OCUPA CENTRO OCUPA Sテグ JOテグ
ocupa centro ocupa são joão trabalho final de graduação faculdade de arquitetura e urbanismo universidade de são paulo tânia nascimento helou orientação: helena aparecida ayoub silva
AGRADECIMENTOS
Esse trabalho é um produto de 6 anos da minha graduação na FAU USP. Foi desenvolvido apenas no último ano, mas tem início no dia em que visitei o prédio da FAU pela primeira vez. Agradeço imensamente minha orientadora, Helena Ayoub, que me incentivou durante todo o processo e sempre me acalmou em momentos de tensão. A todos os moradores da Ocupa São João que abriram suas portas. Nazaré Brasil, Ruivo Lopes, Fernando Knup, Fernanda Mendes e Dona Neci (Vó) por me receberem e me mostrarem um exemplo de atuação cultural e política na cidade. A Marina Rago, minha companheira de entrevistas, saraus, levantamentos e outros tantos eventos que envolveram esse trabalho. Ana Marina Costa e Nathalia Cury, queridas designers, pela ajuda no projeto gráfico. A Maíra Fernandes pelos encontros reconfortantes. Também a Berta Melo pelos encontros semanais cheios de sugestões para o projeto, Luisa Fecchio, Melissa Kawahara, Marcela Sayeg e Julia Mota pelas conversas, incentivos e ajudas mecânicas. Aos amigos que apareceram no começo, no meio ou no fim e que me influenciaram de alguma forma. Agradeço também André Cruz pelo olhar fotográfico. Ao Gfau, instituição sem a qual a FAU seria apenas uma faculdade de arquitetura em um belo prédio, ou até deixaria de ser. Aos professores que marcaram minha formação. Aos meus pais e irmã pelo apoio incondicional desde sempre. E Lucas Pinto, pela paciência na revisão do texto e pelo carinho em todos os momentos, dos mais fáceis aos mais difíceis.
SUMÁRIO
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introdução
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centro do conflito
25 26 46
agentes e ações programas e governos movimentos e ocupações
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ocupa são joão
69 70 74 94 96
programa e projeto hotel aquarius conjunto habitacional e serviços hotel columbia palace centro cultural de luta pela moradia
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considerações finais
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bibliografia
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INTRODUÇÃO
Esse trabalho final de graduação divide-se em duas frentes: a teórica e a prática. A primeira, desenvolvida ao longo do primeiro semestre de 2012, consiste em um estudo sobre o tema da habitação social no Centro, envolvendo os conflitos presentes na região, os programas desenvolvidos desde a gestão de Luiza Erundina (1989-1992), os movimentos sem-teto da região central e as ocupações promovidas por estes. É a continuação de um trabalho desenvolvido em uma das disciplinas de planejamento urbano, cujo produto final foi uma revista sobre os movimentos de moradia. A segunda consiste na aproximação de alguns movimentos e agentes envolvidos e de algumas ocupações a fim de desenvolver um projeto de intervenção em uma delas. A proposta de intervenção baseia-se na relação entre habitação e cultura, e surgiu de algumas experiências em ocupações e em alguns edifícios reformados para essa demanda. Exemplos como as ocupações Prestes Maia, Mauá, São João e outros já reformados, como o Edifício Labor, evidenciam a importância dos espaços comuns dos edifícios. O orgulho das famílias se manifesta no encontro coletivo, nas assembléias de condomínio ou de movimento, nas bibliotecas, nas atividades culturais, nas oficinas etc. Orgulham-se de terem conquistado suas moradias pela luta por seus direitos, ou se ainda não conquistaram, orgulham-se por ocuparem um espaço de resistência. Essa pesquisa visa também compreender a luta por moradia em um sentido urbanístico:
qual a cidade desejada pelos movimentos? Qual é o conflito territorial no Centro e quem são os agentes políticos dessa disputa? Os discursos dos movimentos estão pautados no direito à moradia, na função social da propriedade, no Estatuto da Cidade, no Plano Diretor e na Constituição Federal. Utilizam-se de argumentos urbanísticos como o alto índice de infraestrutura do Centro e seu desperdício nas políticas habitacionais do governo, na gentrificação, especulação e vacância imobiliária. Vão além da habitação social e do sonho da casa própria: o direito à moradia aliado ao direito à cidade com luta pela inserção política e social. Para compreender essa cidade proposta pelos movimentos, pretendeu-se, na primeira fase, levantar e mapear as ocupações desde 1997, entendendo essa data como o marco inicial das ocupações organizadas pelos movimentos como ferramentas de diálogo com o poder público ou de protesto contra as políticas habitacionais ou ineficácia delas. Com esse mapeamento entende-se que as ocupações possuem também um caráter denunciativo do abandono ou descaso perante o Centro da cidade de São Paulo, tanto pelo mercado imobiliário, quanto pelo poder público. Ressalta-se, no entanto, que esse abandono tem sido revertido para uma atenção distinta da que os movimentos exigem, está voltada para a especulação imobiliária que se reflete em planos como a Operação Urbana Nova Luz, com discursos de ‘revitalização’ de áreas consideradas ‘degradadas’.
imagem capa. foto da avenida São João e os dois edifícios de projeto foto: André Cruz imagem01. Hotel Aquarius e Hotel Columbia Palace foto: André Cruz
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A partir do estudo dos planos de governo e das ocupações, buscou-se compreender o contexto em que elas ocorreram. Cruzando dados e datas, pretendi visualizar a concentração temporal das ocupações e das reivindicações por moradia na área central. Os movimentos estudados nesse trabalho foram a União de Luta dos Cortiços (ULC), o Fórum dos Cortiços, o Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC), o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto da Região Centro (MTSTRC), o Movimento de Moradia do Centro (MMC) e o Movimento de Moradia da Região Central (MMRC), todos esses filiados a outros maiores, como a Central de Movimentos Populares (CMP), a União dos Movimentos de Moradia (UMM) e a Frente de Luta por Moradia (FLM). No início, buscou-se compreender a diferença entre eles, porém, não são evidentes e não cabe a esse trabalho esmiuçá-las, sendo suficiente a percepção de que suas lutas são as mesmas. Para um olhar empírico dos movimentos e suas atuações na cidade, procurei me aproximar deles. De início, esse envolvimento se deu em conjunto com um coletivo em formação do GFAU (Grêmio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), que pretendia atuar com os movimentos e focava-se na ocupação Mauá, localizada no perímetro da OUC Nova Luz e ameaçada de reintegração de posse. Assim, participei de atos em defesa da Mauá, e em um deles conheci outros três edifícios ameaçados de reintegração: Rio Branco, Ipiranga
e São João. Na época, também soube de atividades que estavam ocorrendo frenquentemente na São João e fui conhecê-las.
imagem02. ato Cultura
A Ocupa São João, coordenada pela FLM, mais especificamente pelo MSTRU (Movimento de Sem-Teto pela Reforma Urbana) abriga, além das 85 famílias, a ocupação cultural, promovida por moradores, músicos, estudantes e artistas que desenvolvem diversas atividades culturais. Essa ocupação, portanto, apresentou-se como o melhor exemplo a ser estudado e projetado. A relação entre moradia e cultura dentro do mesmo edifício, com atividades abertas para a cidade, era exatamente o que se buscava para o projeto. Outro fator importante para a elaboração do programa foi o apoio de vários coletivos, movimentos estudantis e mídias independentes.
imagem03. vão central
Algumas inquietações surgiram ao longo do trabalho. Abrigar 85 famílias em moradias dignas, além de um equipamento cultural com tamanho potencial em um edifício de 6 andares me pareceu inviável. A solução adotada foi dividir o programa em dois edifícios: um Centro Cultural de Luta pela Moradia e um conjunto habitacional e de serviços. O segundo edifício indicado, logo em frente à Ocupa, o antigo Hotel Aquarius, possui 21 andares, está abandonado e já foi ocupado em 2010 pela FLM em uma ação simultânea. Foi uma decisão que levantou mais questões, tais como a viabilidade dentro de algum programa habitacional estudado, a divisão do
Não é Sabão, 05/05/12, em defesa da ocupação Mauá
da Ocupa São João foto: André Cruz
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programa como uma contradição entre a relação habitação/cultura proposta pela ocupação e por esse trabalho. A intervenção proposta para os dois edifícios no 4º capítulo é, portanto, a tentativa de solucionar essas questões e, ao mesmo tempo, evidenciá-las. Centro será considerado neste trabalho como os distritos da subprefeitura da Sé: Sé, República (ambos constituem o centro histórico), Bela Vista, Consolação, Santa Cecília, Bom Retiro, Liberdade e Cambuci; e partes de alguns distritos da subprefeitura da Mooca: Belém, Brás e Pari. Essa delimitação foi escolhida em função da tese de Roberta Neuhold, a qual listou as ocupações dos principais movimentos nestes distritos, facilitando a atualização delas. Habitação social é aqui considerada como aquela promovida pelo poder público, incluindo reformas, construções novas e subsídios às famílias de baixa renda.
imagem04. delimitação da área de estudo
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bom retiro
pari
sta cecília
consolação
belém
república
brás
sé
mooca cambuci
bela vista liberdade
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CENTRO DO CONFLITO Para melhor compreender as ocupações e os movimentos por moradia no Centro, busquei analisar os conflitos ali presentes. Deparei-me então com diversas relações paradoxais e disputas por um espaço ao mesmo tempo abandonado pelo poder público e mercado imobiliário e ocupado pela população nos espaços públicos e vazios construídos. Neste primeiro capítulo, procura-se expor uma das partes da primeira fase do trabalho, estudo teórico embasado em pesquisas acadêmicas e dados oficiais reveladores, entre outras coisas, do processo de esvaziamento do Centro, de sua popularização, vacância imobiliária e déficit habitacional. esvaziamento do Centro: quem foi e quem ficou? “O centro tem que se expandir à medida que aumenta a população que ele serve. Essa expansão esbarra nos bairros ‘finos’ que o circundavam, determinando o deslocamento de seus habitantes para novas áreas residenciais ‘exclusivas’, providencialmente criadas pelos promotores imobiliários. O anel residencial que circunda o centro se desvaloriza, e passa a ser ocupado por serviços inferiores: locais de diversão noturna e de prostituição, hotéis de segunda classe, pensões, cortiços, marginais. O envolvimento do centro principal por uma área em decomposição social cria condições para que a especulação imobiliária ofereça aos serviços centrais da cidade nova área de expansão. Surge assim o ‘centro novo’ em
contraste com o ‘centro velho’”1
1. KOWARICK, L., A Lógica da Desordem
Os conflitos do Centro são reflexos de diversos fatores, dentre eles o seu esvaziamento residencial. Aqui, procuro entender quais foram as consequências, diretas ou indiretas, nas políticas habitacionais voltadas para essa região e nas diretrizes das políticas públicas de reabilitação em geral, e quais as repercussões para os movimentos de moradia que atuam no Centro.
in São Paulo 1975:
A partir da década de 1970, o Centro foi se esvaziando com grande intensidade na medida em que novos pólos econômicos surgiam. Estas novas centralidades localizam-se no quadrante sudoeste da cidade, onde se encontra a maior concentração de renda e infraestrutura (rede viária, áreas de cultura e lazer, escolas etc). Segundo Ramos, este deslocamento constante das centralidades no quadrante sudoeste é promovido pelo Estado, ao direcionar grande parte dos investimentos públicos para este vetor.2
3. Constituído pelo
O núcleo de formação da cidade3 manteve-se como principal pólo econômico até a década de 1960, quando a região da Avenida Paulista consolida-se como novo centro financeiro. Em meados de 1950, a Avenida Paulista já configura-se como um novo pólo de atração de investimentos em decorrência da reformulação do Centro pelo controle da verticalização, gerando uma redução
crescimento e pobreza, 1979, p.29. 2. RAMOS, D.H., A guerra dos lugares nas ocupações de edifícios abandonados do Centro de São Paulo, 2009, p.26
‘centro velho’ (Sé) e ‘centro novo’ (República)
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de empreendimentos na área central em função do dimensionamento e custo do terreno. Concomitantemente, novos subcentros se formavam como Brás, Lapa, Pinheiros, Campos Elíseos, Higienópolis, Consolação, Bela Vista, Liberdade, Santa Ifigênia, Barra Funda, Vila Buarque, Cerqueira , Paraíso e Jardim Paulista. Assim, os novos eixos de atração passaram a ser as avenidas Paulista, rua da Consolação e rua Augusta, as quais direcionavam a ocupação do ‘centro novo’, região da República. Outro fator que contribuiu para o fortalecimento do vetor sudoeste foi a transferência dos órgãos públicos para o Parque do Ibirapuera e Morumbi. Além disso, as grandes obras viárias no Centro na década de 1960 transformaram-no em um nó de articulação para a passagem de automóveis e transporte público, saturando sua rede viária.4 As funções econômicas são, então, redefinidas no centro histórico pela facilidade de acesso, somada a diversos pontos finais de linhas de ônibus em praças (Sé, Ramos de Azevedo, Patriarca) e terminais (Parque Dom Pedro II, Princesa Isabel e Praça da Bandeira) na região. Mais tarde, com a inauguração das linhas vermelha e azul do Metrô, popularizou-se a área, ao mesmo tempo que a Avenida Paulista e suas imediações consolidavam sua hegemonia econômica com sedes de empresas e grandes bancos, tornando-se o centro de serviços destinados à população de alta renda que ali se instalava.
Já nas décadas de 1980 e 1990, novas obras viárias na direção sudoeste deslocaram os investimentos do mercado imobiliário de alto padrão para a Avenida Faria Lima. Atualmente, vemos o centro financeiro consolidado na Berrini e Marginal Pinheiros. Segundo José, em 2000, apenas 5% das sedes de bancos permaneceram no Centro.5
4. BOMFIM, V.C., Os espaços edificados vazios na área central da cidade de São Paulo e a dinâmica urbana, 2004, p.30 5. JOSÉ, B.K., A popularização do centro de São Paulo: um estudo
Estes deslocamentos de centralidades colaboraram para a chamada ‘deterioração’ do Centro devido ao aumento do número de edifícios vazios. Tornou-se o Centro das camadas populares, adensando a rede de estratégias e atividades efêmeras, informais ou ilegais de atuação no espaço. Desse modo, para a elite paulistana e para os meios de comunicação dominantes, o Centro se configurava como um espaço ‘degradado, marginal, sujo e perigoso’.6 No entanto, Bloch ressalta que este processo não significou um retrocesso em termos de empregos no Centro, mas uma reorganização de atividades. Não ocorreu o esvaziamento econômico, pois não houve perda da densidade econômica.7 Outro fator importante nesse processo de popularização do Centro e seu comércio de rua foi o fenômeno dos shopping centers, que contribuiu para a consolidação de um ‘centro expandido’ e a desaceleração de investimentos imobiliários no Centro. O comércio de rua da Sé passou então a se adaptar ao público de menor poder aquisitivo que por ali transitava em intenso fluxo de pedestres, o que também atraiu grande número de camelôs. Logo, vemos
sobre as transformações ocorridas nos últimos 20 anos, 2010, p.25 6. RAMOS, D.H., op. cit., p.31 7. BLOCH, J.A., O direito à moradia, um estudo dos movimentos de luta pela moradia no Centro de São Paulo, 2007, p. 29 imagem01. vetor sudoeste
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centro
consolação/ bela vista paulista faria lima
marginal pinheiros
berrini
jardins
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por um lado, o adensamento dos espaços públicos, por outro, a desocupação dos espaços edificados. Dados do Metrô de 1997 indicavam uma população flutuante, apenas no Centro Histórico, de 2 milhões de pessoas por dia. Ou seja, com este grande adensamento diário e com a alteração do quadro econômico desta população, o espaço público torna-se uma alternativa para obtenção de renda. Estima-se que só nessa área haja 6 mil vendedores ambulantes. Ao mesmo tempo, dados do IBGE de 2000 mostram que o distrito da Sé possuía 26% de domicílios vagos e o distrito da República, 22%.8 Por causa da diminuição de moradores da região central, há uma grande diferença na utilização da infra-estrutura que chega a 400% entre o dia e a noite: durante o dia é uma área de intensa circulação de pessoas e após o horário comercial, uma área subutilizada.9 Do total de área construída, Bomfim estima que 75% seja de uso comercial e de serviços, e o restante residencial nos distritos Sé e República. De 1980 a 2000, a cidade possuiu um crescimento de população em torno de 22%, na ordem de 2 milhões de pessoas. Já a população residente na antiga Administração Regional (AR) da Sé10 obteve um decréscimo de mais de 30%, aproximadamente 180 mil moradores. Ao mesmo tempo, vemos um crescimento exacerbado em regiões periféricas como a Cidade Tiradentes que, no mesmo período,
cresceu mais de 2 mil %, quase 1 milhão de habitantes, enquanto São Paulo crescia 22%, o que significa um aumento de 2 milhões de pessoas.
8. BOMFIM, V.C., op. cit., p.37 9. NEUHOLD, R.R., Os movimentos de moradia
Houve, portanto, um crescimento da população, mas as regiões onde se concentra a maior parte da infra-estrutura foram esvaziadas e as regiões periféricas adensadas, em geral, desordenada e irregularmente, promovendo crescente expansão dos limites urbanos, atingindo regiões de proteção ambiental, áreas de risco e sem a devida infra-estrutura em seu entorno.
e sem teto e as ocupações de imóveis ociosos: a luta por políticas habitacionais na área central da cidade de São Paulo, 2009, p.28 10. AR Sé: Sé, República, Bom Retiro, Santa Cecília, Consolação, Bela Vista, Cambuci,
Segundo Bomfim, em 2002, a procura por residências no Centro era feita por pessoas de baixa e média renda, e, na época, sofreu um acréscimo de 40%, enquanto a procura por imóveis comerciais sofreu um decréscimo de 60%. De acordo com o Censo 2010, o Centro voltou a crescer 16% devido ao retorno dos investimentos públicos e privados, que voltaram sua atenção para a área, divergindo da atenção que os movimentos de moradia almejam. O cenário atual do Centro evidencia a disputa não só pelos espaços abandonados, mas também por aqueles que estão ocupados. As ocupações trazem à tona essa intensa disputa que se trava em São Paulo, onde o Centro é um dos mais importantes palcos desse conflito. São reflexos das políticas urbanas implementadas ao longo do processo de urbanização de São Paulo, no qual a demanda das classes menos favorecidas não vem sendo atendida.11
Liberdade, Pari e Brás 11. BOMFIM, V.C., op. cit., p.56
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distritos Sé Bom Retiro Brás Cambuci Pari Bela Vista Consolação Liberdade República Santa Cecília Área central Cidade Tiradentes Parelheiros Anhanguera Áreas periféricas Município
população em números absolutos crescimento em porcentagem 1980 1991 2000 1980/1990 1991/2000 1980/2000 32.965 27.188 20.106 -17,53 -26,04 -39,01 47.588 36.136 26.569 -24,06 26,47 -44,17 47.588 33.536 24.505 -13,19 -26,93 -38,56 38.630 37.069 28.620 -21,02 -22,79 -36,19 44.581 21.299 14.521 -15,91 -31,82 -46,15 26.968 71.825 63.143 -13,90 -12,01 -28,08 77.338 66.590 54.301 -15,91 -18,45 -29,79 82.472 79.245 61.850 -7,55 -18,88 -25,00 60.999 57.797 47.459 -5,25 -17,89 -22,20 94.952 85.829 71.111 -9,22 -17,15 -24,78 591.769 513.512 412.185 -13,22 -19,73 -30,35 8.603 96.281 190.555 1.019 98 2.115 31.711 55.594 102.493 75 85 223 5.350 12.403 38.502 132 210 620 45.664 194.355 331.557 408,03 130,85 985,95 8.493.226 9.646.185 10.405.867 13,58 7,88 22,52
periferização dos conjuntos habitacionais x vacância imobiliária no Centro Concomitante às mudanças de localização dos pólos econômicos, ocorriam outros fenômenos que devem ser salientados: intenso crescimento populacional com as migrações, a periferização e a autoconstrução. Este crescimento periférico através da autoconstrução foi gerado pelos baixos salários da industrialização que não incorporavam o custo com habitação. O Estado também raramente incluía a população de menor renda em conjuntos habitacionais do BNH, que priorizavam o atendimento às famílias com renda maior que 5 salários mínimos.12
área consolidada. Essas áreas vazias eram estratégicas para o mercado imobiliário, já que as linhas de ônibus, as redes de água, esgoto, luz, viária, quando iam servir aquelas áreas mais distantes valorizavam estes vazios, bem como os novos loteamentos, em geral, populares.
