Perspectivas sobre o Ensino Jurídico em Países de Língua Portuguesa

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© Tarcizo Roberto do Nascimento 2021 Produção editorial: Vanessa Pedroso Revisão: dos Autores Capa: Equipe Marca Fácil Editoração: Nathalia B. Cecconello Autores: Celmira Alfredo Barros, Lady Adelina Domingos Rosa, Adlezio Agostinho, Anildo Alfredo João Joaquim, Carlos Manuel Borges Garcia, Hirondina Maria Lima, Alcides Gomes, Januário Pedro Correia, Maicisse Machute, Noémia Camoto, Sónia Moreira Reis, Roberto do Espírito Cotrim, Wildiley Afonso Fernandes Barroca, Robert Oliveira Monteiro, Lizziane Martins Lima, Tarcizo Roberto do Nascimento, Elmo José Duarte de Almeida Júnior, Allyny Ribeiro Martins, Suzana Schwerz Funghetto, Marcus Vinícius do Carmo Martins Cavalcante Coordenação: Tarcizo Roberto do Nascimento Colaboração: Robert Oliveira Monteiro, Allyny Ribeiro Martins, Lizziane Martins Lima, Elmo José Duarte de Almeida Júnior, Francisca Rodrigues Pereira CIP-Brasil. Catalogação na Publicação Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ N199p

Nascimento, Tarcizo Roberto do

Perspectivas sobre o ensino jurídico em países de língua portuguesa [recurso eletrônico] / Tarcizo Roberto do Nascimento. 1. ed. - Porto Alegre [RS] : Buqui, 2021. recurso digital Formato: epdf Requisitos do sistema: adobe acrobat reader Modo de acesso: world wide web ISBN 978-65-86118-93-3 (recurso eletrônico) 1. Direito - Estudo e ensino. 2. Livros eletrônicos. I. Título. 21-69288 | CDU: 340.11 Camila Donis Hartmann - Bibliotecária - CRB-7/6472

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PREFÁCIO O PASSADO, O PRESENTE E O FUTURO DO ENSINO JURÍDICO EM PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA Marcos Ehrhardt Júnior1 É por todos bem conhecida a escassez de livros e trabalhos doutrinários sobre o ensino jurídico. Tal afirmação pode ser empiricamente verificada em toda a comunidade de países de língua portuguesa, quer seja o Brasil, Angola, Cabo Verde ou São Tomé, quer seja Príncipe ou Guiné-Bissau, apenas para fazer referência expressa àqueles cujas experiências são apresentadas neste livro. Curioso como o foco dos debates sobre os problemas e desafios do ensino jurídico se concentra sobre os seus sintomas, deixando em segundo plano as deficiências estruturais e históricas compartilhadas por esta comunidade de países. Vivemos num cenário capitalista de maximização do lucro e enfatização dos resultados, que põe em evidência os números no atacado, enquanto negligencia as pessoas que, no varejo, integram uma complexa rede de necessidades, anseios e esperança de alcançar emancipação e autonomia através do conhecimento e da educação jurídica. 1  Advogado. Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor de Direito Civil da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e do Centro Universitário Cesmac. Editor da Revista Fórum de Direito Civil (RFDC). Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCIVIL). Presidente da Comissão de Enunciados do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Membro Fundador do Instituto Brasileiro de Direito Contratual – IBDCont e do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (Iberc). E-mail: contato@marcosehrhardt.com.br

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Para que serve a formação jurídica? Quais os objetivos que ela precisa alcançar? O que fazemos atualmente está em sintonia com as necessidades do corpo social e do mercado de trabalho? Como incorporar o debate sobre o avanço das novas tecnologias no mundo jurídico? Grande parte das perguntas acima apontadas é enfrentada ao longo deste livro, que promove um diálogo rico e construtivo, a partir de perspectivas plurais, que nos convida a transitar pelo passado e presente do ensino jurídico na Língua de Camões, Padre Vieira, Eça de Queirós, Lídia Jorge, Inês Pedrosa, José Saramago e Fernando Pessoa. Apenas quando nos conscientizamos das origens históricas que nos trouxeram ao momento presente, podemos ajustar as velas para os desafios futuros. Nessa troca de experiências, que tem como denominador comum a colonização portuguesa, deve-se ressaltar a importância de se atentar para peculiaridades locais de cada ordenamento jurídico, no que diz respeito às suas fontes e modo de organização, afastando as tentativas de empreender um sincretismo doutrinário e metodológico acrítico que ignora valores e tradições culturais dos grupos sociais e muitas vezes se mostra descompromissado com a proteção dos indivíduos, especialmente de grupos vulneráveis. Vivenciamos um crescente movimento de massificação do ensino, de concentração das atividades em grandes conglomerados transnacionais educacionais, que precisa enfrentar a falta de contemporaneidade dos currículos universitários. Esses devem espelhar a preocupação com a escassez dos recursos naturais, com a liberdade de expressão, o combate à violência e a discriminação contra crianças, idosos, mulheres e refugiados; a proteção a pessoas superendividadas e que não conseguem ingressar num mercado de 5


trabalho que já não garante vagas para todos os indivíduos. Tudo isso sem considerar temas afetos a compliance, governança, proteção de dados pessoais e combate à corrupção. A longa lista de temas e desafios a que os operadores jurídicos precisam atentar para o desenvolvimento de competências e habilidades ainda envolve os avanços da engenharia genética e das aplicações de inteligência artificial, num mundo onde os marcos divisórios entre o físico e o virtual estão cada vez mais borrados e precisam ser constantemente ressignificados. Também é preciso lançar um olhar sobre o lado “b” da intensa utilização de recursos tecnológicos, pois em razão inversamente proporcional ao acesso facilitado a fontes bibliográficas, do intercâmbio com outros pesquisadores e da facilidade de comunicação de pesquisas e estudos, estão os efeitos cruéis da exclusão digital ‒ quer seja pela impossibilidade de acesso a equipamentos, quer seja pela própria infraestrutura de conexão com a rede mundial de computadores, que ignora docentes e estudantes menos favorecidos, integrantes da parcela off line da população. É justamente neste caldo de revolução tecnológica, cultural e social que o diálogo sobre experiências bem-sucedidas sobre sistemas de regulação e avaliação da qualidade do ensino jurídico são muito bem-vindos, mormente quando incentivam a interação do ensino com a pesquisa e as atividades de extensão. É muito bom ter acesso a vivências de colegas em outros países e perceber que, em diversos aspectos, a realidade não é tão distante, sobretudo no que se refere aos desafios relacionados à motivação de estudantes e à necessidade de superação das deficiências que se verifica desde o ensino fundamental. 6


Num mundo global em que a tecnologia relativizou as fronteira físicas, é preciso comemorar iniciativas como esta, que privilegiam um intercâmbio saudável de ideias e lançam as bases para novos projetos de cooperação. Parabéns a todos os envolvidos. Que as vozes nas próximas páginas possam ecoar, inspirar e suscitar belas reflexões. Maceió, Alagoas, Brasil, 29 de janeiro de 2021.

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SUMÁRIO Os desafios da docência e o ensino jurídico em Angola Celmira Alfredo Barros.................................................................. 10

O sistema de avaliação do ensino juridico e a busca pela qualidade Lady Adelina Domingos Rosa......................................................... 28

O ensino do Direito Constitucional nas instituições públicas e privadas de Angola Adlezio Agostinho.......................................................................... 44

A defesa dos direitos fundamentais a partir do direito a educação juridica Anildo Alfredo João Joaquim......................................................... 53

Contributos para a melhoria da justiça em Cabo Verde Carlos Manuel Borges Garcia......................................................... 68

A qualidade do ensino do direito Hirondina Maria Lima.................................................................. 86

O contributo da Faculdade de Direito de Bissau na formação jurídica e na construção do Estado de Direito Alcides Gomes...............................................................................117

O Ensino Jurídico: Da pretensa originalidade do ensino do direito bancário na Guiné Bissau Januário Pedro Correia................................................................ 129

O exame profissional realizado em Moçambique Maicisse Machute e Noémia Camoto............................................ 152 8


O ensino do Direito e a Justiça Restaurativa Sónia Moreira Reis....................................................................... 166

Medidas de coacção em São Tomé e Príncipe Roberto do Espírito Cotrim.......................................................... 182

O Mercado de trabalho para os operadores de Direito em São Tomé e Príncipe Wildiley Afonso Fernandes Barroca............................................. 203

O Docente Jurídico e a educação à Distância Robert Oliveira Monteiro..............................................................217

A qualidade do Ensino Jurídico Brasileiro aferida por meio do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) e pelo Exame de Ordem da OAB Lizziane Martins Lima e Tarcizo Roberto do Nascimento............. 231

Direitos sociais, educação e a (perda da) qualidade do Ensino Jurídico Brasileiro Elmo José Duarte de Almeida Júnior............................................ 259

Plágio, o desafio ético do Ensino Jurídico na era digital Allyny Ribeiro Martins................................................................ 280

Educação Superior no Século XXI Suzana Schwerz Funghetto e Marcus Vinícius do Carmo Martins Cavalcante................................................................................... 291

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OS DESAFIOS DA DOCÊNCIA E O ENSINO JURÍDICO EM ANGOLA Celmira Alfredo Barros2

“A politização das faculdades de Direito é um fenómeno contraproducente e que põe em causa a independência e a credibilidade científicas das instituições das instituições que ensinam o Direito”3

RESUMO O presente artigo se propõe a fazer uma análise do ensino do direito angolano, ilustrando sua semelhança com o ensino do direito português. Sem olvidar a riqueza de um ensino de um direito de matriz filosófica Bantu. Será igualmente dada atenção ao fenômeno da turba docência como um factor desqualificativo no ensino superior angolano. Palavras-chave: ensino jurídico; direito costumeiro; ciência jurídica angolana; direito filósofico bantu. ABSTRACT This article proposes to make an analysis of the teaching of Angolan law, illustrating its similarity with the teaching of Portuguese law. Without forgetting the richness of a teaching of a Bantu philosophical matrix right. Attention 2  Celmira Alfredo Barros; Licenciada em Direito pela Universidade Metodista de Angola (2011); Mestre em Ciências Jurídicas-Direitos Humanos pela Universidade Federal da Paraíba; Docente Universitária e Consultora Jurídica. 3  https://www.portoeditora.pt/sites/ensino-direito-portugal/, Acesso em 10 de Abril de 2019, as 11h.

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will also be given to the phenomena of peat teaching as a disqualifying factor in Angolan higher education. Keywords: legal education; customary law; Angolan legal science; Bantu philosophical law.

1. Introdução O Ensino Superior em Angola é assegurado em rede pública por oito regiões académicas, dividas pelas 18 províncias do País 4 , que têm servido de suporte aos que por falta de meios econômico-financeiros não têm possibilidade de custear a sua formação nas Instituições Superior Privadas de Ensino. O curso de direito está presente em maior parte das Instituições de Ensino Superior públicas assim como nas Instituições de Ensino Superior privadas e, grosso modo, tem sido muito concorrido, pois o número de candidatos ultrapassa as metas previamente definidas no início de cada ano académico. Os indicadores de qualidade ou a inexistência desta na formação do jurista angolano, é de certo modo comum a todas as Instituições, na medida em que, padecem quase todas dos mesmos vícios: um ensino não voltado a pesquisa, uma importação dos curriculum de IES portuguesas e ausência de bibliografia local. No presente artigo, não é nossa intenção dar mais razão aquela ou esta IES, mas sim, fazer uma apreciação generalizada apontando um outro caso de 4  Existem no país oito Universidades Públicas e 20 Institutos Superiores Públicos até ao ano de 2015. Ao passo que das IES privadas, dados avançados em 2018 pelo Ministério do Ensino Superior Ciência, Tecnologia e Inovação, dão conta de que existem no país 55 Instituições de Ensino Superior privadas, sendo que 10 são Universidades e 45 são Institutos Superiores Politécnicos.

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progresso num aspecto que se quer qualitativo, para as novas metodologias do ensino de direito. Aos docentes se impõem os desafios de se reinventar a cada dia, para responder aos anseios dos discentes. Reformulando seus métodos de ensino, se adoptará um ensino do modelo de aulas expositivas com análises, com maior participação e interação dos estudantes, uma vez que o docente em sala de aula, não se deve cingir tão somente em ensinar, mas também em a aprender. É nosso propósito igualmente, enunciar aqui a necessidade de olhar para um ensino voltado a matriz filosófica Bantu, ao contrário da acentuação da matriz romano-germânica.

2. O ensino jurídico angolano reprodução do ensino português Os registos históricos narram que o ensino superior foi implantado no país na década de 1960, para ser mais precisa em 1962. 5 Isto pressupõe dizer que ao longo de várias décadas existia uma única Universidade no país, que tinha polos nas suas 18 províncias. A Universidade Agostinho Neto (UAN) foi criada um ano depois da proclamação da independência, em 1976. Em 1992, foi dado o aval a Igreja 5  “O ensino superior foi implantado em Angola (então colónia portuguesa) somente no ano de 1962, com a criação dos Estudos Gerais Universitários de Angola. A Igreja Católica tinha, porém, criado em 1958 o seu Seminário, com estudos superiores em Luanda e no Huambo1. À criação dos Estudos Gerais Universitários de Angola seguiu-se a criação de cursos nas cidades de Luanda (medicina, ciências e engenharias), Huambo (agronomia e veterinária) e Lubango2 (letras, geografia e pedagogia). Em 1968, os Estudos Gerais Universitários de Angola foram transformados em Universidade de Luanda, tendo em 1969 sido inaugurado o Hospital Universitário de Luanda. A Igreja Católica havia, entretanto, criado em 1962 o Instituto Pio XII, destinado à formação de assistentes sociais”. https://journals. openedition.org/ras/422 Acesso em 10 de Março de 2019, as 17h.

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Católica para tornar funcional o seu projecto de Instituição de Ensino Superior (IES), dando assim lugar a primeira IES privada no país, e encorajando também os demais que viram nisto mais uma oportunidade de negócio do que propriamente uma parceria com o Estado na materialização do direito a educação neste nível de ensino. 6 Na realidade angolana, o curso de direito está presente na maioria das IES, aliás, é quase impossível não vislumbrarmos uma IES que não tenha o curso de direito na sua grelha de oferta formativa, e isso também se deve ao facto de ser dos mais procurados pelos potenciais estudantes desde o fenômeno conhecido como “mercantilização do ensino. Ora, do anterior colonizador herdamos, dentre outras coisas, o lado tradicional do ensino do direito, não há muita diferença entre estar numa sala de aula no curso de direito em Lisboa e em Luanda são como que siamesas. Se quisermos ser mais elucidativos, neste particular o Jurista do sítio Maka Angola, Rui Verde, pontua que: Do ensino português não herdamos só o modo de ministração das aulas, como também, o ordenamento jurídico, e pese embora aqueles já tenham efetuado reformas legislativas de muitos dos seus códigos, do nosso lado, só a coisa de dois meses conseguimos aprovar um novo código penal, por exemplo. A metodologia adotada consiste em o Professor ser o “sumo do saber”, que chega a sala de aula e passeia todo o seu vocabulário do mais rebuscado (aliás quanto mais rebuscado melhor), e o aluno limita-se a ouvir e a tomar notas, 6  Dados oficiais do Ministério do Ensino Superior em 2015, davam conta da existência de 62 IES, hoje certamente, o número terá crescido, porquanto em 2017, ano eleitoral, os “investidores” do Sector de Ensino Superior, aproveitam para fazer pressão em troca de votos. Partindo do pressuposto que quem Governa não organiza pleito eleitoral para perder, é a oportunidade que os investidores têm para aprovar todo o tipo de projecto de IES, desprovida da observância do rigor e qualidade que se impõem para a criação e licenciamento de uma IES

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criando seres acríticos para um nível de ensino que se quer ser pensantes e capazes de solucionar os diferentes problemas sociais, socorrendo-se dos métodos de cientificidade. O jurista Rui Verde, do sítio Maka Angola, faz-nos reflectir na existência de um pluralismo jurídico pelo território nacional e na riqueza das “normas consuetudinárias”, ensino este que não tem lugar nas salas de aulas, porquanto, ainda é notória a cópia do curriculum das IES portuguesas. Há um esforço tímido em pensar o direito a partir de uma perspectiva filosófica-bantu, desde a sala de aula até mesmo aos tribunais comuns, ignorando a existência dos tribunais costumeiros. Na verdade, estes Tribunais costumeiros7 são de uma riqueza cultural e ancestral que não fica nada a dever ao direito de matriz ocidental, impostos pela colonização. “Há uma história do direito em Angola que não é a história do direito português, há uma história das ideias em África que não é só a história das ideias na Europa. Há temas específicos para a realidade angolana, o direito costumeiro, local, rural, de resolução alternativa dos conflitos, que não é abordada nas faculdades de direito.”

Impõem-se deixar assente que o ensino jurídico em Angola, como aludido acima, é semelhante ao ensino português do ponto de vista da ministração das aulas, sem olvidar a grelha curricular de algumas IES que é uma cópia fiel de IES portuguesas. Daí se entender o facto do analista Rui Verde ter denominado o seu artigo nos termos “pela desco7  Os Tribunais costumeiros são presentes, grosso modo, em localidades que distam a quilómetros da cidade principal, onde normalmente é possível encontrar a jurisdição comum. Quando assim ocorre, a autoridade tradicional, naquele lugar, substitui o Estado (jurisdição comum) e a luz do direito costumeiro realiza julgamentos.

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lonização do ensino do direito em angola”, sinalizando neste que: Se repararmos no currículo do curso de Direito da Universidade Agostinho Neto, vemos que este não é mais do que uma imitação do que se fazia em Portugal antes de 2005/2006 (altura em que nas terras lusas se comprimiram os cursos para 4 anos, em virtude do chamado processo de Bolonha). Não existe uma única cadeira específica vocacionada para Angola. O curso de Direito poderia ser leccionado em Luanda ou em Bragança. (..) 8

Tal argumento tem sido fundamentado quando de forma discriminatória o acesso a contratação é maioritariamente facilitado, se nos permitem o termo, para os formandos em direito em Portugal do que em qualquer outro país, asseverando as similitudes de um com outro. Sobre esta questão ainda nos debruçaremos quando abordarmos as grelhas curriculares de algumas IES, como elemento essencial da qualidade dos seus formandos

3. A qualidade do ensino jurídico e a má prestação da classe jurídica É ponto assente que há uma necessidade de se efetuar uma reforma dos currículos, de modo a torná-los mais atractivos às exigências e aos desafios do agressivo mercado para as diferentes profissões jurídicas, impõe-se que o aluno saia da Universidade dotado de saberes que o mercado soli8 https://www.makaangola.org/2018/09/pela-descolonizacao-do-ensino-do-direito-em-angola/, acesso em 18 de Março de 2019, as 22h.

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cita. Como bem assevera o Professor Catedrático da Universidade Agostinho Neto (UAN), Carlos Feijó: “Na verdade, o que nós assistimos é o seguinte: a formação que nós recebemos na Faculdade é, a todos os títulos, deficiente. Os planos curriculares das Faculdades, hoje, não nos dão a formação que, na minha opinião, nos pode tornar suficientemente competitivos. Nós estamos a fornecer, hoje (e nós a recebemos quando estudamos aqui em Angola), uma formação que eu chamo clássica. Ensinaram-nos o direito dos códigos, mas há disciplinas jurídicas novas que não nos foram ensinadas e que não são ensinadas hoje. E tudo isto leva a que a maior parte dos advogados angolanos não domine determinadas tecnologias jurídicas modernas. Não por culpa deles, mas porque não são esses os instrumentos que são ensinados aqui em Angola. E nem todos têm a possibilidade de ir para o estrangeiro fazer a sua formação e nem deve ser esta a política de formação que se deve seguir.”9

Associado a isto, sublinha-se ainda que na realidade angolana, não há um ensino voltado para uma metodologia de pesquisa científica, há sim, como bem sinaliza o Professor Carlos Feijó, a ministração das aulas voltada para interpretação superficial dos comandos normativos, contribuindo em larga medida para a “deformação” da classe de juristas, salvo raríssimas excepções, em que os estudantes com possibilidade de fazer outras formações no estrangeiro, conseguem sair e obter outras valências. No final da licenciatura (graduação), empreendendo esforço para seguir 9 http://www.angonoticias.com/Artigos/item/9152/jurista-carlos-feijo-defende-reforma-curricular-dos-cursos-de-direito. Acesso em 15 de Março de 2019, as 19h.

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para o estrangeiro, hoje por hoje, os países de eleição ainda são Portugal e Brasil, devido a facilidade linguística. Porém, os problemas do ensino jurídico angolano passam também pelas questões pontuadas pelo Jurista Albano Pedro que se prendem com: “a qualidade de docentes a partir dos conteúdos curriculares. Os resultados são, por si só, eloquentes Professores com conhecimentos mecanizados (limitados aos magros fascículos que utilizam como base bibliográfica) e com níveis de exigências abusivas (reprovando discentes de forma aleatória), sendo que aqueles que satisfazem as exigências desses mesmos docentes, nem por isso podem decantar manifestos proveitos das lições “mecanizadas” na vida pós-académica ou profissional.”10

Tal como mencionamos acima, o curso de direito está presente na maioria das IES existentes no país, pelas razões igualmente já evocadas, porém, não existe uma uniformização dos Currículos, não obstante a Ordem dos Advogados de Angola (OAA), diligenciar junto do Ministério do Ensino Superior, Ciência Tecnologia e Inovação (MESCTI), ainda assim, tem sido inglório o esforço. Os currículos aqui são apresentados como medidor da qualidade ministrada pelas IES, na medida em que estes representam a qualidade do formando que sairá daquela IES, por isso, impõe-se a sua actualização de acordo com os desafios hoje apresentados no exercício das distintas profissões jurídicas.

10 http://jukulomesso.blogspot.com/2009/06/o-ensino-do-direito-em-angola-do-ensino.html

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4. O fenômeno da turbo docência como indicador da ausência de qualidade O conhecido fenômeno ‘turbo docência’ é um dos inimigos da qualidade do ensino jurídico em Angola, a ele está associado um problema estruturante cuja resolução deverá originar-se da susperestrutura do Estado. Este fenômeno espelha um grosso de pessoas que acorrem ao exercício do serviço docente sem estarem imbuídas do espírito de fazer academia com rigor e qualidade exigíveis, mas apenas como uma oportunidade de ter um emprego, dando assim lugar ao subemprego, fruto da dificuldade enfrentada para ter um vínculo profissional. Porquanto, não obstante as distintas saídas profissionais do curso, há um outro handicap provido pela formação do jurista angolano: olha-se ou para a Magistratura, quer Judicial como do Ministério Público, como carreira no funcionalismo público.11 A turbo docência na realidade angolana, resulta do facto de o professor trabalhar e leccionar em mais de cinco IES, quer públicas e privadas, com o fim único de no final puder ter o suficiente para a satisfação das suas necessidades, o que é legítimo. Mas, ilegítimo é ludibriar e ser apenas o que despeja uma série, muitas vezes desordenadas do conteúdo, sem se quer permitir que o discente o questione para esclarecimentos da matéria ministrada, e isto depreende-se nos elementos de avaliação.

11  Considerando que desde a década de 1990, salvo erro, que há no país uma lógica de que o formando em Direito tem uma porta aberta para trabalhar nos Gabinetes Presidencial e Ministeriais, tal facto originou que muitos, mesmo sem ser o tal curso escolhido, rumaram para formação em direito, vendo assim uma porta fácil para chegar perto do Poder Executivo.

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5. Programas curriculares das IES no país Os professores das cadeiras processuais ao invés de levarem o processo enquanto actos subsequentes, levam meras hipóteses práticas que na prática, no exercício da profissão, se apresentam de forma completamente diferente. Neste particular, diferente dos currículos das 45 IES com o curso de direito, há uma que se distingue por ter na sua grelha curricular a disciplina de “Redacção de Peças Jurídicas”.12 O professor Esteves Hilário defende que a formação em direito do estudante angolano deve acompanhar a realidade do mercado angolano, em que se impõe saber que tipo de jurista pretendemos para o Direito angolano: um jurista que questiona ou um jurista que reproduza as decisões dos legisladores. Uma vez definido o tipo de jurista, a questão prenderia-se então em passar as habilidades e ferramentas necessárias para que o formando em direito não seja um mero repetidor de legislações, mas um estudante que pensa, questiona, problematiza, e dá soluções às questões a si apresentadas. Dito de outro modo, um jurista muito mais apto para responder as reais necessidades do mercado de trabalho13. Entre académicos, advogados e outros operadores do direito, a questão da reforma e práticas pedagógicas de níveis aceitáveis é o ecoar que não cessa. Porém, os currículos são os que mais alto ecoam na medida em que estes representam ou orientam o arcabouço do que há-de conter a formação do formando em direito, o que ele vai na sua essência trazer como mais valia para o mercado de trabalho. 12  Universidade Metodista de Angola efectuou uma reforma Curricular em 2010, incluindo cadeiras como Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos; Processo Constitucional, Lógica e Hermenêutica Jurídica; e outras que anexamos ao presente artigo. 13 https://www.facebook.com/AEFDUAN18/videos/395704344543244/UzpfSTEwMDAwMDA3ODE1ODE2MzoyNDEzNDY2MzQ4NjY1OTQ3/

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“A qualidade dos juristas formados pelas instituições de ensino de direito do país, sobretudo da nossa província em particular, está ainda aquém da desejada para ao exercício da advocacia”, desabafou. Para se ultrapassar tal situação, Domingos Sassi apela que as faculdades e institutos superiores vocacionados à formação de juristas melhorem as suas políticas pedagógicas, através de elaboração de planos curriculares e constituição de um corpo docente que respondam os desafios da profissão.”14

Alicerçados no pensamento do Professor Esteves Hilário, sublinhamos que o que se impõe não é uma uniformização das grelhas curriculares de todas as IES, mas que estas tenham em atenção a formação oferecida, com vista a tornar o licenciando apto para dar vazão ao desafiante e agressivo mercado de trabalho.15

6. Ensino de um direito de matriz filosófica bantu O constituinte angolano de 2010, teve o cuidado de no seu artigo 7.º validar o costume como fonte imediata do direito, aparecendo este no segundo plano depois da Constituição: “ É reconhecida a validade e a força do costume que não seja contrário à Constituição nem atente contra a dignidade da pessoa humana”. 16Ou seja, desde que não inobserve 14 http://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/sociedade/2018/7/33/Ordem-dos-advogados-quer-mais-qualidade-formacao-juristas,8740ebb3-61dd-4358-aad8-4d703e0ae11f.html 15  Grelha Curricular da Universidade Agostinho Neto http://www.fduan.ao/licenciatura.php. Acesso em 12 de Avril 15h. Grelha curricular da Universidade Católica de Angola http://www.ucan.edu/ www14/index.php/2015-03-03-10-34-48/plano-curricular-faculdade-direito. Acesso em 15 de Abril de 2019 as 1h :47 min. 16  Artigo 7.º da Constituição da República de Angola de 2010.

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a Constituição da República de Angola (C.R.A), e não ofenda a dignidade da pessoa humana, o costume é válido no ordenamento jurídico angolano, fazendo recurso aos usos e costumes que nossos ancestrais nos passaram. De que serve esta reflexão para o nosso estudo, ensino jurídico e qualidade da formação jurídica em Angola? Ora, a resposta a esta indagação não poderia ser outra senão a necessidade de se levantar pesquisadores em direito imbuídos do fervor académico. E revisitar um direito de matriz filosófica bantu, alicerçado nos nossos usos e costumes, que não fica nada a dever ao direito de matriz ocidental. Discussão essa muito bem pontuada pelo Professor Esteves Hilário no seu Ensaio sobre o conteúdo jus-filosófico do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (Hilário, 2018, p. 61). Os participantes do III Encontro Nacional de Estudantes de Direito (ENED-2019), reflectiram em torno das novas metodologias do ensino do direito em Angola17, tendo para o efeito visitado o Reino do Bailundo onde puderam assistir um julgamento costumeiro, em que as partes envolvidas na querela têm de pagar o que no direito de matriz ocidental chamamos de custas Judicias18 , no valor de dez mil kwanzas. Na eventualidade de uma das partes não tiver o que pagar, o processo segue o seu curso normal, para não configurar o que chamariam de denegação de justiça por falta de cus17  O III Encontro Nacional de Estudantes de Direito (ENED-2019), orientado pelo lema: Estudantes de Direito: em busca da excelência no ensino e investigação face aos novos desafios sociais, realizou-se de 27 e 31 de Março, na província do Huambo, sendo que os dias 28 e 29 foram dedicados a actividades científico-académicas, que teve como palco o auditório da rádio Huambo e o Anfiteatro do Instituto Politécnico Superior do Huambo. https://www.facebook.com/anisiosamandjata.samandjata/posts/2178771432206442?__tn__=K-R. Acesso aos 15 de Abril de 2019 18 https://www.facebook.com/auriodaniel.claudio/posts/2076623025767825, Acesso em 15 de Abril de 2019, as 23h:30 min.

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tas, o que em outros ordenamentos jurídicos poderia levar a deserção do recurso. São valências identificadas no direito costumeiro que deveriam fazer parte dos currículos académicos das diferentes IES no país. Por este facto, o Professor Carlos Feijó assevera: “O estatuto do Direito Costumeiro na Constituição de 2010 e a construção da disciplina de Direito Costumeiro no ensino das Faculdades de Direito”, tema enquadrado na segunda Jornada Científica da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto (UAN).(…), existem muitas nuances do Direito Costumeiro que devem ser avaliadas, logo as ciências invocadas, a par do Direito Comparado (como de países como África de Sul, Namíbia, Botswana), podem contribuir para a estruturação de uma disciplina de Direito Costumeiro.19

O ensino de um direito contextualizado tem que ver com a dissociação que se impõe fazer do direito ocidental até aqui ensinado. Impõe-se que os professores estejam capacitados para observar os fenômenos culturais existentes no nosso mosaico etno-linguístico e cultural e o modo de resolução de conflitos, só para citar estes. Por exemplo, o ensino do direito de matriz ocidental ensina que nas relações conjugais os cônjuges são livres de se divorciar, bastando que haja manifesta vontade de um deles. Ora, no direito de matriz bantu que se impõe estudar e contextualizar, não se apela a separação do casal sem a reconciliação, isto é aquilo que o direito positivo chamaria de tentativa de conciliação. 19 http://www.angonoticias.com/Artigos/item/36007/teorizacao-do-direito-costumeiro-em-angola-passa-pelo-estudo-de-outras-ciencias, Acesso aos 14 de Abril de 2019.

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Ou seja, antes da imposição do direito positivo, existia aqui um direito costumeiro, que ficou só nos Reinos como aludido acima sobre a Ombala Yo Balundo, ao passo que as IES voltaram a sua grelha curricular e seus métodos de ensino ao direito de matriz romano -germânica com ênfase na realidade portuguesa, e ainda de uma forma tímida do Brasil, tal, verifica-se no ainda paupérrimo acervo bibliográfico angolano, onde é quase nula uma citação em sede do direito comparado de um país africano. A riqueza da tradição Bantu ainda não é tida em conta, são poucos os centros de pesquisa das IES, e poucos são os docentes que se encarregam de estudar e fazer a correlação do direito de matriz ocidental com o direito de matriz romano -germânica do que filosófica Bantu (Hilário, 2018, p.61).

7. Conclusão Em guisa de conclusão, importa sublinhar que não foi pretensão nossa passar a ideia de que as reformas curriculares devam abranger tudo, pois estamos cônscios de que nem tudo caberia na licenciatura, mas, que há uma necessidade das mesmas se materializarem tornando os currículos mais desafiantes para as exigências do mercado actual. Nem tão pouco foi nossa intenção deixar a ideia da uniformização dos currículos, pois, como enunciava o Professor Esteves Hilário, “a uniformidade pode prejudicar a liberdade”.20 É imperioso que haja um ensino muito mais ao estilo do ensino das ciências auxiliares do direito, que ajudam o putativo jurista a pensar o direito, a problematizar e obvia20  https://www.facebook.com/AEFDUAN18/videos/395704344543244/. Acesso em 15 de Abril de 2018.

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mente a dar cabal resposta aos desafios diários do exercício da profissão. O ensino voltado a interpretação dos comandos normativos, desprovido da exegese e hermenêutica lógica filosófica que se impõe não é recomendável, pois, só ajuda a criar legalistas, facto que é notório nas diferentes peças ou actos processuais dos actores ou da justiça em Angola. Os programas curriculares devem sofrer reformas. Há igualmente a necessidade de se fazer aposta séria na qualidade do corpo docente, desde a formação que os documentos de formação dizem ter até a necessidade de avaliação da qualidade docente, passando pelos programas disciplinares, bem como pelos métodos utilizados para ministração das aulas e para as avaliações dos estudantes. É imprescindível apostar num corpo docente vocacionado a produção científica e mais comprometido com o saber; e formar a classe de juristas para as exigentes e desafiantes situações do mercado de trabalho, de modos que sejam capazes de dar respostas aos problemas envolta da exegese, enquanto cultores do saber jurídico. Implementar estágios no quinto ano como carreira curricular, de forma a permitir que o licenciando em direito tenha domínio das ferramentas quando for a selva denominada mercado de trabalho. Implementar a cadeira de monografia, para que ao fim de cinco anos o finalista possa apresentar diante de uma banca examinadora um produto final sobre uma determinada área, com qual se sente a vontade. Isto permitiria que, a longo prazo, conseguíssemos ter notável bibliografia angolana escrita por angolanos, deixando assim a necessidade de vezes sem conta recorrer, sobretudo, a doutrina portuguesa não como direito comparado, mas como fonte principal de consulta doutrinária, por conta das similitudes do ordenamento jurídico. 24


Impõe-se ainda que as IES públicas e privadas apostem sério na qualidade do corpo docente, criem programas com uma boa política de incentivo a pesquisa científica, com vista a ensinarmos um direito mais pensando em nós, na nossa história e na riqueza do nosso mosaico etnolinguístico e cultural,

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS HILÁRIO, Esteves Carlos. Ensaio sobre o Conteúdo Jus-Filosófico do Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fac Simile Editora. 1ªEdição 2018. HILÁRIO Esteves Carlos. O princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento axiológico e teleológico do Estado angolano. P- de 179-191. Edições Ministério do Ensino Superior de Angola, 2015. ANUÁRIO, Estatístico do Ensino Superior 2015. JÓNATAS E. M. Machado; HILÁRIO, Esteves Carlos; NOGUEIRA, Paulo da Costa. Direito Constitucional Angolano. Coimbra Editora. 3ª Edição Fevereiro de 2015. REVISTA da Faculdade de Direito da Universidade Independente de Angola. Democracia e direitos Humanos. Luanda 2013. Editora UNIA. SILVA, Eugénio Alves da. Gestão do Ensino Superior em Angola Realidades, Tendências e Desafios Rumo À Qualidade. Luanda 2016. Editora Mayamba. TELO, Florita Cuhanga António. Angola: a trajetória das lutas pela cidadania e a educação em direitos humanos. Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos)-Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2012. 25


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https://w w w.facebook.com/auriodaniel.claudio/ posts/2076623025767825, Acesso em 15 de Abril de 2019, as 23h:30 min. http://www.angonoticias.com/Artigos/item/36007/ teorizacao-do-direito-costumeiro-em-angola-passa-pelo-estudo-de-outras-ciencias, Acesso aos 14 de Abril de 2019.

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O SISTEMA DE AVALIAÇÃO DO ENSINO JURIDICO E A BUSCA PELA QUALIDADE Lady Adelina Domingos Rosa21 RESUMO Pelos factos estatísticos e observados é possível afirmar que o ensino jurídico evoluiu bastante desde a instalação dos primeiros cursos jurídicos na Grécia até a contemporaneidade. Ademais, pese essa evolução, o ensino jurídico ainda apresenta problemas oriundos do seu processo histórico. O modelo político liberal e o não liberal são predominantes na Europa e na África, na época dos cursos jurídicos, impregnou na realidade jurídica, os primeiros advogados que actuavam e defendiam tão-somente os interesses da classe dominante, prejudicando a população que necessitava dos serviços os para defesa dos seus direitos. Todavia, mesmo diante das deficiências, existe uma expectativa de melhoria da qualidade, recomenda”, um referencial concedido para as instituições que apresentam bons resultados nas avaliações elencadas pelos programas jurídicos a nível dos Países da CPLP. Palavras-chave: Ensino Jurídico, História do Ensino Jurídico; Sistema Jurídico.

21  Licenciada em Relações Internacionais e Direito pelo Instituto Superior Politécnico do Cazenga - Luanda, Angola.

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ABSTRACT Summary: Based on the statistical and observed facts, it is possible to affirm that legal education has evolved considerably since the installation of the first legal courses in Greece until the present time. In addition, despite this evolution, legal education still presents problems arising from its historical process. The liberal and non-liberal political model prevailed in Europe and Africa at the time of legal courses, impregnated in the legal reality, the first lawyers who acted and defended only the interests of the ruling class, harming the population that needed the services to defend their rights. However, even in the face of deficiencies, there is an expectation of quality improvement, “he said,” a benchmark for institutions that perform well in assessments set out by legal programs at CPLP country level. Keywords: LEGAL TEACHING; HISTORY OF JURIDICAL TEACHING; JURIDICAL SYSTEM;

1. Introdução Quando nos propusemos em analisar profundamente a história, sobre os ditames da educação jurídica podemos perceber que há realidades fundamentais que vão além daquilo que observamos. De certo estudar a origem do ensino jurídico, e as dificuldades de um sistema rotulado para a implementação do mesmo estamos convictos de que o processo de transformação política e cultural nos países como Portugal, foram importantes referenciais para a formação da cultura jurídica de alguns países da CPLP, indo além daquilo que são os ditames que se observam, pois houve in29


fluências, pela cultura europeia vigente na época da criação dos cursos jurídicos. Importa aqui realçar que foi devido ao liberalismo político e socioeconómico que se aplicou novas medidas de autoridades, na inclusão e criação dos cursos jurídicos. Como tudo não devia deixar de ser, os problemas eram e são vários, devido ao fraco acesso a falta da cultura jurídica, que aqui se assistia e ainda se assiste, os que advogados e juristas que foram chegando ao mercado e sendo estes visíveis, eram formados em Coimbra, Portugal. Além de ser um número reduzido de profissionais, a grande maioria da população dos países que pertenciam a CPLP eram pobres, escravos e nativos, não tendo quaisquer condições de frequentar esses cursos. Se pensarmos a questão do negro e o processo de abolição, constataremos que não eram considerados pessoas, o que restringia bastante os letrados em territórios como Brazil, Angola, Guine Bissau, Cabo Verde e S. Tomé. Os cursos jurídicos foram criados nestes países em épocas diferentes, mais acabaram sendo os grandes responsáveis na inserção dos primeiros advogados, da mesma maneira, os responsáveis por ocupar os cargos mais elevados da estrutura burocrática estatal que estava se formando, o que inclui altos cargos da administração pública e também na política, gerando prestígio aos formados. Mas, de frisar que apesar da demanda que se via nesse aspecto, em nada beneficiou a sociedade, visto que esses profissionais defendiam os interesses da elite dominante. Com mais preceitos foram surgindo novos e mais cursos jurídicos, e com o nascimento de vários problemas, os quais muitos deles ainda persistem no cotidiano da classe jurídica. Todavia, é mister ter em conta que o ensino jurí30


dico não pode se resumir ao mero depósito de informações, mas deve se pautar na construção de cidadãos críticos. Pensar criticamente é contestar os conteúdos e não simplesmente aceitá-los como uma verdade absoluta. Com base nessa realidade é que se vê a necessidade da adoção do selo de qualidade, conforme realidade da Ordem dos Advogados no Brasil, sendo agora um desafio de Angola, com a implementação do exame para aderir a Ordem dos Advogados de Angola, como preceitua a nova legislação sobre advocacia. Ademais, recomendam que “Com esse novo modelo de avaliação, acredita-se numa mudança de postura por parte das instituições e também dos professores quanto à busca de uma melhor qualidade para os cursos, fazendo uso de critérios quantitativos e qualitativos, para seja um importante instrumento para o futuro do ensino jurídico.

2. Breve contexto histórico do ensino jurídico O ensino jurídico de educação ou a educação jurídica é a formação em nível superior para lidar com o fenómeno do Direito. Hoje em dia, os cursos intitulados “ciências sociais e jurídicas” e “bacharelado em direito” fornecem o aparato teórico e prático para examinar esse fenómeno e aplicá-lo em questões quotidianas. Além da formação para a pesquisa académica, essa educação jurídica geralmente serve aos operadores do direito tais como notários públicos, para legais, solicitadores, advogados, juízes e promotores de justiça e procuradores ou aos que visam obter conhecimentos jurídicos para um fim específico indirectamente ligado ao Direito. 31


Assim, o ensino jurídico apresenta um desenvolvimento notável em relação ao período em que foi criado. Mas, não se pode omitir a crise de efectividade do direito em relação a sociedade. Os problemas na área educacional acabam por influir na sociedade por conta dos milhares de profissionais que deixam os bancos académicos e vão trabalhar, prestando seus serviços no sector público e/ou privado. As dificuldades e os problemas do ensino jurídico não se restringem ao âmbito das instituições educacionais, mas abrange a própria legislação que regulamenta o sector. Neste contexto, a melhor maneira de verificar esses problemas é analisar a história dos cursos jurídicos, pois é o ponto de ligação para entendermos alguns problemas que enfrentamos hoje. A ideologia presente no início dos cursos jurídicos estava distante dos preceitos democráticos e de humanidade, bem como, do enfrentamento dos problemas vivenciados naquela sociedade. Segundo Daniela Emmerich de Souza Mossini na sua tese descreve que a situação actual do ensino superior jurídico demonstra desajustes de diversas ordens, desde problemas de democratização do acesso aos alunos provenientes de um ensino fundamental e médio em transformação, passando por um processo de ensino e aprendizagem no ensino superior que não consegue agregar conhecimento, até um prometido sucesso profissional que não garante ao aluno sequer uma competição justa por uma vaga no mercado de trabalho. Portanto, os cursos eram influenciados por essa ideologia liberal europeia e por outras culturas jurídicas. Baseada na tese de RODRIGUES, 2012, a autora explica que a política liberal tem aspectos conservadores, individualistas, antipopulares e não democráticos. Também tem um aspecto 32


juridicionista, o qual conjugando o individualismo político e o formalismo legalista formou o perfil de uma cultura jurídica, ensejando o chamado “direito jurídico liberal”. De aferir que foi por meio do ensino de Direito é que se formou a elite política que comandou e ditou os rumos dos Estados imperiais e democráticos. A preocupação do ensino jurídico não residia tanto na formação de juristas, mas, sim, na formação do indivíduo para que pudessem assumir os diversos cargos que a burocracia estatal ofertava, nos poderes administrativo, legislativo e judiciário, formando regras e normas que pudessem reger uma determinada sociedade que de per si não se podia manter. Enfim, feitas as observações em escala macro, principalmente sobre a raiz material, histórica, económica e política do ensino de Direito, a sequência deve necessariamente tratar dos aspectos fulcrais para a área da educação, e, dentre os variados aportes teóricos, privilegiou-se aqueles que revelam as noções de competência e habilidades por serem as ditadas pela política educacional através da edição de actos administrativos normativos22 . A título de exemplo pode-se aferir as pesquisas e estudos que foram realizados, de acordo os dados que LOUZADA (2010) mostra na sua abordagem sobre o ensino de administração, analisou o ensino jurídico com a verificação do seu grau de conformidade com as directrizes propostas pelo próprio Estado, mas pautando a análise pelo prisma histórico. Destarte, o contraste entre a tradição arraigada secularmente e a novidade relativa das normas é o que marca o ensino jurídico na sua 22  Roberto Lousada - O conceito de competência e o ensino de administração. Por oportuno, conquanto o termo “sistema jurídico” se configura no conjunto de normas jurídicas interdependentes, reunidas segundo um princípio unificador, que utilizam uma linguagem prescritiva, cuja finalidade é disciplinar a convivência social, o direito positivo é um sistema nomo empírico prescritivo, pois objectiva preceituar a conduta dos indivíduos.

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evolução histórica, permitindo aferir pela não aderência das instituições de ensino de Direito à Política Educacional. Em suma se deve dizer que o ensino, de modo bastante sumariado, compreende, essencialmente uma situação e relação dela decorrente. A relação, como se pretendeu clarear na secção anterior do presente estudo, segue as especificidades históricas de tempo e lugar. Tanto assim o é que em duas situações aparentemente iguais, bastante parecidas como o caso de um mesmo professor, leccionando a mesma disciplina, mas em duas salas distintas, obtém como resposta resultados diferentes. Portanto, todo ensino é situacional, ocorrendo conforme os aspectos históricos, variando conforme o tempo/época. Todavia, posto isso, natural que, na medida em que as fases históricas se sucedem, também o ensino experimenta mudanças em sua conformação

3. O sistema jurídico entre o tradicional e a modernização Pela relação umbilical entre Estado e Direito, o sistema jurídico, desde sua génese, oscilou em sua conformação tal qual seu objecto o Direito e o Estado em constante modificação, impactando também a actuação e a importância do bacharel em Direito. No Tradicionalismo existia o Ensino conteúdista que vem de inúmeras vertentes, centrada no professor, que é um transmissor de cultura. O sistema de avaliação procurava aferir a quantidade de informação absorvida pelo aluno. Esse modelo de ensino foi difundido pelas escolas públicas francesas a partir do Iluminismo (séc. 18). Pretendiam universalizar o acesso ao conhecimento para formar cidadãos. 34


Contudo pese embora a fluente dinâmica da sociedade a tradição conteúdista, tida como ultrapassada e acrítica durante as décadas de 60 e 70, volta a ter prestígio, nas escolas que já foram construtivistas. Crê-se que não há como formar um aluno crítico e questionador sem uma base sólida de informação. A referência ao direito na modernidade demanda assinalar, previamente, características das sociedades modernas, preceituando um elenco conceitual e factual que, em linhas gerais, expõe uma sociedade complexa, vivida mediante interesses, necessidades e percepções extremamente diversificados, rompida com parâmetros tradicionais, individualista, e que adopta uma racionalidade do tipo instrumental como padrão de organização, sendo adequada às evolutivas, em graus diferenciados, e se aplica àquelas cujo desenvolvimento ocorreu em sua órbita. Já com os efeitos da globalização e a modernização, o sistema jurídico na Política Educacional, conheceu primeiro a alteração da ênfase de um ensino centrado em currículo mínimo, priorizando um ensino crítico reflexivo em detrimento de modelo conteúdista, bem como pelo estabelecimento do perfil do egresso, introduzindo as noções habilidades e competências, alterou substancialmente o sistema do ensino com vistas a uma formação mais consentânea com a realidade do mundo contemporâneo. O estudo do sistema foi dedicado a verificação dos principais aspectos determinados pela Política Educacional para os cursos de graduação em Direito e em que medida tais determinações contribuirão para a discrepância da tendência histórica e inclusive da motivação de criação dos referidos cursos Trazendo o conceito para a prática moderna, vale destacar que o modelo actual de sistema jurídico deve estar vin35


culado aos valores da Constituição, funcionando como uma rede harmónica de cumprimento aos princípios e objectivos do Estado Democrático de Direito. Ademais, convém, ainda sublinhar que o sistema jurídico moderno é de carácter prescritivo/imperativo, implicando que quer significar a posse por um sujeito de algum interesse juridicamente relevante, como, por exemplo: o direito a educação, que pode coincidir com os augustos mandamentos do bem viver, com a ideia de Justiça, quando então, se pode nomear Direito Natural. O sistema jurídico na sua essência deve compreender como desde sempre o trato de todas estas múltiplas dimensões ou acepções. Um dos fins colimados com a pesquisa é a constatação de efectividade disso, ou seja, em qual medida o sistema jurídico desde ao tradicional até a modernidade, consegue desempenhar as funções legalmente exigidas acompanhando a dinâmica e a demanda da sociedade. Entretanto, ab initio o ensino de direito sempre foi impregnado de dogmatismo, a tal ponto que contribuiu para alguma mudança nos paradigmas do Direito ao longo da História, sendo menos o conteúdo e a estrutura forma das poucas faculdades de Direito e o ambiente que, aglutinando vários pensadores, fomentou a reflexão tão necessária à qualquer ciência. Logo, dado o papel essencial de Direito para a manutenção do status quo, ocorre uma atribuição de prestígio para tais profissionais. António Carlos Wolkmer (1998), no seu livro “fundamentos da história do direito”, ao considerar sobre a formação e ideologia dos atores jurídicos, traz ideia de que, no contexto de uma cultura marcada pelo individualismo político e pelo formalismo legalista, a necessidade de um agente profissional que tivesse como encargo a composição 36


dos quadros políticos burocráticos do Império. Direito uma constante na vida política de Países como Brasil, não pressupunha ou continha qualquer dimensão crítica e sequer capaz de extravasar o domínio enciclopédico do conteúdo legislado. È imperioso realçar que trata-se de uma questão histórica de raízes profundas e que mantém resquícios, actualmente. O doutrinário António Ferreira de Almeida Júnior, ao analisar o sistema jurídico no que tange ao ensino no período imperial antes da reforma do ensino livre (1951), apontou os males que atingiam esse sistema jurídico na sua abrangência a nível de ensino na época, dentre os quais se destacaram as péssimas instalações das instituições de ensino; a ênfase da protecção política na escolha dos professores; a pouca assiduidade dos docentes bem como o descaso do Poder Público para todas essas imperfeições. Em qualquer hipótese, tem-se a emergir uma dimensão jurídico-racional imanente ao processo de modernização que, na esteira da ruptura com esquemas tradicionais de ordenação social, provoca uma tendência à burocratização da vida em sociedade. Trata-se de uma sociedade na qual o direito passa, paulatinamente, de circunstância super estrutural subordinada a protagonista, no bojo de um processo social que envolve, simultaneamente, burocratização, especialização e reconfiguração das noções de direito e cidadania. Os profissionais do direito estão hoje muito mais expostos a operações que têm algum componente jurídico internacional do que estavam há uma década; e provavelmente estarão ainda mais expostos num futuro próximo do que estão hoje. Contudo, a globalização é não apenas mais intensa, como assume novas configurações a cada deslocamento dos fluxos económicos, a cada crise, a cada mudança de paradigma tecnológico. 37


4. As dificuldades do sistema juridico Entre todos os direitos prometidos e garantidos aos cidadãos é certo que o acesso á justiça figura como o principal, haja vista seu carácter de pressupostos de alicerce das demais garantias. O acesso á justiça representa o direito que abre as portas para se poder caminhar e garantir os outros direitos previstos. Vimos neste desiderato que nem sempre se teve muita atenção á garantia do direito de acesso á justiça para todos os cidadãos. Em tempos não muito distante, séculos XVII e XIX, sob as premissas do modelo de Estado de Direito e Democrático. Os especialistas Mauro Cappelletti e Bryant Garth, em matéria sobre o acesso a justiça, explicam a garantia do acesso á justiça como requisito fundamental e mais básico dos direitos humanos previstos em um sistema jurídico moderno e igualitário que visa garantir, e não apenas proclamar, os direitos de todos. E aponta como realidade e ponto negativo o fato que: paradoxalmente, nossas estruturas de ensino jurídico, práticas jurídicas, hábitos profissionais, pesquisa e teorias jurídicas, prestação de serviços legais, etc., não tem dado o devido valor ao tema “acesso à justiça”, contando assim a primeira dificuldade do sistema jurídico. Ao frisar sobre acesso a justiça remete ao pensamento de uma justiça eficaz, célere e acessível às pessoas que dela necessitam. Sob a vigência de um Estado Democrático de Direito o acesso á justiça primordialmente deve ser garantido, por se tratar de um eficaz mecanismo da igualdade jurídica. O alto custo da prestação jurisdicional, infindáveis números de processos, a falta de estrutura, a escassez de funcionários, de defensores públicos, de promotores s de juízes, etc, corroborados pela desinformação e desconhecimento dos próprios direitos por parte dos cidadãos, tende a causar uma 38


incidência no que tange as dificuldades de sistema judiciário que se pretenda eficácia. Neste sentido, Mauro Cappelletti e Bryan Garth apontam como principais obstáculos do acesso á justiça a serem combatidos os de natureza económica e psicológica e cultural. No cerne dos obstáculos de natureza económica, esta o acesso a justiça, não é negado apenas em virtude do problema da morosidade, mais sim empecilho apontado perceptíveis na realidade país é o alto custo que se tem para manter um processo. Assim os mais carenciados são os que mais sofrem com esse ônus. Um processo gera gastos de diversas naturezas, seja em virtude dos altos valores cobrados pelos advogados, ou mesmo, em virtude de pagamento de custas, isso sem falar no problema dos recursos, que por seus custos torna o Estado Democrático de Direito novamente um Estado Liberal, muitas vezes o acesso á justiça é tão dispendioso que os custos do processo não compensam o valor da causa pleiteado. Já nos preceitos dos pressupostos de natureza psicológica e cultural, prendem-se presentes á realização do acesso á justiça pode ser detectado nas barreiras culturais e psicológicas. È flagrante que as pessoas que possuem maior grau de instrução são as que accionam o Estado. Ao passo que as pessoas mais pobres sentem-se intimidadas pelos ambientes sempre formais do poder Judiciário, além, de se sentirem envergonhadas a postularem direitos individuais e/ou coletivos e difusos. Neste sentido Cappelleti e Garth explicam que litigantes habituais levam vantagens sobre litigantes eventuais, seja em virtude da desmistificação da justiça totalmente inacessível ou em virtude de possíveis simpatias desenvolvidas entre estes e aqueles que julgam. Segundo Kelsen, a direção relevante dentro da teoria do direito material, usualmente designada como racionalis39


ta. È aquela cujos representantes, procuram deduzir da razão as normas de um direito justo. Eles admitem que estas normas são imanentes á razão ou, o que dá no mesmo, que a razão, como autoridade normativa, como legisladora, prescreve aos homens conduta reta, isto é, a conduta justa. Este direito é o natural, porque é o racional. (Kelsem, 2003, p. 85) Assim para acabar com as assimetrias e as dificuldades de um sistema jurídico é imperioso que é o factor social seja o principal na especificação do direito de acesso á justiça, sem preponderância dos factores políticos, sociais, culturais e económicos que reflectem, directa e indirectamente, na aplicação direito, influenciando na formação e manutenção de um quadro de diferenças e exclusões. No geral, existe uma indiscriminada exigência no vasto mundo em que o Direito actua, a saber, que todos sejam tratados de igual maneira. A efectiva igualdade exige um nivelamento cultural, que pode ser obtido através de informações e orientações que permitem o pleno conhecimento da existência de um direito. Ademais, todos devem ser tratados de maneira uníssona, sendo imune de discriminações, sejam elas de natureza social, económica ou ética, Não obstante sejam visíveis e profundas as desigualdades que evidenciam as disparidades da concentração de renda, quanto menor o poder aquisitivo do cidadão, menor o seu conhecimento acerca de seus direitos e menor a sua capacidade de identificar um direito violado e passível de reparação judicial. Em virtude desta discrepância social, grandes são as dificuldades para acessar e movimentar a justiça uma vês que, sem condições financeiras, não é possível um esclarecimento a cerca das leis processuais vigentes no país. Estes factores, somados á demora de tramitação dos processos, convergem a uma imperfeição no acesso á justiça. 40


5. Conclusão Sob o modelo de Estado Democrático de Direito o acesso á justiça é direito primordial a ser garantido. Nos estados dos países oficial de língua portuguesa devem se arvorar de mecanismo que venham materializar essa garantia, em consonância aos princípios basilares de nossa declaração dos direitos humanos, especificamente ao previsto na reforma processual sobre a celeridade processual. Em fim, o acesso á justiça nem de longe é o ideal. Muito ainda precisa sair da abstração do papel e ser efectivamente garantido para os cidadãos. O Acesso à Justiça” é imprescindível para a concretização do Estado Democrático de Direito. O problema do acesso á Justiça não é uma questão de acesso propriamente dito, pois a entrada o acesso é fácil, entra quem quer, seja através de advogado ou defensor público, não havendo, sob esse prisma, nenhuma dificuldade de acesso. Porém o problema está na resolução do litígio é na saída da justiça que paira na morosidade, por conseguinte, todos entram, mas poucos conseguem sair num prazo razoável. Portanto, um dos meios para desafogar o Judiciário é a criação de assistências judiciária nas faculdades de direito, associações de moradores, organizações não governamentais, porque o serviço de assistência judiciária deve ter como incumbência, de instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica gratuita, a postulação e a defesa em todos os graus e instâncias judicial e extrajudicialmente, dos direitos e interesse individual, colectivos, sociais, políticos dos necessitados. Em guisa de conclusão os serviços de assistência judiciária deverão ter duas funções em especial, a primeira seria a de prestar a orientação jurídica, que significa um trabalho pedagógico de educação e informação á população necessitada sobre os direitos, e as 41


formas de alcançá-los e conquistá-los, pese embora em alguns países como Angola, já se fazer sentir. A segunda deve garantir o acesso dessa população á justiça, promover as acções cabíveis para obtenção de direitos ou na defesa de seus interesses.

