centro tradições cearenses Cordel, caracteriza-se principalmente pela maneira como encaixa-se na área onde está inserido, de forma respeitosa, acrescentando à paisagem assim como à vivência da população, ao oferecer atividades educativas e culturais, além de proporciar áreas verdes de livre apropriação.
09. Mapa de setorização.
Fonte: Produzido pela autora.
diretrizes projetuais 5.1
Opresente projeto é o desenlace de percepções, curiosidades e inquietações acerca do lugar reservado à cultura e aos saberes tradicionais populares pela sociedade contemporânea e é resultado do anseio de corporificar — dar uma constituição material — à memória coletiva. A proposta busca, então, transformar um vazio urbano em ferramenta de manutenção da preservação, proteção e valorização da cultura imaterial cearense.
Uma aspiração pessoal, após meses de imersão no tema e na presente pesquisa, transformou-se em uma compreensão vívida e trouxe um verdadeiro despertar para a força que tem a educação como aliada da memória coletiva e do processo de auto-reconhecimento dentro de um espaço coletivo — material e imaterial.
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Criar um espaço de arte, cultura e conhecimento, então, se tornou um desejo e, para que haja um bom direcionamento no desenvolvimento do projeto conceitual e que a proposta converse com tudo que foi exposto e explorado até aqui, foram determinadas as seguintes diretrizes projetuais:
• Contribuir para a difusão e valorização da cultura local e dos saberes tradicionais populares entre a população geral.
• Trazer diversidade de uso para a região mais central do bairro — caracterizada por um aspecto mais residencial, buscando torná-la mais viva e segura durante diferentes períodos do dia.
• Implantar um equipamento educacional democrático que possa atender diversos grupos sociais, disseminar conhecimentos e capacitar pessoas em diversos tipos de atividades.
• Desenvolver um projeto conceitual que valorize a identidade e história local, além de valorizar ventilação e iluminação naturais e aspectos construtivos mais sustentáveis.
• Proporcionar área verde, algo escasso no bairro, e um espaço público de permanência e lazer para a população.
cultura educação administração (+ salas de aula teórica)
acesso público acesso serviço sentido das vias vias compartilhadas
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PROGRAMA DE NECESSIDADES 5.2
Apartir da análise feita acerca das características e necessidades da Praia de Iracema e de sua população e das diretrizes elaboradas no tópico anterior, com a intenção de criar um espaço que una as vertentes cultural e educacional, e que se conecte com o seu entorno, foi desenvolvido um programa de necessidades que propõe um equipamento com diversos usos, dentro do seu caráter educacional e da limitação do porte, e atividades que permitem às fachadas uma comunicação com o espaço público, proporcionando uma área convidativa aos moradores do bairro.
Dessa forma, para que a área no entorno da intervenção seja dinamizada de uma maneira efetiva, para que o equipamento apareça como um espaço de democratização dos saberes e de vivência coletiva, foram propostas os seguintes setores e atividades:
ENSINO: Trata-se do setor principal da edificação, onde estarão todos os ambientes voltados para criação e educação patrimonial, como salas de aula e laboratórios. É o setor onde atuarão diversos especialistas em saberes populares cearenses, como, por exemplo, os mestres da cultura.
CULTURA: Esse setor é responsável pelas áreas onde acontecem as atividades culturais. Atividades voltadas não apenas para alunos e funcionários do centro educacional, mas para todos habitantes da região, ativando-a em um aspecto cultural.
ALIMENTAÇÃO: Refere-se a área onde será implementada uma lanchonete e uma cafeteria e, também, ao espaço reservados para os serviços de ambulantes de alimentação, em busca de dinamizar mais o uso da área e oferecer oportunidades aos moradores do bairro.
JARDINS: Toda a área externa (ampla pela limitação do porte do edifício) será destinada à permanência, convivência e lazer, inclusive as vias que separam os quatro terrenos. Funcionarão como pequenas praças que se conectam através de vias compartilhadas e carregam o nome de figuras marcantes da história do estado.