Torna-se evidente a relação entre o esvaziamento do Centro e o adensamento da periferia. O argumento utilizado pelo Estado ao não destinar habitações populares na área central, baseia-se no alto custo da terra; entretanto, levar toda a infra-estrutura até áreas distantes também é dispendioso. Esta prática de periferização das moradias populares, na verdade, Consolidava-se o modelo centro x periferia, privilegia uma segregação sócio-espacial em que loteamentos distantes das áreas e a especulação imobiliária, na medida mais densas de infra-estrutura eram em que cria áreas ‘especuláveis’ com esta ocupados ora com conjuntos habitacionais, urbanização descontínua. ora com loteamentos irregulares, a deixar espaços vazios entre essas regiões e a Outro fator que desvela a atitude do
tabela 1. crescimento populacional do município de São Paulo. fonte: NEUHOLD, R.R., op. cit., p.29 12. MARICATO, E., Autoconstrução: a arquitetura possível in A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial, 1976, p.79
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Estado é o respaldo legal sobre o qual os necessidades habitacionais, segundo a movimentos de moradia se apóiam, como FJP são de 3 ordens: o Plano Diretor e o Estatuto da Cidade, em - déficit: necessidade de reposição total da que se retoma a questão da função social unidade habitacional (uh) ou demanda não da propriedade contida na Constituição atendida pelo mercado; Federal de 1988: - demanda demográfica: necessidade “a propriedade urbana cumpre sua de construções que acompanhem o função social quando atende exigências crescimento demográfico; e fundamentais de ordenação da cidade - inadequação: necessidade de melhorias expressas no Plano Diretor, assegurando o das uh já existentes, mas cuja infraatendimento das necessidades dos cidadãos estrutura é precária.13 quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades Utilizaremos aqui o conceito de déficit econômicas, respeitadas as diretrizes da FJP, o qual engloba as famílias em previstas no artigo segundo dessa lei.” condições inadequadas como favelas, coabitação familiar, adensamento O mesmo documento dita medidas a excessivo, ou quando uma família serem tomadas em relação aos imóveis compromete mais de 30% de sua renda que não cumprem sua função social, com o aluguel. Em 2007, segundo a como o IPTU progressivo e até mesmo FJP, este déficit da RMSP era de 600 mil a desapropriação. Somada à prática moradias, aproximadamente 10% do limitada desses instrumentos, e também déficit brasileiro e 50% do Estado de SP. como consequência disso, o processo de vacância imobiliária não foi revertido. O Censo 2000 mostra que o maior índice de vacância imobiliária está nos distritos O contingente de imóveis vazios criado pela centrais Sé e República, com mais de saída dos setores residencial e terciário 20% de seus domicílios vagos e nas novas do Centro, além de contrastante com a centralidades como Morumbi, Itaim Bibi periferização das habitações populares e Jardim Paulista, com 15%. Segundo e com a concentração de infra-estrutura, Diogo, nos 13 distritos centrais (limite entra em conflito com o déficit habitacional adotado pelo programa Morar no Centro) de São Paulo. há mais de 45 mil domicílios vagos (17,5% do total de domicílios da região) contra A Fundação João Pinheiro (FJP) 420 mil no município (11,8% do total de desenvolveu o conceito de necessidades domicílios de São Paulo), sendo que em habitacionais, noção essa que visa 1991 estes dados eram de 28 mil e 270 mil, apreender dimensões distintas da respectivamente.14 questão habitacional, que antes eram generalizadas no termo déficit. As É importante ressaltar que estes dados
13. BLOCH, op. cit., p.68 14. DIOGO, E.C.C., Habitação Social no contexto da reabilitação urbana da área central de São Paulo, 2004, p.12 imagem02. vacância imobiliária. dados de BOMFIM, V.C.,op cit, p.69
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18%
29%
16%
9%
10%
20% 4%
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são de domicílios vagos e não de edifícios vagos, um número importante para o embasamento da proposta deste trabalho e também dos movimentos de moradia e programas de habitação. A contraposição que se pretende evidenciar aqui é do déficit habitacional x vacância imobiliária. No entanto, os dados deste último conceito são difíceis de encontrar em números absolutos, pois dividem-se de acordo com o uso: residencial e comercial. A vacância residencial, ou domicílios vagos, como vimos, é dada em números, já a comercial é dada em área, o que dificulta o cálculo do total de imóveis vagos. Segundo a Rede Nossa São Paulo, existem no Centro, aproximadamente, 400 edifícios vazios, mas não se sabe qual é a delimitação utilizada para caracterizar o Centro.15 Outro estudo, de Silva (2008), indica 158 edifícios vazios no perímetro da Operação Urbana Centro, dos quais 68 estavam completamente abandonados, e os restantes possuíam apenas seus pavimentos térreos ocupados. Este estudo mostra que apenas uma pequena parte é de uso residencial: apenas 24 residenciais e outros 4 de uso misto (residência e escritório), o restante sendo comerciais ou hotéis.16 Bomfim também analisa a vacância imobiliária no âmbito específico do imóvel, que abrange o término da obra até seu abandono, quando o custo de manutenção da edificação e a demanda não condizem mais com os lucros estimados, levando os proprietários a abandoná-los ou
locá-los para cortiços. Essa indução, no entanto, não é específica ao imóvel, pois associa-se às características do espaço urbano: deterioração do imóvel e do entorno, distribuição de estoque, variação de preços, nível de qualidade, demanda e segregação. Já no caso de uma região, são vários fatores que contribuem para o aumento do índice de vacância, além de excesso de ofertas de novas edificações, como: deslocamento de centralidades, atração e mudança de usos e funções de áreas vizinhas, redução do lucro e renda obtidos na aplicação do capital, idade do parque imobiliário, aplicação de recursos públicos e políticas públicas. Os índices de vacância são importantes para o setor público, pois se relacionam diretamente ao aumento de inadimplência de tributos imobiliários e, para o setor privado, também é um indicador que pode definir futuras ações ou aplicações de capital do mercado imobiliário. No caso das áreas centrais, esses índices se relacionam com os processos de reurbanização ou reabilitação urbana.17
15. nossasaopaulo.org. br/portal/node/2199, acesso em 21/06/12 16. SILVA, H.M.B., Tributos imobiliários e imóveis vazios no Centro, 2009, p.17 17. BOMFIM, op. cit., p.31
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a discussão da habitação social no centro e a ideologia por trás dos termos degradação e reabilitação “a degradação dos espaços e dos edifícios foi decorrência do abandono do Centro, deixado a se deteriorar, e não a sua causa” 18 Vimos que o Centro vem perdendo moradores. Entretanto, se compararmos as características econômico-sociais da população remanescente com as de outras áreas do centro expandido (Pinheiros, Jardins), vemos que é de menor renda e menor escolaridade, segundo dados da pesquisa OD 2007 do Metrô. Desse modo, fica evidente o caráter ideológico do argumento utilizado pelo Estado e pela grande mídia quando caracteriza o Centro como ‘área degradada’. É a partir da noção de degradação, associada, portanto, à popularização da região, de onde surge a idéia de ‘revitalização’, ‘requalificação’ e outros termos do gênero que aparecem em planos urbanísticos ou políticas públicas destinadas à área. Concomitante à defesa da habitação social no Centro pautada pela Reforma Urbana e pelo Direito à Cidade, promovida por agentes como técnicos do poder público municipal, lideranças de movimentos populares, organizações sociais e comunidade acadêmica, surge a defesa da transformação física e social da região, apoiada por empresários,
moradores da classe alta e média, poder público e entidades civis com intenção de expulsar a população mais pobre da região, vista como a causa da ‘degradação’. Aí se expressa, de forma mais clara, a disputa e o conflito territorial e político do Centro. Segundo Tsukumo, a habitação de interesse social só foi associada ao Centro quando este foi visto como degradado e esvaziado.19 A partir da década de 1980, pela presença de grandes obras viárias e entroncamento de sistemas de transporte, a circulação e acessibilidade foram o foco da discussão sobre o Centro, ao mesmo tempo sendo apontadas como as principais causas da sua degradação, o que, na verdade, está associado à popularização da região, já que o acesso das classe mais baixas, ou seja, as que utilizam o transporte público e não o automóvel, se intensifica. Essa popularização da área central está relacionada, como foi evidenciado, aos seguintes fatores: processo de deslocamento das elites para o vetor sudoeste, a priorização e organização do transporte coletivo no Centro, a atração das pessoas de classe de menor renda que circulam e consomem na região, o uso do Centro como espaço de sobrevivência e não de lucro, geração de renda e trabalho em um período de crise econômica e crescente pobreza urbana, evidenciada na presença de camelôs, moradores de rua e catadores de material reciclável. Tsukumo também levanta questões interessantes: o Centro está degradado
18. VILLAÇA, F., 1998 in JOSÉ, B.K., op. cit., p.27 19. TSUKUMO, I.T.L., Habitação Social no Centro: legislação, produção e discurso, 2007, p.26
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para quem? Ora, algumas das vantagens de um bairro em relação a outro são sua localização, sua facilidade de acesso a este e a outros pontos para exercer atividades urbanas como trabalhar, estudas, consumir, divertir. O Centro então possui essas vantagens de concentração de empregos, estabelecimentos comerciais e de serviços, ampla rede de transporte, entre outras. Nesse sentido, para as classes que não utilizam o carro para exercer suas atividades, que trabalham na região ou que necessitam do transporte público para isso, morar no Centro, tido como ‘degradado’, é muito melhor do que morar no Morumbi, por exemplo, um bairro ‘bom’, valorizado. É a partir da ideologia por trás da ‘degradação’ que busquei compreender as políticas públicas de habitação para o Centro.
imagem03. renda média familiar. fonte: Pesquisa OD Metrô, 2007 imagem04. densidade de empregos. fonte: Pesquisa OD Metrô 2007 imagem05. densidade populacional. fonte: Pesquisa OD Metrô 2007
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AGENTES E AÇÕES
Os principais agentes envolvidos na questão habitacional no Centro aqui considerados são o poder público e os movimentos de moradia. Serão analisadas as principais ações dos governos municipal, estadual e federal no que diz respeito, direta ou indiretamente, a esse tema específico da moradia na região central de São Paulo. No âmbito municipal, estudei as gestões a partir do mandato de Luiza Erundina (19891992) que iniciou o debate da habitação no Centro e implementou programas voltados para cortiços. Na esfera estadual, poucas foram as propostas desse caráter, e portanto, aqui só será analisado o Programa de Atuação em Cortiços, do governo Mário Covas. Por fim, na escala federal, analisaremos o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), da gestão FHC, que não é voltado para essa questão específica, mas quando combinado com alguns programas municipais, resultaram em alguns casos de habitação de interesse social no Centro. O programa Minha Casa Minha Vida, do governo Lula, não será analisado aqui pois não foram encontradas referências deste programa na área central. Os movimentos de moradia são agentes essenciais no entendimento dos próprios programas aqui analisados, pois, a pressão destes movimentos, seja com as ocupações, atos ou diálogo com o poder público, influenciou na elaboração de alguns dos projetos. Há casos, no entanto, em que apenas a presença das ocupações foi fator de influência em programas com
caráter gentrificador. As principais ações consideradas são as ocupações, cujo marco inicial será aqui considerado como a ocupação de 1997. Outro agente com grande influência em programas de revitalização da área é a Associação Viva o Centro, que pelo embate de interesses, contrário aos dos movimentos de moradia, exemplificam o conflito existente na região. Vale ressaltar a existência de vários outros atores importantes nesse processo, como as assessorias técnicas ou jurídicas, ONGs e outras associações que não serão apresentadas pelo recorte feito neste estudo.
imagem01.foto montagem do livro De uma janela Prestes Maia 911 foto: Julio Bittencourt
GOVERNOS E PROGRAMAS
Desde a década de 1970, há projetos do poder público com menções à revitalização do Centro, chegando a originar algumas ações pontuais, porém é só na década de 1990 que a pauta da habitação no Centro entra na agenda do poder público com um peso diferente do que ocorria até então, principalmente em decorrência da pressão de alguns setores da sociedade civil.1 Os principais agentes foram os movimentos de moradia de um lado e uma organização não governamental de outro. Com visões diferentes sobre o tema da ‘revitalização’ do Centro, aí se mostra claramente a disputa pela região: a defesa da moradia perto do trabalho no Centro por uma classe que enxerga a possibilidade de sobrevivência na estruturação de sua vida urbana nesta região, em contraposição às aspirações por um novo ciclo imobiliário de alta renda, e a possibilidade de transformar a área central da cidade em uma grande fonte de lucro.2 A revitalização é vista, então, de um lado como produção habitacional a fim de reverter o esvaziamento noturno e nos finais de semana, e melhor aproveitar uma infra-estrutura subutilizada nesses períodos; de outro, como revitalização no sentido mercadológico, que pretende atrair os interesses do mercado imobiliário para reverter a desvalorização. A partir dessas visões opostas, busquei fazer um apanhado das principais propostas dos governos municipais, estaduais e federais, relacionadas às questões habitacionais e à revitalização do Centro.
Luiza Erundina (PT) – 1989-1992 Direcionou grande parte de seus esforços à reurbanização de favelas, em que foram beneficiadas 26 mil famílias em 50 delas, predominantemente pelo sistema de mutirão. Vale ressaltar a participação das lideranças dos movimentos sociais e das associações de bairros no desenvolvimento dos projetos.
1. JOSÉ, B.K., A popularização do centro de São Paulo: um estudo sobre as transformações ocorridas nos últimos 20 anos, 2010, p.27 2. TSUKUMO, I.T.L., Habitação Social no
Criou o Fundo de Atendimento à População Moradora em Habitação Subnormal (Funaps), um financiamento aos movimentos de moradia, organizados em associações, com o fim de executarem os próprios moradores a construção de conjuntos habitacionais.3
Centro: legislação, produção e discurso, 2007, p.3 3. BLOCH, J.A., O direito à moradia, um estudo dos movimentos de luta pela moradia no Centro
O empenho explícito da PMSP para implementar uma política habitacional na área central foi declarado em 1990, pelo então superintendente de habitação popular, Nabil Bonduki. Reforçava-se a importância da questão diante do crescimento dos cortiços e da necessidade de refrear a expansão de assentamentos nas periferias. A Secretaria de Habitação (Sehab) também propôs uma nova forma de moradia na região, não mais assistencialista, como feito nas gestões anteriores. Foram duas experiências piloto: o Casarão Celso Garcia e o Conjunto Madre de Deus e foi realizado um concurso público de Anteprojetos para Habitação Popular no Brás. A publicação promovida pela Emurb
de São Paulo, 2007, p.70
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‘Resgate da Área Central’, de 1991, apresenta todos os projetos para o Centro como: Vale do Anhangabaú, Boullevard São João, Parque D. Pedro II, Concurso do Bairro do Bexiga, Operação Urbana e uma proposta de pautar a relação do poder público com a iniciativa privada.