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Revista de Pesquisa e Educação Jurídica /ISSN: 25259636 | Curitiba. 2016 WOLKMER, Antonio Carlos. História do direito no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

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O ENSINO DO DIREITO CONSTITUCIONAL NAS

INSTITUIÇÕES PÚBLICAS E PRIVADAS DE ANGOLA Adlezio Agostinho23 Não podia descrever um argumento tão importante como este, sem antes abordar a forma conceitual do que realmente é o Direito Constitucional e para que serve, a fim de melhor percebermos o espirito do enunciado. É de domínio comum que às leis são instrumentos essenciais para que haja convívio humano e para que se mantenha a ordem de uma sociedade. À medida que um grupo social se torna mais democrático, aberto e pluralista, mais sua legislação é aprimorada; o Direito Constitucional, constitui à lei fundamental de um determinado Estado, sobre a qual deve ser edificado todo o Ordenamento Jurídico. Basta recordarmos as expressões “deve ser conforme” deve estar de acordo” com à Constituição. O estudo do Direito Constitucional, depois de 1834, tornou-se num imperativo categórico para qualquer técnico jurídico, por influência de François Guizot (1787-1874), então Ministro da Instrução Pública do reinado do Rei Luís Filipe, foi criada à primeira cátedra de Direito Constitucional na Faculdade de Direito de París, cuja a titularidade coube ao constitucionalista italiano Pellegrino Rossi, autor do famoso livro Cours de Droit Constitutionnel24 . Dali em diante, 23  Doutorado em Direito pela Pontificia Università Lateranense, Roma, Itália. 24  Cfr. D.C. JÚNIOR, Curso de Direito Constitucional, Edições JusPodivm, Salvador-Bahia 2008. Apesar das primeiras disciplinas de Direito Constitucional terem sido criadas, sob influência da Revolução Francesa, no norte da Itália, inicialmente na cidade de Ferrara, em 1797, onde assumiu Giuseppe Compagnoni di

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os Estados foram incorporando à ideia da real necessidade do estudo do direito constitucional, não somente como uma disciplina, mas como uma ciência jurídica. O Direito Constitucional, é um ramo do Direito Publico que estuda: a) Os princípios e as normas sobre a estrutura do Estado: nesta perspectiva, o Estado, é, considerado nos seus elementos constitutivos, na sua formação, modificação e extinção, na sua forma e no seu sistema de governo; b) A composição e funcionamento dos órgãos constitucionais: o Direito Constitucional não se ocupa de todos os órgãos do Estado, mas apenas dos órgãos constitucionais; os órgãos administrativos e os órgãos judiciais permanecem, portanto, excluídos do direito constitucional; c) Por último estuda os princípios fundamentais do regime político do Estado: nem sempre os princípios fundamentais que informam o regime político do Estado são constitucionalizados e consagrados em normas constitucionais; isso, no entanto, ocorre geralmente nas constituições modernas, consideradas longas; à constitucionalização tem o efeito que tais princípios se coloquem como limites materiais para o exercício do poder legislativo e, outras vezes, como preceitos imediatamente obrigatórios nas relações entre o Estado e os cidadãos. Por tudo isto, o direito constitucional, constitui a árvore genealógica de toda plataforma jurídica, é dela que brotam todos os outros ramos do direito25. Luzo, seu primeiro titular. Posteriormente, em 1798, é enquadrada nas Universidades de Pádoa e Bolonha a disciplina de Direito Constitucional. Na França, esta disciplina foi criada com um certo atraso, e mesmo assim somente sendo possível após a queda dos Bourbons, com a consolidação política da Monarquia liberal de Luís Filipe. 25  S. MUSSO, Osservazioni per uno studio del diritto costituzionale quale struttura sociale, in Studi Esposito, 1557. Sulla inutilizzabilità ai fini giuridici della nozione di "Stato sociale", GIANNINI, Stato sociale: una nozione inutile, in Scritti

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O Direito Constitucional em Angola, apesar de estar presente em todas as faculdades de direitos das instituições de Ensino Superior, tem ainda um longo percurso por fazer. Para uma maior percepção é necessário descrevé-lo em duas perspectivas: jurídico formal e didática. Quanto a perspectiva jurídico-formal, deve-se dizer que ela é fruto das situações socio políticas e económicas e jurídicas do Estado angolano, desde à sua independência até à criação da Constituição. Nos referimos concretamente ao constitucionalismo angolano, o movimento cultural e político que deu origem à criação da Constituição desde às primeiras Monarquias Absolutas (época pré e pós colonial) até à democracia, Constituição da República de Angola 26 . “Com a promulgação da Constituição provamos uma vez mais que temos capacidade para gerir e resolver os nossos próprios assuntos, sem interferências externas, e que sabemos ser originais e levar em conta a nossa realidade sem entrar em choque com os princípios democráticos universalmente aceites”27. Pois, o marco histórico do Direito Constitucional deu-se com a promulgação da Constituição, aprovada pela Assembleia Constituinte em 21 de Janeiro de 2010, na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 11/2010 de 30 de Janeiro, e a ulterior promulgação em 05 de Fevereiro de 2010 o qual se atinge o ponto mais alto da constitucionalização angolana. Por razões sociopolítica muitas vezes os textos constitucionais foram e são lidos numa perspectiva mais política que jurídica. Facto que contraria o ideal do constitucionalisper Mortati, I, 141. 26  Cfr. A. CORREIA, S. BORNITO, História Constitucional de Angola, Coimbra, Almedina, 1996, pag. 2 sgt. 27  Extracto do discurso do Ex. Presidente da República de Angola no Acto da promulgação da Constituição da República de Angola, no dia 05 de Fevereiro de 2010.

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mo, que está relacionado à limitação do poder político, e não tem sentido quando esta vem elaborada com fundamentos políticos. “Qui ça”, a demorosa efetivação do Tribunal Constitucional 28 , que tornou-se efetivo somente em 2008 tenha também influenciado na estagnação da expansão da cultura constitucional. Partilhamos da ideia de que as modernas Constituições não sejam só resultado do compromisso liberal, mas também, a síntese do resíduo positivismo das ideologias que se sucederam no decurso dos séculos e da civilização mundial. Apesar deste facto, há necessidade que à Carta Fundamental Angolana seja lida à luz da realidade cultural do povo angolano, de acordo com os aspectos culturais e sociais deste povo. A título de exemplo, nos países ocidentais existem certos valores culturais completamente diferentes aos valores culturais dos países africanos, nos quais este povo crê e são elaboradas e revistas suas Constituições. Para Angola não deveria ser diferente, o Texto Constitucional deve imperativamente ser lido na perspectiva cultural africana, pois, deve adaptar-se as reais necessidades da população num determinado momento histórico. O critério copy and paste, feito na elaboração do texto constitucional deve ser revisto. Pois, como disse Jose Alexandrino no seu tratado sobre o constitucionalismo, “o costume tem um grande peso e valor na África”. Como descreve veemente o art. 7º da CRA, “É reconhecida a validade e força do costume que não seja contrária à Constituição nem atente contra a dignidade da pessoa humana”. Com esta posição, o legislador constituinte realça o valor e a real importância dos costumes na vida da população africana e angolana em particular, ao não 28  De acordo com o Art. 180º da CRA, compete ao Tribunal Constitucional, em geral administrar ajustiça em matéria de natureza jurídico-constitucional.

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descrever “que não sejam também contrários à lei”. Não dá primazia à lei em relação ao costume. O legislador constituinte não foi claro quanto a categorização do costume na hierarquia das fontes de direito em relação à lei ordinária. Não foi claro, porque tinha a consciência da importância do costume na cultura jurídica africana. Afinal aquilo que hoje chamamos Direito Positivo é fruto do processo evolutivo dos costumes e em Angola existem realmente valores que se devem se ter em conta, por serem completamente opostos ao pensamento jurídico ocidental (direito positivo). Até a própria codificação justinianea Corpus Iuris Civili, Triboniano e seus colaborados, na compilação deste texto, as contradições e repetições eram feitas de escolhas e muitas leis foram ultrapassadas para abrir caminho aquelas consideradas mais em linha com a mentalidade da época 29. As constituições africanas têm de ser interpretadas, elaboradas e promulgadas de acordo com valores e da realidade africana, isto é, nos seus aspectos morais, culturais, religiosos e sociais. Na perspectiva didática, pretende-se sublinhar o imput que estas instituições de ensino têm vindo a dar na expansão, afirmação e progresso do Direito Constitucional. É de recordar que à Universidade Agostinho Neto (UAN) é herdeira dos Estudos Gerais Universitários (EGU) de Angola e Moçambique, criados pelo poder colonial português, através do Decreto-Lei nº 44.530, de 21 de Agosto de 1962, que viriam a ser inaugurados em Luanda, a 6 de Outubro de 1963 pelo então Presidente da República portuguesa, Contra-Almirante Américo Thomaz. Mais tarde, com a recon29  Cfr. MARTINS, José Eduardo Figueiredo de Andrade. Corpus Juris Civilis: Justiniano e o Direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3417, 8 nov. 2012. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/22969>. Acesso em: 20 maio 2018.

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quista da soberania nacional, a 11 de Novembro de 1975, à Universidade de Luanda ganha estatuto de universidade nacional e passa a designar-se Universidade de Angola, com a promulgação da portaria nº 77-A/76, de 28 de Setembro, do primeiro Governo de Angola Independente. A 24 de Janeiro de 1985, por força da Resolução 1/85, do Conselho de Defesa e Segurança (DR 9-1ª Série, 28/1/1985) à Universidade de Angola passou a designar-se Universidade Agostinho Neto, abreviadamente UAN, em homenagem ao primeiro Presidente da República Popular de Angola e seu primeiro Reitor após à independência (1976 a 1979). Desta forma, à Universidade Agostinho Neto (UAN) torna-se à primeira Instituição de Ensino Superior Pública em Angola. A Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto foi aberta no ano lectivo 1979/80, por despacho ministerial nº 32779, e à sua criação confirmada pelo Decreto nº 152/780, de 29-09-80, do Conselho de Ministros30 . Da Comissão Instaladora faziam parte os professores Adérito Correia de feliz memória e Fernando Oliveira, reformado desde 2012. Efectivamente o curso Direito teve a sua abertura em 1975, tendo como Decano o Dr. António Alberto Neto, por razões política (em consequência da tentativa do golpe de Estado de 1977), o curso foi suspenso tendo o seu arranque em 1979, e teve os primeiros finalistas em 1984. Dentre estes se destaca-se Dr. José Lopes Semedo, Dr. Cristiano André, Doutora Elisa Rangel, Doutor José Eduardo Sambo, Dr. Hélder Pitta Grós então procurador da República de Angola. Com este primeiro curso começa o estudo do Direito Constitucional em Angola, até que nos últimos anos se foram agregando outras instituições privadas como: à Uni30  Cfr. https://www.uan.ao/historia/ acesso aos 23/abril/2019

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versidade Católica Angola, Universidade Independente Angola, Universidade Lusíada Angola, Universidade Metodista Angola, IMETRO, Universidade Piaget, Gregório Semedo, entre outras, que de certa forma têm contribuído na expansão do interesse da matéria. Hoje apesar de ter sido enraizado na grelha curricular destas mencionadas Universidades ainda padece de muitas problemáticas dentre às várias destacam-se: A ausência de uniformidade na ministração dos temas constitucionais. Basta reparar ao conteúdo programático da Universidade Agostinho Neto, Universidade Católica, Universidade Lusíada, Universidade Gregório Semedo entre outras, todas elas tem um conteúdo programático completamente diferente31. Por outra, há necessidade de se criar uma escola de Direito Constitucional, onde a bibliografia norteadora não seja somente os manuais portugueses, mas manuais escritos de acordo com o texto constitucional angolano e tendo em conta a realidade angolana. Pois, com esta afirmação não se pretende negar o apoio que nos podem servir às obras portuguesas de Direito constitucional ( ex. Manual Direito Constitucional e Teoria da Constituição ... José Joaquim Gomes Canotilho entre outros), um manual o qual temos muito respeito e admiração pela riqueza do seu conteúdo. Mas fazer recordar que este foi escrito seguindo a articulação da Constituição portuguesa e não à angolana, portanto não é o manual idóneo para ministrar os cursos de Direito Constitucional nas instituições públicas e privada, mas deve ser sim o manual de apoio, o báculo no qual se poderia recorrer para aprimorar determinados conceitos sobre o Direito Constitucional Geral. 31  Cfr. Conteúdo Programático das citadas universidades.

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Destarte, muitos destes manuais são propostos a estudantes provenientes de instituições do ensino médio (muitas vezes com fraca preparação) e deparando-se com um manual estreitamente técnico com uma linguagem complexa somente digno de um jurista formado, terão grandes dificuldade na percepção e na apreensão dos conhecimentos. Resultado deste facto, a disciplina de Direito constitucional acaba por ser a disciplina mais complexa e difícil no sistema curricular do curso de direito, os estudantes terminam o curso de direito sem um conhecimento sólido da matéria, quando nas grandes Universidades é uma disciplina quadro, e fundamental para a real compreensão da estrutura e funcionamento do Estado. É necessário com auxílio do Ministério de tutela, criar uma unicidade no conteúdo programático desta disciplina, do ponto de vista sistemático (seja para as instituições públicas como às privadas). Há necessidade de renovar os programas, e não conformar-se com programas baseados aos manuais de direito constitucionais de outros Estados. Existem programas com mais de 20 anos, quando na verdade os programas das unidades curriculares deveriam ser revistos de 3 ou 4 anos com base as necessidades e dinâmicas/culturais (neste caso revisões constitucionais, revogações de certos regulamentos e leis ordinárias etc.). Os docentes destas disciplinas têm formação em outros campos do direito, e têm estes programas como dogma irrenunciável e não são susceptíveis a acréscimos ou reduções, limitando o dinamismo da disciplina, e rompendo com a qualidade do ensino e da aprendizagem do próprio estudante. Para concluir, estamos na era da constitucionalização dos direitos, os direitos subjectivos e interesses legítimos 51


hoje são lidos à luz dos textos constitucionais, por esta razão há necessidade de verter este quadro, fazer a interpretação da Constituição à luz da cultura e dos valores africanos e formar uma escola de direito constitucional, capaz de dar resposta as inúmeras questões de natureza jurídico constitucionais, de forma a não termos somente documentado, mas termos também de uma forma prática os efeitos de um Estado Democrático e de Direito, porque é só com o respeito e o cumprimento da Constituição enquanto Carta Fundamental de um determinado Estado que se consegue manter equilíbrio e o controlo do iceberg político, isto é, o poder dos governantes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS D.C. JÚNIOR, Curso de Direito Constitucional, Edições JusPodivm, Salvador-Bahia 2008 S. MUSSO, Osservazioni per uno studio del diritto costituzionale quale struttura sociale, in Studi Esposito, 1557. Sulla inutilizzabilità ai fini giuridici della nozione di "Stato sociale", GIANNINI, Stato sociale: una nozione inutile, in Scritti per Mortati, I, 141. A. CORREIA, S. BORNITO, História Constitucional de Angola, Coimbra, Almedina, 1996, pag. 2 sgt.

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A DEFESA DOS DIREITO FUNDAMENTAIS A PARTIR DO DIREITO A EDUCAÇÃO JURIDICA Anildo Alfredo João Joaquim32 RESUMO Apesar de se notar nos últimos meses boas intenções da parte do Estado e não só em defender os direitos fundamentais e considerando que a educação é um elemento transformador da sociedade, tem se feito muito pouco no que diz respeito a promoção da educação jurídica ou em direitos fundamentais em todos os níveis de ensino, pois entendemos que é importante a implementação de disciplinas ligadas aos direitos fundamentais no plano curricular do Ensino Geral isto é, a partir do ensino primário porque assim começaremos a conscientizar os cidadãos a partir de terra idade o que são direitos fundamentais, para que servem e como se incidem. Palavras-chave: acesso a justiça; educação jurídica; direitos fundamentais. ABSTRACT Despite good intentions on the part of the State in recent months and not only in defending fundamental rights and considering that education is a transforming element of society, very little has been done with regard to the promotion of legal education or rights fundamental in all levels 32  Licenciado em Direito pela Universidade Kimpa Vita, professor do Ensino Geral.

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of education, because we understand that it is important to implement disciplines linked to fundamental rights in the curriculum of General Education ie, from primary education because this will begin to raise citizens’ awareness of the land that they are fundamental rights, what they serve and how they are affected. Keywords: access to justice; legal education; fundamental rights.

1. Introdução Os direitos fundamentais previstos no título IIº da Constituição da Republica de Angola que doravante chamaremos de C.R.A, é o eixo central no nosso ordenamento jurídico. Irradiam-se para todos os campos do Direito, servindo como vector para os juristas. Entretanto, uma das questões é como fomentar os direitos fundamentais dando eficácia e eficiência aos mesmos, sendo que "todos gozam dos direitos, das liberdades e das garantias constitucionalmente consagrados" nos termos do artigo 22o nº1 da C.R.A 33. Considerando que a educação tem um potencial transformador incrível na sociedade, estrategicamente, deve-se investir na educação em direitos fundamentais em todos os níveis de educação, mas principalmente nas faculdades de Direito. Uma sociedade calcada nos direitos fundamentais começa pela conscientização do que são estes direitos, para que servem e como incidem. De igual forma, esta mesma sociedade precisa ter juristas que acreditem e propaguem os direitos fundamentais, os quais deve ser constantemente in33  Constituição da Republica de Angola de 05 de Fevereiro de 2010.

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centivados, pesquizados e principalmente, defendidos, já que não são raros os ataques contra os direitos fundamentais, os quais precisam ser preservados, vedando-se retrocessos. Assim sendo, o ensino jurídico possui destaque e relevância, considerando que é nas faculdades de Direito que os Direitos fundamentais são estudados com mais afinco. Portanto, é o local ideal para intenso debate, analise, apoio e incentivo. Sem dúvidas, devem as Faculdades de Direito assumir importante papel de desenvolvimento dos direitos fundamentais. Abordar a questão do ensino jurídico correlacionado com os direitos fundamentais é um desafio interessante e enriquecedor uma vez que defender os direitos fundamentais deve ser uma bandeira de todos os juristas, sendo que essa defesa passa pela articulação de um ensino jurídico de qualidade que seja pautado nos verdadeiros interesses da sociedade: a formação dos direitos fundamentais e a concretização da cidadania plena.

1.1 Um Ensino Jurídico Voltado Para A Defesa E Concretização Dos Direitos Fundamentais O ensino jurídico precisa possuir uma autêntica função social, sendo que a visão ultrapassada do conhecimento das leis, doutrina e jurisprudência não é mais suficiente, já que superada. O ensino jurídico deve estar voltado para a interferência na sociedade e com isso, promover a necessária mudança social em busca de justiça e harmonia. A promoção dos direitos fundamentais começa nas faculdades de Direito, sendo que a partir de então deve se espalhar por toda sociedade, a qual deve ter ciência e exercer os seus direitos, 55


principalmente os fundamentais, pois somente dessa forma teremos uma efectiva e plena cidadania. A C.R.A nos termos do artigo 29o garante "o acesso ao direito e a tutela jurisdicional efectiva" mas em Angola, entendemos ainda fraca a cultura jurídica pelo facto de ainda não existir operadores do Direito em todas as regiões do país e em consequência disso, muitos cidadãos vê seus direitos a serem violados mas simplesmente ficam calados por falta de conhecimento ou seja, não sabem quais mecanismos a accionar para ver os seus direitos protegidos e por este motivo entendemos que a educação jurídica dos cidadãos é fundamental no fortalecimento do Estado Democrático de Direito. A Democracia não se resume a representação, mas a participação activa da comunidade popular. Para isso faz-se necessário a conscientização dos direitos, bem como os instrumentos para a sua efectivação e protecção. Torna-se evidente a correlação e interdependência das questões de direitos fundamentais, democracia e cidadania, para a concretização de um legítimo Estado Democrático de Direito, com possibilidade de redução das desigualdades. Há uma missão constitucional de defesa legítima da ordem jurídica democrática pelos operadores do Direito, a alternativa que resta aos integrantes das carreiras jurídicas é, segundo pensamos, a de actuar mais no sentido do aprofundamento da Democracia no âmbito das classes populares, lutando pela distribuição igualitária dos direitos fundamentais da pessoa humana e pela radicalidade da cidadania, do que propriamente, actuar apenas na aplicação e fiscalização formalística de uma legalidade na maioria das vezes bloqueia a inclusão da massas populares, limitando a 56


distribuição democrática da justiça social em nome da lei e da ordem. Sem duvida alguma, se se tiver que pensar na modificação das praticas jurídicas, aperfeiçoamento do ordenamento jurídico angolano, na modificação da cultura das instituições, ter-se-á que partir pela reforma do próprio modus pelo qual o Direito é ensinado, e da interacção entre a teoria e a prática entre escolas e profissões, entre reflexão académica e implementação de reformas institucionais, pode-se até mesmo entrever, haverá de surgir a necessária e indispensável simbiose para a readequação do ensino jurídico angolano. O ensino jurídico te de estar voltado para uma visão social, a qual passa pelo fomento, promoção, defesa e busca de efectivação dos direitos fundamentais e para concretização deste desiderato, precisamos ter juristas com a superação dos velhos paradigmas do ensino jurídico, o qual tem que reconhecer a centralidade dos direitos humanos, abarcando uma formação humanística que busque expandir na sociedade a cultura dos direitos fundamentais.

1.2 Mecanismos Jurídicos De Protecção Dos Direitos Fundamentais A Luz Da Constituição Da Republica De Angola Se o Direito está ao serviço da pessoa, não se pode entender que o ordenamento jurídico de uma comunidade não estivesse ao serviço da tutela dos direitos fundamentais da pessoa. Na realidade, deveria algures estar escrita a regra segundo o qual "a todo o direito fundamental corresponde uma tutela adequada". 57


De algum modo é esse o sentido do principio enunciado no artigo 29o nº1 da C.R.C, quando nos diz que "a todos é assegurado a acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos". Porém, e como de certo modo já sabemos, trata-se da afirmação de um direito geral de protecção que não dispensa uma configuração pelo legislador dos mecanismos que efectivamente o concretizem; de outro modo, mal se entendiam as disposições dos n º 4 e 5 desse mesmo artigo ou 72o da C.R.A. Portanto, o mais conveniente parece ser a investigação dos principais mecanismos de protecção dos direitos fundamentais (também ditos remédios) no ordenamento jurídico. Num sistema muito geral, esses mecanismos podem ser: internos ou internacionais34 .

1.3 Mecanismos internos O ordenamento jurídico angolano dispõe de remédio próprio destinado a reparação de violações de direitos e liberdades e garantias (e direitos análogos) cometidos por decisões judiciais ou por actos administrativos: trata-se do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos do artigo 49o e seguintes da Lei Orgânica do processo constitucional. E um mecanismo que se aproxima da queixa constitucional alemã e do recurso de amparo existente um pouco pela América Latina ou na Espanha. Não existe em Portugal. Mas precisamente por isso, é para realçar a importância desse remédio angolano. 34  MELO, A José) O Novo Constitucionalismo Angolano, Lisboa, Instituto de ciências jurídicas – Politicas (2013), pág.106

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Numa perspectiva da sociologia politica, o acesso ainda que remoto é extraordinário, a instância máxima da justiça, constitucional significa adopção de uma postura politica antropologicamente amiga da dinamização processual dos direitos fundamentais. Mas tendo em conta que, no sistema de comunicação entre o Estado e o cidadão, são ainda o exercício do direito de voto e a reclamação judicial de direitos, as formas paradigmáticas de comunicação do cidadão com o Estado. Em múltiplos casos de violação de Direitos fundamentais, apenas o tribunal constitucional poderá estar num plano funcional e institucionalmente adequado para revelar e aferir a natureza dessa chama de atenção. Em segundo lugar, na perspectiva moral e jurídico-constitucional, parece evidente a necessidade de uma articulação entre a componente material da constituição (os valores aí recebidos e os direitos que destes são concretização), o princípio geral da tutela jurisdicional efectiva e a garantia de um elevado nível de efectividade jurídica dos direitos fundamentais. Ora, em casos de violação (e não de mera inconstitucionalidade de normas) de direitos fundamentalíssimos, atenta a gravidade da ilicitude e a importância do plano normativo em que a mesma ocorre, é natural que em derradeira instância o julgamento desses casos seja entre a um (novo) tribunal do Areópago. Ainda na perspectiva do prestígio das instituições do Estado, não parece conveniente que, por falta de mecanismos desse tipo, a concessão de amparo a Direitos e liberdades fundamentais deva ser deferida para a instância internacional, com dupla consequência (1) Da menorização do sistema de protecção e (2) aumento da frequência das condenações do Estado pelos tribunais internacionais de direitos humanos. 59


Em quarto lugar, na perspectiva do Direito comparado há agora três outras observações a reter: a) A primeira é a de que foi instituído o amparo (na Constituição Mexicana de 1917), a tendência aponta no sentido de existência de algum mecanismo do acesso do particular ao tribunal constitucional para a protecção de pelo menos certos direitos e liberdades fundamentais – neste sentido a mais de três dezenas de países (da Europa, América Latina, da Asia e da Africa) que possuem esses mecanismos. b) A segunda é a de que essa evolução se fez sentir inclusivamente no plano internacional (com o acesso direito ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ao Tribunal Internacional Africano dos Direitos do Homem e dos Povos). c) A terceira para assinalar o facto de a própria frança ter enfim cedido à introdução da questão da constitucionalidade e precisamente nos casos de violação de direitos e liberdades garantidos pela Constituição35.

1.4 Mecanismos gerais São eles os meios de protecção do contencioso administrativo e os meios de protecção subjacentes a fiscalização da constitucionalidade de normas. a) Contencioso administrativo tem a sua regulação definida na Lei nº 2/94, de 14 de Janeiro e no Decreto-Lei nº 4/96, de 5 de Abril, permitindo obter uma tutela considerada relativamente limitada (e, em diversos aspectos, ate suspeita de inconstitucionalidade), em todo caso, os actos administrativos definitivos e executivos feridos de ilegalidade 35 Op.cit.,p.106.

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por lesão de direitos fundamentais podem ser impugnados ao abrigo dessa legislação. b) Quanto aos mecanismos de fiscalização da constitucionalidade de normas, uma vez exceptuada a fiscalização preventiva, todas as modalidades de fiscalização apresentam virtualidade na tutela na tutela dos Direitos fundamentais dos cidadãos.

1.5 Modalidades de controlo da constitucionalidade 1º Quanto a fiscalização sucessiva abstracta (artigos 230 e 231o da C.R.A), importa talvez dizer que se trata do mecanismo mais poderoso de intervenção do tribunal constitucional conta os actos do poder legislativo, uma vez que a decisão de inconstitucionalidade daí resultante não só destrói a norma declarada inconstitucional como destrói retroactivamente todos os efeitos por ela produzidos (salvo as sentenças transitadas em julgado). Mas a decisão impede o legislador de reeditar uma norma com o mesmo teor. O Tribunal Constitucional funciona aqui como um verdadeiro legislador negativo, projectando-se o resultado da sua decisão, tanto no presente, como no passado e no futuro. Os cidadãos têm acesso indirecto a fiscalização sucessiva abstracta através de entidades com legitimidade para tal, que podem actuar em seu nome, em especial o Provedor de Justiça, Ordem do Advogados de Angola e a Procuradoria - Geral da Republica, basta para o efeito que apresentem petições a esses órgãos, para que estes, dentro da sua margem de apreciação, decidam ou não avançar com os correspondentes pedidos. o

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2º Quanto a fiscalização da inconstitucionalidade por omissões legislativas (artigo 232o da C.R.A), ela tem por objectivo omissões legislativas, que se projectam sobre tudo em matérias de direitos, económicos, sociais e culturais. Trata-se de um mecanismo mais débil que no final conduz a uma espécie de sentença apelativa, em que o Tribunal Constitucional dará conta da omissão legislativa à Assembleia Nacional, indicando-lhe um prazo razoável para a supressão da lacuna ou inacção. 3º Finalmente, quanto a fiscalização concreta (artigo 180 , nº 2, alínea d) e e) da C.R.A) que surge na lei orgânica de processo nas vestes de " recursos ordinários de inconstitucionalidade", há a registar pelo menos a seguintes notas: o

a) Trata-se em regra, no Direito comparado, de um mecanismo muito utilizado pelos particulares na defesa dos seus direitos fundamentais, que tem na C.R.A o direito fundamental análogo de suscitar a questão da constitucionalidade de uma norma durante qualquer processo em que seja parte; b) Embora no recurso do particular a fiscalização tenha uma feição mista (subjectiva e objectiva) quando intervenha o Ministério Publico, a fiscalização tem um cunho essencialmente objectivo, podendo o recurso ser obrigatoriamente para esta entidade (artigo 21o, nº3 da LOTC). c) Esse recurso tem por objectivo a constitucionalidade de uma norma que o juiz aplicou na sentença ou a que escusou aplicação, estando o Tribunal Constitucional cingido a apreciar apenas essa norma, sendo-lhe por conseguinte vedado a apreciar a decisão recorrida. d) No caso de recurso obter provimento, processo baixa ao tribunal de onde proveio, para que o juiz do processo 62


principal reforme a sentença em conformidade com o julgamento do Tribunal Constitucional (artigo 47o nº2 da LOPC). Por fim, alem desses dois mecanismos gerais, o Direito angolano conhece ainda alguns meios processuais próprios (remédios) especificadamente dirigidos a tutela de determinados direitos fundamentais: o habeas corpus (relativamente ao direito a liberdade física e a segurança pessoal,), o habeas data (relativamente as garantias em matérias de tratamento de dados pessoas) e também mecanismos em sede do contencioso eleitoral e dos partidos políticos (relativamente a um conjunto de direitos de participação politica)36 .

1.6 Mecanismos internacionais Tendo Angola ratificado a Carta Africana de Direitos do Homem e dos Povos, instrumentos que dispõe desde 2006 da assistência de um tribunal (o Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos), dispõe ainda os cidadãos, e naturalmente também os estrangeiros, desse importante nível suplementar de protecção. Uma pessoa sob a jurisdição do Estado angolano que alegue a violação de um dos direitos protegidos na Carta Africana (ou em outros tratados de direitos humanos), pode, uma vez esgotados os recursos internos, apresentar uma queixa ao tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos, caso o Estado angolano tenha expressamente admitido a possibilidade da queixa individual. Na hipótese de essa declaração não ter sido feita, o interessado poderá sempre apresentar uma comunicação a Comissão Africana de Direitos do Homem e dos Povos, com base na referida violação. 36  Op. Cit. pp.111 e 112.

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Esta interacção e "cooperação estratégica" entre os mecanismos internos e os mecanismo externos de protecção e, segundo me parece verdadeiramente querida tanto pelo Direito Internacional como pela Constituição da Republica de Angola. Espera-se agora essa vontade de direitos fundamentais e de direitos humanos também seja querida e amparada na prática pelos juristas angolanos.37

2. Os tribunais perante as normas de direitos fundamentais O verdadeiro valor dos direitos fundamentais traduz-se numa palavra: efectividade (ou seja, realização e protecção efectiva dos bens e interesses básicos da pessoa humana, ao nível da existência da autonomia e do poder). Ora, se esta efectividade, de facto, em primeira linha, tem de estar articulada com um conjunto de pressupostos reais (os chamados pressupostos dos direitos fundamentais), ela depende em larga medida da existência, do prestígio social efectivo e do bom funcionamento de um sistema jurisdicional capaz de fazer garantir aquele valor. De acordo com a CRA, compete aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (artigo 174º, nº 2), cabendo-lhes igualmente garantir e assegurar a observância da Constituição (artigo 1770 nº1). O poder judicial parece-nos desta feita na CRA como verdadeiro guardião da Constituição como sistema especialmente colocado na defesa de direitos fundamentais na rea-

37  Op. Cit.p.112.

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lidade, sejam quias forem os direitos básicos da pessoa humana reconhecidos em normas de Direito Internacional).38

2.1 A vinculação dos tribunais às normas de direitos, liberdades e garantias Mas os tribunais, constituindo órgãos de soberania, são entidades para efeitos da segunda regra de que fala o artigo 280 nº1 da CRA (a de que os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias vinculam todas as entidades públicas) A este respeito, podemos começar por dizer que o princípio da vinculação incide sobre os tribunais de múltiplas formas: Desde logo, por via do princípio da constitucionalidade (artigo 2260 da CRA); Depois por via da enfase na ideia da vinculação do Estado e das demais entidades públicas aos direitos, liberdades e garantias (artigo 20 nº 2; 210 alínea b); 280 nº1 e 560 da CRA); Em terceiro lugar, por ter sido confiado aos tribunais um especial encargo de defesa dos direitos (artigos 290; 1770 nº1 da CRA); E ainda pelo facto de também a eles ter confiada a protecção jurisdicional dos direitos humanos, quer porque o Direito Internacional endossou aos tribunais internos essa tarefa na esfera territorial do Estado, quer porque a CRA consagrou expressamente essa articulação (artigo 260 nº3). Como é óbvio, o sentido primário desta vinculação é ainda o de uma proibição. Os tribunais estão proibidos de praticar actos que violem os direitos, liberdades e garantias e 38 Op.cit.p.97.

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estão obrigados a pautar a sua actividade e o desenvolvimento dos processos judiciais pelo respeito e protecção estrita desses direitos (os direitos também são triunfos contra os actos dos juízes que encoraram em violação desses direitos). Por outro lado, parece claro que a vinculação dos tribunais pelos direitos, liberdades e garantias constitui uma expressão marcante do dever de protecção que incumbe ao Estado relativamente a efectivação dos direitos. A CRA confere uma significativa atenção às garantias dos direitos ( a tal ponto de autonomizar uma secção própria), preocupação também visível no que diz respeito às instituições essenciais à justiça, nomeadamente á defesa dos cidadãos. Este desenvolvimento dado pela CRA às garantias fundamentais processuais não só tem raízes no constitucionalismo clássico como corresponde a uma tendência moderna de valorização dessas dimensões. Por seu lado, alguns dos direitos impedem de forma muito especial sobre os tribunais, sobre o serviço de justiça e o poder judicial como um todo: é o caso do direito de uma decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo (artigo 290 nº 4) ou do direito a um julgamento justo e célere (artigo 720 da CRA) é o caso de direitos em que uma eventual emergência só pode ser determinada ou autorizada por decisão judicial (artigo 340, nº2, da CRA por exemplo) ou de direitos especiais de protecção exercidos perante um tribunal (habeas corpus, habeas data, acção popular, acção de responsabilidade civil contra o Estado, recurso de inconstitucionalidade, recurso contencioso) Também nunca é demais lembrar que é nesta zona da capacidade de prestação do sistema judicial que se situa talvez a maior dificuldade de efectivação dos direitos, liberdades e garantias (o espinho do jardim dos direitos), pelo me66


nos a julgar pela jurisprudência do Tribunal Europeia dos Direitos do Homem – aqui nos encontramos, uma vez mais, com os pressupostos dos direitos fundamentais39.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MELO, A. José. O Novo Constitucionalismo Angolano, Lisboa, Instituto de Ciências Jurídicas – Políticas (2013)

39  Op.cit.pp.101; 102 e 103.

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CONTRIBUTOS PARA A MELHORIA DA JUSTIÇA EM CABO VERDE Carlos Manuel Borges Garcia 40 RESUMO Com o presente artigo pretendemos dar um contributo para a melhoria da justiça em Cabo Verde, com o acento tónico no setor da justiça administrativa. Neste contexto, com suporte em vários artigos publicados sobre o contencioso administrativo cabo-verdiano, apresentaremos o estado crítico do mesmo, apontando as pistas para a sua melhoria, de acordo com os ditames da Constituição. Palavras-chave: Contencioso Administrativo, Constituição, Reforma, Anteprojeto ABSTRACT With the present article we intend to contribute to the improvement of justice in Cape Verde, with the emphasis on the administrative justice sector. In this context, with support in several published articles on Cape Verdean litigation, we will prepare the critical state of the litigation, pointing out the clues for its improvement, according to the dictates of the Constitution. Keywords: Administrative Litigation, Constitution, Reform, Draft 40  Licenciatura em Direito pela Universidade do Minho; Mestrado em Direito Administrativo pela Universidade do Minho - Braga, Portugal.

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1. Introdução Com o presente artigo, como sugere o título, pretendemos dar um modesto contributo para a melhoria da justiça em Cabo Verde, com o acento tónico na justiça administrativa. É sabido por todos que a Constituição vigente em Cabo Verde consagra um conjunto de direitos e garantias de que gozam os cidadãos face à Administração Pública, como resulta do seu artigo 245.º. No que se refere às garantias a que se convencionou chamar de “administrativas”, parece que se pode afirmar, salvo o devido respeito por opinião contrária, que os cidadãos não têm razões de queixa, pois além da sua previsão constitucional, há várias leis ordinárias que as concretizam. Já o mesmo não se pode dizer em relação às garantias contenciosas ou jurisdicionais, pois, apesar de ser hoje aceite por todos que a Constituição previu o princípio da tutela jurisdicional efetiva, quando afirma que o particular, diretamente ou por intermédio de associações ou organizações de defesa de interesses difusos a que pertença, tem, nos termos da lei, direito a requerer e obter tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, nomeadamente através da impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da forma de que se revistam, de ações de reconhecimento judicial desses direitos e interesses, de pedido de adoção de medidas cautelares adequadas e de imposição judicial à Administração de prática de atos administrativos legalmente devidos 41; direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmen41  Cfr. artigo 245.º, alínea e), da Constituição da República de Cabo Verde, doravante, CRCV.

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te protegidos 42 , bem como direito a ser indemnizado pelos danos resultantes da violação dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, por ação ou omissão de agentes públicos, praticadas no exercício de funções e por causa delas, dizíamos, apesar disso, o legislador ordinário não concretizou essas normas, deixando os aplicadores do direito com muitas dificuldades, o que, aliás, tem dado azo a interpretações díspares, ao ponto de dois tribunais decidirem de forma completamente diferente sobre a mesma questão jurídica. Na verdade, com essas normas constitucionais, consideradas pela doutrina como análogas aos direitos, liberdades e garantias e com a recente aprovação da Lei n.º 88/VII/2011, de 14 de fevereiro43, que define a organização, a competência e o funcionamento dos tribunais judiciais, passámos, em Cabo Verde, no que se refere ao contencioso administrativo, a conviver com três diplomas neste matéria, a saber: 1) a Constituição da República; 2) a Lei n.º 88/VII/2011, de 14 de fevereiro , acima referida e 3) o Decreto-Lei n.º 14-A/83, de 22 de março, diploma que regula o contencioso administrativo Sem olvidar, ainda, que o próprio diploma em vigor remete para o código de processo civil, aplicado como direito subsidiário44 , processo esse que sofreu muitas alterações, contrariamente ao contencioso administrativo. Só para dar um exemplo, em matéria das “ações”, o diploma que regula o contencioso administrativo remete para 42  Cfr. artigo 245.º, alínea f), da CRCV. 43  Cfr. os seus artigos 17.º, n. º2; 34.º, alínea d); 39.º, alínea b) e 59.º, n, º2. Desses artigos resulta que compete aos tribunais judiciais, através dos juízos cíveis, a administração da justiça administrativa, sendo que hoje são competentes os Tribunais de primeira instância, os Tribunais de segunda instância (ou de Relação) e o Supremo Tribunal de Justiça. Faz-se notar que face a lei vigente, competente nessa matéria são os tribunais regionais da Praia e São Vicente e o Supremo Tribunal de Justiça. Essas normas carecem de uma interpretação atualista. 44  Cfr. o seu artigo 55.º.

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a forma de processo sumário45, que, como se sabe, já não existe na nossa lei processual civil. Assim, com este artigo pretendemos apresentar, em síntese, as reflexões que vários autores têm feito sobre o contencioso administrativo vigente, denunciando a sua inconstitucionalidade, reflexões essas que vão no mesmo sentido, dando pistas para se resolver o problema, a bem dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos face à Administração Pública e da justiça no seu todo. Ao longo do artigo faremos uma exposição crítica, oferecendo a nossa perspetiva sobre a problemática.

2. O processo moroso da reforma do contencioso administrativo em Cabo Verde O contencioso administrativo cabo-verdiano encontra-se neste momento em processo de reforma, uma vez que a “vetusta”46 lei do contencioso administrativo de 1983 está completamente desfasada da realidade e dos preceitos constitucionais, o que levou a que se iniciasse esse processo de reforma, embora esteja longe de ser concluída. De fato, já há um anteprojeto do código da justiça administrativa, projeto esse muito moderno e que, como veremos, vem reforçar as garantias dos particulares face à Administração, nos termos das exigências constitucionais, pois prevê, como já acontece noutras paragens, novos mecanismos, que vão dos processos urgentes – principais (intimações e impugnações) e cautelares ou não principais – (ou 45  Cfr. o seu artigo 41.º. 46  É esta a expressão que muitos juristas cabo-verdianos têm usado quando se referem a esse diploma, que deste então até hoje tem regulado o contencioso administrativo neste arquipélago – note-se, não obstante as mudanças sociológicas, politicas, etc. Daí a justificação das críticas que a mesma “lei” tem sido alvo.

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seja, acrescentaram-se outros à suspensão da executoriedade do ato administrativo, o único meio cautelar conhecido) à condenação da Administração à prática do ato devido, etc. Numa palavra, esse anteprojeto, quando se materializar em verdadeiro código, vai “subjetivar” a justiça administrativa cabo-verdiana, como aliás já é um imperativo constitucional, com vantagens claras para os cidadãos e constituirá um grande ganho para o nosso Estado de Direito Democrático, rumo a uma maior consolidação. Note-se que, neste contexto, Arlindo Medina, então Juiz Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a propósito da falta de uma lei moderna de justiça/contencioso administrativo, disse na abertura do I Congresso de Direito Constitucional Cabo-verdiano, Lusófono e Comparado que presidiu na Cidade da Praia, que o “poder político, numa arrepiante inércia, não se dignou facultar aos cabo-verdianos uma lei moderna capaz de lhes oferecer uma tutela jurisdicional efetiva e de lhes assegurar uma adequada proteção jurisdicional nas suas relações com o Estado”. Refira-se que o Decreto-Lei n-º 14-A/83, de 12 de março, na altura em que foi aprovado, marcou uma rotura com o status quo ante, pois antes dele a Administração e o Governo estavam “libertos” de qualquer controlo judicial. No fundo, estávamos perante um verdadeiro sistema de “administrador-juiz”, como aconteceu inicialmente em França, nos primórdios da revolução de 1789. De fato, como nos conta David Hopffer Almada, “os atos definitivos e executórios dos membros do Governo podiam ser impugnados apenas perante o Conselho de Ministros, conforme rezava o diploma de 1977 (Decreto-Lei n.º 101/77, de 08 de Outubro)”. Por outro lado, na esteira do mesmo autor, “os atos legislativos do Governo (Decre72


to-Lei) só podiam ser impugnados, mediante recurso de constitucionalidade para a Assembleia Nacional Popular, ou então sujeitos à ratificação desta, mediante solicitação feita por qualquer deputado, até a primeira sessão seguinte à sua publicação, sem o que se considerava automaticamente ratificado”. Nas palavras do autor “não é normal, sendo mesmo contra natura em regimes mono partidários (como era o caso), o Governo sujeitar-se e sujeitar os seus atos à impugnação contenciosa perante os Tribunais.” Daí que alguns autores, como por exemplo, Freitas do Amaral e Gomes Canotilho, na visita que fizeram a Cabo Verde na altura, como nos da conta o autor, terem estranhado essa opção do Legislador de 83 em subter os atos do Governo ao controlo judicial47.

3. Inconstitucionalidade superveniente do Decreto-Lei n-º 14-A/83, de 12 de março, que regula o contencioso administrativo Lendo o Decreto-Lei n-º 14-A/83, de 12 de março, facilmente se concluirá que o contencioso cabo-verdiano é de mera anulação e actocêntrico (ao ato), com prejuízos claros para os direitos e interesses legalmente protegido dos particulares, contrariando, de certo modo, o que está previsto na atual Constituição da República na parte referente a essa matéria.

47  Para maior desenvolvimento sobre o assunto, veja-se ALMADA, David Hopffer, A Construção do Estado e a Democratização do Poder em Cabo Verde, Cidade da Praia, 2010, pp. 70 e ss, e nota 27.

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Aliás, esse diploma tem merecido duras críticas por parte de juristas nacionais e internacionais, nos termos que demonstraremos de seguida. Na nossa doutrina, destaca-se o Dr. Mário Silva que tem dado um grande contributo nessa matéria, clamando recorrentemente para uma reforma da justiça administrativa48 . Em 2009, num artigo publicado na Revista cabo-verdiana Direito e Cidadania 49, onde, nas palavras do autor, se pretendia “dar a conhecer ao público cabo-verdiano a publicação de um dos últimos livros de WLADIMIR BRITO, Professor da Escola de Direito da Universidade do Minho e um nome cimeiro do Direito Público de Língua Portuguesa”: Lições de Direito Processual Administrativo, o mesmo autor debruçou-se praticamente sobre todo o conteúdo do livro e, na ultima parte do artigo, sob a epígrafe “ A IMPORTÂNCIA DA OBRA PARA OS PAÍSES AFRICANOS DE LÍNGUA OFICIAL PORTUGUESA”, diz-nos que o trabalho de Wladimir Brito “constitui um valioso instrumento de inspiração e de estímulo para a reforma do contencioso administrativo nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, pelas informações que nos faculta e pela análise que adota”(…). Ora bem, no que a Cabo Verde se refere, continua o autor, dizendo que “num momento em que paira um grande silêncio sobre esta matéria, depois da discussão pública da versão zero do projeto de Código de Justiça Administrativa, esta obra de WLADIMIR BRITO assume grande importân48  O autor publicou recentemente um livro, onde aponta os caminhos para a reforma da justiça administrativa. Para mais desenvolvimento, veja-se SILVA, Mário Ramos Pereira -Os Caminhos da Reforma da Justiça Administrativa Cabo-verdiana, Livraria Pedro Cardoso, julho de 2016, Praia, Cabo Verde. 49  Veja-se SILVA, Mário Ramos Pereira, «Direito Processual Administrativo ou Wladminir Brito e o Novo Paradigma de Justiça Administrativa», Cidade da Praia, Cabo Verde, in Revista Direito e Cidadania, Ano X, N.º 29, Quadrimestral, 2009, p. 336

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cia, não só pelos já referidos aspetos, mas também por ser uma voz autorizada a certificar o fim do contencioso administrativo de anulação, baseado num "processo ao ato", na consagração de vários círculos de imunidade do poder, na sentença anulatória, na inoperância do sistema de execução de sentenças e na suspensão da eficácia do ato administrativo como única providência cautelar, entre outros aspetos”. À guisa de conclusão, e bem, o mesmo autor demonstra o seu descontentamento com o atual contencioso existente em Cabo Verde, dizendo que “Mal se compreende que um país como o nosso, que inscreveu na sua Constituição um modelo de justiça administrativa de natureza subjetiva, ainda com aspetos objetivos decorrentes da existência de ação pública e da ação popular, continue a hesitar em levar a cabo uma reforma constitucionalmente adequada e protele por mais tempo a adoção de medidas impostas pela Constituição”50. Nessa esteira, Sérvulo Correia, um ilustre jurista português, a propósito do baseamento da República de Cabo Verde na dignidade da pessoa humana – pelo menos à luz da Lei mãe –, diz-nos que “Não parece satisfatoriamente sintonizado com esta filosofia constitucional um sistema de jurisdição administrativa em que os meios de processo visem tão só a reposição da integridade do ordenamento jurídico objetivo e, apenas por arrastamento, de um modo reflexo, a reintegração das situações jurídicas subjetivas ofendidas”51. Entende o autor que “Daqui resultaria, muito possivelmente, a insuficiência, à face da Constituição de Cabo Verde, de um modelo de Contencioso Administrativo que, tal 50  Idem, ibidem 51  Veja-se CORREIA, José Manuel Sérvulo, «Modernização do Contencioso Administrativo», Cidade da Praia, Cabo Verde, in Revista Direito e Cidadania, Ano VII, N.º 24, Quadrimestral, 2006, Praia, Cabo Verde., p. 139.

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como aquele que vigorou em Portugal pelo menos até 1985, apenas assentasse num recurso contencioso meramente cassatório e em algumas ações de plena jurisdição, mas cingidas a um curto elenco de objetos: os litígios sobre contratos administrativos e responsabilidade civil extracontratual por atos de gestão pública”52 . O autor dá-nos conta das “técnicas de que o legislador contemporâneo deverá lançar mão para vincar o caracter subjetivista da tutela jurisdicional administrativa”. Um outro autor cabo-verdiano, Dr. Anildo Martins, que também é Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, dado a desconformidade do diploma que regula o contencioso administrativo com a Constituição da República, num artigo publicado, igualmente na Revista Direito e Cidadania 53, não hesita em dizer que o objetivo maior da reforma do nosso contencioso administrativo deverá consistir na adequação do diploma de 83 acima referido ao Estado de Direito Democrático gizado na Constituição da República de Cabo Verde. Na altura, dizia o autor, “Para atingir tal objetivo cimeiro, dois objetivos estratégicos deverão nortear a ação do nosso legislador, a saber: O primeiro diz respeito ao reforço das garantias dos cidadãos perante a Administração Pública ou a realização da (almejada) tutela efetiva dos direitos dos cidadãos, ou seja, tratar-se-á aqui do chamado contencioso subjetivo, isto é, gizado para a defesa dos direitos e interesses legítimos do cidadão perante a Administração Pública. (…). 52  Idem, ibidem, pp. 139-140. 53  MARTINS, Anildo, «Contencioso Administrativo (Algumas Questões)», Cidade da Praia, Cabo Verde, in Revista Direito e Cidadania, Ano VI, N.ºs 20/21, maio a dezembro, 2004, p. 189.

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O segundo objetivo estratégico consistirá no reforço do chamado contencioso objetivo, no âmbito do qual se destacará o importante papel do Ministério Público enquanto fiscal da legalidade”54 . Na esteira do exposto, importa acentuar que, de facto, a Constituição da República de Cabo Verde não se limita, abstratamente, a prever a garantia geral de acesso à justiça e de acesso aos Tribunais. Com efeito, a par dessa garantia geral, a lei magna de Cabo Verde contempla igualmente uma garantia especial de acesso à justiça administrativa 55. Neste ensejo, o seu inciso 245.º, sob a epígrafe “Direitos e garantias do particular face à Administração”, como se disse, dispõe, por um lado, que “O particular, diretamente ou por intermédio de associações ou organizações de defesa de interesses difusos a quem pertença, tem, nos termos da lei, direito a: requerer e obter tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, nomeadamente através da impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da forma de que se revistam, de ações de reconhecimento judicial desses direitos e interesses, de adoção de medidas cautelares adequadas a imposição judicial à Administração de prática de atos administrativos legalmente devidos”56 .

54  Para maior desenvolvimento sobre esses dois objetivos estratégicos, veja-se idem, ibidem, pp. 189-197. 55  Assim, DELGADO, José Pina e DELGADO, Liriam Tiujo, O Sistema Cabo-verdiano de Direitos Fundamentais – Notas de Aula, Cidade da Praia, Cabo Verde, 2009, p. 99. 56  Cfr. alínea e) do citado artigo 245.º Faz-se notar que muitos têm entendido que esta norma é análoga aos direitos, liberdades e garantias. Com efeito, por essa razão, alguns advogam, e bem em nossa opinião, que a inércia do novo legislador não obsta à sua direta invocação pelos particulares, isto porque, por força dos artigos 18.º e 26.º da CRCV, essas normas vinculam todas as entidades publicas e privadas e são diretamente aplicáveis.

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Por outro lado, esse mesmo particular tem direito a: impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”57. Segundo Eduardo Rodrigues, o então artigo 267.º, n.º 2, alínea b) – que previa as garantias dos administrados na versão originária da Constituição de 1992 – “deixa perfeitamente delineada a vontade normativa de um sistema onde pontifique o princípio da garantia de plena jurisdição na impugnação da atividade administrativa”. Tendo dito isto, diz-nos ainda que “Natural será que a seu tempo, que se deseja muito breve, a lei ordinária venha a dar devido implemento a tal princípio”58 , pois, acrescentamos nós, como diz Sérvulo Correia a propósito do atual contencioso administrativo cabo-verdiano, “No quadro (…) de uma Constituição que, acima de tudo, coloca a República ao serviço da dignidade da pessoa humana e da inviolabilidade dos direitos do homem, a efetividade da jurisdição administrativa significa em primeiro lugar a efetividade da tutela subjetiva, ou seja, da tutela jurisdicional das situações jurídicas subjetivas dos particulares em face da administração”. De fato, acompanhamos o autor quando diz que “as regras processuais não poderão constituir uma barreira absoluta à reintegração possível de certos direitos e interesses legalmente protegidos que tenham sido ofendidos”59. 57  Cfr. alínea f) do mesmo inciso. Não obstante a clareza dessa alínea, ao prever que os particulares podem “Impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”, importa, neste particular, ter em atenção que o diploma que regula o contencioso administrativo não tem mecanismos eficazes que permitem aos particulares e a administração impugnar normas – regulamentares, note-se – consideradas ilegais. Ou seja, a Constituição, nesta matéria, também não está devidamente concretizada. 58  RODRIGUES, Eduardo, «Garantia dos Administrados», Cidade da Praia, Cabo Verde, in Revista Direito e Cidadania, Ano III, N. º8, 1999, p. 255) 59  Para mais desenvolvimento, veja-se CORREIA, José Manuel Sérvulo, «Mo-

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De realçar que, como fazem notar José Pina Delgado e Liriam Tiujo Delgado 60 ,“o contencioso administrativo não se limita a ser um remédio para a tutela dos direitos fundamentais, mas poderá alcançar qualquer tipo de direito ou inclusivamente interesses legítimos individuais e difusos.” No entanto, como se disse acima, e parafraseando Anildo Martins 61e outros autores, na conjuntura atual temos um conjunto de normas e princípios constitucionais que não estão efetivados ou que estão efetivados de forma incompleta na disciplina e controlo da atividade administrativa. Para resolver essa situação em que nos encontramos, Anildo Martins concluiu o seu artigo dizendo que “Importa pois que o legislador ordinário tenha sabedoria e a perspicácia para”, em cumprimento da disposição n.º 6 do art.º 21.º da CRCV62 , estabelecer os “procedimentos judiciais céleres e prioritários que assegurem a tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças e violações” dos direitos, liberdades e garantias individuais, “encontrar os mecanismos mais apropriados que permitam ao MP uma tutela mais eficiente e eficaz do interesse público e da legalidade, bem assim uma regulamentação atualizada do importante instrumento de cidadania e participação cívica que é a ação popular”63. Note-se que, por causa dessa desconformidade da “lei” do contencioso administrativo com a atual Constituição da República, sente-se uma dificuldade óbvia em quadernização do Contencioso Administrativo», ob. cit., pp. 3 e ss. 60  Cfr. DELGADO, José Pina e DELGADO, Liriam Tiujo, O Sistema Cabo-verdiano de Direitos Fundamentais – Notas de Aula, ob. cit., p. 99. 61  MARTINS, Anildo, «Contencioso Administrativo (Algumas Questões)», ob. cit., p 197. 62  Atualmente, coma revisão de 2010, passou a ser o artigo 22.º 63  MARTINS, Anildo, «Contencioso Administrativo (Algumas Questões)», Cidade da Praia, Cabo Verde, ob.cit., p. 197.

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lificar a justiça administrativa cabo-verdiana, com base nos dois modelos de justiças administrativa dominantes, que nos são apresentados por Wladimir Brito 64 , a saber: a) Modelo Administrativista e o b) Modelo Jurisdicionalizados ou Judicialista. Com efeito, se sob o ponto de vista da separação de poderes podemos dizer, sem margem para dúvidas, que seguimos o modelo Judicialista, isto porque, como nos ensina o autor acima citado, nesses modelos “As questões administrativas podem ser apreciadas quer por tribunais especializados, quer por tribunais comuns sem qualquer especialização, sendo certo que, num ou noutro caso, a decisão final poderá ser tomada pelo tribunal hierarquicamente superior nessa ordem jurisdicional única”65, já sob o ponto de vista processual constata-se que a nossa justiça administrativa segue o modelo administrativista, isto, claro está, tendo em conta só a “lei” do contencioso administrativo, pois, como nos dá conta o mesmo autor, esse “modelo é por natureza objetivista, tendo no recurso de anulação do ato administrativo o seu principal meio”66 , sem olvidar, no entanto, que, complementar a esse meio, são “admitidos outros meios processuais, como acontece com a apreciação de litígios decorrentes de contratos administrativos e relativos a responsabilidade civil, em que o contencioso passa a ser de jurisdição plena, embora limitado ao princípio da decisão administrativa prévia e a impossibilidade de injunções diretas à administração”67. 64  Para mais desenvolvimentos, veja-se BRITO, Wladimir, Lições de direito Processual Administrativo, Portugal, 2ªEdição, Coimbra Editora, 2008, pp. 34-39. 65  Idem, ibidem. 66  Idem, ibidem. 67  Idem, ibidem.

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Ora, tendo dito isto, salvo o devido respeito, parece-nos que se pode dizer que temos, em Cabo Verde, um modelo de justiça administrativa que não é nem judicialista puro, nem administrativista, mas sim um modelo “complexo” de justiça administrativa.