bloco A ambiente qnt. área (m²) cultura
recepção 01 84,22m² sala de exposição 01 249,7m² sala mulsituso 03 120,46m² auditório 01 208,28m² sala de imprensa 01 10,46m² sala de espera 01 15,54m² camarim 01 11,7m² reserva técnica 01 28,23m² sala de restauro 01 27m² copa 01 5,44m² hall administração 01 20,7m² administração 01 13,79m² sala de inspeção 01 14,67m² carga e descarga 01 30m² wc 04 44,99m² dml 01 2,04m² bloco B ambiente qnt. área (m²) educação
recepção 01 75,76m² secretaria 01 18,64m² sala de expressão corporal 02 90,72m² sala de canto 02 66,30m² sala de audiovisual 02 89,1m² sala de instrumentos 03 139,72m²
educação
sala dos professores 01 51,91m² copa 01 11,12m² hall administração 01 14,37m² administração 01 14,58m² depósito 01 6,52m² dml 01 6,16m² carga e descarga 01 28,67m² wc 04 35,55m² bloco C ambiente qnt. área (m²) educação
recepção 01 135,39m² secretaria 01 10,72m² varanda 01 5,69m² arquivo 01 21,75m² biblioteca 01 88,69m² laboratório gastronômico 04 96,42m² sala de expressões manuais 04 120,62m² sala de confecção 02 113,6m² restaurante 01 110,34m² wc 04 41,84
bloco D ambiente qnt. área (m²) administra ção
recepção térreo 01 64,43m² circulação vertical 02 11,64m² vestiário 02 44,76m² wc 02 8,3m²
administração
copa geral 01 54,15m² recepção serviço 01 11,84m² recrutamento e seleção 01 25,8m² departamento pessoal 01 24,95m² treinamento e desenvolvimento 01 24,05m² sala de segurança 01 11,1m² recepção 1º pav 01 33,96m² wc acessivel 02 11,81m² dml 01 3,56m² varanda 1º pav 03 28,92m² recepçãp 2º pav 01 32,75m² copa 01 9,90m² secretaria da direção 01 12,85m² sala da direção 01 14,69m² sala de reunião 01 46,86m² adm geral e relações públicas 01 59,15m² sala de marketing 01 43,18m² dml 01 5,24m² wc acessível 02 8,15m² varanda 2º pav 01 28,15m²
O PROJETO 5.3
Ocentro de tradições cearenses Cordel é, antes de qualquer coisa, um projeto que busca democratizar e reverenciar os saberes populares através da educação, por isso, desde o início, houve grande preocupação com todo o seu entorno e o contexto urbano que está inserido. O complexo precisa se integrar à paisagem que o rodeia de maneira respeitosa, mas, ao mesmo tempo, criar um polo com identidade própria que seja convidativo para os que vivem e frequentam a Praia de Iracema.
Foi sugerida, então, uma requalificação das ruas onde os quatro terrenos do projeto estão inseridos, para que as edificações possam fazer parte de um espaço público que acrescente boas vivências à população local, completamente livre para se apropriar das áreas externas do complexo da maneira que lhe convir.
É ideia é priorizar o caminhar do pedestre, fazendo com que seja mais tranquilo e seguro. Para isso, foi implantado vias elevadas e estreitadas, para que a velocidade dos automóveis que passam ali seja menor e o tráfego seja mais calmo, facilitando a circulação do pedestre; balizadores e canteiros que protegem esse pedestre nos passeios; e faixas de pedestre, alertando aos motoristas a observar se há pedestres prestes a atravessar as vias.
Desse modo, há toda uma estrutura envolvendo as quatro edificações e fazendo com que seja mais simples para visitantes e, principalmente, alunos e funcionários, o circular entre elas. O que ajuda a elevar o caráter de unidade que precisa existir entre os 4 edifícios, o paisagismo que os envolve e o espaço urbano onde estão inseridos.
Por fim, é importante notificar sobre a preservação de parte dos muros que contornam os lotes, por estarem ali desde que naqueles terrenos haviam vilas de casas militares, ainda no período da segunda guerra mundial. Esses muros contam a história residências que poderiam, hoje, ser bens tombados da cidade de Fortaleza e preservá-los é, além de respeitar sua memória, alertar sobre o descaso da cidade em relação ao seu patrimônio.
acesso público acesso serviço acesso veículos (restrito) carga e descarga lixo gás delimitação recúo curvas de nível
historiador raimundo girão
BLOCO A
OBloco A, como mostrado anteriormente, é onde fica o setor cultural do Centro de Tradições. O maior desafio, semelhantemente aos demais blocos, foi pensar em um edifício cultural que tivesse uma variedade de usos funcional que coubesse na limitação de 1000m² definida pela LPUOS.