As linhas de atuação do programa foram: -produção de HIS: previa a produção de novas uh, equipamentos para o bairro e regularização dos imóveis encortiçados. As áreas de intervenção, definidas pelas ZEIS 4, deveriam possuir infra-estrutura com capacidade de adensamento, imóveis deteriorados, interesse urbanístico, As propostas habitacionais para a região concentração de população de baixa central foram consolidadas no documento renda e possibilidade dos proprietários ‘Cortiços: Programa de Habitações de participarem dos empreendimentos. O Populares da Região Central de São Paulo’, atendimento proporcionado pela Funaps em que se define cortiço4 e lista-se os seria às famílias com renda de 1 a 4 pontos mais relevantes para a formulação salários mínimos (SM); e de um programa de intervenção, tais como: -recuperação de cortiços: propunha -distribuição espacial: concentração de instrumentos de gestão conjunta entre cortiços no Centro, onde o custo da terra poder público, movimentos populares e é alto mas já possui infra-estrutura; suas assessorias técnicas. -estrutura fundiária: dificuldade em remembrar lotes inibe um processo A prefeitura também estabeleceu dois de renovação urbana apesar da subprogramas de financiamento: para desvalorização imobiliária; aquisição de imóveis encortiçados por -condições de habitabilidade precárias e famílias associadas, com o pressuposto em situações de risco; e de propriedade coletiva do imóvel; e para -permanência da população reforma do imóvel encortiçado, ambos moradora para responder à demanda possíveis de combinação. principalmente advinda dos movimentos populares organizados.5 Assim como nos mutirões, este programa caracterizava-se pela participação Essa proposta baseava-se no Plano da comunidade na autogestão dos Diretor elaborado pela Sempla em 1992, empreendimentos financiados pela que propunha a delimitação de Zonas PMSP, além de incentivar a fixação dos Especiais de Interesse Social (ZEIS 4) moradores na região. para as áreas de cortiço. Eram definidas como áreas de concentração de habitação As áreas indicadas para ZEIS 4 foram: coletiva precária de aluguel onde Canindé, Glicério e Cinema da Mooca. Os houvesse o interesse público em promover projetos para produção de HIS foram: programas habitacionais destinados à Pari, Rua do Carmo, Celso Garcia, Madre população de baixa renda da região.6 de Deus, Cinema da Mooca, Fábricas e
4. Definição de cortiço: habitação coletiva precária de aluguel, constituída por cômodos alugados em uma ou mais edificações do mesmo lote urbano, onde coabitam famílias e indivíduos sós ou associados com utilização comum, no todo ou em partes de áreas de acesso e de equipamentos sanitários e de serviços. 5. DIOGO, E.C.C., Habitação Social no contexto da reabilitação urbana da área central de São Paulo, 2004, p.54 6. Ibid, p.55 imagem02. Casarão Celso Garcia e conjunto habitacional
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Kandinsky. O Programa de Recuperação de Cortiços se iniciou com 3 convênios com as associações de construção comunitária no Ipiranga: Imoroty (20 famílias), Pedro Fachini (20 famílias) e Eiras Garcia (24 famílias). Também foi implementado o Programa de Intervenção nos Cortiços de Origem nos locais de onde sairiam moradores para os projetos maiores, já que nem todas as famílias iriam para as novas áreas. As ações visavam a melhoria das condições de habitabilidade e das relações de aluguel, e também o fortalecimento dos movimentos de luta por moradia. Outra lei que serviu aos movimentos de moradia do Centro foi a Lei Moura, aprovada em 1991, que conceituou o cortiço e definiu condições mínimas de habitabilidade nos cortiços e formas de intervenções neles. Essa lei serviu mais tarde para a implantação do Programa de Atuação em Cortiços (PAC), do governo estadual.7 Ao fim da gestão, a Sehab publicou o relatório Programa Habitacional de Interesse Social, Relatório de Gestão 1989-1992, apresentando todas as ações planejadas, concluídas ou em execução até novembro de 1992 pela Sehab. Para a AR Sé, havia mais de 600 uh indicadas: -25 de Janeiro (Bom Retiro): Programa de Recuperação de Cortiços, compra e recuperação do imóvel com 33 uh;
-Eduardo Prado (Sta. Cecília): estudo preliminar para 25 uh; -Itariri (Pari): mutirão em cortiço com 14 uh; -Morro do Pari (Pari): área indicada pelo Movimento de Moradores de Cortiços e de Catadores de Papel com 472 uh e previa espaços comuns para as atividades dos catadores; -Casarão do Carmo (Sé): recuperação do casarão com 38 uh, cujo projeto era do arquiteto Paulo Bastos; e -Senador Felício dos Santos (Liberdade): proposta de mutirão para construção de 40uh pelo Programa de Recuperação de Cortiços.8 Para diversos urbanistas, sociólogos e movimentos de moradia, essa gestão foi precursora dos programas habitacionais voltados para o Centro, e é a partir daí que os movimentos populares se fortalecem, pois comprovou-se a viabilidade da produção de moradias para a demanda de cortiços em áreas centrais.9
7. SOUZA, T.S.C., Cortiços em São Paulo: Programas/Vistorias/ Relatos, 2011, p.62 8. DIOGO, E.C.C., op. cit. p.58 9. TSUKUMO, I.T.L., op. cit. p.64
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Paulo Maluf (PDS) – 1993-1996 Não deu continuidade ou desenvolveu qualquer proposta de habitação popular para o Centro, além de paralisar os mutirões iniciados na gestão anterior e extinguir a Funaps. Implantou o Projeto Cingapura ou Projeto de Urbanização de Favelas com Verticalização (PROVER), no qual favelas em áreas consolidadas e próximas a grandes vias, portanto, de grande visibilidade, eram em parte substituídas por conjuntos habitacionais. Foi um projeto de caráter publicitário, já que a maior parte das favelas continuava ‘escondida’ atrás dos prédios novos e não recebeu melhorias. Não houve nenhuma participação popular acerca da localização, nem em qualquer etapa de projeto. Para a região central, Paulo Maluf, com a pressão da Associação Viva o Centro, criou o Programa de Requalificação Urbana e Funcional do Centro de São Paulo, o Procentro10. Dentre os objetivos deste órgão estão a ‘reversão da desvalorização imobiliária e recuperação da função residencial’ e a ‘transformação do Perfil Econômico e Social da Área Central’ e atuar na solução de problemas de deterioração ambiental e paisagística; de acesso, circulação e falta de estacionamentos; de obsolescência, sub-utilização e falta de investimentos no estoque imobiliário e de deficiência na segurança pessoal e patrimonial. Junto a iniciativa privada, consta a recuperação de imóveis, valendo-se de incentivos fiscais, implantação de equipamentos
e mobiliários urbanos, projetos de arborização e iluminação, recuperação de calçadas etc.11
10. Decreto 33.389, 14/07/93 11. procentro.com.br/
Foram criados 15 pólos de recuperação urbana dentro do perímetro delimitado, os quais receberiam projetos específicos elaborados pela Emurb: Praças do Patriarca, Ramos de Azevedo, Antonio Prado, Sé, Pátio do Colégio, Fernando Costa, República, João Mendes e D. José Gaspar; Avenida São João, Largos São Bento, São Francisco, Santa Ifigênia e do Arouche e Vale do Anhangabaú. Formou-se então a Comissão Procentro, cujos comissários eram indicados pelo prefeito e representavam: Secretarias de Habitação e Desenvolvimento Urbano, Cultura, Planejamento, AR da Sé e da Mooca, CET, Emurb, Associação Viva o Centro e Sindicato de Empresas de Publicidade Exterior do Estado de São Paulo e possui financiamento pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
site/Programa.aspx, acesso em 29/05/12
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Celso Pitta (PPB) –1997-2000 Dá continuidade às propostas do antecessor, e segue, principalmente, com o Cingapura. Em 1997, lança o Projeto HabiCentro com o objetivo de continuar com as propostas de revitalização do Centro, discutidas no Procentro e apresentadas no Concurso de Idéias, promovido pela Viva o Centro e organizado pelo IAB. Indicava possíveis alternativas para tratar a questão habitacional, como projetos habitacionais para a classe média, Operação Cortiço, Projeto Terceira Idade e Projeto residencial estudantil. O documento cita um Plano Estratégico de Valorização do Centro, em que se previa a elaboração de um diagnóstico sobre a questão da habitação que deveria ser concluído com um Plano de Ação. No final deste ano, o Procentro publicou as Propostas para Habitação na Área Central, colocando a existência dos cortiços como um indício do potencial residencial da área e indicou duas frentes de atuação: habitações para classe média na zona cerealista e no pátio do Pari, e recuperação de áreas degradadas e encortiçadas com a construção de novas edificações em terrenos sub-utilizados e reforma de edificações abandonadas. No total, apresentava 700.000 m2 entre áreas passíveis de demolição, terrenos vazios, estacionamentos e edifícios vazios em bom ou mal estado. Segundo Diogo, as análises do Procentro eram simplórias e
continham erros grosseiros.12
12. DIOGO, E.C.C., op. cit., p.66
Nessa época, a União de Luta dos Cortiços (ULC) e o Fórum dos Cortiços conseguiram que o Procentro definisse um projeto piloto com 42 imóveis no Centro (24 novas construções, 10 reformas e 8 reciclagens), resultando em 2.850 uh. Nesse mesmo período, foi instituída a Operação Urbana Centro13, que estabeleceu um programa de melhorias para a área central com incentivos e formas para sua implantação, e cujo perímetro de atuação era o mesmo do Procentro. Previa concessões gratuitas de direitos adicionais de uso e ocupação do solo que deveriam incentivar o remembramento de lotes para usos residenciais, hoteleiros, culturais, de entretenimento e educacional; conservação de imóvel de interesse histórico com transferência ou venda de potencial construtivo adicional e reconstrução ou reforma de edifícios para adequação a novos usos. É nessa gestão que começam as grandes ocupações organizadas pelos movimentos no Centro.
13. Lei Municipal no 12.349, 15/05/97 imagem03. perímetro de atuação do Procentro
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Governo Estadual Mário Covas (PSDB) e o levantadas as informações de questões Programa de Ação em Cortiços (PAC) fundiárias e viabilidade econômica para Gerenciado pela CDHU, o programa deveria aquisição e produção de uh.14 propiciar condições de revitalização urbana de núcleos históricos das áreas Atuou com 3 tipos de atendimento: centrais em colaboração com iniciativas -Carta de crédito: documento emitido pela em desenvolvimento por instituições CDHU que permite ao morador adquirir públicas e privadas. Deu início às outro imóvel de sua escolha disponível atividades em 1998, a partir do Decreto no mercado. A renda familiar é decisiva 43.132, retomando a proposta de produção para a fixação do valor do crédito. Após pública de habitações no Centro da cidade vistoria do imóvel escolhido e análise de São Paulo e de Santos, mediante a da documentação do proprietário e do elaboração de projetos técnicos e de interessado pela compra, é assinado o edificação de obras. contrato em que o proprietário recebe o pagamento e o comprador paga as A área de atuação na capital envolvia prestações à CDHU; bairros das subprefeituras da Sé e da -Concessão Onerosa de Uso: é utilizada Mooca: Bela Vista, Liberdade, Cambuci, quando o cortiço será reformado e/ou Santa Cecília, Barra Funda, Bom Retiro, demolido para a construção de um novo Pari, Brás, Belém e Mooca. imóvel e a família escolhe voltar a morar no mesmo endereço após a obra. O morador, Para a realização desse programa, em então, passa a pagar mensalmente a taxa 2001, a CDHU selecionou algumas áreas do de concessão à CDHU e após 5 anos pode Centro com base no mapa de localização firmar o contrato de compra e venda com a de cortiços cadastrados pela Fundação CDHU com um prazo de 20 anos para pagar Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) o financiamento. Nesse caso, o morador em 1994 e no levantamento cadastral de tem que arcar com o aluguel durante a cortiços feito pela SEADE em 2001. Foi obra e a taxa de concessão onerosa até efetivamente implantado em 2002, com poder comprar o imóvel; e parceria e subsídio do BID. - Ajuda de custo: valor dado às famílias que não podem ou não optam por um A primeira análise resultou em um financiamento habitacional. Nesse banco de dados georeferenciado de subprograma, a família recebe o concentração de imóveis encortiçados. dinheiro da CDHU e o utiliza para pagar Na segunda fase, realizou estudos para por sua moradia. detectar quais imóveis eram passíveis de reforma ou demolição, análise de custos e Os requisitos para as famílias se produziu uma lista de imóveis prioritários cadastrarem são: serem moradoras há para o projeto. Na terceira etapa, foram mais de 2 anos em cortiços, ter renda entre
14. SOUZA, T.S.C., op. cit., p.70
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1 e 10 SM e nenhum membro da família cujo salário componha a renda pode ser proprietário de terreno ou imóvel no Estado de São Paulo. A princípio, tinha como meta até 2007 a construção de cinco mil uh, mas o numero chegou a apenas 800. Governo Federal Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e o Programa de Arrendamento Residencial (PAR) Elaborado em 1999, é um programa habitacional federal destinado à população com renda familiar de até 6 SM, utiliza recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) e é operacionalizado pela CEF. O programa consiste no arrendamento de unidades habitacionais (construções novas ou reformas) por um período de até 15 anos, prorrogáveis por mais 3, e, ao final, as famílias têm a opção de compra do imóvel. A taxa mensal é de 0,7% do valor total da uh pronta. São priorizados projetos em áreas de revitalização e de recuperação de sítios históricos, áreas de risco e de preservação ambiental e de acesso a pólos geradores de emprego e renda. Baseia-se no princípio de descentralização para as esferas estaduais e municipais, focaliza o gasto público orçamentário na faixa de renda inferior ou igual a 3 SM, com subsídio a fundo perdido, e financiamentos com recursos do FGTS (juros abaixo do mercado) para faixa de renda entre 3
e 12 SM. Busca, além disso, a inclusão das populações que obtém sua renda no mercado informal, ou que habitem em moradias irregulares ou em áreas não regularizadas das cidades. Possui duas modalidades de ação: construção de novos empreendimentos, geralmente situados nas periferias e reforma de edifícios. Atualmente, o PAR é administrado pelo Ministério das Cidades, criado no governo Lula, e procura tratar de forma adequada a implementação da Política Nacional do Desenvolvimento Urbano e das políticas setoriais de habitação, planejamento urbano, saneamento ambiental e de transporte e mobilidade urbana. É um programa que não se limita ao Centro, mas devido a parceria com políticas municipais, resultou em moradias populares na região, principalmente pelo PAR reforma.
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Marta Suplicy (PT) – 2001-2004 As políticas habitacionais destinadas à área central durante essa gestão se deram em 3 frentes. Primeiramente, apresentou-se o plano Reconstruir o Centro, elaborado pelo Procentro sob a coordenação da AR da Sé, a quem cabia definir as diretrizes para a área, e indicar, nesse contexto, o papel da habitação através do programa Morar no Centro. Não passou da etapa inicial, e o Morar no Centro se desenvolveu dentro da estrutura da Sempla e seus limites eram os mesmo sda extinta AR da Sé. A segunda frente se fez a partir do Plano de Reabilitação da Área Central ou Programa Ação Centro, desenvolvido pela Emurb e financiado pelo BID, e incorporou o Morar no Centro e o Procentro. Diogo ressalta que alguns objetivos do Reconstruir o Centro podem ser identificados no Ação Centro, mas este não é fruto ou desdobramento daquele. O Ação Centro limita-se à área da subprefeitura da Sé. A terceira frente, constituída pelo Plano Diretor Estratégico (PDE) e pelo Plano de Habitação, não se relacionando exclusivamente com o Centro, mas sendo fundamentais para a compreensão do contexto. O Plano de Habitação, elaborado pela Sehab, é mais um resultado de imposições do PDE do que um plano de ações para as questões habitacionais.15 MORAR NO CENTRO Os objetivos do Reconstruir o Centro eram basicamente resgatar o caráter público dos espaços, ampliar o uso residencial dos imóveis, atuar com um urbanismo não
excludente e possuir uma gestão voltada para os interesses coletivos. Resgata-se, portanto, a participação da sociedade civil iniciada pela prefeita Erundina e suprimida durante as gestões Maluf e Pitta.
15. DIOGO, E.C.C., op. cit., p.106 16. Sé: Sé, República, Bom Retiro, Santa Cecília, Consolação,
Para concretizar essas diretrizes, foram propostos os seguintes programas: Andar no Centro, Cuidar do Centro, Descobrir o Centro, Governar o Centro, Investir no Centro, Morar no Centro, Preservar o Centro e Trabalhar no Centro.
Bela Vista, Cambuci, Liberdade; Mooca: Pari, Brás, Belém e Mooca; Lapa: Barra Funda 17. DIOGO, E.C.C., op.
Era delimitado por 13 distritos e distribuídos pelas subprefeituras da Sé, Mooca e Lapa.16 A população desta área em 2000 era de 520.000 moradores com, aproximadamente, 45.000 domicílios vagos, 17,5% do total de domicílios da região.17 Apontada como uma região subutilizada, destacou-se também o descaso do poder público, principalmente no que se refere à manutenção e à conservação da infraestrutura e dos equipamentos urbanos. Pressupunha a necessidade de ampliação do uso residencial como consenso e constatou que o alto valor dos imóveis é um dos principais empecilhos para essa atuação. Assim, seria necessário combinar diversos instrumentos urbanísticos com estratégias imobiliárias e linhas de financiamento adequadas, tentando romper com as diretrizes das duas gestões anteriores que setorizava programas e financiamentos. Tinha por objetivo o repovoamento da área central, viabilizar moradia para
cit., p.129 imagem05. perímetro de atuação Morar no Centro
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barra funda
bom retiro
pari
sta cecília
consolação
república
brás
sé
bela vista
mooca cambuci
liberdade
belém
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a população de baixa renda, reabilitar edifícios desocupados para o uso habitacional e melhorar a qualidade de vida dos moradores.
COHAB, gestora do FMH (Fundo Municipal de Habitação), fazia a aquisição dos terrenos, a elaboração dos projetos e a coordenação das obras de provisão, PAR/ CEF e Locação Social, e a coordenação direta do projeto especial do Parque do Gato (antiga favela do Gato). A participação popular se dava através do Fórum dos Movimentos e Entidades do Centro.
No início da gestão, a coordenação deste programa era de responsabilidade do Procentro, vinculado ao gabinete da Sehab. Quando foi reformulado em 2001, passou a denominar-se Coordenadoria de Programas de Reabilitação da Área Central. As ações propostas a partir da articulação Sua comissão também foi modificada entre movimentos sociais, universidades e e passou a ter 31 representantes da assessorias técnicas foram: sociedade civil e do poder público. Suas atribuições eram: acompanhar o -PAR: por um convênio assinado entre desenvolvimento do Plano Reconstruir a PMSP e a CEF, para de definir as o Centro, deliberar sobre propostas atribuições específicas de cada órgão. A de isenção de IPTU, opinar sobre PMSP deveria facilitar a obtenção dos alterações da legislação e dos pedidos de imóveis, reduzir custos e prazos para financiamento, propor e aprovar ações em licenciamento, melhorar a qualidade dos conjunto com a sociedade civil e atribuir projetos e indicar a demanda prioritária, um selo específico para os imóveis que e isentar o IPTU dos imóveis do PAR. A atendessem aos requisitos dos programas CEF se responsabilizaria por destinar municipais. O perímetro de atuação do empreendimentos para a demanda Procentro também foi ampliado para o indicada, repassar os subsídios municipais limite da AR da Sé. para os arrendatários e atender critérios relativos à qualidade dos projetos e Pouco depois, o Procentro desvincula-se inserção urbana dos empreendimentos, da Sehab, mas a coordenação do além de ter atribuições como agente Programa Morar no Centro mantém-se gestor do programa. Exigia-se que o na Sehab, articulado com Ação Centro empreendimento se localizasse em áreas (Emurb) e com as subprefeituras da Sé com infraestrutura básica para se morar e Mooca. A Coordenadoria do Programa (escolas, postos de saúde, mercados) se responsabilizou por desenvolver os e serem próximas à rede de transporte Perímetros de Reabilitação Integrada coletivo, além de possuírem regularização do Habitat (PRIHs), propor e definir jurídica do imóvel, levantamento instrumentos de ação e acompanhar cadastral e alvará de reforma e projeto o desenvolvimento de subprogramas aprovado na PMSP. garantindo a articulação entre eles. A
imagem06. Edifício Riachuelo reabilitado para HIS foto: Eli K. Hayasaka
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A demanda indicada pela PMSP era composta por: famílias encaminhadas pelos movimentos de moradia, totalizando 50%; sindicatos, 30%; portadores de direitos especiais, 10%; e demanda do Habi-Centro, 10%. Os imóveis poderiam ser indicados pelos movimentos organizados, proprietários, corretores, construtores, escritórios de arquitetura e engenharia e pelo Grupo Técnico de Análise de Imóveis (GTAI). Projetos dentro deste programa: Imóveis desapropriados pela Cohab: Hotel São Paulo (137 uh), Aurora (90), Prestes Maia (249), São Vito (375), Asdrubal Nascimento (36); Viabilizados pelos movimentos de moradia: Riskallah Jorge (167), Fernão Sales (54), Celso Garcia (84), Maria Paula (75), Brigadeiro Tobias (84); Viabilizados por empresas construtoras por indicações da Sehab e assessorias técnicas: Joaquim Carlos (93), Ipiranga (180). Procurou criar grupos de apoio para as iniciativas dos movimentos junto à Caixa. Finalizou as obras em andamento, sendo um dos novos contratos assinados o do Hotel São Paulo. -Programa de Locação com o objetivo de atender as famílias com renda até 3 SM ou com renda per capta inferior a 1 SM. A proposta era criar um parque público de locação na área central formado por uh novas ou requalificadas. Começou pelo Centro devido à pressão dos movimentos de moradia, mas se estendeu para outras
regiões. O público alvo é formado por moradores de rua, idosos, portadores de necessidades especiais e moradores de áreas de risco ou insalubres. Os recursos seriam provenientes do FMH e do BID, sendo o custo unitário máximo de 35.000 reais. Parte do valor era subsidiado e o restante retornava ao FMH pelo pagamento do aluguel mensal. O valor do aluguel é composto pelo valor de recuperação do imóvel (total da unidade dividido em 360 meses), fundo de manutenção (30% do valor de recuperação) e taxa de administração (10% do valor de recuperação). O comprometimento da renda familiar deveria ser de 10 a 15%, de acordo com a faixa de renda e o número de pessoas por família. O total de unidades previstas na etapa piloto era de 1.680, das quais apenas 207 seriam reformas (Riachuelo, Hotel São Paulo, Senador Feijó, Baronesa de Porto Carreiro), e as outras construções novas (Parque do Gato, Olarias, Pari I, Metrô Belém, Bresser XIV, Assembléia, Cônego Vicente Marino). -Perímetros de Reabilitação Integrada do Habitat (PRIH) com intervenções em conjuntos de quadras com concentração de moradias precárias, combinação de produção de unidades habitacionais (PAR, Locação Social, Cartas de Crédito individuais e associativas), melhorias em cortiços, reabilitação do patrimônio, produção e melhoria de equipamentos públicos e de áreas verdes, ações culturais, de saúde, de educação, de capacitação
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profissional, de geração de emprego e renda, e criação de espaços destinados a atividades econômicas. Prevê uma nova forma de gestão com a presença dos escritórios técnicos (escritóriosantena) nos locais de intervenção e formados por equipes multidisciplinares, e visavam estabelecer a participação dos moradores nas fases do trabalho: diagnóstico, elaboração das propostas e implementação das ações. As atribuições dos escritórios-antena eram: elaborar e acompanhar as ações do Plano Integrado e Participativo de Intervenções, desenvolver projetos de melhorias habitacionais em cortiços e moradias precárias, assim como estudos da viabilidade de empreendimentos habitacionais e promover mobilização social para a constituição de um Comitê de Reabilitação do Perímetro, responsável pelo acompanhamento da implementação do plano após o encerramento das atividades do escritório-antena no local. Os perímetros foram indicados pelos movimentos de luta por moradia e, em seguida, estudados pelas assessorias técnicas. Os setores estudados em um primeiro momento foram o Cambuci, Belém, Brás, Barra Funda, Santa Cecília e Luz, e, posteriormente, Belém II, Bom Retiro, Bela Vista e Ipiranga.
