Memorial final

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Por Tatiane Silva

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O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.

Mario Quintana


Trabalho feito para disciplina de Comunicação e Literatura com a orientação da Prof.ª Vera Lopes viagem

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Belo Horizonte Abril de 2014

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Memorial de Leitura

Terça-feira, 11 de março, 10h da manhã, estou prestes a terminar meu memorial de leitura. Falta apenas finalizar esta introdução que você, caro leitor, contempla nesse momento. Sim, este texto foi produzido de forma não-linear, não poderia ser diferente. Afinal, as minhas lembranças não vieram à tona seguindo uma ordem cronológica. Ao contrário, quando decidi recordar minhas experiências com os livros, foi como se entrasse em um jogo com minha mente, e ela, senhora de tudo, distribuísse as peças deste quebra-cabeça aleatoriamente. Não foi fácil montá-lo. Tornar coeso e compreensível um emaranhado de lembranças e emoções requer habilidades que vão além do domínio da escrita, exige a destreza de saber demonstrar sentimentos. Peço que se atente aos fatos e não às datas. Talvez eu as tenha utilizado somente para não deixá-lo perdido. Como pode ser também que eu não tenha escrito este parágrafo numa terça-feira, às 10h da manhã. São meros detalhes. Vamos às memórias? A experiência mais intensa que tive com a leitura não envolveu clássicos literários, uma grande biblioteca ou um quarto de leitura aconchegante. Tudo ocorreu em um velho sótão, com muitos cadernos e livros didáticos empoeirados. Eu era nova, quando via minha mãe dar ordem aos meus irmãos para que guardassem em cima da laje todos os livros e cadernos que não serviam mais. Para ela, o espaço funcionava como um depósito – para mim como um esconderijo. Toda vez que a desobedecia, para não apanhar, subia por uma improvisada escada de madeira e me escondia em cima da casa. Eu sabia que a obesidade a impediria de vir atrás de mim. Fiz isso por anos. Até que um dia, após uma peripécia seguida da fuga, minha mãe retirou as escadas e esbravejou: “vai ficar presa aí por horas, sem nada e ninguém. Este é o seu castigo”. Não sei dizer por quanto tempo fiquei isolada, mas, pela primeira vez, aos oito anos, descobrira a sensação de ter minha liberdade roubada. Senti-me como um pássaro de asas cortadas. Tive todas as vontades: chorar, gritar, me jogar no chão, mas nada disso me devolveria a alegria de poder subir e descer as escadas quando quisesse. Não chorei, não gritei, não pulei. Abri a porta do velho sótão, talvez ali o tempo passasse mais rápido. Fiquei surpresa com tantos livros e cadernos. Éramos seis irmãos, e ali estavam todas as nossas “velharias”. Lembro-me que o primeiro livro a ser folheado era de português, da sétima série. Escolhi-o pela capa, contrariando aquele velho ditado que

“Uma casa sem livros é como um quarto sem janelas.” Heinrich Mann

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Memorial de Leitura

condenava minha atitude. Para mim, o dito só fazia sentido em seu sentido figurado, o literal eu desconsiderava. Livro bom começava por uma capa bonita, colorida, enigmática ou abstrata. Não me pergunte se naquela tarde aprendi algo sobre gramática ou ortografia. Não tinha graça naquele momento. Encantei-me pelos quadrinhos de Quino, Browne, Walker, Ziraldo e Watterson. Já conhecia e me divertia com A turma da Mônica, mas a Mafalda e seus amigos tinham algo diferente. Por que eu não tinha um gibi com histórias sobre ela? Por que ela não passava na TV? E por qual motivo eu não conseguia entender muitas de suas tirinhas, embora gostasse de todas? Dúvidas que só foram esclarecidas anos depois: Mafalda e todos os outros personagens que conheci naquele livro estavam à frente do meu tempo. Mas eu os adorava. Adorava tanto que folheei mais uns quatro ou cinco livros à procura das histórias. Ganhei asas novamente. Esqueci da escada, de minha impotência, da ira. Não tinha sensação melhor de estar presa e ao mesmo tempo me sentir livre. Que bom seria se todas as crianças desobedientes tivessem uma doce penalidade como a minha. Meu grande castigo veio quando meu irmão mais velho foi me buscar. Depois de tanto tempo isolada do mundo, enfim, eu poderia descer. O que horas antes seria alegria infinita se transformou em tristeza. Realmente a literatura tem o poder de reverter situações e sentimentos. Desci e mal consegui dormir naquela noite, que sensação boa era aquela de entrar em um quarto mal iluminado, cheio de poeira e livros velhos e mesmo assim me sentir no melhor lugar do mundo. Subir até o sótão virou rotina. Ia por vontade própria, sem precisar me esconder por ter cometido alguma travessura. O local que era meu esconderijo físico passou a ser refúgio sentimental. A morte do meu pai veio um ano depois, em 2009. Minha mãe mandou para o depósito todos os discos de vinil e velhos objetos que a ele pertenciam. Recordo-me bem de um rabisco encontrado em um de seus cadernos: uma casa de dois andares rascunhada à caneta. Se ele continuasse vivo e conseguisse cumprir seu projeto, provavelmente, aquele sótão deixaria de existir. Não deu tempo, mas pelo menos me restaram as recordações. Como era bom visitar aquele lugar todas as tardes, frequentá-lo virou um compromisso diário. Os livros, as agendas e as revistas velhas me transformaram em uma criança totalmente