4. Solução para os problemas do contencioso administrativo vigente Como se pode intuir pelo que acabamos de expor, as soluções para se resolver os vários problemas que existem no seio do contencioso administrativo e que há muito já foram detetadas, o que faz com que não se compreenda os reias motivos para essa demora. De fato, como se disse, todos – advogados, magistrados, académicos e o próprio legislador –, já chegaram à conclusão de que a resolução desses problemas é simples e passa apenas por efetivar a Constituição da República, desenvolvendo os mecanismos previstos, respetivamente, nas alíneas e) e f) do artigo 245.º da lei fundamental. Tão consciente está o nosso legislador, que o Ministério da Justiça, departamento do Governo com atribuições na matéria, apresentou, em 2007, a versão 0 do “ANTEPROCJETO DE CÓDIGO DA JUSTIÇA ADMINISTRATIVA”, onde, logo no primeiro parágrafo da nota justifica, nos dá conta de que “O Código da Justiça Administrativa que ora se apresenta em ante-projecto dá corpo às orientações constitucionais em matéria do contencioso administrativo, vazados no artigo 241.º e)68 da nossa Lei Fundamental. E, porque 68  Estávamos nós em 2007, antes da revisão constitucional de 2010.Hoje, com o mesmo teor, o artigo 241.º, alínea e), na versão que lhe foi dada pela revisão constitucional de 1999, passou para o artigo 245.º, alínea e). Na sequência do que se disse acima, acrescentamos o artigo 245.º, alínea f), que também deve ser concretizado,

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assim faz, constitui uma ruptura profunda e extensa com o paradigma do Decreto-lei n.º 14-A/83, de 22 de Março, que há mais de vinte e quatro anos, rege o contencioso administrativo em Cabo Verde”. Exposto isto, cumpre dizer que da leitura do anteprojeto do código da justiça administrativa de Cabo Verde, acima referido, pode concluir-se, salvo pequenas adaptações ao nosso quadro jurídico, que a reforma do nosso contencioso administrativo que está em curso, quando for operada, do ponto de vista dos novos mecanismos que serão postos a disposição dos particulares para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, irá ao encontro da realizada em Portugal69, sendo que todas as normas constitucionais acima referidas serão concretizadas. De fato, tanto a alínea e), como a alínea f) do artigo 245.º foram concretizadas, com a previsão, no anteprojeto, do “princípio da tutela jurisdicional efetiva70”; de várias formas de processo, como a) ação administrativa comum71; b) ações administrativas especiais72; c) os processos urgentes73; isso a propósito dos regulamentos (normas administrativas), sem olvidar ainda um importante setor da atividade administrativa, que é a contratação pública. 69  Veja-se o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de Portugal, que reforçaram o poder dos tribunais administrativos. 70  Cfr. artigo 10.º do anteprojeto do código da justiça administrativa, com o qual passar-se-á, de fato, a ter uma tutela sem lacunas; 71  A ação administrativa comum é concebida como o processo comum da justiça administrativa, isto é, aquele que se aplica nos casos para que não seja estabelecido processo especial. Para mais desenvolvimento, cfr. as páginas 31 e 32 do anteprojeto (nota explicativas), bem como os seus artigos 120.º a 134.º. 72  As ações administrativas especiais aplicam-se aos casos em que o pedido emirja da prática ou omissão de ato ou norma que tenha sido ou devesse ter sido emitida ao abrigo de direito administrativo. Recobre o atual contencioso de anulação, mas alarga-se também à condenação na prática de ato devido e à impugnação de normas regulamentares e à declaração de ilegalidade por não emissão de normas regulamentares necessárias ao exercício pleno de direitos. Para mais desenvolvimento, cfr. as páginas 32 a 35 do anteprojeto, bem com os artigos 135.º a 183.º do mesmo. 73  Sob a epígrafe “Dos Processos Urgentes” o anteprojeto do código regula, dan-

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d) os processos cautelares74; e) os processos executivos; e f) os recursos. Claro está que hoje, o referido anteprojeto, teria que sofrer algumas modificações, fruto da reforma que aconteceu no setor da justiça com a revisão constitucional de 2010, que depois veio a ser concretizada em leis ordinárias, como por exemplo, por causa da criação dos Tribunais de segunda instância – Tribunais de Relações –, em Sotavento e Barlavento, entre outros aspetos, que o espaço deste artigo não nos permite aprofundar. Só nos resta dizer que urge a aprovação desse código, com as devidas adaptações ao novo contexto. Eis a solução para o problema, que não é novidade para ninguém, como se disse.

5. Conclusão Em face do exposto, concluímos que, para se efetivar a reforma da justiça administrativa é preciso vontade politica que, diga-se de passagem, e salvo o devido respeito, não tem havido, pois essa reforma trata-se de dar mais meios aos cidadãos para se defenderem dos atos da Administração, que, de acordo com a Constituição, tem como órgão superior o Governo. Em Cabo Verde, essa reforma tem vindo a ser liderada pelo Governo, que parece ter sido a entidade responsável do-lhes carácter urgente: (a) o contencioso eleitoral; (b) o contencioso pré contratual; e (c) as intimações. Para mais desenvolvimento, veja-se as páginas 39 a 41, e os artigos 184.º a 204.º do mesmo. 74  Em clara rotura com a legislação atual, em que o único procedimento cautelar é o incidente de suspensão de executoriedade do ato impugnado, inserido no próprio recurso contencioso, o Código estabelece um amplo sistema de processos cautelares, regulando o seu regime geral e comum e alguns regimes especiais em termos inovadores relativamente ao processo civil. Para mais desenvolvimento, veja-se as páginas 42 a 45, bem como os seus artigos 205.º a 226.º

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pela contratação de uma consultoria para a elaboração do referido anteprojeto, sendo que está claro que a mesma não vai passar disso mesmo, um anteprojeto, por muito mais tempo, pois, segundo informações que se tem, um ilustre administrativista luso, disse, em Cabo Verde, que a Administração Pública não está preparada para ter esse código, que é muito moderno e que concede muitas garantias aos cidadãos face à mesma Administração. Salvo o devido respeito, esse argumento não pode ser aceite, pois essas garantias há muito que estão consagradas na lei fundamental. Assim, mais vale aprovar o código, com um período de vacatio legis longo, dando tempo à Administração para se preparar, do que deixar as coisas como estão. Em síntese, só com a aprovação, o quanto antes, do referido anteprojeto, com as adaptações que se impuserem, é que se resolvem os problemas do atual contencioso administrativo, pois o mesmo prevê os mecanismos para a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, de acordo com as orientações previstas na Constituição.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMADA, David Hopffer, A Construção do Estado e a Democratização do Poder em Cabo Verde, Cidade da Praia, 2010, pp. 70 e ss, e nota 27. CORREIA, José Manuel Sérvulo, "Modernização do Contencioso Administrativo", Cidade da Praia, Cabo Verde, in Revista Direito e Cidadania, Ano VII, N.º 24, Quadrimestral, 2006, Praia, Cabo Verde., p. 139.

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DELGADO, José Pina e DELGADO, Liriam Tiujo, O Sistema Cabo-verdiano de Direitos Fundamentais – Notas de Aula, Cidade da Praia, Cabo Verde, 2009, p. 99. MARTINS, Anildo, "Contencioso Administrativo (Algumas Questões)", Cidade da Praia, Cabo Verde, in Revista Direito e Cidadania, Ano VI, N.ºs 20/21, maio a dezembro, 2004, p. 189. SILVA, Mário Ramos Pereira -Os Caminhos da Reforma da Justiça Administrativa Cabo-verdiana, Livraria Pedro Cardoso, julho de 2016, Praia, Cabo Verde. SILVA, Mário Ramos Pereira, "Direito Processual Administrativo ou Wladminir Brito e o Novo Paradigma de Justiça Administrativa", Cidade da Praia, Cabo Verde, in Revista Direito e Cidadania, Ano X, N.º 29, Quadrimestral, 2009, p. 336

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A QUALIDADE DO ENSINO DO DIREITO Hirondina Maria Lima75 AGRADECIMENTOS Longa e extensa seria a lista de agradecimentos se tivesse a pretensão de destacar todas as pessoas que direta e indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho, mas no fundo, todos sabem o quão estou agradecida. Entretanto, algumas pessoas merecem ser referidas de uma forma especial. O meu profundo agradecimento à minha Família e ao Sr. Eng.º Luciano Dias Da Fonseca, que acreditaram nas minhas capacidades e pela confiança depositada em minha pessoa, perante todas as adversidades que surgiram. Um muito obrigado ao Prof. Doutor Tarcizo Roberto pelas sábias orientações, pelas competências, apoio, paciência, disponibilidade e carinho a mim dedicados. A minha gratidão vai também, para todos os Colegas Juristas, Advogados e Jurisconsultos de profissão em Cabo Verde. Por último agradeço à minha família, amigos e colegas. Em memória, da minha querida Mãe Maria Das Neves Lopes Lima, que partiu muito cedo e da minha Avó Marcelina Do Carmo Lima. Estejam em paz! RESUMO No desenvolvimento económico e social de um País, a educação superior tem como objetivo de alcançar a formação de capital humano de qualidade. A temática da 75  Licenciada em “Droit Public”

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qualidade do ensino do direito e das instituições de ensino superior têm vindo a ganhar força e relevância nos debates protagonizados pelos agentes educativos, pelas entidades governamentais e pela sociedade, em geral. Nos últimos tempos, têm havido muitos debates sobre a qualidade do ensino ministrado nas Instituições de Ensino Superiores Cabo-Verdianas. O objetivo deste artigo, é analisar de forma crítica a qualidade do Ensino do Direito em Cabo Verde, onde optámos pelo estudo de caso, de Cabo Verde como objeto empírico para esta investigação. A partir do modelo de qualidade existente, avaliámos a gestão e a oferta educativa nas universidades com base numa pesquisa de cunho teórico-descritivo-bibliográfico sobre o tema. Ora, este artigo apresenta um enquadramento sobre o ensino de qualidade do direito nas Universidades em Cabo Verde permitiu-nos perceber que cumpre de forma parcial os requisitos e serão apresentados as dimensões dos modelos de qualidade usados no país. Concluindo, afirmamos que Cabo Verde tem ainda um caminho a percorrer para se tornar uma instituição de ensino superior de excelência e atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Palavras-chave: Qualidade, Direito, Ensino Superior, Cabo Verde, Certificação ABSTRACT In the economic and social development of this country, higher education aims to achieve the formation of quality human capital. The quality of teaching law and higher education institutions have gained strength and relevance in the debates carried out by educational agents, government agencies and society in general. In recent times, there have 87


been many debates about the quality of teaching delivered at CaboVerdian Higher Education Institutions. The objective of this dissertation is to critically analyze the quality of Law Teaching in Cabo Verde, where we have chosen the case study of Cabo Verde as an empirical object for this investigation. Based on the existing quality model, we evaluated the management and educational offer in universities based on a theoretical-descriptive-bibliographic research on the subject. However, this article presents a framework on the teaching of quality of law in universities in Cabo Verde allowed us to realize that it partially fulfills the requirements and will present the dimensions of the quality models used in the country. In conclusion, we affirm that Cabo Verde still has a way to go to become a higher education institution of excellence and achieve the Sustainable Development Objectives (ODS). Keywords: Quality, Law, Higher Education, Cabo Verde, Certification GLOSSÁRIO DE SIGLAS BM – Banco Mundial CHEA – Council For Hiher Education Accreditation An Overview of U.S. Accreditation EQUIS – European Quality Improvement System IES – Instituição de Ensino Superior LBSE – Lei de Base do Sistema Educativo LMD – Sistema Licenciatura-Mestrado-Doutorado ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável OE – Orçamento do Estado PEDS – Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável 88


UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura Uni-CV – Universidade de Cabo Verde UNI Piaget – Universidade Jean Piaget

1. Introdução Num passado recente, a formação superior dos cabo-verdianos realizava-se fundamentalmente no exterior. Esta situação sofreu uma alteração radical nestes primeiros anos do novo século: as instituições públicas de ensino superior existentes foram integradas na Universidade de Cabo Verde, universidade pública criada em Novembro de 2006, e várias instituições de ensino superior privado iniciaram a sua actividade após reconhecimento por parte do Ministério da tutela. Hoje, é significativamente superior o número de estudantes do ensino superior a receberem formação em Cabo Verde relativamente aos dos que estudam fora do País. Na altura o desafio que se colocava a todas as instituições de ensino superior caboverdianas era o da qualidade, isto é, contribuir para que esta notável expansão do ensino superior seja acompanhada de níveis de rigor reconhecidos quer internamente quer a nível externo, trabalhando assim para a projecção do País. O “Programa do Governo para a VII Legislatura, 2006-2011” afirma a “opção política de Cabo Verde por um ensino de qualidade e o entendimento do ensino superior como instrumento de desenvolvimento duradouro do país e motor de sua inserção competitiva no mercado mundial” e identifica, entre outras, as seguintes medidas:

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• “Promoção de um ensino superior de qualidade, através de mecanismos jurídicos e institucionais apropriados (...)”; • “Elaboração, aprovação e implementação de normas reguladoras do funcionamento e financiamento do Ensino Superior, nomeadamente, os Estatutos do Ensino Superior Público, Privado e Cooperativo (...)” – Estatutos que vieram a ser aprovados pelo Decreto-Lei nº 17/2007, de 7 de Maio; • “Credenciamento de instituições e cursos do ensino superior segundo um conjunto de critérios e parâmetros básicos, estabelecidos por lei (...)”; • “Criação e instalação de um órgão regulador da qualidade do ensino, habilitado para realizar e promover, de forma periódica, a avaliação do desempenho institucional das instituições.” Segundo Sá Nogueira (2015:197), a qualidade na educação é um conceito dinâmico e polissémico, dependendo do contexto histórico, cultural e temporal. No dizer da UNESCO (2001), a educação de qualidade deve proporcionar a todos, uma participação ativa na sociedade e a serem cidadãos do mundo. Este estudo pretende debruçar-se concretamente sobre a qualidade do ensino do direito ministrado nas Universidades de Cabo Verde. Ora, pretende-se averiguar até que ponto as universidades reúnem os requisitos necessários para ser ou não uma instituição de ensino superior de excelência e atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). No que concerne à natureza e os objetivos deste artigo, optou-se pela metodologia, estudo de caso, as universidades de Cabo Verde como objeto empírico para esta investigação e com base numa pesquisa de cunho teórico-descritivo-bibliográfico sobre o tema. 90


2. Pertinência do ensino do Direito em Cabo Verde Segundo o Dr. Mário Silva76 A necessidade de se instituir um sistema de ensino do Direito77 entre nós fez-se sentir de forma intensa nos últimos trinta anos. Sendo o Direito um dos cursos clássicos mais procurados, a Justiça um valor que faz parte da nossa cultura, do nosso modo de ser e da nossa convivência comum e havendo um número muito reduzido de juristas no período pós-independência, a necessidade de formação na área jurídica impôs-se desde logo. Nos finais dos anos setenta e início dos anos oitenta realizaram-se cursos virados para a formação de quadros judiciais e administrativos em que o Direito esteve sempre presente, incluindo cursos específicos de formação judiciária, dada a escassez de juízes e procuradores, mas como esses cursos não tiveram continuidade não se fez Escola; posteriormente, surgiu o curso de Direito realizado em cooperação com a Universidade de Havana, mas foi sol de pouca dura. Actualmente, os institutos superiores do país ensinam disciplinas jurídicas e a Universidade Jean Piaget lecciona mais de uma dezena de cadeiras de Direito nos seus vários cursos.2 No entanto, o país resistiu sempre em organizar cursos que conferem o grau de Licenciatura, com argumentos de vária ordem, ressaltando-se o reduzido número de Licenciados com longa experiência, Mestres e Doutores. Nos últimos tempos a Fundação Direito e Justiça tem vindo a organizar cursos de aperfeiçoamento e de pós-graduação e anuncia-se para este ano o arranque da Licenciatura em Direito. Para contextualizar e delimitar o problema, convém admitir que a inovação está se tornando um tema cada vez 76  Formado em Direito, Mário Silva é docente da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde, tendo a cargo cadeiras jurídicas importantes dos 4º e 5º anos de diversos cursos. 77  In “O Ensino do Direito em Cabo Verde - Nota breve, 2003

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mais central em nossa sociedade e está diretamente associada à possibilidade de um desenvolvimento económico, social e ambiental sustentável. Neste cenário, as instituições educacionais têm assumido um papel cada vez mais relevante no desenvolvimento económico baseado em inovação. Consequentemente, a educação inclui entre suas principais missões a de colaborar na promoção de um desenvolvimento sustentável com preservação ambiental. Segundo Oliveira (2014:9,10) sobre os desafios da educação neste mundo globalizado: “Esse potencial conflito entre desenvolvimento e preservação pode ser devidamente equacionado via estímulo à inovação, correto uso de novas tecnologias e disseminação, pela educação, em todos os níveis, de métodos de gestão apropriados, baseados na colaboração entre escolas, pesquisadores, tecnólogos, empresas e sociedade em geral. Uma educação contemporânea, baseada na metodologia da aprendizagem independente, abrangendo soluções inovadoras para um desenvolvimento sustentável, tem a chance de contribuir para corrigir os caminhos adotados até aqui, de modo que um balanço econômico seja atingido de forma equilibrada, com preservação ambiental e desenvolvimento social.”

Em Cabo Verde, a Lei de Base do Sistema Educativo LBSE diz que compete ao Estado, através do departamento governamental responsável pelo ensino superior, assegurar a coordenação e supervisão da política educativa além do funcionamento das instituições deste subsistema de ensino. A última revisão da lei eliminou o grau de bacharelado. DL 2010. Ultimamente, com o novo Governo de situação, com o 92


Decreto-Lei nº 13/2018 procedeu-se a primeira alteração ao Decreto-Legislativo nº. 2/2010, de 7 de maio, que define as bases do sistema educativo. Nos termos do artigo 21º nº.1 alinea c) do regime jurídico das instituições de Ensino Superior (RJIES) aprovado pelo Decreto –Lei nº 20/2012 de 19 de julho, a avaliação das instituições é uma tarefa que incumbe ao Estado. O Sistema LMD - (Licenciatura-Mestrado-Doutorado) atualmente sendo implementado em estruturas de ensino superior. A nível do ensino superior, a UNESCO Dakar apoiou a harmonização das ofertas de formação Licenciatura-Master-Doutorado (LMD) em universidades na sub-região para melhorar a comparabilidade da formação e mobilidade dos estudantes et professores. Segundo os estudos existentes sobre a qualidade do ensino superior no país, segundo o Anuário Estatístico, a matricula em 2015/2016 no ensino superior público e privado somam 12622 alunos, 84 alunos a mais que no ano letivo precedente, evidenciando um crescimento a um ritmo muito lento (0,7%). Analisando os dados, pode-se identificar dois momentos distintos no que toca ao acesso e participação ao ensino superior: Primeiro, regista-se um claro aumento das inscrições (13,5%) nas instituições do Ensino Superior Cabo-verdiano que passaram de 11800 efetivos em 2011/12 para 13397 em 2013/14. Segundo, o número de estudantes diminuiu em 5,8%, passando de 13397 em 2013/14 para 12622 em 2015/16. A diminuição do ritmo de crescimento dos estudantes no Ensino Superior poderá ter sido condicionada, por um lado pela estabilização de crescimento no Ensino Secun93


dário e por outro lado pelas dificuldades financeiras que as famílias enfrentam em manter os seus educandos nas instituições do Ensino Superior. Em termos de género, a diminuição dos estudantes no segundo período em referência tem maior incidência nos rapazes (-6,9%) do que nas raparigas (-5,0%). Importa ainda realçar que a diminuição de estudantes no período 2013/14 a 2015/16 ocorreu sobretudo nas instituições privadas. Em suma, segundo Pires Brites (2015: 2), o ensino superior em Cabo Verde, atualmente, é constituído por 10 instituições de ensino superior, sendo 8 privadas e 2 públicas. Estas instituições estão sediadas na duas principais ilhas do país, nomeadamente na capital do país (Santiago) e as outras na ilha de São Vicente. Cabe realçar que, destas 10 instituições, seis são Universidades e quatro são Institutos Universitários. Em anexos, encontra-se apresentado, os alunos matriculados por ano de estudos e género segundo as instituições de formação. Têm-se notado um esforço do governo Cabo-Verdiano, no intuito de promover uma educação de qualidade no país e como tal têm criado instrumentos (Plano estratégico para educação e também o Programa do Governo para a VIII Legislatura 2011- 2016) a fim de garantir a sustentabilidade e a qualidade do ensino superior. Um passo importante para um ensino de qualidade, foi a criação da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior (CNAES). Este diploma, “foi criado ao abrigo do Decreto-Lei nº 36/2014 inserto no Boletim Oficial nº 44, Iª Série, de 23 de Julho de 2014, órgão com vocação para a gestão do regime de acesso, ingresso, reingresso, mudança e transferência de curso de ensino superior” (MESCI:2014). O obje94


tivo da CNAES é organizar as provas de acesso ao ensino superior, que começaram a ser aplicadas em Junho de 2015, têm caráter experimental, mas são obrigatórias. E, segundo Pires Brites (2015: 3), apesar de existirem vários modelos de qualidade, o seu estudo centrou-se no modelo EQUIS (European Quality Improvement System), visto que, este modelo é abrangente e avalia a instituição como um todo.

3. Enquadramento conceptual e revisão bibliográfica De acordo com Sá Nogueira (CEDU2015: 198), a questão da qualidade “não se limita ao conceito polissémico e nem aos fatores intra e extra curriculares”. Em 1972, a UNESCO implementou a noção da educação permanente, enquanto garante do ensino de qualidade. Anos mais tarde esse organismo enveredou-se para aprendizagem ao longo da vida assente em pilares, nomeadamente, aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a conviver. Em 2002 uma nova tentativa da UNESCO foi na ótica de Educação para o Desenvolvimento Sustentável cuja ideia é implementar os princípios, as práticas e os valores do desenvolvimento sustentável em todos os aspetos da educação e ensino. A sustentabilidade significa o bem-estar pessoal em perfeita harmonia com o ambiente e equilíbrio com a pessoa do outro. Nesse contexto, a educação joga um papel importante no sentido que a sustentabilidade social e ambiental depende de aquisição de consciência e a escola tem como missão educar consciências, (UNESCO, 2005:57, citado Gadotti, 2009).

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3.1 Conceitos de Qualidade Segundo Sá Nogueira (CEDU2015: 197), para definir o conceito de qualidade: “O conceito de qualidade da educação é dinâmico e com múltiplos significados; depende do espaço e tempo. Existem várias condicionantes da qualidade da educação, nomeadamente a qualificação docente, na melhoria das condições mínimas de lecionação e o resgate da dignidade profissional.”

Cabe realçar que, “Deming baseava a qualidade no controlo e melhoria dos processos, utilizando métodos estatísticos. Juran defendia a qualidade como adequação ao uso (“o que o cliente quer”). Crosby fazia menção da qualidade como produto isento de defeitos (“zero defeito”). Ishikawa focava a qualidade na capacidade de atender as expetativas e necessidades dos clientes. Taguchi considerava qualidade como a mínima perda de produtos” (Avelino, 2005:7).

3.2 Qualidade No Ensino Superior Segundo um estudo do Banco Mundial sobre o ensino superior em Cabo Verde: “Até ao final do século 20, a qualidade dos insumos (por exemplo, pessoal, bibliotecas, equipamentos de laboratório e instalações físicas) no ensino superior era geralmente assumido como determinantes da qualidade dos seus resultados, ou seja, graduados e pesquisa. Nos últimos anos, no entanto, um novo paradigma tem argumentado que os insumos de qua96


lidade não garantem necessariamente resultados de qualidade. A única maneira segura de avaliar a qualidade do ensino é avaliar o resultado da educação medido pelo desempenho de aprendizagem dos alunos. Para esse efeito, segundo um estudo do Banco Mundial (2012:54) quatro avaliações internacionais de aprendizagem foram desenvolvidos e lançados, a fim de comparar os resultados académicos dos estudantes em todas as nações. Elas são (i) as Tendências Internacionais no Estudo de Matemática e Ciências (TIMSS), que avalia os alunos do 4º e 8º anos de 48 países desde 1995, (ii) o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), uma avaliação dos alunos de 15 anos de idade de 74 países, que começou em 1997, (iii) o Progresso no Estudo Internacional sobre Leitura (PIRLS), que avalia os alunos do 4º ano de 35 países, e (iv) o Programa da Avaliação Internacional das Competências dos Adultos (PIAAC) que, a partir de 2011, vai usar pesquisas nos países sobre a população adulta para medir as habilidades e competências que os indivíduos precisam possuir para uma maior participação na sociedade e para que as economias prosperem.”

Mas até 2013, nenhuma ferramenta estava disponível para avaliar o sucesso da aprendizagem no ensino superior. Felizmente, esta situação mudou como resultado da Avaliação da OCDE sobre os Resultados das Aprendizagens no Ensino Superior (AHELO), que estava a ser desenvolvido para avaliar o que os estudantes do ensino superior sabem e podem fazer após a formação. A AHELO incidirá sobre as competências genéricas comuns a todos os estudantes, tais como pensamento crítico, raciocínio analítico, resolução de 97


problemas, comunicação escrita, assim como sobre habilidades específicas. No final, alguns Autores propuseram o modelo de avaliação EQUIS (European Quality Improvement System), como sendo um sistema eficiente e com eficácia. Mo entanto, convém realçar que a Bastonária da Ordem dos Advogados de Cabo Verde ressaltou a deficiência de formação técnica e ética em “muitos dos actuais licenciandos em Direito”, apelando a uma fiscalização do Governo para garantir que as escolas formem profissionais capacitados. Sofia de Oliveira fez estas declarações78 enquanto discursava na cerimónia de abertura do ano Judicial 2018/19, ocorrida hoje no Palácio da Justiça, cidade da Praia. Disse ainda que esse seria o seu último discurso enquanto bastonária, sem entretanto avançar o motivo. A Sra Bastonária da Ordem dos Advogados de Cabo Verde disse que : “Em Cabo Verde temos cinco ou seis escolas que dão licenciatura em Direito, mas nem todas têm formado pessoas com a capacidade técnica e ética adequadas para o exercício das profissões que legitimamente almejam exercer”.

Sofia Oliveira afirmou ainda que tem constatado haver “notável deficiência de formação técnica e ética” e que “muitos dos actuais licenciandos em direito, desde logo, têm como a primeira deficiência a fraca capacidade de expressão oral e escrita”. 78  In, Inforpress, 2 de Novembro de 2018

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3.2.1 Certificação, avaliação e acreditação das Universidades Segundo Varela, Ph.D. da Universidade de Cabo Verde , “no contexto actual do ensino superior cabo-verdiano, torna-se imperiosa a institucionalização de um sistema credível de avaliação da qualidade de desempenho das instituições do ensino superior, conjugando as componentes de avaliação externa e interna e tendo por premissas essenciais: o imperativo de o ensino superior pátrio evoluir na senda das melhores referências internacionais de qualidade académica; a necessidade da devida consideração, nos processos avaliativos, do contexto e das especificidades nacionais em que as mesmas actuam para o cumprimento das respectivas missões”. Sabemos que a gestão da qualidade de ensino envolve atividades que determinam a política, o acompanhamento, a garantia e a melhoria da qualidade no âmbito do ensino. A administração da IES deve definir e documentar sua política da qualidade coerente com as outras políticas da Instituição, e tomar providências para que sua política seja entendida, implementada e analisada criticamente por todos os níveis da IES. Assim existem agora em Cabo Verde Padrões de Qualidade e Critérios de Avaliação dos Cursos de Graduação em Direito. Segundo os estudos existentes, em particular segundo o estudo “Qualidade do Ensino Superior em Cabo Verde: O caso da Universidade do Mindelo”, Pires Brites (2015/12:13), “de um modo geral, a acreditação é feita por instituições privadas, com a mesma finalidade que o CHEA. Entre outras 79

79  In, “Importância da avaliação das instituições e cursos do ensino superior em Cabo Verde”, 2013

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organizações especializadas de acreditação podemos destacar a AACSB e a EFMD para o ensino da gestão. O CHEA (2012:04 e 05) identifica 5 fases no processo de acreditação: § Fase de auto-avaliação: as instituições e programas preparam um sumário escrito sobre o seu desempenho baseando-se nos Standards das organizações. § Fase da avaliação por pares: o processo de acreditação é conduzido essencialmente por docentes, administrativos e membros públicos. § Fase de visita às instalações: a entidade certificadora normalmente envia um grupo para avaliar a instituição ou o programa. Os membros do grupo são voluntários. § Fase de ação (julgamento) por parte da organização de acreditação: a entidade certificadora tem uma comissão que toma as decisões sobre o estado de acreditação da instituição ou do programa. § Fase da avaliação externa contínua (ongoing): as instituições e os programas são avaliadas por ciclos entre 3 (três) e os 10 (dez) anos (espaços temporários curtos). Geralmente as avaliações incluem uma visita às instalações. É de referir que há vários organismos de acreditação que procederam a criação de seus próprios modelos para avaliar e certificar a qualidade nas instituições de ensino. Entre elas destaca-se a, AACSB e o EQUIS.” Segundo Pires Brites (2015), apesar de existirem vários modelos de qualidade, o seu estudo centrou-se no modelo EQUIS (European Quality Improvement System), visto que, este modelo é abrangente e avalia a instituição como um todo. A acreditação EQUIS é o sistema de acreditação institucional mais abrangente para escolas de negócios e de gestão. É reconhecido mundialmente por potenciais estudantes, professores, empregadores, clientes corporativos e a 100


mídia, sendo muitas vezes um pré-requisito para a entrada no ranking. A acreditação EQUIS garante um rigoroso controlo de qualidade, comparando sua escola com os padrões internacionais em termos de governança, programas, alunos, corpo docente, pesquisa, internacionalização, ética, responsabilidade e sustentabilidade, bem como o engajamento corporativo. O EQUIS cobre todas as atividades da sua escola, incluindo programas de graduação e não-graduação, geração de conhecimento e contribuição para a comunidade. O EQUIS ajuda você a buscar a excelência em um processo de melhoria contínua após cada visita de credenciamento ou recredenciamento. O EQUIS considera a grande diversidade de culturas nacionais e sistemas educacionais em todo o mundo. Reconhece que é essencial compreender as particularidades do contexto local em todos os processos de avaliação.

3.3 Implementação de Modelos de Qualidade no Ensino Superior De acordo com Sá et al., (2011:02), (...) “é urgente que as instituições de ensino superior encontrem formas eficazes e eficientes para responder aos requisitos da acreditação e implementação de sistemas internos de garantia da qualidade”. Qualquer instituição de ensino superior pode utilizar um dos vários modelos de qualidade que existem, onde aprendam a utilizar um modelo de análise organizacional, com foco na melhoria continua. Segundo Saraiva (2003:363), “no entanto, seja qual for o modelo utilizado, ele deverá estar adequadamente ligado 101


à missão da instituição, à cultura, às suas forças e fraquezas, às oportunidades e às ameaças manifestadas no meio envolvente, de modo a não serem cometidos erros na sua implementação. Para além desses erros, também poderão surgir diversos obstáculos mas os benefícios potenciais obtidos justificam largamente os esforços e o tempo empenhado”. Nos últimos tempos, têm surgido inúmeras abordagens no que diz respeito à implementação do EQUIS no ensino superior, onde se destacam as pesquisas de T.S. Proitz et al., (2004), com uma pesquisa intitulada “Accreditation, standards and diversity: an analysis of EQUIS accreditation reports, Assessment & Evaluation in Higher Education”; Abdul (2010), com uma investigação no contexto africano, mais precisamente numa universidade em Moçambique, intitulada “Análise da Qualidade da Universidade Politécnica”, onde esta autora conclui que, “a implementação de um sistema de avaliação da qualidade nas instituições de ensino superior conduzem posteriormente a um processo de melhoria da qualidade e consequentemente a um aumento de satisfação dos seus stakeholders” (Abdul, 2010:65); Diógenes et al., (2013), com o estudo intitulado, “a influência da EQUIS na qualidade do ensino: uma análise nas escolas europeias de gestão”. De acordo com estes autores, “a Certificação EQUIS orientada pelos seus 10 critérios impactam positivamente a qualidade do ensino desenvolvido nas escolas europeias de Gestão certificadas” (Diógenes et al., 2013:11).

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4. Avaliação da qualidade 4.1 Caracterização do Ensino Superior Cabo-Verdiano De acordo com o decreto-legislativo nº2/2010, o ensino superior Cabo-Verdiano compreende o ensino universitário e o ensino politécnico. Este mesmo decreto-legislativo enfatiza que, “o ensino universitário visa, através da promoção da investigação e da criação do saber, assegurar uma sólida preparação científica, técnica e cultural dos indivíduos, habilitando-os para o desenvolvimento das capacidades de concepção, análise crítica e inovação para o exercício de atividades profissionais, socioeconómicas e culturais” enquanto, “o ensino politécnico visa, através da promoção da investigação aplicada e de desenvolvimento, proporcionar aos indivíduos conhecimentos científicos de índole teórica e prática e uma sólida formação cultural e técnica de nível superior, desenvolvendo as suas capacidades de inovação e de análise crítica, de compreensão e solução de problemas concretos, com vista ao exercício de atividades profissionais”. Segundo o decreto-lei nº22/2012, “no ensino universitário são conferidos os Diplomas de Estudos Superiores Profissionalizantes (DESP) e os graus académicos de licenciatura, mestrado e doutoramento., enquanto no ensino politécnico são conferidos o DESP e o grau académico de licenciatura” (Decreto-Lei, 2012:956). Assim como referido acima, com o novo Governo de situação, com o Decreto-Lei nº 13/2018 procedeu-se a primeira alteração ao Decreto-Legislativo nº. 2/2010, de 7 de maio, que define as bases do sistema educativo.

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4.2 Caracterização das Universidades de Cabo Verde Segundo o Anuário 2015/2016, o Ensino Superior funcionou durante o ano letivo 2015/16 com 10 universidades e institutos superiores sendo 8 privados e 2 públicos. O número de salas de aulas era de 225, distribuído pelas instituições públicas (99) e privadas (126). Em média, a nível global, o número de alunos por salas é de 56. Entretanto, como as salas são utilizadas em três períodos, a média real por cada período é de aproximadamente de 19 alunos. A média de alunos por sala no ensino superior público (58) é um pouco acima do ensino superior privado (54). O rácio alunos/professor nas instituições públicas e privadas é igual ou seja 9. Importa realçar que o rácio de 9 alunos por professor não significa que cada professor tenha efetivamente 9 alunos sob a sua responsabilidade uma vez que um aluno pode ter 6 ou mais professores. Alem disso, existem professores com vínculos diferentes. Os dados referentes ao ano letivo 2015/16 apontam para um aumento das ofertas formativas nos níveis de licenciatura e mestrado, diminuição nos CESPs e complemento de licenciatura e estabilização no nível de doutoramento. No ano letivo 2015/16 a maioria das ofertas era do nível de licenciatura (78), seguido dos mestrados (30), CESPs (18), complementos de licenciatura (8), bacharelato (5) e doutoramento com apenas 1 curso. Recorde-se que a nova Lei de Bases do Sistema Educativo aprovada em 2010 optou por descontinuar o bacharelato sendo que os cursos atualmente existentes são residuais. Em termos de área de formação verifica-se o seguinte: Do universo dos cursos ministrados ao nível da licenciatura, 43,6% são da área das Ciências exatas, engenharias 104


e tecnologias e das Ciências da vida, ambiente e saúde. As áreas das Ciências Económicas, Jurídicas e Políticas e as das Ciências Sociais, Humanas Letras e Línguas respondem por 56,4% do universo das ofertas. A nível de mestrado, mais de dois terços das ofertas (70,0%) recai sobre as Ciências Económicas, Jurídicas e Políticas e as Ciências Sociais, Humanas, Letras e Línguas, registando um ligeiro aumento do seu peso no universo dos cursos face a 2014/15. As áreas das Ciências Exatas, Engenharias e Tecnologias as das Ciências da vida, ambiente e saúde representam não mais do que 30% do total dos cursos. No que concerne ao CESP, verifica-se a diminuição do peso das áreas das Ciências exatas, engenharias e tecnologias (2,24%) e Ciências económicas, jurídicas e políticas (2,8%).

4.3 Análise das Universidades de Cabo Verde O Anuário Estatístico do ensino superior em Cabo Verde congrega informações sobre alunos, professores e funcionários dos estabelecimentos do ensino superior nacionais, público e privado, bem como dados acerca de bolsas de estudos e das finanças do sector. Deve-se dizer que as informações daqui constantes são resultado de inquéritos dirigidos a todos os Institutos/Universidades em Cabo Verde assim como das coletas elaboradas na Direção Geral do Ensino Superior (DGES). A recolha, o tratamento e a validação dos dados são feitos tanto ao nível central como ao das Universidades/Institutos, que forneceram todas as informações solicitadas. Os dados reunidos no Anuário Estatístico do Ensino Superior podem ser consultados na versão eletrónica disponível nos 105


sites do Ministério da Educação (www.minedu.gov.cv ) e da Direção Geral do Ensino Superior (www.dges.gov.cv ). A unidade estatística adotada foi Universidade / Instituto Superior e o processamento utilizou todos os níveis de agregação, ou seja, desde a referida unidade até ao nível mais alto de agregação, que é o País. Assim sendo, segundo o Anuário Estatístico do ensino superior 2015/2016, a análise dos diplomados no fim do curso permite-nos avaliar de certa forma o nível da eficiência do sistema de ensino. Em relação as áreas científicas, a área das Ciências Sociais, Humanas, Letras e Línguas foi aquela que teve maior proporção de diplomados (39,4%), seguida das Ciências Económicas, Jurídicas e Políticas (30,9%), das Ciências da Vida, Ambiente e Saúde (15,2%) e das Ciências exatas, Engenharias e Tecnologias (14,5%). Em termos gerais pode-se concluir que a nível do acesso e participação no ensino superior registou-se um crescimento de estudantes entre 2011/12 e 2013/14 e uma diminuição em 2015/16. Nota-se também no período 2012/13 e 2015/16 uma certa estabilização da taxa bruta de escolarização, situando-se entre 23% e 24%. Este indicador mostra o peso dos matriculados sobre a população na faixa etária 18 – 24 anos. No ano letivo 2015/16 a área das ciências económicas, jurídicas e políticas e a das ciências sociais, humanas, letras e línguas representaram 64,56% do universo dos estudantes, enquanto as ciências exatas, engenharias e tecnologias e as ciências da vida, ambiente e saúde representaram 35,44%. No que diz respeito ao nível de formação do corpo docente, nota-se que mais de metade (62,2%) dos professores 106


que lecionaram nas instituições do ensino superior no ano letivo 2015/16 são mestres ou doutores. Em 2015, 1383 estudantes diplomaram-se nas instituições do ensino superior CaboVerdianas sendo 1268 no nível de licenciatura, 18 no mestrado, 18 em complemento de licenciatura e 76 nos CESPs. O número de diplomados diminuiu em 22,5% face a 2014.

5. Discussão do caso Força é de realçar que as Faculdades de Direito existem para formar juristas e a sua formação não se faz sem tempo; por isso, não cumprirão a sua função se abdicarem da excelência dos seus docentes e da qualidade do seu ensino. O jurista não pode ser um simples tecnico-servidor de qualquer poder legislativo: e muito mais porque lhe cabe a nobre função de servir a justiça sem a qual a sociedade será impossível80 . Uma das principais prioridades do Orçamento do Estado – OE 2019, alinhadas com o Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável (PEDS), é investir na juventude para que estejam melhor preparados para o futuro, através de uma educação de excelência e da promoção de valores.

5.1 2 Discussão do Caso a) Qualidade de ensino e aprendizagem Segundo o estudo do Banco Mundial, “a consciência da necessidade de promover a qualidade do ensino e apren80  in "Reflectir Bolonha: Reformar o Ensino Superior”, A Declaração de Bolonha e a Reforma do Ensino do Direito, III Seminário realizado no auditório da Universidade do Porto, em 27 de Maio de 2003 A. Santos Justo.

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dizagem através da formação do pessoal docente, concentrando-se no desenvolvimento de competências académicas dos professores, está a crescer em Cabo Verde. Em parte, essa consciência tem sido fomentada pela percepção de que o grande número de pessoal docente com licenciatura não tem uma verdadeira preparação para o ensino. Em resposta, a Uni-CV começou a oferecer cursos de curta duração em planeamento de aulas e pedagogia para os seus professores com qualificações mais baixas. Além disso, diversas parcerias internacionais com instituições estrangeiras do ensino superior também incluem atividades de desenvolvimento de tais quadros. Ainda assim, muito mais poderia ser feito nesta área crítica.” A solução proposta na altura foi : “Uma possibilidade seria o MESCI organizar um calendário de cursos de formação regular para a globalidade do sistema, que seriam abertos a todos os docentes, tanto das instituições públicas como privadas. De facto, É do interesse nacional a produção de diplomados de boa qualidade, não importando onde eles sejam formados, e a divisão público/privado no ensino superior não deve ser um impedimento para isso - especialmente porque muitos docentes ensinam simultaneamente em instituições públicas e privadas. A segunda circunstância que interfere com a qualidade do ensino e aprendizagem é o facto de que todas as instituições do ensino superior têm uma grande percentagem de estudantes que trabalham, que se estima ser da ordem de 70 a 80 por cento do total. Isso restringe a sua capacidade de absorver os conhecimentos transmitidos, e fazer os trabalhos solicitados pelos docentes. Como resultado, estes estudantes supostamente não dominam as matérias e, por 108


causa do seu grande número, os seus pontos fracos tornam-se a norma nas salas de aula. No nível de pós-graduação, praticamente todos os alunos do mestrado têm um emprego em tempo integral. Isto levanta interrogações sobre a sua capacidade para adquirir os conhecimentos em profundidade e compreensão que é a marca da pós-graduação. Na medida em que os líderes académicos acreditam que o emprego em tempo integral dos estudantes pode vir a corroer a qualidade dos resultados de aprendizagem, eles podem querer considerar a utilização de uma forma de teste baseada na competência em que determinados padrões de domínio das matérias do curso devem ser atingidos antes que o aluno possa receber o crédito para o curso - e, finalmente, obtenha uma pós-graduação. b) Admissão competitiva O uso de um exame de admissão para admitir estudantes numa universidade em regime de concorrência também oferece alguma protecção para a qualidade, pois garante que os alunos com baixo desempenho não entrem na universidade para desviar o tempo de ensino e recursos institucionais desproporcionalmente para satisfazer as suas maiores necessidades de assistência académica. Além disso, ter uma sala de aula com alunos preparados adequadamente permite que o instrutor possa conduzir a aula a um ritmo mais rápido, cobrindo assim mais material do que seria possível com os alunos inadequadamente preparados. Em Cabo Verde, a Uni-CV instituiu um exame de admissão competitiva desde a sua abertura em 2006. Até 2012, a taxa de sucesso dos candidatos variou entre 34 por cento e 49 por cento, demonstrando que há muito mais do que um nível simbólico da concorrência. 109


c) Avaliação dos alunos e resultados de aprendizagem. Um benefício do exame de admissão da Uni-CV é que ele oferece um meio de avaliar os pontos fortes e fracos dos estudantes provenientes do ensino secundário. Por exemplo, os resultados recentes demonstram boas notas em biologia e geografia, mas notas fracas em português, inglês, matemática e física. Uma vez no ensino superior, as avaliações dos alunos tendem a avaliar as capacidades de memorizar informações com base em respostas curtas a perguntas específicas. Embora alguns professores manifestem a necessidade de adoptar exames que coloquem maior ênfase no pensamento analítico e na capacidade de resolver problemas, isso ainda não é prática corrente. Depois que os programas AHELO e / ou EQUIS acima mencionado se tornarem operacionais, foi proposto na altura que o MESC poderia considerar um pedido de adesão de Cabo Verde à OCDE, ou pelo menos de aconselhamento sobre a melhor forma de avaliar a aprendizagem dos alunos. d) A questão de desemprego A compreensão do problema do desemprego em Cabo Verde em geral, e do desemprego dos licenciados em particular, exigirá um melhor conhecimento de ambas a realidade e das condições do mercado de trabalho em termos de absorção e de integração de jovens diplomados, bem como medidas políticas que favoreçam a inclusão dos diplomados, especialmente os do sexo feminino. Um estudo do Banco Mundial sugeri logo em 2012/13 que o desemprego era devido em menor grau a distorções da oferta, e talvez mais aos ajustes do lado da procura de uma economia em transição, que inevitavelmente gera um grau de “agitação” no mercado de trabalho. Mas se o pro110


blema, em última análise, reside na incompatibilidade de competências entre as previstas pelo sistema de ensino e as exigidas pelo mercado de trabalho, ou na quantidade de trabalhadores qualificados disponíveis para os sectores de crescimento mais dinâmico, é claro que mais atenção deve ser dada a todos os aspectos do desenvolvimento de competências no sistema educativo - e não apenas ao seu segmento técnico-profissional. e) A empregabilidade Exemplo de caso: A Universidade Jean Piaget 81 A Universidade Jean Piaget elaborou em 2011 um estudo sobre o “Nível de Empregabilidade dos Diplomados da UniPiaget de Cabo Verde Provenientes do Interior de Santiago”. Foi aplicado um inquérito por questionário a uma amostra aleatória simples a 64 diplomados da UniPiaget do interior de Santiago, representando uma taxa de amostragem de 58%. Os dados foram tratados e analisados através do programa Statístical Package for the Social Science (SPSS), versão 15.0. A empregabilidade é um tema muito relevante, no entanto, bastante complexo. A procura pela empregabilidade exige profissionais capacitados e de preferência com o domínio de muitas áreas. Os resultados obtidos revelam que 93,8% dos diplomados do interior de Santiago afirmarem ter um emprego. O Ministério da Educação é o maior empregador dos referidos diplomados. Os Licenciados são geralmente nas áreas de Economia, Gestão, Psicologia, Sociologia, Engenharia e Direito. O Curso de Direito da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde tem em vista formar profissionais competentes 81  Site web : http://led.cv.unipiaget.org/unipiaget/frontend/web/index.php?r=site/formacao_detalhes&id=24

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em Direito, bem como possibilitar a formação complementar aprofundada e a investigação de carácter inter e transdisciplinar no domínio das ciências jurídicas. A Universidade Jean Piaget de Cabo Verde já vem leccionando várias disciplinas jurídicas integradas em diversos cursos. O curso procura formar profissionais capazes de responder adequadamente aos novos desafios no domínio das ciências jurídicas, impostos quer pela globalização, que marca o Mundo, quer pelas exigências e perspectivas de desenvolvimento de Cabo Verde, no quadro de um Estado de Direito democrático que procura consolidar-se e em que um ambiente legal e institucional, e uma cultura jurídica favoráveis constituem factor relevante de sucesso. f) Saídas Profissionais A licenciatura em Direito procura formar cidadãos e profissionais competentes, dotados de conhecimentos técnicos no domínio do Direito, e familiarizados com conceitos teóricos e com prática nas áreas jurídicas. Terão competência para pesquisa, análise e investigação em Ciências Jurídicas. Estarão preparados para diversas áreas profissionais.

6. Conclusão Força é de reconhecer que existem poucos estudos sobre a temática da qualidade do ensino do direito e das instituições de ensino superior, que no entanto têm vindo a ganhar força e relevância nos diversos debates protagonizados pelos agentes educativos, pelas entidades governamentais e pela sociedade, em geral. 112


A metodologia usada base numa pesquisa de cunho teórico-descritivo-bibliográfico sobre o tema. Apesar de existirem vários modelos de qualidade, um dos estudos existentes centrou-se mais no modelo EQUIS (European Quality Improvement System), visto que, “este modelo é abrangente e avalia a instituição como um todo”. As Faculdades de Direito existem para formar juristas e a sua formação não se faz sem tempo; por isso, não cumprirão a sua função se abdicarem da excelência dos seus docentes e da qualidade do seu ensino. O jurista não pode ser um simples tecnico-servidor de qualquer poder legislativo: e muito mais porque lhe cabe a nobre função de servir a justiça sem a qual a sociedade será impossível. Uma das principais prioridades do Orçamento do Estado – OE 2019, alinhadas com o Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável (PEDS), é investir na juventude para que estejam melhor preparados para o futuro, através de uma educação de excelência e da promoção de valores.

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O CONTRIBUTO DA FACULDADE DE DIREITO DE BISSAU NA FORMAÇÃO JURÍDICA E NA CONSTRUÇÃO DO ESTADO DE DIREITO Alcides Gomes 82 RESUMO O curso de direito é reconhecido desde 1979 como fundamental para a estruturação do estado guineense e, para o efeito, criou-se em 1990, a Faculdade de Direito de Bissau cuja missão se traduzia no apoio à formação, na interpretação e aplicação de leis e à alteração legislativa. A Faculdade de Direito de Bissau conseguiu nestes 28 anos da sua criação criar um curso que serve os interesses do país, no que tem a ver com a qualidade da formação e de investigação que leva a cabo. A qualidade firmada na realização das atividades permitiu com que se criasse uma classe jurídica de competência reconhecida, mas, e sobretudo, com consciência do interesse público e da defesa dos valores da democracia, da liberdade e do estado de direito. Este é o caminho percorrido, com algumas trilhas, mas que está a permitir alcançar os objetivos. Palavras-chave: Estado de direito; Formação; Faculdade; Cooperação; Instituição

82  Licenciado pela Faculdade de Direito de Bissau, Mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Docente e Diretor da Faculdade de Direito de Bissau; Advogado e Consultor da Sociedade Quid Juris.

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ABSTRACT The course of law has been recognizedsince 1979 as fundamental forthe structuring of the Guinean State. To this end, the Bissau Law School was created in 1990, whose mission was to supporttraining, interpretation and application of laws and regulations, legislative amendment. The Law School of Bissau has could create a course that serves the interests of the country in the 28 years since its inception. It must do with the quality of the training and research that it carries out. The quality established in the realization of the activities allowed the creation of a class with recognized legal competence, but above all, with awareness of the public interest and the defence of the values of democracy, freedom and the rule of law.This is the path travelled, with some trails, but that is achieving the goals. Keywords: Rule of law; formation; Faculty; Cooperation; Institution

1. Introdução O presente trabalho tem como finalidade dar a conhecer aquilo que é a realidade do ensino de Direito na Faculdade de Direito de Bissau (FDB) e como, através dela, tem sido possível obter resultados na formação de quadros nacionais e o apoio na construção de um Estado de Direito.

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2. Criação da Faculdade de Direito de Bissau A FDB foi criada em 1990, através do Decreto N.º 34/90, de 26 de novembro 83 e veio substituir a Escola de Direito, também ela criada por um Decreto - N.º 22/79, de 27 de setembro 84 . A Escola de Direito e a Faculdade de Direito de Bissau, tiveram ambas, como base ou fundamento das respetivas criações o apoio à edificação do Estado guineense, embora as respetivas causas se fundarem em motivações ou realidades diversas. Aliás, no momento da criação da Escola de Direito, vivia-se num Estado que assentava nos princípios de uma legalidade revolucionária, um pouco à moda do que saiu da Revolução de Outubro de 1917 na Rússia, apesar de não exatamente igual, e, por isso, a Escola serviria como instrumento para se apoiar a estrutura do Estado 85. Nos finais da década oitenta, abria-se a porta para o multipartidarismo na Guiné-Bissau e, nesta senda, à democracia, ao Estado de direito, a um país assente em respeito 83  Publicado no Suplemento ao Boletim Oficial N.º 48, de 26 de novembro. Deve-se, em abono da verdade, esclarecer que ao abrigo de Acordo de Cooperação Jurídica assinado em 1988 entre Portugal e Guiné-Bissau, a FDB foi criada em 1989, tendo começado as suas atividades letivas em janeiro de 1990, sendo, portanto, o diploma uma confirmação de jure de uma situação factual já existente. 84  Publicado no Boletim Oficial N.º 38 da mesma data. A Escola de Direito ministrava o curso intermédio em direito e não a licenciatura e foi criada com base num sistema de apoio docente diversificado de vários países (Faculdades de Direito de Lisboa e de Coimbra em Portugal e instituições universitárias do Brasil, República Democrática Alemã e URSS), sem, no entanto, haver qualquer apoio de cooperação coordenado, facto que levou à suspensão do respetivo curso em 1986, somado obviamente a vários fatores de ordem interna. 85  Estabelecem os artigos 1º e 2º dos Estatutos da Escola de Direito, respetivamente: Art. 1º - “O Direito na República da Guiné-Bissau é um instrumento de realização dos legítimos interesses das massas populares e assegura a materialização dos objectivos da Constituição”. Art. 2º - “O Técnico de Direito desempenhará uma função pública e social de primordial importância, devendo conhecer e dar expressão às aspirações e interesses vitais do seu povo e colaborar activa e eficazmente na construção e defesa das estruturas fundamentais do Estado e dos princípios da legalidade revolucionária”. (itálico nosso)

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pela legalidade e pela justiça, o que só podia acontecer a partir de formação de juristas qualificados que permitissem a longo prazo este desiderato, isto sem escudar que se precisava de uma entidade com competências técnicas elevadas que prestassem apoio jurídico aos órgãos de soberania 86 . Em 1979, com um Estado acabado de criar e que se centrava num sistema de Partido Único e sem muitas liberdades políticas e/ou económicas (para não dizer nenhuma), uma Escola de Direito local era uma ideia emsi nobre, porquanto permitiria uma formação de pessoas com acento na realidade jurídica interna, ainda que apenas para técnicos intermédios, aliás, o país, à data da independência em 1973, não dispunha praticamente de quadros no domínio jurídico que permitissem a aplicação da lei87-88 . Já em 1990, estava-se a viver o período da abertura política, em que se transformaria uma política centrada no partido único (seria ditatorial?) num multipartidarismo em que se impunha outros valores e outras liberdades, sentiu-se a necessidade de o projeto de criação de uma Faculdade que teria como finalidade apoiar a construção desta democracia e ajudar a Administração Pública a ter pessoal com competências técnicas que permitam o respeito pelas leis e pelos direitos subjetivos bem como pelos interesses legalmente protegidos dos cidadãos. 86  Para a explicação da motivação da criação da FDB, consultar Subsídios para a História do Centro de Estudos e Apoio às Reformas Legislativas, edição da Faculdade de Direito de Bissau, 2007, pág. 5 e ss. 87  No preâmbulo do Decreto criador da Escola de Direito é deixada de forma clara e inequívoca a ideia de que “a falta de quadros tem vindo a revelar-se uma constante em todas as iniciativas do nosso Governo nesta fase de Reconstrução Nacional”. 88  A Guiné-Bissau declarou unilateralmente a sua independência de Portugal a 24 de setembro de 1973 (publicada no Boletim Oficial N.º 1, de 4 de janeiro de 1975), embora o acordo com Portugal se tenha dado apenas praticamente um ano depois, a 10 de setembro de 1974, em Argel, reconhecendo esta independência.

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Aliás, esta é a motivação porque a FDB tem uma formação em Direito com menção em Administração Pública 89. Nesta abordagem síntese, pode-se constatar desde logo que no momento da criação da FDB já se pensava na edificação do Estado de Direito, visando o respeito do Estado guineense pelos direitos e liberdades dos cidadãos, na formação de pessoas que possam garantir a boa interpretação e aplicação das leis. A FDB é, naturalmente, uma sequência lógica (e cronológica) da Escola do Direito, embora não tenha havido uma transformação, talvez justificada pelo facto de a Escola de Direito ter tido alguns problemas que levaram a que cessasse as suas atividades letivas no ano de 1986, o que corresponde a um período de interregno de 4 anos em relação à data da criação da FDB. Refere-se esta ideia de continuidade na medida em que na altura da criação da Escola de Direito já se ter deixado no preâmbulo do Decreto N.º 22/79, de 27 de setembro 90 , a ideia de que “Justifica-se, assim, a criação de uma Escola para a formação de técnicos de Direito de grau intermédio e, mais tarde, com a evolução da Escola, técnicos de grau superior”. Os objetivos da criação da Escola de Direito e da sua sucessora Faculdade de Direito de Bissau prendem-se, sem dúvida, e em primeiro lugar, com a carência de quadros para o exercício das profissões tradicionalmente tidas como jurí89  Embora projetada esta vertente desde o início da FDB, apenas no ano de 2005 se conseguiu materializar esta ideia, através da alteração do seu Decreto criador pelo Decreto N.º 4-A/2005, de 18 de julho (Publicado no Boletim Oficial N.º 29, da mesma data). A formação em Menção da Administração Pública inicia-se a partir do 3º ano de curso (o curso na FDB tem atualmente a duração de 6 anos – incluindo um ano propedêutico (Ano 0), incluído por circunstâncias diversas que ocorreram entre os anos de 2003 a 2005 – ano da sua instituição). 90  Publicado no Boletim Oficial N.º 38, da mesma data.

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dicas: Magistratura, Advocacia, Notariado, Conservatória e na própria Administração Pública. A vantagem da FDB tem a ver com o facto de existir uma cooperação centrada numa única instituição universitária (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa), mas continua o erro da Escola de Direito que reside no facto de não se ter pensado nas consequências e nos custos do ensino do Direito, sobretudo na dimensão do próprio crescimento da FDB.

3. Docência, formação e investigação viradas ao contexto do Estado de Direito Aquando da sua criação em 1990, a FDB dispunha de um número insignificante de docentes nacionais. Os que se encontravam no corpo docente ocupavam, na sua grande maioria, a função de assistente e na maioria dos casos, as disciplinas mais importantes ficavam sob responsabilidade dos docentes portugueses. No início, os docentes (quer portugueses como guineenses) tinham apenas grau de licenciatura em Direito e, em alguns casos, de Mestre. Hoje o cenário é totalmente diferente, sendo que apenas leciona um docente português, que ocupa o cargo de Assessor Científico (e consequentemente, do Presidente do Conselho Científico e do Presidente do Centro de Estudos e de Apoio às Reformas Legislativas 91) e com grau de Doutor, e uma leitora de português, sendo o resto do corpo docente composto por nacionais, num total de 50, sendo que dentre 91  Cujas funções são de realizar estudos e projetos de investigação, apoiar a elaboração de projetos legislativos quer para as entidades públicas como para as privadas.

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estes quatro (4) são Doutores, trinta e três (33) Mestres e treze (13) Licenciados 92 . O sucesso que se reivindica no âmbito da atividade docente é igualmente reclamado no domínio das profissões jurídicas. Quando se faz esta afirmação é porque se sabe que a FDB tem sido o “fornecedor principal” de pessoal com formação jurídica às diversas instituições do país, quer sejam elas públicas como privadas, acabando por ter um domínio quase absoluto nos concursos públicos abertos nos últimos anos. Por esta razão, está a constituir a maioria dos quadros nas Magistraturas, inclusive a Administração Pública (pensando nos quadros com formação jurídica). É obrigatório referir ainda que hoje os órgãos auxiliares da investigação criminal como a Polícia Judiciária e os organismos internacionais no país estão “recheados” de pessoas com formação superior de base desta nossa Faculdade. Ao se falar desses números tão expressivos, a única conclusão a que se pode chegar diz respeito ao facto de a Faculdade de Direito de Bissau estar a fazer o seu trabalho de formação com uma competência inegável, de ter tido uma ideia clara do que quer, que tipo de profissionais pretende formar e que caminhos pretende seguir para conseguir os seus objetivos. O curso, considerado longo para a realidade atual da generalidade dos países, continua a ser defendido, tendo em conta as particularidades do ensino básico ministrado no país, e assenta essencialmente numa formação genérica que visa apetrechar o aluno de conhecimentos mínimos em to92  Salienta-se muito o sucesso da FDB neste prisma, por atingir o objetivo de apropriação da atividade docente pelos nacionais, o que já vem acontecendo há alguns anos, embora ainda a coordenação científica e pedagógica continue a pertencer à Faculdade de Direito de Universidade Clássica de Lisboa.