Apesar dos escritórios-antena terem sido um dos eixos desse plano, eles não foram instalados dentro dos perímetros (Luz e Glicério) e a equipe técnica permaneceu na sede da Sehab. A composição multidisciplinar também não se viabilizou ao longo dessa gestão. -Intervenções em terrenos ou prédios isolados produzindo novas unidades habitacionais com reformas ou reciclagem de uso de edifícios vazios. -Intervenções em Cortiços: retomada de projetos iniciados na gestão Erundina, ao todo 5 empreendimentos, totalizando 93 uh. Além das obras, pretendia-se realizar a fiscalização com base na Lei Moura, ações de capacitação dos moradores de cortiços sobres seus direitos e um mapeamento dos cortiços. Os projetos eram: Casarão da Rua do Carmo, Vila 25 de janeiro, Imoroti, Eiras Garcia e Pedro Fachini. -Bolsa Aluguel pretendia garantir acesso à moradia para as famílias de baixa renda, por meio de subsídio temporário que complementasse o valor do aluguel do imóvel.
-Moradia Transitória: iniciado em 2001, visava atender as demandas surgidas com as intervenções em áreas de risco, por meio de obras de melhoria em cortiços e favelas, oferta de alternativas Serviram de base para a definição das ZEIS habitacionais específicas para moradores de rua e instalação de abrigos para 3 do Plano Diretor de 2002 e o PRIH Luz na mulheres e idosos. Consiste no subsídio rua 25 de janeiro foi selecionado como o para locação de unidades habitacionais projeto piloto.
imagem07. perímetro do PRIH Luz (25 de janeiro)
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ou vagas de hotéis no mercado privado por 2 anos. As famílias atendidas pertencem à demanda potencial do programa de locação social, do PAR e do PAC (Programa de Atuação em Cortiços) da CDHU. Os recursos viriam da CEF pelo PAR e Cartas de Crédito, do Governo Estadual pelo PAC e do Fundo Municipal de Habitação, criado em 1994 e do BID. Os obstáculos apontados por Diogo foram a obtenção de terrenos e imóveis vazios e a adequação à legislação.18 PROGRAMA AÇÃO CENTRO OU PROGRAMA DE REABILITAÇÃO DA ÁREA CENTRAL DA CIDADE DE SÁO PAULO Divulgado em 2003, era estruturado a partir de 5 componentes: desenvolvimento socioeconômico da área central; recuperação do ambiente urbano; melhoria da circulação e da qualidade dos transportes públicos; fortalecimento institucional do município; reversão da desvalorização imobiliária e recuperação da função residencial. O Morar no Centro acabou sendo incorporado por este programa, já que trata de ações mais gerais. A Emurb assumiu a função de órgão executor e as demais secretarias envolvidas assumiram como coexecutoras. A gestão ficou a cargo das instâncias de representação da sociedade civil e do poder público, do Fórum de Desenvolvimento Social e Econômico do Centro de São Paulo, do Conselho
Executivo Ação Centro e da Agência de Desenvolvimento do Centro. PLANO DIRETOR ESTRATÉGICO E PLANO DE HABITAÇÃO A lei 13.430 de setembro de 2002 institui o Plano Diretor Estratégico e o Sistema de Planejamento e Gestão do Desenvolvimento Urbano do Município de São Paulo, além de definir os Planos Regionais, a Lei de Uso e Ocupação do Solo, o Plano de Circulação e Transporte, e o Plano de Habitação como complementares ao PDE. Foram definidas: política de desenvolvimento urbano, função social da propriedade urbana, políticas públicas e o plano urbanístico-ambiental. A primeira evidencia o objetivo de otimizar a infraestrutura das áreas urbanizadas e consolidadas, principalmente as do Centro, incluindo como objetivos da política de urbanização e uso do solo: a necessidade de diversificar e mesclar os usos para reduzir os deslocamentos pela cidade; estimular o crescimento nessas áreas com infraestrutura e serviços; reestruturação e requalificação urbanística das áreas em processo de esvaziamento populacional e imobiliário, evitando a expulsão de moradores de baixa renda das áreas consolidadas. As ações estratégicas do PDE demonstram a necessidade de criação de instrumentos urbanísticos para estimular a requalificação de imóveis e bairros protegidos pela legislação de bens culturais, adaptando-os para funções
18. DIOGO, E.C.C., op. cit., p.163
40
adequadas às suas características e preservando-os como elementos de referência para a população; a criação de Operações Urbanas Consorciadas como as da Orla Ferroviária de Pirituba, Água Branca, Luz e Vale do Tamanduateí; a requalificação do Centro Histórico e seu entorno (Várzea do Carmo, Parque D. Pedro, entorno do Mercado Municipal, rua 25 de Março e arredores, zona cerealista e entorno da Estação da Luz); e o desenvolvimento e implementação de Planos de Urbanização em ZEIS.
dos recurso provenientes da valorização imobiliária em programas habitacionais de interesse social nas áreas consolidadas; requalificação de áreas de cortiços e urbanização de favelas com ações integradas com outros órgãos da PMSP, do Estado e do Governo Federal; facilitação do acesso da população de baixa renda à moradia através de financiamentos de longo prazo; e intervenções nas habitações coletivas de aluguel por meio de reciclagem e requalificação de edifícios subutilizados.
Sobre a função social, determinada pelo Estatuto da Cidade19, o PDE dá diretrizes aos imóveis que não a cumprem, tais como aplicação de parcelamento, edificação e utilização compulsórios, IPTU progressivo no tempo e até mesmo desapropriação com pagamentos em títulos da dívida pública. Estabeleceu critérios para esses imóveis localizados em áreas de ZEIS 2 e 3, de OUCs e Projetos Estratégicos.
Dentre os instrumentos propostos, os mais significativos foram as ZEIS. O PDE criou quatro categorias, sendo a terceira de interesse para essa pesquisa: “áreas com predominância de terrenos ou edificações subutilizados situados em áreas dotadas de infraestrutura, serviços urbanos e oferta de empregos, ou que estejam recebendo investimentos desta natureza, onde haja interesse público, expresso por meio desta lei, dos planos regionais ou de lei específica, em promover ou ampliar o uso por HIS ou HMP, e melhorar as condições habitacionais da população moradora”. O Plano de Urbanização das ZEIS deve incluir análises físico-ambiental, urbanística, fundiária, caracterização socioeconômica dos moradores, detalhamento dos projetos e intervenções previstos para a área, instrumentos urbanísticos a serem utilizados, formas de participação social, de integração das políticas setoriais, fontes de recursos, adequação ao PDE e aos Planos Regionais, plano de ação social e das atividades de geração de emprego e renda.
As principais diretrizes da política habitacional eram: a produção de uh nas regiões centrais com infraestrutura e em áreas vazias ou subutilizadas, e a recuperação de edifícios vazios ou subutilizados para a população de baixa e média renda; consolidação da moradia social nas áreas centrais com participação da população e do poder público municipal, estadual e federal, contribuindo para os programas de reabilitação dessas áreas com o incentivo da inclusão social, evitando a expulsão da população de baixa renda que mora e/ou trabalha nela; uso
19. Lei Federal no 10.257, 2001
41
Os Conselhos Gestores das ZEIS são compostos por representantes dos atuais ou futuros moradores e do poder Executivo; são responsáveis pelo envio do Plano para análise e aprovação da PMSP. Já as ZEIS situadas dentro das OUCs têm seus instrumentos submetidos às leis específicas das operações. O Plano Municipal de Habitação foi elaborado a partir de um diagnóstico das necessidades habitacionais de São Paulo e de sua estimativa de evolução. Seu documento foi divulgado em 2003 e, segundo Diogo, desenvolve de maneira séria e consistente a questão habitacional em São Paulo, ao apresentar o percurso histórico dos fatos mais relevantes das últimas décadas. Tem como objetivos propostos pelo Executivo: evitar a expulsão da população de baixa renda para as periferias e áreas de risco e proteção ambiental; produção de HIS com participação dos movimentos de moradia; e articulação de programas de HIS.
José Serra (PSDB) – 2005-2006 Segundo Santos, a partir desta gestão, tentou-se progressivamente a anulação dos canais de participação popular, o que fragilizou os movimentos de luta por moradia e os fez disputar o Conselho Municipal de Habitação de forma desunida.20
20. SANTOS, A.L.T., A prática dos movimentos de moradia na produção do espaço da cidade de São Paulo: os limites da participação e a (im)possibilidade de emancipação, 2010,
Muitos dos programas da gestão anterior foram suprimidos. Segundo entrevistas feitas por Santos, os avanços na política municipal da gestão Serra estão relacionados com os resultados da gestão Marta Suplicy.
p.229 21. FÓRUM CENTRO VIVO, Violações dos Direitos Humanos no Centro de São Paulo: propostas e reivindi-
É durante essa gestão que ocorrem muitos despejos, alguns com violência policial, de acordo com o Dossiê de Denúncia do Fórum Centro Vivo.21 Segundo Bloch, houve também uma medida não confirmada oficialmente consistindo na oferta de 5 mil reais pra cada família que deixasse a cidade e retornasse a seu local de origem. A política habitacional para o Centro foi quase nula. No entanto, chama a atenção uma política pública desta gestão destinada ao Centro: a Operação Limpa. Tem seu foco na Luz e no Glicério, sob o pretexto de combater o comércio e consumo de drogas e evitar a degradação da região. Iniciou-se com ações comandadas pela polícia militar e guarda civil metropolitana, resultando no fechamento de hotéis e outros estabelecimentos, bem como diversas ações de despejo, construção de rampas ‘antimendigos’, retirada de bancos das praças ou substituição por bancos ‘anti-mendigo’ etc.22
cações para políticas públicas, São Paulo, 2006 22. FÓRUM CENTRO VIVO, op. cit., p.3
42
Gilberto Kassab (DEM/PSD) – 2006 - 2012 Retoma o Bolsa Aluguel com o nome de Parceria Social e apresenta um programa que passa por intenso debate atualmente e envolve a questão habitacional para a Centro: a OUC Nova Luz23. Foi aprovada quando ainda era vice-prefeito e declara diversos imóveis como sendo de utilidade pública para o plano de urbanização da Nova Luz; também destina à iniciativa privada um importante papel na transformação da região, ao indicar uma zona de isenção fiscal para atrair empresas para essa região e catalisarem um processo de desenvolvimento urbano para o resto do Centro.24 Segundo os movimentos e moradores da ocupação Mauá, esta operação é a responsável pelas ações violentas na ‘crackolândia’ e pela atual ameaça de despejo das famílias que ocupam o prédio, já que ele se encontra no perímetro da OUC Nova Luz e não das ZEIS 3. Já receberam liminar de reintegração de posse, que vem sendo adiada pelo Ministério Público, assim como visitas intimidadoras da PM. Os moradores vivem com a incerteza dessa liminar voltar a ser validada. O número de despejos de ocupações durante essa gestão também é alarmante. Segundo o Observatório de Remoções, em 2012, o total de famílias removidas de imóveis abandonados, cortiços ou favelas no Centro já é de 1.115.25 Em 2010, foi lançado o programa Renova SP Centro que indicou 53 edifícios
para serem transformados em HIS. Desde então, apenas um está sendo reformado para uma demanda até então desconhecida pelos movimentos de moradia. Este edifício em obras na esquina da avenida São João com a Ipiranga, antigo Hotel Cineasta, será destinado a artistas aposentados.
23. decreto nº 46.291,
Outra polêmica diretamente relacionada a essa gestão é a questão dos incêndios em várias favelas da RMSP, que podem estar ligadas à especulação imobiliária como mostra o Laboratório Fogo no Barraco26. Recentemente, vimos o caso da Favela do Moinho, localizada na área Central, próxima ao local de uma futura estação da CPTM.
25. observatoriode-
de 5 de setembro de 2005 24. NISIDA, V.C., Outra Luz: alternativas urbanísticas para o Projeto Nova Luz, 2011, p.101
remocoes.blogspot. com.br/2012/09/centro.html, acesso em 13/10/12 26. fogonobarraco. laboratorio.us , acesso 30/10/12 imagem08. mapa de remoções e projetos fonte: Observatório de Remoções imagem09. mapa de incêndios e mercado imobiliário fonte: Fogo no Barraco
43
44
alguns exemplos de reformas para HIS Para a proposta de habitação que veremos em seguida, busquei algumas referências de edifícios reformados pelos programas analisados. São alguns exemplos: -Edifício Labor: abandonado há 10 anos até sua ocupação em 1997 pelo MSTC e ULC, que tiveram sucesso na negociação com a CEF para viabilizar sua reforma pelo PAR, concluída em 2004 e destinou 84 habitações de, aproximadamente, 34 m2 aos movimentos citados para famílias de 3 a 4 SM. As assessorias envolvidas foram a Integra e a GRAO. -Hotel São Paulo: localizado na esquina da Praça da Bandeira, seu uso original era um hotel de alto padrão da década de 1940, mas foi sendo abandonado pelas transformações do Centro. O Fórum dos Cortiços o ocupou no fim da década de 1990 e desenvolveu propostas para inclusão do edifício no PAR. Teve apoio técnico do escritório Fábrica Urbana. A reforma desse edifício envolveu as Secretarias da Saúde e Educação, pois destinou o térreo e o mezanino para unidade básica de saúde e creche. São 152 uh:16 quitinetes, 111 apartamentos de 1 dormitório, 20 apartamentos de 2 dormitórios e 5 apartamentos adaptados para deficientes físicos e as áreas variam entre 26 e 45 m2. - Edifício Joaquim Carlos: encontra-se em ZEIS-3 e já havia sido ocupado até ser reformado em 2004 (foi entregue apenas em 2007) pelo programa Morar no Centro. O proprietário do prédio colaborou no processo
devido ao alto custo de manutenção e dívidas de IPTU. O projeto, destinado a demanda da ULC para famílias de 3 a 5 SM, ficou a cargo da assessoria Integra, que propos 48 quitinetes, 42 apartamentos com 1 dormitório e 3 adaptados para deficientes físicos, com área útil entre 40 e 60 m2, além de uma área comum de 200m2 com sala de computação e biblioteca. Nos fundos, localiza-se um grande salão de festa com cozinha e sanitários e os moradores planejam ainda instalar uma churrasqueira no local. -Edificio Senador Feijó: construção da década de 1930 de uso misto, transformado em hotel e subutilizado no começo do século. Em 2001, foi classificado pelo GTAI como ‘muito viável’ para reforma de HIS, mas só foi adquirido em 2003. O projeto previu 45 uh, sendo 9 por andar com área útil entre 25 e 35 m2 para quitinetes e apartamentos de 1 dormitório para a modalidade de Locação Social. Foi entregue em 2008. -Edificio Riskallah Jorge: Situado na rua de mesmo nome esquina com a avenida Prestes Maia, é um edifífio da década de 1940 e antigo hotel e a partir de 1970 foi abandonado. Foi ocupado pelo MMC e em 2001 a prefeitura iniciou os procedimentos do PAR. O projeto é do escritório de restauro da arquiteta Helena Saia, que alojou 167 apartamentos, de, aproximadamente, 30m2 sendo 11 por andar. Foi entregue para a demanda do MMC em 2003.
imagem10. planta de pavimento tipo do Edifício Labor
45
imagem11. planta de pavimento tipo do Edifício Riskallah Jorge imagem12. planta de pavimento tipo do Edifício Hotel São Paulo imagem13. planta de pavimento tipo do Edifício Senador Feijó imagem14. planta de pavimento tipo do Edifício Riachuelo fonte: SILVA, caderno de estudos e DEVECCHI, A. M., Reformar não é construir: a reabilitação de edifícios verticais, novas formas de morar em São Paulo no século XXI desenhos sem escala
MOVIMENTOS E OCUPAÇÕES
Neste tópico da pesquisa, procurei reconhecer os agentes que influenciaram, ou melhor, pressionaram o poder público por políticas públicas ou programas para habitação social no Centro. Como já foi dito anteriormente, é uma região de conflito, de intensa disputa, e por isso, busquei estudar além dos movimentos de moradia, o agente ‘do outro lado da disputa’: a Associação Viva o Centro. Associação Viva o Centro A Associação Viva o Centro foi fundada em 1991, pelo então Bank Boston (incorporado ao grupo Itaú), apoiado por várias ‘financiadoras’, como a Bolsa de Valores, grandes escritórios de advocacia e lojas comerciais. Foi a grande responsável pela criação do Procentro, em 1993, pelo programa estadual Centro Seguro e pelo Programa Ação Local, que dividiu a área central em 50 microrregiões, nas quais entidades do comércio local deveriam ‘zelar por sua rua ou sua praça’, com a manutenção das áreas comuns. Colaborou com o Governo do Estado na implantação do complexo cultural da Estação Julio Prestes. Possui uma revista própria, a URBS, que, segundo Bloch, exprime sua linha de pensamento de saneamento dos espaços urbanos, retirando os grupos sociais menos favorecidos economicamente que os ocupam. Também há documentos sobre os temas do “Tráfego e Segurança do Pedestre na Área Central” (1993) e dos “Camelôs”. Tsukumo também afirma que a questão dos ambulantes é tratada de
forma preconceituosa, associando-os à criminalidade. Com o respaldo da prefeitura, principalmente durante as gestões de Maluf e Pitta, o intuito das proposta para o Centro era a sua revitalização promovida pela valorização dos imóveis incentivando também a recuperação física e social com parcerias público-privadas. Eram, em outras palavras, propostas de higienização social, o que levou universidades e movimentos sociais a criarem o Fórum Centro Vivo, se opondo à Associação e propondo a reabilitação com inclusão social, em defesa dos trabalhadores e moradores do Centro. Tal reação somou-se à construção da defesa pela habitação social, promovida pelos movimentos e acadêmicos ligados à reforma urbana e moradia. Vemos hoje políticas públicas do prefeito Gilberto Kassab condizentes com os preceitos Associação Viva o Centro, consistindo na retirada de albergues de moradores de rua do Centro e transferidos para regiões periféricas, proibição de doação de alimentos aos moradores de rua, novas ações policiais de retirada compulsória dos usuários de drogas da região da ‘crackolândia’, entre outras.