O bloco tem 3 salas multiuso; um pequeno auditório com capacidade para 86 pessoas e com salas de apoio para palestrantes; um grande salão de exposições rotativas com toda uma área de serviço que verifica, restaura e armazena as obras à serem expostas; uma pequena administração voltada apenas para as questões do setor e banheiros para atender à todos os visitantes.
Os salões de exposição contam com esquadrias que abrem acesso diretamente para o jardim e para o público, comunicando-se mais intensamento com todo o paisagismo e se tornando ainda mais convidativo para as pessoas que passam por ali, oferecendo uma apreciação mais dinâmica das obras para os visitantes e permitindo a produção de diversos tipos de eventos que utilizem tanto a área externa da edificação quando sua área interna, integrando-as e potencializando os usos do centro.
Importante pontuar que o Bloco A, com fachada principal voltada para a Av. Historiador Raimundo Girão por ser a avenida com maior fluxo daquela área, é uma das duas edificações do complexo a contar com área de carga e descarga, principalmente por, frequentemente, receber material para as exposições. Essa carga e descarga é voltada para o referido bloco, mas também serve de apoio para o Bloco C, caso seja necessário.
Por fim, todo o projeto conta com uma estrutura bastante simples, que não requer mão-de-obra especializada, em concreto armado. O Bloco A, por contar com vãos de até 10m de distância entre os pilares precisou utilizar vigas de 1m de altura e laje nervurada; os pilares, com 30cm x 30cm de largura encontram-se com sapatas isoladas de 1,5m de profundidade e 1m x 1m de base.
mapa mosca esquemático 0 10 20 30
recepção salão de exposição sala multiuso sala multiuso sala multiuso auditório sala de imprensa sala de espera camarim lavabo
2
cultural 01 02 03 04 05 06 07 09 08 10 01
serviço 11 12 13 14 15 16 17 18 19
reserva técnica sala de restauro sala de inspeção carga e descarga wc feminino wc masculino wc fem acessível wc masc acessível dml
20 21 22
1 A B C D E
02 03 04 05 administração recepção adm administração copa
B
1 A A
mapa mosca esquemático 0 10 20 30 1
B
laje impermeabilizada laje impermeabilizada
telha cerâmica i = 30% calha calha
laje impermeabilizada telha cerâmica i = 25%
3
B
A
mapa mosca esquemático 0 10 20 30 2
+ 4,00
+ 0,05
+ 8,00 + 7,60 + 5,50 1 salão de exposição rotativa recepção circulação com exposição permanente
legenda: 1 2 3
mapa mosca esquemático 0 10 20 30
B
+ 8,00 + 5,60
+ 4,00
1 1 1 2 + 0,05
legenda: 1 2 3 4
sala multiuso circulação auditório wc acessível
1 cimento queimado cor grafite painel de madeira ipê esquadria ripado de madeira ipê esquadria em madeira ipê mobiliário da área externa em alumínio ômega preto letreiro em PVC expandido ripado de madeira ipê coberta em telha cerâmica caramelo painel metálico em aluzinc painel em madeira ipê
BLOCO B
OBloco B é o primeiro bloco educacional e divide o protagonismo do complexo com o Bloco A por ser o único outro bloco a estar inserido na Av. Historiador Raimundo Girão.
O bloco é voltado para música, teatro, dança e áudio visual. Como já citado, projetar uma escola de artes em uma área tão limitada acaba por fazer com que a oferta de salas de aula seja menor e não possamos dedicar um único bloco para uma única modalidade. Por isso ele conta com salas de expressão corporal, salas de intrumentos, salas de canto e de audiovisual, todas para turmas pequenas de no máximo 20 alunos.
Para além das salas de aula, o bloco B conta com uma recepção e uma secretaria, uma administração voltada para o setor de ensino, sala de professores, copa, banheiros e a segunda área de carga e descarga do complexo, que, por sua vez, também serve de apoio do bloco D. Para além, o bloco conta com uma área externa com acesso restrito, podendo ser utilizada apenas por quem está dentro do bloco. A área é limitada por um muro existente do período onde aqueles terrenos eram compostos por vilas de casas militares.
Por fim, a estrutura dessde bloco se diferencia do anterior apenas ao se utilizar de laje maciça ao invés de nervurada, uma vez que seu maior vão tem 6,7m e não há necessidade de vencer grandes vãos.