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das as vertentes do Direito, pelo menos as que se consideram como principais, impondo sempre uma carga horária que permita também que as matérias sejam lecionadas com algum pormenor, permitindo-lhe conhecer o “funcionamento do conjunto do Direito”, que tenha consciência que se está perante um sistema e que como tal deve ser visto e encarado. Mais do que isso, o ensino tem sido assentado na premissa de o Direito ser uma realidade humana e social, razão pela qual nunca o jurista pode “afastar-se” da sociedade e que só se consegue realizar a justiça se “estivermos” na sociedade 93. Podemos, em resumo, dizer que a Faculdade tem consciência sobre o papel que quer que as pessoas ali formadas desempenhem na sociedade e tem percebido o quanto a organização do curso possa ser importante neste aspeto 94 . Na prossecução das suas tarefas, a Faculdade ao longo da sua existência, descontados os anos do conflito político-militar que assolou a Guiné-Bissau, concretamente entre 1998 e 2000, anos em que permaneceu encerrada, a FDB 93  Vou permitir-me o furto de umas belas palavras retiradas de uma publicação da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, do Brasil, através da sua Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul, que, creio, espelha, o que deve estar na meta de qualquer formação jurídica. Eis as palavras “Afinal, o juiz interpreta a letra fria da lei, dando-lhe vida. E, ao fazê-lo, recorre à sua experiência de vida, à sua percepção da cultura humana, do viver, do sofrer, do morrer… Como ser ele um mero técnico encastelado numa inexpugnável torre de marfim, como se tiversse recebido o toque divino? Como se nascesse tudo sabendo? Quem tudo sabe, quem não precisa aprender a vida toda, o tempo todo, simplesmente deixou de viver. Quem não acompanha as mudanças da cultura, converte-se num fóssil, cujo destino acaba sendo o esquecimento, ou, na melhor das hipóteses, a vitrine de um museu. Não! O juiz precisa a cada minuto de sua existência intuir, interpretar a alma humana. Vive a cada instante o drama de estar ou não construindo a melhor solução, pois pela consciência do juiz passam as consciências de todos nós.”, AxtGunter, Uma idéia se forma, germina um conceito, in Um ideal de humanismo na justiça: a Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul, 2009, pág. 12 e 13. 94  Em relação ao papel do jurista, cfr. Gouveia, Jorge Bacelar, A formação e o papel do jurista numa Globalização sustentável: o contributo do Direito Constitucional, Revista de Direito de Língua Portuguesa, número 2, julho/dezembro 2013, pág. 121 e ss.

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tem prestado apoio a várias instituições, através de parecer, formação para quadros técnicos e outros 95. Não se pode deixar de destacar o relevante papel que a FDB tem vindo a prestar no domínio do estudo do direito costumeiro/consuetudinário guineense 96 . A relevância faz-se sentir se tomarmos em conta que a realidade cultural guineense é diferente daquela em assentou a elaboração de muitas leis que hoje regem as pessoas neste país, nomeadamente, o Código Civil, cuja linha ideológica e cultural provem de Portugal, sobretudo no domínio do Direito da Família e das Sucessões que precisam de uma revisão que contemple também a realidade comum às etnias que compõem o mosaico étnico guineense. Com base neste ideal, num trabalho feito a pedido do PNUD e da União Europeia, a FDB dirigiu, com o apoio do INEP97, um estudo sobre o direito consuetudinário de algumas etnias guineenses 98 que veio a ser publicado em 2012 com o título “Direito Costumeiro vigente na República da Guiné-Bissau”, incidindo-se nas etnias Balanta, Fula, Mancanha, Manjaca, Mandinga e Pepel. De destacar ainda que a FDB tem sido chamada para emissão de pareceres sobre assuntos importantes do país e, sobretudo, no domínio da elaboração de legislações, como é 95  Em relação aos dados sobre algum trabalho feito até ao período de 2006/2007, cfr. Subsídios, cit., pág. 5 e ss. 96  Para o efeito, a FDB tem uma disciplina de Introdução ao Estudo de Direito e ao Direito Consuetudinário, sendo que, já houve tempo (ano letivo 1997/1998 e 2000/2001) em que se criou uma disciplina de Direito Consuetudinário, com o objetivo de permitir conhecer a realidade jurídica costumeira do país. 97  Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, uma instituição de investigação científica que, hoje, com a FDB e outras Faculdades, formam a Universidade Amílcar Cabral. 98  A coordenação Geral do Trabalho ficou a cargo do Professor Doutor Fernando Loureiro Bastos, então Assessor Científico da Faculdade de Direito de Bissau, entre os anos 2007 e 2011.

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o caso do recente Código de Procedimento Administrativo adotado no país. A vantagem da formação jurídica da FDB assenta desde logo no facto de ter sido pensado na perspetiva de ter em conta a realidade social guineense e, por conseguinte, ter sempre atenção e uma visão crítica quanto à mesma, procedendo ao seu estudo pormenorizado 99, sem se olvidar ao que se já referiu atrás quanto à formação de pessoas com vista a se tornarem em juristas humanistas. Não obstante todo o sucesso alcançado, a Faculdade de Direito de Bissau tem consciência de que o seu papel está longe de terminar e que cada dia torna mais exigente e mais complexo. A estas dificuldades acresce outras ligadas ao facto de existir ainda uma dependência ao Governo para assuntos como a alteração do conteúdo curricular, a abertura de mais cursos.

99  A importância do conhecimento das diversas realidades étnicas do país constitui fator de importância primordial, na medida em que num país com realidades culturais multifacetadas – pluralismo interno – existe necessariamente um risco de desagregação e de conflitos ocasionados por esta diversidade cultural (e linguística) pelo que, o mecanismo ideal para minimizar esta conflitualidade latente é o conhecimento das realidades e o realçar de pontos de convergência que permitem essencialmente salientar os aspetos comuns e permitir com que a diferença não se sobreponha, evitando-se marginalização de uns e privilégio de outros, isto porque cada cidadão deve se sentir nas leis do país, tem que estar identificado nessas leis – tem que ouvir o seu tambor, o seu cantar, sentir a sua dança e perceber a sua língua, ainda que por intermédio de outra língua, ou, como diz Adriano Moreira, "…a língua não é nossa, mas também nossa…", O Direito Português da Língua, in I Congresso do Direito de Língua Portuguesa (Coord. Jorge Bacelar Gouveia), Coimbra, Almedina, 2010, pág. 15. Cfr. ainda, a propósito da necessidade de ter em conta a realidade social no estudo e na criação de leis, o estudo de KafftKosta, Emílio, O poder autóctene na arquitectura do estado – bicameralismo?,

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4. Conclusão Como conclusão, permitimo-nos neste momento enaltecer a ideia de a realização desta tarefa ser de louvar e de agradecimentos ao convite formulado para escrever este artigo. A maior herança que a FDB deixa para aqueles que ali estudam e trabalham é a capacidade de resistir às dificuldades, de criação de consciência de se lutar pela modificação de situações negativas existentes, da valorização do mérito e da dignidade. Para aquele que conhece o contexto em que labora esta instituição (docentes, funcionários e estudantes), saberá o quanto a luta pelos valores tem sido travada nos últimos anos e que uma parte importante são pessoas que tiveram uma ligação a esta instituição e do seu aprendizado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Consultar Subsídios para a História do Centro de Estudos e Apoio às Reformas Legislativas, edição da Faculdade de Direito de Bissau, 2007, pág. 5 O Direito Português da Língua, in I Congresso do Direito de Língua Portuguesa (Coord. Jorge Bacelar Gouveia), Coimbra, Almedina, 2010, pág. 15. Boletim da Faculdade de Direito de Bissau, N.º 8, 2007, pág. 63 e ss., em particular, quando salienta: “Se a entidade representativa da pan-nacionalidade é um referencial, ele não é o referencial na Guiné de hoje. Sê-lo-ão também, por conseguinte, outras entidades de recorte cultural e geográfico mais limitado. Uns mais vigorosamente do que outros, 127


mas, em todo o caso, realidades porfiadamente viventes, infra-estruturantes e superestruturantes do modo-de-ser guineense. O resto é fantasia, que não deve ser o método da ciência jurídica, uma ciência da normatividade posta e vivida. Fala-se muito e todos falam da riqueza da diversidade (cultural, étnica, etc.), mas poucos da extensão até às últimas consequências dessa tese.” (sublinhado nosso), pág. 74.

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O ENSINO JURÍDICO: DA PRETENSA ORIGINALIDADE DO ENSINO DO DIREITO BANCÁRIO NA GUINÉ BISSAU Januário Pedro Correia100 RESUMO O presente artigo tem a virtualidade de trazer uma brevíssima abordagem panorâmica sobre a história do ensino do direito na Guiné-Bissau, os desafios que enfrenta nos tempos que correm, maxime de integração regional e comunitária, e proposta de metodologia, de uniformização do plano curricular das universidades no domínio do ensino jurídico (em especial do Direito Bancário), execução do quadro jurídico virado à valorização e requalificação dos estatutos e da carreira docente na Guiné-Bissau. Palavras-chave: Direito bancário, ensino do direito e educação jurídica ABSTRACT This article has the potential to bring a very brief overview of the history of law education in Guinea-Bissau, the challenges it faces in these days, the maximum of regional and community integration, and the proposal of methodology, of standardization of the curricular plan of universities in the field of legal education (in particular Banking Law), 100  Doutor em Direito, Licenciado pela Faculdade de Direito de Bissau, Mestrado e Doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Advogado e Consultor da Sociedade Quid Juris, Vice - Bastonário da Ordem dos Advogados da Guiné-Bissau, Director Jurídico e Secretário-Geral do Banco BAO

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implementation of the legal framework aimed at enhancing and re-qualifying the statutes and the teaching career in Guiné-Bissau. Keywords: Banking law, teaching law end legal education

1. Introdução É com júbilo e incomensurável satisfação que recebemos e aceitamos o convite para participar neste projeto de juristas/advogados de países da CPLP intitulado “ENSINO DO DIREITO EM PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA”, traduzido na aproximação dos ilustres confrades e admiráveis profissionais forenses através de experiências que visem aprimorar os nossos conhecimentos em matéria do ensino da mais antiga e respeitável ciência – o Direito, e aprender com os demais o que se passa nos outros países, naturalmente, sem olvidar da nossa realidade jurídica concreta. Dr. Tarcizo Nascimento, ilustre colega Advogado e colaborador da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, quem tive a oportunidade de conhecer pessoalmente em Brasília numa missão da Ordem dos Advogados da Guiné-Bissau, a sua ideia transformada neste projeto real é, por simplesmente, genial e de excelência, merece, por isso, a nossa admiração e agradecimento por esta iniciativa de aproximar os juristas falantes da língua portuguesa.

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2. Painel sinóptico: sobre ideia geral do ensino jurídico O tema objeto do presente projecto tem por finalidade lançar base do ensino jurídico em geral e em particular do ensino do Direito Bancário na Guiné-Bissau, consubstanciado numa estruturação jurídica assente na complexidade dos valores sociais, culturais e jurídicas, que se assumem multidimensional, originário e eclético. A partir dessas premissas, suas análises e críticas, pretende-se proporcionar diretivas que assegurem a qualificação e valorização da atividade docente e do aprendizado, desejando como contribuição final a melhoria da qualidade do ensino jurídico em geral, e em particular do Direito Bancário em todo território nacional. Enfim, o tema busca inserir na realidade atual da educação jurídica com suas peculiaridades e problemáticas próprias de um país africano em vias de desenvolvimento, fortemente marcado por legado de matriz da colonização portuguesa, igualmente inserido no contexto de integração económica e financeira, Regional da Organização para Harmonização do Direito dos Negócios em África (OHADA)101 e Comunitária da União Monetária Oeste Africana (UMOA). A adesão da GB à UMOA teve como consequência imediata, para além da adoção da moeda única, o Franco da 101  A OHADA (do francês Organisation pour l'Harmonisation en Afrique du Droit des Affaires) foi instituída pelo Tratado de Port-Louis em de 17 de Outubro de 1993, sendo seus membros: a República do Benim, o Burkina Faso, a República dos Camarões, a República Centro-Africana, a República Islâmica das Comores, a República do Congo, a República da Costa do Marfim, a República do Gabão, a República da Guiné, a República da Guiné-Bissau, a República da Guiné Equatorial, a República do Mali, a República do Níger, a República do Senegal, a República do Chade e a República do Togo. Para uma visão panorâmica sobre a sua constituição, estatutos e outros documentos oficiais consultar http://www.ohada. com, Januário Pedro Correia, “OHADA: O Federalismo Jurídico Africano. Génese, Evolução e Perspectivas Futuras”, Bissau, FDB, Dia da OHADA, 2010; Januário Pedro Correia, “Plano de Insolvência CIRE. Concordatas no AUOPCAP da OHADA e o Plano de Recuperação na Nova Lei de Falência Brasileira. Breve Estudo Comparado”, in Estudo Sobre a OHADA, FDB, Bissau, 2008. P.117 e ss;

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Comunidade Financeira Africana - FCFA102 , a uniformização do direito bancário e, particularmente, do regime uniforme dos instrumentos de pagamentos, tais como cartões de pagamentos, cheques, etc... Assim sendo, representado que seja o Direito Bancá103 rio como um repositório de normas jurídicas, à sua ponderação e valoração deve atender esses conjuntos de conceitos e princípios éticos, sociais e até políticos. Deve-se tentar estruturar esses conceitos em um sistema universal de normas e princípios com único propósito de atingir um ponderado equilíbrio, por parte de quem compete ensinar o direito. É precisamente neste contexto vivenciado em África em geral, em particular na Guiné-Bissau, que qualquer ensino jurídico deve estruturar com base na premissa de que o ensino a empreender deve, no essencial, e atendendo aos traços marcantes do nosso tempo, pautar-se pela conjuga102  Cf. Lei n.º 1/97, de 13 de Março de 1997 (Publicada no Supl. ao BO n.º 12, de 24 de Março de 1997), que estabeleceu como unidade monetária da GB, o Franco da Comunidade Financeira Africana (FCFA), outrossim, a taxa de conversão automática de todos os valores expressos com base no então Peso (PG) para a nova moeda da União, calculados à razão de 65 PG por 1 FCFA. 103  Direito Bancário é definido como conjunto de normas e princípios estruturantes que regem a profissão bancária e a respetiva operação e serviços. Assim, compreendido como ramo de Direito híbrido – combinando zonas de direito privado, relacionado, v.g., aos negócios, contratos, operações e responsabilidade bancária, e de direito público, v.g., encarado como direito de supervisão, autorização bancária e sanções. Neste mesmo sentido, os italianos procuram sintetizar o conceito de Direito Bancário “come il complesso di norme che regolano de la constituzione, l`organizzazione e l`esercizio dell`impresa bancaria, nonché ogni rapporto che attiene allo svolgimento dell`actività creditizia” (Gino Cavalli e Mia Callegari Lezioni Sui Contratti Bancari, Bolonha, Zenichelli Editore, 2008, Reimp. 2012, p. 2). Já Paolo Ferro-Luzzi, no âmbito do enquadramento geral da disciplina do Direito Bancário no plano político, económico, social e legal, na ordem jurídica italiana, encarou o Direito Bancário como direito das empresas e a atividade bancária como atividade deferida a essas empresas bancárias, cujo núcleo duro encontra-se respaldo no Codice Civile italiano, il Capo XVII del Libro IV, dedicado especialmente aos “Contratti bancari”, v.g., a conta, depósito bancário, abertura de crédito, antecipação bancária, desconto bancário, crédito fundiário, garantia bancária, leasing, factoring, e os serviços bancários em geral. Nesse sentido Cf., Calvão da Silva, Banca, Bolsa e Seguros. Tomo I – Direito Europeu e Português, Coimbra, Almedina, 2012, p. 21.

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ção possível da perspetiva legal, prática e ética, bem como atender ao paradigma sociocultural e da integração local, comunitária e internacional, para compatibilizar e equacionar meios para solucionar conflitos dos mais variados quadrantes de interesses difusos oriundos do direito positivo, v.g., das situações jurídicas civis, comerciais, das operações, dos contratos, intermediações nos serviços e créditos, e do direito consuetudinário ou costumeiro104. Neste sentido, movido pela vontade de querer e crer no amor ao ensino do Direito e à Justiça, e pela defesa irreverente da nossa ciência jurídica, enquanto resguardo do valor positivado e sociocultural, aliás como advertiu António Menezes Cordeiro, consciente de que “o caminho faz-se caminhando” no célebre dito de José Ortega Y Gasset, “Hay tantas realidades como puntos de vista. El punto de vista crea el panorama”105, de que o Direito é uma ciência. Baseando-se e fundamentando-se nas suas garras, os docentes do nosso tempo devem despertar e concentrar-se na busca incessante de reflexão com a profundidade que a ciência do direito exige, pautado, essencialmente, pelos valores fundamentais que nos conduz ao efetivo contributo para a construção de uma sociedade que se pretende mais justa, alicerçada e comprometida na defesa dos valores fundamentais do direito, da dignidade da pessoa humana, da democracia e da ética. Ainda, no tocante a metodologia do ensino jurídico, parafraseamos M. Almira Soares, segundo o qual “O ano lectivo é quase como um rio que nasce, engrossa e desagua. 104  Sobre o modelo do ensino jurídico em África, veja-se Eduardo Vera-Cruz Pinto «A Responsabilidade Jurídica dos Bancos e o Ensino do Direito em África: Breve Apontamento», in Alexandre Guerra e Marcelo Benacchio (ed.), Responsabilidade Civil Bancária, São Paulo, Editora Quartier Latin do Brasil, 2011. 105  Se hace camino al andar», de António Machado, poeta espanhol, in estrofe de poesia , «Proverbios y cantares» do livro «Campos de Castilla». In www.interessante.es. ! celebres frases de José Ortega y Gasset

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O ano lectivo é tempo, que nunca pára e em que nada se repete. Um tempo rio em que o professor e aluno vão em águas nunca repetidas. O ano lectivo desenha-se como um arco que vai da semente ao fruto, da nascente à foz. Fruto são ou fruto podre; rio vivo ou rio de águas mortas. O professor previdente é o que, na semente, vê o fruto; o que, na primeira gota que brota da fenda da rocha, vê o caudal grosso que há-de ir ser mar. O professor é obrigado a ir à frente dos seus alunos, a conhecer os efeitos no momento das causas (…). Cada docente, em cada momento, não pode ser apenas aquele docente naquele momento, mas deve assumir uma discussão in tempore fluente. Ele deve ver o seu aluno aqui e agora na relação que forçosamente existirá entre este aqui e agora e um ali e um mais tarde106 .” É assente que o direito se funde em normas jurídicas, interpretações, princípios, teorias e suas análises são complexas, por isso o docente deve assumir a responsabilidade académica e social de trazê-las de forma seletiva e aprofundada aos alunos. A partir dessa possibilidade de apresentação de uma ciência, das peculiaridades do direito enquanto ciência não empírica, bem assim do indiscriminado surgimento de faculdades de direito e o papel do docente neste processo, e através do ensino jurídico, deve contribuir para a formação de profissionais que cooperem com a sociedade e que respondam às expectativas próprias da formação jurídica de uma geração de profissionais do direito capazes de 106  Cf. M. Amira Soares, Ensinar, Ed., Presença, Lisboa, pp. 21-23. Neste sentido, HABERMAS ao tratar dos discursos diz que “Os discursos são como máquinas de lavar: filtram aquilo que é racionalmente aceitável para todos. Separam as crenças questionáveis e desqualificadas daquelas que, por um certo tempo, recebem licença para voltar ao status de conhecimento não problemático. A necessária dinâmica de cada qual ver o que o outro vê está embutida nos pressupostos pragmáticos do próprio discurso prático” (Jürgen Habermas. A ética da discussão e a questão da verdade. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.63).

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acrescentar algo no exercício de sua atividade à sociedade plural dos nossos tempos, alicerçados nos valores fundamentais dos direitos humanos, e sem abstrair também pela busca do ideal “justiça”. O direito é uma ciência que não é passível de demonstração, ou seja, aquilo que se fala ou se diz não tem como ser provado, dando margem para que os que ensinam façam uso do seu método para transmitir informação à sua maneira. Portanto, assiste ao docente, ao seu critério, escolher a forma mais adequada de satisfazer os propósitos da educação jurídica dos discentes, conducentes à formação de um jurista íntegro, capaz de defender e garantir a integridade da sociedade que se pretende mais justa, equitativa e estribada nos valores básicos da justiça e da democracia pluralista.

3. Particularidade do ensino do direito na guiné-bissau No geral, à semelhança dos países africanos emergentes do jugo colonial, a experiência do ensino superior na Guiné-Bissau é relativamente recente, i.e., data da segunda metade do século XX. Com efeito, a experiência do ensino do direito teve inicio com a criação e institucionalização da Faculdade de Direito de Bissau – FDB, atribuindo-lhe, tradicionalmente, a nobre missão do ensino jurídico.

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3.1 A institucionalização e missão da FDB A FDB foi criada em 1989, tendo iniciado o primeiro ano lectivo em 1990107. Dessa forma deu-se início a uma nova experiência de formação jurídica, que sucedia à antiga Escola de Direito, que limitava-se a ministrar cursos de formações e reciclagens aos operadores do aparelho do Estado, maxime do judiciário. O surgimento da FDB é fruto de um Acordo de Cooperação Jurídica bilateral celebrado entre a República da Guiné-Bissau e a República Portuguesa, cuja execução, pela parte portuguesa, foi confiada à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - FDUL, por isso, a FDB conta desde o início da sua entrada em funcionamento até à data presente com docentes portugueses, seleccionados e enviados pela FDUL, incluindo um Assessor Científico, que coordena todos os cursos e disciplinas ministradas na FDB. Na nossa modesta opinião, o protocolo de cooperação que instituiu à FDB, deu corpo a um dos projetos mais importante que a Guiné-Bissau jamais implementou com o apoio do Estado Português, cujos resultados falam por si, pelos números de quadros formados e pelos indispensáveis apoios que tem vindo a prestar na construção, edificação e concretização de um verdadeiro Estado de Direito e Democrático na Guiné-Bissau. Com o processo de abertura económica e democrática iniciado em meados de 1986-1991, com vista à institucionalização de um verdadeiro Estado social de direito, democrático e justo, virado à tutela do valor da dignidade da pessoa humana, a FDB surge como um complemento 107  A FDB foi institucionalizada através do Decreto N.º 34/90, de 26 de novembro (Pub. No Supl. BO N.º 48, de 26/11), em substituição da então Escola de Direito criada por Decreto - N.º 22/79, de 27 de Setembro (Pub. no BO N.º 38, de 27/09).

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para execução deste novo desiderato social e constitucional, incumbe-se a tarefa de suprir as carências de quadros com formação técnico-jurídica, na administração da justiça e na administração pública guineense. Com efeito, para levar à cabo a nobre missão, nomeadamente – as reformas legislativas, o funcionamento eficaz da administração da justiça, da administração pública, a justa e correcta aplicação de leis, o patrocínio judiciário, a garantia e a segurança das operações económicas, criação de um ambiente seguro e eficiente para o investimento privado nacional e estrangeiro, a Guiné-Bissau carecia de uma instituição como FDB que cabe ministrar a formação jurídica local e rigorosa aos quadros nacionais integrados na realidade jurídica interna, social, económica e cultural do país. Foi esta tarefa que a FDB, com o apoio do Estado português, através da FDUL, tem vindo a desenvolver há já 30 anos da sua existência. A FDB formou mais de duas centenas de juristas que estão a exercer as suas profissões nos tribunais, Ministério Público, Corpos Policiais, Administração Pública, nas empresas, nas profissões liberais, etc… Neste preciso momento, está a constituir um corpo docente nacional sólido, formado pela própria FDB e graduado com mestrado e Doutorado na FDUL, isto sem olvidar de inúmeros apoios concedidos ao Estado guineense no domínio de reformas legais, maxime na elaboração de estudos, projectos e propostas de reformas legislativas nas áreas jurídicas privadas (civil, penal e comercial), públicas, etc... Portanto, recentemente a FDB procedeu profunda reforma no seu plano curricular para responder mais uma demanda e necessidade no domínio da reforma em curso na administração pública da Guiné-Bissau, com a introdução no seu plano do curso de licenciatura, a par do tronco 137


comum (área jurídica “pura”), a licenciatura com a menção em administração pública, permitindo assim uma formação especializada no domínio da administração pública, v.g., no Direito do Mar/Marítimo, Direito do Ambiente/Urbanismo, Legística, Ciência da Administração, e agora também o Direito Bancário.

3.2 A insolvência do ensino do direito No capítulo da organização do ensino superior, apesar de se registar pouca vontade política na sua qualificação e valorização, saliente-se que foram aprovados e promulgados um pacote de legislações em matéria do ensino superior, designadamente a Lei Base do Ensino Superior, Estatuto de Carreira Docente108 e novo regulamento de avaliação da FDB. Entretanto, em todo o caso, importa sublinhar que a situação atual do ensino do direito reclama uma mudança séria e profunda de paradigma para contrariar o estado actual da sua insolvência e total descredibilização. Tal reclamada mudança de paradigma deve partir dos mais elementares aos mais complexos pactos sociais e políticos que visem o seu aprimoramento e relançamento, a iniciar com a publicação e execução dos diplomas legais acima referenciados, a definição e clarificação da base geral do ensino e dos respectivos planos curriculares, os estatutos e carreira docente devem ser valorizados, o plano curricular das universidades privadas devem atender as necessidades e políticas públicas do setor, uniformização de cursos e metodologia do ensino do direito, e sem olvidar de qualificação e curso 108  Cf. Lei n.º 7/2014, de17/12/14, Pub.2º Supl. BO n.º 50, que “Regulamenta o Estatuto da carreira Docente Universitária”.

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jurídico a empreender pelo docente universitário, que contribuam para a qualidade do ensino jurídico. Registamos nas últimas décadas uma explosão de cursos de direito pelo país afora, milhares de licenciados que já foram e serão lançados à sociedade como formados em direito e, por conseguinte, devem e deverão corresponder às expectativas e necessidades do país. Com efeito, neste momento atual em que assistimos o surgimento em progressão geométrica de faculdades de direito, o modelo do ensino do direito a empreender é fundamental para resguardar o mérito da formação em direito. O docente deve encarar e contrariar o desafio dos tempos atuais em que assistimos a uma proliferação e a consequente desqualificação e grave crise no ensino do direito. Portanto, em função dessa multiplicação de faculdades de direito, sem mínimas qualificações e condições para ministrar curso de direito, é hora de se reflectir sobre o modelo do ensino que queremos ter, a uniformização do programa curricular das escolas e do ensino jurídico do docente, permitindo a manutenção de bons cursos de graduação em direito que acompanhem e preparem os futuros profissionais formatados para construção da sociedade mais justa.

3.3 Processo do ensino do direito bancário baseado na premissa e atualidade do sistema económico e financeiro guineense O processo do ensino no domínio do Direito Financeiro em geral e em particular do Direito Bancário, no âmbito nacional, deve ser desenhado e ancorado na estrutura organizacional e operacional do sistema financeiro guineense, atender e compreender que a estrutura da banca na Guiné139


-Bissau alterou-se profundamente desde há mais de quarenta anos, a contar a partir da independência da Guiné-Bissau em 24 de Setembro de 1973. Compreender que a dinâmica do setor bancário e da economia guineense constituem reflexos das reformas económicas estruturais introduzidas no triénio de 19861989, sob égide do Fundo Monetário Internacional (FMI), permitindo, assim, a operacionalidade de um conjunto de transformações com impactos relevantes na economia, na sociedade, no sistema financeiro em geral e na banca em especial. O setor financeiro, em geral e o setor bancário, em particular, beneficiaram dessas transformações nos domínios económicos, financeiros, institucionais e legais, sobretudo nas três últimas décadas, altura em que foram concretizados programas e medidas estruturantes da reforma do sistema económico e financeiro. Assim, durante a vigência da Constituição da República da Guiné-Bissau (CRGB) de 1973109, a banca guineense exibia e assumia uma tendência e dinâmica própria de um modelo de operação, serviços e intermediação pública, caracterizada, no essencial, pela realização concomitante das operações bancárias e de prestação de serviços por parte do Banco Nacional da Guiné-Bissau, e mais tarde pelo Banco Central da Guiné-Bissau (BCGB), que fazia, igualmente, o papel do banco emissor, do tesouro público, do banco comercial ou da intermediação financeira, sob comando e orientação máxima de uma estrutura política, estatizada e dirigista. 109  Cf. António E. Duarte Silva, Invenção e Construção da Guiné-Bissau – Administração Colonial, Nacionalismo, Constitucionalismo, Coimbra, Almedina, 2010; António E. Duarte Silva, «O Constitucionalismo da Guiné-Bissau (19732005)», in AA. VV., Estudos em Memória do Conselheiro Luís Nunes de Almeida, Coimbra, Coimbra Editora, 2007; Kafft Kosta, Estado de Direito. O Paradigma Zero: Entre Lipoaspiração e Dispensabilidade, Coimbra, Almedina, 2007, p. 127 e ss.

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Com efeito, esta tendência de governabilidade da banca na GB ainda fez eco até meados de 1986-1989, tendo resistido à CRGB abortada de 1980 e ainda pela CRGB 1984, ainda formalmente em vigor. As transformações económicas, financeiras, sociais e políticas ocorridas entre meados de 1986-1989 provocaram revisões constitucionais introduzidas à CRGB de 1984, nomeadamente a partir de 1990. Por conseguinte, criaram-se bases de legitimação de uma nova abordagem e perspetiva económica, permitindo que os diversos sectores económicos tivessem uma dinâmica assente na lógica da lex market e do respetivo funcionamento. Assim sendo, constituem alavancas para a materialização deste desiderato económico, financeiro e social, a ampla admissibilidade da privatização da então propriedade estatizada ou nacionalizada, o reconhecimento da propriedade e da iniciativa privada, e o modelo da economia assente na lógica da interacção das forças do mercado, a adoção de um código atrativo de investimento privado e estrangeiro, etc… No caso particular da banca, a aludida evolução faz-se sentir com a efetiva separação institucional das funções comercial e de banco central, que vinham a ser assumidas cumulativamente pelo BCGB, com a aprovação da sua Lei Orgânica (LO)110..Por seu turno, abriu-se uma janela de oportunidade para o surgimento das primeiras instituições de crédito na Guiné-Bissau, fruto da dinâmica própria de um modelo de intermediação financeira privada, com aprovação de um quadro jurídico normativo ex novo referente à constituição, organização e funcionamento dos bancos, bem como, às operações que lhes são autorizadas, sob a supervisão, regulação e fiscalização do BCGB. Surgiram, assim, 110  Cf. Decreto n.º 32/89, de 27 de Dezembro, que aprovara a LO do BCGB.

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os primeiros bancos comerciais e agrícolas privados, como Banco de Crédito Agrícola, Banco de Crédito, a que se seguiu e justificou a criação de outras instituições de crédito e sociedade financeira, como Banco Internacional da Guiné-Bissau (BIGB) e Sucursal Totta & Açores. Mais tarde, o sistema financeiro guineense sofreu profunda alteração por virtude da integração monetária e económica à UMOA, concretizada pelo Estado da Guiné-Bissau, com a assinatura do Tratado da UMOA111, acarretando desta feita a transferência da soberania monetária para a UMOA112 tendo, consequentemente, impulsionado a criação de novos bancos comerciais e das sociedades financeiras, como Banco da África Ocidental (BAO), Banco Regional de Solidariedade – BRS (Atualmente Orabank), Ecobank Guiné-Bissau, Banco da União (BDU) e Banque Atlantique, destacando-se as entradas de capitais estrangeiro no sector bancário, gerando-se assim, um importante efeito traduzido nas novas formas de concorrência do mercado. No que concerne à estrutura de capital, deve-se salientar que todos os bancos compreendem participações maioritariamente detidas pelos investidores estrangeiros, situadas muito acima dos 80% do total de capital social no setor bancário. Ainda, como corolário da integração da UMOA, adotou-se a então Lei n.º 10/97, de 2 de Dezembro, referente ao quadro - jurídico aplicável às instituições de crédito e às suas operações, 111  Pelas Resoluções n.º 27 e 28/2007, a Assembleia Nacional Popular aprova o Tratado da UMOA, os Estatutos do BCEAO e seus privilégios e imunidades, bem como aprovação da Convenção que regula a Comissão Bancária da UMOA e o respetivo anexo (ambos publicados no 4º Suplemento ao BO n.º 8, de 29 de Fevereiro de 2008). 112  Para mais informações sobre a UMOA, sua criação, ideais, estrutura e funcionamento, veja-se, Etienne Carexhe, «Un Phénomène d`Intégration – L`UEMOA», in António Menezes Cordeiro et al., Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Paulo de Pitta e Cunha, vol I - Assuntos Europeus e Integração Económica, Coimbra, Almedina, 2010, p. 167 e ss.

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a chamada “Lei de Regulamentação Bancária”, que revogara as leis aplicáveis às instituições de crédito adotadas em 1989, e que veio caucionar o aprofundamento e a consolidação do setor bancário ao regular, em especial, as tipologias das instituições de crédito e financeiras, bem como as operações deferidas aos bancos – contribuindo para o incremento e funcionamento de bancos universais no setor bancário. A regulação e supervisão do sector bancário na GB passou, em consequência da integração, para as instâncias e mecanismos definidos no Tratado da UMOA, nomeadamente pelo Banco Central dos Estados da África Ocidental (BCEAO), e as estruturas especializadas do apoio e controlo da UMOA, tais como a Comissão Bancária da UMOA, em substituição do então BCGB. Assim, podemos afirmar que o setor bancário assenta, hoje, numa dinâmica própria de um modelo de integração sub-regional ou comunitária e de intermediação privada, sob a regulação e supervisão de uma entidade independente de cariz internacional – a UMOA, fortemente caraterizado pela realização das operações bancárias, prestação de serviços de excelência e cada vez mais qualificados, sob olhar e um controlo apertado da entidade reguladora do sector bancário – BCEAO113. O setor bancário nacional, não obstante o retrocesso derivado da cíclica crise política enraizada no país desde 2012, tem registado notáveis indicadores e níveis de crescimento do ativo total e de rendibilidade, baseado no incremento da carteira de crédito e ganhos de eficiência no 113  Cf. Règlement n°. 15/2002/CM/UEMOA relatif aux systèmes de paiement dans les états membres de l’Union économique et monétaire ouest africaine (UEMOA), de 19 de Setembro de 2002, aprovado por força dos artigos 6º, 7º, 16º, 21º, 42º, 43º, 44º, 45º, 95º, 96º, 98º, 112º e 113º do Tratado da UEMOA e do art. 22º do Tratado da UMOA; ver também a Loi Uniforme relative a la repression des infractions en matiere de cheque, de carte bancaire et d’autres instruments et procedes electroniques de paiement, Dakar, BCEAO, Dezembro 2011.

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processo de intermediação financeira, acoplada à concentração bancária resultante do aumento das quotas de mercado detido pelos dois grandes bancos – BAO e Ecobank. Entretanto, concomitantemente, vive-se hoje um cenário perigosíssimo de expansão do sector bancário, traduzido na oferta monetária e creditícia à economia, de uma fraca captação de poupanças num sistema de mercado repleto de reticências que não inspira confiança e de elevado índice de iliteracia bancária, (atenuada pela resiliência da banca aos choques internos e externos, bem como pelo desempenho apresentado, em particular sustentado num nível satisfatório de indicadores como a solvabilidade), de uma melhoria do nível de gestão global e de uma melhoria contínua da eficiência e satisfação nos domínios da banca electrónica e sistema dos pagamentos eletrónicos. Isto, sem olvidarmos de uma ameaça séria à qualidade da carteira de crédito e da própria banca, consistindo numa manifesta tendência de subida galopante dos indicadores e índice do incumprimento e do crédito duvidoso e litigioso (malparado), que a banca e o sistema em geral, devem considerar e equacionar como prius nas suas agendas, sobretudo perante a quase inoperância do sistema coativo de recuperação de crédito assente nas instâncias judiciais. Com efeito, diante de todas as peripécias e de todo o quadro evolutivo acima demonstrado, reconhece-se que, em mais de quarenta anos da independência da GB, a temática do Direito Bancário nunca mereceu uma reflexão profunda, nem sistemática na literatura jurídica e na jurisprudência guineense, o que constitui, nesta perspetiva, absoluta novidade. Não obstante, o docente não deve assumir uma postura de mera transposição da solução vigente na Europa ou noutro quadrante do mundo fora onde o tema já se encontra na sua fase bastante evoluí144


da. Antes pelo contrário, impõe-se uma abordagem integrada decorrente do relançamento da profissão e da atividade bancária na GB, com abertura de novos bancos comerciais depois da recessão gerada pelo conflito político militar de 1998, que acarretou a retirada da sucursal do banco Totta & Açores na Guiné-Bissau e a falência do BIGB, bem como a receção económica derivada do golpe de 12 de Abril de 2012, num contexto da economia do mercado e da integração económica e monetária, nomeadamente na UMOA.114 -115 114  A estrutura política e económica, inspirada no modelo e ideologia marxista-leninista, assumida pelo então poder político implantado logo após a independência da GB, proclamada no dia 24 de Setembro de 1973, impedia o exercício da profissão e da atividade bancária privada, aliados à nacionalização e à centralização da economia, das empresas e a estatização das terras, sem descurar da pobreza extrema, tendo contribuído de modo significante para a fragilidade da economia e para um apagado papel do sistema financeiro e da importância da banca no contexto do modelo económico estatizado então adotado, com forte cunho, intervenção e a presença do Estado na vida económica, bem como o empobrecimento da “classe empresarial”, fugas de capitais e a corrupção generalizada. A efetiva abertura económica e o reforço do princípio da economia do mercado tornou-se possível graças à implementação do Programa de Reajustamento Estrutural, tendo sido constituído por duas fases: a primeira traduz-se na estabilização da economia entre 1986-1989; a segunda refere a meta de crescimento económico entre 19901992, cujo objectivo prioritário de redução de dívida externa que então se estimava em 270 milhões de dólares em 1986. Entretanto, para ultrapassar este período da crise, a GB viu-se obrigada a firmar acordo com as instituições de Bretton Woods, permitindo, designadamente, a adoção de medidas e condições do saneamento das finanças públicas guineense. Sobre o Programa de Reajustamento Estrutural, veja-se Luís Barbosa Rodrigues, A Transição Constitucional Guineense, Lisboa, AAFDL, 1995, p. 63; Rosemary E. Galli e Úrsula Funk, «O Ajustamento Estrutural e Género na Guiné-Bissau», Revista Internacional de Estudos Africanos, n.ºs 1617, Lisboa, Instituto de Investigação Científica Tropical – Centro de Estudos Africanos e Asiáticos, 1992-1994, pp. 235-254; João Mendes Pereira, Descentralização Financeira, Integração Económica e Estabilização. Caso Guineense, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Económica, Lisboa, FDUL, 1999/2000; Vasco Manuel Evangelista Biaguê, «As Constituições Económicas Portuguesa e Guineense: Uma análise comparativa», in Fernando Loureiro Bastos (ed.), Estudos Comemorativos dos Vinte Anos da Faculdade de Direito de Bissau – 1990-2010, Vol. II, Lisboa - Bissau, AAFDL, 2010, p. 814 e ss. 115  A Constituição da República da Guiné-Bissau de 1984 e as suas revisões subsequentes não regulam e nem reconhecem o sistema financeiro, bem como o modelo de integração económica e monetária, criando brechas e confusões na sua articulação com o direito comunitário, designadamente da UMOA.

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No entanto, a situação atual, de crescente massificação e agressividade do setor bancário na venda de produtos, serviços bancários e na disponibilização de condições cada vez mais facilitadas do acesso à banca (ainda assim ficando muito abaixo da taxa de bancarização de 5% previsto pelo Banco Central – BCEAO116 tem vindo a dar ao direito bancário um lugar cada vez mais de destaque. Em particular, justificado no crescente esforço dos bancos comerciais na modernização e na informatização dos serviços de pagamentos, sobretudo na implementação dos serviços eletrónicos disponíveis para saques de valores, pagamentos de bens e serviços através dos TPAs, e a expansão de cartões de débitos, emissões de cartões internacionais, tais como visa, mastercard, de utilização além fronteira, operação cash advance, etc… 116  Com único propósito de proporcionar o aumento da taxa de bancarização bem como incentivar e expandir a utilização do sistema eletrónico e meio escritural de pagamentos de bens e serviços, o Conselho de Ministro da UEMOA adotou, nesta matéria, a Diretiva 08/2002/CM/UEMOA, de 19 de Setembro de 2002. Entre outras medidas que visam promover a bancarização, impôs conjuntos de medidas relacionadas com a obrigatoriedade em certos pagamentos que envolvem valores elevados serem efetuados através do sistema financeiro, através de contas abertas nos livros dos bancos, bem como a obrigatoriedade de todos os pagamentos de bens e serviços do Estado serem efetuados através de contas e a bancarização dos salários dos servidores do Estado e das outras instituições públicas ou privadas. A fraca taxa de bancarização - situada muito aquém dos 5% - acaba por justificar e representar por si só um cenário real da absoluta inoperância do BCEAO e do executivo guineense no sentido de adoção de políticas e medidas consistentes para garantir a subida significativa da taxa de bancarização, quer através de campanha efetuada neste sentido, quer pelos programas de expansão seguidos pelos bancos comerciais, ou através de criações de incentivos fiscais e condições de seguranças aos bancos que abrissem agências ou caixas na parte menos favorecida no país, por exemplo, a parte insular da Guiné-Bissau e nas zonas mais longínquas do interior do país. No entanto, em termos comparativo, resultante da análise que a Consultora KPMG faz do sector bancário angolano referente ao ano de 2011, o grau de bancarização em Angola subiu significativamente até meados de Agosto, situando em 22% da população angolana, móbil de uma forte ação conjunta do executivo e do Banco Nacional de Angola (BNA), sobretudo as campanhas levadas a cabo pelo BNA, ainda assim, uma taxa de bancarização baixa em comparação com a taxa média de bancarização de 30% dos outros países situados ao mesmo nível de crescimento de Angola. Armindo Saraiva Matias, Direito Bancário, Coimbra, Coimbra Editora, 1998, p. 88.

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Assim sendo, assumimos, sem reserva, que o tema do ensino do Direito Bancário no direito guineense não é, seguramente, uma miragem, mas um assunto por desbravar, face também à absoluta inexistência da construção dogmática relativa à banca e a atividade bancária. Pelo exposto, configure-se importante realçar que a originalidade do ensino do Direito Bancário na ordem jurídica guineense, não precisa de ser demonstrada, basta para tal verificar o grande relevo que os bancos assumem na atualidade e a justificada necessidade da bancarização, sobretudo num sistema económico e financeiro frágil como o nosso, que talvez só a construção, a defesa e uma proteção bem conseguida em torno do ensino do Direito Bancário, poderá minimizar o efeito pernicioso do ponto de vista social, legal e prática e, consequentemente, premiar a corrida à banca e ao sistema financeiro.

4. Parâmetro transversal e internacional do direito bancário O ensino do Direito Bancário deve ser encarado de forma atual, complexa e transversal, pois para além da sua cristalização legal um pouco por todo o mundo, comporta outra dimensão internacional nos tempos atuais, fortemente dominado pela política do combate aos crimes transnacionais, evasão fiscal, a luta contra o branqueamento de capitais e terrorismo internacional, etc... Tal relevo internacional do ensino do direito bancário faz-se sentir com referências às normas de supervisões prudenciais impostas pelos dispositivos de Basileia I, II e III, das Nações Unidas, da União

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Europeia e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE)117. O ensino do Direito Bancário impõe uma análise e estudo transversal, com recurso a outros ramos de Direito, com destaque para o Direito Constitucional, o Direito Civil, o Direito Penal, o Direito Processual Penal, o Direito Fiscal, Direito Comercial, Direito Societário, Direito Financeiro, etc…Trata-se, por outro lado, de um tema que não prescinde uma profunda análise do sistema vigente no direito estrangeiro, sendo fundamental estudar os regimes e práticas vigentes em países como Portugal, a Alemanha, a França, a Suíça, o Reino Unido, a Espanha, o Brasil, os países de expressão portuguesa e os países da África ocidental, com destaque para os que integram a UMOA, como Senegal, Togo, Mali, etc...

5. Conclusão Ab initio, assume-se a estrutura exclusiva e monopolista do ensino do direito na Guiné-Bissau, o qual a Faculdade de Direito de Bissau cabe, tradicionalmente, com ex117  OCDE foi criada em 30 de Setembro de 1961, com os propósitos de apoiar o crescimento económico duradouro, desenvolver o emprego, elevar o nível de vida, manter a estabilidade financeira, ajudar os países a desenvolver as suas economias, contribuir para o crescimento mundial, etc… No período da crise, esta instituição tem-se preocupado com questões ligadas a supervisão comportamental, emitindo, por isso, importantes recomendações nesta matéria, nomeadamente: Recommendation on Principles and Good Practices for Financial Education and Awareness em julho de 2005, Recommndation on Good Practices for Financial Education Relating to Private Pensions em março de 2008, Recommendation on Good Practices for Enhanced Risk Awareness and Education on Insurance Issues em março de 2008, Recommendation on Good Practices for Financial Education and Awareness Relating to Credit em Maio de 2009; igualmente acentuou a missão na área de proteção aos consumidores, através da adoção de um plano de monitoramento, de educação financeira, e recomendações, nomeadamente as elaboradas na sequência da reunião do G20, de 19 e 20 de Fevereiro de 2011, transpostas para o documento intitulado G20 High-Level Principles on Financial Consumer Protection, sobre a proteção do consumidor financeiro.

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clusividade essa missão, com único propósito de colmatar o sistema e suprir as carências dos operadores judiciários e administrativos versados em direito. Entretanto, actualmente, assiste-se um cenário perigosíssimo de expansão e de proliferação descontrolada das escolas e das Faculdades de Direito, perante ausência absoluta de política pública de requalificação dos docentes, qualificação do conteúdo, controlo apertado e uniformização de plano curricular, com reflexo imediato na inoportunidade do conteúdo e deficiente formação jurídica ministrada. O processo do ensino do direito em geral, em particular do Direito Bancário, deve olhar as premissas locais, atendendo as suas peculiaridades e complexidades estribadas no legado histórico do direito positivo e consuetudinário, as conquistas e os desafios que enfrenta, e sem olvidar dos traços próprios marcantes dos tempos atuais, fortemente vinculados pela integração Comunitária da UMOA, Regional da OHADA e mundial - no domínio particular das operações e serviços bancários, supervisão prudencial assente nos dispositivos de Basileia I, II e III, prevenção e repressão de branqueamento de capitais, evasão fiscal e terrorismo internacional.

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CAREXHE, Etienne - "Un Phénomène d`Intégration – L`UEMOA", in António Menezes Cordeiro et al., Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Paulo de Pitta e Cunha, vol I - Assuntos Europeus e Integração Económica, Coimbra, Almedina, 2010 CORDEIRO, António Menezes - Manual de Direito Bancário, 6ª ed., Coimbra, Almedina, 2016 CORREIA, Januário Pedro - “Plano de Insolvência CIRE. Concordatas no AUOPCAP da OHADA e o Plano de Recuperação na Nova Lei de Falência Brasileira. Breve Estudo Comparado”, in Estudo Sobre a OHADA, Bissau, FDB-CEARL, 2008 CORREIA, Januário Pedro Correia - “OHADA: O Federalismo Jurídico Africano. Génese, Evolução e Perspectivas Futuras”, Bissau, Conferência na FDB, Dia da OHADA, 2010 CORREIA, Januário Pedro Correia, Giro Bancário. Caso particular da ordem de transferência de fundos (aspectos fundamentais do regime, incidentes e natureza jurídica), Dissertação do Mestrado, Lisboa, FDUL, 2006/2007 GALLI, Rosemary E. e Úrsula Funk - "O Ajustamento Estrutural e Género na Guiné-Bissau", Revista Internacional de Estudos Africanos, n.ºs 16-17, Lisboa, Instituto de Investigação Científica Tropical – Centro de Estudos Africanos e Asiáticos, 1992-1994, pp. 235-254 HABERMAS, Jürgen - A ética da discussão e a questão da verdade, São Paulo, Martins Fontes, 2004

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KOSTA, E. Kafft - Estado de Direito. O Paradigma Zero: Entre Lipoaspiração e Dispensabilidade, Coimbra, Almedina, 2007 MATIAS, Armindo Saraiva - Direito Bancário, Coimbra, Coimbra Editora, 1998 PEREIRA, João Mendes - Descentralização Financeira, Integração Económica e Estabilização. Caso Guineense, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Económica, Lisboa, FDUL, 1999/2000 PINTO, Eduardo Vera-Cruz - "A Responsabilidade Jurídica dos Bancos e o Ensino do Direito em África: Breve Apontamento", in Alexandre Guerra e Marcelo Benacchio (ed.), Responsabilidade Civil Bancária, São Paulo, Editora Quartier Latin do Brasil, 2011 RODRIGUES, Luís Barbosa - A Transição Constitucional Guineense, Lisboa, AAFDL, 1995 SILVA, António E. Duarte - "O Constitucionalismo da Guiné-Bissau (1973-2005)", in AA. VV., Estudos em Memória do Conselheiro Luís Nunes de Almeida, Coimbra, Coimbra Editora, 2007 SILVA, António E. Duarte - Invenção e Construção da Guiné-Bissau – Administração Colonial, Nacionalismo, Constitucionalismo, Coimbra, Almedina, 2010 SILVA, Calvão da - Banca, Bolsa e Seguros. Tomo I – Direito Europeu e Português, Coimbra, Almedina, 2012

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O EXAME PROFISSIONAL REALIZADO EM MOÇAMBIQUE Maicisse Machute118 Noémia Camoto119 RESUMO O presente artigo, tem como tema O Exame Profissional Realizado em Moçambique, sendo esse, “conditio sine qua non” para o ingresso na Ordem dos Advogados em Moçambique. Pretendemos com o mesmo, trazer uma breve abordagem do regime jurídico que traça as diretrizes para se chegar a qualidade de Advogado no nosso país. Fazendo, a partir deste, um breve estudo comparado com os demais ordenamentos dos países falantes da língua portuguesa (CPLP), buscando analisar aspectos positivos e/ou negativos que acoberta cada um dos ordenamentos, servindo essa análise de alicerce para destacar pontos de melhoria na qualidade do ensino de Direito, bem como dos profissionais dessa área, nos países falantes da língua portuguesa tendo em conta o contributo de cada um desses países. Destarte, teremos como base para elaboração do presente artigo O Estatuto da Ordem dos Advogados de Moçambique (EOAM) e O Regulamento de Estágio Profissional e Exame Nacional de Acesso (REPENA), bem como os demais instrumentos normativos que regulam a questão do Exame Profissional nos demais ordenamentos retro referenciados. 118  Licenciada em Direito pela Universidade Zambeze-Moçambique-Beira, advogada, estagiária do MM Advocacia e Consultoria, Directora Nacional de Marketing, Estágios Internacionais e Projectos Sociai na empresa Vale Moçambique 119  Licenciada em Direito pela Univerdade Zambeze-Moçambique, docente universitária nas Cadeiras de Direitos dos Transportes e Práticas Forenses na Universidade Pedagógica de Moçambique-Beira, advogada estagiária do MM Advocacia e Consultoria

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Palavras-Chave: Exame profissional; Ordem dos Advogados de Moçambique; Estágio Profissional; Advogado Estagiário; CPLP. ABSTRACT In this article we will talk about, The Professional Exam conducted in Mozambique, which is “conditio sine qua non” for joining the Mozambican Bar Association. We intend with this, to unveil a new approach to the legal regime that outlines how to reach a quality of Lawyer in our country. Based on this, a brief study compared to the other Portuguese-speaking countries (CPLP), seeking to analyze positive and negative aspects that cover each of the legal systems, and this analysis of the foundation to highlight points of improvement in the quality of legal education, as well as professionals in this area, in the Portuguesespeaking countries, based on the contribution of each of these countries. Thus, we will have as basis for the elaboration of this article The Statute of the Mozambican Bar Association (EOAM) and the Regulation of Professional Internship and National Examination of Access (REPENA), as well as the other normative instruments that regulate the question of Professional Examination. Keywords: Professional examination; Mozambican Bar Association; Professional internship; Trainee lawyer; CPLP.

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1. Introdução Hodiernamente, existem várias instituições de ensino que lecionam o curso de Direito, o que tem vindo de tempos em tempos a colocar em causa a meritocracia do ensino jurídico, isto é, verificamos uma banalização e consequentemente, a deficiente formação profissional que se recebe, antes de começar a exercer a profissão de advogado e/ou qualquer outra profissão que tenha como base para o seu exercício a formação em Direito. Existem vários relatos, que associam o Exame Profissional para obtenção da carteira de Advogado, como uma resposta as críticas feitas pelos magistrados que recebiam certas peças processuais, não dignas de um profissional de Direito, isto não só por causa da questão técnica, mas principalmente por causa das questões linguísticas, desde a concordância verbal, a escrita e outros aspectos. Esta “falta de preparação teórica e prática alegada”, recém-formados em Direito para o exercício da advocacia, levou a que determinadas medidas fossem tomadas. Isso porque, é notório até os dias de hoje que muitos jovens advogados encontram-se numa situação de vulnerabilidade profissional, originada pela fraca preparação, Sabe-se, que desde sempre para se ser Magistrado quer Judicial, quer do Ministério Público, ou mesmo para exercer a profissão de Notário, foi necessário passar por um Concurso Público. O mesmo nunca aconteceu com o Advogado, o que se calhar nem seja pertinente. Porém, como resposta a esta crise surge o modelo de formação profissional para o exercício da advocacia, ministrado pela Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), aos advogados estagiários, que teve início em 2009, pela necessidade de colmatar algumas lacunas existentes na lei nº7/94 de 14 de Setembro, bem como adequar 154


a estrutura e funcionamento da Ordem dos advogados de Moçambique e as condições necessárias para o exercício da advocacia no ordenamento jurídico moçambicano. Já, o exame profissional realizado em Moçambique o seu surgimento remonta de 30 de Janeiro de 2014 com a introdução do Regulamento de Estágio Profissional e Exame Nacional de Acesso (REPENA).

2. Genealogia Da OAM A Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), é uma pessoa colectiva de Direito Público, criada a 14 de Setembro de 1994, pela Lei nº7/94, de 14 de Setembro que aprovou também os estatutos da organização. A Ordem dos Advogados (OA) é um órgão independente sendo livre e autónomas as suas regras de funcionamento, gozando igualmente de personalidade jurídica própria, autonomia financeira, administrativa e patrimonial. Actualmente, com vinte e quatro anos de existência OAM concebe-se como o único órgão representativo da advocacia no país, isto é, beneficia do princípio da unicidade, sendo proibida em todo o território nacional a existência de qualquer outra associação pública representativa da advocacia.120 Sendo igualmente, o garante da valorização, da confiança e da credibilização do Advogado em face da sociedade e intuições, cujos interesses são chamados a defender.

120  Artigo 110 da lei nº7/2012 de 08 de Fevereiro

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3. O Estágio Profissional Como Requisito Primordial Para O Exame de Acesso À OA Como referimos no preâmbulo da nossa abordagem, um dos graves problemas que motivou a OAM, a instituir os estágios profissionais para o exercício da advocacia no ordenamento jurídico moçambicano é a deficiente formação profissional dos candidatos a advocacia, durante a fase da formação académica. Essa deficiência não é tanto ao nível dos conhecimentos jurídicos e científicos mas sobretudo ao nível de preparação técnica e pratica para o exercício da profissão. O Estatuto da Ordem dos Advogados de Moçambique, regula a questão do Estágio Profissional entre os arts.143148. Existem duas janelas de ingresso ao estágio da OA, a de Fevereiro e a de Agosto. O Estágio foi estabelecido, como um meio de preparação para o Exame Profissional, onde o Advogado Estagiário passa por um processo de aprendizagem contínua e faseada, durante um período estabelecido de 14 meses sob tutela de um patrono, que deve ser um Advogado com experiência mínima no exercício de advocacia de 5 anos.

3.1. As Fases do Estágio Profissional No nosso ordenamento, o estágio profissional está dividido em duas fases, tendo a primeira a duração de 8 meses e a segunda 6 meses, respectivamente. a) Primeira Fase – Das Formações Teóricas Numa primeira fase, temos um sistema de formação de cariz “escolar”, estruturado segundo a dicotomia clássica, 156


professor (patrono), aluno (estagiário), ou seja, fora a formação académica de quatro anos e meio, nas universidades, os candidatos à advocacia passam a receber na OAM, formações ministradas através de aulas teóricas, que reproduzem ao fundo, “com mais qualidade”, propriedade e práticidade as matérias relacionadas ao exercício da prática forense e da organização judiciária, bem como aprofundar o estudo de matérias do direito adjectivo e substantivo, incluindo as matérias relativas a ética e deontologia profissional que norteiam a actuação do advogado, com a sua ordem, a sociedade, os colegas, os tribunais e demais órgãos da administração da justiça existentes no ordenamento jurídico pátrio121. Hoje em dia são 6, os principais temas que tem conduzido a formação teórica, mormente: “Ética e Deontologia Profissional; Direito Processual Civil; Direito Processual Penal; Práticas Jurídicas Forenses; Práticas Jurídicas Multidisciplinares e Direito processual Laboral” Tendo essas, carácter obrigatório, sob pena de suspensão automática do estágio122 . Por sua vez, como forma a mostrar os conhecimentos adquiridos e a forma que o mesmo foi aplicado durante os 8 meses, o estagiário deve no final das 6 formações apresentar um relatório onde expõe de forma sucinta o conhecimento adquirido. Sendo esse culminar da primeira fase, uma vez aprovado pela comissão de avaliação da OAM123.