“A biblioteca de um homem é uma espécie de harém.” Ralph Emerson

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Memorial de Leitura

apaixonada pela leitura. Com o tempo, aprendi a gostar das crônicas, dos contos, dos artigos de história, dos gráficos de matemática, de tudo. Tão inesquecível quanto os momentos que passei por lá foi aquela quarta-feira nublada. Naquele dia cheguei da escola e lá estava meu algoz, o pedreiro. Perguntei a minha mãe o que ele fazia em cima da laje e a resposta foi simples e triste: ele iria cobrir a casa com telhas. Decisão ruim, porém coerente. O não revestimento da laje do meu quarto me dava acesso ao sótão, mas, em contrapartida, causava infiltrações nas paredes. Fiquei em silêncio por alguns minutos sem esboçar nenhuma reação, não havia argumentos. Como explicar para minha mãe que aquele cômodo sujo se tornara para mim o lugar mais importante da casa? Ou que todos os livros que estavam ali, e que para ela não serviam mais, eram minha maior paixão? Não falei palavra alguma, fui para o quarto e chorei. Em poucos dias a obra estava pronta, cortaram-me as asas novamente. Não lembro, ao certo, se a tristeza por perder os livros e meu espaço perdurou por muito tempo. Contudo, sei que passados dois anos eu já encontrara um novo lugar para ler: uma biblioteca. Aparentemente, o lugar-comum dos memoriais de leitura. Mas não se engane caro leitor, meu novo recanto tinha características incomuns. Embora fosse propriedade da escola, nenhum aluno poderia usufruir das obras, não havia bibliotecária para organizar e emprestar os livros. Só os professores tinham acesso ao acervo, caso precisassem de algum exemplar. Essa situação se estendeu por meses, que raiva eu sentia. Quando reclamava para minha mãe, ela dizia sem pestanejar que aquela situação era uma das frequentes mazelas do ensino público e que não podia pagar uma escola particular para mim. Mas minha escola era a melhor da região, tinha excelentes professores, não tinha carteiras quebradas, não faltava merenda de qualidade ou recursos para boas aulas. E mesmo se faltassem todas essas coisas, nada se igualaria ao descaso de uma biblioteca fechada. Recordo-me claramente de quando via os caminhões do Governo despejar caixas com livros novos. Era a tia Zélia, uma serviçal responsável por trancar as salas da escola, que abria a porta para os funcionários do Estado, para que eles guardassem os livros na biblioteca. Percebeu a intimidade que falei da dona Zélia Maria? Sim, nos tornamos íntimas. Não foi difícil, ela era uma senhora dócil e simpática. E dizia que gostava de mim pela minha boa

“A leitura faz do homem um ser completo; a conversa faz dele um ser preparado, e a escrita o torna preciso.” Francis Bacon

