AMOR
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Índice AMOR
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O que é amor?
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A química do amor
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O amor e a literatura
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Quem é seu crush?
30
Amor além da vida
36
Glossário de gênero
42
Amor é diversidade
48
O amor em novas relações
52
Entrevista ping-pong
56
Amor tem cor?
58
A verdadeira religião é o amor
62
O desafio do amor diante de uma sociedade acusadora
67
Adoção esbarra no ideal do filho perfeito
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PS: Eu te amo
76
Entre dois
AMOR
ÓDIO 86
O que é ódio?
90
Olho por olho, dente por dente
94
A origem do ódio
96
O ódio vindo dos discursos
100
Seja magra, seja magra
104
Um ataque de raiva
108
Desafetos no horário do expediente
112
Profissões: do amor ao vício
Revista Sentir Endereço: Av Eng L. E. Carrijo Coube, nº 14-01. Bairro: Vargem Limpa CEP: 17.033-360 – Bauru, SP Fone: (14) 3103-6063 Website: www.revistasentir.com.br Equipe : Adriele Silva - redação e revisão Agnes Campos - redação e revisão Beatriz Santana - redação e revisão Elisa Espósito - redação e diagramação Tatiany Garcia - - redação e revisão Veículo produzido como trabalho de conclusão das disciplinas de Jornalismo Impresso III e de Planejamento Gráfico-Editorial III, sob orientação dos professores Mauro de Souza Ventura e Mara Fernanda de Santi, no Curso de Jornalismo da Unesp, campus de Bauru.
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Editorial Amor e Ódio. Muitas mitologias ao redor da história humana traçaram histórias e deuses responsáveis por esses sentimentos. Na mitologia grega há o deus Eros, que simboliza o amor, a união e a afinidade universal, em contrapartida nasce o deus Anteros, que como o nome sugere, se coloca como o oposto do deus do amor. Anteros é irmão de Eros, e representa a antipatia, aversão, e por vezes, semeia em torno de si a discórdia e o ódio, prejudica a afinidade dos elementos. Eros une e Antero desune.
nosso sistema nervoso, conheceremos histórias de amor por meio da adoção, e daqueles que venceram preconceitos para viver uma história romântica. Embarcaremos nas diferentes formas de amor relacionadas com a sexualidade de cada indivíduo, e ainda de onde esse conceito romântico surgiu. Levaremos você, leitor, a conhecer também o lado oposto, trataremos de intolerância, a autodepreciação, e a vingança, para compreendermos melhor as manifestações do ódio.
Seja sua crença em deuses gregos, romanos, egípcios ou até em religiões monoteístas, o fato é que não temos como negar a influência desses dois sentimentos em nosso cotidiano. Talvez possamos até dizer que essa dualidade é necessária para a interação social da humanidade, equilibrando nossas relações interpessoais, observando por uma ótica de que ambos os sentimentos em demasia não são saudáveis nessa experiência.
A capa desse mês acompanha de perto a temática da edição, as portas brancas dizem respeito a dualidade, os sentimentos separados, e a amarela representa o misto, o amor e ódio juntos dentro de cada um de nós, e a forma como balanceamos ambos.
Nesta edição viajaremos juntos por entre narrativas ligadas ao amor e ao ódio. Entenderemos como essas duas sensações se desenvolvem quimicamente dentro de
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Embarque conosco nesse mar de sentimentos, e desvende porque eles se fazem presentes e necessários em nossas vidas. Faremos você SENTIR. Boa leitura! Equipe Revista Sentir
AMOR
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O que é
Amor?
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AMOR
Por Tatiany Garcia
Entender o que é o amor nunca foi uma tarefa fácil. Um conceito que abraça o mundo e vai além das definições de dicionários e enciclopédias, ou ainda, dos conceitos gramaticais de cada língua e cultura da sociedade. Amor pode ser substantivo, ter diversos sinônimos, ser conotativo ou denotativo, ser sentimentos e sentidos, estar presente na literatura, na música e em abrangentes setores da sociedade. O que não se pode negar é que todo amor é - independente da razão e circunstância- verbo. São ações, atitudes, comportamentos, ideologias, que demandam a subjetividade de cada indivíduo, que interpreta este conceito, palavra e sentimento, de acordo com seus aspectos psicológicos, sociais, culturais, políticos e religiosos. Segundo o Google, amor é ‘’forte afeição por outra pessoa, nascida de laços de consanguinidade ou de relações sociais’’, nada mais é que uma porta para as mais variadas interpretações e concepções que juntas, definem todas as formas de amor e com elas um mundo de ideias a serem exploradas por cada um, sem nenhuma arbitrariedade. Amor não é conceito com certo e errado. Amor forma-se e deforma-se à medida que, cada pessoa no mundo começa a questioná-lo. A Revista Sentir entrevistou diferentes pessoas, perguntando a elas: ‘’ o que é o amor?’’ E apesar de não viverem a mesma realidade, compartilhar das mesmas crenças, sexualidade, escolaridade e sociabilidade, elas têm em comum uma afinidade com esta palavra e sentimento, que ultrapassa barreiras linguísticas e está intrínseca em todo o contexto social. Acompanhe a seguir os depoimentos particulares de cada entrevistado sobre a definição do que é o amor.
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E para você, o que é? Diversos leitores opinaram sobre esse sentimento tão complexo, por meio de suas experiências. As fotos foram escolhidas por eles e pertencem à seu acervo pessoal
“Amor é muito mais que um sentimento. É atitude, é decisão. Amar é decidir estar com alguém apesar de todos os obstáculos, além de todos os seus defeitos e defeitos do outro, e gostar da pessoa do jeito que ela é, com todos seus defeitos e qualidades. Amor é respeitar, é dar bronca quando necessário, é ajudar, é se fazer presente mesmo que a distância física atrapalhe. Amor é ter fé, é acreditar, é perdoar. Amar é se revelar, se deixar conhecer, se deixar olhar nos olhos para enxergar suas verdades. Amar é se descobrir. Amar é se perder e se encontrar. Amar é abrir as portas do coração e deixar o outro entrar.” Marcos Cardinalli, 30 anos
“Amor é querer ter companhia mesmo estando feliz sozinha. É multiplicar a felicidade quando está perto, é querer o melhor da pessoa sem esperar nada em troca, independentemente do tipo de vínculo. É entender que o outro tem a própria vida, anseios, desejos, histórias e inseguranças, sem que haja cobrança por conta disso. É querer viver a própria vida, com companhia. Amor traduz paz, felicidade, tranquilidade, confiança, respeito, carinho, empatia e dedicação.” Isabela Vendramini, 21 anos
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AMOR
“O amor é quando você pega afeto por uma pessoa, tanto família, melhor amigo ou namorado. Um sentimento lindo que floresce no coração onde você se sente na vontade de dizer: Eu amo você; e ainda quando se é recíproco é a melhor coisa. Então, a minha sinceridade para o amor é que é um sentimento lindo.” Carlos Eduardo S. Souza, 20 anos
“O amor para mim é um aglomerado de sentimentos. Com muito respeito, carinho e cuidado. Vontade de compartilhar momentos juntos, a força de sempre se erguer junto. Se fortalecer vendo um sorriso, ou ganhando um abraço. Com aquele cheiro que te conforta. Aquele sorriso bobo que não é controlado. Aquelas borboletas no estômago do nervoso, misturado com saudade! Isso é o amor para mim.” Giovanna Igepi, 19 anos
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“O amor é o olhar do bebê para a mamãe enquanto está mamando. É o beijinho da mamãe no dodói que cura. É o cheirinho de “cria” que os filhos têm.” Priscila Rodrigues, 31 anos
“Amor é um sentimento inexplicável. É você sem dúvidas, se dar por alguém, ou por algo. Amor para mim é também uma definição de Deus.”
Mariana Gastão Davanzo, 20 anos
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AMOR
“O amor é a para sempre
vontade com a
de
ficar pessoa.”
Guilherme Martins, idade não revelada
“O amor como dizia minha avó é uma flor, que se não cuidar, morre. Mas aprendi que o amor pode ser uma roseira também, e mesmo que morra, uma nova flor pode nascer.” Gabrielly Morlin, idade não revelada
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“Amor é ser cuidado. Do carinho nasce o cuidado, e dele, surge o amor.” Thuane M. S. Tomeu, 23 anos
“Amor pra mim é confiar, respeitar e aceitar as escolhas das pessoas, independente se você concorde ou não. Porque amar é querer que a pessoa tenha sua essência, cresça e aprenda com seus próprios erros e acertos, porque você quer que ela seja feliz e forte, independentemente que seja ao seu lado, ou não.” Pamela Rubio da Silva , 19 anos
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AMOR
“Amor é ser você mesmo e não se preocupar se irão gostar. E se gostarem mesmo assim, também é amor.” Lucas Odria, 30 anos
Amor rompe barreiras de gênero, religião, cultura, nacionalidade, cor e até mesmo da própria morte. O amor está na ciência e nas humanidades. É razão e emoção.
Alex Loup | Unsplash
O amor faz parte da vida. Ele está na música, na família, nos amigos, no cinema, na literatura, na dança, na profissão, na educação, nos animais e na natureza.
Está curioso para desbravar o mundo do amor? Virar a página é apenas o começo.
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A química do
Amor
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AMOR
Por Beatriz Santana
Amor. No dicionário seu significado é definido como “forte afeição por outra pessoa, nascida de laços de consanguinidade ou de relações sociais”. Mas você já se perguntou o que o amor significa para o corpo humano e quais os seus efeitos biológicos e psicológicos? O sentimento é responsável pela alta de diversos hormônios e neurotransmissores, além de influenciar os comportamentos dos apaixonados. Evolutivamente, o amor surgiu da necessidade adaptativa de encontrar parceiros de reprodução, mas mais importante do que isso: assegurar a criação da prole. Por esse motivo, os seres humanos são considerados uma espécie “monogâmica em série”, ou seja, espera-se que o comportamento biológico seja construir uma relação e após gerar filhos, e estes alcançarem a independência, partir em busca de um novo parceiro para gerar mais herdeiros. O
que
acontece
no
nosso
corpo?
Inicialmente, os indivíduos passam pela fase de paixão, que pode durar de 4 a 18 meses, e segundo Pedro Teixeira, psicólogo e mestrando em relacionamentos amorosos na contemporaneidade pela Universidade de São Paulo. “Na paixão, há uma inibição do córtex pré-frontal, que é a parte do cérebro responsável pela tomada de decisões. Ou seja, você faz coisas meio sem juízo”. Nesse estado, a dopamina, um neurotransmissor responsável pela felicidade e que têm efeito muito semelhante ao vício em cocaína, descarrega emoções para o coração e as artérias, potencializando a sensação de que o amor é belo, e deixando as pessoas mais corajosas e dispostas. Psicologicamente, podemos classificar essa fase como a do arrebatamento, em que tudo ao redor parece bom, é a etapa em que o parceiro é enxergado como perfeito e há o desejo de estar sempre junto a ele. Um estudo da pesquisadora italiana Donatella Marazzatti, da Universidade de Pisa, observou que
enquanto a maioria das substâncias químicas aumentam seus níveis, a serotonina, responsável por um efeito calmante e que ajuda a combater o estresse, tem queda de cerca de 40%. A queda nos níveis desse neurotransmissor, faz com que o percentual seja próximo ao de pessoas que sofrem de transtorno obsessivo compulsivo (TOC). “O pensamento da pessoa te invade, há comportamentos compulsivos, você não consegue ficar sem falar com a pessoa, há uma descarga de neurotransmissores associados ao sistema de recompensa, você se sente bem ao estar com o outro”, explica Pedro Teixeira. Outra razão para a queda de serotonina é a produção de hormônios sexuais, que facilitam a formação de pares estáveis, o que evolutivamente é uma preocupação instintiva humana. Entretanto, quando se trata do estado de paixão, os comportamentos compulsivos se resolvem no máximo em alguns meses, com as taxas de serotonina voltando ao normal. Hormônios como a oxitocina (o chamado hormônio do amor) e a vasopressina, que possuem a função de formar laços intensos e duradouros de afetividade, como o amor materno, por exemplo, também aumentam, encaminhando tudo para um relacionamento estável e um estado de amor perene. Na fase do amor, o indivíduo passa a enxergar seu parceiro em toda sua complexidade, isto é, também consegue perceber seus defeitos. Para Teixeira, nesse período não é mais como se a pessoa ainda estivesse sendo levada por uma correnteza de reações químicas, e à partir disso começa haver a necessidade de esforço contínuo e voluntário para estar com o outro. A essa altura do relacionamento, o que mais é levado em conta são o companheirismo, apego e a vontade de procriar e cuidar dos filhos. Teixeira acredita que esse também é um fator determinante para que muitos casais se divorciem quando a prole cresce e sai de casa. REVISTA SENTIR
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De Branca de Neve à Valente: a evolução do conceito de amor romântico no cinema
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Créditos: Divulgação oficial
Entenda como os contos de fada e os filmes de comédia romântica influenciaram a visão de vida perfeita da sociedade ocidental
AMOR
Por Adriele Silva
Quem nunca se emocionou ao assistir um daqueles filmes melosos de comédia romântica? “Uma linda Mulher” (1990), “De Repente 30” (2004), “A Verdade Nua e Crua” (2009)... São tantas opções de filmes de amor que dificilmente você sairia da sala de cinema sem a vontade de encontrar sua alma gêmea.
conhece melhor seu parceiro”, explica. Possivelmente a idealização no outro está relacionada com a visão medieval de que a pessoa amada beira à perfeição e não comete erros. Tal crença abre os caminhos para uma análise do amor romântico através do tempo.
Desde criança somos ensinados a buscar um amor que nos complete e dê sentido à vida. Os contos de fada que ouvimos nas escolas dão um empurrãozinho nesse tarefa, já que mostram, através de suas histórias de amores e finais felizes, que só é possível atingir a felicidade plena com alguém do lado.