121  2 Nº3 do artigo 145 do EOAM e o Nº 1 do artigo 7 do REPENA. 122  3 Nos termos do artigo 22 do REPENA. 123  Artigo 18 do REPENA

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b) Segunda Fase – Prática de Alguns Actos Próprios da Profissão Com duração de 6 meses, a segunda fase da formação, consiste numa experiência alargada, complementar e progressiva dos advogados estagiários, através da vivência da profissão, de intervenções judiciais em prática tutelada, assim como o aprofundamento dos conhecimentos e apuramento da consciência deontológica124 . Esta fase é concebida como condição de acesso ao exame final e como não podia ser diferente, dentre outras obrigações impostas ao advogado estagiário, nesta fase também o Advogado Estagiário está sujeito a participar nas acções de formações ministradas pela OAM e coordenadas pelo Instituto de assistência jurídica125, artigo 20 do REPENA. Durante esta fase, o Advogado Estagiário esta obrigado patrocinar, seja em regime de mandato, ou de nomeação oficiosa de não menos de 10 processos judiciais em que represente cidadãos carenciados, em processo laboral, cível e criminal em valor que não exceda o previsto em processo sumário, no processo cível, e em causas que não extravasam o processo sumário e de policia correccional, no processo crime.

4. O Exame Nacional De Acesso Realizado Em Moçambique Breve Contextualização A obrigação da aprovação no exame nacional de Acesso como condição indispensável para a inscrição, como advogado, dos advogados estagiários e dos licenciados em di124  Nos termos do nº4 do EOAM e nº 2 do artigo 7 do REPANA 125  Actualmente, o IAJ, não esta em funcionamento. Os advogados estagiários da segunda fase, realizam os mandatos e as defesas oficiosas previstas na b), nº1 do REPENA, no Instituto de Assistência e Patrocínio Jurídico (IPAJ).

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reito que prestam assistência jurídica, apenas surgiu, com a aprovação do REPENA, em 30 de Janeiro de 2014126 . Como necessidade de reformular o modelo de estágio e como forma de assegurar que as matérias leccionadas durante os períodos do estágio foram devidamente assimiladas, e igualmente assegurar a qualidade dos profissionais inscritos naquela ordem. Ora, o EOAM, estabelece a obrigatoriedade de realização do Exame Nacional de Acesso como requisito para os cidadãos nacionais se tornarem advogados. Não sendo suficiente a aprovação dos relatórios submetidos pelos advogados estagiários a OA, na primeira e segunda fase. A Instituição do Exame Nacional de Acesso, como forma de selecção dos candidatos mais aptos para o exercício da advocacia é oportuna e nos últimos anos, obteve apoio da maioria dos advogados. Se a ordem dos advogados é o órgão que representa os advogados no ordenamento jurídico moçambicano, é natural que a OAM, prepare os licenciados em direito para o exercício da advocacia, ministrando as acções de formação profissional, necessárias com domínio da ética e deontologia profissional e das práticas forenses. Daí que, a instituição do exame nacional de acesso como forma de selecção dos candidatos mais aptos para o exercício da advocacia, afigurou-se pontual e pertinente. Com efeito, como forma de assegurar o grau de assimilação das matérias aprendidas quer nas acções de formação, no escritório, com o patrono ou no fórum com as acções de formação e principalmente, assegurar o nível de qualidade dos profissionais de direito, institui-se o Exame Nacional de Acesso. 126  No seu artigo 24.

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O exame nacional de aceso está previsto no artigo 24 do REPENA e é concebido como condição indispensável para a inscrição, como advogado, dos advogados estagiários e dos licenciados em direito que prestam assistência jurídica pelo período de 16 meses no IPAJ.

4.1. Fases do Exame Nacional de Acesso Este Exame, compreende duas partes, escrita e oral, sendo que cada uma delas vale 20 valores, que é a pontuação máxima de avaliação em Moçambique o que corresponde a nota 10 no Brasil. Na execução das mesmas provas só é permitida a consulta da legislação. O Exame Nacional de Acesso é de época única, e as datas e locais são designados por deliberação do Conselho Nacional da OAM, sempre que o número dos inscritos se justifique, não existindo um número mínimo pré-estabelecido, ou pelo menos não do conhecimento do público que exista, isso porque o número de candidatos é sempre variável. Os exames são realizados no mesmo dia e hora, em pelo menos três cidades do país, distribuídas entre as três regiões do país Sul, Centro e Norte127. Devendo sempre os candidatos que não tem base e nenhuma das três cidades se deslocar a fim de poder fazer o exame. O júri para efeitos da prova oral do exame nacional de acesso é composto por três membros indicados pelo CNAEE. A prova oral consiste numa exposição pelo advogado estagiário, sobre um caso concreto que foi objecto do tratamento doutrinário ou jurisdicional controverso, presen127  Maputo, representando a zona sul, Sofala, representando o Centro e Nampula representando o norte do pais

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cialmente do que tenha tido conhecimento ao longo do seu estágio128 . A prova escrita, tem duração máxima de três horas e deve ter cumulativamente, pelo menos, um exercício racional com a ética e deontologia profissional, um exercício que obriga a elaboração de peças processuais ou que importe a elaboração de um parecer jurídico relevante para o exercício da profissão no contesto especifico do pais e um exercício da área penal, cível e laboral129.

4.2. Vantagens e Desvantagens da Instituição do Exame de Acesso como Requisito para Ingressar a Ordem dos Advogados Como diz o ditado Latim Ubi Commoda, Ibi Incommoda. Diferente não acontece quando falamos do Exame de Acesso, pois existem varias vantagens que por si só são notórias, porém existem também algumas inquietações, para não tratarmos directamente como desvantagens salvo melhor entendimento. Da Vantagem • Uma forma de garantir advogados com uma formação de qualidade, e com capacidade mínima de garantir a justiça aos cidadãos que confiam nas suas habilidades técnicas de gerir conflitos que envolvem conhecimento jurídico; Da Desvantagem • Alto número de reprovações dos candidatos que se submetem ao Exame, isso as vezes não pela falta de prepa128  Artigo 28 do REPENA 129  Artigo 27 do REPENA.

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ração do estagiário, mas pela falta de clareza na forma que é feito o processo de avaliação. O que em algum momento leva a questionar a imparcialidade do processo.

5. Direito Comparado Tal como ocorre em Moçambique, também na maioria dos países da CPLP, tais como Portugal, Brasil e Cabo Verde os licenciados em Direito estão sujeitos a comprovação da aptidão profissional através de um Exame Nacional de Acesso as respectivas Ordens de Advogados. Em Moçambique, a legalidade do exame nacional vem implicitamente regulado no EOAM n.o5 do artigo 145.Tal como acontece nos demais ordenamentos, duma forma expressa, os estatutos já preveem a figura do exame profissional como um elemento chave para se chegar a qualidade de Advogado. Todos os aspectos relacionados ao Exame, vem definido no REPENA. Realiza-se o exame nacional de acesso a OAM, sob amparo legal do regulamento de Estágio Profissional e Exame Nacional de Acesso à Advocacia130. No Brasil, esta questão está devidamente consagrada no artigo 8º, VI, da Lei 8.906, de 1994 e rege-se pelo provimento nº 144/2011. Em Portugal, é o artigo 195º do Estatuto que qualifica o exame como o culminar do período do estágio, onde se realiza a prova de agregação131.

130  Deliberação nº8/CN/2014 de 30 de Janeiro, que aprova o REPENA 131  A prova de agregação consiste em avaliar os conhecimentos adquiridos nas duas fazes do estágio, dependendo a atribuição do título de advogado de aprovação nesta prova., nº 6 do artigo 195 do EOAP

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Por seu turno, em Cabo Verde, este dever, consta do Capítulo IV, artigo 33 do Regulamento Nacional de Estágio132. O exame nacional de acesso, tanto em Moçambique, como em Portugal e em Cabo Verde, é concebido como o culminar das duas fases do estágio profissional para o exercício da advocacia e é condição necessária para adquirir a qualidade de advogado133. Pelo contrário, no ordenamento jurídico brasileiro, os estágios profissionais, fazem parte dos currículos das faculdades de direito, a OAB, não efectua qualquer tipo de fiscalização ao estágio. O papel da OAB, cinge-se na aferição da qualidade profissional dos licenciados em direito através da realização do exame nacional de acesso a OAB. Assim como acontece em Moçambique nos demais países da CPLP, tal como, São Tomé e Angola, os estatutos são claros, para o exercício da advocacia basta que se seja licenciado em Direito e tenha realizado com êxito o estágio profissional para o exercício da advocacia, significando a realização com êxito, ter sido aprovado nos exames da OAM.

6. Conclusão Exame nacional de acesso está previsto no artigo 24 do REPENA e é concebido como condição indispensável para a inscrição, como advogado, dos advogados estagiários e dos licenciados em direito que prestam assistência jurídica pelo período de 16 meses no IPAJ. Essa obrigação de aprovação no exame nacional de acesso como condição indispensável 132  Regulamento 52-A/2005 133  Para Portugal, artigo 195 do EOAP e para Moçambique o artigo 145 do EAOM e para Cabo Verde o Regulamento Nacional de Estágio.

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apenas surgiu, com a aprovação do REPENA, em 30 de Janeiro de 2014. Sendo uma necessidade de ordem social e/ou legal, é legítimo que a OAM, prepare os licenciados em direito para o exercício da advocacia, ministrando as acções de formação profissional, necessárias com domínio da ética e deontologia profissional e das práticas forenses. Culminando com o exame nacional de acesso como forma de selecção dos candidatos “mais aptos” (diga-se de passagem) para o exercício da advocacia, isto pela necessidade de trazer indivíduos com capacidade técnica e moral adequada para servir a justiça e representar os interesses dos cidadãos, junto as instâncias competentes. E conforme verificamos a realização do Exame Profissional, para ingressar na Ordem dos Advogados, não é uma prática exclusiva de Moçambique, mas nos demais países da CPLP, os licenciados em Direito que queiram exercer a função de Advogado são submetidos a um Exame. Com isto, entendemos nós que esse processo, não deve ser um entrave para que os recém-licenciados obtenham a carteira, mas sim uma oportunidade de aprendizado. Temos constantemente verificado um número elevado de reprovações, o que leva-nos a questionar, se a falha tem mesmo que ver com o fraco conhecimento por parte dos estudantes das matérias avaliadas, ou a baixa qualidade e acompanhamento, e/ou fiscalização no período de estágio que se apresenta como uma fraqueza na preparação dos nossos futuros Advogados. A ser assim, seria de bom-tom que a rigorosidade aplicada no período do Exame, fosse também capitalizada no período da realização do estágio, só assim estaremos a ir de 164


encontro com o real objectivo do Exame selecionar os “melhores entre os bons, e não os maus entre os piores”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CORREIA, Gilberto. Estatuto da OAM e Lei das Sociedades de Advogados, Anotado e Comentado, primeira Ed. W_Editora,2014. REPENA Aprovado pela Deliberação n.o8/CN/2014, de 30 de Janeiro. Lei n.o10/2006 regula o Estatuto da Ordem dos Advogados São Tomé e Príncipe. Lei n.o8.906 de 04 de Julho de 1994, Estatuto da Advocacia e da OAB e Legislação Complementar.

REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS www.sigarra.up.pt/ptnoticiasgeral.ver_noticia?p_nr=602 www.oam.org.mzpautageral-do-ena-outubro-2018-e-analise-estatistica/

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O ENSINO DO DIREITO E A JUSTIÇA RESTAURATIVA Sónia Moreira Reis134 RESUMO O ensino do direito e a Justiça Restaurativa é o tema que aqui se procura explorar. Surgindo a Justiça Restaurativa como uma teoria de Justiça que busca um modo de reação ao crime que dê resposta à vítima e às suas necessidades, deslocando assim o foco da Justiça tradicional, que normalmente impende sobre o agente do crime, para a vítima, resulta evidente que a interseção a estabelecer entre o ensino do Direito e a Justiça Restaurativa se centra no plano do Direito Penal e do Direito Processual Penal. Qual o conteúdo desse ensino a promover é o que se delimitará no texto seguinte. Palavras-chave: Justiça Restaurativa, reparação, mediação, vítima, ofensor.

134  Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Doutoranda e Mestre (ramo de Ciências Jurídico-Criminais) pela mesma Faculdade. É membro do Instituto de Direito Penal e Ciências Criminais (IDPCC) e do Centro de Investigação em Direito Penal e Ciências Criminais (CIDPCC), ambos da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Colabora regularmente com Instituições de Ensino Superior nacionais (Instituto Superior de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa) e estrangeiras (Fachhochschule Kiel im Fachbereich Soziale Arbeit und Gesundheit - Alemanha) e participa regularmente em projetos financiados pela UE (Restorative Justice at Post-Sentencing level – Supporting and protecting victims: JUST/2011 – 2012/AG; Building Bridges: JUST/2013/JPEN/ AG; Protasis: JUST/2015/RDAP/AG/VICT/9318; Pro Victims: JUST-AG-2017/ JUST-JACC-AG-2017). Já exerceu funções públicas no âmbito da Justiça Restaurativa (Diretora-Adjunta do GRAL-Ministério da Justiça, 2008-2011).

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ABSTRACT Teaching law and Restorative Justice is the topic that one wishes to explore on the following text. Taking to account that Restorative Justice arises as a theory of justice that seeks a way of responding to crime mainly focused on the victim and on the victim’s needs and that, to do so, it tries to change the traditional justice lenses, generally focused on the perpetrator, into the victim and to the victim’s needs, it turns evident that the intersection to be established between the teaching of Law and Restorative Justice must be focused on Criminal Law and Criminal Procedure Law. What should be the content of this teaching will be outlined on the following text. Keywords: Restorative Justice, reparation, mediation, victim, offender.

1. Introdução Em Portugal, a Justiça Restaurativa não integra o plano de estudos dos cursos de licenciatura em Direito de modo autónomo. Ou seja, no primeiro ciclo de estudos não há uma disciplina de Justiça Restaurativa, nem na oferta de ensino público, nem na de ensino privado. Embora esta ausência não constitua solução original na vertente comparada, a verdade é que há interseção entre o ensino do Direito e a Justiça Restaurativa no plano penal. E isto em duas dimensões: uma substantiva e outra adjetiva. O presente texto pretende precisamente evidenciar o modo como essa interseção se pode efetivar, delimitando os conteúdos dogmáticos a explorar em cada um dos planos assinalados. Para esse efeito, come167


çaremos por definir a Justiça Restaurativa (ponto n.º 2), para depois analisar as dimensões substantiva (ponto n.º 3) e adjetiva (ponto n.º 4) da presente reflexão, avançando por fim para breves conclusões (ponto n.º 5). Adianta-se que o ponto de partida do texto subsequente é o ordenamento jurídico português, onde a Justiça Restaurativa está em geral presente por meio da referência a uma das suas práticas: a mediação. Entendo que a Justiça Restaurativa é o campo dogmático que incorpora diferentes práticas restaurativas, como a mediação, os círculos de sentença o conferencing ou as Family Group Conferences, por exemplo, pelo que a designação chapéu ou abrangente será Justiça Restaurativa. Não obstante, o legislador nacional, em cumprimento de obrigações assumidas no contexto da União Europeia (UE), terá optado na aprovação da Lei n.º 21/2007, de 12 de junho, por um modelo que cria um regime de mediação penal, em execução do artigo 10.º da Decisão Quadro n.º 2001/220/JAI, do Conselho, de 15 de Março, relativa ao estatuto da vítima em processo penal. Mas a verdade é que já anteriormente a Lei Tutelar Educativa, aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14 de setembro, consagrava a mediação como um princípio geral do processo tutelar destinado a jovens em situação de delinquência entre os 12 e até perfazerem 16 anos (cf. artigo 40.º da Lei), idade em que se atinge a maioridade penal em Portugal, de acordo com o artigo 19.º do Código Penal Português. Esta preferência declarada pelo legislador luso pela mediação explica-se por ser esta a prática restaurativa mais difundida no contexto Europeu e presente nas orientações da UE, como na Decisão Quadro n.º 2001/220/JAI já mencionada. Todavia, este estado de coisas mudou com o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 168


12 de outubro, cujo artigo 47.º, n.º 4 estabelece a possibilidade de o recluso participar em programas de Justiça Restaurativa, nomeadamente através de sessões de mediação com o ofendido. Gizado o enquadramento legal da Justiça Restaurativa em Portugal, inicia-se a reflexão proposta.

2. O que é a Justiça Restaurativa? Com raízes culturais e religiosas ancestrais, presentes nas culturas Índia da América do Norte, Maori da Nova Zelândia ou Aborígene da Austrália, a Justiça Restaurativa ganhou dignidade dogmática e expressão prática sobretudo na segunda metade do século XX, altura em que se iniciou a busca por uma (nova) forma de realização de Justiça, centrada na vítima e nas necessidades que o crime nela geram. É que a Justiça Penal até então vigente era essencialmente retributiva, assente na punição do agente, que deveria expiar o seu crime como quem expia um pecado. E para efetivar essa punição, a vítima servia como prova e todo o sistema jurídico-penal era erigido em torno do agente do crime, descurando a vítima. Por isso que processos de vitimização secundária, em que a vítima era vítima do crime e depois do próprio processo instaurado, eram frequentes, já que ela era vista como um meio de obtenção de prova, que não impedia que fosse por exemplo sistematicamente interrogada ou confrontada com o agressor, sem qualquer proteção. A reação a este estado de coisas e a busca de reforma(s) do sistema criminal ecoava em várias fontes. Desde a Vitimologia à Criminologia, passando pelos estudos Feministas do Direito, várias eram as vozes que clamavam por uma forma de Justiça menos adversarial e masculina e mais 169


conciliadora e feminina. É neste contexto que surge, a partir de meados da década de 70 do século XX, a moderna roupagem da Justiça Restaurativa (Restorative Justice), altura em que Eglash terá pela primeira vez utilizado essa expressão135. E foi também nessa década que uma das práticas restaurativas de maior expressão, a mediação, foi pela primeira vez utilizada no plano judicial por iniciativa de um probation officer, chamado Mark Yantzi, em Kitchener (Ontário), no Canadá, que obteve autorização para o efeito num processo judicial que envolvia dois jovens, de 18 e 19 anos, que teriam cometido 22 crimes de dano numa noite, causadores de um grande e grave alarme social naquela pequena comunidade136 . A teorização da Justiça Restaurativa continuou, com particular fulgor a partir dos trabalhos de Zehr, que propunha uma mudança da “lente” da Justiça, trocando a objetiva punitiva por uma outra restaurativa137. Esse fulgor não mais esmoreceu, com intensa teorização e produção científica promovida por vários AA., até ao momento presente138 . 135  Sobre o surgimento da Justiça Restaurativa e dessa expressão em concreto a partir da distinção entre Justiça Retributiva, Justiça Distributiva e Justiça Restaurativa, sustentada por Eglash num conjunto de escritos publicados entre 1958 e 1977, REIS, Sónia Moreira. Justiça Restaurativa, in Criminologia e Reinserção Social (coord. Fausto Amaro e Dália Costa). Lisboa: Pactor, 2019 (pp. 231-251), pp. 232 e ss. 136  Desenvolvidamente, REIS, Sónia Moreira. Justiça Restaurativa..., como na nota anterior, p. 234. 137  Cf. ZEHR, Howard. Changing lenses: a new focus for crime and justice, Scottsdale, PA: Herald Press. 1990; The little book of Restorative Justice. Intercourse, PA: Good Books, 2002. 138  A obra mais recente com maior projeção internacional relacionada com o foco de análise que ora se pretende promover talvez seja, pela dimensão e temas abordados, GRAVIELIDES, Theo (ed.). Routledge International Handbook of Restorative Justice, NY: Routledge, 2019. Mas também será de destacar, por especialmente focados na relação entre a Justiça Restaurativa e o sistema criminal: O’MAHONY, David; DOAK, Jonathan. Reimagining Restorative Justice: Agency and Accountability in the Criminal Process, Oxford e Portland, Oregon: Hart Publications, 2017. Em Portugal, a obra de fundo sobre Justiça Restaurativa pertence a SANTOS, Cláudia Cruz. A Justiça Restaurativa. Um modelo de reacção ao crime diferente da Justiça Penal. Porquê, Para quê e como?, Coimbra: Coimbra Editora,

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Nestes termos, a Justiça Restaurativa potencia a reparação dos danos causados pelo crime e permite a reparação das relações humanas, repondo a dignidade, a segurança, a confiança e a responsabilidade abaladas pela prática do crime. Para isso, é promovido um processo restaurativo, que conta com a presença da vítima, do ofensor e, por vezes, de representantes da comunidade, que são auxiliados por um terceiro imparcial, que pode ser o mediador ou o facilitador, consoante o processo restaurativo em causa, com vista à promoção do diálogo entre os intervenientes, à assunção de responsabilidade por parte do ofensor, à restituição do poder à vítima que o crime lhe sonegou (empowerment=empoderamento) e, em última análise, à reparação do dano ocasionado pela prática do crime. Por isso que a definição mais comum de Justiça Restaurativa tem ínsita a ideia de um processo em que participam a vítima, o ofensor e, quando apropriado, representantes da comunidade, sempre auxiliados por um terceiro imparcial. E é precisamente essa a definição que encontramos na generalidade dos instrumentos de Direito Internacional que consagram a Justiça Restaurativa, designadamente na Resolução n.º 2002/12, de 24 de julho, do Conselho Económico e Social da Organização das Nações Unidas (ponto 1-2 do Anexo), na Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão-Quadro 2001/220/JAI do Conselho (cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea d) da Diretiva) ou na Recomendação do Conselho da Europa (2018)8, de 3 de outubro, sobre a Justiça Restaurativa em matéria penal (cf. anexo II. 3.). Também no plano interna2014.

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cional se deu uma mudança de paradigma, pois ao contrário dos instrumentos iniciais, focados quase sempre na mediação, o tempo é agora da Justiça Restaurativa139. Definida a Justiça Restaurativa, apuremos como pode ser o seu ensino promovido no âmbito do Direito Penal primeiro e no do Direito Processual Penal depois.

3. O ensino da Justiça Restaurativa no Direito Penal No plano do Direito Penal, o ensino da Justiça Restaurativa pode ser promovido 1) a propósito do estudo do conceito material de crime quando se utilize o argumento criminológico para efeitos da determinação dos limites do Direito Penal140; 2) relativamente à análise das sanções criminais, explorando as diferentes possibilidades de um modelo de reparação; 3) e ainda nos quadros da discussão dos fins das penas, sendo de discutir se a reparação que a Justiça Restaurativa promove será um fim a autonomizar, para além da prevenção geral e da prevenção especial. Quanto ao estudo do conceito material de crime e ao argumento criminológico referido como ponto 1, a vergonha reintegrativa (reintegrative shaming) assume aqui um papel 139  Vejam-se o artigo 10.º da Decisão Quadro n.º 2001/220/JAI, do Conselho, de 15 de Março, que entretanto deu lugar à Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, a que já se fez menção ou a Recomendação do Conselho da Europa n.º R(99, de 15 de setembro, sobre mediação em matéria penal, entretanto suplantada pela citada Recomendação do Conselho da Europa (2018)8, de 3 de outubro, onde se giza o plano de intervenção da Justiça Restaurativa em matéria penal. Sobre a mudança de paradigma a propósito da mui recente Recomendação do Conselho da Europa (2018)8, de 3 de outubro, HAGEMANN, Otmar. Commentary on the Council of Europe Recomendation (2018)8, Revista de Victimologia, n.º 8, 2018 (pp. 154-176), p. 154 e ss. 140  A construção do conceito de material de crime também a partir do argumento criminológico segue o ensinamento de PALMA, Maria Fernanda, Direito Penal, conceito material de crime, princípios e fundamentos. Teoria da lei penal: interpretação, aplicação no tempo, no espaço e quanto às pessoas, 4.ª ed., Lisboa: AAFDL, 2019.

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de destaque. A partir dos estudos de Braithwaite141, no contexto das teorias do controlo142 , a teoria da vergonha reintegrativa arranca da ideia central de que uma reação social ao crime assente em uma pirâmide regulatória, com estruturas informais de controlo na base, que se vão progressivamente formalizando e endurecendo no modo de intervenção até atingir o vértice superior da pirâmide, evitaria fenómenos de déviance secundária. Esclareçamos. Em geral, o sentimento de vergonha assume conotação negativa. Todavia, na Teoria de Braithwaite, a provocação de vergonha naquele que prevaricou tem lugar em um ambiente seguro, normalmente integrado por elementos da sua família e por outras pessoas significativas. Tudo isto se desenrola nos quadros de um processo restaurativo, como o conferencing, em que para além do agente do crime e das suas pessoas significativas, estarão igualmente presentes a vítima, os apoiantes desta, a par dos facilitadores. Eventualmente, participarão representantes da comunidade. Durante o processo restaurativo a empreender, a vítima e os demais participantes no processo restaurativo terão oportunidade de confrontar o agente do crime com perguntas relacionadas com o contexto em que 141  Seu pensamento, posteriormente aprimorado e alargado. Exemplificativamente: Diversion, reintegrative shaming and Republican Criminology, in Diversion and informal social control (ed. Günter Albrecht e Wolfgang Ludwig-Mayerhofer. Berilm e NY: Walter de Gruyter, 1995, pp. 141-158. Note-se que Braithwaite também tem desenvolvido o seu pensamento em parceria com outros AA., por exemplo: BRAITHWAITE, John, e PETTIT, Phillip. Not just deserts: a republican theory of Criminal Justice. Oxford: Oxford University Press, 1990; BRAITHWAITE, John et all. Shame Management Through Reintegration. Melbourne: Cambridge University Press, 2001 142  Neste sentido, AMARO, Fausto. Criminologia e Reinserção Social, in Criminologia e Reinserção Social (coord. Fausto Amaro e Dália Costa). Lisboa: Pactor, 2019 (pp.1-20), pp. 8-10. Todavia, a recondução do pensamento de Braithwaite às teorias do controlo não é inequívoca, dada a plêiade de influências criminológicas que o inspiram. Sobre isto, UGGEN, Christopher. Reintegrating Braithwaite: shame and consensus in criminological theory. Law & Social Inquiry, vol. 18, n.º 3 (pp. 481-499), pp. 481 e ss.

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o crime foi praticado, com as consequências e implicações pessoais e outras que o crime trouxe para a vida da vítima ou o que se revela necessário para que o dano ocasionado pela prática do crime possa ser reparado. Durante este processo, a vergonha do agente prevaricador emerge. Trata-se de uma vergonha que o reintegra na sociedade e que implica a reconstrução de si mesmo, por meio de um processo de transformação interior143. É assim reintegrativa e por isso positiva, por promover a assunção de responsabilidade pelo agente. Este será dos primeiros níveis de intervenção que a pirâmide regulatória de Braithwaite sustenta. Frustrando-se esta forma de intervenção, nomeadamente por o agente violar os termos do acordo de reparação alcançado e reincidir na prática de crime(s), seguir-se-ão outras formas de intervenção presentes na pirâmide regulatória, incluindo a judicial144 . A construção do conceito material de crime a partir do argumento criminológico com apelo à vergonha reintegrativa será portanto uma primeira linha de interseção a explorar. Olhando agora para o ponto n.º 2 proposto, as sanções criminais, a discussão gira em torno da questão de saber se a Justiça Restaurativa pode ser erigida em consequência jurídica do crime, reflexão normalmente realizada a partir dos modelos de reparação. Tomando os diferentes modelos explicativos que são gizados a este propósito145, e pondo de143  PALMA, Maria Fernanda, Direito Penal, conceito material de crime, princípios e fundamentos. Teoria da lei penal: interpretação, aplicação no tempo, no espaço e quanto às pessoas, cit., p. 35. 144  Note-se que, embora esta construção piramidal tenha um claro intento de intervenção do processo restaurativo em fases pré-judiciais, a verdade é que o modelo pode ser adaptado e a promoção dos processos restaurativos pode ter lugar nas várias fases processuais, incluindo na fase pós-sentença, como em Portugal o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade permite. 145  Desenvolvidamente, MONTE, Mário Ferreira. Da Reparação Penal Como Consequência Jurídica Autónoma do Crime, in “Liber Discipulorum” para Jorge

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claradamente de parte aquele que se pode intitular de autonomista radical ou mesmo abolicionista146 , designadamente por entender que a Constituição da República Portuguesa (CRP) legitima tanto o Direito Penal como as restrições dos direitos, liberdades e garantias que nos seus quadros se promove. Por isso, não haverá lugar para a substituição do Direito Penal pela Justiça Restaurativa. Assim, a discussão situa-se nos modelos autonomista, em sentido estrito ou moderado. A questão fundamental a debater é esta: deve ou não a Justiça Restaurativa e o seu ideal reparador consubstanciar uma terceira via, ou, nas palavras de Hassemer uma terceira gaveta (dritte Schublade) das consequências jurídicas do crime, que pode ser aberta em articulação com a primeira gaveta, que conteria as penas, e com a segunda, onde constariam as medidas de segurança147? A ideia de que a reparação poderia ser autonomizada foi avançada há muito por AA. como Albin Eser ou Claus Roxin que, em 1992, apresentaram, juntamente com outros Professores de nacionalidades alemã, austríaca e suíça, o Projeto Alternativo de Reparação do Dano (Alternativ-Entwurf Wiedergutmachung - AE-WGM148 , onde a efetivação da reparação daria de Figueiredo Dias (org. Manuel da Costa Andrade et al.). Coimbra: Coimbra Editora, 2003, pp.129-155. 146  Sobre isto, HASSEMER, Winfried, Contra el Abolicionismo: Acerca del Porqué No se Debería Suprimir el Derecho Penal. Revista Penal, n.º 11, 2003 (pp. 31-40), pp. 31 e ss.; HIRSCH, Hans Joachim, La Reparación del Daño en el Marco del Derecho Penal Material, in De los Delitos y de las Víctimas (coord. Julio B. J. Maier). Buenos Aires: ADHOC, 1992 (pp. 55-90), pp. 58 e ss. 147  Sobre a imagem aludida, HASSEMER, Winfried. Warum Strafe Sein Muss, 2.ª ed., Berlim: Ullstein, 2009, pp. 246 e ss. Note-se que a ideia da reparação como terceira via das consequências jurídicas do crime também é sustentada em Portugal, por exemplo por DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime. Lisboa: Notícias Editorial, 1993, pp. 45-46 e 77-79. 148  Para um enquadramento histórico e dogmático do Projeto Alternativo de Reparação do Dano, PALERMO, Pablo Galain. La reparación del daño a la víctima del delito. Valencia: Tirant lo Blanch, 2010, pp. 147 e ss.; SANTANA, Selma Pereira de. A reparação como consequência jurídico-penal autônoma do delito, o projeto

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preferencialmente lugar à não punição ou à atenuação da pena. Não obstante, creio que o foco de discussão se modificou. Ali discutia-se o ideal reparador, apenas. Mas o que ora proponho é que a ideia de reparação seja apreciada sob o enfoque da Justiça Restaurativa. A uma nova luz, portanto. Acredito que foi isso que fez já o legislador alemão que, no §46a do Strafgesetzbuch (StGB), a propósito da determinação da sentença, admite que, no caso de ter havido lugar a mediação vítima-ofensor (Täter-Opfer-Ausgleich), com a consequente reparação da vítima (seja ela material ou simbólica), a sentença possa ser atenuada ou, no caso de estar em causa a condenação a pena de prisão efetiva até um ano ou pena de multa até 360 dias, poderá mesmo o julgador equacionar a não cominação daquelas penas. Em Portugal, apesar de o princípio geral da reparação constar do Código Penal, não se prevê norma semelhante à do StGB, pelo que, a meu ver, o ideal reparador que aqui se consagra não implica necessariamente um processo restaurativo, o mesmo é dizer que não terá sempre o envolvimento da vítima, ao contrário do que se busca no âmbito da Justiça Restaurativa. Passemos, por último, para o ponto n.º 3 proposto. O facto de a aproximação reparadora implicar, nos quadros da Justiça Restaurativa, uma composição a concretizar entre o agente e a vítima significa para alguns a privatização do crime, pelo que a Justiça Restaurativa seria alheia à prossecução de quaisquer fins149. O entendimento que aqui sustento é diverso. O processo restaurativo promove, por via da mediaalternativo de reparação: algumas objeções, in “Liber Discipulorum” para Jorge de Figueiredo Dias (org. Manuel da Costa Andrade et al.), Vol. II. Coimbra: Coimbra Editora, 2009 (pp. 890-930), pp. 896 e ss. 149  Sobre o problema, FARIA, Paula Ribeiro de, A Reparação Punitiva – Uma “Terceira Via” na Efectivação da Responsabilidade Penal?, in “Liber Discipulorum” para Jorge de Figueiredo Dias (org. Manuel da Costa Andrade et al.). Coimbra: Coimbra Editora, 2003 (pp. 259-291), p. 269.

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ção, do conferencing ou de outro processo restaurativo eleito, a assunção de responsabilidade pelo agente. Isto não é pouco. Ao assumir responsabilidade quanto ao facto praticado, o agente está na realidade a reconhecer que agiu contrariando o que o ordenamento jurídico, e por esse meio a comunidade, exigia e esperava. Por isso, ao assumir responsabilidade, o agente está a reconhecer a validade da norma que violou e assim a proteção do bem jurídico que lhe é conferida. A reparação, percebida enquanto consequência jurídica do crime, tem assim um efeito preventivo geral no seu melhor sentido150. Quer dizer, a paz jurídica é restaurada principalmente através do ressarcimento da vítima e da conciliação entre autor e vítima. Logo, o conflito é resolvido, a ordem jurídica restabelecida e a força impositiva do Direito comprovada de um modo claro para a generalidade dos indivíduos. Mas a reparação também é ajustada aos fins de prevenção especial . Importa aclarar que a reparação que se considera nos quadros da Justiça Restaurativa é estritamente voluntária, ou seja, a participação no processo restaurativo é sempre voluntária para todos os envolvidos, maxime para o agente e para a vítima. Assim, durante o processo restaurativo, o agente debate-se interiormente de modo voluntário com o facto que praticou e suas consequências. Aceitando reparar, ajuda a vítima por meio de prestações ativas. Donde, é o próprio agente que atua, voluntariamente, de modo ressocializador. De facto, é o agente que pratica o crime que promove a sua reintegração na sociedade, ativamente, o que resulta do pro150  Assim, ALMEIDA, Carlota Pizarro de. A Mediação Perante os Objetivos do Direito Penal, in A Introdução da Mediação Vítima-Agressor no Ordenamento Jurídico Português. Coimbra: Almedina, 2005 (pp. 39-51), pp. 40-41; DIAS; MORÃO, Helena, «Justiça Restaurativa e Crimes Patrimoniais na Reforma Penal de 2007», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias (org. Manuel da Costa Andrade et al.), Vol. III. Coimbra: Coimbra Editora, 2010 (pp. 527-543), p. 531.

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cesso restaurativo. E assim se alcança também a finalidade de prevenção especial151. Do exposto não resulta, pois, a autonomização da Justiça Restaurativa e do seu ideal reparador como um fim em si mesmo ou como um específico fim das penas. Na posição aqui sustentada, a Justiça Restaurativa prossegue e realiza finalidades de prevenção geral e de prevenção especial. Passemos agora para o plano adjetivo.

4. O ensino da Justiça Restaurativa no Direito Processual Penal Embora entenda que a Justiça Restaurativa e as suas práticas devem poder ter lugar em qualquer fase do processo penal, por não encontrar objeções constitucionais ou obstáculos dogmáticos a uma tal solução, a verdade é que em Portugal essa possibilidade vai restrita à fase de inquérito, nos termos estabelecidos na Lei n.º 21/2007, de 12 de junho, antes citada. Trata-se de um modelo intraprocessual, que apenas permite a remessa de processos para mediação penal quando tenha sido instaurado um processo crime, o que veda qualquer possibilidade de mediação informal prévia ao processo penal ou tendente a evitar um processo, em cumprimento do princípio da legalidade, distanciando-se por isso o modelo legislativo português das soluções mais comuns do mundo anglo-saxónico. Por outro lado, o facto de o legislador vedar em absoluto a mediação aos crimes de natureza pública e aos que compreendam pena de prisão superior a 5 anos traduz-se, a final, num fraco saldo de crimes suscetíveis de ser remetidos para o processo de mediação: apenas os crimes de 151  Assim também MORÃO, Helena, como na nota anterior, p. 530.

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natureza particular ou de natureza semi-pública, exceto os crimes contra a liberdade e contra a audeterminação sexual, são abarcados152 . Este afunilamento sucessivo dos requisitos legais explica o também sucessivo emagrecimento dos processos remetidos para o Sistema de Mediação Penal. De acordo com os dados estatísticos da Direção-Geral da Política da Justiça, organismo da Administração central do Estado que em Portugal gere os sistemas de mediação pública, onde se insere o Sistema de Mediação Penal, a par dos Sistemas de Mediação Civil, Familiar e Laboral, o número de processos remetidos para mediação penal nos anos de 2017 e 2018 é inexistente, ou seja, a informação não é facultada, o que significa que os números se situam próximo do 0153. Não pretendo com isto declarar o óbito da mediação penal e por essa via da Justiça Restaurativa. Aliás, toda a minha atuação científica e prática na Academia a que pertenço tem visado sempre a promoção da Justiça Restaurativa e suas práticas, designadamente em ambiente prisional. Faço assim notar que pugno pela existência e pelo impulso da Justiça Restaurativa. Nunca pelo seu óbito. Porém, os números são elucidativos. E a verdade é que, em certa medida, eles são explicados por uma opção dogmática e legislativa: o legislador português perspetivou o Sistema de Mediação Penal criado essencialmente como uma alternativa ao sistema processual 152  Desenvolvidamente, REIS, Sónia Moreira. Justiça Restaurativa..., cit., pp. 246 e ss. e A vítima na mediação penal em Portugal, Revista da Ordem dos Advogados, ano 70, Vol. I/IV (pp. 573-590), pp. 573 e ss., disponível em https://portal. oa.pt. 153  Informação disponível no site www.dgpj.mj.pt, consultado pela última vez em 15.04.2019. A conclusão de que o número de processos remetidos para mediação penal se situa próximo do 0 resulta do facto de, em termos legais, o segredo estatístico impedir a divulgação dos números disponíveis sempre que o número de processos seja muito reduzido, com vista à salvaguarda da privacidade dos cidadãos e da confiança no sistema, em cumprimento do princípio do segredo estatístico, que integra o Sistema Estatístico Nacional, nos termos do disposto no artigo 6.º da Lei n.º 22/2008, de 13 de maio.

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penal. Ou seja, o Sistema de Mediação Penal opera estritamente durante a fase de inquérito e a remessa de processos para esse Sistema tem sido encarada como uma forma de diversão processual, a par de outras, como o arquivamento em caso de dispensa de pena (artigo 280.º do Código de Processo Penal – CPP) ou a suspensão provisória do processo (artigo 281.º do CPP). Quer isto significar a opção por um modelo alternativo de Justiça Restaurativa, que será ativado em vez do sistema tradicional de justiça. Opção que por sua vez justifica a restrição do Sistema de Mediação Penal à pequena criminalidade, atenta a necessidade de proteção dos bens jurídicos, que um sistema alternativo não poderá asseverar. Quid iuris se equacionarmos uma mudança de paradigma, com o abandono da alternatividade descrita e com a passagem a um modelo complementar à Justiça Tradicional? Um modelo complementar em que a Justiça Restaurativa e as suas práticas, como a mediação, operariam a par do sistema tradicional de justiça, comunicando com ele. Talvez assim o âmbito de aplicação do Sistema de Mediação Penal pudesse ser reequacionado, abarcando tipologia de crimes mais abrange. E com penas mais graves. Mais além, é possível que a discussão no ensino da disciplina de Direito Processual Penal, hoje cingida sobretudo à questão de saber em que momento da fase de inquérito pode o processo ser remetido para mediação penal, se logo que reunidos os elementos essenciais que compõem o objeto do processo, como a identificação do arguido, da vítima, da tipologia de crime e da base factual essencial, ou se apenas no final da fase de inquérito, seria ultrapassada por uma discussão mais alargada, abrangendo todas as fases processuais154 . Mas essa é por ora uma discussão estritamente académica... 154  Sobre os termos da discussão, REIS, Sónia, A vítima na mediação penal

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5. Conclusão O ensino da Justiça Restaurativa no contexto penal iniciou há pouco o seu caminho em Portugal. A próxima década será de afirmação científica, com expansão do campo de intervenção, até à autonomização do seu estudo em uma nova disciplina do plano de estudos do curso de licenciatura. Nascerá assim a disciplina Justiça Restaurativa, dotada de um quadro jusdogmático próprio. É esta a conclusão que vaticino. Estimo que o futuro efetive este breve exercício de prospetiva...

em Portugal..., cit.. Sustentando a mediação penal como uma forma de diversão processual, por exemplo MENDES, Paulo de Sousa. Lições de Direito Processual Penal. Coimbra: Almedina, 2018, p. 84.

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MEDIDAS DE COACÇÃO EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE Roberto do Espírito Cotrim155 RESUMO Ao longo da dissertação, iremos tratar do regime jurídico da medida de coacção. As medidas de coacção são meios processuais de limitação da liberdade pessoal que têm por finalidade acautelar a eficácia do procedimento tanto quanto ao seu desenvolvimento, como quanto à execução das decições condenatórias. O procedimento penal nasce com um acto do Ministério Público, em consequência da notícia do crime e até à sua conclusão pode se mostrar um processo moroso. Durante qualquer das fases do processo o arguido poderá frustar-se à acção da justiça, fugindo ou procurando fugir, poderá dificultar a investigação, procurando esconder ou destruir meios de prova , ou intimidando as testemunhas e poderá continuar a sua actividade criminosa. Para evitar estes riscos, o CPP predispõe de uma série de medidas cautelares de natureza penal com o fim de impor limitações à liberdade pessoal dos arguidos. O que se pretende com este trabalho é fazer uma abordagem por toda a problemática das medidas de coacção, começando pela sua noção, enquadramento e finalidades, passando por tudo o que envolve a sua aplicação e cumprimento. E finalizando com a caracterização e posição no que se refere ao reexame oficoso das medidas de coacção. 155  Licenciado em Direito, pela Faculdade de Ciências e das Tacnologias, da Universidade de São Tomé e Príncipe, Advogado Estagiário, Yali Network Member, Entrepreneur Social e Membro Fundador da Jovem 3.0.

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Palavras-chave: Direito, Direito penal, Medidas de coacção, arguido, legalidade. ABSTRACT Throughout the dissertation, we will deal with the legal regime of the measure of coercion. Measures of coercion are procedural means of limiting personal freedom, which are intended to protect the effectiveness of the procedure both in its it development and in the enforcement of convictions. The criminal procedure is born with an act of the Public Prosecutor, as a result of the news of the crime and until its completion takes some time, sometimes long. During any stage of the proceedings, the accused may be frustrated by the action of justice, fleeing or trying to escape, may hinder the investigation, seek to conceal or destroy evidence or coerce or intimidate witnesses and may continue their criminal activity. To avoid such risks, the CPP predisposes a series of precautionary measures of a criminal nature in order to impose limitations on the personal freedom of the defendants. The aim of this work is to approach the problem of coercive measures, starting with their notion, in terms and purposes, through everything that involves their application and fulfillment, ending with the characterization and position in what is of the coercive measures. Keywords: Law, Criminal law, Measures of coercion, defendant, legality.

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1. Introdução O presente trabalho tem como tema Medidas de Coacção. Este trabalho não tem a pretensão de esgotar o tema, nem tão pouco tratar minuciosamente sobre a temática, já que para esta finalidade seria necessário um estudo bem mais aprofundado. O interesse para a definição do tema iniciou com a vivência judicial que ao longo de meses foi alimentando o interesse no tema, atento aos valores e repercursões que lhe estão subjacentes, designadamente no que diz respeito ao arguido, alvo dessas medidas de coacção, e à sociedade em geral cada vez menos tolerante a injustiças. Deste modo, o trabalho começa por falar sobre o que significam as medidas de coação, sobre as suas condições gerais de aplicação e sobre os seus requisitos gerais. No percurso seguinte serão abordados os princípios subjacentes às medidas de coacção, com especial realce no que se refere ao princípio da legalidade e ao princípio da presunção da inocência. Em último lugar, abordaremos a temática referente ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva prevista no artigo 173.º, do CPP, incidindo nas questões relativas ao mesmo, como o prazo. A metodologia utilizada na elaboração deste trabalho, passou por pesquisas bibliográficas e consultas de processos.

2. Medidas de coacção 2.1 Noção, enquadramento legal e finalidade Um dos princípios fundamentais da Constituição da República Democrática de São Tomé e Príncipe e de um Es184


tado de Direito, é o princípio da liberdade, tal como se encontra consagrado no art. 36, n.º 1, da CRDTSP. Ao princípio constitucional supra referido acresce o princípio previsto no art. 19, também da Constituição, que sob a epígrafe “restrição e suspensão”, estabelece no seu n.º 1, que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na CRDSTP, devendo tais restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Neste sentido, como ensina o Prof. Germano Marques da Silva, as medidas de coacção “são meios processuais de limitação da liberdade pessoal que têm por finalidade acautelar a eficácia do procedimento tanto quanto ao seu desenvolvimento, como quanto à execução das decisões condenatórias”156 . “Medidas de coação são restrições impostas aos direitos das pessoas em função de exigências processuais de natureza cautelar, que só podem ser aplicadas a arguidos, em processo penal, e hão de respeitar os princípios da adequação de da proporcionalidade e incluir-se entre os tipos taxativamente previstos na lei”157. Visam assim, satisfazer exigências cautelares exclusivamente processuais, de garantia do bom andamento do processo e do efeito útil da decisão, e que resultam da concreta verificação dos perigos previstos nas três alíneas, do n.º 1, do art. 161.º, do CPP, sendo de considerar ilegítima qualquer outra finalidade, de natureza substantiva, retributiva, preventiva, ou mesmo de protecção do arguido. 156  Marques da Silva, Germano; Curso de Processo Penal – Volume II: 3.ª edição, Verbo Editora, 2002, pág. 283-284. 157  Eiras, Henriques e Fortes, Guilhermina, Dicionário de Direito Penal e Processo Penal, 3.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2010, pág. 484.

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Como condições gerais de aplicação exige-se, formalmente, a prévia constituição como arguido, nos termos do art. 159.º, n.º 1, do CPP, e a existência de um processo criminal já instaurado, ou seja, um juizo de indiciação da prática de crime e a probabilidade de aplicação de uma pena. Do princípio da presunção de inocência, afirmado nos art. 11.º, da DUDH, art. 7.º, n.º 1, da CADHP, art. 40.º, n.º 2, da CRDSTP, será sempre aplicada a medida de coacção menos gravosa de entre todas as admissíveis, com respeito pelos princípios da necessidade, da adequação, da proporcionalidade, art. 159.º, n.º 2, do CPP e intervenção miníma, num critério de concordância prática. Assim, todas as medidas, à excepção da relativa ao termo de identidade e residência, são aplicáveis por um juiz, como se alcança dos arts. 163.º, e 267.º, nº 1, al. b), do CPP. A matéria em apreço encontra-se prevista pelo Código de Processo Penal, constam do Capítulo II - Das medidas cautelares e de polícia, Título II - Do processo propriamente dito, Livro II do CPP e circunscreve-se aos seus arts. 159.º a 183.º. Entre as medidas de coacção admissíveis há como uma hierárquia em razão da sua gravidade, ou melhor, o CPP está elencado e organizado por ordem crescente de gravidade.

3. Condições gerais de aplicação das medidas de coacção A aplicação de medidas de coacção depende da verificação de algumas condições. Ao nível do processo penal, e nos termos do art.º 159.º, n.º 1, do CPP, são condições necessárias, à sua aplicação, a existência de um processo criminal, a constituição de arguido, a existÊncia de indícios, em cer186


tos casos fortes, da prática de crime doloso e a verificação de exigências cautelares. Assim, para a aplicação de medidas de coacção, terá de haver um prévio procedimento, ou seja, só poderão ter lugar no âmbito de um processo já instaurado e a correr termos, sendo ainda condição básica, a prévia constituição como arguido, art.º 38.º, do CPP, da pessoa que a ela for submetido. Essa constituição como arguido tem por objectivo assegurar à pessoa a quem for aplicada qualquer medida de coação, o exercício de direitos e deveres processuais que por essa razão passam caber-lhe, arts. 41.º e ss, do CPP. Nos termos do art. 38.º, n.º 1, al. a), do CPP, exige-se que corra instrução contra pessoa determinada, esta prestar declarações perante o juiz, o Ministério Público ou órgãos de polícia criminal quando haja suspeita fundade da prática de crime.

4. Requisitos de aplicação das medidas de coacção Para aplicação de uma medida de coacção, à excepção da relativa ao termo de identidade e residência, para além da existência de indícios da prática de crime e dos requisitos específicos de cada uma delas, importa que se verifique pelo menos um dos requsitos gerais anunciados nas alíneas a), b) e c), do art.º 161.º, do CPP. De assinalar que em qualquer daquelas alíneas se utiliza a palavra “perigo”, o que significa que devemos estar perante um perigo “iminente, não meramente hipotético ou longínquo”. Assim, no momento da aplicação de uma medida de coacção, terá de se verificar, em concreto, pelo menos um dos requisitos: 187


a) Fuga ou fundado perigo de fuga Com esta previsão anunciada na alínea a), pretende-se acautelar a presença do arguido no decurso da tramitação do processo e a efectividade da decisão final, como tem sido entendido por grande parte da doutrina. É uma situação concreta indiciadora de que, previsivelmente, o arguido vai querer subtrair-se à acção da justiça. O perigo de fuga é um dos requisitos gerais alternativos de aplicação de medidas de coacção. Devemos ter em conta que é com base num juizo global de todas as circunstâncias do caso, que se pode fundamentar uma conclusão sobre a verificação de perigo de fuga face a gravidade do crime imputado, a personalidade do arguido revelada nos factos e suas consequências, a situação financeira, familiar, profissional e social do arguido, a incerteza relativamente ao modo de vida e paradeiro do arguido, as ligações com países estrangeiros, e a existência de sinais de que o arguido prepara a sua fuga, como por exemplo, bilhete de passagem, para viajar para o estrageiro num dos dias seguintes. b) Perigo de pertubação da investigação ou da realização da audiência de julgamento e, nomeadamente, perigo para aquisição, conservação ou veracidade da prova Importa desde já clarificar que este requisito abrange todas as fases do processo, pelo menos enquanto a prova não estiver fixada. Esse perigo é mais intenso na fase da investigação. Este perigo envolve toda a actividade de recolha de elementos de prova, em qualquer das fases do processo. O arguido pode ser um agente bastante perturbador, na me188


dida em que pode prejudicar a aquisição, conservação ou verasidade da prova. Para além disso, em liberdade, nada impede que o arguido possa perturbar a investigação, atemorizando ou subornando as testemunhas, ou fazendo desaparecer documentos probatórios, produzindo documentos falsos, etc. c) Atual e fundado perigo de continuação da actividade criminosa ou de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, em razão da natureza, circunstâncias do crime e da personalidade do delinquente No que se refere a estas circunstâncias, diremos que a utilização da prisão preventiva como forma de impedir a continuação da actividade criminosa constitui claramente uma medida de defesa social, uma medida de segurança, mais até do que antecipação da pena, o que viola frontalmente diversos princípios constitucionais, entre os quais a presunção de inocência. Por outro lado, a prisão preventiva como meio de prevenção geral, a salvaguarda das famosas expectativas comunitárias, mas não é evidentemente uma medida cautelar do processo, violando o princípio da presunção de inocência. Ainda no que respeita ao perigo de este pertubar a ordem e a tranquilidade públicas, leva a ter cautela na sua interpretação, uma vez que é imperioso que se exclua qualquer ideia ou tentação de aí ver uma possibilidade de utilização de medida de coacção como uma espécie de pena antecipada, ou fundamentar tal medida com motivos de prevenção geral de pacificação da comunidade. Entendemos que tais finalidades cautelares, devem ser aplicadas pressupondo o completo conhecimento do processo e do arguido e não uma qualquer presunção retirada do 189


tipo de crime que lhe é imputado, para que se justifique a absoluta necessidade de aplicação das medidas de coacção quando confrontadas com o desvirtuamento do sistema que podem acarretar.

5. Princípios subjacentes à aplicação das medidas de coacção a) Princípio da legalidade O primeiro princípio a ter em consideração aquando do requerimento de uma medida de coacção é o da legalidade, consagrado no art. 159.º, n.º 1, do CPP, -“Só o arguido pode ser sujeito a medidas de coacção.”. Este princípio para além de significar que só pode ser aplicada medida de coacção prevista na lei e para os fins de natureza cautelar nele previstos, concretiza direito internacional dos direitos humanos, como se alcança dos artigos 36.º, 37 e 98.º, al. k), da CRDSTP e art art. 6.º CADHP, referindo-se que este protege a liberdade pessoal, isto é, a liberdade de ir e vir. E mais ainda, este princípio constitui uma decorrência do princípio constitucional consagrado no art. 38.º, n.º 1, da CRDSTP, o que não poderia deixar de ser, dado que é através do processo penal que se aplica o direito penal. O princípio da legalidade impõe que as medidas de coacção se encontrem taxativamente previstas na lei no memento da sua aplicação. b) Princípio da presunção da inocência O princípio da presunção da inocência constitui um imperativo constitucional que se pode constar no art. 40.º, n.º 2, da CRDSTP, de tal modo que “todo o arguido se presu190


me inocente até ao trânsito em julgado da setença de condenação”. Do mesmo modo se estipula no art. 7, n.º 1, al. b), da CADHP, que “o direito de presunção de inocência até que a sua culpabilidade seja reconhecida por um tribunal”. O princípio da presunção da inocência assume uma grande importância tanto a nível nacional, com internacional, estando plasmado na lei fundamental, como se anunciou, como em instrumentos internacionais, como no art. 11.º da DUDH. Neste sentido, este princípio tem a sua relevância na medida em que, o processo deve assegurar todas as necessárias garantias práticas de defesa do inocente e não há razão para não considerar inocente quem não foi ainda solene e publicamente julgado culpado por sentença transitada em jugado. Assim, este princípio tem de ser respeitado pelo legislador processual penal, enquanto princípio jurídico-constitucional, e obriga todos os restantes actores judiciais do processo a tratar o arguido tendo como ponto de partida a sua inicência e não a sua culpabilidade, que só com sentença será fixada. Trata-se de uma exigência de um processo equitativo que ao arguido seja dispensado, ao longo de todo o processo, um tratamento equivalente com uma presunção de inocência. c) Princípio do prévio procedimento Este princípio tem a ver com a finalidade das próprias medidas de coacção, ou seja, só podem ter lugar dentro de um processo já instaurado e a correr termos.

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d) Princípio da prévia constituição de arguido Este princípio define que é condição básica para aplicação de medidas de coacção a prévia constituição como arguido da pessoa que a ela for submetido, ou seja, exatamente como alude o art. 159.º, n.º 1, do CPP. Aquela constituição como arguido tem por objectivo assegurar à pessoa a quem for aplicada qualquer medida de coacção, o exercício de direitos processuais atinentes à qualidade de arguido, como se alcança dos artigos 38.º e seguintes do CPP. e) Princípio da adequação, da necessidade e da proporcionalidade Qualquer medida restritiva, como já foi aludido, na esteira da Constituição, terá que assumir sempre um carácter excepcional, tão-só admitida quando estiver em defesa ou proteção de outros direitos, também, constitucionalmente garantidos e na medida necessária à prossecução dos fins que com esses meios se pretende acautelar, conforme o art. 19.º, n.º 2, da CRDSTP, proibindo-se, deste modo, o excesso das medidas relativamente aos fins pretendidos. Princípio da adequação significa que o tribunal deve escolher, dentre as medidas de coacção previstas na lei, aquela que se adapte melhor ao caso concreto. Quer isto dizer que, só serão aplicada medida mais grave no caso concreto quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção. Princípio da necessidade significa que, na aplicação das medidas de coação há-de atender-se ao respeito pela pessoa humana e que as restrições aos direitos, liberdades e garantias devem limitar-se ao necessário para salva192


guardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Princípio da proporcionalidade, segundo este princípio, a medida de coacção deve ser proporcional à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada ao arguido em razão da prática do crime ou crimes indiciados no processo. Devem, por isso, ser ponderados factores muito específicos do caso em concreto, como a gravidade dos factos, o relevo dos bens jurídicos violados e a culpabilidade do agente.

6. O ministério público Sendo uma das implicações do princípio do acusatório, a iniciativa do esclarecimento de um crime e dos seus agentes, e a posterior investigação, deve ser levada a efeito por uma entidade diferente da julgadora, que deve também dirigir esta mesma fase inicial, a fase de instrução preparatória. Em processo penal a acção penal é pública e compete ao Ministério Público o seu exercício , cfr. o art. 26.º, do CPP, cabendo-lhe reprimir a criminalidade, garantir que todos os actos de investigação ocorram de acordo com a estrita legalidade e ainda velar pela protecção dos direitos fundamentais do cidadão158 , especialmente daquele que é constituido arguido, o que comportará, sem dúvida, um efeito estigmatizante imediato e quase irremediável na sua via pessoal.

158  Júnior, Arthur Pinto de Lemos, O papel do Ministério Público, dentro do Processo Penal, à vista dos princípios constitucionais – uma visão fundada no Direito Processual Penal Português, Revista do MP, Ano 24, n.º 93, Janeiro – Março, 2003, pág. 38. “Apenas com as faces opostas de Jano é que parquet poderá cumprir o seu papel de dirigir a investigação criminal e deduzir a acção penal”, numa lógica de perspectivas alargadas e de busca da verdade material.