47
Principais movimentos de moradia A luta pela moradia ganhou força através dos movimentos da periferia, os quais contavam com a participação de técnicos e intelectuais de esquerda. Nas décadas de 1970 e 1980, de forte mobilização sindical, a luta pela habitação foi associada à luta por melhores salários, além da reivindicação de uma política habitacional efetiva. O salário precisava ser maior para que incluísse os custos de moradia. Já na década de 1990, a luta por políticas públicas ganha força em detrimento da luta por melhores salários. A luta passou a centrar-se na reivindicação de políticas habitacionais que incluíssem a provisão de infraestrutura e equipamentos públicos nas áreas periféricas, atributos do Estado. Os movimentos de moradia já atuantes na periferia, começaram a se organizar na região central, em torno do mote ‘chega de aluguel e despejo’. A formação desses grupos se consolidou nos anos 80, quando houve ocupação de terrenos vazios na periferia, principalmente públicos, a fim de forçar sua destinação para a construção de habitação social. Essas manifestações eram integradas aos movimentos pela Reforma Urbana, o que levou à consolidação do conceito de Função Social da Propriedade na Constituição de 1988, assim como nos instrumentos definidos no Estatuto da Cidade. Os movimentos do Centro nasceram da mobilização dos cortiços na década de
1980, primeiramente como Movimento de Unificação dos Cortiços, com apoio do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, dando origem posteriormente à Unificação da Luta dos Cortiços (ULC), fundada juridicamente em 1991, que reunia movimentos atuantes em vários bairros do Centro.27 Tanto na região central como na periferia, a mobilização se deu em conjunto com as pastorais da Igreja Católica. Elaboram, então, a questão da habitação no Centro a partir do alto número de imóveis ociosos e a presença de milhares de pessoas que viviam em cortiços. Assim, constroem os discursos e as ações com base na concepção de reforma urbana que legitima a ocupação de imóveis em função dos direitos de cidadania. Muitas vezes, vemos faixas com frases de efeito como: ‘Quando morar é um privilégio, ocupar é um direito’. As ações, sejam elas ocupações ou atos, são isoladas ou em conjunto, ou seja, com um ou mais movimentos, utilizam-se da mídia quando realizam a ‘invasão’, termo utilizado pela grande mídia, ou quando ocorre reintegração de posse. O objetivo é chamar atenção para a causa, transmitir à esfera pública as suas reivindicações. Buscam, portanto, destinar políticas públicas para as camadas mais pobres e, sobretudo, a participação nos processos de decisão governamental necessários a uma política urbana que inclua benefícios à cidade.28
27. JOSÉ, B.K., op. cit., p.29 28. Ibid, loc. cit.
48
Associação Viva o Centro fundação em 1991 bancos escritórios comercientes
MTSTRC fundação 1998 filiação FLM Fórum dos Cortiços fundação 1993 filiação UMM CMP ULC fundação 1991 filiação UMM CMP
MSTC fundação 2000 filiação FLM MMC fundação 1997 filiação UMM CMP
O Fórum de Cortiços sai da ULC em 1991 e Verônica Kroll é sua coordenadora desde então. Alguns anos depois, em 1994, de outro racha da ULC surge o Movimento de Moradia do Centro (MMC), que teve como principal líder Gegê. Em 1997, realizou-se a primeira ocupação do Centro com 1.500 famílias organizadas pela ULC em um casarão da rua do Carmo e durou 50 dias. Inicialmente, o objetivo era ocupar para morar. No entanto, muitas ocupações eram de tamanha insalubridade que se tornavam inviáveis como moradia. A estratégia de ocupação começa a ser revista ao fim da década e os movimentos passam a ocupar por um breve período para ganhar visibilidade e pressionar o poder público. Esse novo caráter das ocupações foi um dos principais motivos de novos rachas. Do Fórum dos Cortiços saiu, em 2000, o Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC) e, do MMC, em 2003, nasceu o Movimento de Moradia da Região Central (MMRC). Esse dois novos movimentos são, até hoje, favoráveis a ocupar para morar e coordenam a ocupação Mauá. A ULC, o Fórum dos Cortiços e o MMC são filiados a União dos Movimentos de Moradia (UMM) e a Central de Movimentos Populares (CMP). Já o MSTC e o MMRC são filiados à Frente de Luta por Moradia (FLM). A característica principal que os diferencia é a posição sobre o objetivo das ocupações: para os primeiros, forma de pressão e para os últimos, moradia.
MMRC fundação 2003 filiação FLM
-União da Luta dos Cortiços (ULC) Fundada em 1991, é considerada por diversos líderes de outros movimentos a sua matriz e a primeira em São Paulo a tratar a questão dos cortiços. O trabalho no Centro se inicia em 1992, quando a prefeita Erundina prioriza os mutirões na periferia. Ganha força a discussão de que morar no Centro é mais barato para as famílias, e lá possuem melhor qualidade de vida. Em 1997, realiza a primeira ocupação, a maior da época, no Casarão do Carmo, onde hoje funciona uma escola secundária, restaurada e tombada pelo patrimônio histórico. É composta por 17 membros da diretoria executiva e suplência. A diretoria é composta por secretário, comunicação, financeiro, e coordenador representante. Possui também uma comissão de ética e um coordenador de projetos. O mandato é de dois anos e são realizadas eleições de chapa única. É composta pelos grupos de base: Bela Vista, Campo Belo, Cambuci, Brás, Belém, Mooca, Bom Retiro, Glicério e Pari. Segundo registros, conta com 5 mil pessoas, 2 mil atuando diretamente. Os recursos provém da contribuição dos próprios militantes do movimento. Possui assessoria jurídica e técnica pela Integra, que acompanha a ULC há mais
diagrama. origem, fundação e filiação dos movimentos de moradia do Centro
49
de 10 anos e realizou dois projetos: Celso Garcia (84uh) e Brás (prédio particular). Para este movimento, o principal problema do Centro é a revitalização da forma como tem sido realizada. Exigem mais do que a moradia, desejam a presença de faculdades, comércio, acesso e diminuição da poluição. Vêem no centro o vazio urbano noturno como causa da falta de segurança. A atuação deste movimento consiste em ocupações pontuais com data e hora marcadas, e funcionam como forma de dar visibilidade ao problema do Centro, por mais que o resultado efetivo destas atuações seja pequeno. -Movimento de Moradia do Centro (MMC) Conta com 17 coordenadores estatutários, um coordenador político, secretários e conselho fiscal. Ocorrem eleições a cada 2 anos e todas as decisões são feitas em assembléias. Segundo Bloch, há cerca de 5000 pessoas cadastradas, e as atuantes somam cerca de mil. Os participantes colaboram mensalmente para cobrir o custo de faixas, bandeiras etc.
Nelson Che, um dos coordenadores da ocupação Mauá e com quem o coletivo do GFAU mais se aproximou. Sua estrutura é formada por um coordenador geral, segundo coordenador, tesoureiro, segundo tesoureiro e um coordenador fiscal. Fazem eleições e assembléias e os recursos são provenientes de contribuições dos participantes, que são um total de 2500 famílias cadastradas. Recebem suporte da ONG Apoio, com cursos de formação e palestras para a inclusão das famílias no mercado de trabalho e no ensino superior. O movimento tem como uma de suas prioridades a formação tanto dos quadros, quanto das famílias filiadas, e procura arrecadar recursos de entidades não governamentais. Atualmente, Nelson deseja formar um grupo de estudos na Mauá, que está se formando com a presença do SAJU, de estudantes da FAU e, principalmente, dos moradores da ocupação.
Possui o apoio de assessorias e convênios como o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, o Instituto Pólis e a Integra.
Para este movimento, a principal forma de luta é a ocupação. Enfatizam, no entanto, a necessidade de elaborar pautas conjuntas, aliando a luta pela moradia às lutas por educação, saúde e outras relacionadas às melhorias na condição de vida da população.
-Movimento de Moradia da Região Centro (MMRC) Fundado em março de 2003 por divergências com o MMC, tem como líder
-Fórum dos Cortiços Desligou-se da ULC em 1992 e tinha inicialmente três grupos que o formavam: Ipiranga, Vila Formosa e Brás. Segundo
50
ano
movimento FLM
F. Cortiços
MMC
MMRC
MSTC
MTSTRC
ULC
UMM
1997
-
4
1
-
‐
‐
2
‐
1998
1
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-
-
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1
‐
‐
1999
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3
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2000
-
-
-
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1
‐
‐
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-
-
2
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‐
2002
-
-
-
-
3
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1
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‐
‐
2004
5
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7
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2005
4
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‐
1
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2006
1
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2007
1
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1
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3
2008
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-
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-
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2009
1
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-
2
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2010
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2012
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-
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‐
‐
1
total
37
12
4
4
30
16
9
23
um entrevistado por Bloch, a diferença de pertencer ao Fórum é a intermediação entre a CDHU e os moradores de cortiços não só da região central, ou seja, escolhem o caminho do diálogo direto com o poder público, não mais promovendo ocupações, principalmente após os programas do governo Marta. Hoje, a forma de protesto são os atos. Conta com aproximadamente 6 mil famílias cadastradas. Sua organização é composta por diretoria, coordenação ampliada formada por grupos divididos em bairros, que fazem parte do executivo. Fazem assembléias periodicamente, divididas em temas e entre os movimentos de bairros. Trabalha com duas assessorias: a Ambiente e a Fábrica Urbana, que realizam e estudam as viabilidades dos projetos para os terrenos e cortiços. Possuem também uma advogada trabalhando com a assessoria jurídica. -Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC) Nasceu em 2000, após uma ruptura com o Fórum dos Cortiços e tem como coordenadora Ivanete Araújo (Neti). Possui uma diretoria colegiada, com diretores eleitos através de assembléias do movimento. A coordenação, formada por 90 coordenadores, reúne-se regularmente para passar informes e traçar planos de luta, além de programar calendários de discussões para o mês seguinte. Uma vez ao ano fazem o balanço geral do movimento.
O total de famílias cadastradas é de cerca de 7 mil, contribuindo mensalmente para o movimento. Conta com a assessoria jurídica da ONG Apoio, que também promove palestras e cursos de formação.
tabela01.ocupações por ano e movimento. Fonte: NEUHOLD, R.R., op. cit., p. 70 e notícias sobre as ocupações na grande mídia e mídia
A principal forma de atuação são as ocupações. -Outros movimentos Com o desenvolvimento do trabalho, fui conhecendo novos movimentos que ainda não tinham sido citados nas teses estudadas ou nas notícias levantadas. No começo do 2º semestre de 2012, um outro edifício da São João foi ocupado, e continua até então, pelos Movimento de Moradia Para Todos (MMPT) e Movimento de Moradia com Inclusão Social (MMIS), que, aparentemente, são filiados à CMP. A ocupação Ipiranga 908, com 130 famílias, reintegrada no dia 28/10/12, pertencia ao movimento Terra de Nossa Gente (TNG), filiado à FLM. O Movimento Sem-Teto pela Reforma Urbana (MSTRU), fundado há mais de 10 anos, é o responsável pela coordenação da Ocupação São João que veremos a seguir. Também filiado à FLM, uma de suas coordenadoras é Antônia Nascimento. Em uma visita à Câmara Municipal, um integrante da FLM apontou um outro movimento como ’pelego’, pois sempre votavam em conjunto e em favor da Prefeitura, inclusive nas mudanças polêmicas do Plano Municipal de
independente.
51
ano
propriedade
total
pública
privada
s/ informação
1997
5
0
1
1998
1
2
0
3
1999
7
7
1
15
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0
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2001
2
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3
2002
3
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0
5
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6
2004
4
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13
2005
6
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7
2006
3
3
0
6
2007
2
2
1
5
2008
s/ notícias
s/ notícias
s/ notícias
s/ notícias
6
2009
2
0
0
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total
42
35
23
100
Habitação. O Movimento de Sem-Teto do Ipiranga (MSTI) logo apareceu na mídia como aliado ao candidato a prefeito José Serra, e que, em um ato em favor do candidato, receberiam pontos para, se eleito, beneficiarem-se com programas habitacionais. 29 as ocupações A partir do levantamento de teses, principalmente do trabalho de Neuhold, listei as ocupações para iniciar um trabalho de mapeamento, sendo inicialmente um dos produtos do TFG. No entanto, pela falta de tempo e desvio de atenção para outros assuntos, foi feito apenas um mapa indicativo. O objetivo aqui é observar que as ocupações tem sido promovidas em grande escala, ou seja, em atos com mais de 1000 famílias, a partir da gestão Serra-Kassab e em conjunto com vários movimentos. Pode surpreender o fato de que ocorreram muitas ocupações durante o mandato de Marta Suplicy, a que mais fez pela habitação no Centro. No entanto, essas ocupações ocorriam com o objetivo de cadastrar as famílias nos programas, já que viam nessas ações uma possibilidade de atendimento. É interessante observar a ocupação de vários edifícios mais de uma vez, alguns, mais de 4, como o edifício do INSS na avenida 9 de julho, abandonado pelo menos desde 1997, quando se deu a sua 1ª ocupação e para o qual já existe projeto de reforma.
Na primeira tabela, percebemos em que momento as ocupações são revistas, quando ocorrem os rachas nos movimentos. Como vimos, o Fórum dos Cortiços, a ULC e o MMC já não ‘ocupam para morar’ e, a partir de 2002, não se têm mais informações deste tipo de atuação por estes movimentos, por outro lado, a atuação do MSTC e MMRC se intensifica a partir de então.
29. folha.uol.com.br/ poder/1171063-sem-teto-ganha-beneficio-para-apoiar-serra-em-sao-paulo.shtml, acesso em 19/10/12 tabela02.ocupações por ano e propriedade do imóvel. Fonte: NEUHOLD, R.R.,
Outro fator que chama atenção é o número de ocupações em edifícios públicos, não tão mais numerosas que as ocupações em terrenos ou prédios privados. De início, pensei que as ocupações se dariam mais em edifícios ou áreas públicas, já que se tratam de uma forma de pressionar o governo por políticas habitacionais ou pela eficiência dessas. No entanto, pode-se afirmar que além das políticas públicas, os movimentos denunciam o não cumprimento da função social da propriedade quando ocupam edifícios privados. A seguir, é apresentado um diagrama em forma de linha do tempo cruzando informações: governos das 3 esferas, seus programas e as ocupações. Logo depois, apresento a lista e o mapeamento das ocupações. Com isso, busquei visualizar temporalmente e geograficamente as atuações dos movimentos.
op. cit., p. 71 e notícias sobre as ocupações na grande mídia e mídia independente.