O surgimento do amor romântico
O ideal de amor romântico é um dos fenômenos de massa mais populares na sociedade ocidental. Diferentemente das culturas orientais, que pregam que o amor deve ser baseado na cordialidade, no equilíbrio e na tranquilidade, as pessoas deste lado do planeta criam expectativas inviáveis sobre seus parceiros (as) e depositam neles toda a razão de sua existência. O psicólogo e educador sexual Breno Rosostolato explica que o conceito de amor romântico do ocidente se baseia na dependência do outro: “a ação de idealizar alguém é baseada na ideia de que, para viver um amor é preciso ser legitimado pelo outro. Quando o companheiro (a) legitima o individuo, significa que ele está assumindo a sua falta de autonomia,jáque precisado outro paraexistir”, afirma. Para o psicólogo Esdras Piovesan Bernardo, a idealização do amor contribui para a frustração dos indivíduos. “Esse amor faz a pessoa ter uma decepção, já que ela cria um sonho irreal e futuramente se frustra quando
Na idade média, por exemplo, vemos o conceito do amor surgir no mito de T ris tão e I solda. Nessa época, a visão do amor entre o casal era estabelecida pela religião. “A Igreja passa a ter diretamente uma influência sobre as relações sociais e o que poderia ser uma relação a dois passa a ser uma relação a dois em prol de um, porque o amor, nessa época, é associado ao amor direcionado a Deus, como um gesto de serventia, de fé, de purificação”, explica Breno. Logo depois veio a ideia do amor cortês, que se baseou no culto à dama, na valorização da beleza e da pureza da parceira em detrimento dos pensamentos voltados às relações sexuais. No final do século XVII a literatura ganhou Romeu e Julieta, uma história de um amor impossível que vence todas as barreiras para se concretizar e desperta nas pessoas o ideal da paixão avassaladora. A propagação do amor romântico ganhou força com a indústria cultural, na segunda metade do século XX, que trouxe o cinema e a televisão e permitiu o lançamento de clássicos como “O Vento Levou” (1940) e “Casablanca” (1942). A partir de então, a sociedade ocidental começou REVISTA SENTIR
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a depositar sua felicidade no outro, com o objetivo final de subir ao altar e construir uma família perfeita. Para o psicólogo Breno, as manifestações artísticas influenciam o pensamento das pessoas, uma vez que os filmes de comédia romântica propagados impõem a ideia de que o amor é algo único e essencial para a vida. “Isso influencia diretamente as pessoas, já que as produtoras fazem filmes de alta produção, com diálogos bem organizados, e atores que chamam a atenção e que são formadores de opinião”, informa o profissional. É nesse momento que as pessoas começam a viver ou tentar reproduzir em suas vidas o que viram nas telas do cinema. O perfil do homem e da mulher nos filmes românticos Cinderela, Branca de Neve, A Bela Adormecida... Os personagens e cenários são diferentes, mas a história é sempre a mesma: uma princesa indefesa à espera de um príncipe que a salve. Não é preciso fazer muito esforço para perceber que a ideia de fragilidade e pureza do sexo feminino e de força e braveza do sexo masculino estão enraizadas na sociedade e são constantemente reproduzidas nos filmes. O produtor audiovisual Evandro Souza explica que o perfil dos homens e das mulheres nos contos 18
de fada é machista, tendo em vista que o príncipe é considerado um macho alpha, enquanto que a princesa é ingênua e delicada. “Nas histórias, os homens são viris, corajosos e inteligentes. Além disso, estão sempre prontos a salvar a mocinha, que não é capaz de se defender sozinha”, explica o profissional. Para Evandro, os estereótipos criados pelo cinema contribuem para a manutenção da visão machista da sociedade: “os homens foram educados a pensar que a mulher é ingênua e frágil e sempre precisa ser cuidada, assim como as princesas dos contos de fada”, argumenta. A professora de sociologia Juliana Corvino de Araújo reforça a ideia de que os príncipes eram os detentores de poder nos contos de fada. “Era sempre ele quem controlava e salvava o relacionamento, favorecendo uma visão do homem como chefe da família. No latim, família significa escravo do pai, o que reflete na visão de que o príncipe é aquele que tem a mulher em suas mãos”, afirma a socióloga. Nos filmes de comédia romântica a situação se repete, já que os homens sempre aparecem em posições sociais elevadas, enquanto que o sexo oposto é inferiorizado. “As mulheres costumeiramente são tratadas como fúteis, que vivem pensando nos namorados, ligadas sempre a moda e padrões de beleza para satisfazer o relacionamento”, conta Juliana.
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Além disso, nota-se que os homens são representados como “salvadores” e “heróis”, que ajudam as mulheres a resolver seus problemas e estão sempre dispostos a lutar pelo amor. Um exemplo disso é o filme “Uma Linda Mulher”, escrito por J. F. Lawton, dirigido por Garry Marshall e estrelado por Richard Gere e Julia Roberts. A trama conta a história do milionário Edward Lewis, um empresário importante que contrata a garota de programa Vivian Ward e acaba se apaixonando por ela. O longa atribui ao personagem a figura de herói, já que ele dá a oportunidade a protagonista de mudar de vida e abandonar a prostituição. As mudanças do cinema na era do empoderamento Quem já assistiu o filme “Frozen: uma aventura congelante” (2013) deve ter percebido que de frágil e iludida a rainha Elsa não tem nada. Destemida e em busca de sua liberdade, a protagonista é o oposto das princesas da Disney que conhecemos. O produtor audiovisual Evandro explica que os filmes infantis passaram por uma evolução no século XXI, tendo como base os movimentos sociais e a busca pela igualdade entre os sexos. “De uns anos pra cá a própria Disney vem fazendo releituras dos contos, como o
Enrolados, da Rapunzel, ou a Valente... que é uma personagem com muito mais força e independência. Elas já lutam, já se defendem sozinhas, têm objetivos de vida”, afirma Evandro. Para o profissional, a mudança dos roteiros está relacionada com os fatores econômicos mas ainda assim deve ser vista como algo positivo: “temos que ver isso como uma forma de redenção, já que os tempos mudaram”, conclui. A evolução dos filmes é reflexo dos padrões que foram quebrados pela sociedade com o passar dos anos. A luta das mulheres para ingressarem nos ambientes de trabalho e para serem aceitas como pessoas capazes de desenvolver as mesmas tarefas que os homens, fez com que a visão do amor romântico também se alterasse. Segundo o educador sexual Breno, a busca das mulheres pela emancipação e pela liberdade permitiu que o amor idealizado fosse deixado de lado. “Aquilo que era estereotipado para homens e mulheres hoje em dia é rompido e as mulheres passam a ter um posicionamento mais livre e forte de si. A mudança de papéis dá vasão a um entendimento diferente do amor, onde há a possibilidade de saber que não se precisa do outro para existir”, finaliza Breno. Os tempos mudaram... E o amor também!
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AMOR
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O Amor A Literatura Entenda como a literatura ocidental retratou o amor ao longo dos séculos, através dos movimentos literários, teatro, artes plásticas e música.
Por Tatiany Garcia
As narrativas literárias fantásticas, trágicas e felizes possuem um conceito em comum: o amor. Presente, portanto, em vários campos da literatura, artes plásticas, teatro e música, a estética amorosa tem o papel fundamental em compor as narrativas nestes setores, nas quais, em cada época, o conceito de amor se reconfigura e interage com as particularidades de cada período e estrutura social. Amar é uma arte humana, logo, seria impossível não trazê-la para a literatura. O sentimento do amor desafiou e desafia grandes artistas até hoje, que o reafirmam e o contestam em suas obras. Mas em que período histórico da humanidade- e neste caso, a esfera ocidental- surgiu as primeiras impressões do conceito de amar no setor das artes ? O filósofo grego Platão, por volta de 300 a.C, concebeu uma obra que se intitula: Banquete de Platão, em que pela primeira vez coloca o conceito de amor como um problema filosófico. Para Platão, o verdadeiro amor só seria alcançado através da contemplação da beleza, do mundo das ideias, pela alma, ou seja, sem a figura do corpo dos seres, da sensualidade. Para Marcelo Bulhões, professor e pesquisador do Programa de Pós-graduação em Comunicação e do Curso de Graduação em Jornalismo da Unesp – FAAC e Livre-docente em Teoria Literária, o conceito de amor surge na literatura desde
o mundo grego e romano . Poderíamos citar Homero, a tragédia clássica e o poeta Ovídio’’, diz. No entanto, para explicar o surgimento do conceito de amor na literatura, ele toma como base o final da Idade da Média, que demarca o conceito de amor como uma vivência amorosa a dois, muito determinante para a cultura ocidental. Os escritos poéticos dos trovadores ( cancioneiros do amor) e várias regiões da Europa, inauguram a produção literário-musical e do amor, em um período que conhecemos dentro da literatura como trovadorismo. ‘’Os trovadores teriam sido os primeiros a imprimir um conceito pessoal à vivência amorosa, ou seja, suas cantigas delineiam o que conhecemos como encantamento, arrebatamento ou paixão amorosa – aquele enleio, um “estar nas nuvens” do ser apaixonado por alguém em particular. Tal conceito passa a ser a tônica na cultura ocidental. A cultural oriental tradicional não o conhece ‘’, afirma o especialista. As diferentes formas de amar no decorrer do séculos Em cada período da história humana, o amor é retratado de várias formas, nada mecânicas, nas artes literárias, musicais, teatrais, cinematográficas e etc. São desdobramentos que vão desde o amor como uma força arrebatadora, REVISTA SENTIR
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até uma realização erótica libertária, por meio dos estudos da Psicanálise de Freud. O conceito de amar, portanto, passa por uma constante atualização e Marcelo Bulhões explica as diferentes nuances deste conceito do século XVI ao século XX. Na transição do Século XVI para o XVII , o dramaturgo Shakespeare deixa uma marca na estética amorosa da literatura, ou seja, ele coloca o amor como uma força que ao mesmo tempo que é poderosa, gera impactos, consequências ‘’perigosamente tempestuosas’’ como coloca o professor. É só lembrar do destino de Romeu, Julieta e Ofélia, que traçaram seus destinos com base nesta ‘’força arrebatadora’’ , que é o amor. O século XVIII, na França, século das luzes, ou seja, a ascensão do pensamento iluminista, configura o amor como ‘’uma realização erótica libertária’’, concepção filosófica de Marquês de Sade. Este momento também dá luz à ‘’perdição amorosa’’, proveniente de pensamentos como de Goethe que afirma que o indivíduo precisa sair de si mesmo e se mergulhar no outro para conhecer o amor. Do século XVIII ao XIX temos a aplicação do gênero romance na literatura e o auge de escritores como ‘’ Walter Scott, François Chateaubriand, Jane Austen, Alexandre Dumas, Victor Hugo, George Sand; no Brasil, Alencar, Macedo, Taunay.’’ Finalmente no final do século XIX e começo do século XX há uma ruptura do conceito 22
passional, exaltado e idealizado dos séculos anteriores, a partir das concepções científicas propostas por Darwin Tane e subsequentemente pela Psicanálise Freud que busca decifrar as ’’ motivações inconscientes dos amantes’’, trazendo a tona os aspectos ocultos relacionados ao libido. Bulhões ilustra através de sua fala as consequências destes novos estudos para o conceito de amor dentro das artes. ‘’ Eu diria que o desenvolvimento da Psicanálise, no século XX, provocou um convite ao “desencantamento” no território amoroso. Com Freud aprendemos que não somos indivíduos autônomos, emancipados, donos de nossa vontade. Trata-se de uma lição muito dura: aquilo que julgamos serem os motivos de nossas ações são meros mantos que encobrem os reais agentes. Assim, o amor é um campo que passa a ser dessacralizado, desmistificado. A paixão amorosa adulta passa a ser vista, por exemplo, como uma projeção, uma substituição de nossos afetos infantis’’ A partir disso, no século XX, o amor se torna um produto da Indústria Cultural, com a ascensão do cinema de Hollywood. Por outro lado, o amor se tornou um produto de alta lucratividade na Indústria Cultural. ‘’Os gêneros televisivos de entretenimento, as canções de consumo, as revistas femininas e tantos outros espécimes demonstram como as o indivíduo das grandes cidades encontra nas narrativas de amor passional um campo para a expansão de suas necessidades de evasão. Tal fenômeno está em na nossa esfera cotidiana de consumidores de produtos de ficção midiática do século XXI’’, explica o especialista em Teoria Literária.
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AMOR
O amor nas obras da literatura ocidental Bulhões em entrevista à Revista Sentir mencionou algumas obras e artistas que traduzem a estética amorosa, marcantes à literatura e os demais movimentos artísticos em épocas diferentes. ‘’Com Ovídio, escritor romano contemporâneo de César, o amor é uma espécie de técnica que pode ser aprendida e sua finalidade é o prazer do corpo e espírito. Com Camões, Shakespeare e Goethe, ao contrário, ele é uma espécie de território em que o indivíduo sai de si mesmo. Mas perder-se nesse caso, principalmente para Camões e Goethe, é um privilégio, uma graça, embora um campo de conflitos internos. Para o Marquês de Sade, o amor é um gozo emancipador na esfera dos instintos, superando a culpa impingida pelos dogmas judaico-cristãos. Não posso me esquecer do Flaubert de A Educação Sentimental (1869), primoroso painel romanesco histórico da vida francesa do século XIX que
narra o aprendizado de desilusão de um jovem enamorado. Para grandes escritores do século XX, como Oscar Wilde, André Gide e Jean Genet, o amor ultrapassa as bordas do que é estabelecido pela moral burguesa: suas obras dão vazão plena ao amor homossexual (ou homoafetivo).’’ Já na literatura Brasileira, duas obras, clássicos da literatura retratam o amor de maneira distinta como afirma Bulhões. Sendo elas:Dom Casmurro(1899): Escrita por Machado de Assis, esta obra retrata a temática amorosa a partir de uma ‘’experiência dolorosa’’, em que o protagonistanarrador não consegue ‘’conhecer ou decifrar o outro’’; Grande Sertão: Veredas (1956): o amor é expresso de maneira mágica, encantadora. Por fim, o especialista cita a Obscena Senhora D (1982) de Hilda Hilst, ‘’cujo questionamento de limites no campo do amor – e não somente neste – é encarnado na força da linguagem, como toda grande literatura deve ser’’. REVISTA SENTIR
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Quem é seu crush
Desvende os mistérios da gíria adolescente.