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Atualmente, a instrução preparatória é dirigido pelo Ministério Público159, sendo esta a fase destina à realização das “diligências de prova que permitirão uma reconstituição dos factos, sob a égide do princípio da verdade material, que aliás informará todo o processamento subsequente”160 -161. A instrução preparatória pode ser a única fase do processo, dado que a instrução é facultativa e o Ministério Público pode decidir no sentido de não submeter o arguido a julgamento, na hipótese da não existência de “indícios suficientes”162 . O Ministério Público goza de autonomia e estatuto próprio. O MP representa o Estado, defende os interesses que a lei determinar, participa na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exerce a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defende a legalidade democrática, nos termos da Constituição, do presente Estatuto e da lei, como se alcança do art. 1.º do EMP.

7. Competência para aplicação das medidas de coacção A aplicação das medidas de coação, à excepçãp do termo de identidade e residência, é da exclusiva competência do Juiz, sendo durante a Instrução a requerimento do Ministério Público e, depois da Instrução, mesmo oficiosa159  Art. 266.º, do CPP: “A direcção da instrução preparatória cabe ao Ministério Público, a quem será prestado pelas autoridades e agentes policiais todo o auxílio que para esse fim necessitar 160  Moura, José Souto de, Inquérito e Instrução”. Jornadas de Direito Processual Penal – O novo Código de Processo Penal, p. 81-115, Coimbra, Livraria Almedina, 1988, pág. 84. 161  Art. 262.º, n.º 1, do CPP. 162  Art. 273.º, n.º 1, do CPP.

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mente, depois de ouvido o Ministério Público, conforme se dispõe no art. 267.º, n.º 1, al. b), do CPP. Na fase de instrução, cabe ao Ministério Público, enquanto requerente da medida de coacção, aferir e provar a admissibilidade e proporcionalidade legal de harmonia com os seus pressupostos e a sua necessidade, adequação e proporcionalidade, e de acordo com a específica estratégia de investigação levada a efeito. Ao Juiz de Instrução Criminal cabe verificar a conformidade do requerimento do MP com os pressupostos legais e todo o condicionalismo que envolve o processo. Na fase de Instrução, compete ao Juiz de Instrução a aplicação das medidas de coacção, mesmo oficiosamente, ouvindo, no entando, e previamente, o Ministério Público, como dispõe o art. 163.º, n.º 2, do CPP. A aplicação dessas medidas, terá de ser precedida de audição do arguido, sendo que o despacho qua aplicar as mesmas, também a excepção do termo de identidade e residência, deve ser fundamentado, nos termos do que se dispõe no art. 69.º, n.º 4, do CPP. Assim, sempre que seja aplicada uma medida de coacção diferente do termo de identidade e residência, o arguido é, por regra ouvido, previamente ao respectivo despacho, nos termos do art. 69.º, n.º 4, aplicando-se para tal o que se dispõe no art. 215.º, n.º 4, ambos do CPP, ou seja, o arguido é obrigatoriamente informado previamente, dos motivos da detenção quando tal acontece, dos factos que lhe são concretamente imputados e os elementos do processo que indiciam os mesmos. A fundamentação do despacho de aplicação das medidas de coacção, também com excepção do termo de identidade e residência, deve conter, sob pena de nulidade, a 195


descrição dos factos concretamente imputados aoa rguido, a anunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados e sua qualificação jurídica, e ainda a referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida de coacção.

7.1 Medidas de coacção admissíveis O elenco das medidas de coacção, de carácter pessoal, que se dirigem exclusivamente ao arguido, aludidas dos artigos 164.º a 171.º, do CPP é o seguinte: i) Termo de Identidade e residência O termo de identidade e residência, para além de ser a primeira medida de coação prevista no CPP e de ser considerada a menos gravosa, encontra-se prevista no art. 164.º, daquele diploma, sendo apenas necessário para a sua aplicação a prévia constituição de arguido, ou seja, será aplicado de imediato a todo o arguido que seja constituído como tal. Assim, logo após essa constituição de arguido, tanto a autoridade judiciária como o órgão de polícia criminal, conforme o caso, terá logo de sujeitar aquela à prestação do termo de identidade e residência, nos termos do art. 163.º, n.º 1, do CPP. Esta medida visa garantir a disponibilidade do arguido para os fins do processo, destacando-se a possibilidade de realização do arguido na sua ausência.

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ii) Obrigação de apresentação e proibição de se ausentar do local de residência A obrigação de apresentação consiste na injunção ao arguido de uma obrigação de comparência perante uma entidade judiciário ou a um determinado órgão de polícia criminal em dias e horas preestabelecidas e visa assegurar o cumprimento dos deveres processuais do arguido, sendo uma medida mais restritiva da liberdade que a relativa ao termo de identidade e residência. Esta medida de coacção é obrigatoriamente aplicada pelo juiz, como as demais exceptuando a relativa ao termo de identidade e residência, durante a instrução a requerimento do Ministério Público. iii) Caução Esta medida de coação encontra-se prevista no art. 166.º, do CPP, constituindo numa garantia patrimonial imposta ao arguido, tendo como finalidade a garantia do cumprimento dos seus deveres processuais, como seja, assegurar a sua presença a acto a que deva comparecer e à observância de outras obrigações derivadas de qualquer outra medida de coacção que lhe tenha sido imposta. O não cumprimento de tais obrigações de forma injustificada, implica para o arguido a quebra da caução, revertendo o seu valor para o Estado, como dispõe o art. 168.º, do CPP. A caução pode também ser substituída pelo Juiz a requerimento do arguido, com argumentação de impossibilidade da sua prestação ou que a prestação lhe causa graves dificuldades ou inconvenientes em prestá-la, cfr. art. 167.º, do CPP. 197


iv) Proibição de saída de país Esta medida de coacção encontra-se prevista no art. 170.º, do CPP e só pode ser aplicada quando houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão superior a três anos – requisitos específicos. Constata-se que relativamente às anteriores, é a primeira a requerer, como condição de aplicação, a verificação de fortes indícios da prática de crime doloso, punível com a pena aludida. Significa isto que existe uma clara preocupação legal com a prova indiciária existente no respectivo processo no que concerne ao crime imputado ao arguido, pois para aplicar esta medida de coacção não basta a existência de indícios, mas sim que os existentes sejam fortes, de forma que essa prova indiciária reunida, aponte estar muito bem sustentada para aexistência do crime e para a sua autoria por parte do arguido. Por outro lado, a forma de cometimento do crime tem de ser dolosa e não negligente. v) Prisão Preventiva Trata-se de uma medida de coacção que consiste na privação da liberdade de locomoção do arguido. Esta medida de coacção encontra-se prevista no art. 171.º, do CPP. É uma medida de natureza excepcional163, uma medida de coacção de ultima ratio, aplicável só quando todas as outras forem inadequadas ou insuficientes. Pode ser revogada, alterada, suspensa ou extinta – cfr. arts.175.º a 177.º, CPP. Portanto, estamos presença da medida de coacção mais gravosa. 163  Eiras, Henriques e Fortes, Guilhermina, Dicionário de Direito Penal e Processo Penal, 3.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2010, pág. 611.

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Para aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, serão necessários os mesmos demais requisitos da proibição de saída do país e a verificação de fortes indícios da prática de crime doloso, punível com pena de prisão de superior a três anos, como dispõe o art. 171.º, do CPP. A prisão preventiva está sujeita obrigatoriamente a reapreciação, nos termos do art. 173.º, do CPP.

8. O reexame oficioso das medidas de coacção Como é perfeitamente claro, o legislador tomou as preocações que entendeu necessárias, ao disciplinar as medidas de coacção, por estas atingirem de forma directa o direito fundamental à liberdade. Contudo, não menos importante que o momento da aplicação das medidas, é a fase seguinte. Assim, e por serem medidas aplicadas a um presumivel inocente, além dos requisitos necessários para a sua aplicação, depois de aplicadas, o Código de Processo Penal dedica quatro artigos para a revogação, alteração e extinção das medidas de coacção. Assim, o art. 173.º, do CPP, determina a obrigatoriedade de reexame oficioso pelo juiz, dos pressupostos da prisão preventiva. Esse reexame, quando da sua realização, irá no sentido de manter, substituir ou revogar as medidas, no prazo máximo de três meses a contar da data da sua aplicação ou do último reexame, cfr. art. 173.º, do CPP. Como regra, o Juiz, antes de apreciar uma medida de coacção ao arguido, procede à audição do mesmo e do MP, só não acontece em casos de impossibilidade devidamente fundamentada. 199


Portanto, no âmbito da aplicação das medidas de coacção, a fundamentação das decisões dos tribunais, na nossa perspectiva, é correcta, clara, bem estruturada, e corresponde ao que nessa matéria é legalmente exígivel.

9. Conclusão Em jeito de conclusão, as medidas de coacção, enquanto meios processuais de limitação de liberdade, actividade, e direitos pessoais, têm por função acautelar a eficácia do procedimento penal, quer no que respeita ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias, exigindo-se, por isso, tratando-se de matéria respeitante a actividade e direitos do arguido, uma definição rigorosa e clara dos pressupostos das medidas impostas. A regra fundamental, constitucionalmente consagrada, é a liberdade e a do pleno exercício de actividade e de direitos , sendo as respectivas restrições ou limitações, só podem ser interpostas as medidas de coacção previstas na lei, cfr. artigos 164.º a 171.º, do CPP. A presunção de inocência é uma exigência durante todo o processo, implicando o tratamento do arguido como tal, sendo que o respectivo princípio tem importantes implicações quando da aplicação de qualquer medida de coacção. As medidas de coacção são as que se encontram previstas no CPP, hierarquizadas, por ordem crescente da gravidade, previstas nos seus artigos 164.º a 171.º. Deve notar-se que aos requisitos específicos da aplicação de qualquer uma das medidas de coacção legalmente previstas, acresce sempre, com excepção da relativa ao termo de identidade e residência, a concreta verificação de um dos três requisitos gerais enunciados no art. 161, do CPP. 200


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CANOTILHO, José Joaquim Gomes e Moreira, Vital; Constituição da República Portuguesa Anotada, artigos 1.º a 107.º; 4.ª Edição Revista; Coimbra Editora; 2010; DIAS, Jorge Figueiredo; Direito Processual Penal I; Coimbra Editora; 1974; DIAS, Jorge Figueiredo; Direito Processual Penal, Lições do Prof. Doutor Jorge Figueiredo Dias, coligidas por Maria João Antunes, Assistente da Faculdade de Direito de Coimbra; Coimbra: edição policopiada; Secção de textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; 1988-89; EIRAS, Henriques e Fortes, Guilhermina, Dicionário de Direito Penal e Processo Penal, 3.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2010; EIRAS, Henriques; Processo Penal Elementar; 4.ª edição, Quid Juris; Lisboa; 2003; JÚNIOR, Arthur Pinto de Lemos, O papel do Ministério Público, dentro do Processo Penal, à vista dos princípios constitucionais – uma visão fundada no Direito Processual Penal Português, Revista do MP, Ano 24, n.º 93, Janeiro – Março, 2003; MARQUES DA SILVA, Germano; Curso de Processo Penal – Volume II; 3.ª edição; Verbo Editora; 2002;

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LEGISLAÇÃO Constituição da República Democrática de São Tomé e Príncipe, aprovado pela Lei n.º 1/2003, de 29 de Janeiro de 2003. Código de Processo Penal, aprovado pela Lei n.º 19/2009, de 17 de Novembro.

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O MERCADO DE TRABALHO PARA OS OPERADORES DE DIREITO EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE Wildiley Afonso Fernandes Barroca164 RESUMO O Exercício da Advocacia em São Tomé e Principe é uma actividade que teve seu inicio antes mesmo da constituição da Ordem dos Advogados no território São-Tomense. Importa neste sentido salientar que Dr. Palma Carlos, cidadão português, fora no passado, ainda no período colonial, o primeiro indivíduo a exercer a advocacia no país, tendo levado a cabo uma acção de advocacia selvática de resistência ao então governador das ilhas, o tenente coronel Carlos de Sousa Gorgulho em detrimento do povo São-Tomense e da libertação de São Tomé e Príncipe do jugo colonial. Após a independência, porém, surge uma corrente de jovens recém chegados do Brasil165, França, Portugal e Ex. União Soviética, que começam a exercer a advocacia em São Tome e Principe, e que de certa forma dominam até a presente data o mercado de trabalho no exercício da advocacia e da magistratura em todo território nacional. Entrementes, desenvolvimento neste seguimento de prestação de serviço tem conhecido diversas e consideráveis evoluções nos últimos dez anos a esta parte. Facto este que, a seguir se pretende expor: 164  Fundador do Parlamento Nacional da Juventude para a Água (PNJA - STP); Presidente da União Literária e Artística da Juventude (ULAJE Clube UNESCO), Licenciatura em Direito na República Democrática de São Tome e Príncipe. Presidente da Humanity First STP e Vice-Presidente da Aliança Francesa de São Tome e Príncipe 165  Dr. Guilherme Posser da Costa; Dr. Filinto Costa Alegre; Dr. Afonso da Graça Varela; Dr. André Auréliano Aragão; Dr.Aristides Salvateira, Dr. Pascoal dos Santos Daio; Dr. Alberto Paulino.

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Palavras-chave: Advogado, mercado de trabalho, Direito, Abertura do mercado Nacional, Qualidade dos Operadores já existentes. ABSTRACT The Law Firm in São Tomé and Principe is an activity that began even before the Bar Association was established in São Tomé and Príncipe. It is important to point out that Dr. Palma Carlos, a Portuguese citizen, had been in the colonial period the first individual to practice law in the country, having carried out a jungle advocacy action against the then governor of the islands, Lieutenant Colonel Carlos de Sousa Gorgulho to the detriment of the people of Sao Tome and the liberation of São Tomé and Príncipe from the colonial yoke. After independence, however, a chain of young people from France, the former Soviet Union, and Portugal, who began to practice law in Sao Tome and Principe, emerged, and to a certain extent the Labor Market in the practice of law and magistracy in all national territory. Meanwhile, development in this follow-up of service has known several and considerable evolutions in the last ten years to this part. The following is an attempt to explain: Keywords: Lawyer, Labor Market, Law, Opening of the National Market, Quality of existing operators.

1. Introdução O presente trabalho foi elaborado no âmbito do convite formulado aos Juristas da CPLP levado a cabo pelo Dr. Tarcizo Nascimento com vista a conhecer a Educação Ju204


rídica nos Países de Expressão Lusófona. Nesta vertente, é principal objetivo do presente ensaio tecer considerações acerca do “mercado de trabalho para os operadores de direito em São Tomé e Principe”. Assim, no decorrer da presente abordagem que se pretende resumida e concisa, se procederá a considerações sobre alguns dos mais relevantes aspectos relativos ao tema em apreço, a saber, a possibilidade legal existente no exercício de Advocacia na República Democrática de São Tome e Príncipe, protecção da ordem profissional, abertura do mercado nacional quanto ao possibilidade de uma possível concorrência proveniente do exterior do país, concorrência no referido seguimento económico a nível interno, a qualidade dos operadores já existentes no mercado, a viabilidade de novos juristas no mercado e como solução aplicativa e, por fim, teceremos algumas Considerações finais no que a nossa abordagem diz respeito. Ao longo desta abordagem, deixaremos antever, de igual forma, possíveis soluções na resolução dos problemas que poderão ser, também nesta sede, levantados com vista a incrementar a visão que se poderá construir acerca do próprio sistema.

2. Possibilidade Legal Existente no exercício de Advocacia na República Democrática de São Tome e Príncipe A Lei 10/2006, Estatuto da Ordem dos Advogados de São Tome e Príncipe no seu artigo 33.º elucida-nos que só os advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor na ordem podem, em todo o território nacional e perante qualquer jurisdição, instancia, autoridade ou entidade pública ou privada, praticar actos próprios da profissão e, 205


designadamente, exercer o mandato judicial ou funções de consulta jurídica em regime de profissão liberal remunerada. O exercício da consulta jurídica por licenciados em Direito que sejam funcionários públicos ou que a exerçam em regime de trabalho subordinado não carece de inscrição na Ordem dos Advogados. Não pode denominar-se advogado quem como tal não estiver inscrito, salvo os advogados honorários, desde que seguidamente a denominação de advogados façam a inscrição dessa qualidade. No exercício das suas funções, o advogado goza de imunidade, não podendo ser detido, nem preso, salvo nos casos de flagrante delito e por crime punível com pena de prisão maior. A supra mencionada lei vem ainda proibir o funcionamento de escritório de procuradoria, designadamente judicial, administrativa, fiscal e laboral, ou de escritório que preste, de forma regular e remunerada, consulta jurídica a terceiros, ainda que, em qualquer dos casos, sob a direcção efectiva de pessoa habilitada a exercer o mandato judicial, mas protege os gabinetes formados exclusivamente por advogados ou por solicitadores, os que não estão sujeitos a referida proibição. No nosso ordenamento jurídico, é vedado ao advogado o direito de repartir honorários, excepto com colegas que tenham prestado colaboração e estabelecer que o direito a honorários fique dependente dos resultados da demanda ou negócio. O advogado não pode ainda ser responsabilizado pela falta de pagamento de custas ou quaisquer despesas se, tendo pedido ao cliente as importâncias para tal necessárias, as não tiver recebido, e não é obrigado a dispor, para aquele efeito, das provisões que tenha recebido para honorários. Estão impedidos de exercer a advocacia os advogados que sejam funcionários e agentes administrativos, na situação de aposentados, de inactividade ou de licença ilimitada 206


ou de reserva, em quaisquer assuntos em que esteja em causa os serviços públicos ou administrativos a que estiveram ligados. Na Republica Democratica de São Tome e Principe, o início do exercício de actividade profissional é sempre precedido de um período de estágio de seis meses, durante o qual, sob a direcção de um patrono, o advogado estagiário efectuará consulta jurídica e prática forense. Todavia, a inscrição como advogado é precedida de um estágio durante doze meses com boa informação.A inscrição como advogado, nas respectivas ordens, de cidadãos oriundos dos Países membros da CPLP, é reconhecida para efeito de inscrição na Ordem dos Advogados, observado o princípio da reciprocidade. Os estrangeiros diplomados em Faculdades de Direito estrangeiras, com residência permanente no território da República Democrática de São Tomé e Príncipe podem inscrever-se na Ordem dos Advogados de São Tomé e Príncipe, nos mesmos termos que são-tomenses, se o seu país conceder igual regalia a estes últimos. Os Advogados diplomados por qualquer Faculdade de Direito dos Países membros da CPLP podem inscrever-se na Ordem dos Advogados em regime de reciprocidade.

3. Proteção da Ordem profissional Em São Tome e Principe, os advogados são considerados por lei, como uma das peças basilares do sistema judiciário e um complemento indispensável à boa administração da justiça.. Os advogados têm o direito a requerer a intervenção da Ordem para defesa dos seus direitos ou dos legítimos in207


teresses da classe, nos termos previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados. Os magistrados, agentes da autoridade e funcionários públicos devem assegurar aos advogados, quando do exercício da sua profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas para o cabal desempenho do mandato. Nas audiências de julgamento, os advogados dispõem de bancada própria e podem falar sentados. Os advogados têm direito, nos termos da lei, de comunicar, pessoal e reservadamente, com os seus patrocinados, mesmo que estes se achem presos ou detidos em estabelecimento civil ou militar. No exercício da sua profissão, o advogado pode solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos que não tenham carácter reservado ou secreto, bem como requerer verbalmente ou por escrito a passagem de certidões, sem necessidade de exibir procuração. Os advogados, no exercício da sua profissão, têm preferência para ser atendidos por quaisquer funcionários a quem devam dirigir-se e têm o direito de ingresso nas secretarias judiciais. Todavia, no ano 2018, verificou-se uma autentica monotonia no funcionamento dos tribunais porque em finais de 2017 / 2018 houve as férias judiciais, e no decurso de 2018 a destituição dos Juízes do Supremo Tribunal de Justiça e a entrada de novos juízes. Criou-se no entanto as novas secretarias como forma de responder as demandas dos tribunais no quadro da nova dinâmica judicial, o que de certa forma dificultou os trabalhos para os advogados no exercicio da sua actividade. porque os advogados ao chegarem as secretarias, não conseguiam ser devidamente atendidos porque os funcionários evocavam desconhecer o processo ou mesmo a sua localização, e em muitos casos, o mais recorrente, 208


eram informados que os processos ainda estavam no poder do juiz da causa aguardando o despacho. Neste sentido, não se tornaria de todo parcial dizer que as últimas mudanças na liderança do Supremo Tribunal de Justiça São-tomense, veio dificultar os trabalhos para os operadores de direito em São tomé e Principe166 . A nível da Constituição da República, é importante notar que, de acordo com o J.Jhunior G. Ceita167, embora não o faça de forma directa, o legislador constituinte instituiu a existencia dos advogados como factor essencial de prestação dos serviços da justiça pelo sistema nos termos do artigo 20º da CRSTP quando conjugado com o artigo 40º, relacionando de forma directa os “direitos de acesso aos tribunais” e o “direito de garantias de processos criminais”. Ainda de acordo com o autor, embora se esteja perante garantias essencialmente de ordem dos processos penais, deverá entender-se extensível aos demais processos uma vez que, de acorco com um dos básicos princípios do direito, quem pode mais deverá, por maioria de razão, poder o menos (entendendo-se aqui por menos os processos de outra natureza que não criminais, uma vez que nestes, isto é, processos que não sejam de natureza criminal, o princípio da liberdade processual deverá entende-se como tendo um maior peso no decurso dos processos). Todavia, este entendimento não deverá ser confundido com uma proteção aos próprios advogados uma vez que, para este efeito, não existem quaisquer 166  Destacamos, porém, que, enquanto preparávamos o presente trabalho, desenhou-se e procedeu-se ao restabelecimento dos Juízes do Supremo Tribunal de Justiça compulsivamente mandados para reforma pela Assembleia Nacional, facto que os faz retomar as suas actividades normais como Juízes do STJ-STP. 167  Licenciado e Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra, autor de diversas Obras Jurídicas, Especialista em Ciência Jurídico-Politicas, Direito Administrativo , Constitucional e Petrolífero. Presidente do Instituto de Direito e Cidadania, Director Adjunto do Anuário de Direito de São Tomé e Príncipe, Investigador no United Kingdomof GB and Northen Ireland.

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prerrogativas constitucionais que os defendam e os protejam no exercicio das suas funçoes ou fora dele, excepto a Lei 10/2006, referente ao Estatuto da Ordem dos Advogados.

4. Abertura do mercado Nacional Das organizações Internacionais viradas a promoção da defesa do Estado de Direito, das liberdades e das garantias individuais, São Tomé e Príncipe é membro da UALP – União dos Advogados da Língua portuguesa, e goza de uma boa relação institucional com a União Internacional dos Advogados que ainda não tem a inscrição feita como membro. E mesmo por via deste mecanismo está vedado ao cidadão estrangeiro o exercício da profissão no território São-tomense, devido a ausência do regime de reciprocidade. Assim, esta actividade está actividade está reservada apenas aos cidadãos São-tomenses, a não ser que o cidadão estrangeiro depois de residir no país, obtenha a nacionalidade São-Tomense, e na qualidade de cidadão nacional pode vir a inscrever-se na respectiva Ordem. Em suma, o Exercício da advocacia por estrangeiros é uma faculdade que consta do n. 1 e 2 do artigo 126º da Lei 10/2006, desde que se verifica o regime de reciprocidade.

5. Concorrência no referido seguimento económico Não existem dados estatísticos concretos sobre o número de juristas no país, mas os dados especulativos apontam para um número não inferior a 10 mil licenciados em Direito, numa população de 197 mil habitantes.

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Segundo a Ordem dos Advogados de São Tomé e Príncipe, existem actualmente 175 advogados e advogados estagiários inscritos na Ordem, mas apenas 72 têm inscrição em vigor e em pleno exercício da profissão. Existe uma franja de advogados que se destacam na prestação destes serviços, o mercado de advocacia, que fazem parte da geração pré-independência, e ainda continuam a dominar o mercado dado o elevado nível de trabalho prestado, enfatizando assim as suas respectivas Academias por ondem passaram. por um lado as universidades onde estudaram, não colocando em causa as nossas universidades no país, onde necessidades imperativas urgem no sentido de melhorar a qualidade do ensino e dos docentes. Surge no entanto, uma geração de jovens, do período pós-independência que têm forjado uma entrada compulsiva no mercado de advocacia no país, mas para estes são reservados apenas casos de interesse bagatelar. Em consequência deste facto, há em Sao Tomé e Principe poucos escritórios de advocacia instalados e as que há são quase todos eles, pertencentes aos da primeira geração de advogados em São Tomé e Principe. Porém, não é de se menosprezar os esforços levados a cabo pena nova geraçºao de advogados que detêm algumas das Sociedades constituídas. Os factos acima expostos, levam-nos a um imperativo a que, neste trabalho também se torna dígno de notam qual seja , o aparecimento de concorrência na prestação destes servicos ao público. Assim e no que a concorrência diz respeito, é mister salientar que, o que se verifica é que os grandes escritórios acabam por conseguir chamar para si a maior parte dos processos, de grande vulto, os mediaticos ou aqueles que têm maior vantagem financeira, e sendo ainda estes escritórios 211


que conseguem contratos de avenças com os bancos e outras entidades. Os mais recentes porém, têm uma tarefa hérculea com vista a se estabelecerem com um verdadeiro concorrente, sendo que apenas exploradicamente conseguem processos cíveis de vulto (uma vez que a maior parte dos seus processos são de natureza criminais).

6. Qualidade dos Operadores já existentes No que diz respeito a qualidade dos operadores existentes, é importante realçar que, salvo parcas excepções, os operadores que hoje se apresentam como os principais players no mercado gozam de grande deficiência a nível técnico e daí a necessidade, para um exercício da profissão com maior seriedade, maior rigor, formação e capacitação bem como, no âmbito das suas ações, maior isenção, o que minimizaria imenso a deficiência de que sofrem. De facto, na atual conjuntura, alguns no exercício das suas funções não prima pelos princípios que regem a boa conduta profissionais da área. A Ordem dos Advogados faz uma avaliação critica do seu próprio desempenho, porque tem se verificado que nem todos os advogados têm exercido de forma deontologicamente aceitável a sua profissão, tendo havido casos que alguns colegas introduzem queixas visando outros Por questões deontológicas que na pratica diária se verifica o incumprimento dos princípios deontológicos no seio dos jovens advogados o que acaba por manchar o próprio nome da classe. Não se tratando porém de um acto generalizado, tem sido prática nos advogados da nova geração.

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7. Viabilidade de novos Juristas no Mercado e como Solução Aplicativa É nosso entendimento que mercado está aberto á entrada de mais profissionais, no sentido de aumentar a concorrência e promover a qualidade dos operadores de direito. Todavia, um jurista que pretende exercer a advocacia, deverá contar com alguns desafios, nomeadamente o estágio não remunerado de 6 meses, inscrição na Ordem, e o início da actividade que passa muitas vezes pela constituição de uma sociedade de advogados que, a procura dos novos clientes constitui um problema desmedido.

8. Conclusão Posto isto, é imperativo concluirmos que ao longo da abordagem alguns aspectos relativos ao tema deverão ser salientados como sendo pedra basilar quanto ao mercado de trabalho para os operadores de direito em São Tomé e Príncipe. Ora, por tudo o que acima se afirmou, temos que, no que diz respeito a possibilidade legal existente no exercício de Advocacia na República Democrática de São Tomé e Príncipe, os Estatutos da Ordem dos Advigados em vigor no país, mormente no seu artigo 33º, que só os advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor na ordem podem, em todo o território nacional e perante qualquer jurisdição, instancia, autoridade ou entidade pública ou privada, praticar actos próprios da profissão e, designadamente, exercer o mandato judicial ou funções de consulta jurídica em regime de profissão liberal remunerada o que por outras palavras significa que para além destes sujeitos, à mais nenhum é re213


conhecido esta tal faculdade. Quanto a importante questão que se prende com a protecção da ordem profissional, ficou patente que em São Tome e Principe, os advogados são considerados por lei, como uma das peças basilares do sistema judiciário e um complemento indispensável à boa administração da justiça, gozendo estes do direito a requerer a intervenção da Ordem para defesa dos seus direitos ou dos legítimos interesses (nos termos previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados), devendo a estes ser assegurado, aquando do exercício da sua profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas para o cabal desempenho do mandato, tanto pelos magistrados, agentes da autoridade, bem como pelos funcionários públicos em geral. Já no que diz respeito à abertura do mercado nacional quanto ao possibilidade de uma possível concorrência proveniente do exterior do país, vimos que nos termos dos estatutos da Ordem dos Advogados em vigor no país, esta actividade está reservada apenas aos cidadãos São-tomenses, a não ser que o cidadão estrangeiro depois de residir no país, obtenha a nacionalidade São-Tomense, e na qualidade de cidadão nacional pode vir a inscrever-se na respectiva Ordem, Abordou-se a questão da concorrência no referido seguimento económico a nível interno, caso em que concluimos que para além de um número limitado de Advogados de grande reconhecimento e da velha guarda, apenas conta-se com jovens advogados e pequenas sociedades de advogados que se resumem a defesa de casos bagatelares e pouco mais, dada a sua pouca capacidade científica e ou reconhecimento no mercado. A qualidade dos operadores já existentes no mercado, também mereceu atenção da nossa parte e vimos que com excepções muito raras, quase todas as sociedades e advogados singulares necessitam de maior 214


improvimento e mais investimento na formação contítua no sentido de manter os seus clientes plenamente servidos. Finalmente, abordamos os aspectos relativos à viabilidade de novos juristas no mercado e como solução aplicativa e, neste sentido, foi clara a conclusão a que chegamos, a saber, que mercado está aberto á entrada de mais profissionais, no sentido de aumentar a concorrência e promover a qualidade dos operadores de direito. Sendo certo que as deficiencias do ensino superior em São Tomé e Príncipe são aberta e sobejamente conhecidas, também é verdade que esforços têm sido feitos, tanto por parte das instituições do Estado, como pelas instituições privadas de ensino , com vista a promover uma maior cientificidade dos cursos aí ministrados, com particular incidência no que as ciências jurídicas dizem respeitos. Entrementes, e é bom que se saliente esta questão, muito ainda precisa de ser feito com vista a criar condiçõs propícias para que mercado de trabalho para os operadores de direito em são tomé e principe correspondam as espectiativas dos que a ele recorrem.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GENTIL, Jonas e G.CEITA, J.Jhunior Constituição da República de São Tomé e Príncipe in “Constituição da República São-Tomense e Legislação Fundamenta”, pp. 11 e ss, Lisboa. IdiLP-Instituto do Direito de Língua Portuguesa Novembro, 2018 GENTIL, Jonas e CEITA, J.Jhunior. Lei Orgânica do Tribunal Constitucional de São Tomé e Príncipe, in “Constituição da República São-Tomense e Legislação Fundamental”, pp 111 e ss. Lisboa. IdiLP-Instituto do Direito de Língua Portuguesa Novembro, 2018. Estatuto da Ordem dos Advogados de São Tomé e Príncipe, Lei 10/2006.

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O DOCENTE JURÍDICO E A EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA Robert Oliveira Monteiro 168 RESUMO O presente estudo tem como objetivo geral analisar as características contemporâneas da Educação à Distância do ponto de vista laboral dos docentes no Brasil. A Educação à Distância (EAD) tem se tornado uma ferramenta de suma valia para a expansão do Ensino Superior e trouxe consigo dilemas e mudanças no cenário pedagógico nacional. Diante da perspectiva sistemática do ensino tradicional empregada nos cursos de Direito no país, o EAD tem enfrentado incompatibilidades, principalmente no tocante as metodologias para a formação docente, razão pela qual é fundamental encontrar um caminho adequado diante da necessidade da melhoria da qualidade do Ensino Superior no Brasil. Palavras-chave: Educação à Distânca. Formação Docente. Ensino Jurídico. ABSTRACT The present study aims to analyze the contemporary characteristics of Distance Education from the point of view of teachers in Brazil. Distance Education has become an extremely valuable tool for the expansion of Education and has brought dilemmas and changes in the national pedagogical scenario. In view of the systematic perspective of traditional 168  Graduado em Letras pela Universidade de Brasília e pós-graduado em Docência Presencial e Virtual do Ensino Superior pela Universidade Católica de Brasília

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teaching employed in law courses in the country, Distance Education has faced incompatibilities, especially regarding the methodologies for teacher training, which is why it is essential to find an adequate path in view of the need to improve the quality of Higher Education in Brazil. Keywords: Distance Education. Teacher Training. Legal.

1. Introdução A Educação Superior no Brasil, diferentemente dos países europeus e demais nações já desenvolvidas intelectualmente, foi expandida de forma tardia. Diversas experiências e dilemas enfretados atualmente por essa nação já foram alvo de estudos e críticas em todo o mundo, e a Educação à Distância (EAD) também vêm sendo alvo de críticas de diversos pesquisadores que partilham o interesse na área, contudo divergem em suas análises. Preliminarmente cabe destacar que o presente artigo não tem como escopo fazer juízo de valor sobre a efetiva aplicabilidade funcional da Educação à Distância, e sim analisar as mudanças decorrentes desse processo metodológico, especialmente no que concerne ao ensino jurídico brasileiro. Para fins de organização estrutural, o artigo será dividido em quatro partes, sendo elas: “A Origem e Expansão da Educação à Distância”, “Os Cursos de Direito no Brasil”, “O Papel Docente no Ensino Superior” e por último “Dilemas e Aplicabilidade da Educação à Distância”. Cabe destacar que o artigo terá como viés informações referentes ao Brasil e suas peculidades, além disso, em razão das inúmeras opiniões e divergências sobre o assunto, 218


o estudo fará uso apenas de fontes de confiabilidade, ratificando-se, ainda, que as informações utilizadas sem fontes de referência são de conhecimento comum ou não possuem atribuição a nenhum autor em específico.

2. A Origem e Expansão da Educação à Distância A profissão docente, desde os primórdios dos tempos, sempre foi vista como nobre e respeitosa. O docente jurídico no Brasil, carrega consigo até os dias de hoje essa bagagem histórica. Os primeiros cursos de Direito criados na nação brasileira datam do ano de 1827, contudo, entraram em funcionamento somente no ano subsequente, e em 1854 receberam a denominação de Faculdades de Direito, conforme citado por Nascimento. Oficialmente, a profissão docente no Brasil surgiu no mesmo ano que os primeiros cursos de Direito, por ordem imperial de D. Pedro I, ao determinar que “todas as cidades, vilas e lugarejos tivessem suas escolas de primeiras letras”. A partir desse momento, o atual ensino superior no país foi se adaptando constantemente e ganhando a forma que possui nos dias atuais. Durante esse processo de desenvolvimento, diversas mudanças ocorreram, com destaque para a preocupação do governo em democratizar o ensino na década de 1960. É de conhecimento comum que as primeiras Instituições de Ensino foram criadas com destinação apenas para a reduzida parcela da elite no país. Nesse sentido, constata-se que o Ensino Superior nunca foi planejado de modo a atender todos os públicos da nação, pelo contrário, foi uma forma de promover a formação apenas daqueles que tinham, de 219


alguma forma, poder financeiro e político. Contudo, como já afirmado, muitas mudanças ocorreram no decorrer dos tempos. Nesse diapasão, a Educação a Distância surgiu como uma nova forma de democratização do ensino e um meio facilitador do Ensino Superior no País. Apesar de somente ter sido implantada de maneira massificada no Século XXI, existem registros jornalísticos que datam do ano de 1904 formas de ensino não presencial no Brasil, os quais, à época, eram ofertados por intermédio de periódicos. Conforme abordado pelo professor Felipe Augusto Fernandes Borges (apud Saraiva 1996 apud Costa, 2008) e Costa (2012): “a EaD no Brasil tem real aplicação a partir de 1923, por meio da criação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, por Edgar Roquette-Pinto. Esse processo tinha como finalidade ampliar o acesso à educação por meio da radiodifusão, portanto, apontam os autores, seria uma primeira forma de levar um conteúdo educacional à população por meios não presenciais.”

Atualmente, existem duas correntes que dividem opiniões sobre a implantação da EaD no Brasil. Para aqueles que defendem a universalização do ensino, a EaD surgiu como a solução do acesso da população hipossuficiete ao Ensino Superior. Nesse sentido, os baixos custos e praticidade do ensino são extremamente benéficos ao desenvolvimento do país. Em contrapartida, uma outra vertente defende que a massificação do ensino no país tem sido realizada de maneira descontrolada, o que vem resultando na mer220


cantilização e baixa qualidade do ensino. Apesar das diferentes visões acerca da EaD do Brasil, essa modalidade já se encontra implantada e em pleno funcionamento em diversas Instituições. Independentemente da data precisa do surgimento da EaD no Brasil, é fundamental indicar que nem todos os cursos de licenciatura e bacharelado atualmente ofertam essa modalidade de Ensino. O modalidade de ensino presencial é tida como tradicional por muitos pesquisadores e especialistas em educação e encontra-se bastante enraizado sob a premissa de ser uma metodologia confiável que é praticada em toda a rede de ensino fundamental vigente.

3. O Papel Docente no Ensino Superior A evolução do ensino, assim como o avanço tecnológico da sociedade, foram fundamentais para o desenvolvimento do país. Pari passu, o docente se adaptou de forma a acompanhar essas mudanças. O perfil docente implantado no Brasil no século XIX em muito divergia do que encontramos hoje nas salas de aula. Os cursos de Direito, especialmente, são ministrados por docentes extremamente versados nas ciências jurídicas. Em termos legislativos, para poder ministrar aulas no ensino superior basta possuir uma pós-graduação lato sensu, comumente conhecida como especialização, entretanto, o que vemos no âmbito jurídico das Instituições de Ensino são professores com formação stricto sensu, ou seja, mestrado e doutorado. Nessa linha de raciocínio, chegamos aos seguintes questionamentos: O que difere o docente jurídico das demais áreas do conhecimento? Para respondermos essa pergunta devemos nos atentar mais uma vez a um indicador já 221


citado, a nobreza da profissão. Quando falamos de nobreza não apenas em termos de vaidade, mas por sua origem histórica. O Direito como ciência social aplicada é extremamente vasto e dominar essa ciência em suas diversas ramificações demanda bastante tempo, razão pela qual, atualmente os cursos de Direito tem duração mínima de 5 anos, conforme Resolução CNE/CES n. 5 de 2018 e Resolução CNE/CES nº 2, de 2007. O docente, traz consigo, a imagem do detentor do conhecimento, por essa razão, muitos o veem como uma autoridade absoluta em sala de aula, pois ele é o responsável pela transmissão de conhecimento aos deus estudantes, é ele quem escolhe a melhor forma de de ministrar as aulas, desde o planejamento, execução e avaliação, respeitadas as exigências do plano de ensino da Instituição de Ensino. No ensino à distância nos temos uma inversão desses papéis. No ensino presencial superior contemporâneo utilizado no Brasil, o docente é o responsável de modo geral pelos estudantes, enquanto que no EaD o próprio estudante é responsável pelos seus estudos de maneira geral. Essa autonomia concede aos alunos uma liberdade com a qual eles nem sempre estão acostumados, o que pode acarretar na ausência de dedicação e compromisso do estudante, levando-o, consequentemente, a evasão do curso. A autonomia dos estudantes de ensino superior no Brasil, infelizmente, ainda está longe do patamar desejável. Ocorre que a ausência do contexto educacional tido como padrão no país, ou seja, um ambiente físico como sala de aula, o papel pedagógico ativo do professor, a periodicidade das aulas presenciais, entre outros fatores, acaba afastando os estudantes do ensino à distância, principalmente devido a ausencia de comprometimento dos estudantes, o que in222


tenfisica a visão negativa da aplicabilidade do Ensino à Distância no país.

4. A Educação a Distância no Brasil e a Ciência Jurídica Com base nos dados presentes no Censo da Educação Superior de 2018/2019 da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED), existem atualmente em funcionamento no Brasil 16.750 cursos totalmente a distância, conforme gráfico abaixo: Ao analisarmos o gráfico acima, constatamos que entre os anos de 2017 e 2018 tivemos um aumento de aproximadamente 366% na oferta de cursos totalmente a distância. Contudo, ocorre que essa modalidade de ensino não vem sendo utilizada no âmbito do curso de Direito, apesar do enorme interesse de diversos atores do Ensino Superior Brasileiro. Quais os motivos para a EaD expadir-se de forma tão grande nas diversas áres do conhecimento e não no Direito? Para explicarmos esse quadro temos que adentrar em diversas outras questões dentre elas, a mais importante é a qualidade do ensino superior no Brasil. Durante a trajetória do Ensino nacional diversas mudanças ocorreram, como já explicitado anteriormente. Nesse sentido, atualmente existe um conjunto de objetivos traçados pelo Ministério da Educação, em conjunto com diversos entidades e pesquisadores do assunto para ampliar o acesso a educação em todos os seus níveis. Esse conjunto de metas foi denominado como Plano Nacional de Educação (PNE), criado pela lei Lei n° 13.005/2014. Dentre as 20 metas estabelecidas por essa lei, a expansão do ensino superior foi abordada da seguinte forma: 223


“META 12 Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% (cinquenta por cento) e a taxa líquida para 33% (trinta e três por cento) da população de 18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% (quarenta por cento) das novas matrículas, no segmento público.” (Plano Nacional de Educação)

O ensino jurídico e os docentes que exercem essa profissão são afetados diretamente por essa meta, bem como as demais políticas públicas criadas com o mesmo objetivo. Ocorre que diferentemente do ensino presencial, o ensino superior a distância não demanda a existência de um ambiente físico específico para isso, ou seja, não há necessidade de salas de aula presenciais. Considerando-se que os cursos de Direito no Brasil são dividos entre os eixos de Formação Geral, Formação Técnico-Jurídica e Formação Prático-Profissional, é de suma importância que as Instituições de Ensino Superior possuam um corpo docente vasto com profissionais capacitados à atender os inúmeros conteúdos provenientes desses eixos formativos, contudo, o ensino a distância é distribuído de uma maneira em que um único professor, por intermédio de videoaulas, artigos científicos e atividades pré-organizadas, possa realizar o trabalho de diversos docentes ao mesmo tempo, mediante o apoio de um outro profissional, o qual se caracteriza como um suporte mediador entre o docente e estudantes, principalmente no tocante ao acompanhamento períodico das plataformas virtuais de ensino. Essa nova figura, denominada como tutor, é o agente responsável, também, pela interação com os estudantes a fim de sanar eventuais dúvidas e dificuldade operacionais. 224


5 Aplicabilidade da Educação à Distância O cenário atual da educação a distância demonstra que, apesar das opiniões divergentes acerca da EaD, o crescimento dessa modalidade é uma realidade contemporânea. Como se vê a seguir em uma reportagem do site terra da pesquisadora Lucia Maria Martins Giraffa: [...] “pela primeira vez o total de vagas ofertadas no ensino superior a distância ultrapassou as oferecidas na modalidade presencial. Dados do Censo de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC) mostram que foram 7,1 milhões de vagas EAD ante 6,4 milhões presenciais. Isso apenas na graduação. Se somar as ofertas de curso livre e pós-graduação a distância, já são quase 10 milhões de vagas EAD.” (Reportagem do portal virtual “Estadão” )

Diante do cenário atual, é fundamental que as discussões acerca do EaD sejam direcionadas aos impactos da implantação dessa modalidade e quais metodologias de supervisão devem ser adotadas para essa modalidade não se torne um gargalo para a implantação de uma metodologia de ensino em massa que prejudicará a qualidade do ensino no país. Os grandes grupos eduacacionais e mantenedoras vem buscando formas de utilizar a EaD com o viés lucrativo unicamente o que acarreta, consquentemente, na baixa qualidade do ensino. Os docentes são os agentes educacionais mais prejudicados nessa situação, pois essas mudanças ocasionam a redução drástica do corpo docentes dos cursos de Direito no país, o que é nítido na onda de demissão em massa ocorrida nos últimos anos em Insituições de Ensino Superior Privadas brasileiras. 225


Corroborando a esse fato, em dezembro de 2018, o Ministério da Educação (MEC) editou a portaria 1.428 que ampliou o percentual do EaD nos cursos regulares de graduação ofertados por Universidades no país, como se vê a seguir: “Art. 2º As IES que possuam pelo menos 1 (um) curso de graduação reconhecido poderão introduzir a oferta de disciplinas na modalidade a distância na organização pedagógica e curricular de seus cursos de graduação presenciais regularmente autorizados, até o limite de 20% (vinte por cento) da carga horária total do curso. [...] Art. 3º O limite de 20% (vinte por cento) definido art. 2º poderá ser ampliado para até 40% (quarenta por cento) para cursos de graduação presencial, desde que também atendidos os seguintes requisitos: [...]” (Portal do Ministério da Educação – sem grifo no original)

De que maneira esse aumento da carga EaD nos cursos presenciais é vantajosa para os estudantes que buscam uma formação superior? Para respondermos esse questionamento precisamos nos ater ao fato que o ensino superior no Brasil tem como prioridade máxima promover o acesso de toda a população a formação superior, dessa forma a qualidade não se encontra em primeiro lugar. Isso não signfica dizer que a qualidade do EaD é precária, mas, de forma realista, a forma como ela se encontra implantada no país está muito aquém dos padrões mínimos de qualidade adequados.

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6. O futuro da EaD e dos docentes jurídico no Brasil O avanço da tecnologia de um ponto de vista geral sempre é benéfico para toda a população, contudo, é preocupante analisar como os professores jurídicos se encaixarão nessa nova realidade. Pensar no docente como alguém que realizará apenas atividades virtuais, ministrando aulas apenas para câmeras é um tanto quanto surreal, porém, é para esse caminho que a EaD vem rumando. Mesmo com o surgimento da figura do tutor de EaD, o docente como nós conhecemos não se findará, mas grande parte dos professores que existem hoje vão ter que se adaptar a essa nova metodologia de ensino virtual. É importante frisar que existem vários fatores que contribuem para a permanência dos docentes, não apenas no ensino presencial, mas também no ensino virtual. O primeiro deles é pela natureza da ciência jurídica. Diferentemente de ciências exatas ou até mesmo de conhecimentos históricos globais, a ciência jurídica é viva e se transforma a cada dia, logo, nenhum tipo de aula gravada ou artigo científico escrito será considerado verdade absoluta ad eternum. O docente acima de tudo é um ser humano que se adapta de acordo com as necessidades, diante disso, por mais efetivo e prático que seja o ensino a distância, os docentes sempre serão os responáveis diretos por sistematizar esse conhecimento novo a fim de encontrar a melhor forma de transmití-los aos estudantes. O segundo fator de permanência dos docentes encontra-se na qualidade do ensino. Ao considerar a qualidade é imporante destacar não necessariamente estamos criticando o ensino a distância como um adversário despreperado, entretanto, a realidade vem mostrando que o ensino presencial traz intrinsecamente consigo um padrão de qualidade 227


superior. No que tange os cursos de Direito no Brasil, essa questão é mais complexa ainda, pois atualmente a posição divergente da Ordem dos Advogados do Brasil, conjuntamente com diversos especialistas da área e outras entidades, é totalmente contrária a criação de cursos de graduação em Direito virtuais, diante disso, a existência desses cursos é praticamente inexistente. Além dos pontos já elencados, atualmente no país existem mais de mil e setecentos cursos de Direito em funcionamento com um altíssimo número de vagas ociosas, segundo dados oficiais do Ministério da Educação. Cada um desses cursos possui, ou deveria, um corpo docente qualificado e apto a ministrar aulas. Levando-se em consideração que esses cursos atendem os requisitos estabelecidos pelo Ministério da Educação, inclusive no que tange a existência de um corpo docente qualificado e experiente, temos uma “garantia” da profissão por um longo período. Por último, porém, não menos importante, temos um fator historicamente especial e afeto à educação, a interação. Essa relação entre professor e aluno é tão antiga quanto o próprio ensino. Diversas pesquisas e o conhecimento empírico em si, demonstram que esse tipo de experiência é extremamente vantajosa, logo, o ensino tradicional em sala de aula, apesar de antiquado para alguns, tem resultados excelentes. A profissão docente é caracterizada por vários fatores, mas dentre todos, a preocupação e o tato em lidar com os alunos diariamente é algo que somente um professor compreende. O professor como profissional e ser humano não é o principal responsável pela ensino dos estudantes, pois isso é uma função exclusiva dos próprios estudantes, mas é ele quem promove o interesse e a paixão pela ciência jurídica, 228


demonstrando ao aluno como trabalhar com as ferramentas legais de modo a obter resultados desejados. Substituir completamente esse contato entre mestre e aprendiz é algo que o ensino a distância levará anos para alcançar, caso isso seja realmente possível.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALONSO, Kátia Morosov. A Expansão do Ensino Superior no Brasil e a EAD: Dinâmicas e lugares. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302010000400014&script=sci_abstract&tlng=pt BORGES, Felipe Augusto Fernandes. A EaD no Brasil e o Processo de Democratização do Acesso ao Ensino Superior: Diálogos Possíveis. Disponível em: http://pat.educacao. ba.gov.br/conteudos-digitais/conteudo/exibir/id/9326 CARMO, Renata de Oliveira Souza; FRANCO, Aléxia Pádua. Da Docência Presencial à Docência Online: Aprendizagens de Professores Universitários na Educação a Distância. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ abstract&pid=S0102-46982019000100420&lng=pt&nrm=iso GIRAFFA, Lucia Maria Martins. O desafio do EAD é garantir que tudo o que está no papel ocorre. Disponível em: https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,o-desafio-do-ead-e-garantir-que-tudo-o-que-esta-no-papel-ocorre,70003089267

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MOURA, Taísa Ilana Maia de; TASSIGNY, Mônica Mota; SILVA, Thomaz Edson Veloso. O Uso da Tecnologia no Ensino Jurídico: O Método do Ensino Híbrido no Curso de Direito. Disponível em: https://revista.univap.br/index. php/revistaunivap/article/view/2018/1480 NASCIMENTO, Tarcizo Roberto. O Marco Regulatório da Educação Jurídica Brasileira e a Redefinição do Pappel do Interventor. Tipográfica. 2016. PARDO, Paulo; BARCZSZ Silvio Silvestre. Reflexões Sobre o Curso de Direito a Distância no Brasil: Uma Análise Bibliográfica. Disponível em: http://www.abed.org.br/hotsite/20-ciaed/pt/anais/pdf/288.pdf Ministério da Educação. Como Surgiu a Profissão. Disponível em: http://sejaumprofessor.mec.gov.br/internas.php?area=curiosidades&id=comoSurgiu#:~:text=A%20educa%C3%A7%C3%A3o%20oficial%20no%20Brasil,no%20 dia%2015%20de%20outubro. Relatório Analítico da Aprendizagem a Distância no Brasil. Associação Brasileira de Educação à Distância. 2018/2019. Disponível em: http://www.abed. org.br/site/pt /m id iatec a /c ens o _ e ad /16 4 4 /2 019/10/ censoeadbr_-_2018/2019 Plano Nacional de Educação. Ministério da Educação. Disponível em: http://pne.mec.gov.br/18-planos-subnacionais-de-educacao/543-plano-nacional-de-educacao-lei-n-13-005-2014

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A QUALIDADE DO ENSINO JURÍDICO BRASILEIRO AFERIDA POR MEIO DO EXAME NACIONAL DE DESEMPENHO DE ESTUDANTES (ENADE) E PELO EXAME DE ORDEM DA OAB Lizziane Martins Lima 169 Tarcizo Roberto do Nascimento170 1. Histórico da regulação e avaliação de cursos superiores O Cenário de oferta de cursos jurídicos no Brasil requer entender seu contexto histórico de evolução das avaliações de cursos e a contribuição dessas avaliações para a melhoria da qualidade dos bacharelados em ciências jurídicas. Conhecer os parâmetros que são utilizados para avaliar a qualidade dos cursos de direito e, se essas normas vigentes são efetivamente capazes de aferir a qualidade do ensino ofertado nesses bacharelados, é condição essencial para compreender as diversas nuances que envolvem os modelos de avaliação da qualidade da formação ofertada nos cursos de direito, permitindo nessa perspectiva, analisar o contraponto entre o ENADE e o EXAME DE ORDEM e suas contribuições para a melhoria dessa oferta. 169  Bacharel em Direito pela Faculdade Processus. Graduada em Pedagogia pela Universidade Católica de Brasília (UCB), Especialista em Direito e Gestão Educacional pelo Instituto Latino Americano de Planejamento Educacional (ILAPE), Especialista em Educação a Distância pela Universidade Católica de Brasília. 170  Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), Especialista em Direito e Gestão Educacional pelo Instituto Latino Americano de Planejamento Educacional (ILAPE), Advogado, Mestre em Direito e Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Membro da Associação Brasileira de Direito Educacional (ABRADE).

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A avaliação de cursos de graduação apresenta fundamento legal na Constituição Federal de 1988, quando assevera que é um dever do Estado propiciar os processos de avaliação, instituindo padrão mínimo de qualidade a todo o sistema de ensino, ou seja, o preceito tem eficácia plena e abrange também os cursos ofertados pelas Instituições de Ensino Superior – IES. Nesse sentido, corroborando para o entendimento do princípio constitucional supramencionado, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) consolidou em seu art. 46171 a periodicidade nas avaliações dos cursos de graduação, com a finalidade precípua de acompanhar e tornar oficial a autorização e o reconhecimento dos cursos ofertados e sua renovação periódica. A Constituição Federal de 1988, quando incluiu os direitos sociais em seu artigo 6º, inseriu em seu rol o direito a educação. Além disso, tratou de forma pormenorizada, em seu artigo 206, destacando que, para além das condições de igualdade de acesso (I), liberdade de aprender, ensinar, pesquisar, e divulgar o pensamento, a arte e o saber (II), pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino (III), [...], preexiste uma questão social, voltada a garantia do padrão de qualidade, que envolve não somente a avaliação no seu conceito mais estrito e pormenorizado de avaliar o saber, mas sim, de avaliar todo o contexto educacional que envolve a formação, desde a qualidade para a oferta até o atendimento da necessidade social a qual o ensino está inserido. Assim, sendo a educação um direito social e que interessa a toda sociedade, a garantia do padrão de qualidade, 171  Art. 46. A autorização e o reconhecimento de cursos, bem como o credenciamento de instituições de educação superior, terão prazos limitados, sendo renovados, periodicamente, após processo regular de avaliação.

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nada mais é que, prover meios que garantam um processo de formação de qualidade, que visa o pleno desenvolvimento do homem e sua contribuição plena para o contexto social o qual está inserido. Diante dessa perspectiva e com esse olhar voltado para a melhoria do ensino jurídico, o cenário de mudanças no ensino trouxe à tona muitas demandas educacionais, tais como, criação de um novo Conselho Nacional de Educação (CNE), que até então era Conselho Federal de Ensino (CFE); a necessidade de rever as normas e regulamentos e tornar relevante o papel da avaliação do ensino superior, tornando-a como elemento essencial para o sistema de regulação. (...) “A avaliação do sistema como instrumento do processo de regulação é muito mais adequada e legítima num regime democrático do que impedir o crescimento do sistema de forma burocrática e casuística”172 . Não apartado de toda essa dinâmica, situa-se os cursos jurídicos, que buscou desde o seu nascedouro implementar as melhores práticas que pudessem avaliar e melhorar a qualidade de oferta desses cursos. Nessa conjuntura de mudanças, e muito anterior a elas, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), esteve sempre presente, por meio de sua Comissão de Ensino Jurídico (CEJ), criada em 1991 e atuou de forma veemente, debruçando-se sobre o diagnóstico e soluções para a crise do ensino jurídico, relacionadas à época173. Em trabalho conjunto com o Ministério da Educação, a OAB, por intermédio da CEJ, esteve presente nas tratativas de melhorias constantes em busca da qualidade dos cursos jurídicos, foi então, promulgada a Portaria 1.886 no ano de 172  FEITOSA NETO, Inácio josé. O ensino jurídico Brasileiro: uma análise dos discursos do MEC e da OAB. Recife: Ed. do Autor, 2007, p. 87. 173  Ensino Jurídico OAB: 170 anos de cursos jurídicos no Brasil. Brasília, DF: OAB, Conselho Federal, 1997, p.57.

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94, que tratava das diretrizes curriculares para o curso de direito. Todo esse debate entre órgão regulador e entidade de classe tem um papel relevante, tanto no contexto da regulação em prol da melhoria, quanto na efetividade do papel social das instituições de ensino, ou seja, todo esse processo de discussão, tanto de diretrizes curriculares, como de instrumentos de avaliação, tem foco na adequação da oferta em conformidade com aquilo se pretende como perfil do egresso e, para além disso, o como e qual profissional às IES entregarão para a sociedade. É importante frisar que toda essa discussão em prol da qualidade da oferta e das formas de avaliação, está positivada no Direito Brasileiro, desde a Constituição Federal, passando pelo Estatuto da Advocacia e chegando as normas infra-legais174. Portanto, no que diz respeito a esses processos de avaliação, tanto do ENADE quanto do EXAME de ORDEM tem respaldo jurídico e tem em seu bojo a intencionalidade de melhorar a qualidade do ensino dos cursos jurídicos, pois, não a razão no plano da eficácia jurídica, um arcabouço de normas que não cumprem seu papel social, pois o que está em voga é a formação e qualificação para o trabalho. Sendo assim, menciona BRAGA em seu artigo: O controle de qualidade por parte das corporações profissionais se dá por meio da regulamentação a respeito do ingresso na profissão. Isso ocorre, em maior medida, na advocacia, por conta do Exame de Ordem para ingresso na OAB. Nessa área, não restam dúvidas de que esse exame tem influência dire174  BIRNFELD, Carlos André. Manual prático dos critérios de avaliação da qualidade dos cursos jurídicos. Pelotas: Delfos, 2001 p.32.