52
federal
estadual
municipal
Orestes Quercia PMDB
Orestes Quércia PMDB
Luiza Erundina PT
Itamar Franco PMDB
Luiz Antonio Fleury Filho PMDB
90
92
Paulo Maluf PDS
94
96
Fernando Henrique Cardoso PSDB
Mario Covas PSDB
98
Celso Pitta PPB
00
02
Geraldo Alckmin PSDB
04
Luiz Inácio Lula da Silva PT
06
José Serra PSDP
08
José Serra PSDB
10 Dilma Rousseff PT 12
Marta Suplicy PT
Geraldo Alckmin PSDB
Gilberto Kassab DEM
53
programas
ocupações
• Cortiços: Programa de Habitações Populares da Região Central de São Paulo • Programa de Intervenção nos Cortiços de Origem • Lei Moura
•Procentro
• Programa de Atuação em Cortiços (PAC)
•Casarão Santos Dumont•Pirineus,117•Casarão do Carmo•INSS 9 de Julho •Ouvidor,63•Maria Paula,171•Floriano Peixoto,60•Hospital Matarazzo•Riach
•Projeto HabiCentro -Operação Cortiço
uelo,275•Frederico Abranches•Hospital N. S. da Conceição•Hospital N. S. da Conceição•Ed. Ana Cintra,123•Paulino Guimarães,224 •Líbero Badaró,89•FEBEM Mooca•R. da Abolição,431•Gasômetro,660 •Marques de São Vicente,235•CPTM
• Programa de Arrendamento Residencial (PAR) • Morar no Centro -Locação Social -Perímetros de Reabilitação Integrada do Habitat (PRIH) -Programa de Intervenção em Cortiços -Bolsa Aluguel -Moradia Transitória (PAR e PAC)
Luz•Ed. Labor•Hotel São Paulo•Ed. Olga Benário•Conde São Joaquim,163• Duque de Caxias, 401 25 OCUPAÇÕES •Pres. Wilson•Canindé,85•Bráulio Gomes,139•CEF pça Roosevelt •INSS Rangel Pestana•Cons. Crispiniano,379•Encol •Joaquim Piza,150•Mercúrio,395•Prestes Maia,911•INSS Rodolfo Miranda• Ed. Santa Inês•Hotel Danúbio•Hotel Snt Dumont•Hotel Terminus •Rego Freitas•Plínio Ramos,112•Tenente Pena,297•BPM/ Pq. D. Pedro II•Colégio Campos Salles•Diocleciana, 28•Barão de Iguape•Monsenhor de Andrade•Hotel Novo Milênio•Rego Freitas,527•Sólon,915•INSS Cons. Crispiniano, 125• Conselheiro Carrão,202 •Barão de Piracicaba,125•CEF pça Roosevelt 30 OCUPAÇÕES
• Operação Limpa
•INSS Rangel Pestana•INSS 9 de Julho•Colégio Campos Salles•CEF Joaquim Carlos,76 •CDHU Cel. Antonio Marcelo•Cesário Alvim, 693 •Hospital N. S. da Conceição•COHAB Belém•Hospital N. S. da Conceição•INSS Rangel Pestana •Consolação,1813•Álvaro
• Operação Urbana Nova Luz
Ramos•Conselheiro Carrão,202 •Hotel Snt Dumont 13 OCUPAÇÕES •São Vito•CEF pça Roosevelt•Casper Líbero, 88 •INSS Rangel Pestana•INSS 9 de julho•Prestes Maia•9 de Julho, 1084•Carlos Garcia•Hotel Terminus•Prestes Maia, 911 •Hotel Columbia Palace•INSS 9 de Julho•INSS 9 de julho•prédios da CDHU no centro• Hotel Aquarius•Conselheiro Nébias •Vitória •Hotel Terminus•São João, 628•São joão, 625•Rio Branco•INSS 9 de julho•José Bonifácio, 137• Av. Ipiranga, 879•São João, 251•r. das Palmeiras x r. Helvetia• Prestes Maia, 576•Rua Quintino Bocaiuva, 242•Alameda Cleveland, 195•Helvetia, 55•Av. São João, 288 32 OCUPAÇÕES
1997 1. Casarão Santos Dumont (Secretaria da Cultura, atual Museu da Energia) al. Nothman x al. Cleveland Fórum dos Cortiços e MSTC 08/03/97 05/04/2001 2. Pirineus, 117 (imóvel da USP) Fórum dos Cortiços 02/04/97 transformado em HIS pela CDHU pelo PAC 2003 3. Casarão do Carmo, 88 (Secretaria da Fazenda, FAZESP) ULC 13/06/97-06/08/97 4. INSS 9 de Julho, 570 Fórum dos Cortiços e MSTC 02/11/97-2003 existe projeto do PAR 5. Ed. Secretaria da Cultura, r. do Ouvidor, 63 ULC e MMC 12/12/97-12/11/05 6. Ed. Maria Paula, 171 Fórum dos Cortiços 1997 não se sabe ao certo se foi ocupado ou só receberam pronto 1998 7. CEF Floriano Peixoto, 60 MMC 25/12/98-2001 8. Hospital Matarazzo, al. Rio Claro, 190 Fórum dos Cortiços 05/10/98-08/99 9. Riachuelo, 275 MTSTRC 13/11/1998-03/99 reformado
1999 10. Frederico Abranches Fórum dos Cortiços 03/01/99-08/01/99 11. Hospital N. S. da Conceição, r. 21 de abril, 569 MTSTRC 03/99-??/?? projeto PAC CDHU 12. Hospital N. S. da Conceição, r. 21 de abril, 569 ULC 05/99-??/?? projeto PAC CDHU 13. Ed. Ana Cintra, 123 Fórum dos Cortiços e MSTC 13/05/99-20/01/04 reformado CDHU 14. Paulino Guimarães, 224 (Secretaria Estadual da Fazenda) Fórum dos Cortiços e MSTC 07/99-2001 15. Banco Nacional Libero Badaró,89 MMC 13/08/99-28/01/00 16. R. da Abolição, 431 (Secretaria Estadual da Fazenda) ação simultânea UMM Fórum dos Cortiços 24/10/99-07/05 17. Gasômetro, 660 ação simultânea da UMM ULC 24/10/99-??/?? 18. TRT, av. Marques de São Vicente, 235 ação simultânea da UMM UMM 24/10/99-11/99 19. FEBEM Mooca ação simultânea da UMM UMM 24/10/99-06/10/01
20. CPTM/Luz ação simultânea da UMM UMM 24/10/99-??/?? 21. Ed. Labor, r. Brigadeiro Tobias, 300 Fórum dos Cortiços e MSTC 24/10/99-06/10/01 reformado PAR 22. Hotel São Paulo, pç. da Bandeira, r. São Francisco, 113 Fórum dos Cortiços 07/11/99 reformado PAR 2006 23.Ed. Olga Benário, av. Celso Garcia, 787 (Banespa) ULC 03/12/99 reformado PAR 2002 24. Conde São Joaquim, 163 MTSTRC 99-28/06/05 2000 25. Duque de Caxias, 401 MSTC 04/11/00-24/11/00 2001 26.Presidente Wilson MTSTRC 01/06/01-02/06/01 27. CDHU/Pari A, r. Canindé, 85 MSTC, MMC, ULC 21/07/01-23/07/01 28. Bráulio Gomes, 139 (atual anexo da biblioteca Mario de Andrade) MMC MSTC ULC 01/11/01-02/11/01
2002 29. CEF pça Roosevelt ação simultânea UMM UMM 11/05/02-??? 30. INSS Rangel Pestana, 1099 ação simultânea UMM ULC 11/05/02-??/?? projeto em andamento para HIS 31. Conselheiro Crispiniano, 379 ação simultânea UMM MSTC 11/05/02-23/06/02 32. Encol, ? ação simultânea UMM UMM 11/05/02-12/05/02 33. Joaquim Piza, 150 MTSTRC 08/06/02-??/?? 34. Mercúrio, 395 MTSTRC 29/06/02-??/?? 35. Prestes Maia, 911 MSTC 04/11/02-15/06/07 36. INSS Rodolfo Miranda MSTC 19/11/02-17/12/02 2003 37. Ed. Santa Inês, r. Aurora, 579 ação simultânea MSTC MSTRC 21/07/03-15/10/03 38. Hotel Danúbio, av. Brigadeiro Luis Antonio,1099, ação simultânea MSTC MSTRC 21/07/03-24/07/03
39. Hotel Santos Dumont, r. Mauá, 340 ação simultânea MSTC MTSTRC 21/07/03-26/08/03 40. Hotel Terminus, av. Ipiranga, 741 ação simultanea MSTC MTSTRC 21/07/03-01/08/03 41. Rego Freitas MSTC MTSTRC 21/07/2003 algumas horas 42. Plínio Ramos, 112 MMRC 03/03-16/08/03 2004 43. Tenente Pena, 297 ULC 03/04-15/09/05 44. Batalhão da PM/Pq. D. Pedro II MSTC 19/05/04 45. Colégio Campos Salles, r. São Joaquim, 288 MTSTRC 23/05/04-20/07/05 46. Diocleciana, 28 MTSTRC 07/04-09/04 47. Barão de Iguape MTSTRC 31/07/04-??/?? 48. Monsenhor de Andrade, ? MMRC 17/09/04-21/09/04 49. Hotel Novo Milênio, r. Treze de Maio, 1037 MSTRC 24/10/04 50. Rego Freitas, 527 ação simultânea FLM MSTC 31/10/04-10/11/04
51. Sólon, 915 ação simultânea FLM MSTC 31/10/04-??/?? 52. INSS Conselheiro Crispiniano, 125 ação simultânea FLM MSTC 31/10/04-01/11/04 53. Conselheiro Carrão, 202 ação simultânea FLM MSTC 31/10/04-01/11/04 54. Barão de Piracicaba, 125 ação simultânea FLM MSTC 31/10/04-01/11/04 55. CEF pça Roosevelt MSTC MSTRC 07/11/04-08/11/04 2005 56. INSS Rangel Pestana, 1099 ação simultânea UMM ULC 07/03/05 projeto em andamento para HIS 57. INSS 9 de Julho, 570 FLM 02/05/05 por algumas horas existe projeto do PAR 58. CEF/ Joaquim Carlos, 76 ação simultânea FLM 03/11/05 por algumas horas 59. CDHU, r. Coronel Antonio Marcelo, 552 ação simultânea FLM 03/11/05 por algumas horas
60. Cesário Alvim, 693 ação simultânea FLM 03/11/05 por algumas horas 61. Hospital N. S. da Conceição, r. 21 de abril, 576 ação simultânea UMM 07/09/05 por algumas horas projeto PAC CDHU 62. COHAB metro Belém ação simultânea UMM 07/09/05 por algumas horas 2006 63. Hospital N. S. da Conceição, r. 21 de abril, 576 MTSTRC 01/04/06-??/?? projeto PAC CDHU 64. INSS Rangel pestana, 1099 UMM 24/04/06-??? 65. Consolação, 1813 MSTC 03/06/08 por algumas horas 66. Álvaro Ramos, ? UMM 28/06/06 67. Conselheiro Carrão, 202 ação simultânea FLM MSTC 29/10/06-por algumas horas 68. Hotel Santos Dumont, r. Mauá, 340 MSTC MMRC 26/03/03-ocupado (com liminar de reintegração de posse)
2007 69. São Vito MSTC MMRC 09/04/07 por algumas horas 70. CEF pça Roosevelt ação simultânea UMM Fórum dos Cortiços 10/04/07-11/04/07 71. Casper Líbero, 88 ação simultânea UMM 10/04/07-??/?? 72. INSS Rangel Pestana, 1099 ação simultânea UMM 10/04/07-??/?? 73. INSS 9 de julho, 570 ocupacao simultanea FLM MSTC 27/08/07 por algumas horas existe projeto do PAR 2008 Não foram encontradas notícias 2009 74. INSS – 9 de julho ação simultânea FLM 13/04/09-??/?? 75. 2 prédios da CDHU na região central MSTC 06/10/09-??/?? 2010 76. Prestes Maia, 911 ocupacao simultanea FLM 26/04/2010 77. 9 de Julho, 1084 26/04/2010 ação simultânea FLM
78. Carlos Garcia MSTC 31/05/2010 79. Hotel Terminus, av. Ipiranga, 741 Ação simultânea FLM 04/10/10-25/10/10 80. Prestes Maia, 911 ação simultânea FLM 04/10/10 81. Hotel Columbia Palace, av. São João, 588 ação simultânea FLM 04/10/10 82. INSS 9 de Julho, 570 ação simultânea FLM 04/10/10-18/10/10 2011 83. Hotel Aquarius, av. São João, 601 ação simultânea FLM UMM 07/09/11 84. r. Conselheiro Nébias ação simultânea FLM UMM 07/09/11-09/02/12 85. r. Vitória ação simultânea FLM UMM 07/09/11 86. Hotel São Lourenço, av. Ipiranga, 799 Ação simultânea FLM, UMM 07/09/11-27/08/12 87. São João, 628 (São João II) ação simultânea FLM UMM 07/09/11 88. São joão, 587 x Av. Ipiranga ação simultânea FLM, UMM 07/09/11-02/02/12 reforma para recanto dos artistas
89. São joão, 613 ação simultânea FLM, UMM 07/09/11 90. Av. Rio Branco, ação simultânea FLM, UMM 07/09/11- até hoje 2012 91. INSS 9 de julho, 570 ação simultânea FLM, UMM 03/09/12-05/09/12 92. José Bonifácio, 137 ação simultânea FLM 28/10/12 93. Av. Ipiranga, 879 Ação simultânea FLM 28/10/12 94. Av. São João, 251 ação simultânea FLM 28/10/12 95. Rua das Palmeiras x Rua Helvetia ação simultânea FLM 28/10/12 96. Av. Prestes Maia, 576 ação simultânea FLM 28/10/12 97. Rua Quintino Bocaiuva, 242 ação simultânea FLM 28/10/12 98. Alameda Cleveland, 195 ação simultânea FLM 28/10/12 99. Rua Helvetia, 55 ação simultânea FLM 28/10/12 100. Av. São João, 288 ação simultânea FLM 28/10/12
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OCUPA SÃO JOÃO
A ocupação do edifício da Avenida São João, 588 ocorreu no dia 4 de outubro de 2010 em uma ação simultânea da FLM.1 Na mesma madrugada, foram ocupados outros 3 prédios: INSS da Av. 9 de Julho (ocupado pela quarta vez até então), um na avenida Ipiranga e o edifício Prestes Maia, ocupado pela 2a vez, sendo esse um dos exemplos de resistência de luta pela moradia. Segundo a coordenadora Antônia Nascimento,2 o movimento já possuía um levantamento dos edifícios abandonados do Centro e, em assembléia do grupo de base da zona leste da FLM, foi decidida a ‘festa’3, havendo um período de preparação das famílias para organizarem equipes de limpeza, cozinha e segurança. Aproximadamente 600 pessoas ocuparam o antigo Hotel Columbia Palace, vazio há 20 anos. Hoje, de acordo com Antônia, vivem no prédio em torno de 85 famílias.4 As famílias, de início, não queriam ocupar no Centro pelo apego aos seus familiares que continuariam morando na zona leste, mas em pouco tempo reconheceram os benefícios de morar na região: proximidade do trabalho, acesso ao transporte público, às escolas e às áreas de lazer. Reconhecem que a questão da moradia vai alem de “um teto e 4 paredes”: é uma luta por inclusão na cidade. O grau de abandono era tanto, que não foi possível limpar os espaços comuns no primeiro dia. A laje do pátio central estava alagada, com esgoto a céu aberto, pombos
mortos dentro dos antigos quartos, ratos por todo o edifício. A equipe de limpeza priorizou os quartos para protegerem as crianças de possíveis doenças. Antônia conta que “para deixar tudo arrumadinho assim foram quase seis meses”. A divisão dos apartamentos foi feita de acordo com a necessidade de cada família, por exemplo, priorizando o 1o andar a pessoas idosas ou com mobilidade reduzida, quartos conjugados para famílias maiores.
1.prefeitura.sp.gov.
A ocupação já recebeu duas liminares de reintegração de posse, uma no início de 2011 e outra recentemente, em agosto, com desocupação marcada para o dia 11 de setembro, menos de 1 mês para completar 2 anos. Em Ata da Reunião no Batalhão da Polícia Militar ocorrida no dia 16 de agosto de 20125, consta que a prefeitura, mais especificamente, a Sehab, declarou que ‘não dispõe de atendimento e não tem verbas disponíveis para cadastro das famílias’ e não poderia se responsabilizar pelos meios (transporte e depósito de pertences) de reintegração e que, portanto, caberia ao proprietário. A data limite para a apresentação desses recursos era dia 05 de setembro, quando seria notificado se haveria ou não a reintegração.
2. entrevista feita por
br/cidade/secretarias/habitacao/ noticias/?p=22100 portalflm.com.br/ noticias/audencia-para-discutir-reintegracao-da-ocupacao-sao-joao-i-adiada-para-fevereiro-de-2012/1771, acesso em 05/10/12
Marina Rago e Tânia N. Helou com Antönia Nascimento em 25/05/12 3. festa é o termo utilizado pelos movimentos para o ato de ocupação 4. a coordenação não pôde passar informações sobre as famílias como a composição delas, o número exato de crianças. Mas todas as crianças estudam perto e todas as famílias têm pelo menos uma pessoa trabalhando
Foi um período de grande tensão para as famílias, pois, na mesma semana que se esperava a notificação, ocorreu a reintegração da ocupação Ipiranga, antigo Hotel São Lourenço, a qual muitos acreditavam que seria adiada devido à proximidade das eleições e ao não cumprimento de pontos da
5. processo no 583.00.2010.1898867/000000-000 imagem01. fachada principal da Ocupa São João
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negociação, que exigiam do poder público o atendimento às famílias. Em visitas próximas a esse dia, pudemos ver algumas famílias se preparando para uma possível saída, fazendo as malas e empacotando seus pertences. Em posse do número do contribuinte do edifício, verificamos se havia dívida de IPTU do imóvel como se esperava, mas as contas estavam em dia. Tudo indicava que haveria a desocupação. Entretanto, o proprietário não se apresentou na data estipulada e a reintegração foi adiada novamente, o que foi informado às famílias apenas dois dias antes do dia marcado para a desocupação. Ressalta-se aqui que isso não é garantia de que as famílias conquistaram seus direitos ou que permanecerão no edifício, pois, a qualquer momento podem receber uma nova notificação. A FLM possui assessoria jurídica da ONG Apoio, cuja principal figura é o advogado Manoel del Rio, que sempre trabalhou com os movimentos sem-teto e, recentemente, recebeu o apoio destes na sua candidatura a vereador de São Paulo. Apesar dessa assessoria também procuraram a defensoria pública quando receberam essa 2a liminar e, agora, contam com esse órgão público, o que dá ainda mais legitimidade à luta.
a organização A coordenadora da ocupação, Antônia Nascimento, é também coordenadora da FLM e do MSTRU. Já conquistou sua moradia no Portal da Juta 1o de Maio e não mora na ocupação, mas trabalha ali. Em um primeiro momento, estranhei o fato da coordenação não ser uma ocupante de fato, mas Ivanete Araújo, coordenadora do MSTC e da Ocupação Mauá, afirma ser importante para o movimento a coordenação ter conquistado moradia: serve de exemplo que, com luta, é possível a conquista. A ocupação segue o regimento interno da FLM e do MSTRU, mas possui regras próprias, revistas a cada assembléia, e são passíveis de multa caso não cumpridas, apesar de nunca terem sido aplicadas, pois dá-se preferência ao diálogo. São casos como proibição de animais de estimação circulando nos corredores, jogar bola no pátio interno, consumo de bebidas alcoólicas nos espaços comuns, deixar o lixo na porta do apartamento etc. Casos de violência doméstica têm menos tolerância, podendo resultar na expulsão do agressor, mas que, de acordo com a coordenadora, ocorreu apenas uma vez. Problemas maiores (não especificados pela entrevistada) requerem reunião dos coordenadores do MSTRU, extravasando os limites da ocupação. Diferente do que muitas vezes a grande mídia mostra, ou quer mostrar, em todas as famílias há pelo menos uma pessoa que trabalha e todas as crianças estudam nas imediações.
6. Documentário Leva, março 2012
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5 4
1
o edifício O térreo do antigo Hotel Columbia Palace está parcialmente ocupado pelo Rei do Matte e sua outra porção está abandonada; possui 6 andares com um fosso central de ventilação e iluminação, o pátio, que divide o edifício em 2 blocos, um voltado para a avenida São João e outro para o fundo do lote.
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imagem02. planta do térreo 1:500 1-área desocupada, 1 2
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2-Rei do Matte 3-acesso ao antigo
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não levantada
hotel 4-recepção
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5-elevadores desativados 6-salão
No primeiro andar, o bloco voltado para a avenida é destinado aos espaços comuns, havendo um grande salão para realização dos saraus e cineclubes, uma sala ao fundo para outras atividades culturais e o pátio interno. O bloco voltado para o interior da quadra é destinado às habitações, possuindo ainda uma oficina de costura de uma moradora, um banheiro coletivo para as unidades que não possuem um banheiro privado ou nas quais ele não funciona, e uma cozinha coletiva que funcionou durante os 6 primeiros meses, mas que hoje serve apenas de apoio a eventos, festas, e serviu também às famílias reintegradas da Ipiranga, que ficaram na rua durante um mês. Os pertences dessas famílias também foram abrigados nas áreas comuns do edifício.
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7-escadaria ao 1o andar
8 imagem03. planta do 1o 10
pavimento 1:500 1-lavanderia e banheiro coletivos 2-apartamentos 3-cozinha coletiva 1
1
1
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4-oficina de costura da Vó
1
5-elevadores desativados 1
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6-salinha de atividades 7-biblioteca 8-banheiros coletivos 9-ateliê
1
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10-salão do saraus e cineclube imagem04. planta pavimentos tipo 1:500 1-habitações
A partir do 2 andar são pavimentos tipo com 15 apartamentos e uma pequena lavanderia coletiva com um tanque para cada andar. o
2-elevadores desativados 3-tanque coletivo do andar Levantamento físico
No total, contabilizamos 80 apartamentos, sendo parte deles conjugados quando acolhem famílias maiores.
feito por Marina Rago e Tânia N. Helou em ago/2012
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a ocupação cultural7 A visibilidade que a Ocupa São João possui é em grande parte devido às atividades culturais desenvolvidas por um grupo que atua ali, chamado de Projeto Ocupação Cultural. É um grupo formado por alguns moradores e por outras pessoas de fora, que já haviam participado de outras ocupações e já haviam promovido outros eventos culturais pela cidade. Os membros ‘de fora’ já se conheciam de outras atividades em ocupações punks, ou em intervenções em ocupações8, mas ainda não estavam de fato estruturados. Em um dado momento as atividades se encontraram, por assim dizer. Nazaré Brasil, moradora da São João, logo no início promoveu um evento aberto com shows na ocupação e, em seguida, os integrantes que já se conheciam organizaram uma outra atividade que durou 3 dias, com atividades nas ocupações Prestes Maia e Mauá. Ou seja, encontraram ali uma abertura e a ocupação um apoio; iniciaram, assim, as atividades com os cineclubes na São João e o Teatro de Galochas (outro coletivo) na Prestes Maia. Enquanto isso, foram montando a biblioteca comunitária que ficou pronta em maio de 2011. Procuraram integrar as atividades com a ocupação Prestes Maia (reocupada no mesmo dia da São João), com ações pontuais em um dos andares. Porém, devido à falta de integrantes, à carga de trabalho de se atuar em duas ocupações, à falta de verba e à impossibilidade de manterem o espaço, não aconteceram
mais os cineclubes. Outro fator que contribuiu para a saída do Projeto Ocupação Cultural da Prestes Maia foi a reintegração de posse da ocupação Conselheiro Nébias, de onde levou-se os pertences das famílias para o espaço onde eles realizavam as atividades. Nazaré também destaca a questão da localização, sendo a Avenida São João mais acessível.