1 3 2
educação 01 02 03 04 05 06 07 09 08 10
serviço 13 14 15 16 17 18 19
recepção secretaria pátio sala de expressão corporal sala de expressão corporal sala de instrumentos sala de instrumentos sala de instrumentos sala de audiovisual sala de audiovisual sala de canto sala de canto
C
depósito dml carga e descarga wc feminino wc masculino wc fem acessível wc masc acessível
administração recepção adm administração sala dos professores copa
11 12 23 A A
20 21 22
1
B telha cerâmica i = 30%
+ 6,25 + 5,90
+ 4,00
+ 0,05
legenda: 1 2 3
mapa mosca esquemático 0 10 20 30 1 salão de instrumentos pátio sala de instrumentos
+ 8,00 + 8,35 2
+ 4,00
+ 0,05
B mapa mosca esquemático 0 10 20 30 salão de expressão corporal pátio sala de canto circulação wc feminino wc masculino
+ 7,25 + 6,90 1 2
legenda: 1 2 3 4 5 6
legenda:
2 3 4
BLOCO C
OBloco C é o segundo bloco voltado para o setor de ensino. Seu programa contém laboratórios gastronômicos, salas de expressão manual voltadas para artesanato, produção de cordel e outras atividades manuais; e salas de confecção para produção em tecido.
Os laboratórios gastronômicos estão localizados logo a frente do pátio da edificação e as salas contam com abeturas diretas para esse pátio, criando uma espécie de cantina para quando os alunos produzirem alimentos que possam ser oferecidos ou mesmo vendidos para outros alunos e visitantes.
O bloco conta também com um restaurante aberto ao público e que deve ser disponibilizado aos alunos quando solicitado para eventos específicos; além de uma secretaria, banheiros e uma área externa com acesso apenas para quem está dentro do bloco.
O Bloco C, por fim, está no terreno de relevo mais acentuado e suas curvas de nível foram respeitadas o máximo possível. Sento assim, temse uma edificação de pavimento térreo que ganha altura visual diante das outras por estar em um nível elevado e uma estrutura que atende a dois pavimentos, uma vez que a edificação está 4 metros acima do solo quando alcança a região da curva de nível mais baixa do terreno.
A sua estrutura assemelhasse à do bloco A, precisando recorrer à vigas de 1m de altura e laje nervurada uma vez que seu mair vão tem 10m de largura. Seus pilares acabam por ter a altura de dois pés direito, na cota mais baixa aprofundando 1,5m na sapata isolada e na cota mais elevada aprofundando 5,5m.
educação 01 02 03 04 05 06 07 09 08 10
recepção secretaria varanda arquivo biblioteca laboratório gastronômico sala de expressões manuais sala de expressões manuais sala de confecção laboratório gastronômico laboratório gastronômico laboratório gastronômico sala de expressões manuais sala de expressões manuais sala de confecção pátio externo
mapa mosca esquemático 0 10 20 30 1 B
11 12 13 14 15 16 desce desce
alimentação 21 22
serviço 17 18 19 20 restaurante cozinha
wc feminino wc masculino wc fem acessível wc masc acessível
acesso bloco acesso restaurante
1 A B C D E
2 3
17 19 03 18
+ 3,95
02 20
+ 3,95
+ 3,95 + 3,95
04 05 21 22
01
mapa mosca esquemático 0 10 20 30 1 B
telha cerâmica i =
calha
cerâmica 30% laje impermeabilizada
A
laje impermeabilizada
B
A
mapa mosca esquemático 0 10 20 30
+ 8,00 + 5,45
+ 5,80
+ 4,00
+ 7,65 1
+ 0,05
legenda: 1 2 3
laboratório gastronômico recepção laboratório gastronômico
legenda: 1 2 3 4
B
+ 8,00 + 6,20
+ 5,95
+ 4,00
mapa mosca esquemático 0 10 20 30 wc acessível circulação recepçãp circulação
1 2 + 0,05
legenda:
1 7
BLOCO D
OBloco D , com três pavimentos, é o único que não conta apenas com pavimento térreo. É o mais compacto e com o paisagismo mais sutil, também, por estar em um terreno pequeno. Sua função principal é administrativa, porém, serve de apoio aos outros blocos de ensino, também, por ter em seu 1º pavimento salas de aula voltadas para os ensinos teóricoas, deixando para os blocos B e C as práticas.