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ta sobre a qualidade dos cursos, uma vez que a taxa de aprovação dos egressos nessa prova é periodicamente divulgada...]. [...a existência das comissões de ensino jurídico, bem como, a manifestação a respeito dos processos de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos exemplifica de forma clara a influência da Ordem dos Advogados do Brasil no controle de qualidade dos cursos.]175

Nesse sentido e no propósito de contribuir de forma conjunta com a regulação realizada pelo setor público, a lei instituiu no Estatuto da OAB, por meio do Art. 54, inciso XV, a sua competência para “colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos e opinar, previamente, nos pedidos apresentados aos órgãos competentes para criação, reconhecimento ou credenciamento destes cursos”176 . Esse regulamento vem demonstrar a real importância do papel do órgão de classe como “regulador”, pois, amplia as possibilidades de melhoria e corrobora com o entendimento da avaliação como um processo realizado por pares. Nesse contexto, no ano de 2004 foi instituído o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), que traz em sua concepção a avaliação das instituições, dos cursos e dos estudantes, esse último aferido pelo ENADE. Como norma disciplinadora dos processos e atos avaliativos do contexto educacional do ensino superior, a Lei do SINAES trouxe a reboque um conjunto de normas (decretos, resoluções, pareceres e regulamentos) que compõem o campo legislativo da educação e nele estão contidas as normas 175  BRAGA, Claudio Mendonça. Construção de novos parâmetros para avaliação qualitativa: a relação entre o Ministério da Educação e a Ordem dos Advogados do Brasil na atividade de regulação e supervisão dos cursos jurídicos. 176  ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – Estatuto da Advocacia – Lei 8.906 de 04/07/1994.

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relativas aos processos de avaliação a qualidade do ensino e que, conforme a evolução dos fatos sociais relacionados ao contexto social sob a ótica do ensino, se moldam, ou não, para atingir as melhorias preconizadas pela Lei suprema. Como premissa, o SINAES tem o objetivo de avaliar instituições e cursos, conforme preconizado em seu artigo 1º: Fica instituído o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES, com o objetivo de assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, dos cursos de graduação e do desempenho acadêmico de seus estudantes, nos termos do art. 9º, VI, VIII e IX, da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. § 1º O SINAES tem por finalidades a melhoria da qualidade da educação superior, a orientação da expansão da sua oferta, o aumento permanente da sua eficácia institucional e efetividade acadêmica e social e, especialmente, a promoção do aprofundamento dos compromissos e responsabilidades sociais das instituições de educação superior, por meio da valorização de sua missão pública, da promoção dos valores democráticos, do respeito à diferença e à diversidade, da afirmação da autonomia e da identidade institucional177.

Conforme posto, muitas são as finalidades preconizadas pela Lei do SINAES, trazendo em seu bojo aspectos relacionados a expansão, efetividade acadêmica e social, e responsabilidade das instituições, com vistas a regulamentar e

177  BRASIL. Lei 10.861/2004 – Dispõe sobre o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior.

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buscar o alcance do preceito constitucional de melhoria do padrão de qualidade. Diante de tantas demandas que contemplam a formação jurídica, todo o sistema de regulação e avaliação do ensino não tem conseguido alcançar o êxito em seus processos e atos administrativos. O excesso de pedidos e autorizações de cursos jurídicos permeiam a realidade da falta de qualidade dos cursos jurídicos, sendo um mercado em expansão muito além daquele vivenciado na década de 90. Dessa forma, mesmo com tratativas constantes entre MEC e OAB e dados relevantes sobre ENADE e Exame de Ordem, a formação dos bacharéis em direito não tem atingido os melhores patamares nos últimos anos, prevalecendo um cenário bem mais caótico ao vivenciado em outros tempos.

2. A garantia do padrão de qualidade como princípio constitucional Como fonte primeira do Direito educacional, a Constituição Federal contempla dez artigos que versam sobre a educação. Diversas normas educacionais são deflagradas a partir do texto constitucional, tais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o Estatuto da Criança e do Adolescente, etc. Dentre os diversos aspectos trazidos pelo texto constitucional, um deles chama atenção para o trabalho em tela, que é a garantia do padrão de qualidade do ensino, com previsão normativa no artigo 206, inc.VII e a sua regulamentação pelo texto da Lei ordinária que preceitua que “o ensino é livre a iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:[...] autorização e avaliação de qualidade pelo Po237


der Público, cabendo à União “assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino”. O padrão mínimo de qualidade está expresso no artigo 206, inciso VII, o qual assevera: Art.206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] VII – garantia do padrão de qualidade.178

Anterior a esse preceito Constitucional o art. 205 do texto constitucional da CF 88, versa sobre três aspectos, os quais são objetivos básicos definidos para educação: a) o pleno desenvolvimento da pessoa; b) preparo da pessoa para o exercício da cidadania; c) qualificação da pessoa para o trabalho. No entanto, nem o texto constitucional e nem as normas infraconstitucionais, tais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, menciona o que seria de fato esse “padrão de qualidade”, e nos leva a inferir que o verdadeiro termômetro é a efetividade da atuação profissional e o como esses profissionais estão chegando ao mercado. Com isso, árdua tarefa é mensurar se as inovações trazidas pelas constantes mudanças nas normas que envolvem o contexto de regulação do ensino superior têm garantido esse padrão de qualidade para o ensino, necessitando, assim, de alterações emergentes das políticas adotadas, tornando 178  VILAS-BÔAS, Renata Malta. Direito à Educação de qualidade como forma de garantir a cidadania apud Direitos Humanos, Políticas Públicas e Cidadania. Alane de Lucena [et.al.] / Rodrigo Freitas Palma (Org). – Brasília: Processus, 2014, pg.325.

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mais eficaz e efetivo os processos de avaliação que envolvem a formação jurídica.

3. A Avaliação dos cursos de direito como processo de melhoria da qualidade do ensino jurídico Como forma de dimensionar a avaliação da formação no âmbito do ensino jurídico e com vistas a contribuir para a melhoria do padrão de qualidade do ensino superior, o SINAES objetiva mensurar a qualidade da formação ofertada nos cursos superiores, dentre eles, os cursos jurídicos, por meio da avaliação das instituições, cursos e alunos. Entendendo a avaliação como processo formativo de melhoria da qualidade do ensino e considerando a dinâmica do estado em sistematizar a oferta da graduação, novas diretrizes de avaliação são instituídas a partir de 2004, por meio da Lei 10.461/2004 o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior – SINAES, que dentre outros aspectos de avaliação (autoavaliação e avaliação externa), traz em seu bojo o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. O exame tem por objetivo verificar a cada ciclo de 3 anos o desempenho dos alunos egressos dos cursos de graduação e será aferida por meio de conceito ordenado em escala de 1 a 5, avaliando o desempenho de concluintes de cursos de graduação com relação aos conteúdos e as competências previstas para sua formação. O ENADE é um exame de caráter obrigatório e tem status de componente curricular, ou seja, é necessário que o aluno concluinte responda ao questionário do estudante e realize a prova para poder colar grau179. 179  Instituto Nacional Anísio Teixeira – INEP - http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/mec-e-inep-divulgam-resultados-

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Nesse contexto de avaliação, ressalta-se o papel do Ministério da Educação como agente regulador, quando da verificação do desempenho dos alunos por meio do ENADE. Vale mencionar que existe obrigatoriedade do aluno em comparecer ao exame, no entanto, não existe obrigatoriedade na realização da prova, contando somente como registro de comparecimento. Dos resultados do ENADE derivam dois indicadores de qualidade da educação superior que são insumos para a melhoria da qualidade dos projetos pedagógicos de curso. O conceito ENADE é calculado a partir do desempenho do estudante concluinte do curso de graduação, buscando agregar o desempenho do aluno desde o seu ingresso, normalmente aferido pelo ENEM e pelo ENADE, pelos concluintes. Nesse sentido, é importante ressaltar que nem todos os alunos que realizam o ENADE prestaram o ENEM e, portanto, esse indicador aliado a falta de obrigatoriedade na resolução da prova, se torna fragilizado como fator de mensuração da qualidade da formação dos cursos jurídicos. Diante desse cenário é mister analisar de forma pormenorizada se existe efetividade nas avaliações impostas pelo agente regulador e qual o contraponto existente dessas avaliações realizadas, especificamente nos cursos de direito. Elas contribuem para o cumprimento do preceito constitucional? Contribuem para a formação do futuro bacharel em direito? Melhoram a qualidade dos cursos? Demonstram resultados coerentes àquilo a que se propõem? O resultado do ENADE por si só não tem implicações regulatórias, ou seja, o resultado do desempenho dos estudantes na prova não é considerado igual à qua-do-enade-2017-e-indicadores-de-qualidade-da-educacao-superior/21206

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lidade do curso e, portanto, não é suficiente para reconhecer ou deixar de reconhecer um curso180 .

É provável que o arcabouço normativo que regula o ensino jurídico no país, mesmo com sua amplitude, não contribua de forma eficaz e eficiente aos termos de garantia do padrão de qualidade do ensino, no entanto, é válido investigar, no âmbito da IES particulares do DF, o quanto desse padrão de qualidade tem sido alcançado, verificando tanto sob a ótica do ENADE quanto do EXAME de ORDEM, resguardando a peculiaridade de cada uma das avaliações. Quando o assunto é avaliação, o momento atual é crucial para acalorar os debates acerca da qualidade de ensino ofertada no país. Esse momento de expansão desordenada requer um controle mais efetivo do Estado e uma revisão premente dos critérios adotados para autorização dos cursos de direito no país. Nesse contexto, o papel da avaliação é de grande relevância quando possibilita que a sociedade tenha acesso as informações sobre a qualidade dos cursos e das instituições do país, aferidas por meio de critérios estabelecidos pela Lei do SINAES, e sob a ótica da formação a aplicação do ENADE. A ausência de imparcialidade na autorização dos cursos, tem tornado cada vez mais difícil o controle da qualidade por meio dos órgãos responsáveis. Não há como aferir a qualidade dos cursos, pois, a velocidade em que se autoriza não é a mesma em que avalia, abrindo assim, uma lacuna entre o funcionamento dos cursos e o processo de avaliação desses. A fiscalização está na contramão da arbitrariedade do processo regulatório. 180  RISTOFF DILVO. Revista Brasileira de Pós-Graduação - (RBPG, Brasília, v. 3, n. 6, O Sinaes como sistema, p. 208, 210 e 211)

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Como já mencionado, a revelia do posicionamento da OAB, esse preconizado pela Lei 8.906 de 1994, o qual determina a colaboração da OAB para o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos em opinião prévia, o MEC desconsidera o filtro da OAB, tornando discrepante a abertura de cursos. Nesse sentido é questionável a avaliação da qualidade dos cursos por meio do ENADE, uma prova de análise amostral, a qual coletam-se diversos dados, desde do contexto socioeconômico ao contexto da formação, mas questiona-se qual o resultado efetivo e a contribuição social dessa avaliação para mensurar a qualidade do ensino. Não se pode negar que os dados são de grande relevância para o estudo socioeconômico, mas em que tem contribuído para o ensino? Nesse sentido o Exame da OAB tem sido um filtro importante que avalia a qualidade da formação no seu sentido mais stritu, ou seja, avaliando a formação específica do egresso, podendo ser ferramenta de grande valia para o controle efetivo da qualidade dos cursos jurídicos. O exame da Ordem está previsto no artigo 58, inciso VI da Lei 8.906, de 1994 e é regulamentado pelo Provimento nº 109, de 2005181. Para que o Bacharel em Direito possa ser inscrito nos quadros da OAB é critério previsto no provimento que tenha sido aprovado no Exame. O Exame da Ordem é realizado três vezes ano e tem por objetivo aferir a qualidade da formação do Bacharel em Direito. O Exame de Ordem também é um indicador potencial para medir a qualidade dos cursos. Sendo assim, seus dados são utilizados pela OAB para conceder às melhores 181  PROVIMENTO OAB N. 109, de 05.12.05. Estabelece normas e diretrizes do Exame de Ordem.

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instituições o selo de qualidade pelo programa denominado OAB recomenda. Embora entendendo a importância e relevância dos dados coletados por meio desses dois instrumentos do órgão de classe (Exame de Ordem e OAB recomenda), esses mecanismos não são oficiais, mas trazem importantes insumos para a avaliação da qualidade dos cursos jurídicos.

4. O Avaliação de larga escala no Ensino Superior – Exame Nacional de Avaliação de Desempenho de Estudantes (ENADE) Todo esse enredo suscita debates relevantes, tanto no contexto educacional, quanto no campo jurídico da efetividade das normas impostas pelo Estado, não que elas não tenham que existir, mas o desafio é realmente adequar o que se pretende para o ensino com aquilo que realmente está sendo ofertado para que a engrenagem funcione e traga resultados. Sendo assim, o papel social da avaliação é prestar para a sociedade informações relevantes, uma forma de prestar contas da qualidade dos cursos e das instituições, vislumbrando a formação de cidadãos com a devida formação técnica para atuar no mercado de trabalho. Com a intenção de buscar a melhoria da qualidade da educação superior, foi instituída a Lei do SINAES nº 10.861, que traz as referências necessárias do processo avaliativo. Baseando-se nessa Lei, o MEC criou um sistema de avaliação para as IES, utilizando-se de metodologia baseada em indicadores e para avaliação do ensino superior utiliza-se do Conceito de Índice Geral de Cursos (IGC) como parâmetro para medir a qualidade das Instituições. 243


Assim, o MEC realiza suas avaliações oficiais com foco na aferição satisfatória da oferta do ensino superior, se valendo de ferramentas de verificação in loco e de verificação do desempenho de estudantes, conforme previsto na Lei 10.861 de 2004182: [...O Sinaes possui uma série de instrumentos complementares: autoavaliação, avaliação externa, Enade, Avaliação dos cursos de graduação e instrumentos de informação como o censo e o cadastro. A integração dos instrumentos permite que sejam atribuídos alguns conceitos, ordenados numa escala com cinco níveis, a cada uma das dimensões e ao conjunto das dimensões avaliadas. O Ministério da Educação torna público e disponível o resultado da avaliação das instituições de ensino superior e de seus cursos. A divulgação abrange tanto instrumentos de informação (dados do censo, do cadastro, CPC e IGC) quanto os conceitos das avaliações para os atos de Renovação de Reconhecimento e de Recredenciamento (parte do ciclo trienal do Sinaes, com base nos cursos contemplados no Enade a cada ano)].

Desse modo, pode-se inferir por meio da citação, tratar-se de um sistema de grande complexidade devido a abrangência de informações coletadas por meio dos instrumentos de avaliação. Segundo o órgão regulador, os resultados das avaliações proporcionam uma análise global da qualidade do ensino. Todo o processo regulatório é composto por indicadores de qualidade da educação superior, instrumentalizados 182 http://portal.inep.gov.br/sinaes

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para dar base ao processo de regulação tanto dos cursos, quanto das IES. Para fins de entendimento, vale mencionar os conceitos e índices aferidos nos processos regulatórios183: a) Conceito Enade (CE): avalia os cursos de graduação a partir dos resultados obtidos pelos estudantes no Enade. É divulgado anualmente para os cursos que tiveram pelo menos dois estudantes concluintes participantes do Exame. Os resultados do Enade são considerados na composição de índices de qualidade relativos aos cursos e às instituições (como o CPC e o IGC); b) Conceito Preliminar de Cursos (CPC): combina, em uma única medida, diferentes aspectos relativos aos cursos de graduação. Seus componentes podem ser agrupados em quatro dimensões – desempenho dos estudantes, valor agregado pelo processo formativo oferecido pelo curso, corpo docente, e condições oferecidas para o desenvolvimento do processo formativo; c) Conceito de Curso (CC): composto a partir da avaliação in loco do curso pelo MEC, pode confirmar ou modificar o CPC. A necessidade de avaliação in loco para a renovação do reconhecimento dos cursos é determinada pelo CPC: cursos que obtiverem CPC 1 e 2 serão automaticamente incluídos no cronograma de avaliação in loco. Cursos com conceito igual ou maior que 3 podem optar por não receber a visita dos avaliadores e, assim, transformar o CPC em CC, que é um conceito permanente. d) Índice Geral de Cursos (IGC): Resultado de avaliação das Instituições de Educação Superior. É uma 183 https://contas.tcu.gov.br/sagas/SvlVisualizarRelVotoAcRtf?codFiltro=SAGAS-SESSAO-ENCERRADA&seOcultaPagina=S&item0=620273

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média ponderada, a partir da distribuição dos estudantes nos níveis de ensino, que envolve as notas contínuas de CPC dos cursos de graduação e os conceitos Capes dos cursos de programas de pós-graduação stricto sensu das IES. O indicador pode ser confirmado ou alterado pelo Conceito Institucional (CI); e) Conceito Institucional: composto a partir da avaliação in loco da instituição pelo MEC, pode confirmar ou modificar o IGC.

Diante de tantos mecanismos, vale ressaltar a importância e contribuição de um deles para melhoria da qualidade do ensino, qual seja o ENADE. O ENADE, conforme já fora mencionado, é um exame que avalia o rendimento dos concluintes dos cursos de graduação que acontece de 3 em 3 anos para cada área de conhecimento. Para o curso de direito os últimos exames aconteceram em 2012, 2015 e 2018. Conforme já mencionado na Lei do SINAES, o ENADE tem a seguinte definição conforme artigo 5º da Lei do SINAES184: Art. 5o A avaliação do desempenho dos estudantes dos cursos de graduação será realizada mediante aplicação do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes - ENADE. § 1o O ENADE aferirá o desempenho dos estudantes em relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares do respectivo curso de graduação, suas habilidades para ajustamento às exigências decorrentes da evolução do conhecimento e suas competências para compreender temas exte184 http://portal.inep.gov.br/sinaes

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riores ao âmbito específico de sua profissão, ligados à realidade brasileira e mundial e a outras áreas do conhecimento. § 2o O ENADE será aplicado periodicamente, admitida a utilização de procedimentos amostrais, aos alunos de todos os cursos de graduação, ao final do primeiro e do último ano de curso. § 3o A periodicidade máxima de aplicação do ENADE aos estudantes de cada curso de graduação será trienal. § 4o A aplicação do ENADE será acompanhada de instrumento destinado a levantar o perfil dos estudantes, relevante para a compreensão de seus resultados. § 5o O ENADE é componente curricular obrigatório dos cursos de graduação, sendo inscrita no histórico escolar do estudante somente a sua situação regular com relação a essa obrigação, atestada pela sua efetiva participação ou, quando for o caso, dispensa oficial pelo Ministério da Educação, na forma estabelecida em regulamento.

Vale mencionar que no contexto de avaliação do ensino, o ENADE tem papel de grande relevância para as IES, pois, o Conceito Preliminar de Curso tem em sua composição a nota aferida pelo ENADE, bem como, o Indicador de Diferença entre os Desempenhos Observado e Esperado (IDD) e por fatores que consideram a titulação dos professores, o percentual de docentes que cumprem regime parcial ou integral (não horistas), recursos didáticos-pedagógicos, infraestrutura e instalações físicas. É importante frisar que o ENADE tem grande impacto no CPC quando, a partir de seus resultados, o curso pode 247


ter conceito relevante ou pode até mesmo ficar sem conceito se não for realizado por pelo menos dois alunos concluintes. Conforme Nota Técnica nº 16/2018: O cálculo do Conceito ENADE, realizado por código de curso, leva em consideração as seguintes informações: a) o número de estudantes concluintes participantes, com resultados válidos, aqui denominados participantes; b) o desempenho dos estudantes participantes na parte de Formação Geral (FG) do exame; c) o desempenho dos estudantes participantes na parte de Componente Específico (CE) do exame.

Com isso e para além desses cálculos, a que se analisar se os critérios definidos pelo ENADE têm buscado, de fato, aferir o padrão de qualidade dos cursos. Em posicionamento recente o Tribunal de Contas da União (TCU) criticou o sistema de Avaliação e a subjetividade de seus indicadores, dentre eles, do conceito ENADE. A fiscalização do TCU teve por objeto avaliar à regulação e avaliação dos cursos superiores que teve origem em uma solicitação da Comissão de Defesa do Consumidor para avaliar a atuação do MEC nos procedimentos de avaliação dos cursos de direito. Conforme relatado consta no relatório, o que motivou a solicitação foi a questão da oferta da qualidade do ensino superior e os mecanismos de controle, conforme relato que segue185: “Não obstante todo o aparato legislativo para que o Ministério da Educação (MEC) exerça a fiscalização 185 https://contas.tcu.gov.br/sagas/SvlVisualizarRelVotoAcRtf?codFiltro=SAGAS-SESSAO-ENCERRADA&seOcultaPagina=S&item0=620273

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sobre o funcionamento das Faculdades de Direito, os estudantes têm visto seus direitos de consumidores prejudicados diante da péssima qualidade de muitas instituições. Basta, para tanto, verificar o baixíssimo índice de aprovação no Exames da OAB para concluir que a formação de Bacharéis em Direito está comprometida.”

Com isso, percebe-se que os mecanismos de controle de qualidade dos cursos e das instituições de ensino, mais uma vez passa por questionamentos, necessitando assim de adequação e revisão das políticas públicas voltadas ao processo de regulação do ensino superior, com vistas a contemplar o preconizado pela CF 88 e pela LDB.

5. Exame de Ordem sob a ótica de avaliação e suas contribuições para o Processo de formação do Bacharel em Direito Assim como o processo nacional de avaliação, o Exame de Ordem, apesar de não avaliação oficial, sofreu adequações ao longo de sua existência, para que assim, acompanhasse a evolução do ensino, tanto nos aspectos qualitativos, quanto quantitativos da oferta de cursos e, por consequência do aumento do número de Bacharéis, oriundos dos cursos de direito. Nesse sentido, todo esse processo culminou na criação do Exame de Ordem Unificado (EOU), que unificou a prova em todo país. Muitas discussões existem em torno da constitucionalidade do Exame de Ordem, o qual o exercício da advocacia à prévia aprovação no Exame de ordem. Nesse contexto o STF apreciou o texto constitucional do artigo 5º, XIII, que 249


preconiza que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Nesse contexto, a Lei 8.906/94 regulamentou esse dispositivo constitucional e o STF entendeu que o Exame de Ordem atende legalmente aos preceitos constitucionais. Além disso, o STF entendeu, ainda, que o referido Exame tem fundamental importância para selecionar os profissionais que realmente estão aptos ao exercício da profissão. No entanto, nem o posicionamento do STF com relação ao Exame de Ordem foi suficiente para amenizar os acalorados debates. Muitas discussões acerca desse assunto ainda rebatem sobre sua necessidade, no entanto, diante do cenário posto sobre a expansão de cursos jurídicos, o Exame de Ordem é essencial para validar a formação e tornar o Bacharel apto ao exercício da profissão, conforme segue: O Exame, inicialmente previsto no artigo 48, inciso III, da Lei nº 4.215/63 e hoje no artigo 8º, inciso IV, da Lei nº 8.906/94, mostra-se consentâneo com a Constituição Federal. Com ela é compatível a prerrogativa conferida à Ordem dos Advogados do Brasil para aplicação do exame de suficiência relativo ao acesso à advocacia. Redação da tese aprovada nos termos do item 2 da Ata da 12ª Sessão Administrativa do STF, realizada em 09/12/2015186 .

Os posicionamentos rebatem o Exame de Ordem, colocando-o como sendo um meio de reserva de mercado e criticando que a OAB sob sua legitimidade para tomar parte 186 http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+603583%2ENUME%2E%29+OU +%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+603583%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/b8pgqz3

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no ensino jurídico, sendo que a formação do Bacharel está ligada a uma multiplicidade de carreiras. Nesse diapasão, vale mencionar que a OAB não tem interesse em fazer reserva de mercado, há uma preocupação latente na melhoria da qualidade do ensino, na melhoria dos cursos e dos processos avaliativos, com a finalidade de tornar o Exame de Ordem, não somente um exame de aptidão, mas sim que seja uma fonte de dados capaz de proporcionar melhorias para o ensino ofertado nos cursos jurídicos. Nesse sentido, o Exame de Ordem tem por objetivo mensurar a qualificação do Bacharel para exercer a profissão, aferindo em suas duas fases, conhecimentos teóricos e práticos voltados ao seu exercício profissional. Assim, a legislação impõe que o exercício da profissão esteja ligado a outras condições, tais como: a posse do diploma registrado em uma instituição de ensino superior e credenciada junto ao MEC, fiscalização da atuação do advogado em conformidade com os padrões de ética, critérios esses já estabelecidos pelo Estatuto da OAB – Lei 8.906/64 Artigos 3º e 8º: O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e para inscrição como advogado é necessário: I – capacidade civil; II - diploma ou certidão de graduação em Direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada; III – título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro; IV – aprovação em Exame de Ordem.

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Vale ressaltar que essa prática não é realizada somente no Brasil, em análise comparada, o Exame de Ordem já se tornou prática consolidada em outros países, resguardada as devidas peculiaridades, conforme segue: Com as devidas diferenças, a obrigatoriedade da avaliação como prática admissional dos bacharéis em Direito é uma prática consolidada nos Estados Unidos, através do Bar Examination, e na maioria dos países da União Européia (UE). Segundo aponta relatório recente da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça, responsável pela avaliação dos sistemas jurídicos europeus, apesar das diferenças em termos de requisitos de treinamento e qualificação entre os Estados membros, exige-se, em geral, que os candidatos à prática da advocadcia satisfaçam uma série de condições, incluindo: (i) a obtenção de um diploma certificado; (ii) a aprovação nas avaliações necessárias; (iii) a admissão em uma associação profissional (Bar Association). Em alguns casos, os pré-requisitos podem incluir, ainda, um período de estágio inicial, treinamento contínuo e/ou específico para especialização do profissional187.

Com isso infere-se que a necessidade de avaliar a formação por meio de um Exame não é prerrogativa da dinâmica instituída no Brasil, até porque o Exame de Ordem pode trazer insumos importantes, com critérios objetivos para a melhoria dos projetos pedagógicos dos cursos de Direito e por consequência, melhorar o processo de formação dos bacharéis. 187  Exame de Ordem em Números – Fundação Getúlio Vargas – FGV Projetos

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Com vistas a contribuir para o padrão da qualidade do ensino jurídico, a Comissão Nacional de Ensino Jurídico, entrou num combate intenso com o Ministério da Educação, a fim de tentar frear a quantidade de cursos autorizados, pois, os resultados do Exame de Ordem, tem demonstrado que a abertura desordenada de cursos jurídicos, em instituições com qualidade duvidosa, tem refletido nos resultados da qualidade do ensino do bacharel em Direito. Com isso, em conjunto com o Ministério da Educação a OAB continua na tentativa constante de melhorar o ensino nos cursos de Direito. O Exame de Ordem traz muitas inferências para a análise global dos cursos, uma porque avalia o egresso em seu contexto profissional mais específico e outra que, por ser uma prova em que o bacharel realiza voluntariamente, traz mais efetividade e segurança nos dados coletados. O Exame de Ordem aliado aos instrumentos de aferição do MEC é uma alternativa potencial para verificar com mais critério a qualidade da formação. Como já mencionado o TCU tem criticado a subjetividade trazida pelo ENADE, por ser esse um meio de avaliação que não traz em seu bojo a consistência de uma avaliação da formação, pois o seu caráter amostral traz resultados muitas vezes prejudiciais às IES. Sendo assim, o momento é oportuno para abertura de debates sobre a melhoria da qualidade do ensino jurídico. O padrão regulatório e burocrático contribui para o atendimento de interesses pessoais, para o marketing institucional, mas não para o cumprimento do padrão de qualidade preceituado pela constituição. Nesse contexto, é relevante analisar tanto os aspectos qualitativos, representados pela análise dos dados puros, dos resultados desse contexto de avaliações, como os dados 253


que trazem em seu cerne a subjetividade. O que isso significa? Significa dizer que, de nada vale o esforço da OAB em buscar a melhoria para o ensino jurídico, melhorando as diretrizes, oferecendo insumos importantes por meio do Exame de Ordem e do Selo OAB, se o MEC não promove ações conjuntas para propiciar essa melhoria, ignora o posicionamento da OAB acerca da qualidade dos cursos. O esforço será em vão, se essas avaliações não forem utilizadas como ferramentas fundamentais para a melhoria constante da formação. As avaliações devem ter um caráter diagnóstico, que contribua para evolução do ensino jurídico, não ter caráter punitivo, imposto pelo Estado, com instrumentos que não avaliam com efetividade o ensino superior, responsabilizando, muitas vezes o gestor do ensino. É necessário unir esforços, a fim de atingir a finalidade precípua da oferta do ensino jurídico, que é alcançar o patamar mais elevado padrão de qualidade na oferta do ensino jurídico do país. Cada avaliação traz em seu bojo suas especificidades, as quais não podem ser relegadas, é necessário identificar a contribuição de cada uma nesse processo, considerado os seus aspectos gerais e específicos e assim analisar o contraponto entre elas, para que se possa extrair o melhor de todo o processo. Sejam as avaliações oficiais do MEC ou as avaliações e contribuições da OAB, o que está no cerne da questão é a melhoria constante do ensino ofertando e das normas estabelecidas, buscando sempre e da melhor forma alavancar a qualidade dos cursos e das instituições, afunilando a oferta e melhorando os processos que aferem a entrega desse egresso ao mercado de trabalho. 254


Sendo assim, todos esses indicadores, quando divulgados, constituem medida de qualidade capazes de contribuir para o a melhoria da qualidade dos cursos e da IES e para prestar serviço voltado a sociedade como fonte de consulta, proporcionado assim, o desenvolvimento de políticas públicas para o ensino superior. Diante de todo esse contexto e de toda a grandiosidade que envolve a contribuição do Exame de Ordem e das demais avaliações, é mister considerar que as melhorias são sempre necessárias, mas a não realização do Exame de Ordem poderá promover um abismo da qualidade do ensino jurídico do país.

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DIREITOS SOCIAIS, EDUCAÇ ÃO E A (PERDA DA) QUALIDADE DO ENSINO JURÍDICO BRASILEIRO Elmo José Duarte de Almeida Júnior188 1. Introdução A história da evolução humana é permeada de conquistas e avanços tecnológicos que propiciaram o nosso desenvolvimento enquanto sociedade organizada. As maiores conquistas humanas se encontram no campo imaterial e estão relacionadas a uma gama de direitos inalienáveis e inerentes a cada pessoa, que foram aperfeiçoados e transmitidos, de geração a geração, através dos milênios. Estes direitos, por sua envergadura e feição estrutural na sociedade moderna, se encontram reconhecidos internacionalmente e garantem, ainda que de forma não complemente satisfativa, a continuidade do desenvolvimento da espécie. O reconhecimento progressivo desse rol de direitos, classificados como fundamentais, adquiriu um caráter cumulativo, fruto de constantes reivindicações concretas dos indivíduos, geradas por situações de agressão a bens estruturais e elementares do ser humano. A acumulação de novos direitos acabou por influenciar o seu conteúdo e a própria maneira de se alcançar o maior grau de efetividade daqueles já positivados no ordenamento jurídico.

188  Procurador da Fazenda Nacional. Especialista em Direito Constitucional pela Escola Paulista de Direito. Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Professor de cursos de pós-graduação em Direito. Autor e coautor de obras na área jurídica.

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É justamente neste contexto que assume relevo o comportamento ativo do Estado na efetivação dos direitos fundamentais sociais, em resposta aos anseios cada vez mais potencializados de uma sociedade sedenta por políticas públicas que busquem o bem-estar social dos indivíduos, aí incluída a necessidade de garantia do acesso à educação. Afinal, somente a constante produção de conhecimento, através de suas várias interfaces científicas, doutrinárias, filosóficas ou tecnológicas, possibilita manter o sistema que retroalimenta a necessidade de garantia e evolução desses direitos fundamentais. Ou seja, a garantia dessa gama de direitos relacionados à própria existência humana, aí incluído o direito à educação, somente é necessária diante de seu constante aperfeiçoamento e conveniência na vida em sociedade. No dia em que a educação deixar de ser um fator estrutural para a evolução humana, estarão abertas as portas para os questionamentos acerca da necessidade de se garanti-la, enquanto direito fundamental. E, dentro desse contexto, convém analisar, ainda que de forma não profunda, adequada ao formato desta escrita, alguns aspectos relacionados à educação enquanto direito fundamental social, o acesso à educação superior no Brasil e os seus reflexos na qualidade do ensino jurídico. Sigamos, pois, na análise dos caminhos estruturantes que possibilitam o aperfeiçoamento e a difusão do saber.

2. Os direitos sociais de prestação As bases do constitucionalismo moderno se encontram completamente lastreadas no contexto dos direitos fundamentais. Frutos de reivindicações constantes dos in260


divíduos, os direitos fundamentais acabaram por condicionar a validade substancial de todo o ordenamento jurídico atual, impondo limites e modelando o Estado Democrático de Direito. A íntima ligação entre os direitos fundamentais e o Estado de Direito acabou por gerar uma relação de interdependência, ao passo que não é possível se conceber a realização de um Estado de Direito sem o reconhecimento dos direitos fundamentais e, tampouco, efetivar os direitos fundamentais sem a noção de Estado Constitucional. Neste relevo, a manifestação de Norberto Bobbio (1996, p. 01) se mostra bastante pertinente ao afirmar que a paz, a democracia e os direitos fundamentais constituem três momentos necessários do mesmo movimento histórico, sendo que a paz atua como pressuposto necessário para o reconhecimento e efetiva proteção dos direitos fundamentais, ao passo que não poderá haver democracia onde não forem assegurados os direitos fundamentais e, inexistindo democracia, não existirão as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Dentro desse contexto essencial de que os direitos fundamentais se fundem com a própria noção de Estado Democrático de Direito, a doutrina, baseando-se nos históricos postulados de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa, passou a classificar esses direitos em “gerações”. Embora uma pequena parte da doutrina repudie essa terminologia, sob a argumentação de que “o uso da expressão ‘gerações’ pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo ‘dimensões’ dos direitos fundamentais” (SARLET, 2007, p. 54), a classificação dos direitos fundamentais em gerações expõe as diversas transformações de 261


conteúdo, alcance e efetividade percebidas durante todo o seu processo histórico. Os direitos fundamentais de primeira geração, originados basicamente pela influência dos ideais iluministas dos jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII, inauguram o período de reconhecimento da liberdade dos indivíduos frente ao Estado. Por este motivo, segundo as lições de SARLET (2007, p. 56), são definidos como “direitos de cunho ‘negativo’, uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta positiva por parte dos poderes públicos, sendo, neste sentido, ‘direitos de resistência ou de oposição perante o Estado’”. Integram os direitos de primeira geração os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade. Os direitos de segunda geração, originados no século XIX em virtude dos relevantes problemas sociais e econômicos que acompanharam o processo de industrialização, apresentam-se como uma dimensão positiva do Estado no intuito de patrocinar um “bem-estar social”. Caracterizam-se por outorgarem aos indivíduos direitos a prestações sociais por parte do Estado, tais como assistência social, saúde, educação e trabalho. No século XX, de modo especial após a Segunda Guerra, esses direitos fundamentais acabaram por ser consagrados em várias constituições e tratados internacionais (SARLET, 2007, p. 57). Por sua vez, os direitos de terceira geração, comumente chamados de direitos de fraternidade ou de solidariedade, focalizam a sociedade como um todo, desvinculando-se da figura do homem como indivíduo e assumindo, portanto, uma dimensão coletiva ou difusa. A proteção do meio-ambiente e do patrimônio histórico, a paz dos povos e a sua 262


qualidade de vida são frequentemente citados como exemplos de direitos fundamentais de terceira geração. A doutrina moderna costuma apresentar uma quarta e até mesmo uma quinta geração de direitos fundamentais, que não são relevantes para o presente estudo. Partindo especificamente para os direitos fundamentais sociais, Alexandre de Moraes (2003, p. 202) os define como direitos do homem, que se caracterizam como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, cujo objetivo é a melhoria da qualidade de vida dos menos favorecidos e a concretização da igualdade social. De acordo com a doutrina tradicional, os direitos sociais que, dada sua extrema importância, foram merecedores de capítulo específico na Constituição Federal de 1988, são típicos exemplos de direitos de prestação. Porém, embora possam apresentar em sua grande maioria uma noção de direitos de prestação, reclamando uma postura ativa do Estado, os direitos sociais vão além dessa classificação para também incluir em seu bojo as chamadas “liberdades sociais”, de cunho eminentemente negativo ou de defesa. É o que aponta Ingo Wolfgang Sarlet (2001): [...] percebe-se, com facilidade, que vários destes direitos fundamentais sociais não exercem a função precípua de direitos a prestações, podendo ser, na verdade, reconduzidos ao grupo de direitos de defesa, como ocorre como direito de greve (art. 9º, da CF), a liberdade de associação sindical (art. 8º, da CF), e as proibições contra discriminações nas rela-

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ções trabalhistas consagradas no art. 7º, incs. XXXI e XXXII, de nossa Lei Fundamental.

Esclarecida essa questão e delimitando o presente estudo unicamente no aspecto positivo e prestacional dos direitos sociais, pode-se afirmar que essa categoria de direitos fundamentais possui ampla conexão com o direito de igualdade, valendo como pressuposto de gozo de direitos individuais, na medida em que cria condições materiais favoráveis à aquisição da igualdade real e da própria liberdade (SILVA, 2000, p. 289). Assim, os direitos sociais são considerados fatores de implementação da justiça social, uma vez que se encontram vinculados à efetivação de políticas públicas por parte do Estado.

2.1 A educação enquanto direito social de prestação A educação, em sua própria essência, é um fenômeno social e universal, necessário ao funcionamento e manutenção das sociedades, apesar de suas diferentes concepções e abordagens em cada ramo do conhecimento (JOAQUIM, 2009, p. 35). A Constituição Federal de 1988 inseriu a educação no rol de direitos sociais previstos em seu artigo 6º189. Além do mais, definiu ser competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios proporcionar, dentre outros, os meios de acesso à educação190 . 189  “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” 190  “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

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Dessa forma, o ordenamento constitucional demonstra uma nítida intenção de se manter prestações positivas do Poder Público para a garantia do amplo acesso às atividades educacionais. Por outro lado, ciente de que o poder de tributar traz consigo, intimamente atado, um poder paralelo de se destruir191 (direitos, principalmente), o legislador constituinte previu várias imunidades tributárias, que representam verdadeiros freios ao exercício da tributação. De fato, as imunidades tributárias representam nítida tentativa de se encontrar um ponto de equilíbrio entre o poder fiscal e os direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, buscando oferecer coerência ao próprio sistema que impõe tributos, mas reconhece direitos como pilares de todo o seu modelo de estado democrático (ALMEIDA JÚNIOR, 2016, p. 55). Assim, a Carta Magna de 1988 vedou a instituição de impostos sobre as entidades de educação e de assistência social, desde que atendidos os requisitos previstos em lei192 . (...) V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação; (...)” 191  Julgado em 1819, sob a relatoria do Chief Justice John Marschall, o caso Mc Culloch v. Maryland discutiu a possibilidade de um Estado-membro da federação norte-americana cobrar impostos de um banco nacional. Marschall, apoiado no princípio da supremacia da União e sob o argumento de que o poder de tributar envolve o poder de destruir (the power to tax involves the power to destroy), decidiu que se o Estado-membro pudesse cobrar impostos do patrimônio do Governo Federal, acabaria por destruir o que a ele caberia preservar. (TORRES, 2005, p. 225) 192  “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI - instituir impostos sobre: (...)

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Para além de uma proteção constitucional, esta nobre imunidade tributária traz um estímulo para as instituições de educação e assistência social que, atendidos os requisitos previstos em lei, atuem em um campo onde é impossível se verificar a onipresença do Estado. De fato, constatada a incapacidade do Estado em atender todas as demandas de educação exigidas pela sociedade, nada mais salutar do que estimular as instituições que se dediquem a este mister. Afinal, as entidades de educação desenvolvem atividades básicas que cumpririam, a princípio, ao Estado desempenhar. Ao antever as dificuldades de desempenho, de forma satisfatória, por parte do Poder Público, o legislador constituinte optou por não só proteger este direito fundamental social, mas também fomentar a sua oferta através de instituições privadas que a ela se dediquem, nos termos da lei. Não por acaso, o artigo 205 da Constituição Federal193 prevê que a educação é um direito de todos e um dever do Estado e da família, a qual será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, objetivando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o mercado de trabalho. E, sendo a educação um direito fundamental social, que exige prestações positivas, ela acaba por também se inserir no rol de deveres do Estado, devendo ser vista e acompanhada de maneira cuidadosa pela sociedade, eis que se trata de um direito inalienável. O pacto social que nos rege c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; (...)” 193  “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

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garante ao indivíduo o direito de se desenvolver em função das possibilidades de conhecimento existentes, traduzindo, por outro lado, em uma obrigação da sociedade em transformar tais possibilidades em realizações efetivas. Não se pode negar que a educação é uma das maiores riquezas de um país, talvez a maior. Por constituir ferramenta de inclusão e desenvolvimento social, ela traduz a essência de um povo. Quanto maior o investimento em educação, tende a ser maior o compromisso da sociedade com a redução das desigualdades sociais. Sobre o tema, GOMES (2014, p. 114) afirmou: [...] common sense dictates that education is one of the best financial investiments States can make. States like Brazil, Costa Rica and Philippines have constitutional provisions guaranteeing a percentage of the national budget for education, in accordance withe the ICESCR. Educated people are more skilled, more motivated, more healthy – so, more productive.

Certamente, as bases educacionais de um país são determinantes para o desenvolvimento de sua nação. O artigo 206 da Constituição Federal de 1988 detalha os princípios norteadores do ensino brasileiro, dentre os quais, destacam-se: a igualdade de condições de acesso e permanência na escola; garantia do padrão de qualidade; valorização dos profissionais de educação; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; gratuidade do ensino público; e outros194 . 194  “Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

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Como fonte de custeio das atividades relacionadas à educação, a Carta Maior também prevê percentuais mínimos da arrecadação a serem aplicados pelos Entes Federados, em suas respectivas esferas de competência195. II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. IX - garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida.” 195  “Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. § 1º A parcela da arrecadação de impostos transferida pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios, não é considerada, para efeito do cálculo previsto neste artigo, receita do governo que a transferir. § 2º Para efeito do cumprimento do disposto no ‘caput’ deste artigo, serão considerados os sistemas de ensino federal, estadual e municipal e os recursos aplicados na forma do art. 213. § 3º A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano nacional de educação. § 4º Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários. § 5º A educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas na forma da lei. § 6º As cotas estaduais e municipais da arrecadação da contribuição social do salário-educação serão distribuídas proporcionalmente ao número de alunos matriculados na educação básica nas respectivas redes públicas de ensino.§ 7º É vedado o uso dos recursos referidos no caput e nos §§ 5º e 6º deste artigo para pagamento de aposentadorias e de pensões. § 8º Na hipótese de extinção ou de substituição de impostos, serão redefinidos os percentuais referidos no caput deste artigo e no inciso II do caput do art. 212-A, de modo que resultem recursos vinculados à manutenção e ao desenvolvimento do

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ensino, bem como os recursos subvinculados aos fundos de que trata o art. 212-A desta Constituição, em aplicações equivalentes às anteriormente praticadas. § 9º A lei disporá sobre normas de fiscalização, de avaliação e de controle das despesas com educação nas esferas estadual, distrital e municipal. Art. 212-A. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 desta Constituição à manutenção e ao desenvolvimento do ensino na educação básica e à remuneração condigna de seus profissionais, respeitadas as seguintes disposições: I - a distribuição dos recursos e de responsabilidades entre o Distrito Federal, os Estados e seus Municípios é assegurada mediante a instituição, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), de natureza contábil; II - os fundos referidos no inciso I do caput deste artigo serão constituídos por 20% (vinte por cento) dos recursos a que se referem os incisos I, II e III do caput do art. 155, o inciso II do caput do art. 157, os incisos II, III e IV do caput do art. 158 e as alíneas "a" e "b" do inciso I e o inciso II do caput do art. 159 desta Constituição; III - os recursos referidos no inciso II do caput deste artigo serão distribuídos entre cada Estado e seus Municípios, proporcionalmente ao número de alunos das diversas etapas e modalidades da educação básica presencial matriculados nas respectivas redes, nos âmbitos de atuação prioritária, conforme estabelecido nos §§ 2º e 3º do art. 211 desta Constituição, observadas as ponderações referidas na alínea "a" do inciso X do caput e no § 2º deste artigo; IV - a União complementará os recursos dos fundos a que se refere o inciso II do caput deste artigo; V - a complementação da União será equivalente a, no mínimo, 23% (vinte e três por cento) do total de recursos a que se refere o inciso II do caput deste artigo, distribuída da seguinte forma: a) 10 (dez) pontos percentuais no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, sempre que o valor anual por aluno (VAAF), nos termos do inciso III do caput deste artigo, não alcançar o mínimo definido nacionalmente; b) no mínimo, 10,5 (dez inteiros e cinco décimos) pontos percentuais em cada rede pública de ensino municipal, estadual ou distrital, sempre que o valor anual total por aluno (VAAT), referido no inciso VI do caput deste artigo, não alcançar o mínimo definido nacionalmente; c) 2,5 (dois inteiros e cinco décimos) pontos percentuais nas redes públicas que, cumpridas condicionalidades de melhoria de gestão previstas em lei, alcançarem evolução de indicadores a serem definidos, de atendimento e melhoria da aprendizagem com redução das desigualdades, nos termos do sistema nacional de avaliação da educação básica; VI - o VAAT será calculado, na forma da lei de que trata o inciso X do caput deste artigo, com base nos recursos a que se refere o inciso II do caput deste artigo, acrescidos de outras receitas e de transferências vinculadas à educação, observado o disposto no § 1º e consideradas as matrículas nos termos do inciso III do caput deste artigo;

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VII - os recursos de que tratam os incisos II e IV do caput deste artigo serão aplicados pelos Estados e pelos Municípios exclusivamente nos respectivos âmbitos de atuação prioritária, conforme estabelecido nos §§ 2º e 3º do art. 211 desta Constituição; VIII - a vinculação de recursos à manutenção e ao desenvolvimento do ensino estabelecida no art. 212 desta Constituição suportará, no máximo, 30% (trinta por cento) da complementação da União, considerados para os fins deste inciso os valores previstos no inciso V do caput deste artigo; IX - o disposto no caput do art. 160 desta Constituição aplica-se aos recursos referidos nos incisos II e IV do caput deste artigo, e seu descumprimento pela autoridade competente importará em crime de responsabilidade; X - a lei disporá, observadas as garantias estabelecidas nos incisos I, II, III e IV do caput e no § 1º do art. 208 e as metas pertinentes do plano nacional de educação, nos termos previstos no art. 214 desta Constituição, sobre: a) a organização dos fundos referidos no inciso I do caput deste artigo e a distribuição proporcional de seus recursos, as diferenças e as ponderações quanto ao valor anual por aluno entre etapas, modalidades, duração da jornada e tipos de estabelecimento de ensino, observados as respectivas especificidades e os insumos necessários para a garantia de sua qualidade; b) a forma de cálculo do VAAF decorrente do inciso III do caput deste artigo e do VAAT referido no inciso VI do caput deste artigo; c) a forma de cálculo para distribuição prevista na alínea "c" do inciso V do caput deste artigo; d) a transparência, o monitoramento, a fiscalização e o controle interno, externo e social dos fundos referidos no inciso I do caput deste artigo, assegurada a criação, a autonomia, a manutenção e a consolidação de conselhos de acompanhamento e controle social, admitida sua integração aos conselhos de educação; e) o conteúdo e a periodicidade da avaliação, por parte do órgão responsável, dos efeitos redistributivos, da melhoria dos indicadores educacionais e da ampliação do atendimento; XI - proporção não inferior a 70% (setenta por cento) de cada fundo referido no inciso I do caput deste artigo, excluídos os recursos de que trata a alínea "c" do inciso V do caput deste artigo, será destinada ao pagamento dos profissionais da educação básica em efetivo exercício, observado, em relação aos recursos previstos na alínea "b" do inciso V do caput deste artigo, o percentual mínimo de 15% (quinze por cento) para despesas de capital; XII - lei específica disporá sobre o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério da educação básica pública; XIII - a utilização dos recursos a que se refere o § 5º do art. 212 desta Constituição para a complementação da União ao Fundeb, referida no inciso V do caput deste artigo, é vedada. § 1º O cálculo do VAAT, referido no inciso VI do caput deste artigo, deverá considerar, além dos recursos previstos no inciso II do caput deste artigo, pelo menos, as seguintes disponibilidades: I - receitas de Estados, do Distrito Federal e de Municípios vinculadas à manutenção e ao desenvolvimento do ensino não integrantes dos fundos referidos no

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2.2 A questão da efetividade do direito à educação no brasil Como se nota, arcabouço jurídico não falta ao Brasil para a implementação eficaz de políticas públicas capazes de possibilitar o pleno acesso a uma educação de qualidade. Entretanto, no que tange ao direito à educação, a realidade normativa e principiológica brasileira não acompanha a realidade fático-social. A falta de comprometimento com o direito à educação é facilmente constatada por escolas públicas sem condições físicas de funcionamento, ausência de uma política de valorização e remuneração digna dos professores, universidades desprovidas de laboratórios ou com laboratórios sucateados, ausência de programas amplos e acessíveis de financiamento estudantil, dentre outros aspectos. O ensino, muitas vezes amplificado por instituições privadas, também não atinge índices mínimos de qualidade. Infelizmente, a realidade do direito à educação se mostra muito distante daquilo que é constitucionalmente resguardado no pacto social brasileiro. Isto porque, nos moldes em que é observada, a educação não promove, em boa parte dos casos, o desenvolvimento pessoal e a qualifiinciso I do caput deste artigo; II - cotas estaduais e municipais da arrecadação do salário-educação de que trata o § 6º do art. 212 desta Constituição; III - complementação da União transferida a Estados, ao Distrito Federal e a Municípios nos termos da alínea "a" do inciso V do caput deste artigo. § 2º Além das ponderações previstas na alínea "a" do inciso X do caput deste artigo, a lei definirá outras relativas ao nível socioeconômico dos educandos e aos indicadores de disponibilidade de recursos vinculados à educação e de potencial de arrecadação tributária de cada ente federado, bem como seus prazos de implementação. § 3º Será destinada à educação infantil a proporção de 50% (cinquenta por cento) dos recursos globais a que se refere a alínea "b" do inciso V do caput deste artigo, nos termos da lei."

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cação necessária para o crescimento individual e profissional do indivíduo. Alguns estudiosos do tema suscitam a teoria da reserva do possível196 como limitadora da efetiva implementação dos direitos fundamentais sociais, dentre os quais se inclui a educação. Como mencionado em linhas volvidas, o Brasil possui generosas normas constitucionais que definem, inclusive, percentuais mínimos de determinados segmentos da arrecadação estatal para serem aplicados na educação. Todavia, a efetivação do direito à educação não ocorre simplesmente com sua previsão constitucional. A implementação efetiva desse direito tão caro aos indivíduos exige um amplo projeto que envolva todas as esferas administrativas do Estado, a ser construído com vontade política e cobrança da sociedade. Afinal, a educação se insere dentro da restrita gama de direitos que compõem o mínimo necessário à existência digna das pessoas. É através da educação que uma sociedade consegue reduzir suas desigualdades sociais e regionais, diminuindo, por consequência, a pobreza. A educação permite que uma família interrompa um ciclo de miséria e exclusão sócio-cultural que a acompanha por inúmeras gerações. A ausência da completa efetivação do direito à educação segmenta a sociedade em bolhas, não permitindo que todos os indivíduos contribuam para o desenvolvimento nacional e a evolução social. Aqueles que passam ao largo da educação, facilmente também estarão alocados à margem da 196  Originária dos julgados da Corte Constitucional Alemã, a teoria da reserva do possível define a limitação dos recursos públicos para fazer frente às necessidades sempre crescentes dos indivíduos, que exigem prestações positivas por parte do Estado. Em outras palavras, prevê que a implementação de políticas públicas, ainda que sejam relacionadas aos direitos fundamentais sociais, está sujeita à disponibilidade orçamentária.

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sociedade, aumentado a massa de manobra cultural e politicamente dominada. A educação cria asas e o conhecimento possibilita o voo. Assim, falta priorizar a educação, de qualidade, como um direito acessível a todos, indistintamente. De acordo com o Anuário de Competitividade Mundial 2020 (World Competitiveness Yearbook – WCY197), o Brasil está em último lugar no fator educação. A posição do país é a de 63, duas abaixo do ano de 2019198 . Os números falam por si só e demonstram que existe um longo caminho a ser percorrido entre o direito constitucionalmente consagrado e sua efetivação no plano fático-social.

3. A massificação e a (perda da) qualidade do ensino jurídico No âmbito do ensino superior jurídico, o país vivencia, há décadas, uma explosão dos cursos de Direito ofertados especialmente em faculdades e universidades privadas. Em que pese toda a preferência por um ensino público e de qualidade, não existem universidades públicas suficientes para atenderem todos os estudantes aptos ao ingresso nos cursos de ensino superior. Assim, as universidades privadas constituem uma opção para ampliar o acesso do ensino àqueles que possuam condições (ainda que por intermédio de bolsas ou financiamento estudantil) de custear o investimento necessário. 197 <https://www.imd.org/wcc/world-competitiveness-center/>. Acesso em 21/01/2021. 198 <https://noticiasconcursos.com.br/educacao/educacao-brasil-cai-para-ultima-posicao-em-ranking-global/>. Acesso em 23/01/2021.

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Contudo, a ampliação desenfreada dos cursos de Direito no país criou um paradoxo que, sob o pretexto de se ampliar o acesso à educação, iniciou-se um processo de crise no ensino jurídico, com reflexos no mercado de trabalho e na qualidade técnica dos profissionais da área. De acordo com o portal Educação Jurídica de A a Z199, o Brasil possuía, até outubro de 2020, o montante de 1.801 (mil, oitocentos e um) cursos de Direito autorizados pelo Ministério da Educação. Por outro lado, estima-se que país ultrapasse a marca de 2 (dois) milhões de advogados até o ano de 2023200. Até outubro de 2019, estimava-se uma média de um advogado para cada grupo de 190 (cento e noventa) cidadãos201. A análise isolada desses números indica, por si só, os problemas estruturais que os acompanham. Certamente a massificação do ensino jurídico não veio acompanhada de um controle de qualidade dos cursos oferecidos, por parte dos órgãos estatais competentes, fator que acaba por comprometer o alcance da plena efetividade do direito à educação. Afinal, o direito à educação pressupõe um ensino dotado de padrões mínimos de qualidade, que permitam ao estudante não somente reter o conhecimento necessário para o exercício profissional, mas também para adquirir senso crítico e caráter reflexivo sobre todo o conteúdo, teórico e prático, ofertado nos bancos da graduação superior. A partir desse ponto, o estudante poderá adquirir a segurança necessária para a sua autonomia profissional. 199  Educação Jurídica de A a Z (facebook) e @edujuridica (instagram) 200 <https://www.rotajuridica.com.br/ate-2023-o-brasil-devera-ter-2-milhoes-de-advogados-numero-de-profissionais-e-um-desafio-para-o-mercado/>. Acesso em 20/01/2021. 201 <https://migalhas.uol.com.br/quentes/312946/brasil-tem-um-advogado-para-cada-190-habitantes>. Acesso em 20/01/2021.

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Nota-se, por outro lado, o caráter mercantil de grande parte das instituições de ensino superior que oferecem o curso de Direito. A intenção de lucro extremo, evidenciada pela baixa remuneração do quadro de professores, falta de dedicação exclusiva à docência, ausência de programas de pesquisa e extensão, comprometem a qualidade do ensino. As grades curriculares, por sua vez, acabam por ofertar apenas as disciplinas básicas para a conclusão do curso, se mostrando insuficientes para a gama de matérias abarcadas pela ciência jurídica e a necessária interdisciplinaridade com outros ramos do conhecimento. A oferta de vagas intensa e descontrolada, com nítido caráter mercadológico, induz a uma massificação do corpo discente, que, em muitos casos, busca apenas a titulação exigida, sem qualquer compromisso com os mínimos critérios acadêmicos. Nesse ponto, o “Exame de Ordem em Números” (volume IV, março de 2020, p. 83)202 , publicação conjunta do Conselho Federal da OAB e da Fundação Getúlio Vargas – FGV, indica que, em 28 (vinte e oito) edições do Exame de Ordem, apenas 61% dos candidatos foram aprovados. Ou seja, para um exame que procura demonstrar a suficiência dos candidatos para o exercício da profissão de advogado (e não a proficiência, a busca pelos melhores), esse percentual diz muito sobre o ensino jurídico no país: quase 40% dos egressos das faculdades de Direito não possuem o conhecimento mínimo para o exercício da profissão de advogado.

202  <https://www.conjur.com.br/dl/exame-ordem-numeros-2020.pdf>. Acesso em 20/01/2021.

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A consequência de tudo isso é a formação de profissionais sem qualquer compromisso com a função maior da ciência jurídica – o alcance da Justiça. E, há que se reconhecer que, não sendo alcançada a função maior da ciência jurídica, pode-se afirmar que o Estado falhou na concretização do direito fundamental social à educação. Afinal, educação sem qualidade, desvirtuada e incompleta não propicia o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade. Não por acaso, o artigo 206, VII, da Constituição Federal, determina que o ensino será ministrado tendo por base, dentre outros princípios, a garantia de padrão de qualidade.