07. grande parte desse tópico é baseado em entrevista feita com Ruivo Lopes, Nazaré Brasil e Fernando Knup no dia 14/08/12 08. exemplificam uma oficina de faixas para a passeata contra a ALCA
A coordenadora de cultura conta em entrevista feita por Marina Rago, que no começo as atividades culturais não foram tão bem recebidas pelos moradores. Alguns achavam, inclusive, que o salão do primeiro andar podia se transformar em mais apartamentos. Foi com muito trabalho que conseguiram mudar a opinião das famílias, que hoje incentivam os filhos a participarem das atividades. Grande parte dos moradores passou a descer de seus apartamentos para os Saraus. O coletivo se consolidou de fato no início de 2012, com ações mais direcionadas, tendo em vista as experiências do ano anterior nas ocupações Prestes Maia e Consolação. Durante toda a entrevista, realçam a intenção desse grupo em incentivar e valorizar a cultura presente naquele espaço, e não ‘trazer a cultura’ ou ensinar algo. Trabalham com atividades que dialogam entre si, por exemplo: se em uma semana visitam um exposição sobre o movimento afro, a atividade de leitura será direcionada a essa questão, dando continuidade ao diálogo, ou seja, tornando-se um plano de ação cultural em ocupações de moradia.
na ocupação 9 de Julho imagem05. Sarau da Ocupa foto: Elaine Campos
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O foco atual das atividades é a literatura marginal, espelho das questões sociais e problemas da cidade e ocorrem lançamentos de livros com a presença dos autores. A biblioteca torna-se o centro das atividades na medida em que esses livros começam a circular, os cineclubes procuram dialogar com a literatura disponível, a ela se conectando também a roda de poesia, as atividades de pintura e colagem, e o teatro. Evitam ações isoladas, tentando convergir as linguagens artísticas, pois, acreditam que a “relação de quem participa é maior quando encontra um diálogo com outras linguagens culturais”. O incentivo financeiro do VAI (Programa de Valorização de Iniciativas Culturais)9 da Secretaria da Cultura fortaleceu ainda mais a atuação do grupo. Desde o início desse ano, contam com o subsídio desse programa, mas afirmam que as atividades como o sarauzinho e as aulas de teatro acontecem independente do incentivo recebido. “em termos de política pública cultural, acho que é o melhor tipo de fomento que eu conheço, a nível nacional, porque permite que grupos sem formalização política, sem arcar com uma burocracia possam inscrever seus projetos e ter suas atividades que já acontecem, que elas possam acontecer com esse recurso e melhorar sua qualidade, seu alcance... e fazer com que os protagonistas também destinem uma dedicação maior porque eles tem uma ajuda de custo, por exemplo.”
Existe uma abertura a pessoas que queiram participar ativamente, propondo novas atividades, mas com uma ampla discussão de se integrar ao plano de ação mencionado. No calendário, há um dia livre para as novas propostas, como oficina de primeiros socorros, visitas de outros grupos, sendo sempre discutido com os participantes, moradores e coordenação, por meio de assembléias, com o intuito de ser um projeto participativo. Segundo Nazaré, os adultos não participam tanto quanto as crianças, pelas responsabilidades do dia-a-dia:
09. criado pela Lei nº 13540/2003 e regulamentado pelo Decreto nº 43823/2003, com a finalidade de apoiar financeiramente, por meio de subsídio, atividades artístico-culturais, principalmente de jovens de baixa renda e de regiões do Município desprovidas de recursos e equipamentos culturais. prefeitura.sp.gov.br/
“são mais as crianças e adolescentes que participam, porque todo mundo trabalha aqui no prédio... tem muito chefe de família aqui que é mulher. Então elas chegam cansadas, pra fazer a janta, fazer a marmita do dia seguinte, ajeitar as coisas das crianças. Então muitas não participam, mas ficam seguras porque sabem que seus filhos tão aqui embaixo. Então rola isso de chegar super cansada, o dia todo na correria, chega tem que lavar louça, muitas não tem pia, daí tem que descer com as suas panelas, dar banho nas crianças, arrumar comida... é punk... pra ter uma participação intensa das pessoas...” As atividades fixas inseridas no calendário do VAI começam a partir das 19h por causa do horário escolar e participam cerca de 15 crianças moradoras da São João. Em alguns cineclubes participaram algumas crianças da ocupação Ipiranga e alguns pais também levam seus filhos nos Saraus. Há também uma proposta para
cidade/secretarias/cultura/fomentos/index. php?p=7276 imagem06. Sarau de lançamento do livro Pode Pá que é Nóis que Tá foto: Fernando Knup
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que os adultos participem mais, com rodas de diálogo, exibição de filmes, ligados ao contexto das lutas populares, como forma de identificação e politização. A participação dos moradores é crucial para as atividades: “se a gente chamar um sarau, chegar aqui e tiver só as pessoas que vieram pra apoiar e prestigiar e tal, num rola também, porque daí a gente passa a usar o espaço pra ação e não é uma ação do espaço, é bem diferente isso. A ação é do espaço” As atividades pontuais acontecem, geralmente, no dia livre do calendário fixo, alternando a cada semana e sendo composto da seguinte maneira: 2as feiras- mediação de leitura intercalado com roda de poesia 3as feiras- dia para atividades paralelas ou pontuais 4as feiras- sarau alternado com o sarauzinho 5as feiras- desenho e colagem 6as- cineclube Sábados- teatro Dentre essas atividades, os Saraus quinzenais recebiam maior participação das pessoas de fora da ocupação e as outras atividades, direcionadas às crianças que ali moram, a fim de garantirem uma continuidade das discussões, mas nunca impedido a participação de outras crianças. Hoje, os Saraus já não ocorrem mais na Ocupa São João e o coletivo vem tentando atuar em outros espaços, como a Mauá e a Câmara Municipal, além de terem a proposta
de intervirem nas novas ocupações que ocorreram na noite de 27 de outubro.
imagem07. Sarau da Ocupa no Largo do Paissandu
Nos Sarauzinhos, apresentam repertório poético às crianças e as incentivam a praticarem leitura em voz alta para que adquiram confiança de se apresentarem em um Sarau, ou seja, é uma atividade voltada para o desenvolvimento da postura perante um público conhecido. Já a roda de poesia é uma atividade que envolve a criação poética, na qual praticam a escrita findada a leitura. A mediação de leitura tem o objetivo de “ensinar a ouvir, porque no Sarau tem que saber ouvir também”. Os cineclubes buscam problematizar os temas apresentados com debates, exercícios de pintura, leitura, cruzadinha, quando acabam os filmes. A idéia era que a biblioteca ficasse sempre aberta, pois é ela o centro de todas as atividades. Parte do acervo foi adquirido ao longo dos Saraus, as pessoas que iam para o evento doavam livros e os autores que lançavam suas obras ali, disponibilizavam alguns exemplares. Contam que alguns DVDs e livros sumiram, mas que isso faz parte, “livro não é para ficar parado, tem que circular, mesmo que suma...” Também fizeram experiências com revisteiros, colocando-os nas entradas das ocupações Prestes Maia e Mauá, e muitas vezes apareciam revistas novas, que eles não tinham colocado, ou seja, os moradores também adicionaram conteúdo. Contam que preferem direcionar a leitura com Caros Amigos e Brasil de Fato, por exemplo, e que não se esforçam para disponibilizar
foto: Elaine Campos
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imagem08. desenho e colagem imagem09. foto de uma das crianças em oficina de fotografia na ocupação Mauá imagem10. biblioteca comunitária imagem11. visita do grupo de teatro ao Memorial da America Latina na exposição Guerra e Paz
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revistas da grande mídia: “é muito desigual, em intenções, o outro lado tem muito mais força de propagar suas intenções do que a gente, então, meu, a gente tem que fazer as nossas estratégias pra multiplicar essas intenções”.
de Andrade, e vários pontos históricos e culturais da cidade. Os meios de acesso aos bens culturais são fundamentais, mas o acesso à cultura não é o primordial nessa luta: incentivar a cultura e a sua produção, mostrá-la à população, sim.
A atuação desse grupo, recentemente, extravasou os limites do edifício e promoveu na Câmara Municipal uma exposição de fotos das ocupações chamada “De dentro pra fora”. Construíram, na área externa, um ‘barraco’ sem teto para expor as fotos em materiais reciclados retirados da ocupação, como gavetas, portas e peças de louça de banheiro. Levaram parte física da ocupação para que a população pudesse enxergar essa realidade. Tiveram o apoio da Escola da Câmara e inauguraram a exposição com filmes sobre o tema e um Sarau.
“Não é questão de acesso, atravessar a rua tem a galeria olido, tem milhares de espaços culturais aqui. A questão não é a gente levar, não é mostrar o que é cultura, o que é arte, isso é arte... mas aquilo que nós temos na São João? A questão é que aqui é arte também, aqui é um espaço artístico, a gente tem que valorizar o nosso. E aprender com os nossos a enxergar os outros.”
O que se expôs nessa parte do trabalho foi o levantamento físico do edifício e das relações existentes entre cultura e moradia. A luta por moradia no Centro de São Paulo, realço novamente, vai além de um teto, vai no sentido da luta pela cidade, do acesso aos equipamentos públicos, transporte, proximidade do trabalho, escolas e cultura. A Avenida São João é um eixo cultural, com a Praça das Artes que será inaugurada em breve, a Praça dos Correios, a Galeria Olido, a Galeria do Rock, que apesar de não ser um espaço público, possui esse caráter, e nas suas imediações encontram-se o Teatro Municipal, a Biblioteca Municipal Mário
imagem12. cineclube foto: Fernando Knup
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imagem13. festa de São João foto: Elaine Campos imagem14. barraco da exposição “de dentro pra fora” no pátio da Câmara Municipal foto: Elaine Campos imagem15. interior do barraco foto: Samara S. Oliveira imagem16. porta de assinaturas de visitas na entrada da Câmara Municipal foto: Samara S. Oliveira
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PROGRAMA E PROJETO A escolha da ocupação São João, e não de outra, se deu por causa da intensa presença e incentivo à cultura nos espaços comuns do edifício. Vale ressaltar que o programa desenvolvido recebeu fortes influências da ocupação Mauá, por exemplo. Ao buscar o diálogo entre os espaços privados e comuns, entre habitação e cultura, deparei-me com a questão quantitativa. São 80 apartamentos cujas áreas variam entre 14 e 28 m2 e que não me pareciam ser o suficiente para abrigar famílias de até 5 ou 6 pessoas, ou mesmo abrigar um espaço cultural de tamanho potencial para a cidade. Também não me pareceu coerente diminuir o número de apartamentos. Dividir o programa em dois edifícios, então, foi a solução encontrada. Em frente da ocupação São João, há um edifício de 21 andares, concreto aparente, com uma fachada bem definida pela modulação. Em setembro de 2010, quando houve uma ação simultânea da FLM, esse prédio foi ocupado, por 200 famílias.1 No Estudo para Implantação de Unidades Habitacionais no Centro de São Paulo, ambos os edifícios são indicados para HIS. Ou seja, esse prédio já visado pelo movimento e já indicado para moradia seria uma solução para a questão abordada. Entretanto, dividir o programa em edifício habitacional e edifício cultural parecia ir contra a relação cultura e moradia encontrada na Ocupa São João e desejada no projeto. Outra indagação era a presença de diversos equipamentos públicos no entorno.
Ao encontrar os desenhos do projeto original desse edifício, o antigo Hotel Aquarius, percebi que os espaços comuns eram suficientemente grandes para abrigar todo o programa da São João. Ora, por que então não propor tudo ali? Não destinar nenhum uso aos espaços tão vivos e ocupados da São João seria tão incoerente quanto algumas atitudes do governo aqui criticadas, seria abandoná-lo novamente.
1.portalflm.com.br/ noticias/juiza-carla-themis-lagrotta-germano-jogou-na-rua-familias-que-ocupavam-um-predio-abandonado-ha-20-anos-101-criancas/1752, acesso em 01/11/12 figura01. implantação
Tendo em vista o potencial das atividades que ocorrem na ocupação e presenciando encontros entre vários coletivos interessados em atuar junto com o movimento, propus então um Centro Cultural de Luta pela Moradia: um espaço centralizador e de organização de atividades em ocupações (ou edifícios já reformados para essa demanda), de politização dos integrantes do movimento, aberto à mídia independente, sempre presente e apoiando as ações dos sem-teto; um espaço aberto ao debate e que irradie informações e cultura. Reafirma-se também o eixo cultural da Avenida São João, ao invés de enxergá-la como culturalmente suficiente. Outro fator que me levou a escolher outro edifício foi o fato de que as famílias poderiam permanecer nos seus apartamentos da Ocupação até que fossem entregues a elas as novas uh, ou seja, em nenhum momento elas sairiam de suas casas para alojamentos distantes, ou albergues, ou mesmo para a rua, como aconteceu com os moradores da ocupação Ipiranga.
1:1000
HOTEL AQUARIUS
Ao escolher esse edifício, fui buscar informações sobre ele no Arquivo Municipal de Processos e com o código SQL foi possível encontrar todos os processos referentes a ele. É um edifício já indicado para produção de HIS no Centro, mas que ainda não possui projeto ou perspectiva de início das operações. De acordo com os processos analisados no Arquivo, este edifício nunca antes funcionou como hotel. No entanto, seu térreo já funcionou como cinema (Cine Ritz, mais tarde chamado de Cine Rivoli) e agora funciona como um estacionamento da rede Trevo. Foi uma grande surpresa descobrir que o projeto deste edifício é do escritório Croce, Aflalo & Gasperini Arquitetos Ltda e do escritório de engenharia Ramos de Azevedo e Severo & Vilares S/A. As plantas foram aprovadas pela prefeitura em 1963, mas devido a altura do prédio, maior que a máxima aceita pelo Plano de Proteção dos Aeródromos de Congonhas e Marte, o alvará de construção só foi assinado em 1971. Alguns processos não se encontravam no Arquivo e não foi possível estabelecer a data exata da sua construção, mas, em 1988, o proprietário solicitou à CONTRU a prorrogação do término das obras de finalização por motivos financeiros, que envolviam a mudança do cruzado para o cruzado novo, congelamentos de preços e falta de mão de obra. Nesse documento, indica-se que apenas faltava a instalação do hotel, pois esperavam-se melhores
situações econômicas, mas que o cinema localizado no subsolo já possuía habite-se e AVS e funcionava normalmente. No ano seguinte, um laudo técnico de segurança do CONTRU indefere o pedido pelo prédio estar desocupado, sem uso e pela falta de pagamento dos emolumentos de lei.2
2. Processos analisados: 1979-0031.361-3, 1979-0031.362-1, 1981-0015.038-9, 1987-0024.860-6 imagem02. fachada do edifício Hotel Aquarius,
Pela impossibilidade de visitar o antigo hotel e verificar os espaços, propus as intervenções de acordo com as plantas e cortes do último projeto enviado para aprovação. A estrutura desse edifício é bem clara: 4 pilares, 2 em cada fachada e o bloco de circulação vertical também estrutural. Nos 3 subsolos e nos 2 primeiros andares, as empenas laterais também são estruturais. O projeto é bem dividido no que diz respeito às funções de cada espaço. O 3o subsolo é destinado aos reservatórios inferiores e a ser um espaço para funcionários e almoxarifado, e possui dimensões bem reduzidas em relação aos outros pavimentos. O 2o subsolo alojava um estacionamento que não foi agregado ao atual, pois, segundo um funcionário, “o proprietário não quis alugar por nada”. Seu acesso era por uma rampa em uma das extremidades da fachada. O 1o subsolo foi destinado a uma grande entrada do cinema com uma escadaria que descia meio nível da avenida São João para um amplo salão, com alguns banheiros e uma parte administrativa, onde também se encontrava uma escadaria independente
ocupado pela FLM em setembro de 2010.
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para acessar a cabine de projeção. Para entrar na sala do cinema era preciso subir mais dois lances de uma grande escadaria. A partir do térreo, todos os andares faziam parte exclusivamente do Hotel Aquarius. O acesso ao térreo, meio nível acima da cota da São João, era feito por escadas ou por uma rampa bem íngreme que parece ser de acesso técnico. A portaria localizava-se bem no centro dos blocos de circulação. O acesso aos pavimentos superiores podia ser feito por esses blocos, ou por uma outra escadaria mais ao fundo, que só existe nos pavimentos de áreas comuns do Hotel. Esse andar também abrigada várias salas administrativas. Para o 1o andar, previa-se um bar, uma área comum e comportaria vários serviços como sauna, cabelereiro, barbearia, além de uma área de manutenção com lavanderia e marcenaria. Ao fundo do andar, a única área com acesso independente desde o 1o subsolo é a sala de projeção do cinema. O 2o andar, também comum, possui uma planta praticamente livre, abriga um grande salão e, ao fundo, um salão de convenções com salas de apoio ao lado, com cozinha e confeitaria. A partir do 3o andar, a planta do pavimento tipo em H abriga um grande hall, ora com um vão na laje, ora inteiro, ora com recintos de apoio à limpeza. Em cada extremidade há 6 quartos do hotel, divididos de acordo com os 12 módulos da fachada, compostos pela caixilharia e
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pelos pilares (cada pilar é um módulo). A partir do 12o andar, o edifício diminui em 2 módulos de cada lado, e deixa de ser um H, transformado-se em uma planta retangular. Nesse mesmo andar, por não haver mais cobertura nas extremidades, os quartos possuíam uma grande varanda. A partir do 13o andar, segue a mesma lógica dos halls que distribuem a circulação para os 8 quartos de cada andar. Ressalta-se que o projeto original apresenta diversas inconsistências entre plantas e cortes. Os cortes parecem não ter sido modificados com as alterações de planta. Por exemplo, as plantas encontradas no processo do ano de 1979, possuem aberturas no 2º pavimento para iluminação zenital dos banheiros e cozinha do 1º pavimento, cujo corte BB indica. No entanto, nas plantas mais recentes, existem banheiros onde supostamente elas existiam. Rasgos na laje de circulação também são mostrados nos cortes, mas não nas plantas mais recentes. No projeto, vou considerar os cortes que limitam mais ainda o projeto, mas que me parecem mais consistentes.
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HABITAÇÃO E SERVIÇOS
1o subsolo: cineteatro O partido deste projeto é retomar as áreas comuns do Hotel para o uso os moradores e também da cidade. Retomar o cinema do edifício, tendo em vista que os cinemas da avenida São João se extinguiram, com exceção do Cine Olido, para o qual já há um projeto de transformação em teatro. Em visita ao estacionamento que substitui o antigo Cine Ritz, pude comprovar que as inclinações do cinema continuam. As reformas de adaptação para a função de estacionamento foram feitas de forma precária, apesar de ser um estacionamento de grande porte (avalio em 100 vagas). O revestimento da sala de cinema continua intacto, e a escadaria de mármore que levava ao foyer foi revestida de asfalto para a criação da rampa de acesso, sendo possível ver uma parte dela. As estruturas excedentes são metálicas e facilmente desmontáveis. A sala de cinema aqui proposta teria um caráter mais dinâmico, poderia também funcionar como teatro para as apresentações produzidas no Centro Cultural da Luta por Moradia (CCLM), para shows-protestos que podem ocorrer tanto no saguão de espera como no próprio auditório e para sessões de cinema, podendo haver mostras sobre o tema com a filmografia já existente, ou mesmo projetos de produção de filmes produzidos no CCLM. Prevê-se também a criação de espaços de apoio necessários: camarins e áreas técnicas de cenário, no bloco existente atrás do palco. O foyer também pode abrigar
exposições, portanto, esse equipamento cultural serve ao Centro Cultural de Luta pela Moradia e é onde poderá ser apresentada a sua produção cultural.
planta 1o subsolo 1:250 1-rampas 2-escadaria 3-escada de incêndio
Para maior acessibilidade, propus, no lugar da rampa de acesso ao térreo do antigo Hotel, duas rampas: a que sobe, com inclinação mais generosa que a antiga, e a que desce para o meio patamar do foyer, possibilitando o acesso aos banheiros adaptados para cadeirantes. Desse meio nível há outra rampa que desce para o foyer. Já para acessar a sala do cineteatro, novas rampas seriam difíceis de implantar, portanto, indico plataformas elevatórias nas escadas.