O seu térreo conta com uma grande parte do setor de serviço (é onde os funcionários batem o ponto), tendo dois vestiários e a copa geral do complexo, além da área de recursos humanos e da sala que faz a segurança do empreendimento.
O último pavimento, por sua vez, é onde fica a direção geral do empreendimento. Conta com sala de reunião, com os setores de marketing, de relações públicas e com a administração de ensino e cultura. Sua estrutura segue a mesma linha do Bloco B, se diferenciando dos demais apenaspor sua laje maciça, uma vez que não precisa vencer grandes vãos. Por fim, é o único dos blocos a contar com circulação vertical interna, tendo um elevador e uma escada.
administração 01 02 03 04 05
recepção circulação vertical recrutamento e seleção departamento pessoal treinamento e desenvolvimento
mapa mosca esquemático 0 10 20 30 A
serviço 06 07 08 09 10 11 12 acesso público acesso serviço
vestiário feminino vestiário masculino wc acessível feminino wc acessível masculino copa geral recepção funcionários sala de segurança
2
06
08
+ 0,00 + 0,00
07
+ 0,00
09 10
+ 0,00
01
+ 0,05
1 2 A B C D
06 07 09 08 10 11
recepção circulação vertical secretaria sala de aula teórica sala de aula teórica sala de aula teórica sala de aula teórica sala de aula teórica varanda varanda varanda
educação 01 02 03 04 05 wc feminino acessível wc masculino acessível dml
serviço 12 13 14
A
2
13
14 09
+ 3,95
mapa mosca esquemático 0 10 20 30 1 2 A B C D
07 12 01 08
+ 3,95
+ 4,00
mapa mosca esquemático 0 10 20 30
1
administração 01 02 03 04 05 copa dml wc feminino acessível wc masculino acessível
06 07 08 12
recepção circulação vertical secretário da direção direção sala de reunião administração geral e relações públicas sala de marketing varanda
+ 7,95
serviço 09 10 11
+ 7,95
mapa mosca esquemático 0 10 20 30 telha cerâmica i = 30%
A
2
laje impermeabilizada
+ 15,15 + 15,70
A mapa mosca esquemático 0 10 20 30
+ 12,00
+ 8,00
+ 4,00
+ 0,05
vestiário masculino copa departamento pessoal treinamento e desenvolvimento laboratório gastronômico varanda wc masculino acessível sala de aula teórica sala de aula teórica wc feminino acessível sala de marketing administração geral e relações públicas sala de reunião
+ 13,90 + 14,45
+ 12,00 6
+ 8,00
+ 4,00
mapa mosca esquemático 0 10 20 30 + 0,05
1 4
5 7
legenda: 1 2 3 4 5 6 7
legenda:
8 1 1
Perspectiva do acesso da rua Vinte e três de outubro produzida por Gabriel Freire a partir de volumetria produzida pela autora.
consideraçÕEs finais
Criar um equipamento cultural que fala sobre memória requer uma atenção maior para as dinâmicas urbanas que evidenciam a maneira como a sociedade contemporâneo se relaciona com o sua história coletiva. Através da presente pesquisa foi possível compreender o distanciamento que vem ocorrendo entre os grupos sociais e o que foi produzido no passado.
A seguir, a partir da compreensão dos fatores que determinaram esses distanciamento e dos malefícios que ele pode gerar para o desenvolvimento de uma sociedade, encontrou-se na educação patrimonial uma ferramenta primordial para transformar a relação entre homem, memória e cultura.
O Centro de Tradições Cearenses Cordel surge, então, como um meio de preservação da história do estado, através da troca de conhecimento e de uma consequente reinserção cultural, resgatando a afetividade ao passado e, assim, vida. Afinal, como previamente dito, um homem sem memória, ainda que apresente sinais vitais, é como um homem morto.
O resultado foi enriquecedor pois, através dos estudos realizados para o presente trabalho, foi possível compreender melhor a relação entre a população cearense e sua história, e perceber com mais precisão o papel de cada um dentro da preservação de tudo que foi produzido pelas pessoas que estiveram aqui tempos atrás. Encontrar na educação uma forma estreitar a relação entre homem e patrimônio e evitar o apagamento de todas uma cultura é motivador.
O Centro de Tradições Cearenses Cordel se mostrou muito relevante, então, ao permitir o desenvolvimento de um projeto conceitual que busca disseminar cultura, ensino e, talvez até mais do que isso, fazer a população se apropriar do lhe foi herdado vivências diárias e relações sociais.
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