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Famoso nas redes sociais, o termo em inglês faz referência aos amores platônicos que são considerados inalcançáveis
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AMOR
Por Adriele Silva
“Você já teve um crush em alguém?” Se leu esta frase e não faz a mínima ideia do que este termo em inglês significa, tente responder esta outra pergunta: “tinha muito broto legal na sua escola?”. Pode parecer brincadeira, mas se você parar para pensar, “broto” e “crush” foram duas maneiras diferentes usadas pelos jovens em épocas diferentes para nomear o paquera, o grande amor, o sapão, o mozão, ou seja lá como você se refere ao dono e proprietário do seu coração. A primeira palavra é uma gíria muito conhecida nos anos 60 que significa “rapaz ou moça bonita”, enquanto que o segundo termo, presente nas redes sociais atualmente, é usado para caracterizar uma quedinha ou paixonite por alguém. De acordo com o professor de inglês, Rodolpho Camargo, a palavra “crush” deriva da expressão inglesa “to have a crush on someone”, que significa “ter uma paixão romântica por alguém, principalmente sem que a pessoa saiba”. Se lembra daquele homem com os músculos bem torneados que sempre faz seu coração palpitar durante as aulas na faculdade? Ou então aquela mulher maravilhosa que te deixa com falta de ar quando fala “bom dia” enquanto espera o elevador chegar? Então, você pode até não saber, mas essas pessoas estão na lista dos seus crushes supremos. Tudo indica que a palavra “crush” é uma das variações do termo “mash”, que significa “puré”. “Mash”, para quem não sabe, é o mesmo que triturar e esmagar, em português. Enquanto que “puré” significa uma dieta de colher, ou seja, “ser a colher de alguém”. Pode parecer confuso, mas se analisarmos
a etimologia, podemos concluir que essa expressão significa “ser dependente de alguém”, como o bebê é enquanto espera sua mãe dar a papinha na boca. Por analogia, a pessoa apaixonada também é, já que espera que o amado (a) lhe dê atenção. Resumindo, a expressão “ter um crush em alguém” representa uma paixão passageira ou um amor platônico por pessoas que estão dentro de um círculo de amizades ou por aqueles que nem sabem da sua existência, como as celebridades. Este é o caso do estudante de jornalismo Gabriel Leite Ferreira, que se apaixonou pela cantora S.T Vicent durante o ensino médio: “primeiro pela música e pelas letras dela; depois, passei a pesquisar vídeos de shows dela por horas no YouTube; quando vi, estava apaixonado. Passou, mas continuo sendo fã e tendo um carinho especial por ela”, assume. Amor platônico: a arte de desejar o inalcançável De acordo com a psicóloga Katiucia Marquezin, o amor platônico é um amor idealizado que não se concretiza: “é o sentimento que está nas idealizações, nas expectativas. É um relacionamento amoroso que não acontece, existe e se mantém no inalcançável, no impossível”, explica. Baseado nos sonhos e nas ilusões, este sentimento é responsável por desencadear uma série de sintomas nas pessoas “apaixonadas”, conforme explica Katiucia: “elas são mais motivadas, mais animadas, cheias de vontade – as pessoas tem uma tendência de pensar o tempo todo pela pessoa amada, ideias são bombardeadas na cabeça do apaixonado e há REVISTA SENTIR
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uma dificuldade em ‘tirar esse alguém da cabeça’. As pessoas apaixonadas ficam mais ansiosas, sentem menos fome e sono”, afirma a profissional. Sem falar que a partir do momento em que o amor bate a porta não há intelectual no mundo que consiga formular uma mísera frase sem errar as palavras ou gaguejar. Este é o caso da cabeleireira Titta Santos de Queiroz, que teve um amor platônico por um rapaz da faculdade: “ele era lindo e estiloso. Era baterista de uma banda que eu gostava. Durante um ano eu o flagrava de longe, mas quando ele chegava perto eu ficava nervosa, gaga ou muda”, revela. Na mesma linha dos amores platônicos está a auxiliar de escritório Aline Franciele, que sempre cria expectativas irreais e acaba se frustrando. Em uma de suas experiências, Aline conta que teve seu coração flechado por um rapaz da igreja: “já tinha visto ele umas duas vezes e achado bonitinho, mas só isso. Depois de um tempo, comecei a sentir uma coisinha a mais e comentei com alguns amigos sobre a situação. Após muita resistência, adicionei ele no Facebook e, como quem não quer nada, o chamei para ir na igreja. Quando vi que ele aceitou meu convite me iludi cem por cento, mas sempre tem uma voz lá no fundinho que diz ‘desista, boba, ele não gosta de você’”, conta. O bloqueio durante as conversas já virou algo normal para a auxiliar de escritório: “não consigo falar naturalmente com a pessoa, e olha que eu sou extremamente ligada no 220. Mas quando estou com ele fico muda e nada interessante. Fora as dores que invento para ir embora, como dor de cabeça e dor no estômago”, explica. 26
Enquanto Aline levou uma eternidade para adicionar o crush no Facebook, a estudante de design Camila Ferreira não dá sorte ao azar e sempre interage com o amado nas redes sociais. Além disso, Camila dá um show no quesito investigação e prova que os policiais do FBI são amadores: “eu tenho um amor platônico por um rapaz, só que nunca falei com ele. Além de ter uma certa interação nas redes sociais, eu consegui o seu endereço, os horários da aula, e o número do RU (restaurante universitário), para que eu consiga saber quando ele vai almoçar lá. Também descobri a ocupação de toda a sua família e a localização da casa deles em outra cidade”, revela. A futura designer explica que já encontrou a ex-namorada do seu crush nas redes sociais e descobriu que eles não possuem mais contato, já que ela está noiva. “Minha experiência com amores platônicos é sempre essa, eu reúno todas a informações possíveis da pessoa, só que nunca tenho coragem de falar com ela. Em alguns casos eu consigo encontrar até informações mais interessantes, como as multas de transito, os processos judiciais, além de todo o passado acadêmico/profissional e pessoal”, revela. As consequências do amor platônico: de autoconhecimento à frustração De acordo com a psicóloga Katiucia Marquezin, a idealização do amor platônico tem seus efeitos positivos para a saúde física e mental das pessoas,
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como o “desenvolvimento emocional, a aquisição de repertórios comportamentais, e a oportunidade de desenvolvimento de novas relações sociais”, explica. Para a estudante de jornalismo Fernanda Martini, o amor platônico lhe ensinou como um relacionamento deve ser: “claro, objetivo e honesto. Entendi que temos o direito de nutrir o sentimento por alguém mas não temos que esperar que a outra pessoa retribua a paixão na mesma intensidade”, afirma. Fernanda conta que amou um rapaz durante dois anos, mas decidiu se declarar quando estava prestes a se mudar de estado: “quando abri meu coração, ele disse que admirava e respeitava aquele sentimento, mas que aquilo era só meu”, diz. Diferentemente da Fernanda, que foi consciente e “pé no chão” neste relacionamento, muitas pessoas acabam idealizando um amor e criando histórias mirabolantes em suas mentes, que vão contra tudo aquilo que faz parte da realidade: “as pessoas costumam ser bastante diferentes do que imaginamos. A vida real tem cheiro, cor, textura, sabor, sons, palavras que podem corroer com o grande castelo em que o ser idealizado vive ou viveu durante determinado tempo enquanto ser amado platonicamente”, explica Katiucia. O estudante de fisioterapia Nathan Silva Xavier sabe bem como é triste inventar uma história de amor - com direito a lista dos possíveis nomes dos filhos - e não ser retribuído. Para o futuro fisioterapeuta, seu maior problema é se apaixonar por homens héteros: “agora mesmo
eu estou apaixonado por um cara, que na minha cabeça me dava bola, mas que hoje está namorando com uma menina da minha sala. Eu sempre fico idealizando uma amor com um homem hétero achando que do nada ele vai parar de gostar de menina e vai beijar rapazes – que no caso sou eu”, explica. A maioria das pessoas que mantêm o amor em segredo, vira e mexe escuta a famosa frase: “o não você já tem”, como incentivo para abrir o coração e se declarar para o amado(a). Para Nathan, essa história não passa de conversa para boi dormir: “as vezes é melhor você viver esse romance lindo e polido na sua cabeça, tipo Orgulho e Preconceito, do que você falar sobre seus sentimentos e ser negado. Amar em segredo é mais confortável para o coração”, filosofa. Ao contrário do que muitos pensam, o estudante revela que este sentimento não o deixa triste ou solitário, já que a ilusão faz com que ele também se sinta amado. O psicólogo Gabriel Justino explica que este sentimento atua de diferentes maneiras nas pessoas e pode gerar emoções distintas baseado nas experiências de cada um: “não acredito que o amor platônico seja bom o ruim, tudo vai depender de como ele afeta a pessoa ou as pessoas envolvidas. Pode ser que uma pessoa que viva sempre a paixão idealizada tenha muitos benefícios com isso, ou pode ser que esse sentimento gere sofrimento, se tornando um grande problema”, afirma. Para o xxx Arthur Henrique, o amor platônico se encaixa no segundo caso, já que a idealização de alguém só lhe trouxe decepção: “esse ano eu REVISTA SENTIR
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comecei a trabalhar e conheci uma garota. A gente começou a se conhecer mas percebemos que somos muito diferentes. Eu sou mais romântico e ela gosta de viver a vida mais intensamente, gosta de baladas, odeia surpresas...E tudo bem, as pessoas são o que podem ser no momento”, começa. Depois disso, o xxx explica que quando eles começaram a se aproximar, a jovem contou que não confiava em ninguém e que não gostava muito de contatos físicos. Após alguns meses, o “casal” passou a trocar abraços e compartilhar segredos.
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No meio da história, algumas cenas de ciúme protagonizadas pela menina fizeram com que Arthur acreditasse que o amor estivesse sendo
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retribuído. Para nutrir ainda mais essa idealização, a moça o convidou para um dos bares que o rapaz gostava e flechou de vez seu coração. O romance estava quase se concretizando quando a jovem colocou no status do WhatsApp a foto de um presente que recebeu de outro rapaz. Revoltado com a situação, Arthur foi tirar satisfação com a jovem e acabou cortando os laços. “Algumas semanas depois, meu pai faleceu e ela não veio falar comigo, não deu uma “curtida” ou “comentário” na minha postagem no Facebook, nem nada. Então percebi que talvez eu tenha dado valor pra alguém que não tinha tanto assim”, desabafa.
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Há outros casos, entretanto, que o amor platônico nem chega a ser incentivado, como aconteceu com a estudante de medicina Alice Montenegro: “me apaixonei pelo meu professor da faculdade. Desde o primeiro dia de aula já soube que seria difícil lidar com sua inteligência, seu corpo atlético, o modo como ele conversava com os alunos, como ele olhava nos olhos de cada um, como se realmente prendesse a atenção de todos”, revela. Depois do amor a primeira vista, Alice fez o que todas as pessoas com bom senso fazem: procurou o rapaz nas redes sociais e lógico, o encontrou. O misto de surpresa com decepção veio logo em seguida: “descobri que ele era gay, para a minha
tristeza e a de todas as outras moças da sala”, afirma. “Apesar disso, nada mudou. Ele ainda prende a minha atenção, continua me ajudando muito e eu continuo o admirando de longe”, explica a estudante. O amor platônico é um caos. Para alguns, é o ato de admirar o outro de longe, para outros, entretanto, é tentar uma aproximação lenta e gradual. Tem aqueles que não medem esforços para descobrir absolutamente tudo sobre a pessoa amada, e tem outros que preferem não saber nada, já que se contentam com suas próprias histórias inventadas. Quem nunca amou em segredo que atire a primeira pedra!
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Vida
Amor além da
É possível amarmos aqueles que já se foram? Como superar os que já morreram? Conheça a história de Rodrigo e Elisa, que perderam aqueles que amavam.