4-elevadores 5-bilheteria/recepção 6-café 7-sanitários 8-área técnica
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2o e 3o subsolo: estacionamento, reservatório e depósito A fim de não ignorar o uso atual do cinema, proponho retomar o estacionamento do projeto original no 2o subsolo, apesar de ser em uma escala muito menor, com aproximadamente 20 vagas. Pode servir também como fonte de renda para o edifício. O 3o subsolo continua igual nessa proposta, a não ser por liberar as paredes, tornando-se um grande depósito para materiais do cine teatro, ou mesmo de outras ocupações, tomando o exemplo do que ocorreu na Ipiranga, quando as famílias tiveram que alojar seus pertences na ocupação São João.
plantas 2o e 3o subsolo 1:250 1-escada de incêndio 2-elevadores 3-rampa 4-reservatórios de água 5-poço de elevadores 6-almoxarifado/ depósito
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térreo: recepção e mercado O acesso a esse nível é pela rampa lateral com inclinação de 10%, ou pela escadaria que depara-se com uma portaria ou balcão de informações. Ao fundo, onde eram as antigas salas administrativas, propus um mercado gerido pelos moradores, cuja renda pode servir para baratear o condomínio. Propus um mercado, pois em uma região onde moram poucas pessoas, vemos diversos mercadinhos com produtos de consumo rápido como salgadinhos e doces. Aqui, imaginando que programas habitacionais no Centro sejam efetivados, mercados com produtos de limpeza, de banheiro e alimentos não perecíveis seriam necessários. É uma proposta também baseada na Ocupação Mauá, onde no 1º andar possui o Mercadinho da Neide.
planta térreo 1:250 1-escadaria de acesso 2-elevadores 3-escada de incêndio 4-bilheteria/recepção 5-escadaria de acesso aos pisos comuns 6-rampa 7-mercado 8-cineteatro 9-camarim
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1o pavimento: serviços e administração Não ignorando a presença de escritórios e serviços no Centro, proponho na fachada da São João algumas salas destinadas a essas funções como uma óptica, um cabeleireiro, um escritório e uma lavanderia, essa última poderia utilizar um espaço reservado no 12o andar que veremos adiante. Os sanitários do projeto original são mantidos, bem como uma copa de apoio aos funcionários. Ao fundo, salas administrativas do prédio, do mercado e do cinema, assim como a sala de projeção, cujo acesso agora é feito pelas circulações comuns do edifício.
planta 1o andar 1:250 1-escritório 2-lavanderia 3-cabelereiro 4-óptica 5-copa 6-escada de incêndio 7-vão 8-elevadores 9-sanitários 10-escadaria de acesso aos pisos comuns 11-administração do prédio 12-administração do cineteatro 13-administração do mercado 14-depósito mercado 15-sala de projeção 16-camarim
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2o pavimento: esporte e recreação Também de caráter público, para esse 2o pavimento proponho a retirada da cobertura do antigo salão de convenções, permitindo que essa laje sirva para uma quadra poliesportiva. Essa proposta é baseada em um evento da VoodooHop em apoio à São João, em que uma das atividades era futebol na calçada, organizado pelo grupo Autônomas & Autônomos FC, expondo a questão da falta de áreas esportivas. A parte coberta desse andar serve de apoio à quadra, com vestiários e sala de almoxarifado, além de um espaço recreativo com mesas de ping pong, pebolim, xadrez etc.
planta 2o andar 1:250 1-almoxarifado 2-salão de recreação 3-escada de incêndio 4-vão 5-elevadores 6-escadaria de acesso aos pisos comuns 7-vestiários 8-quadra descoberta 9-área técnica do auditório
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as habitações Não pude levantar a composição das famílias da Ocupa São João, mas era evidente a variedade delas: senhoras que vivem sozinhas, ou com os netos, casal sem filhos, homens solteiros, mulheres solteiras, famílias com 1 ou até 4 crianças. Com base nessa multiplicidade, propus algumas tipologias, respeitando a modulação e as paredes hidráulicas. As habitações nos cantos possuem um pequeno espaço adicional, quase a metade da área de um módulo (13 m2), com uma janela voltada para o meio do edifício, que não pode ser considerado como um fosso de ventilação, pois possui uma das arestas livre e, portanto, com boa iluminação e ventilação. As tipologias propostas estão de acordo com o número de módulos e com a localização (canto ou meio): 2 módulos do canto: sala dormitório, área para cozinha e banheiro, sem lavanderia. Ideal para acomodar um casal. Área: 27m2 2 módulos do meio: cozinha e quarto/ sala no mesmo ambiente e banheiro, sem lavanderia. Ideal para pessoas que moram sozinhas. Área: 21m2 4 módulos do canto: sala que pode ser dormitório, 1 quarto, área para cozinha e lavanderia. Ideal para famílias de 3 a 4 pessoas. Área: 48m2 4 módulos do meio: sala que pode ser dormitório, 1 quarto, área para cozinha
e lavanderia. Ideal para famílias de 3 a 4 pessoas. Área: 42m2
tipologias 1:125 1, 2 e 3. apartamentos de 4 módulos no canto
5 módulos do canto: sala que pode ser dormitório, 2 quartos, área para cozinha e lavanderia. Área 62m2. O partido do projeto foi também realçar a relação de vizinhança entre os moradores, que muitas vezes são familiares ou amigos. No projeto original, os vãos nas lajes proporcionam, em alguns andares, um pé direito duplo, comunicando dois andares. Propus, então, criar pé direitos triplos, a fim de que a cada 3 andares sempre haja alguma relação entre os andares.
4. apartamento de 4 módulos no meio 5. quitinetes de 2 módulos no meio 6. quitinetes de 2 módulos no canto corte dos halls e vãos 1:125
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pavimentos tipo até o 11o Como vimos, os pavimentos diferem de acordo com o vão na laje, ou seja, ora são halls inteiros com pé direito triplo, ora são halls com um vão central que permite a relação entre os outros andares.
3o, 5o, 8o e 11o andares 1:250 1-unidade 4c 2-unidade 4m 3-unidade 2m 4-unidade 2c 5-escada de incêndio
Para cada tipo, propus uma composição das tipologias: -para os andares com halls inteiros, 7 habitações por andar: 4c,4m,2m,2c X 5c,2m,5c -para os andares com vão central, 6 habitações por andar: 4m,4c,4mX5c,2m,5c
6-hall 7-elevadores 8-unidade 5c
4o, 6o, 7o, 9o e10o andares 1:250 1-unidade 4c 2-unidade 4m 3-escada de incêndio 4-vão 5-elevadores 6-unidade 5c 7-unidade 2m
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12o andar: comum ao edifício A partir desse pavimento, o edifício perde em largura, formando 4 varandas em cada ponta. Como algumas habitações não possuem lavanderia por falta de espaço, vi um potencial para essa função, utilizando as varandas como espaços para varais e a área coberta, onde estariam os apartamentos, destinado ao maquinário necessário. Uma parte pode ser usada também para a lavanderia indicada no 1o andar. Do outro lado, nesse mesmo andar, fiz das varandas áreas de lazer descobertas para serem utilizadas nas confraternização dos moradores. O espaço coberto pode ser utilizado por eles para festas ou assembléias de condomínio.
planta 12o andar 1:250 1-áreas descobertas 2-salão de festas ou assembléia 3-escada de incêndio 4-vão central 5-elevadores 6-lavanderias
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13o-21O andar: comum ao edifício As habitações dos cantos são diferentes, pois perdem uma pequena área. Esses andares não comportam as habitações de 5 módulos, apenas as de 4 e de 2, de meio ou de canto. As unidades de 4 módulos nos cantos são bem flexíveis e nas plantas indico 3 exemplos de layout.
13o, 15o, 16o, 18o, 19o e 21o andares 1:250 1-unidade de 4c’ exemplo1 2-unidade de 4c’ exemplo2 3-escada de incêndio 4-vão central 5-elevadores 6-unidade de 4c’ exemplo3
14o, 17o e 20o andares 1:250 1-unidade de 4c’ exemplo1 2-unidade de 4c’ exemplo2 3-escada de incêndio 4-hall 5-elevadores 6-unidade de 2c’ 7-unidade 4m
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corte aa
Para os andares até o 11o andar que possuem halls de pé direito duplo ou triplo propus 7 apartamentos, já as com o vão central 6. Do 13o ao 21o, são 4 ou 5 habitações de acordo com o hall. O total de uh é então 97. Ou seja, esse edifício pode abrigar todas as famílias que ocupam a São João e mais algumas da demanda do movimento, por exemplo, parte das famílias que foram reintegradas da ocupação Ipiranga e que ficaram quase 1 mês na rua, em frente a Central da Habitação, aguardando algum atendimento.
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1:500
corte bb 1:500
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HOTEL COLUMBIA PALACE
O projeto original desse edifício também encontra-se no Arquivo Municipal de Processos.3 De autoria do escritório de engenharia Ramos de Azevedo e Severo & Vilares S/A, é de 1927, com alteração de plantas em 1928 e aprovadas nessa data. Consta, no entanto, que esse edifício é de 1947, mas uma das funcionárias do Arquivo explicou que provavelmente tenha sido construído antes e só regularizado nesse ano. Portanto, não é possível estimar a data exata de sua construção.
3. SQL 0061.055.0004-6 imagem03. planta térreo imagem04. planta 1o pavimento imagem05. corte aa imagem06. corte bb imagem 07. planta
Ao analisar os desenhos originais, observa-se que o projeto é muito diferente da configuração atual. O térreo não apresenta muitas diferenças a não ser pela escada de acesso ao 1o piso, que no projeto original encontra-se na prumada das escadas e na situação atual encontra-se mais ao fundo. No 1o andar, a planta original indica que havia salas no lugar de quartos, portanto, talvez funcionassem ali escritórios. Para o bloco voltado para o fundo de lote, a configuração dos ambientes é praticamente igual ao atual, com exceção dos banheiros privados. Os pavimentos tipo (2o -5o andar) são bem diferentes dos atuais. A circulação era dividida em 2 para cada bloco, tendo corredores no perímetro do vão central, onde hoje existem as habitações. A cada 3 dormitórios havia uma cozinha, um banheiro e uma sala de jantar, que, se unidos assemelham-se a apartamentos padrão. O último pavimento é o que mais se parece com o uso atual, mas na planta tamebém são indicadas salas ao invés de quartos, e só se diferenciam do desenho pela presença de banheiros individuais.
pavimentos tipo (2o a 5o andar) imagem08. planta 7o pavimento imagem09. fachada São João
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CENTRO CULTURAL DE LUTA PELA MORADIA
Transformar esse edifício em um Centro Cultural da Luta por Moradia é reflexo de uma inquietação pessoal em relação aos lentos avanços da questão habitacional do Centro, ao mesmo tempo, de uma convicção que com luta e pressão é possível conquistar esse direito. É também consequência das minhas experiências vividas naqueles espaços comuns e das conversas com os agentes culturais, que têm um objetivo claro para a cidade: transformá-la com cultura. Para esse Centro, autogerido pelos movimentos e atores culturais, proponho um espaço de encontro, produção e difusão de informações e atividades culturais. Proponho que seja esse o centro das atividades a serem levadas para as outras ocupações, comunidades carentes e edifícios já reformados conquistados pelos movimentos. subsolo: área técnica Atualmente, esse edifício possui um porão, que não foi levantado e não é apresentado nas plantas originais. É acessado por uma escada atrás da caixa de elevadores, mas suas dimensões são desconhecidas nesse trabalho. Proponho o rebaixamento desse piso, já que rebaixou-se uma grande área do térreo, que abrigue os reservatórios inferiores e sirva de almoxarifado, sendo acessado pela escada de incêndio proposta, inexistente atualmente.
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térreo: acolhimento e lanchonete cooperativa O térreo, o acesso a esse prédio, deve ser o mais acolhedor e convidativo possível para o que aqui se pretende. Propus a desapropriação do rei do Matte e o rebaixamento de todo esse piso para a cota da rua; quebrar a laje superior que configurava o pátio do primeiro andar para iluminar esse salão de acolhimento e, ao fundo, uma lanchonete ou restaurante, que indico ser uma cooperativa, podendo servir de capacitação profissional dos integrantes do movimento que ainda estão desempregados, por exemplo. Possui uma pequena área descoberta ao fundo, que também deverá ser rebaixada para integrar-se ao restaurante.
planta subsolo 1:500 1-escada de emergência 2-depósito 3-reservatórios inferiores planta térreo 1:250 1-acolhimento 2-circulação técnica 3-recepção 4-escadaria de acesso ao 1o pavimento 5-pátio central 6-cozinha 7-balcão de atendimento 8-refeitório
O acesso ao 1o andar, atualmente feito por uma pequena escada ao fundo, agora é feito por uma escadaria central, referência a Lina Bo Bardi: ampla, convidativa e imponente no espaço.
9-elevador 10-monta-carga 11-área externa 12-escada de emergência 13-sanitários
1o andar: exposição Acessado pela grande escadaria ou pelo elevador, esse andar de planta livre é destinado a exposições, seguindo os moldes das atividades culturais como as visitas promovidas pelo Projeto Ocupação Cultural, por exemplo a visita do grupo de teatro à exposição Guerra e Paz no Memorial da America Latina; a exposição organizada na Câmara Municipal; e outras que já ocorreram nas ocupações.
planta 1o pavimento 1:250 1-salão de exposição 2-elevador 3-monta-carga 4-escada de emergência 5-sanitários
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2o pavimento: biblioteca Durante as conversas, os integrantes do Projeto Ocupação Cultural sempre deram ênfase ao caráter central da biblioteca comunitária. Proponho que ela abrigue, entre outros, exemplares sobre o tema aqui estudado - teses, publicações, cartilhas - para difundir a questão da luta por moradia para além da academia. Também sugiro circular a literatura que trata das dificuldades vividas na cidade e a literatura marginal promovida nos saraus e nas atividades da Ocupa São João.
planta 2o pavimento 1:250 1-biblioteca 2-atendimento 3-passarela 4-escadaria original 5-elevador 6-monta-carga 7-escada de emergência 8-sanitários planta 3o pavimento 1:250 1-ateliê
A partir desse andar, proponho passarelas para transitar de um bloco ao outro como uma tentativa de integrar todos os espaços e funções.
2-bibliotequinha 3-lactário 4-passarela 5-escadaria original 6-brinquedoteca
3o pavimento: infantil Às crianças também é destinado um andar inteiro, já que elas são as que mais participam atualmente. No bloco voltado para a São João, propus uma bibliotequinha, brinquedoteca e ateliê integrados no mesmo ambiente. No outro bloco, uma pequena creche para os pais poderem deixar as crianças quando houver outras atividades que elas não participem, como a marcenaria do 5o andar, palestra, ato ou festa.
7-lavanderia e dml 8-trocador 9-berçário 10-elevador 11-monta-carga 12-escada de emergência 13-sanitários
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4o pavimento: administração e mídia Um dos blocos é destinado ao funcionamento do edifício: sala administrativa, sala de apoio à expografia e um vestiário, além dos banheiros de cada pavimento.
planta 4o pavimento 1:250 1-estúdio 2-ilha de edição 3-informática 4-câmara escura
O bloco voltado para a avenida abriga oficinas de apoio à mídia independente, sempre presente nas ações dos movimentos e que tem o papel de difusão da informação. A idéia é fortalecer essa atuação com sala de informática, tendo em vista a eficácia dos blogs, mídias sociais, sites. Há também um estúdio de gravação para produção de documentários e filmes independentes e uma câmara escura para uso dos fotógrafos que acompanham as atividades, ou mesmo para as oficinas de fotografia que têm ocorrido na Ocupa.
5-espaço para reuniões 6-almozarifado 7-passarela 8-escadaria original 9-administração 10-apoio à expografia 11-vestiários 12-elevador 13-monta-carga 14-escada de emergência 15-sanitários planta 5o pavimento
5 pavimento: oficinas O penúltimo andar, próximo aos auditórios, é de produção material. A marcenaria pode servir ao teatro com oficinas de cenografia, de expografia, ou mesmo como capacitação profissional e produção ou reparo de móveis das famílias.Na fachada da São João, oficina têxtil para confecção de figurinos e cenografio, estando junto à oficina gráfica para produção de faixas, cartazes, panfletos, ou seja, peças gráficas que divulguem essa luta e suas atividades. o
Esse andar deverá ter o devido tratamento acústico, portanto, propõe-se que ele tenha fechamentos com acessos ao lado do elevador ou à frente da escada, mas que se conectam pelas passarelas do vão.
1:250 1-figurino e costura 2-oficinas gráficas 3-cabideiros 4-passarela 5-escadaria original 6-marcenaria 7-elevador 8-monta-carga 9-escada de emergência 10-sanitários
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6o pavimento: auditórios Por causa dos pilares, não foi possível locar os auditórios em outro pavimento, apesar de ser essa a minha vontade inicial. No último pavimento, é possível retirar os pilares centrais de cada bloco e substituir a estrutura de concreto por uma estrutura metálica e cobertura leve.
planta 6o pavimento 1:250 1-palco 2-platéia 3-sala de projeção 4-apoio aos palcos 5-passarela 8-vão da escadaria original
Para cada bloco proponho um auditório com caráter diferente, mas que se dialogam pelo vão central e pela passarela. Voltado para avenida, um auditório de platéia comum, onde podem ser oferecidas palestras, ou passar filmes e documentários produzidos no prédio. No bloco ao fundo, um auditório com platéias em 2 sentidos, com arquibancadas retráteis. Aí podem ocorrer ensaios, apresentações de música e de dança, ou até os saraus.
9-arquibancadas 10-elevador 11-monta-carga 12-escada de emergência 13-camarim
A proximidade com o piso das oficinas também é interessante para subirem os materiais necessários pelo monta-carga. corte aa 1:250
corte bb 1:250 próxima página
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CONSIDERAÇÕES FINAIS As propostas para a Ocupa São João foram elaboradas ao longo desse último semestre a partir de conversas com pessoas envolvidas com a ocupação e de minhas percepções dos espaços e programas ali realizados. A intervenção apresentada foi além de uma proposta de um conjunto habitacional para a demanda dos movimentos sem-teto do Centro: busquei colocar outras questões envolvidas que, na maioria dos programas habitacionais estudados, não são abordadas projetualmente. Os programas de moradia para o Centro estão relacionados às qualidades urbanas dessa região, como os acessos ao transporte público, a concentração de empregos, o potencial de adensamento e a presença de equipamentos urbanos. No entanto, apenas o PRIH apresenta propostas de desenvolvimento de novos equipamentos públicos para o conjunto de quadras que receberá intervenções. A proposta desse trabalho, todavia, não envolve um plano elaborado para conjunto de quadras, apesar de se inserir em um quarteirão onde há um alto índice de abandono de edifícios, evidenciado pelas inúmeras ocupações. Outra inquietação presente em cada traço do projeto foi o fato de institucionalizar uma atuação tão independente. O Projeto Ocupação Cultural não está vinculado diretamente ao MSTRU ou à FLM, ele atua em conjunto, apóia, intervém e consulta, mas não está subordinado a nenhuma outra organização. Busquei indicar que o
Centro Cultural de Luta pela Moradia fosse autogerido pelos agentes culturais ligados aos movimentos de moradia, para que esse caráter independente se mantenha.
imagem01. marcha no Centro de São Paulo contra as desapropriações das moradias ocupadas.
A participação popular em decisões do governo e a inserção política nos movimentos é um dos seus objetivos, mas as políticas públicas para desenvolver essa participação são muito limitadas. Logo, imaginar que o poder público fosse se mobilizar para construir, financiar ou destinar esforços para o desenvolvimento de um Centro Cultural de Luta pela Moradia, parece-me praticamente impossível. Cheguei, então, a um dilema que me acompanha desde o início da minha graduação na FAU: propor um ideal distante da realidade ou ser limitado por ela. Aqui, escolhi uma das realidades presentes nos conflitos do Centro: as demandas da luta por moradia e o potencial cultural de um grupo que atua nesse sentido e que não deixa de buscar um ideal e ir contra uma realidade opressora.
Foto: Rafael Shinnok photoguerrilha.com
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