4. Conclusão Justamente por terem como objeto uma conduta positiva, consistente em prestações, em sua ampla maioria, de ordem fática e material, os direitos sociais reclamam uma posição ativa do Estado na implementação de políticas públicas que possibilitem a sua efetivação. A educação, sendo um direito fundamental social de prestação, depende de prestações positivas por parte do Estado para sua concretização. A previsão constitucional, por si só, não garante o acesso à educação, o que exige um processo contínuo de construção das bases e meios que possibilitem o seu pleno alcance. A implementação efetiva desse direito exige um amplo projeto que envolva todas as esferas administrativas do Estado, a ser construído com vontade política e cobrança da sociedade. Afinal, a educação se insere dentro da restrita gama de direitos que compõem o mínimo necessário à existência digna das pessoas. É através da educação que uma so276


ciedade consegue reduzir suas desigualdades sociais e regionais, diminuindo, por consequência, a pobreza e a exclusão sociocultural de boa parte da população. Especificamente em relação ao ensino jurídico, a explosão da oferta dos cursos de Direito no país não foi acompanhada de um controle de qualidade por parte dos órgãos estatais competentes. Isto ocasionou uma massificação do ensino jurídico, desprovida, entretanto, de padrões mínimos de conhecimento, prático e teórico, dos profissionais lançados no mercado. Este fenômeno, embora possa ser justificado como uma forma de plena efetividade do direito à educação, acaba por desfigura-lo e afasta-lo, uma vez que o próprio ordenamento constitucional exige uma educação de qualidade e que propicie não só o desenvolvimento do indivíduo, mas também da própria sociedade.

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PLÁGIO, O DESAFIO ÉTICO DO ENSINO JURÍDICO NA ERA DIGITAL Allyny Ribeiro Martins203 1. Introdução O Direito enquanto ciência é tão antigo quando a própria sociedade, tendo crescido e se modificado com ela, tornando-se um dos cursos clássicos nas universidades ao redor do mundo. Hoje no Brasil, temos um crescimento no acesso ao ensino superior e o bacharelado em Direito é almejado, principalmente, por aqueles que buscam as carreiras estatais e a advocacia. Atualmente, a formação jurídica está em um vertiginoso processo de expansão no tocante a quantidade de cursos abertos e de vagas disponíveis, mas, infelizmente, a qualidade do ensino ofertado não tem acompanhado esse ritmo do crescimento. Paralelo a isso, o mundo tem vivido os impactos das novas tecnologias na chamada era digital, que trouxe consigo a modificação na transmissão do conhecimento. Usando as palavras de Maricéllia Schlemper “nada mais será como antes! Pois, em quase todas as esferas de sociabilidade há influência direta ou indireta dessa nova tecnologia”. Isto posto, vemos que a tecnologia já está inserida em nossa vivencia, em todas as esferas, inclusive na educacional. Por isso é fundamental que a qualidade do ensino seja discutida, a fim de englobar essas novas ferramentas de uma 203  Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Euro-Americano (UNIEURO), Especialista em Direito Processual Civil, Advogada, membro consultora da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/DF – Gestão 2019/2021.

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forma efetiva, principalmente no tocante a pesquisa científica, pois o crescimento desordenado dos cursos somado ao uso indiscriminado e aético da internet, criam um ambiente propício a apropriação indevida de ideias, haja vista a atual facilidade no acesso a informações. O uso da tecnologia não pode nos roubar o senso crítico, pelo contrário deve nos ajudar a torna-lo ainda mais forte. O plágio no ambiente acadêmico deve ser combatido e as Instituições de Ensino Superior devem buscar mecanismos que incentivem a produção científica de forma ética.

2. Da elitização a expansão dos cursos jurídicos Os cursos jurídicos brasileiros tiveram seu alvorecer na época do colonialismo português, em meados do século XIX, antes disso, o seleto grupo de nobres que adentravam as academias eram formados nas tradicionais universidades europeias, conforme descreveu MASSETTO (1998). No ano de 1822, quando o Brasil conquistou então a sua independência, tal fato propiciou um impulso a criação dos cursos de Direito, uma vez que era necessário instituir o aparato jurídico legal do recém-liberto país e formar a elite que ocuparia a nova administração pública. Assim, foi a aprovada a Lei de 11 de agosto de 1827204 que criou os primeiros cursos jurídicos no Brasil, nascendo deste ato legislativo solene as primeiras sementes da seara forense brasileira, sendo instituídas em Olinda e São Paulo as inaugurais Faculdades de Direito em solo tupiniquim. Desta forma os cursos jurídicos se estabeleceram no Brasil e aos poucos foram construindo uma estrutura mais 204  Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM-11-081827.htm>.Aceso em: 20/01/2021

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sólida, no entanto, era necessário a devida regulamentação do Ensino para garantir a qualidade e adequação do currículo pleno do curso de graduação em Direito. O período da República foi um marco na história jurídica brasileira, nesse sentido NASCIMENTO (2016) e PRADO (2015), apontam grandes transformações no ensino do Direito, com a separação do ensino e a Igreja criou-se as faculdades livres, onde os cursos jurídicos passaram a ser ofertados em instituições particulares, que funcionavam sob supervisão do governo, com os privilégios e garantias das faculdades federais, dando fim a exclusividade no ensino e possibilitando a desconcentração do curso nas capitais de São Paulo e Pernambuco. Em 1962, sob a disciplina da Lei de Diretrizes e Bases da Educação205 de 1961, o Conselho Federal de Educação criou um currículo mínimo para o ensino do Direito, essa importante mudança foi um primeiro passo rumo a flexibilização curricular, como aponta RODRIGUES (2002) “assim, dava-se maior autonomia às instituições de ensino, que poderiam criar uma estrutura curricular mais adequada às suas propostas pedagógicas, sem o forte controle político-ideológico estatal”. Após dez anos, o Conselho Federal de Educação206 editou a Resolução CFE n.º 003/72, determinando as dire205  Lei Nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961 - Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/19601969/lei-4024-20-dezembro-1961-353722-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em: 20/01/2021 206  O Conselho Federal de Educação foi um órgão colegiado integrante da estrutura do Ministério da Educação do Brasil (MEC), que atuava na formulação e avaliação da política nacional de educação, este foi substituído pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), criado pela Lei n.º 9.131, de 24 de novembro de 1995. O Conselho Federal de Educação foi extinto pelo ex-ministro Murílio Hingel por causa das denúncias de que havia tráfico de influência e de que o órgão era suscetível ao lobby das escolas privadas. Disponível em <http://www.educabrasil.com.br/ cne-conselho-nacional-de-educacao/>. Acesso em: 20/01/2021.

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trizes para o funcionamento dos cursos de Direito no Brasil, RODRIGUES E JUNQUEIRA (2002), apontam a modificação no tempo de integralização do curso, que ao invés de cinco anos passou a um mínimo de quatro e máximo de sete, preenchendo-se 2.700 horas aula. Segundo a visão dos autores, o intuito da Resolução era não só regular, mas também garantir um controle da qualidade dos cursos e assegurar a formação mínima aos egressos de todo o país. Nas décadas de 80 e 90, se instaurou a busca por melhorias no ensino jurídico, foi então que o Ministério da Educação (MEC) instituiu a Comissão de Especialistas de Ensino Jurídico, para tentar adequar os parâmetros curriculares e sanar os inúmeros problemas estruturais. Neste mesmo sentido, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) criou a Comissão de Ensino Jurídico (CEJ), que diagnosticou os problemas e crises da educação jurídica, propondo medidas funcionais e legislativas a fim de aprimorar as diretrizes curriculares da graduação em Direito, como aponta RODRIGUES E JUNQUEIRA (2002). A partir de então os cursos jurídicos sofreram uma exponencial expansão, sendo que em 1999 o Brasil contava com 362 cursos jurídicos207, e agora, duas décadas depois já são mais de 1.800 cursos de Direito em todo território nacional 208 . Como bem destaca NASCIMENTO (2016), esse crescimento brutal, se deu em grande parte, pela maior participação da iniciativa privada no setor educacional, por meio da inserção de políticas públicas que geraram uma expressiva privatização da educação superior. 207  OAB ensino jurídico – O futuro da universidade e os cursos de Direito: Novos caminhos para a formação profissional. Brasilia, Df: OAB, Conselho Federal, 206 p. 187. 208  Disponível em http://e-mec.mec.gov.br, acesso em 26/01/2021

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Esse incentivo estatal, fez com que as instituições privadas pudessem ganhar espaço, e segundo os dados do Censo da Educação Superior realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, em 2017 o Brasil contava com 2.448 Instituições de Educação Superior (IES), sendo 296 públicas e 2.152 privadas209. Entretanto, apesar do aumento das IES proporcionarem maior acessibilidade a educação, uma vez que há uma maior oferta de vagas, há também o desafio de manter o padrão de qualidade aliado ao crescimento dos cursos.

3. Os Avanços Tecnológicos e a Qualidade do Ensino O meio tecnológico proporcionou um grande avanço no acesso a informação, especialmente com o advento da internet. SILVA (2014) aponta que graças a tais recursos foi possível disponibilizar uma quantidade vertiginosa de informações aos usuários da rede de computadores, o que é promissor para a área da pesquisa em geral, entretanto os inegáveis benefícios sofreram distorções que hoje ameaçam e fragilizam a pesquisa acadêmica. O atual quadro do ensino jurídico aponta para um aumento na quantidade e uma diminuição na qualidade dos cursos ofertados, cabe aqui o destaque apontado no livro OAB Recomenda do ano de 2003: “As deficiências de ensino, aliadas a grades curriculares defasadas, a corpos docentes descomprometidos com a eficiência dos cursos, a interesses meramente mercantilistas ensejadores da profusão de cursos e de muitas de suas extensões sem a necessá209  Disponível em http://portal.inep.gov.br acesso em 26/01/2021.

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ria capacitação, a flagrante falta de formação e de informação dos alunos, são alguns dos motivos de um despreparo gritante de uma ponderável parcela dos operadores do Direito.” (OAB Recomenda 2003, p 8).

Com isto podemos perceber que apesar do ensino ter se tornado mais democrático, permitindo que as classes menos favorecidas tenham acesso ao ensino superior, o que lhes é ofertado não é suficiente para que eles alcancem uma colocação no mercado de trabalho, uma vez que saem da graduação com graves deficiências no conhecimento obtido. O que se percebe também é que muitos dos egressos, principalmente da rede privada têm que conciliar as aulas acadêmicas com a sua jornada de trabalho, o que pode se tornar um empecilho para o pleno desempenho de áreas importantes, como a pesquisa científica. Infelizmente, é nesse ponto que muitos alunos utilizam as novas tecnologias, em especial dos mecanismos de busca, de forma indiscriminada e antiética, levando-os a uma prática muito nociva no ambiente acadêmico, o plágio. Mas a internet não é o único responsável pelo plágio nas academias, ROSADO (2013) indica que além da facilidade no acesso a informações, outros fatores são fundamentais para propagação, como a incapacidade dos alunos em parafrasear textos, a desconsideração ao próprio trabalho, a carência de um olhar crítico, a falta de conhecimento sobre os direitos autorais, o incentivo indireto ao plágio desde as séries iniciais e a compra de trabalhos prontos. Tudo isso fica ainda mais acentuado quando o ensino recebido na graduação é mercantilizado, não havendo uma preocupação efetiva com a qualidade da educação jurídica, tão pouco com a utilização métodos de controle eficazes. 285


4. Plágio acadêmico, uma questão ética Para falar sobre a figura do plágio precisamos necessariamente destacar a questão ética do assunto, e nesse sentido as autoras PITHAN e VIDAL (2013), destacam que o plágio é uma “questão ética, antes do que jurídica” e ressaltam a importância da função educativa das Instituições de Ensino Superior no desenvolvimento das pesquisas científicas com integridade ética. Infelizmente, a fraude acadêmica já faz parte de uma cultura de desonestidade e de distorção de valores, éticos e morais, e os alunos sequer se sentem intimidados pela punição, pois isso varia muito das decisões políticas da Instituição de Ensino Superior. SILVA e DOMINGUES, citando FURTADO (2002), aponta que deve haver uma a inserção de pesquisas desde o início da vida acadêmica, para auxiliar os alunos na busca do verdadeiro conhecimento por meio da “consciência ética”. Com especial relevância a atuação dos docentes na preparação da consciência ética dos acadêmicos. Além disso, com base no art. 207 da Constituição Federal, as IES gozam de autonomia universitária, que segundo o Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, o princípio constitucional da autonomia universitária, “possibilita às Instituições de Ensino Superior o estabelecimento dos procedimentos acadêmicos dentro de seus limites institucionais”. Deste modo, as IES podem estabelecer os mecanismos apropriados para lidar com o plágio por meio de seus regimentos internos e códigos de ética, com fito de estabelecer medidas preventivas e punitivas à prática do plágio. Ademais, aquele que comete plágio no âmbito acadêmico pode sofrer sanções além da esfera administrativa da 286


IES, pois existem outras implicações que culminam na responsabilização do plagiador e dos demais envolvidos.

5. Conclusão Os aspectos apontados ajudam a entender por que o plágio acontece, e desta forma pensar em mecanismos que proporcionem uma barreia mais efetiva a sua propagação. Um dos primeiros pontos apontador por SOUSA-SILVA e ABREU (2015), consiste numa medida preventiva do plágio com incentivo a criatividade e originalidade ainda na infância e nas series iniciais: [...] a prevenção do plágio deveria começar nos primeiros anos escolares, logo após o processo básico de alfabetização, com o despertar do interesse pela procura do conhecimento e estimulando as aptidões de pensar e criar, de modo a suscitar no estudante a confiança na sua capacidade de expressar as suas ideias através do uso da palavra, oralmente e na escrita. ”

Ademais os autores ressaltam a salutar importância em adotar medidas que previnam, mas que também sejam uteis para deter e punir as ocorrências do plágio, destacando a adoção de sites que verificam a sobreposição textual, como uma das medidas tomadas pelas universidades brasileiras. Atualmente existem diversos software anti-plágio que detectam o chamado “CtrlC+CtrlV”, como são conhecidos os atalhos do teclado para copiar e colar arquivos, estes programas são uma grande ferramenta para constatar o plágio nas universidades. 287


Por fim, cabe aqui ressaltar que o plágio necessita de um maior enfrentamento e pela da comunidade acadêmica, buscando coibir tal prática. Diante disso, é pulsante a conscientização, e o entendimento de que o plágio não é um facilitador, é uma prática destrutiva do pensamento crítico, e não há melhor síntese que as brilhantes palavras de um dos maiores pensadores do Direito brasileiro, o jurista J.J. Calmon de Passos: “Os gigantes de ontem só nos são úteis se permitirem que, subindo em seus ombros, possamos ver além do que foram capazes de vislumbrar”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRANCO, B. C. T. C. . A história curricular do ensino jurídico no Brasil e no Piauí: do Império à República. 2010. Disponível em: <http://www.uespi.br/prop/siteantigo/ XSIMPOSIO/TRABALHOS/PRODUCAO/Ciencias%20Sociais/A%20HISTORIA%20CURRICULAR%20DO%20ENSINO%20JURIDICO%20NO%20BRASIL%20E%20NO%20 PIAUI-DO%20IMPERIO%20A%20REPUBLICA.pdf>. Acesso em: 21/01/2021. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. MASSETO, Antonio Alberto. Docência na universidade. 11ª ed. Campinas: Papirus, 1998. NACIMENTO, Tarcizo Roberto do. O Marco Regulatório da Educação Jurídica Brasileira e a Redefinição do Papel do Interventor. Brasília: Tipográfica, 2016.

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ROSADO, Wesley. Plágio, o crime desconhecido. Cadernos do CNLF, Vol. XVII, Nº 11. Rio de Janeiro: Cifefil, 2013. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/xvii_cnlf/ cnlf/11/16.pdf>. Acesso em: 13/01/2021. SOUSA-SILVA, R.; ABREU, B. B. Plágio: um problema forense. Language and Law / Linguagem e Direito, Vol. 2(2), 2015.

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EDUCAÇÃO SUPERIOR NO SÉCULO XXI Suzana Schwerz Funghetto210 Marcus Vinícius do Carmo Martins Cavalcante211 RESUMO Tomando como referência a evolução da educação superior nas últimas décadas discute-se nesse capítulo as perspectivas desse nível de ensino para as próximas decênios. Procura-se mostrar que a adequação desse sistema para o enfrentamento dos desafios da sociedade do conhecimento por meio da modernização do sistema, do efetivo aprimoramento da qualidade promovendo a inclusão social conforme os preceitos da Educação 2030 proposta pela ONU. Palavras-chave: educação superior, educação superior 2030, internacionalização, conhecimento em rede. ABSTRACT Taking as reference the evolution of higher education in the last decades, it is discussed in this chapter the perspectives of this level of education for the coming decades. It is shown that the adequacy of this system to face the challenges of the knowledge society through the modernization 210  Graduada em Educação Especial e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria. Doutora pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sensu de Ciências e Tecnologias da Saúde da Universidade de Brasília, Faculdade de Ceilândia. 211  Graduado em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira, Especialista em Direito Administrativo Gama Filho, MBA em Gestão e Inovação de Instituições de Ensino Superior IPOG, Pesquisador Tecnologista em Avaliações Educacionais Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep, Secretário Executivo da Defensoria Pública da União em Goiás.

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of the system, of the effective improvement of the quality promoting the social inclusion according to the precepts of Education 2030 proposed by the UN. Keywords: higher education, higher education 2030, internationalization, networked knowledge.

1. Introdução O ensino superior precisa se preparar para novos modelos, impulsionados por mudanças no emprego, novas habilidades e dívidas estudantis insustentáveis. Os números dos alunos dobrarão com o crescimento populacional até 2030 ocasionando o crescimento da matrícula e a educação mais acessível. Estima-se que um milhão professores adicionais serão exigidos por ano para atender a esse crescimento. A formação na educação superior passará por profundas transformações a partir das mudanças oriundas do universo do trabalho, da evolução e transformação da ciência alicerçada em um ritmo acelerado com base no desenvolvimento tecnológico. Tais transformações irão requerer das instituições formadoras novas formas de ensinar para atender as demandas da sociedade que resultam no surgimento de novas especialidades que sustentam o crescimento econômico dos países e do mundo, tanto na modalidade presencial como a distância. Exigirá ainda a transformação da educação superior em um modelo mais simples, conveniente e acessível com o desafio de se manter níveis de qualidade dos processos de ensino e aprendizagem. Essa tendência é decorrência do movimento da Declaração de Incheon 212 para a Educação 2030, que estabeleceu 212  A UNESCO, junto com o UNICEF, o Banco Mundial, o UNFPA, o PNUD, a ONU Mulheres e o ACNUR, organizou o Fórum Mundial de Educação 2015,

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a partir de 2015, um novo olhar para a educação nos próximos 15 anos, que busca assegurar “a educação inclusiva e equitativa de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”. Nessa nova abordagem estão contidas metas para educação frente aos desafios globais e nacionais de cada país com base nos direitos humanos e na dignidade; na justiça social; na inclusão; na proteção; na diversidade cultural, linguística e étnica; e na responsabilidade e na prestação de contas compartilhadas. Nesse sentido a educação é abordada em todos os níveis, como um bem público, de direito humano fundamental, essencial para a paz, para a tolerância, e realização humana tendo em vista o desenvolvimento sustentável e a conservação do planeta terra. Nesse sentido, especificamente a educação superior é reconhecida como elemento-chave para o desenvolvimento econômico, a garantia de uma formação adequada ao mercado de trabalho e à formação técnica e profissional de qualidade, com recursos humanos adequados para a produção do conhecimento resolvendo os problemas da sociedade, da igualdade, da empregabilidade, da cultura e da inovação. Para tal, são necessários esforços para garantia do acesso, tendo como pilares: a equidade e a inclusão com foco nos resultados de aprendizagem, no contexto de uma abordagem de educação ao longo da vida, uma vez que a população mundial está sob o fenômeno do envelhecimento humano e a longevidade exige novas formas de aprender. Alguns cenários estão desenhados na perspectiva da educação superior: em Incheon, na Coreia do Sul, entre 19 e 22 de maio de 2015. Mais de 1.600 participantes de 160 países, incluindo mais de 120 ministros, chefes e membros de delegações, líderes de agências e funcionários de organizações multilaterais e bilaterais, além de representantes da sociedade civil, da profissão docente.

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a) Educação Tradicional. As instituições de ensino tradicionais continuam a ser a fonte confiável de aprendizagem e o veículo mais eficaz para o emprego e a prosperidade. O ensino superior consolida, as plataformas de talentos globais emergem e o governo continua sendo a principal fonte de financiamento em todo o mundo. As crianças em idade escolar dos países em desenvolvimento e a falta de professores qualificados colocam pressão sobre os sistemas educativos evidenciando a desigualdade. As instituições de ensino tradicionais continuam a ser a fonte confiável de aprendizagem e o veículo mais eficaz para o emprego e a prosperidade. No entanto, a escassez de competências crônicas em economias avançadas devido à mudança demográfica, à automatização e às necessidades da indústria em mudança, que exigem a recapacitarão de um vasto número de trabalhadores deslocados, colocou uma enorme pressão sobre as instituições tradicionais, a maioria dos que não são estruturadas nem capazes de atender essas necessidades à escala, à velocidade e à forma que os alunos esperam. b) Alianças Regionais. As alianças regionais dominam o cenário da educação competitiva, apoiada pela cooperação estratégica e política. Países formam acordos multilaterais para resolver questões regionais, reforçam a sua posição competitiva para o talento e manter aspectos importantes da cultura. As políticas regulatórias permitem a partilha de currículos e recursos de aprendizagem. Os programas de intercâmbio de professores e estudantes reforçam as relações regionais. Eficiências adquiridas através de abordagens regionais para infraestrutura e trabalho. A entrega combinada cooperativa e a identificação de talentos regionais cruzam a oferta de trabalho e a demanda para fortale294


cer as regiões. Os sistemas educativos regionais cooperam e partilham recursos. A circulação intraregional de estudantes e professores promove o intercâmbio de competências por meio currículos comuns diminui os custos dos sistemas educativos regionais. c) Gigantes globais. Este ambiente de mercado livre global tem promovido o surgimento de “mega-organizações” com reconhecimento de marca onipresente e da escala para alcançar eficiências significativas e poder da indústria, que tomam uma quota de mercado maciça e colocar mais pressão sobre as instituições locais Os gigantes da tecnologia entregam a infraestrutura, o software e o índice digital. As instituições se beneficiam de dados ricos sobre aprendizagem e desempenho. Os acordos multilaterais e as políticas do mercado livre barreiras ao comércio internacional e um ambiente geopolítico estável promove a concorrência e o crescimento globais. A educação sem fronteiras chegou à idade, as necessidades de uma rede global, e a força de trabalho tecnológica e organizações que necessitam de capital humano com o conhecimento e as habilidades certos no momento certo no lugar certo. d) Aprendizagem online (pessoa a pessoa). A aprendizagem on-line ocorre por meio de experiências humanas e personalizadas por meio da rede mundial de computadores e domina os setores de treinamento pós-secundário e de habilidades no mercado de trabalho. Os alunos estão mais no controle do conteúdo, quando, onde e como aprendem. As instituições reorganizam suas ofertas e entrega para corresponder às necessidades do mercado. Os indivíduos recolhem micro credenciais de um número elevado e de uma 295


escala larga dos fornecedores, desautorizando as grandes instituições plurianual com ofertas empacotadas. e) Inteligência artificial. A inteligência artificial (AI) dirige uma reversão completa em ‘quem lidera a aprendizagem’, com tutores virtuais e mentores estruturando caminhos de aprendizagem, proporcionando tarefas de avaliação, dando feedback, ajustando-se de acordo com o progresso e organização de tutoria humana quando necessário. As aplicações do Al na instrução têm aspectos automatizados do ensino e da administração e as atividades humanas mais complexas são aumentadas pela inteligência artificial. O Al está gerenciando o projeto de experiências de aprendizagem e incorporando a intervenção humana, quando necessário. Cada cenário representa diferentes maneiras que podem desenvolver e interagir de acordo com prioridades locais ou nacionais, com tendências de aprendizagem específicas, mas não podem ser comparados entre si. No entanto, há aspectos comuns, implicados em todos os cenários, que ajudam a explicar o pensamento subjacente que apoiou a sua construção. O custo da educação por exemplo, a forma como é financiada e, em particular, quem tem acesso e se beneficia da educação com o apoio da tecnologia. A tecnologia desempenha um papel crítico na indústria da educação, bem como, em muitos processos de aprendizagem. Este conjunto de medidas identifica em que medida a tecnologia conduz processos de aprendizagem ou é usada como suplemento, estando focada no processamento de informações ou na tomada de decisões na aprendizagem, ou seja, o papel da tecnologia nas experiências dos alunos e os níveis de abertura de dados expostos em cada cenário. 296


Sob a ótica dos países há uma preocupação crescente da garantia da qualidade da oferta do ensino, a partir do cenário educacional global. Muitos países têm desenvolvido seus sistemas de avaliação de forma “própria”, como no caso do Brasil”, ou em cooperação técnica com agências governamentais ou redes de avaliação como alguns países, entre eles, Cabo Verde, Angola, Moçambique e mais recentemente São Tomé e Príncipe. O que há de comum nesses é a avaliação do processo de formação e a seus resultados, ou seja, o profissional que está sendo formado e a qualidade da oferta do ensino. O processo é realizado por agências oficiais ou redes de avaliação com avaliação externa a partir de exames que avaliam a formação dos egressos ou de avaliações in loco realizadas por pares a partir de instrumentos específicos a partir de standards de qualidade, previamente definidos a partir de estudos emanados da comunidade acadêmica desses países e por processos internos de auto avaliação institucional. Ainda assim, independente do tempo de implementação dos sistemas nacionais de avaliação, há uma unanimidade de aprimoramento do modus operandis para vencer as dificuldades que decorrem da dimensão e da heterogeneidade de cada sistema nacional de forma isenta e equânime no tratamento dos diferentes segmentos e instituições concernidos para que o conhecimento seja de domínio público e a serviço do bem-estar social. Sob a perspectiva da Educação 2030, a avaliação da qualidade passa a ser observada do ponto de vista de sua execução, do conjunto de normas e ações voltadas para a regulação dos sistemas de educação superior de cada país de forma colaborativa para garantir os standards de qualidade globais. Habilitados por políticas e ambientes regulatórios 297


“regionais amigáveis”, os sistemas educativos nacionais, a partir de 2015 cooperaram para alinhar aspectos do currículo. Os sistemas iniciam a partilha de currículos e recursos de aprendizagem. O crescimento das economias emergentes213 principalmente na Ásia, África e Oriente Médio propiciou resultados de educação substancialmente melhorados e aumento da mobilidade estudantil. A regulação então a partir de 2015 passa a considerar e aproveitar os resultados globais dos processos avaliativos com o monitoramento de políticas baseadas em evidências, com a expansão e criação de novas instituições públicas e privadas, de acordo com as demandas de mercado, da formação de recursos humanos para a pesquisa e a extensão, a inovação e o desenvolvimento sustentável com previsão de metas qualitativas e quantitativas em planos de curto, médio e longo prazos. O ordenamento da expansão da educação superior propiciará a longo prazo o aumento das vagas no sistema público, tornando a relação entre as vagas ofertadas pelos sistemas público e privado mais equilibrada; a diminuição das diferenças regionais; a adequação da oferta de vagas nas diferentes áreas do conhecimento às necessidades da sociedade e ao projeto de desenvolvimento de cada país; a expansão da educação tecnológica; ampliação da oferta de cursos de curta duração e desenvolvimento da educação a distância, a partir de movimentos disruptivos com novas modelagens de aprendizagem e de construção do conhecimento.

213  Para mitigar contra "fuga de cérebros” os governos Asiáticos e Africanos formaram alianças regionais para atrair e manter sua força de trabalho qualificada futuro. A capacitação institucional nessas regiões melhorou a qualidade geral da educação, aumentando a circulação intraregional de estudantes e atraindo estudantes estrangeiros.

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Nesse universo o presente capítulo abordará o tema educação superior no século XXI tendo em vista a agenda da educação 2030 proposta pela ONU. Após discorrerá sobre a inovação pedagógica, o processo de internacionalização e a cooperação técnica e aprendizagem em redes.

2. Inovação pedagógica – um novo conceito na educação superior Num contexto altamente competitivo, e com regras avaliativas, regulatórias e de supervisão cada vez mais complexas, as instituições se desdobram para atender os preceitos constitucionais da qualidade ou para implementar mudanças que a serviço de uma lógica mercadológica, na maioria das vezes sem uma participação efetiva da comunidade acadêmica (docentes, discentes e técnicos administrativos). A inovação pedagógica é complexa, necessita de ações articuladas entre o acadêmico e o administrativo para a gestão de processos institucionais, bem como a definição de metas e objetivos tangíveis frente aos desafios da formação de profissionais e as peculiaridades de cada área do conhecimento. Para isso, cada instituição deve definir as políticas a partir de sua missão, determinado o seu diferencial formativo e a sua capacidade de fazer a diferença no sistema. Nesse sentido é fundamental definir o conceito de inovação acadêmica e de inovação administrativa. Parece óbvio, todo o processo de inovação produz rupturas paradigmáticas que vão além do uso de tecnologias, como diria Boaventura Santos. Ou seja, o que é óbvio não tem o mesmo significado em todas as culturas, processos, organizações, tecnologias e espaços de tempo. Se a missão não for definida de forma clara, as políticas institucionais 299


e a inovação não aparecerão na visita in loco proposta pelas agências reguladoras, por meio de evidências, denominadas no instrumento avaliativo vigente como práticas inovadoras ou exitosas. Cabe destacar ainda, que inovação pedagógica pressupõe o desenvolvimento de propostas evidenciáveis ligadas a política de ensino, com metas e ações definidas em um espaço de tempo, que no caso da educação superior é a vigência do plano estratégico da instituição. Outro fator importante é a formação para o compromisso social que deve estar presente no processo formativo de cada instituição a partir das habilidades e competências gerais descritas diretrizes curriculares dos cursos. A concepção do projeto pedagógico de qualquer curso de graduação deve ser descrita a partir do perfil do egresso e das diretrizes curriculares vigentes. Para tal, a definição do perfil do egresso deve conter um estudo sobre a capacidade de oferta institucional, o diferencial da formação além de explicitar como serão trabalhados no currículo conhecimentos, habilidades e atitudes, com a utilização dos recursos disponíveis, para solucionar, com pertinência, os desafios que se apresentam à prática profissional, em diferentes contextos da formação. O desenvolvimento das competências profissionais segundo o movimento avindos das diferentes diretrizes curriculares por parte das instituições regulatórias de cada país requer a articulação entre conhecimentos, habilidades e atitudes explicitadas no perfil do egresso, devendo mobilizar as dimensões do currículo, da metodologia, do processo avaliativo, do corpo docente e da infraestrutura. Entre as inovações implantadas pelas IES encontram-se o desenvolvimento de currículos orientados para o desenvolvimento de competências, por meio de metodologias 300


ativas de aprendizagem, que visam a potencializar e construir capacidades voltadas à formação de qualidade através do desenvolvimento de estratégias, atividades e a avaliação de desempenho moduladas para promover aprendizagem significativa dos alunos. Uma das soluções encontradas para por em prática as metodologias ativas tem sido o desenvolvimento de ambientes caracterizados como espaços de aprendizagem que estimulam a criatividade dando significado as competências e habilidades a serem aprendidas no currículo. A instituição para inovar precisa criar mecanismos e fluxos de gestão para propiciar propostas educativas empenhadas com o processo de mudanças sociais (por meio da extensão e da pesquisa), valorização dos sujeitos e de suas aprendizagens (significação da aprendizagem, observação das diferentes formas de aprender e metodologias ativas de aprendizagem), investimentos em recursos humanos (formação de professores) e materiais (recursos tecnológicos e sustentabilidade financeira), além de ações sociais comprometidas com a formação para a responsabilidade social e cidadania, registrando as evidências alcançadas de forma disruptiva. Para esse processo é importante considerar no planejamento estratégico algumas metas na formação dos alunos, tendo como foco a busca de um perfil, que o leve aprender a aprender, por meio da aprendizagem significativa pautada no uso de metodologias ativas, em cenários diversos de aprendizagem e práticas desde o inicio do curso. Nesse contexto podemos elencar alguns procedimentos de inovação pedagógica para serem excetuados no dia a dia para os alunos: 301


a) Processos de engajamento na aprendizagem do aluno e na sua própria aprendizagem colaborando para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva; b). Usar a criatividade através de soluções tecnológicas, para selecionar, organizar com clareza e planejar práticas pedagógicas desafiadoras, coerentes e significativas; c) Participação em práticas diversificadas da produção artístico-cultural para que o aluno possa ampliar sua formação. A crescente indissociabilidade entre a necessidade de formação e desenvolvimento de docentes para implantar currículos inovadores de graduação e pós-graduação, com a formação e desenvolvimento dos preceptores e gestores, orientados pelas necessidades da população sugere uma modificação em relação ao processo de ensinar. Em relação aos professores quando provemos a inovação pedagógica temos que envolver o corpo docente em projetos institucionais, a partir da experiência acadêmica e profissional, objetivando sempre o mundo do trabalho. Para tal, devem ser observados os seguintes itens: a) Tecnologias digitais de informação e comunicação manuseadas de crítica significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas docentes; b) Utilização das tecnologias como recurso pedagógico e como ferramenta de formação para comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e potencializar as aprendizagens; c) Estímulo de formação permanente por meio de metodologias ativas para desenvolver argumentos com base em fatos, dados e informações confiáveis para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que 302


respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta; d) Compreender a diversidade humana com autocrítica e capacidade para lidar com elas, para poder desenvolver o autoconhecimento e o autocuidado nos alunos; e) Promover ambiente colaborativo nos ambientes de aprendizagem. Ao refletirmos sobre os diferenciais que as instituições de educação superior têm de alcançar para obter conceitos satisfatórios advindo de aspectos regulatórios e avaliativos, além da concorrência entre seus pares, podemos ponderar sobre a complexidade desses fatores, nas diferentes dimensões, através do entendimento da realidade, por meio do desenho dos fluxos: acadêmico, de gestão, de sustentabilidade financeira e de comunicação entre as diversas áreas da instituição e a sua relação com a sociedade. A educação a distância é uma modalidade de ensino, mediada por tecnologias, que contribui com a democratização do ensino, tem potencialidade para possibilitar acesso ao conhecimento escolarizado àqueles que não dispõem de tempo e/ou condições de mobilidade para atingir uma formação acadêmica tradicional. Assim sendo, ela deve ser acessível a todas as pessoas, e não somente àquelas que dispõem de todos os sentidos ou que não tenham deficiência. O Ambiente Virtual de Aprendizagem, conhecido popularmente como AVA: são cenários que habitam o ciberespaço e envolvem interfaces que apoiam a comunicação e oferecem recursos para a aprendizagem individual e coletiva.

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A incorporação dos recursos tecnológicos na vida diária está se intensificando, facilitando o acesso à informação, aprendizado, lazer, relacionamento pessoal e social. É importante que tais recursos sejam elementos de inclusão, de tal forma que as pessoas possam fazer uso dos mesmos de maneira autônoma e independente. Ambientes digitais acessíveis trazem benefícios para toda a sociedade, pois permite o acesso a diversidade populacional, em especial as pessoas com necessidades especiais, possibilitando o acesso à educação e à profissionalização atendendo a demanda do mercado. O estímulo à pesquisa e à docência constituem objetivos desde as etapas iniciais, principalmente por meio de estratégias de aprendizagem ativa, particularmente o desenvolvimento da análise ampliada das pessoas e coletividades, e a realização de atividades, sob supervisão docente e acompanhamento tutorial. Algumas instituições têm propiciado aos seus alunos, salas de aula com design inovador, climatização a partir do estudo do ambiente, espaços para orientação diferenciados, espaços de gestão compartilhados. Esses espaços estão descritos e são previstos no plano de expansão da instituição e todos apresentam um marco situacional a partir da missão e das políticas de ensino para graduação e pós-graduação com proposta de infraestrutura com design inovador, com espaços híbridos de convivência: salas de convivência coletiva, salas para projetos simulados, salas de aula organizadas em grupos ou por projetos, espaços de estudos informais com puffs e mesas para estudantes, salas de estudos compartilhados, espaços de gestão integrados, praças acadêmicas com a criação de pequenos jardins, espaços acessíveis com tecnologia inovadora, espaços decorados a partir do apro304


veitamento e modernização de móveis já existentes na instituição, laboratórios com realidade virtual disponíveis para todos os professores, bibliotecas virtuais focadas em espaços de aprendizagem para toda comunidade acadêmica . A inovação pedagógica aliada a infraestrutura está em constituir a estrutura de cada instituição como um espaço de aprendizado coletivo. Na compreensão de que os encontros, as relações a informalidade são dispositivos importantes ao processo de aprendizado.

Infraestrutura e design inovador

Nesse novo conceito de espaços de aprendizagem a infraestrutura deve observada não como um fim das atividades acadêmicas, mas como elemento balizador das ações institucionais estimulando de forma inovadora o desenvolvimento das metas estabelecidas no Plano de Desenvolvimento Institucional – PDI. Inovar na infraestrutura significa também colocar em prática o modelo acadêmico adotado pela instituição. Ou seja, se a metodologia é ativa o espaço tanto da infraestrutura tecnológica como da infraestrutura física devem estimular a comunidade acadêmica de forma diferente, considerando a facilitação/potencialização de suas dinâmicas específicas de acordo com cada área do conhecimento. A Infraestrutura como espaço de aprendizagem no âmbito do curso significa associar os espaços físicos da sala de aula, ou os diversos espaços de aprendizagem com as 305


metodologias ativas propostas no projeto pedagógico que problematiza, experimenta a realidade, debate e encontra soluções. A infraestrutura física interfere diretamente nas possibilidades de aprendizagem. A instituição deve ficar atenta ao propor metodologias ativas de aprendizagem, sem garantir estruturas físicas adequadas para uma aprendizagem coletiva e colaborativa A infraestrutura deve colaborar para uma concepção de ensino que coloca o aluno como protagonista de seu aprendizado, por meio de métodos inovadores e com a utilização de recursos tecnológicos que possibilitam o desenvolvimento da sua autonomia e possibilitam melhor compreensão dos conteúdos. Em muitas instituições o conceito de sala invertida lidera a proposta atual de inovação. A solução encontrada tem que traduzir os movimentos institucionais a partir de um plano de estruturação desses espaços, a projeção do crescimento da infraestrutura (física e tecnológica) bem como a qualificação desses ambientes para o desenvolvimento de todas as políticas previstas no PDI , tais como: • estruturar e/ou reorganizar todos os prédios, buscando uma qualificação ambiental da paisagem (ambientes construídos e não construídos); • definir o conceito de espaços de aprendizagem sem esquecer de atender às normas de acessibilidade, de segurança contra incêndio, de programação visual/sinalização e demais normas pertinentes; • reservar espaços para convívio, tanto nas novas edificações quanto nas reorganizações e revitalizações de es306


paços existentes, a fim de manter e valorizar esses espaços como identidade a partir da missão institucional; • priorizar, no projeto de novas ambiências (construídas ou não construídas) ou na revitalização de ambiências existentes, a utilização de uma linguagem contemporânea, inovadora, funcional e de qualidade estética, adaptada ao contexto em que se insere prevendo inclusive a utilização de outros idiomas e sinais; • adotar conceitos de arquitetura bioclimática nos projetos de novas edificações, buscando soluções tecnológico-sustentáveis (tanto construtivas, como de funcionamento), associadas às atividades de ensino-pesquisa-extensão previstas para o período de vigência do PDI; • priorizar a utilização de pisos drenantes e/ou pisograma nas áreas a pavimentar, ampliando as áreas permeáveis e melhorando as condições de drenagem pluvial, trabalhando essa ação dentro da politica ambiental; • afirmar a unidade projetual de conjunto/paisagem, porém com a garantia da identidade de cada intervenção; • projetar quando for o caso novas edificações, ponderando a expansão do espaço e de sua utilização a partir do compartilhamento de usos e funções; • implantar/transformar os espaços externos da instituição de forma gradual revitalizando os espaços de socialização já existentes com objetivo de propiciar em espaço articulador e de interação – interface de comunicação com a comunidade externa; • readequar as edificações já consolidadas, de uma forma gradual, para adaptarem- se às novas medidas de qualificação de espaços de aprendizagem. Inovar também pode significar a elaboração de uma política de espaços de aprendizagem (inclusive prevendo 307


adaptações tecnológicas), além de estabelecer características mínimas às atividades de ensino, propor modulações de atendimento às diferentes capacidades e uma unidade no tratamento visual aos ambientes.
 Nesse sentido, não podemos esquecer que o reaproveitamento de móveis e de soluções é indispensável inclusive para o desenvolvimento de políticas ambientais sustentáveis. Os espaços livres voltados para o convívio devem ser vistos como espaços de aprendizagem pois estimulam as atividades acadêmicas, agregando os ambientes de socialização dos campi com os do entorno trazendo a evidência do cumprimento da responsabilidade integrando a instituição com a comunidade. É natural que nesse reaproveitamento também sejam observadas ações de planejamento e não apenas de gestão do espaço criando uma estratégia para orientar a ocupação com qualidade ambiental, sustentabilidade e planejamento macro a longo prazo. Trata-se de uma mudança de paradigma pois qualquer espaço poderá ser de aprendizagem desde que esteja justificado no modelo acadêmico adotado pela instituição.

3. Internacionalização na educação 2030 As políticas nacionais de educação, durante longo tempo foram responsabilidade exclusiva dos Estados Nações, de acordo com sua dinâmica interna, legislações dentro de suas fronteiras tendo como resultado processos de inovações educacionais específicas isoladas. O movimento da globalização econômica estimulou os sistemas educacionais em concorrência para atrair o investimento direto e de empresas multinacionais. Os agru308


pamentos econômicos regionais, como a União Europeia, o Mercosul ou a ASEAN encorajaram seus Estados membros a harmonizar as suas políticas de educação. A migração internacional e a mundialização dos fluxos de informação permitiram novas inovações e pesquisas educacionais para circular melhor em todo o mundo. (AKKARI, 2017) A agenda internacional para a educação 2030 assinala a influência do global e internacional nas políticas nacionais de educação de todos os países. Esta agenda é também o resultado do trabalho conjunto das organizações internacionais influentes no setor da educação, com diretrizes específicas para a cidadania global que surge como uma orientação inovadora. Para isso a agenda prevê até 2030 é a extensão da duração da escolaridade, além da criação de pelo menos um ano de educação infantil de qualidade, gratuita e obrigatória. Nesse sentido é importante salientar que essa agenda global prevê 12 anos de educação básica (ensino fundamental e médio) de qualidade, gratuita e equitativa, com financiamento público, com pelo menos 9 anos obrigatório, baseado em resultados de aprendizagem. Ou seja, para um aluno ingressar em uma instituição de educação superior com uma agenda de internacionalização, o mesmo deverá apresentar 2 anos de educação básica (ensino fundamental e médio) de qualidade. Outros pontos importantes dessa agenda são colocados como metas e indicadores que preveem a) expansão da matrícula no ensino superior até 2020, do número de bolsas disponíveis para países em desenvolvimento, menos desenvolvidos, pequenas ilhas em desenvolvimento, estados e países africanos; b) aumento da oferta de professores qualificados até 2030,através de cooperação internacional para 309


formação de professores e c) assegurar a igualdade de acesso para todos os homens e as mulheres à educação técnica, profissional e superior de qualidade, com preços acessíveis, incluindo a universidade. Os currículos internacionais no ensino superior deverão atender essa nova agenda objetivando aprendizagem significativa, onde as pessoas aprendem de forma diferentes, por métodos diferentes, em diferentes estilo e com ritmos diferentes. Inovar na sala de aula é, neste sentido, uma tentativa de abandonar um “modelo monolítico” de ensino herdado do século XIX e partir para a sua personalização, torná‐lo um sistema interdependente. Quer isso dizer que se tem de desenvolver um modelo centrado no aluno., com a aprendizagem baseada na tecnologia, na perspectiva de que o computador emerge “como uma força disruptiva e uma oportunidade promissora” De acordo com Christensen as instituições deverão inovar de forma disruptiva para promoção de cursos voltados ao mercado de trabalho, possibilitando aprendizagem de acordo com o tempo e a conveniência do aluno. Outro fator de inovação são os MOOCs que introduziram a ideia de um curso com a mesma qualidade de uma instituição tradicional sendo oferecido global e gratuitamente. Apesar de utilizarem recursos humanos provenientes de instituições físicas com professores, os MOOCs (Massive Online Open Courses), ou cursos abertos e massivos online) não vendem o conceito do acesso a essas pessoas dentro da instituição de ensino, mas, sim, a ideia do acesso mais fácil ao conhecimento. Ou seja, a tecnologia promove não apenas uma maior acessibilidade a um serviço, como uma reformulação do próprio serviço. 310


Como exemplo de inovação tecnológica disruptiva temos o processo de evolução da tecnologia computacional. Na década de 50/60 o computador mais conhecido que veio com a missão de inovar a forma de processamento de dados foi o mainframe, este computador ocupava um grande espaço, seu valor de mercado chegava a custar 2 milhões de dólares e o tempo de treinamento para uso poderia chegar até 03 anos. Entretanto, a ideia de uma inovação como esta encontra-se limitada a um certo público determinado o que não permite uma visão disruptiva do processo inovador. Seguindo a linha evolutiva tecnológica chega-se aos computadores pessoais e atualmente aos smartphones que permitem acesso a dados e utilização de diversos recursos tecnológicos. Seguindo a linha evolutiva apresentada entende-se que pela Teoria da Inovação Disruptiva o smartphone teve um papel muito maior na inclusão digital que o mainframe, já que torna acessível que cada indivíduo tenha seu próprio equipamento sem treinamento específico. Não se compara nesse quadro apresentado que o mainframe perdeu seu papel fundamental e encontra-se morto, os usuários de dispositivos móveis realizam cerca de 37 transações diárias e 91% de seus apps comunicam-se via mainframe. Isto significa que praticamente todas as operações de cartão de crédito, remessas e reservas de passagens aéreas incluem, pelo menos, uma interação com o mainframe. Em alguns momentos são criadas múltiplas interações. Deve-se considerar que em todas as vezes em que utilizo meu smartphone ou tablet para compras, o aplicativo aciona o mainframe para processamento de pagamento e efetivação da transação. Ironicamente, quanto mais móvel você é, mais integrado ao mainframe está. Portanto, conclui-se que 311


apesar do smartphone não ocupar o papel do mainframe para que houvesse a inovação disruptiva que trouxe uma maior acessibilidade a tecnologias ele tem um papel ímpar em permitir que toda a complexidade do mainframe estivesse agora acessível a população. A Disrupção maior na educação superior encontra-se no foco na base da pirâmide econômica, segundo o livro “A riqueza da base da pirâmide”, de Coimbatore Krishnarao Prahalad, ou C.K. Prahalad, professor de administração de Harvard. O futuro dos negócios está na base da pirâmide, nas classes menos favorecidas. Não apenas isso: concentrar-se em criar produtos e serviços acessíveis às camadas carentes da população é uma forte estratégia para a diminuição da pobreza que assola vários países do mundo, dentre eles, o Brasil. Essa é a proposta de C. K. Prahalad, um dos mais influentes especialistas em estratégia empresarial da atualidade. O pensador indiano tem grande prestígio no meio acadêmico e também no mundo dos negócios. Seus artigos foram publicados nos mais importantes jornais e revistas internacionais, recebendo diversos prêmios como o McKinsey Prize (melhor artigo do ano publicado na Harvard Business Review) por dois anos consecutivos, além do prêmio de melhor artigo da década do Strategic Managment Journal e o European Foundation for Management Award. Para quem não lembra, Prahalad é autor dos importantes livros Competindo pelo Futuro (em parceria com Gary Hamel), e O Futuro da Competição (juntamente com Venkat Ramaswamy). Os resultados de seu estudo podem ser conferidos em seu livro A Riqueza na Base da Pirâmide. Nessa obra, o autor identifica todo o potencial dos mercados de baixa renda, situados em países pobres e de grande população. Por den312


tro da realidade brasileira, Prahalad apresenta casos de empresas brasileiras de sucesso que se voltaram para as classes C, D e E, como as Casas Bahia, o Habibs e a Gol. Incluir os pobres no jogo do mercado é um importante meio para se fomentar o empreendedorismo e o surgimento de inovações na própria base. Segundo ele, “se pararmos de pensar nos pobres como vítimas ou como um fardo e começarmos a reconhecê-los como empreendedores incansáveis e criativos e consumidores conscientes de valor, um mundo totalmente novo de oportunidades se abrirá”. A partir da visão de mercado de Prahalad observa-se que as Instituições de Ensino Superior deverão observar alguns preceitos para alcançar a inovação disruptiva e permanecerem no mercado neste século, desempenho de preço em relação a qualidade do ensino; inovação em suas metodologias, práticas e ações; escala de Operações; desenvolvimento Sustentável: Ecologicamente Sustentável e com uma visão de Inovação Social; internacionalização para diminuição e desigualdades regionais de produção do conhecimento; inovação de Processos Adminitrativos; modelos de captação de alunos; e, conhecimento de mercados da BOP(Base da Pirâmide) essencialmente nos permitem desafiar a sabedoria convencional na oferta da educação e sua comparação a outras áreas de serviços econômicos. Em previsão em relação ao cenário em potencial ente 2035-2050 conclui-se que serão dois diferentes modelos econômicos vigentes no mundo, o global e o dos países desenvolvidos. No cenário global, principalmente de países emergentes, haverá um crescimento do ensino superior no mundo 10 vezes maior em comparativo a países como EUA. Deste crescimento acredita-se que 90% do mercado de graduação em expansão encontra-se em países não ocidentais 313


e 60% do mercado global em nível de pós-graduação nos mercados emergentes ocidentais. Já o cenário de países desenvolvidos como os EUA passará por uma perda de subsídios do governo no ensino superior público significa que muitas escolas federais passarão a concorrer num mercado competitivo não subsidiado. A continuidade da oferta de ensino público vem se demonstrando cada vez mais contrário aos modelos de compressão de gastos públicos com áreas sociais. As escolas privadas experimentam um aumento dramático na participação de mercado em relação parcela pública com isso o ensino superior privado experimenta uma importante consolidação de mercado. Um novo concorrente surge forte no mercado e as privadas perdem parcela do mercado para serviços gratuitos fornecidos em plataformas de tecnologia (como LinkedIn, Google, Apple, Amazon e Microsoft). A partir deste cenário apresentado o modelo de ensino superior em 2035/2050 deverá ser representado da seguinte forma:

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Nível 1: A Elite • Servir entre 5% e 10% de alunos, mensalidades> US $ 100.000 / ano (em dólares de 2015) • Analogia: New York Times, Economista, Agricultura Orgânica, Relógios de Luxo Nível 2: alta qualidade e custo moderado • 50% em falência ou fusão, taxa de ensino $ 50-100k / ano, high touch • Analogia: varejo físico, TV a cabo, empresas de telefonia Nível 3: boa qualidade, baixo custo • 100k + estudantes ou nichos, mensalidades de US $ 100 a US $ 5.000 / ano 315


• Analogia: Huffington Post, Netflix, Skype, nicho de comércio eletrônico Nível 4: Ecossistema de Cursos Pequenos Negócios • Venda aplicativos, cursos, conteúdo educacional, livros, certificados, serviços para estudantes, vídeos etc. • Analogia: eBay / Amazon comerciantes, blogueiros, auto-editores, desenvolvedores de aplicativos Nível 5: plataformas de cursos livres ou pagos • centenas de milhões ou bilhões de estudantes, LinkedIn / Lynda.com Essa apresentação de uma tempestade perfeita no mercado da Educação Superior apresenta-se de forma alarmista e esquece-se do fator social e humano que a mesma deve possuir. Conforme já detalhado, movimentos de valorização de interferência pública conforme a agenda da ONU tende a humanizar o setor. A equiparação da educação a qualquer outro tipo de serviço de cunho econômico deixa as margens conceitos básicos da educação que caracterizam o setor. Essa visão baseada em economia de mercado não prevê que a evolução natural da educação não será bipartida e sim com três vias. A primeira as IES que se tornarão gigantes do mercado econômico abandonando modelos de excelência na oferta e se preocuparão somente com o barateamento operacional, a segunda via para as IES que priorizarem as inovações grandiosas na qualidade de oferta educacional e por último, a terceira via que trará as Instituições que aderiram a teoria da inovação disruptiva e apesar de se adequar as regras de mercado encaram o desafio de manter inovações 316


acessíveis que atinjam todo o grupo de usuários dos serviços educacionais. As IES que aderirem a terceira via deverão manter programas educacionais livres que possam impactar a sociedade a qual estão inseridas com base em educação de open sources, sejam financiadas pelo governo ou mesmo como retorno de parte de seus lucros ao objetivo da disseminação de conhecimento, e, manter uma faixa de preços destinadas a alcançar a parcela BOP. Investimentos públicos no ensino básico e superior vem diretamente ligados a evitar o abismo criado pela desigualdade socioeconômico no mundo. Ao se equiparar as Instituições de Educação Superior a mercado empresarial deixa-se de lado fatores cruciais para a compreensão do futuro da Educação Superior quais sejam, o mercado econômico de educação superior não permite uma dominação completa do mercado já que existem atos regulatórios em diversos países como o Brasil que impedem tal ação. E, principalmente, a necessidade de se manter a função social da Educação em diminuir os processos de desigualdade social e manutenção de um fluxo constante de conhecimento que atinjam desde a parcela mais regional até uma dimensão internacional. No ensino superior a educação online, se tornará uma forma mais econômica e eficiente de os alunos serem formados. Segundo ele, os modelos de negócios de instituições tradicionais morrerão ou terão de ser redesenhados para dar lugar a modelos híbridos ou 100% digitais. Na era da tecnologia da informação, o termo modularidade será utilizado quando um software é dividido em diversas partes que operam separadamente para formar o 317


todo, tornando-o mais eficiente e de mais fácil manutenção. Essa ideia deve ser utilizada pela instituição que busca utilizar tecnologias disruptivas: é preciso ter a habilidade de se rearranjar e usar suas diversas peças conforme a necessidade. Para exemplificar, Christensen traz o conceito de “multiversity” (algo como multiversidade), que propõe que os alunos sejam capazes de utilizar currículo, professores e outras fontes de conhecimentos oriundos de diversas universidades, criando sua própria educação.Outro exemplo de modularidade são os nanodegrees (nanograduações), que são cursos mais curtos, flexíveis e precisos, voltados a estudantes que querem certificações específicas, em vez de grandes graduações. Para o especialista, os currículos tradicionais sempre terão público, mas é importante que as instituições estejam aptas a oferecer, também, uma variedade maior para quem quer ter opções. A adaptação ao aluno do futuro é uma questão de sobrevivência na área da educação. Instituições e cursos internacionalizados, disciplinas ministradas em língua estrangeira, projetos curriculares envolvendo de tecnologias e materiais empregados internacionalmente, estágios e intercâmbios, alteração do perfil relacionado ao mercado de trabalho e flexibilização curricular. As mobilidades estudantis e docentes, necessitam de políticas com padrões de eficiência e de acompanhamento com indicadores que visem a qualidade.

4. Cooperação técnica e aprendizagem em redes Num contexto altamente competitivo, e com regras avaliativas, as instituições se desdobram para atender os preceitos da qualidade ou para implementar mudanças que a serviço de uma lógica mercadológica, na maioria das ve318


zes sem uma participação efetiva da comunidade acadêmica (docentes, discentes e técnicos administrativos). A política institucional para cooperação técnica para aprendizagem em redes deve estar vinculada a programas de cooperação e intercâmbio. A coordenação desse processo deve ser realizada por um grupo regulamentado, responsável por sistematizar acordos e convênios internacionais de ensino e de mobilidade docente e discente através de: importância do conhecimento colaborativo e diversificado. O uso das tecnologias da informação (TIC), a necessidade de formação dentro de um contexto internacional, o incentivo a projetos, bem como o estabelecimento de um ambiente universitário internacional com transferência de recursos, tecnologias e materiais educacionais entre países, principalmente de forma regional poderá ser um grande trunfo para as instituições de educação superior. A concessão de bolsas, parcerias internacionais envolvendo assistência às universidades estrangeiras e outras instituições de ensino e investigação em colaboração com estabelecimento de redes em cooperação multilateral, com envolvimento de docentes, em pós-doutorados com doutorados colaborativos, parcerias estratégicas, campus com espaços abertos e de intercâmbio. Num contexto altamente competitivo, e com regras avaliativas, as instituições se desdobram para atender os preceitos da qualidade ou para implementar mudanças que a serviço de uma lógica mercadológica, na maioria das vezes sem uma participação efetiva da comunidade acadêmica (docentes, discentes e técnicos administrativos).

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5. Conclusão A educação superior para o século XXI, a partir da agenda educação 2030, buscará a formação do cidadão global. Esse cidadão será formado a partir das demandas da sociedade, por meio da significação da aprendizagem e das metodologias ativas aliadas com recursos tecnológicos. Prevê também um denominador comum em que os países e as organizações internacionais podem construir suas estratégias e políticas educacionais reconhecendo que o conhecimento é um bem público. Outro ponto importante é que a educação superior será pautada pela transformação da vida social, individual e coletiva, pessoal, macro política e no desenvolvimento sustentável. A vida em sala de aula e na comunidade, será entremeada por espaços de aprendizagem, disrupção e tecnologia. A aprendizagem será “centrada no aluno de acordo com modalidades que se adaptem, seus tipos de inteligência nos lugares e nos ritmos preferidos”. A educação ocorrerá através de tecnologia associada a novos métodos de ensino e de avaliação. O movimento da internacionalização curricular e da globalização, promoveram o conhecimento, o intercâmbio de investigadores e professores, a mobilidade estudantil, a flexibilização curricular, que permitiu a abertura para a introdução de conteúdos globais e cosmopolitas. Para cumprir os compromissos da educação 2030 os países em desenvolvimento deverão enfrentar seus problemas em todos os níveis de ensino. O ensino superior em especial deverá dimensionar o que significa a oferta de qualidade em todas as áreas do conhecimento. O cumprimento da agenda encontra um grande obstáculo já que é necessário que cada país adeque sua forma de regulação da educação 320


e a construção de um cidadão global sem perder o foco no indivíduo transformador da realidade social que o cerca. E, principalmente, uma cultura global que o conhecimento acadêmico tem em seu DNA a necessidade de ser um bem público e não permanecer preso nas universidades. A circulação de conhecimento de forma ampla, sob os auspícios da cátedra, é a melhor forma de diminuir as desigualdades socioeconômicas dos países e da população global.

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