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Por Agnes Faria
Um amor que já se foi, que fazia parte de nossas vidas. O mesmo estava presente nas nossas rotinas, no qual compartilhávamos momentos, decisões, conversas e até mesmo brigas. Por muito ou pouco tempo, dividíamos experiências de vida com essas pessoas, sejam elas namorados, avós, pais, amigos, filhos ou netos. A morte levou essas pessoas de nós, mas será que o amor continua? O que é chamado de “amor além da vida” existe? Como é explicado esse sentimento de amor após a morte e a relação do luto, vivida por aqueles que perderam a quem amavam? Para explicar melhor o sentimento de amor após a morte, conversamos com a psicóloga especialista em clínica comportamental Alessandra Salina Brandão. Ela explica, que é difícil dissociar o sentimento amoroso, da saudade que sentimos por aqueles que já se foram. “Em nossa cultura, descrevemos o sentimento da saudade como a falta de alguém que amamos.”, complementa Alessandra. O analista estratégico de cobrança Rodrigo Partal de 27 anos, teve que conviver com o luto, após 32
perder sua namorada Samantha, devido a um suicídio. Na época, ele tinha 17 e ela 16 anos e namoravam a um ano e seis meses. Rodrigo, conta que após a morte de Samantha, pensava muito na jovem. “Queria vê-la, queria poder tocar ela, conversar sobre as coisas que aconteciam”. Após o falecimento de Samantha, Rodrigo comenta que ficou em estado de choque e nem sequer conseguiu ir ao enterro da jovem. Em seguida, ele entrou em depressão até mesmo tentou o suicídio. A psicóloga Alessandra, explica que “o falecimento de um ente querido, provoca muitas emoções na pessoa enlutada, por exemplo: tristeza, raiva, medo e ansiedade”. Quem também perdeu um grande amor, foi a coordenadora de sevice desk Elisa Criado. Seu marido José Elias faleceu quatro anos atrás, vitima de mal de chagas. Eles estavam juntos a 12 anos e se conheceram após José Elias auxiliar Elisa em um serviço da empresa, em que ela apresentava dificuldade. Elisa nos conta, que apesar de a morte continua a amar seu falecido marido. “Eu acredito, que
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o amo mais ainda a cada dia, mas é um amor diferente, porque mistura um pouco de desespero, por não saber onde e como ele está, saudade e esperança de encontrar com ele mais tarde”. Os estágios da perda Após a perda daqueles que amamos, é enfrentado a elaboração do luto, que apresenta cinco fases e são elas: 1ª fase: Negação e isolamento: A negação é um mecanismo de defesa temporário diante da morte. Ele ocorre com frequência em pessoas que perderam alguém de forma prematura. 2ª fase: Raiva: Esse estágio, pode estar relacionado a impotência e falta de controle sobre a própria vida. Nessa fase, a angústia foi transformada em raiva e é preciso que os demais tenham compreensão com que passa pela fase da raiva. 3ª fase: Barganha: Esse estágio, se dá quando a pessoa que perdeu aquele que amava começa a negociar. Pessoas cristãs, geralmente tem essa negociação com Deus, pois, o mesmo realiza
uma espécie de negociação, dizendo que será alguém melhor, acaso saia daquela situação. 4ª fase: Depressão: Nesse estágio, a pessoa se retira para o seu mundo interno, se isolando, apresentando melancolia e se sentindo impotente, diante da situação. 5ª fase: Aceitação: É o estágio, em que o indivíduo não tem desespero e consegue enxergar a realidade como realmente é, ficando pronto para enfrentar a perda. A psicóloga Alessandra, explica que viver a fase de aceitação é saudável para a elaboração do luto. Uma negação contínua da perda daqueles que amamos, faz com que não seja possível recolocarmos aqueles que já se foram em nossas vidas e com isso o indivíduo não consegue, “viver a saudade”. Alessandra cita como exemplo para a elaboração de um luto saudável, a participação na cerimônia de despedida e a doação das roupas do indivíduo. “Isso vai me ajudar a aceitar que a pessoa faleceu e logo vai me ajudar a recolocála na minha vida”, complementa a psicóloga. REVISTA SENTIR
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Um apoio essencial Um dos auxílios mais importantes para lidar com a perda daqueles que amamos, é o apoio dos amigos e da família. De acordo, com a psicóloga Alessandra, a rede de apoio é fundamental para o auxílio daqueles que estejam enlutados. Ela explica, quais são as formas que podemos ajudar alguém a lidar com a perda. “Estar sempre junto, mostrar para essa pessoa enlutada que ela não está sozinha”. No caso do analista de cobrança Rodrigo, o mesmo teve apoio do seu primo, que o ajudou, levando-o em psicólogos e saindo com ele “Ele me mostrou, que valia a pena continuar seguindo e que a morte era uma coisa natural”, explica Rodrigo. Já no caso de Elisa, ela conta que alguns amigos do seu falecido marido, tentaram ajudar, mas ela sabia que eles se sentiam incomodados com a situação. Entretanto, ela comenta que recebeu muitos 34
cuidados de sua família, de amigos de longas datas, de moradores da vizinhança e principalmente de amigos que eram viúvos. Um novo recomeço Ao passar pelos estágios do luto e finalmente chegar ao momento da aceitação, há um processo no qual o indivíduo que perdeu o seu amor recomeça a vida. O analista Rodrigo, voltou a se relacionar com alguém, após um ano e três meses da morte de Samantha e com o tempo foi engatando em outros relacionamentos. Após a morte do seu marido, Elisa não se relacionou seriamente com mais ninguém, porém, engatou em alguns relacionamentos casuais. Ela explica, que tem objetivos na vida, estuda, trabalha, mas acredita que não será feliz como era antes. Mesmo assim Elisa, complementa, dizendo “Tenho certeza de que ele quer me ver feliz”.
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Glossário de
Gênero
Entenda as diferentes nomenclaturas quando o assunto é pluralidade
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Por Elisa Esposito
Cisgênero, agênero, gênero fluido, transgênero... Várias são as terminologias para indicar sexualidade. Para não gerar dúvidas e combater a intolerância, a Revista Sentir preparou um guia completo sobre o que significa cada um destes nomes. E para facilitar a memorização, eles serão acompanhados de exemplos de famosos que se enquadram em determinada orientação sexual. Primeiro de tudo, temos que entender qual o nosso sexo biológico, identidade de gênero, expressão de gênero e orientação sexual. Pensando nestes termos todos até parece que o mundo ficou mais complicado, não? Pode até ser, mas não se esqueça que, por trás destes nomes todos também existe muita pluralidade, afinal todos tem o direito de ser livres para ser o que são. Por essa razão preparamos este glossário. Ao final dele, você terá um entendimento maior sobre sexualidade e poderá consultá-lo sempre que precisar. Sexo biológico: é aquele que vem desde o seu nascimento, determinados pelos cromossomos, sendo XX as mulheres e XY os homens e também há a possibilidade de outras combinações. Por exemplo: Uma pessoa intersexo tem órgãos genitais/reprodutores (internos e/ou externos) masculinos e femininos, em simultâneo, ou cromossomas que não são nem XX nem XY. Identidade de gênero: é o sentimento que uma pessoa possui de gênero, independente da anatomia. Assim, uma pessoa pode se identificar como mulher, mesmo tendo nascido homem. Geralmente ela se identifica como transexual, isto é, 38
alguém que não se identifica com seu sexo biológico. Algumas delas desejam mudar o seu corpo através de tratamentos e/ou cirurgias, mas nem todas. Existem ainda outros dois tipos que merecem destaque: a) Agênero: são aquelas que não se identificam com nenhum gênero, como se tivessem um gênero neutro; b) Gênero fluido: quando uma pessoa flui pelos gêneros e, por isso, não se identifica unicamente com o masculino, feminino ou com o neutro. Durante a vida, ou no mesmo dia, pode combinar elementos dos gêneros ou transitar entre eles. É o caso do ator Josh Hutcherson que se considera uma pessoa aberta a se envolver com ambos os sexos. “Talvez hoje eu possa dizer que eu sou 100% heterossexual. Mas quem sabe? Daqui a um ano eu posso conhecer um cara e dizer ‘Caramba, eu me sinto atraído por essa pessoa’”, revelou à revista Out, em 2013. Na identidade de gênero podemos ainda associar dois termos: cisgênero ou transgênero: a) Cisgênero: quem corresponde ao gênero atribuído ao nascimento, por exemplo, quem nasce com vagina e é mulher e, no desenvolvimento da identidade, se identifica com o sexo feminino. b) Transgênero: qualquer pessoa que não corresponde ao gênero designado no nascimento. Exemplo: uma pessoa que nasceu com vagina e reivindica a masculinidade do seu corpo é um homem trans. Expressão de gênero: é o modo como a pessoa se expressa para o mundo. Sua forma de se vestir,
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comportamento, aspeto físico, gostos e atitudes - que são socialmente vistos como do sexo masculino ou feminino, podendo apresentar uma mistura de ambos. O debate é tanto que alguns pais já estão criando seus filhos com neutralidade de gênero, sem atribuir características de um sexo ou de outro, até que a criança possa escolher. Destacamos a seguir uma expressão de gênero artística e temporária: o drag. Aqueles que usam roupas associadas ao gênero feminino são chamados de Drag Queen e os que usam elementos do masculino é Drag King. Orientação sexual: É como se caracteriza o desejo sexual predominante de uma pessoa — se é por pessoa de gênero diferente, igual ou de mais de um gênero. Cada um destes tem uma nomenclatura diferente: a)heterossexual:sãopessoasque se sentem atraídos por pessoas de gênero diferente do seu; b) homossexual: atraídas por pessoa do mesmo gênero; c) bissexual: se se sente atraída porpessoasdeambososgêneros.
Importante! Não confunda orientação sexual (hétero, homo, bi) com a identidade de gênero. De uma maneira geral, os heterossexuais sentem desejo por pessoas de sexo diferente, enquanto homossexuais por pessoas do mesmo sexo. A confusão acontece principalmente no caso dos Transexuais. Por exemplo, um homem trans como Thammy Miranda, filho de Gretchen, pode, sim, ser heterossexual. Afinal, ele expressa desejo por mulheres. Já o personagem de Carol Duarte, Ivan, em “ A força do querer” era um homem trans homossexual, pois sentia atração por homens, como o personagem Cláudio
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Se descobrindo: quando assumimos uma orientação sexual diferente da norma A homossexualidade e a bissexualidade são apenas outras variantes da sexualidade humana, como é a heterossexualidade. A consciência de que se é homossexual (gay ou lésbica) ou bissexual surge, normalmente, no período da adolescência. A forma de se descobrir é diferente de pessoa para pessoa e envolve, quase sempre, um período de confusão e de muitas dúvidas. Algumas delas, quando jovens dizem que, de alguma forma, sempre souberam que eram “diferentes”. Quando percebem que são homossexuais ou bissexuais, veem finalmente, esclarecidos muitos dos sentimentos confusos que tinham sentido ao longo do seu crescimento. Outras só descobrem a sua orientação sexual na altura das muitas mudanças que ocorrem durante a adolescência. Ainda há quem só se dê conta de ser homossexual ou bissexual quando chega à idade adulta. A discriminação e estereótipos associados à homossexualidade e bissexualidade ainda marcam muito quem se vê confrontado com a sua orientação sexual. Se há quem aceite e assuma com alguma fluidez, muitas pessoas tendem a negar ou a esconder a sua verdadeira orientação sexual. É importante não sentir pressão na definição da própria orientação sexual. É um processo que leva o seu tempo. Aquilo que uma pessoa sentir que verdadeiramente é, é o que está certo que seja. LGBTI: Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo A união destas siglas já se internacionalizou e corresponde às palavras: Lésbica - são as mulheres homossexuais, isto é, que se relacionam com outras mulheres, como
é o caso da atriz Bruna Linzmeyer. No início de 2016 ela assumiu publicamente o namoro com a cineasta Kity posteriormente assumiu que é lésbica; Gay - são os homens homossexuais, isto é, que se relacionam com outros homens. É o caso de Luis Lobianco ator de novelas e do canal do Youtube Porta dos Fundos. Ele é assumidamente gay e namora o pianista Lúcio Zandonadi, com quem também trabalha no teatro. Segundo uma reportagem da Veja Rio, os dois tem planos de se casar. Luiz Fernando Guimarães, o eterno Rui, de “Os Normais”, também não esconde o fato de que é casado com Adriano Medeiros, desde 2004 e tantos outros casais por aí! Bissexual - podem ser homens e mulheres e que se relacionam com qualquer gênero. No início da carreira Angelina Jolie falava abertamente sobre ser bissexual. Em meados dos anos 1990 ela namorou a atriz Jenny Shimizu, que conheceu durante as filmagens do filme “Rebeldes”. E quem não se lembra da declaração da cantora Ana Carolina em 2005. Estampando a capa da Veja, a reportagem era intitulada “Sou bi. E daí?” Atualmente ela namora a atriz Letícia Lima. Trans ou travesti - são as pessoas transgêneras e transexuais, ou seja, com identidade de gênero diferente da atribuída ao nascimento. Podem realizar uma transição (hormonal ou cirúrgica) para o modo como se reconhecem. É o caso da Liniker e Linn da Quebrada na música, Laerte na literatura e Renata Carvalho, que se destacou ao fazer Cristo travesti no teatro; Intersexo - designação dada a uma pessoa que tem órgãos genitais/reprodutores (internos e/ou externos) masculinos e femininos ao mesmo tempo, ou cromossomos que não são nem XX nem XY. REVISTA SENTIR
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é diversidade Relatos das experiências, opiniões e entraves sociais quando o assunto é amor na comunidade LGBT+
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Por Tatiany Garcia
Amar, verbo intransitivo, obra de Mário de Andrade, concebe a ideia amor como uma ‘’experiência humana’’, que independe do que ou quem se ama, ou seja, a condição para amar é a diferença interior de cada indivíduo. ‘’ Amor é um desafio. Até, pouco tempo atrás, enquanto mulher trans, era uma probabilidade mínima de se encontrar, digo, o amor romântico era. Pois sempre tive o amor da minha mãe, que aos trancos e barrancos teve que aprender a me amar, na mesma intensidade, mas de formas diferentes. Amor de pai, eu creio que desconheço. Os de irmãos e irmãs, conheci ao longo da vida, pois meu irmão só aprendeu a me amar recentemente. ‘’ Esta é Gaia Maria, mulher trans, bissexual e estudante de História da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Para Gaia, que atualmente vive em um relacionamento com um homem cisgênero ( indivíduos que se identificam pelo gênero de seu nascimento), que embora seja um desafio, é preciso sair da ‘’sombra da ignorância’’ para construir uma relação com alguém, seja na família, com amigos ou em um romance. É preciso compreender que as pessoas independente de seus corpos, orientação sexual, religião e opiniões, tem muito a aprender e ensinar umas às outras. Laura Croce, mulher bissexual, nos conta que descobriu sua sexualidade aos 14 anos ao ver duas mulheres se beijarem. Para a pedagoga e educadora na Escola Waldorf de Bauru, isso não era fisicamente possível. ‘’Às vezes o óbvio perde a beleza e a importância, então não dá pra não ser clichê, ao falar disso. 44
O amor não deveria ter barreiras, até porque, quem as coloca? quais os critérios? porque? para que? se ele é a vivência de transitar para além de si, permitir-se o trânsito, em pessoas, lugares, coisas, como decidir onde ir onde não ir? Amor é transgressão, ultrapassar os limites das caixas do inteligível, do nomeável, do sensível.’’ Amar é verbo e a condição do amor é a diversidade. Todos os indivíduos são livres para amar em todos os campos, independente de suas particularidades. Amor é um sentimento comum dentro da sociedade, que assim como a sorte, não escolhe um vencedor. A Revista Sentir também entrevistou Pedro Teixeira Carvalho, psicólogo e mestrando em relacionamentos amorosos na contemporaneidade que falou um pouco sobre como é entendido o amor pela psicologia. Ele começa citando uma frase de Ulisses (personagem), do livro Uma aprendizagem, ou o livro dos prazeres, que segundo ele sintetiza a teoria psicológica sobre o amor. “Amor será dar de presente ao outro a própria solidão? Pois é a última coisa que se pode dar de si”. No entanto, como explica Pedro, há aspectos subjetivos e intersubjetivos para entender o amor. Do ponto de vista subjetivo, o amor é um sentimento, algo que se sente na relações. Há um tipo de amor para cada tipo de relação, ou seja, o amor nas relações familiares, com amigos e com parceiros/as. Ele cita o amor Eros, um deus grego, conhecido também como Cupido. Eros seria o amor que ‘’movimenta as paixões, que une o casais, que movimenta as artes’’, se trata de um estado de atração física e romântica entre o indivíduo.