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educação. Pensei que seria fácil convencê-la a me deixar entrar na biblioteca, mas não foi. Ordenou que eu pedisse permissão à supervisora Isabel, uma mulher severa e de pulso firme. Recebi outro não. A justificativa foi que eu não saberia encontrar qualquer livro em meio à desorganização. O que ela diria se visse o meu esconderijo do passado? Fui muito insistente, todos os dias no intervalo das aulas me dirigia a ela e repetia o pedido. Um dia, ela permitiu que eu entrasse na biblioteca, mas com a condição que eu não levasse nada de lá para casa. Tenho absoluta certeza que a venci pelo cansaço. Doce vitória. Entrar novamente naquela biblioteca depois de tantos meses foi como entrar numa sala de troféus. Naquele momento todos eram meus e pouco me importava se estavam fora de ordem, embrulhados ou empoeirados, eles eram meus. Prazer em dobro. Primeiramente, por minha grande vitória e também pelo mundo desconhecido que ia descobrindo. Minha mente já procurava por um livro com uma linda história, que me desse asas novamente. E, mais uma vez, escolhi um livro pela capa, era verde e com letras douradas: O mágico de Oz. Foi amor à primeira vista. Folheei, senti o cheiro, contei as páginas, quis lê-lo, porém, em vinte minutos não conseguiria. Eu também não queria deixar para o outro dia e correr o risco de perdê-lo, queria iniciar a leitura rapidamente. Naquelas circunstâncias, fiz algo que não faria hoje, mas que não me arrependo de ter feito: escondi o livro debaixo da minha blusa e voltei para a sala. Que sensação gostosa! Errada, mas gostosa. O prazer daquela leitura clandestina superou o medo por uma suspensão. Posso ler O Mágico de Oz por mais cem vezes e ter diferentes sensações, mas nada se comparará ao que eu senti naquele dia. Depois da primeira permissão, a Tia Zélia passou abrir a biblioteca para mim sempre que eu a pedia. Por medo de ser pega, ao invés de levar os livros escondidos para casa, tomei como hábito ir mais cedo para e escola e sair de lá mais tarde. Foi lá que conheci Mário Quintana, Ligia Fagundes Telles, Luís Fernando Veríssimo e outros autores que dedicaram algum tempo de suas vidas para escrever para mim. Sim, eu acreditava piamente que eles escreviam exclusivamente para mim e que aquela biblioteca era só minha. Sentia ciúmes das crianças que tentavam entrar ali. Quando via algum livro na mão de alguma delas, sentia vontade de passar uma lista de recomendações de como cuidar dele.

“A leitura de um bom livro é um diálogo incessante: o livro fala e a alma responde.” André Maurois

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Memorial de Leitura

Não demorou muito e uma nova bibliotecária foi contratada. Por várias vezes sonhei com ela, idealizava cor da pele, cor dos olhos. Imaginava uma senhora gordinha, com óculos e simpática, que me emprestaria quantos livros quisesse para levar para casa, que me indicasse obras, que me contasse histórias. Na realidade, não era nada disso. Não me recordo o nome dela, mas lembro-me que tinha uma característica que não admitia em ninguém: não sorria. Era séria, fechada e todas as vezes que ali chegava não estava com sequer um livro aberto. Não vou mentir que ela organizou a biblioteca de forma brilhante, mas mesmo assim eu não gostava dela. Incomodava-me muito nunca vê-la lendo ou sorrindo. Como alguém poderia ser triste em um lugar como aquele? Era como alguém morrer de sede com uma fonte de água limpinha bem à sua frente. Certa vez, ela me perguntou qual era meu autor preferido. E quando respondi que era o Luís Fernando Veríssimo, disse sarcasticamente que falava de grandes nomes como Machado de Assis ou José de Alencar. Segundo ela, Veríssimo não merecia entrar na lista, pois escrevia, basicamente, crônicas. Na época eu tinha lido somente “Crônicas para se ler na escola” e “As Mentiras que os homens contam”, mas já era o bastante para tomar aquilo como uma afronta. Veríssimo foi e ainda é meu escritor preferido. Sempre gostei do tipo de livro que permite parar ou retomar a leitura a qualquer instante. Se aquela mulher fosse realmente uma leitora dos grandes nomes que ela queria que eu falasse, saberia, ao menos, ter a sutiliza de Machado de Assis ou o eufemismo de José de Alencar para questionar minhas preferências. A minha paixão por Veríssimo era tão grande que fazia questão de espalhar todas as suas obras. Lembro que uma vez, anos depois da morte do meu pai, li para minha mãe uma crônica de sua autoria sobre o casamento, “Desabafos de um bom marido”. Enquanto lia, minha mãe soltava gargalhada, nunca a vi rindo daquele jeito. Findada a leitura, ela disse que achava interessante, pois sofreu durante 26 anos em seu casamento e naquele momento achara graça de tudo. Após tal afirmação, não tive dúvidas do quanto a literatura é mágica. Com as palavras exatas, você atenua ou fomenta um sentimento, uma recordação. Às vezes, fica difícil entender como um ser humano pode não gostar de ler. Por muitos anos eu vivi rodeada de pessoas assim. Na adolescência, com meus 15 anos, estudava