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O aspecto intersubjetivo do amor é definido pelo especialista como ‘’aquilo que acontece no’ entre’ as pessoas. Ou seja, é um “fenômeno vincular”, quero dizer com isso que não acontece sem a presença de um outro. Por mais que a gente só sinta a coisa “debaixo da pele”, isto é, no subjetivo, a condição de existência do amor Eros é uma relação. Isso é útil para pensar, por exemplo, pessoas que se queixam dizendo “eu amo tal pessoa, mas a pessoa não em ama de volta”. Olhando por esse ponto de vista, só será considerado de fato amor se houver um envolvimento recíproco, não necessariamente simétrico (nunca é, mas oscila entre as assimetrias), e por aí vai’’.
que os outros dão para os seus sentimentos. Mas quando a idealização é compartilhada, podemos dizer que o amor é efetivamente construtivo, porque ele deixa de ser isolado e passa a ser relacional.
A estudante de Psicologia Isabela Otani, bissexual, também acredita no amor como um sentimento que une as pessoas. Ela nos conta que embora seja um sentimento de complexa definição, envolve afeto, é motivador e construtivo ao ser humano. ‘’O amar é tão difícil de entender, porque é difícil dar nome pra o que sentimos, e ainda mais, entender os nomes
O amor não tem cara, não tem gênero, não tem sexualidade, não tem corpo, não tem cor e etc. Ele é apenas um sentimento, mas que é presente na vida de todo e qualquer ser humano. Assim como a Declaração Universal dos Direitos Humanos defende o direito à vida, o amor também deveria fazer parte da cartilha.
Amor é amor, e a estudante de Jornalismo, Mariana Faria, sapatão, como se denomina defende esta ideia. ‘’Amar é um sentimento puro, cada um deve ter a liberdade de amar quem quiser. E o mundo precisa de mais amor e menos ódio. Amar alguém do mesmo sexo não fere a integridade de ninguém. Amor é amor.’’ A luta pelo direito de amar
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Ainda em muitas partes do planeta, a homossexualidade e a transexualidade são consideradas crimes e motivo de pena de morte para alguns países. Segundo uma matéria divulgada no portal G1 que tem como manchete Veja lista de países que já legalizaram o casamento gay, apenas 22 países em sua maioria da América e Europa legalizaram o casamento de homossexuais. E no Brasil, somente em 2011 foi concedida, pelo STF ( Supremo Tribunal Federal) a união estável de membros da diversidade.
O que parece tão simples para algumas pessoas dentro da sociedade, para a diversidade é luta, é resistência, é se manter firme e mostrar que não há diferenças quando o assunto é amar. ‘’ Amar é tão universal, quanto ter olhos’’, diz Pedro Teixeira, que também nos explica, que de acordo com sua linha psicológica, o erro ao interpretar que alguém ame diferente, ou simplesmente não tenha o direito de amar, parte da compreensão do que é masculino e feminino e que você possa ou deva ser um gênero ou outro.
Mesmo assim, o amor de todas as cores, encontra barreiras, obstáculos, preconceitos, principalmente relacionado ao pensamento das pessoas de fora desta comunidade. Segundo o Portal Correio Braziliense Brasil, em 2018, até o mês de maio ( da publicação da matéria), 153 pessoas LGBT morreram por preconceito. Um número elevado, que demonstra ainda mais a luta destas pessoas para serem aceitas dentro da sociedade e consequentemente terem o direito de amar.
‘’Na concepção de Carl Jung, psiquiatra suíço, masculino e feminino são duas categorias psíquicas - ou seja, apenas formas de sistematizamos nossas características. Só pensar no taoísmo, a ideia de YinYang. Não têm a ver com o corpo, nem com o desejo. Talvez o grande problema seja na “literalização” dessas categorias psíquicas. Ou seja, que homem é apenas masculino (se são características psicológicas, o homem também deve ser visto como feminino para ser saudável, equilibrado), mulher é apenas feminina, e homem só pode buscar mulher, mulher só pode buscar homem... Há uma tremenda confusão porque o que a gente tem que buscar é, internamente, o equilíbrio entre essas duas energias. Então isso nada tem a ver com quem a gente ama, ou o gênero que a gente tem/é/escolhe (há uma polêmica em relação ao melhor verbo). ‘’
Ao entrevistar esses personagens citados anteriormente, a Revista Sentir fez a seguinte pergunta: Quais as maiores dificuldades que você enfrenta para amar? Para Gaia, a luta da diversidade é a respeito do amor. E nesse caso o amor se refere ao entendimento e a aceitação social. Mesmo que esta comunidade seja reprimida pela sociedade, a estudante ressalta que é preciso continuar a ser resistência. ‘’Para combater as diversas opressões, eu acredito que primeiro você tem que estar seguro de quem você é, amando a si mesmo, e mesmo com medo, amando quem você sente que deve amar. Então, sem sombra de dúvidas, a diversidade luta pra poder amar, se empoderar e se amar, sem ressalvas e sem medo de julgamentos ou de violência’’. 46
A invisibilização das pessoas LGBT é um fator que estimula a morte, abuso e preconceito, segundo a pedagoga Laura. ‘’Nesse momento a busca por identidade, de espaço no mundo é uma grande luta, então não somos diversidade, somos resistência.’’ Ela também conta que após se relacionar com ambos os gêneros notou, de fato,essa invisibilidade, essencialmente no relacionamento lésbico. ‘’Para a família é sempre uma amiga, alguém que está ali junto, sem poder se expressar da maneira
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Orgulho LGBT que é, nem ter o espaço de construção de um futuro, muito diferente de um relacionamento hétero, que é tão desejado pelas famílias e tem abertura para se expressar e desenvolver.’’ Leonardo Santana, homem cis gay e estudante de jornalismo fala a respeito da solidão dos LGBT, ressaltando que a discriminação que a estes são sujeitados coloca as situações e lugares para amar como restritos e que os círculos sociais como família e amigos que barram através de falta de aceitação e preconceito os impedem de amar totalmente e livremente. ‘’Acho que a solidão dessas pessoas está muito ligada aos espaços em que amamos. Como eu disse, boates e apps. Nesses casos, homens e mulheres brancas e cis sofrem muito menos com a solidão do que pessoas negras e trans, pois esses espaços reproduzem padrões de beleza do ‘mundo real’. ‘’ Gaia explica que a solidão é compulsória para as pessoas trans no Brasil. ’’ A ideia de marginalidade, promiscuidade, doença, inferioridade e de estranheza que nossos corpos têm faz com que a cisgeneridade não aprenda, a nos amarem. Essa solidão tira toda e qualquer perspectiva de futuro familiar ou afetivo de nossas mentes. E isso é tirar muito de nós. A solidão é capaz de mudar até a forma como você se vê. Antes de encontrar meu namorado, eu tinha passado por uma fase horrível onde saía com homens e mulheres aleatórios só pra me sentir desejada, não rolava sexo, mas queria me sentir desejada. Bom, no final só me senti objetificada mesmo. A solidão machuca muito e eu agradeço por ela não me machucar mais. Espero que algum dia não machuque mais ninguém’’.
A bandeira colorida está presente no mundo todo. No Brasil, a primeira Parada do Orgulho LGBT aconteceu em 1997, na Avenida Paulista, da cidade de São Paulo e hoje é organizada pela APOGLBT (Associação do Orgulho GLBT de São Paulo). O objetivo do movimento é reunir gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e ativistas para lutar pelos direitos, contra os preconceitos e celebrar o orgulho. Segundo o portal ParadaSP, hoje esse movimento é uma das maiores manifestações a favor dos direitos humanos e a cada ano ela retrata um tema específico. Mariana Faria comenta sobre a necessidade das pessoas cultivarem o respeito, essencialmente com a diversidade, já que o amor é para todos e portanto, não deve ser segmentado a uma categoria. ‘’A gente vive numa sociedade heteronormativa, é um pensamento enraizado que aos poucos está sendo desconstruído e está esclarecendo que LGBT são seres humanos como qualquer um. Ainda há barreiras e toda mudança exige tempo. É difícil para alguns entenderem que LGBT nasceram LGBT e não viram gays do nada. Então, a única coisa que quero deixar é que respeite o outro, ninguém tem culpa de amar alguém do mesmo sexo porque o amor não se explica, apenas se sente. ‘’ Amor é diversidade e portanto, precisa de liberdade e empatia de todas as pessoas. O especialista em relacionamentos amorosos, debate do ponto de vista da psicologia, a concepção do amor para todas as pessoas em que ‘’a diversidade é a condição fundamental para a existência do amor. Se não houver diversidade, será tudo da ordem do igual-a-mim (ou seja, do narcísico) - e esse não é o campo do amor.’’ REVISTA SENTIR
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AMOR
Por Agnes Faria
Quando pensamos em relacionamentos, por muitos anos fora imaginado, um casal, heterossexual que namora ou são casados. Nos dias atuais, podem ser observadas muitas mudanças ocorrendo nas relações amorosas, como união entre pessoas do mesmo sexo, sendo que boa parte não são mais escondidas por medo do julgamento social, além de novos formatos de relacionamentos. Nesse caso, relacionamentos abertos e o poliamor amor estão ganhando espaço nas interações amorosas. Diferentes formas de amor Mas afinal o que significa e como funcionam essas relações? Os relacionamentos abertos são acordo entre duas pessoas, que praticam uma união amorosa. Nesse acordo o casal reconhece a vontade de estar junto, porém, também optam por terem contato com outras pessoas. Esse é o caso do João Vitor Mattos e Luíz Fernando Mello, estudantes de Sistema de Informação e Design respectivamente. Eles se relacionam abertamente há dois meses, e relatam que tiveram uma conversa antes de entrarem na união. De acordo com João Vitor, eles excluíram a opção de relacionamento fechado, pois, não se sentiam confortáveis nesse tipo de envolvimento. Também é o caso da garçonete Mayara Alves e do funcionário público José Neto, que já estão junto em um relacionamento aberto há seis anos. Mayara explica, que a relação deles é apenas para o envolvimento com mulheres. Já o poliamor, significa ter mais de um relacionamento íntimo, sexual e duradouro com mais de uma pessoa. O mesmo é baseado na aceitação entre três ou mais pessoas, independentes da identidade sexual das mesmas. Há várias formas de se relacionar através do poliamor e são elas: Polifidelidade: Envolve múltiplos relacionamentos românticos, onde o contato sexual é restrito a membros específicos do grupo.
Mono-poli: Um dos membros é monogâmico, mas aceita que o outro não seja e que o mesmo mantenha relação amorosa com outras pessoas. Sub-relacionamentos: Distinguem relações primárias e secundárias, no caso ser casado com uma pessoa e namorar outra. Relacionamentos interconectadas: Quando uma pessoa, mantém vários tipos de relação com outras, em diferentes graus de importância. Poligamia: Quando um homem apresenta várias esposas ou uma mulher tem vários maridos, sendo que esses podem estar casados entre si ou não. O psicólogo Raphael dos Santos Teixeira, explica que o poliamor se diferencia em uma questão conceitual. De acordo com ele “o poliamor parte do princípio que não é um amor romântico”. O psicólogo, ainda complementa dizendo que o poliamor foge da construção de uma história de amor ocidental e que há, sim, uma validade em amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo. A estudante de Jornalismo Fernanda Saito, conta que se descobriu poligâmica a menos de um ano, mas que demorou para aceitar, pois, acreditava que era apenas uma fase. Após se interessar por uma pessoa, Fernanda explica que se forçou a entrar em relacionamento monogâmico, mas se sentia limitada por conta disso “Por mais que eu já tinha uma pessoa que amasse, eu tinha vontade de amar outras pessoas e conhecer elas”, complementa Fernanda. A jornalista e Fotografa Lara Pires e o jornalista e publicitário Rafael Guimarães, estão em um relacionamento aberto há dois anos e meio e agora estão estudando mais sobre o tema do poliamor. “Eu comecei a estudar mais sobre o assunto e percebi que eu não servia para ser monogâmica”, explica Lara. Voltando para o lado socialmente convencional para REVISTA SENTIR
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os relacionamentos, temos em sua maioria, uniões monogâmicas, vindos de casais tanto heterossexuais quanto homossexuais. Um desses casais são os estudantes de psicologia Larissa Romano e de Design Gustavo Silva. Eles namoram há dois meses, e se conheceram há dois anos na universidade. De acordo com Larissa e Gustavo, o relacionamento fechado era a opção mais saudável para eles. “A gente percebeu que não ia conseguir lidar com um relacionamento amoroso e sério com mais pessoas”, comenta Gustavo. Questionados sobre a visão do casal referente a relacionamentos abertos, eles opinam que tal relação tem que ser estruturada com muito cuidado, pois, o mesmo abriria margem para muitos problemas dentro do namoro. O amor enfrenta barreiras Mas será, que apenas relacionamentos abertos trazem perigos para o namoro? E quais obstáculos existem em diversos tipos de relacionamento? O psicólogo Raphael, explica que todos os relacionamentos, independentes de serem fechados, abertos ou baseados no poliamor, devem ter acordos entre os envolvidos sobre o que é permitido e saudável para eles. Raphael, complementa dizendo, que é muito importante que um saiba o que outro quer dentro da relação. Entre os obstáculos enfrentados pela jornalista Lara em um relacionamento aberto, está a questão da autoestima. “Você saber que a outra pessoa pode ficar com outras e pode até se apaixonar gera uma insegurança”, afirma Lara. Já para o jornalista Rafael a construção social de relacionamento que tivemos ao longo da nossa vida, traz dificuldade para se viver de forma não monogâmica. 50
O amor nas redes sociais Com as redes sociais, os novos formatos de relacionamento vêm ganhando cada vez mais espaço. Pesquisas sobre o assunto, estão disponíveis na internet e grupos secretos ou fechados no facebook, já trazem diversos participantes que vivenciam ou são adeptos ao poliamor ou ao relacionamento aberto. Nessas redes sociais, os internautas compartilham fotos, dúvidas e experiências sobre as novas relações. Eles discutem questões como os ciúmes e regras para o relacionamento, além de trocarem conselhos, principalmente sobre contar para a família ou não sobre a união poliamorosa ou relacionamento aberto. Lara e Rafael também enfrentam esse dilema. Os pais de Rafael e o pai de Lara não sabem que eles se relacionam abertamente. Lara explica que seu pai ainda não sabe da relação, pois, ele apresenta um comportamento mais conservador. Rafael, conta que apesar de ter recebido uma educação mais liberal, ele acredita que seus pais ainda estão culturalmente preparados para receber a notícia. O psicólogo Raphael, comenta que as relações sócio-históricos e culturais de amor em que vivemos, faz com que surjam preconceitos sobre as novas formas de relacionamento. “Esses fatores podem impedir que as pessoas vivam um poliamor ou um relacionamento aberto por medo de julgamentos”, complementa o psicólogo. Apesar dos obstáculos, as novas formas de amor se fazem presente na sociedade, e as pessoas estão aderindo cada vez mais aos formatos de relacionamento em que elas se sintam confortáveis e realizadas.
Entrevista
Pong
Entenda sobre assexualidade
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CrĂŠditos: Mario Purisic | Unsplash
Ping
AMOR
Por Tatiany Garcia
Muito se fala sobre gênero e sexualidade e talvez um dos assuntos que mais desperta curiosidade seja a assexualidade. Provavelmente, o pensamento comum a respeito das pessoas assexuais seja: ‘’quem não gosta de sexo’’ ou que ‘’não tem desejo sexual’. Mesmo pouco discutida, a assexualidade é mais comum do que se pensa. Muitas vezes confundida com ‘’bloqueio’’ emocional, esta, é uma orientação sexual em que as pessoas não possuem interesse, atração, por relações sexuais, no entanto, amam e podem se envolver emocionalmente com um companheiro/a, mantendo uma relação duradoura, mas sem que haja uma envoltura sexual entre os dois. No Brasil já são 2,5 % de homens e 7,7% de mulheres que variam de 18 a 80 anos, dados do Programa de Estudos da Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (ProSex-IPq). A assexualidade não é uma orientação voltada nem para a homossexualidade, bissexualidade e heterossexualidade. Os assexuais possuem prazer em outras coisas que não seja o sexo, a masturbação pode ser praticada pelo assexual. Para entender um pouco mais sobre esse assunto , a Revista Sentir entrevistou a assexual , formada em RTV ( Rádio e Televisão ) pela Unesp Bauru, Gabriella Zanatta, 23 anos. Pra você o que é ser assexual ? A definição da assexualidade é a ausência total ou parcial de atração sexual. Isso engloba pessoas que vivenciam atração sexual de diversas formas, ou seja, há pessoas como eu que não sentem atração sexual em nenhuma situação ou por nenhuma pessoa ou gênero, há pessoas que sentem atração fluida ou que só sentem atração sexual após formar um vínculo emocional muito forte. Além disso, há a diferença entre atração romântica e atração sexual. Pessoalmente, eu nunca me senti atraída sexual ou romanticamente por ninguém. Como você descobriu que era assexual? Como foi seu processo de aceitação ? Suponho que da mesma maneira que qualquer pessoa LGBT descobre sua sexualidade. Nunca senti que me encaixava no que era dito como “normal”,
ou seja, uma menina gostar de um menino e viceversa. Sempre senti que era uma coisa forçada e que eu teria que aprender a me adaptar, que um dia isso seria normal pra mim. Já suspeitava que atração física e romântica não eram coisas que eu sentia desde os 13 anos, sem nem saber que existia um termo ou outras pessoas que sentiam a mesma coisa. Lembro que comentei com uma prima algo do tipo, mas mais como piada para medir reações do que com convicção. Fui criada com a heterossexualidade como a norma então me portei como hétero a vida toda. Até hoje não sei dizer se realmente senti alguma afeição pelos garotos com quem eu conversava ou ficava, ou se eu constantemente mentia pra mim mesma. Insisti que era hétero até a faculdade, cheguei a ficar com dois caras no meu primeiro ano, e eu sentia muito desgosto comigo mesma toda vez que eu beijava alguém, mas eu achava que era porque fui criada como católica e ficar era errado, ou comportamento promíscuo, sei lá, apesar de eu não julgar outras meninas por isso. Era um peso que eu colocava em mim mesma por não entender o que eu estava sentindo. Beijos nunca me fizeram sentir nada, não era muito diferente de, por exemplo, escovar os dentes (a não ser o gosto de saliva, o que me dá nojo só de lembrar), não era uma coisa que eu particularmente tinha prazer de fazer mas era algo que “pessoas normais” faziam. Foi só na faculdade que eu parei de repetir o discurso que eu só queria dizer que era diferente dos outros pra chamar atenção (apesar de nunca ter falado nada pra ninguém). Fui a uma festa e acabei ficando com um amigo, e eu lembro que depois que cheguei em casa eu chorei muito. Eu insistia em me envolver com outras pessoas porque acreditava que era só porque não tinha achado a “pessoa certa” ou que era falta de costume e eventualmente eu ia gostar. Mas no fundo eu sabia que nada disso era verdade. Nesse ponto já tinha pesquisado sobre assexualidade, já sabia o que eu era, mas não queria admitir pra mim mesma. Depois dessa festa, depois de chorar horrores, eu decidi parar de me enganar e me colocar em situações que me deixavam desconfortável, porque eu detestava beijar pessoas e não existia motivo no mundo porque eu seria obrigada a fazer isso se eu não quisesse. Isso foi em 2014. REVISTA SENTIR
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Por onde você se informou a respeito de assexualidade ? A primeira vez que eu ouvi falar da assexualidade foi numa fanfiction, em 2012 mais ou menos. Dentro do fandom se discute muito sobre representação e sexualidades diferentes e tal, e lendo essa fanfiction eu me identifiquei muito com a interpretação do personagem. A partir disso fui pesquisar sobre, achei o site da AVEN (The Asexual Visibility and Education Network), fiz testes e mais testes online. Existem fóruns e discussões e depoimentos online, mas o lugar que eu encontrei informações em primeiro lugar foi no fandom. Você já teve alguma relação sexual ? Nunca tive uma relação sexual. Nunca conheci uma pessoa que me fizesse ter vontade de transar, honestamente não sei nem como isso funciona. É comum na vida de um assexual ouvir a pergunta “mas como você sabe se nunca experimentou?”, e essa pergunta é ofensiva. Mas a resposta é muito simples, apesar de muitas pessoas alossexuais (que sentem atração sexual, como heterossexuais, homossexuais, bissexuais, etc) não conseguirem conceber a ideia de viver sem sexo: eu nunca tive vontade nem de experimentar, e não existe motivo pra eu fazer uma coisa que eu não quero. Você mantém algum relacionamento? Caso você mantenha um relacionamento, como é a relação afetiva e sexual com o seu parceiro ou parceira? Ele/a compreende bem? Nunca tive um relacionamento e não tenho vontade de ter. Como sua família e a sociedade encaram essa característica de sua personalidade? Minha família teve dificuldade em entender. Eu não tive a intenção de contar pra ninguém, na verdade, eu não lembro qual era o meu raciocínio na época mas sabia que não queria ter essa conversa, ter que explicar e justificar o que eu era. Acabei deixando escapar para o meu irmão mais velho, e ele contou pro meu pai. Eu e meu irmão não temos mais contato. Meus pais demoraram para entender, provavelmente porque eu não dava abertura pra que uma conversa acontecesse, já que não foi minha decisão contar pra eles em primeiro lugar. vvQualquer reação que não fosse completamente positiva me deixava insatisfeita, o que era injusto da minha parte já que 54
a assexualidade era uma coisa completamente desconhecida para eles. Eventualmente minha mãe pesquisou sobre o assunto por ela mesma. Mas por muito tempo o que eu mais ouvia era “mas você não conheceu alguém que você realmente goste ainda”, “é só que você é exigente, isso é normal”, “você só é tímida, eu também era assim”. Pra ser honesta, eu não me lembro em que ponto eu comecei a falar disso abertamente com os meus pais. Um dia eu ignorava o assunto completamente, e no outro não. Mas eu tenho certeza que muitas pessoas do meu convívio veem mais como uma “heterossexual celibatária”, o que não tem nada a ver. Não sinto atração por homens ou por mulheres. Eu não sou hétero, sou LGBT. Você já sofreu algum tipo de preconceito por conta disso? Conte como foi Eu tive uma experiência relativamente positiva quanto a minha sexualidade, nunca ninguém veio me ofender na minha cara, nem na internet. Mas, tendo contato com outras pessoas assexuais, muitos tem problemas com pessoas intolerantes. A ausência de atração sexual é tão estranha para algumas pessoas que chegam a falar que assexuais são psicopatas, que não são capazes de sentirem qualquer coisa. Isso é falta de informação, claro. A assexualidade não tem nada a ver com a capacidade de sentir emoções, e mesmo que a pessoa seja arromântica, como eu, limitar o amor a só amor romântico é ser simplista. Eu tenho muito amor pela minha família e meus amigos, meus gatinhos, o que seja, eu só não me apaixono, especificamente. O negócio é que a assexualidade é um espectro: tem assexuais que gostam de beijos e assexuais que não; tem demissexuais que sentem atração sexual depois de formar um vínculo emocional forte, e existem assexuais estritos; existem assexuais que sentem atração romântica (ou seja, se apaixonam), e assexuais arromânticos; existem assexuais que transam pra satisfazer o parceiro ou só pra satisfazer a própria libido, mas sem sentir atração. E cada uma dessas identidades é tão válida quanto a outra, mas pessoas que não são familiares com o assunto querem encaixar todos os assexuais numa caixinha única definida por frigidez. Assexuais ouvem “mas como sabe se nunca experimentou” e “se já transou então não é assexual” no mesmo dia. O que acontece com a comunidade assexual não é necessariamente violento (não mencionando estupros corretivos, pessoas que se forçam a transar os com parceiros
AMOR
sem ter vontade e não entendem porque não sentem prazer) mas somos ignorados e apagados. Saíram vários artigos esse ano, alguns com os termos errados (nunca se fala “assexuado”, pelo amor de deus, são termos diferentes para coisas diferentes), mas o que mais se viu foi o público rejeitando a ideia e descontando como distúrbios hormonais e psicológicos, frigidez ou feiura. Existem alguns dentro da própria comunidade LGBT rejeita a assexualidade como válida ou como parte dos LGBT, da mesma forma que rejeitam bissexuais e pansexuais. Os Assexuais não sentem desejo sexuais, então para onde está voltado os seus prazeres ? O que te dá prazer . Essa afirmação está errada. Dizer que assexuais não sentem desejo é errado. Primeiro porque desejo sexual e atração sexual são coisas diferentes, e a assexualidade diz respeito a atração entre pessoas e não tem influência na libido. Você já assistiu Big Little Lies? Tem uma cena em que a personagem da Laura Dern está conversando com o marido e diz algo como “Você sempre tem vontade de fazer sexo. Mas dessa vez você teve vontade de fazer sexo comigo.” Esse diálogo mostra muito bem a diferença entre desejo e atração sexual, na minha opinião. Quando você está no espectro assexual você tem que aprender sobre os níveis e nuances de atração, para conseguir entender como a gente se sente em relação a outras pessoas e para conseguir explicar e se validar pras pessoas que não entendem ou não tem esse conhecimento. Essa pergunta é meio estranha, porque tipo, sexo é a fonte principal de prazer das pessoas que transam? Eu acredito que eu tenha uma vida completamente normal: eu estudo, leio, assisto séries, faço pilates. Eu não sinto vontade de transar nem sinto falta de sentir vontade, também não sinto falta de ter um parceiro romântico ou parceira. Não há nada que eu precise redirecionar para outras áreas da minha vida. Não tenho tara por comida, não direciono um desejo que não tenho como saciar para bolos e doces, como se brinca na comunidade. Isso simplesmente está ausente, não sendo algo que eu perdi, mas algo que eu nunca tive e não tenho nem por onde sentir falta. Você já se forçou a sentir atração e consequentemente ter uma relação sexual ? Como foi a sensação ? Nunca me forcei a ter relação sexual, só a beijar. Se forçar a fazer uma coisa é horrível, ainda mais
quando é íntimo assim. Falei sobre isso mais acima. Depois de ficar com meninos me sentia imensamente triste e quase enojada. Eu não conseguia entender porque eu não gostava. Como uma pessoa pode ter certeza que é assexual ou não seja apenas um “bloqueio psicológico “ para a questão de desejo / atração sexual ? Eu entendo que muitas pessoas não entendem como alguém pode viver sem sexo, mas essa pergunta é bem ofensiva. Sabemos que somos assexuais da mesma forma que uma pessoa homossexual sabe que sente atração por pessoas do mesmo sexo e que isso não é doença, ou seja, é uma coisa natural do nosso ser até alguém vir falar que não é. Meu entendimento da sexualidade em geral é o que uma pessoa sente em relação a outras pessoas. Não é sobre transar ou deixar de transar, ter vaginismo ou impotência ou ter passado por experiências traumáticas. É sobre o que em outras pessoas desperta algo em você. Mulheres homossexuais vão sentir atração por pessoas que estão no grupo “mulheres”. Mulheres bissexuais sentem atração por pessoas que pertencem a dois grupos diferentes de gênero. Para assexuais estritos, como eu, não há um grupo que nos atrai, nada que nos faça olhar pra uma pessoa e pensar “hmmm quero transar com esse mesmo aí 10/10 uau”. Não quero excluir pessoas que têm traumas ou bloqueios psicológicos, aliás, essas pessoas são muito bem vindas na comunidade para compartilhar suas vivências; nós acolhemos qualquer pessoa que se sinta a parte da sociedade por não transar. Mas ter um “bloqueio psicológico” e não sentir atração sexual não é a mesma coisa e nem são coisas intercambiáveis. Assexuais também namoram? Ou seja, mantém relações com outra pessoa ? Sim, total. Eu nunca namorei nem senti vontade de namorar, mas vários assexuais têm relacionamentos. Ausência de atração sexual não necessariamente significa que também tem ausência de atração romântica. Eu não tenho conhecimento pra falar dos relacionamentos que outros assexuais têm ou deixam de ter, mas conheço muitos que estão felizes com seus parceiros, e muitos mais que estão a procura de um.