“Na verdade um livro que não merece ser lido duas vezes não é digno de ser lido nem uma vez.” Jean Paul

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Memorial de Leitura

em uma classe que odiava o hábito da leitura. Certa vez, a professora de literatura nos passou um trabalho, cujo objetivo seria ler e fazer uma resenha da obra “Iracema”, de José de Alencar. A tarefa que deveria ser feita em até 30 dias foi realizada em dois. Apaixonei-me pela história, pela riqueza de detalhes e delicadeza do autor. Eu leria e escreveria sobre o livro mais 10 ou 15 vezes, se fosse necessário. E escrevi. Um dia, em meio a uma conversa com meus colegas, alguns deles me pediram para que eu fizesse o trabalho para eles. Parece falácia, mas aceitei a proposta não pelo dinheiro que ganharia, mas pelo prazer de ler o livro novamente e escrever sobre a linda história. Para que não me faltasse nenhuma minúcia, reli algumas vezes. Naqueles dias eu indagava porque não existia a profissão de “leitor”. Era um afazer agradabilíssimo. Fiz uns dez trabalhos e todos foram elogiados pela professora e ganharam nota máxima. É claro que, hoje, reprovo totalmente minha atitude, mas na época fiquei orgulhosa de mim. Irônico foi o desfecho desta história. A professora se encantou por uma resenha que fora escrita por mim, mas assinada com o nome de uma colega de classe. Como prêmio pelo excelente – e falso – trabalho, minha colega ganhou três livros de José de Alencar: “Iracema”, “O Guarani” e “Senhora”. A inveja é um sentimento horrível, mas não vou mentir que senti naquele dia. No final da aula, perguntei à premiada se ela dividiria comigo os prêmios que, na verdade, eu merecia. Ela disse “não”, alegando que, agora que os tinha, faria questão de lê-los. Lembro que lhe propus devolver o dinheiro pago, mas mesmo assim ela não quis. Não sei dizer se ela realmente leu aqueles livros. Se não o fez, perdeu ótimas histórias. Depois do ocorrido, peguei as obras na biblioteca da escola e as li com muito mais afinco e dedicação. Sempre que tinha oportunidade, questionava minha colega sobre as histórias e só recebia respostas vazias. Tudo bem, ela tinha o papel, as ilustrações, as letras. Eu tinha o intangível, a imaginação, as entrelinhas. Desde então deixei de ter apego aos livros e passei a sempre doar os meus. Parece contraditório alguém que goste tanto de livros ter poucos exemplares em casa, mas os considero tão bons que gosto de dividir com as pessoas. Se tiver vontade de ler uma obra novamente, vou a uma biblioteca e releio. Não vou mentir que, de vez em quando, me apego a um ou outro livro, mas nada que faça encher minha estante. A única obra que não é

“Não há melhor fragata que um livro para nos levar a terras distantes.” Emily Dickinson

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retirada dela é a enciclopédia “Atlético de todos os tempos” de Adelchi Ziller. O conteúdo da obra seria suficiente para que eu a guardasse com zelo. Mas não é somente isso. O que me faz guardá-la é a experiência que tive nos dias em que a li. Muitas vezes, o que marca o ser humano em suas práticas de leitura não é, necessariamente, o enredo; pode ser as circunstâncias da leitura da obra ou os efeitos e as mudanças que dela decorreram. Desde criança, sou apaixonada pelo Atlético e sempre tive amigos para compartilhar essa paixão. Um dia, um deles me contou que tinha em sua casa um livro que narrava a história do clube. Pedi por diversas vezes emprestado e ele dizia que levaria na próxima aula. No dia posterior sempre vinha com uma desculpa seguida por uma nova falsa promessa. Ele fazia questão de falar do livro, das imagens e das crônicas que nele continham. No livro, haviam fotos de jogadores que eu conhecia somente por ouvir falar nos programas de rádio. Passei a almejar aquele livro como o Dadá, um dos grandes jogadores do Atlético, desejava fazer um gol. Os cronistas esportivos adoram dizer que alguns jogadores conhecem os “atalhos do campo”, uma metáfora que explica o fato do jogador saber chegar mais rápido ou de forma mais fácil ao gol adversário. A minha vontade de ler aquela enciclopédia era tão grande que estava disposta a me tornar jogadora e descobrir meu atalho. Encontrei na própria sala de aula: meu amigo não dominava muito bem a habilidade dos números e precisava de 20 pontos dos 25 que faltavam para passar de ano. Sabendo disso, não fiz firula alguma; perguntei a ele se gostaria de ter aulas de reforço comigo e que não cobraria nada por isso, bastava levar o livro que eu tanto desejava. Feito o trato, três vezes por semana ele ia até minha casa. Nos intervalos das explicações, entre um cálculo e outro, eu folheava a obra que tanto insisti para ler. Era uma alegria quando ouvia no rádio o nome de algum jogador e rapidamente me recordava que já tinha visto sua foto no livro. Conhecê-los apenas de ouvir falar era como ver um jogo em preto e branco. Após ler a enciclopédia, era como ver a mesma partida em uma TV em cores e com a grama verdinha. Terminei a leitura em duas semanas, as aulas acabaram em pouco mais de um mês. Meu amigo conseguiu a nota necessária e no último dia do ano embrulhou a enciclopédia em um velho papel de presente e me deu. Um dos presentes mais lindos que já ganhei de alguém.