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Casais inter-raciais enfrentam desafios diĂĄrios para permanecerem juntos
CrĂŠditos: Sharon McCutcheon| Unsplash
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AMOR
por Beatriz Santana
O Brasil é um país multifacetado, e isso se deve, principalmente, à grande miscigenação que deu origemasociedadebrasileiracomo conhecemos hoje. Quando os colonizadores por aqui chegaram, encontraram indígenas nativos, e os mesmos exploradores foram responsáveis por três séculos de tráfico de africanos escravizados vindos forçadamente para o Brasil. No século XIX, teve início a imigração de trabalhadores europeus que substituíram a mão-de-obra escrava, um século depois foi a vez da chegada dos japoneses graças a um acordo imigratório fechado entre Brasil e Japão. Além dos demais povos que chegaram em quantidades não tão expressivas. Graças a sua formação atual composta por etnias diversificadas era de se esperar que o Brasil fosse um país tolerante com as diferenças, entretanto, sua história serviu majoritariamente para criar preconceitos estruturais, estereótipos e xenofobia relacionados aos povos não brancos. É nesse contexto que relacionamentos interraciais têm de se manter inseridos, superando preconceitos e outras barreiras sociais. De acordo com um dos primeiros estudos sobre casamento inter-racial realizado no Brasil, pelo pesquisador Austin Staley em 1959, 70% dos casamentos inter-raciais eram do tipo “elíseo”, isto é, casais que desconhecem totalmente qualquer preconceito racial ou pressão social vinda de preconceito racial, e casais do tipo “nesédico”, que viviam em relativo isolamento social, o que os tornavam pouco afetados pelos preconceitos raciais. Um estudo mais recente, feito por pesquisadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010, observou um aumento de casamentos inter-raciais de 8% em 1960 para 31% no ano da pesquisa. Antes, os casamentos eram majoritariamente endogâmicos, ou seja, entre pessoas pertencentes a mesma etnia. Com a mudança do cenário social (industrialização do país, êxodo rural e ocupação das cidades) nas cinco décadas que se passaram, a taxa de casamentos endogâmicos caiu, e em 2010 eles representavam um pouco mais de ⅔ de todos os casamentos no Brasil.
Vivendo na pele Segundo uma pesquisa realizada pela revista Glamour, em 2017, quase 90% de suas leitoras afirmaram que ter uma parceira ou um parceiro com características étnico-raciais diferentes é motivo para preconceito, e 44% afirmaram já ter sofrido discriminação por viver em um relacionamento assim, ou já viram amigas passarem por essa situação. Para a educadora física Sâmia Pedrassi não foi diferente, ela, uma mulher branca, é noiva de Rudney Gonçalves, um homem negro. Os dois estão junto há pouco mais de três anos, e Sâmia conta já ter vivido situações de preconceito: “Uma aluna que quando viu uma foto dele exclamou (negativamente) surpreendida: ‘Mas ele é negro!’. E um conhecido, em um churrasco, me perguntou como era namorar um negro.” relata. Esse tipo de preconceito não se restringe a relacionamentos que envolvem pessoas negras, como no caso da estudante de jornalismo Camila Nakazato, mulher amarela de descendência japonesa que têm um companheiro branco de descendência italiana. Camila conta que, no início do relacionamento, teve receio de que os dois sofressem alguma discriminação, ainda mais porque sempre foi incentivada pela família a se relacionar com homens que fossem amarelos como ela e possuíssem a mesma descendência. “A primeira coisa que minha mãe perguntou foi se ele era japonês” conta “Mas eu me conformei e deixei levar, aí quando eu contei pra ela foi mais de boa”. Dentro das famílias, o preconceito sobre os relacionamentos inter-raciais se manifesta de forma velada. A estudante de jornalismo Laura Botosso, mulher branca que namora há dois anos um homem negro, contou que em uma ocasião em que ela e o parceiro estavam assistindo televisão junto à sua mãe, ela teria dito que o ator Rodrigo Hilbert, homem branco e loiro, que apareceu em uma propaganda seria “o genro que toda mãe queria”. Laura conta que nesse caso ficou mais ofendida que seu namorado pelo comentário ter partido da própria mãe “O Jean, meu namorado, deu risada. Para mim ele falou que era uma coisa esperada e normatizada” diz. REVISTA SENTIR
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A verdadeira religião é o
Amor
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Casais com diferentes fés falam sobre os obstáculos enfrentados para estarem juntos
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AMOR
Por Elisa Espósito
Budismo, cristianismo, catolicismo, espiritismo, religiões afro-brasileiras, protestantismo...quando se fala em religiões no Brasil há um leque de opções que congregam diversidade e sincretismo no país. Por essa mesma razão, a Constituição prevê a liberdade de religião e a Igreja e o Estado estão oficialmente separados. A legislação proíbe ainda qualquer tipo de intolerância. Em outras palavras, “somos livres para crer e para amar quem quisermos”, afirma Renata Kvint, de 28 anos. Ela é evangélica e é casada há dois anos com Vinícius Martins, de 32 anos e católico. Na opinião de Renata, a fé de cada um não deveria ser uma barreira para o amor. Como o próprio nome indica, religião está relacionada ao verbo religar, ou seja, unir pessoas com a mesma crença, gerando laços de fraternidade. Quando alguém passa a seguir certos dogmas, está em concordância com eles, mas isto não obriga excluir-se dos demais membros da sociedade que não praticam da mesma fé. Um dos primeiros ensinamentos religiosos resume-se na frase ‘Amai-vos uns aos outros
como eu vos amei’. É nesse sentido que Renata afirma que “a verdadeira religião é o amor. Outra não há. Qualquer coisa que pregue ou induza a atos diferentes, não é de Deus. Não pode ser chamada de religião. Deus tem muitos nomes e em todos, ele é amor, tolerância, luz e acolhimento”. Vinícius Martins afirma que o segredo para qualquer relacionamento dar certo está no diálogo. Ouvir o que o outro tem a dizer, mesmo que não concorde. “Não importa a religião, tem que existir a tolerância e a compreensão. Compreender não significa partilhar, e sim, não ridicularizar e criticar a opção do outro”, afirma. Apesar das diferenças, os dois afirmam que a religião nunca foi um problema, pois ambos se respeitam muito. “Eu não preciso ir num culto para provar meu amor à Renta e nem ela ir à Igreja. Às vezes até combinamos de ir no mesmo horário, mas cada um para um lado”, brinca Vinícius. Mesmo com tolerância e respeito, alguns atritos podem surgir, ocasionalmente – principalmente em situações em que é preciso escolher uma religião, REVISTA SENTIR
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como no casamento. Foi aí que o casal precisou sentar e conversar sobre a decisão que iriam tomar. Vinícius não fazia questão de uma cerimônia religiosa, mas a família de Renata não conseguia aceitar uma celebração diferente da evangélica. “Para a gente, casar foi bem difícil. Ele não fazia questão justamente por conta dessa nossa diferença, para não existir briga, mas a minha família pressionou muito. Para agradar meus pais e não deixá-los de fora a solução foi fazer uma cerimônia mista. Escolhemos um local neutro, em um sítio da família, e chamamos duas pessoas para celebrar: um evangélico e outro católico. Não agradou 100% aos familiares, mas foi a solução encontrada”, explica Renata. Outro casal que encontrou alguns obstáculos foram Flávia Simão e Fernanda Diniz. Ambas de 24 anos, mas com convicções religiosas totalmente diferentes: uma de umbanda e outra ateia. Flávia afirma que nunca teve problemas com Fernanda em relação a sua fé, até que um dia a ida ao terreiro esbarrou em outro compromisso do casal. Ela conta que costuma ir de segunda e sexta no Terreiro Sol 60
e Lua para tomar passe e a celebração dura cerca de três horas. “De início fui para conhecer como funcionava, mas , com o tempo, peguei gosto e passei a seguir. É uma religião bastante interessante, que envolve questões históricas do Brasil e é uma das poucas que aceita casais homossexuais”, explica. Assim, a religião complementou não apenas o lado espiritual de Flávia, como também aspectos ideológicos. “Passei a me entender melhor com a Umbanda e hoje também me desenvolvo na religião, incorporando e aplicando passe para aqueles que precisam. Esse meu desenvolvimento todo que acabou gerando conflitos com a Fer”. Desenvolver um lado espiritual requer tempo e dedicação. Flávia passou de duas para três vezes por semana a ida ao terreiro. De quarta-feira é quando ela aprende os ensinamentos. “Acabou que agora tenho que ir mais vezes ao terreiro. Ela [Fernanda] entende um pouco essa minha dedicação, mas vira e mexe me questiona se preciso ir nos três dias”. Para que a parceira compreendesse melhor a fé de Flávia, Fernanda foi convidada a ir ao terreiro. “Ela achou a celebração muito bonita,
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AMOR
embora não acreditasse que tudo aquilo que ocorresse fosse ‘real,’ ou se era um transe coletivo. Expliquei o quanto a religião melhorou a questão da minha ansiedade e outros fatores pessoais, e ela passou a respeitar. Agora vou ao terreiro sem grandes atritos”. Saber tolerar é um aprendizado contínuo e vale para tudo na vida, não só no que diz respeito à escolha religiosa. Política, valores, ideais e outros tópicos importantes para um relacionamento saudável também devem ser pautados pelo respeito e pela compreensão. Só se alcança essa concordância por meio diálogo sincero e aberto, no qual o casal consiga expor receios e dúvidas sobre o ponto de vista do outro. O segredo é lembrar que os relacionamentos são compostos de pelo menos dois indivíduos e os pontos de vista e crenças devem ser respeitados. Essa troca, aliás, tem tudo para ser proveitosa para o casal. É uma oportunidade de abrir a mente para novas ideias e valores, que enriquecem e vitalizam o dia a dia. REVISTA SENTIR
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Mais do que se valorizar, a autoestima é uma espécie de resistência às pessoas que discriminam e acusam quem não atende aos padrões impostos pela maioria
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O desafio do amor diante de uma sociedade acusadora
AMOR
Por Adriele Silva
Você se compara com os outros? Não acredita nos elogios que recebe? É incapaz de enxergar suas qualidades e conquistas? Se respondeu “sim” a todas estas perguntas provavelmente você sofre com a baixa autoestima e a falta de amor próprio. De acordo com a psicóloga Thais de Souza Mascotti, o amor próprio é a capacidade do indivíduo de se amar e se respeitar independentemente do que os outros pensam ou falam. “É um sentimento de valor, respeito e apreço que a pessoa percebe e atribui a si mesma”, explica. Para a profissional, a autoestima e o amor próprio não vêm do berço, mas são alcançados dia a dia, uma vez que o ser humano desenvolve esses sentimentos tendo como base suas relações familiares. “Quando, por exemplo, os pais expressam reconhecimento, mostrando o quão importante a criança é para eles, seja por meio de atenção ou palavra afetuosa, esse tipo de relação aumenta a autoestima”, argumenta Thais. O contrário também ocorre, já que as criticas e repressões feitas pelos pais contribuem com o sentimento de insegurança das crianças e consequentemente com a baixa autoestima. Baseada na teoria do desenvolvimento Psicossocial de Erik Erikson, a psicóloga Natália M. Veronesi explica que as crianças costumam internalizar sentimentos positivos com relação a si próprias quando recebem elogios. Da mesma maneira, os pequenos se sentem inferiores quando são duramente criticados. “Quando somos negligenciados e criticados pelos pais, o sentimento de confiança pode ser abalado e a cada experiência desastrosa, a baixa autoestima
fica evidenciada”, comenta a profissional. Como consequência, a criança se torna um adulto frustrado, tímido e insatisfeito com suas próprias atitudes. Além disso, o sentimento de incapacidade adquirido ao longo da vida impede que a pessoa viva novas experiências e deixe de lado a ideia de inferioridade. Para reforçar os efeitos negativos gerados pela baixa autoestima, a especialista em inteligência emocional, Leila Campos, aponta uma série de características encontradas nas pessoas sem amor próprio, como a “incapacidade de conhecer as habilidades, o sentimento de nunca fazer o suficiente, o hábito de reclamar de tudo e de todos e a dificuldade de crescer profissionalmente por não se sentir merecedor”, finaliza. O amor próprio nos relacionamentos amorosos Segundo a psicóloga Thais, a falta de amor próprio se reflete na vida a dois. “Como a pessoa com baixa autoestima sente que ninguém a valoriza ou a ama, pode haver cobrança e exigência de afeto, gerando no parceiro (a) o sentimento de que nunca é possível agradar”, comenta. Nesse sentido, encaixa-se a questão dos namoros e casamentos abusivos, uma vez que o medo da rejeição e o fato de não se sentir merecedor da companhia do outro faz com que muitas pessoas com baixa autoestima aceitem ser desrespeitadas e até mesmo agredidas pelos companheiros. Pode parecer clichê, mas antes de amar o outro é preciso se valorizar, reconhecer suas potencialidades e entender que as limitações não fazem do indivíduo alguém digno de piedade. Isso não significa que é necessário se sentir REVISTA SENTIR
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superior aos outros, conforme explica a estudante de psicologia Valéria Matos. “Acredito que não me amo acima dos outros, me amo com eles. Acima da uma noção de superioridade que eu nunca busquei”, afirma a jovem. Tal noção vai contra as atitudes das pessoas com baixa autoestima, já que elas colocam seus parceiros em verdadeiros pedestais, passam a viver em função deles e perdem a individualidade, a independência e o respeito consigo mesma. A não aceitação do próprio corpo e a busca pelo amor próprio “Baleia”, “cabelo pixaim”, “pau de fumo”, “esquelética”. São muitos os adjetivos taxados pela sociedade para as pessoas que não se enquadram nos padrões estabelecidos por ela mesma. Esse foi o caso da secretária, Thamires Palacios, que sofria bullying por não atender ao quesito “corpo ideal” que as revistas de beleza e as pessoas tanto idolatram. “Demorei muito para entender que me amava. Sempre fui gordinha e por isso ouvia brincadeiras de mau gosto. Toda vez que me olhava no espelho ou refletia sobre quem eu era, via aquilo que os outros pensavam sobre mim”, explica. A busca pela aceitação dos outros fez com que Thamires recorresse aos procedimentos estéticos para reduzir as medidas. Foi a partir desse momento que a secretária percebeu que não
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se resumia a um “corpo perfeito” e que o amor próprio é uma construção diária. “Não somos o que os outros pensam e nem devemos ser o que eles querem que sejamos. O amor próprio deve ser construído por meio daquilo que vemos e conhecemos em nós mesmos”, conclui Thamires. A especialista em Inteligência Emocional, Leila Campos, reforça esta ideia sobre a valorização de si mesmo. “Verbalizar no espelho afirmações de o quanto é importante, o quanto é bonita(o) interiormente é um exercício diário que evolui a cada dia”, afirma Leila. Além disso, a profissional explica que o amor próprio deve ser construído através de afirmações positivas sobre si mesmo. “Temos a tendência de fazer prevalecer o negativo sobre o positivo e isso influencia nossas experiências e nosso futuro”, finaliza. A importância do amor próprio na vida das pessoas Pode parecer brincadeira, mas o amor próprio é um grande aliado da saúde mental e física. De acordo com a psicóloga Thais Mascotti, o desenvolvimento da autoestima impede o surgimento da depressão e dos transtornos alimentares, como a bulimia e a anorexia. Além disso, melhora a disposição para cuidar da saúde através de uma alimentação saudável e de exercícios físicos. “Quando estamos com um sentimento de autoestima elevada, geralmente temos mais
AMOR
disposição para lidar com os problemas do dia a dia, somos mais tolerantes com nossos erros e os das outras pessoas, reconhecemos nossas virtudes e qualidades, mas também nossas limitações”, argumenta a profissional. Se engana, entretanto, quem pensa que a autoestima e o amor próprio são fáceis de serem alcançados. Para a psicóloga Thais, o primeiro passo para se aceitar e se valorizar é passar pelo processo de autoconhecimento, tendo em vista que a reflexão sobre a relação com a família durante a infância é fundamental. A ideia não é encontrar culpados e responsabilizá-los pela baixaautoestima,mascompreendercomo se deu a construção da visão de si próprio de cada indivíduo. Depois disso é necessário rever os problemas encontrados durante a análise para tentar solucioná-los através das conquistas e dos objetivos alcançados ao longo da vida. “Nesse processo de autoconhecimento cria-se um caminho para reformular conceitos construídos sobre si mesmo, possibilitando reorganizar-se e descobrir alternativas que permitam satisfazer as próprias necessidades, sem exigir do outro o que pode dar a si mesmo”, finaliza Thais. Vale lembrar que, em alguns casos, buscar ajuda de um profissional como o psicólogo é a melhor maneira de resolver os conflitos internos e conquistar o amor próprio.