“Peço a um livro que crie em mim a necessidade daquilo que ele me traz.” Jean Rostand

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Existem objetos que você compra e sempre que olha para eles se recorda de quanto pagou. Hoje, quando vejo a enciclopédia em minha instante, não penso em valores, só nos bons momentos que tive enquanto a li. Eu poderia encerrar por aqui minhas recordações, deixando a entender que minha história com os livros trata-se de romance sem qualquer ruptura. Mas gostar de ler já foi motivo de vergonha para mim. Recordo-me das vezes que, quando criança e ainda no préprimário, minha professora reclamava à minha mãe o meu desprendimento com as tarefas relacionadas a desenho. Na época, eu gostava das atividades que ensinavam a ler e escrever. Não pegava o lápis para colorir um desenho sequer. Ouvir as críticas da minha professora me fazia acreditar que o meu gosto pela escrita era algo errado. Foi preciso muito esforço de minha irmã, leitora aficionada, para me fazer entender que minha aptidão não era motivo de vergonha. Os meus primeiros livros lidos foram presentes dela. Lembro-me que ela sempre trazia obras que leu na infância, como “Zezinho, o dono da porquinha preta” e “Meu pé de laranja lima”. Não vou dizer o que essas obras significaram para mim, pois eu não as li. Para falar a verdade, não lia a maioria que dos livros que ela me dava. Mesmo nova, eu gostava de escolher minhas leituras sem a influência de ninguém. De grande parte das obras que ela me dava eu lia apenas a sinopse. Lembro que li com afinco “Pollyanna moça”, presente que ela me deu quando que meu corpo já dava sinais de que eu estava me tornando uma adolescente. Não sei até que ponto eu estava certa com essa atitude, mas até hoje carrego um pouco disso. Dificilmente escolho um livro por recomendações. Gosto de chegar a uma biblioteca ou livraria e escolhê-lo por vontade própria – nem que seja pela capa, como em minha infância. Leitura é algo íntimo e insubstituível. Ninguém escreve ou lê igual. Imagine um best-seller (dos muitos que ainda não li) com milhões de leituras. Ele gerou milhões de histórias diferentes, que poderiam ser contadas em milhões de memoriais. No memorial que acabo de escrever, relatei histórias que não vão acontecer com ninguém. Intencionalmente ou não, contei experiências que foram vivenciadas em minha infância e adolescência. Sim, eu acredito que a melhor fase para nos tornarmos bons leitores é justamente essa. É um período de formação de personalidade, caráter e preferências. Nessa fase o tempo é nosso aliado, as tarefas de faculdade ou da profissão não ocupam nossas

“A leitura engrandece a alma.” Voltaire

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leituras. Não temos nem um por cento dos preconceitos e opiniões irredutíveis que adquiriremos quando adultos. É claro que essas experiências não são perdidas ao longo da vida, mas acredito, de verdade, que são mais intensas nas etapas iniciais. Sei que os sentimentos tidos nos momentos que citei não voltam mais. Tempo de criança é tempo de criança. Não tenho dúvidas que o aproveitei da melhor maneira possível. Então, hora de viver o tempo de adulta.

“Não há desgraça no mundo, por maior que seja, que um livro não ajude a suportar" (Stendhal)

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