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*Valéria Matos: nome fictício
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Adoção esbarra no ideal do
Filho
perfeito
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No Brasil, existem 8,7 mil crianças e adolescentes que esperam para serem adotados, e quase 40 mil pais que aguardam a chegada de um filho
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AMOR
Por Adriele Silva
Do latim “adoptio”, a palavra “adoção” significa “tomar alguém como filho”. Para o direito civil, o termo se resume ao artigo 41, da Lei nº 8.069/90, que diz que “a adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes”. Já o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) caracteriza o ato como um conjunto de regras e burocracias que concedem à família o direito legal de criar uma pessoa. Para a professora de artes Renata Cristina Bertazzo, a adoção foi o caminho mais curto que a levou para o amor. A pedagoga é mãe do pequeno Fernando Limeira, um de seus alunos na época em que dirigia um projeto para crianças. Com apenas sete anos, o menino já havia sentido na pele a dor do abandono. “Ele era uma pessoa muito sofrida e maltratada pela família de seis irmãos. Alguns deles viveram em abrigos até 18 anos e outros foram adotados. De todos, restaram ele [Fernando] e a irmã menor, que havia sido abusada pelo pai pedófilo”, explica Renata. A situação da criança se agravou após a prisão do pai biológico, já que a partir de então começou a roubar comida nos mercadas e nos lixos. Foi nesse momento que a mãe de Fernando pediu para que Renata cuidasse do menino. “Eu resisti um pouco, pois não sabia a reação da minha família, que não o aceitava muito”, conta a professora. O receio, no entanto, deu lugar ao amor após o desaparecimento de Fernando, que fugiu para não ser encaminhado ao centro de acolhimento. A partir de então, Renata e o marido, Carlos Rodrigues, deram
o primeiro passo e iniciaram o processo de adoção. Hoje, o casal faz parte dos 9% dos pais brasileiros que aceitam adotar crianças acima dos 6 anos de idade. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), existem 8,7 mil menores que podem ser adotados no país e cerca de 40 mil pessoas que estão inscritas no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Fazendo as contas, o número de pais é quase seis vezes maior do que a quantidade de crianças e jovens órfãs. Mas por que os abrigos ainda estão lotados? A resposta gira em torno dos exigidos pela família na hora de que a maioria dos candidatos está de bebês brancos com até 3 anos
requisitos adotar, já a procura de idade.
Segundo o CNA, 19,7 % das pessoas só aceitam crianças brancas, enquanto que 66,1% dos menores são negros ou pardos. Há também os pais que não aceitam crianças doentes, que representam 65,6% dos inscritos no CNA. Em detrimento, mais de 25% dos menores apresentam problemas de saúde. Os dados chocam ainda mais com relação a idade, já que 91% dos candidatos querem adotar pessoas menores de 6 anos, sendo que 92% deles têm entre 7 e 17 anos. Apesar disso, o processo de adoção tardia vem ganhando espaço no Brasil. O aumento na quantidade de pais que optam pelos filhos mais velhos é resultado dos projetos e campanhas de conscientização, que instruem os familiares acerca da inclusão. Em 2015, por exemplo, foram finalizadas 711 adoções tardias, 79 a mais do que no ano anterior. Para o advogado paulistano Angelo Mestriner, REVISTA SENTIR
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as campanhas de conscientização são medidas públicas que apoiam os interesses dos menores e vão de encontro com os direitos humanos. Já o advogado de Santo André (SP), Edir Pellizzer Blass, afirma que os projetos modificam a visão da estrutura familiar. “Essas campanhas visam desmistificar alguns mitos, uma vez que a maioria dos adotantes possui a visão da formação familiar com uma criança pequena a fim de vivenciar a maternidade e paternidade desde o inicio”, explica o profissional. Uma das campanhas mais conhecidas atualmente é desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de direito de Família, que se volta para a adoção de crianças que não se enquadram no perfil dos adotados. “O IBDFAM pretende sensibilizar a sociedade por meio do Projeto “Crianças Invisíveis”, que, entre outros objetivos, visa agilizar o processo de adoção”, informa a professora de direito civil Daniele Fernandes Reis. Para adotar uma criança no Brasil é necessário levar até a vara de infância mais próxima alguns documentos pessoais como CPF, RG e comprovante de residência. Os requisitos para ser um candidato também devem ser respeitados, uma vez que a pessoa que deseja adotar deve ser no mínimo, 16 anos mais velha do que o menor de idade. Feito isso, o próximo passo é fazer uma petição com um advogado para se inscrever no Cadastro Nacional de Adoção. Há também o curso de preparação psicossocial e jurídica, que deve ser realizado durante dois meses. Nesse meio tempo, são feitas consultas com psicólogos e 68
visitas domiciliares pelos profissionais da área. A psicóloga Tatiany Dreger Schiavinato explica que as consultas são importantes para que as famílias rompam com seus preconceitos durante a adoção, tendo em vista que todos elas vivenciam a mesma situação e são capazes de trocar experiências. “Ao mesmo tempo em que as pessoas trocam experiências, encontram um espaço de acolhimento para desmistificar as questões sobre a adoção”, afirma Tatiany. Opróximopassodaadoçãoétraçaroperfildoadotado, escolhendo a idade, a cor e o sexo, por exemplo. Com o laudo da equipe técnica da Vara em mãos, o juiz determina a sentença e, caso o pedido seja acolhido, inclui o nome do candidato na lista de espera. Depois disso, a Vara da Infância informa sobre o menor que se encaixa nos requisitos exigidos durante o processo e apresenta o histórico de vida da criança ao adotante. A psicóloga de São Paulo, Graça Braga Darzi, explica que nessa fase, a integração entre pais e filhos é primordial, uma vez que havendo a preferência da criança, os psicólogos desenvolvem um trabalho de preparação mental dos indivíduos. “Os pequenos vão sendo instruídos para compreender se estão abertos, enquanto que os pais tem acesso ao histórico deles”, conta Graça. Caso ambas as partes concordem em prosseguir a adoção, são marcadas visitas e passeios para que pais e filhos possam se conhecer
AMOR
melhor. Se tudo ocorrer bem, o candidato entra com o pedido de adoção e recebe a guarda provisória, que valerá até o final do processo. Finalmente o juiz aprova a sentença de adoção e elabora a nova certidão de nascimento do
menor, que contará com o sobrenome da nova família. A partir daí, a criança e o candidato deixarão de ser chamados de “criança e candidato” e passarão a ser reconhecidos como “a família”. Adoção é amor, simples assim! REVISTA SENTIR
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ps:
Eu te amo.
Para mostrar que existem diversas formas de amar, a Revista Sentir reservou um espaço especial em nossa edição para que os amantes pudessem declarar e expressar tal sentimento, através de textos e poemas de sua autoria.
Créditos: Aaron Burden| Unsplash
Boa leitura, o amor está em cada linha em que seus olhos percorrerem !
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Veja meu bem, o amor é isso. Esse prende e solta, esmaga e beija. Olho para ele, ele nada mais é do que fragmentos de vida. Amor é batida, é flor colhida. Amor é bicho arisco, é rejeição de conselho. Amor é último botão de camisa, é calçado apertado. É crime forçado, é o reflexo no espelho. Vejo o amor. Ele nada mais é do que sol de domingo. Amor é gélido inverno, é neblina que ofusca os olhos mas abre o peito. Amor é céu e inferno, é rio que corre e tudo leva consigo. Amor é calor, mas também é inimigo. É chuva de verão, é pedra no mar. Amor é azul. É areia e luar. É viagem sem rumo, é ferida sem morfina com medo da dor passar. Amor é fruta doce, é energia que se dissipa no olhar. Olho para todos os lados, às vezes com medo do que posso ver. Amor é tiro certeiro, mas existe muito mais sobre ele que, confesso, não ouso entender
Julia Pascoal Sem ti, senti Ó mulher, estar longe de ti é lastimável. Mesmo sempre carregando você comigo, O não mirar de tua face é irremediável. Pois sem ti não tenho lar, não tenho abrigo. Saudades tenho de teu rosto amável, De teus beijos quentes e teu ombro amigo. Tu, de encantos mil e beleza incomparável, Cada metro de distância traz consigo castigo. Que sintas tu também o que eu sinto, Saudades deste corpo que sem ti está ferido, De teus afagos e carícias, avidamente faminto. Que como eu tu te arrependas de ter partido E queiras ver este amargor da saudade extinto Que em breve em teus braços eu contido.
Rafael Rodrigues de Almeida REVISTA SENTIR
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Eu escuto daqui de longe Parece que tudo tá igual, mas hoje começa o inverno É uma tristeza que escápula e omoplata sejam, na verdade, o mesmo osso são nomes tão bonitos E enquanto você transforma o tabaco em cinza eu penso comigo que queria ser poeta passar os dias ao som de xique-xique atear fogo no peito aberto de tudo que vibra Eu espero que você toque os quatro pontos cardeais Quero te encontrar em todos. O amor não pede licença Ele chega como quem chega atrasado Pra dizer sim Ou como quem chega E pensa pra dizer não O amor só chega Preparado você esteja Ou não. Te põe de protagonista Faz as malas Tendo em vista Que volta amanhã E se o amanhã não chega? Por você o amor passou Como quem morre todo dia E vive o passado Que não passou. Não! Não passou. O fato é que se o passado Passa por mim Deixe-me saber... Na vida que vivi Você ficou? Onde? Sobre o amor E toda essa coisa que fica aqui A gente precisa falar sobre o amor Eu preciso. Como as coisas se tornam tão especiais como as formigas ficam gigantes E como os pequenos detalhes Possuem suas particularidades 72
Que mudam algo, alguém, Que me mudam Você pode não compreender A gente se segura né? A gente fala fala fala, e fala o que mesmo? Vira um círculo vicioso sobre alguém sobre as características E detalhes tão singulares Que fazem de você tão especial Como quando fica sem graça Olha pros lados e sorri Um sorriso particular. A ausência o instante A vida Que sentido tudo tem? Parece sufocar Me afogar Nesse raso, fundo Que eu me tornei Tá tudo tão confuso Nem há conexão em tudo que eu tenho pra dizer Parece enlouquecedor Exatamente Palavra chave Enlouquece dor Porque dói. E o toque já nem arrepia A lágrima soluça o que? Dói e nem consigo chegar A uma conclusão Tu me bagunçou Revirou Como quem chega em casa Depressa demais E só joga tudo em cima da mesa É tão fácil vomitar palavras Mas em minha defesa Uso desse vômito pra me expressar Aliviar essa massa de concreto abstrato Passada por todas as paredes Da sala até o quarto Do móvel até o terceiro ou quarto andar.
Juliana Bueno
AMOR
Despertou
Créditos: Matthew LeJune| Unsplash
Ele me deu a mão e explicou que o céu é mais azul quando olhado de um cenário mais bagunçado. Comentou com jeitinho que a monotonia dos dias abafados de inutilidades se tornava menos exaustiva quando vivida por um coração aberto. Despertou vontades, arrepios e sorrisos bobos. Devolveu sentido para os dedos cansados de tentar descrever experiências inexistentes. Trouxe medo, esperança, aflição, dúvida, emoção, ousadia, astúcia e até tesão. Transformou o céu límpido e supostamente azul em uma chuva de granizo que destruiu, mesmo que por um breve instante, minha efêmera barreira de concreto. A tempestade enfraqueceu os joelhos, gelou e fez ventar. Provou que eu sinto. Por favor, que continue chovendo amor!
Anônimo
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Eu e você Braços envoltos Ao fundo a música tocando Os meus ouvidos Mais o meu coração Acelera e desacelera Na sintonia Da ligação de nossos corpos À energia de cada palavra Os olhos enchem Da água que rega o nosso amor Na consciência Toma forma a ciência Da realização de uma ideia Concreta e literal Súbito sentimento que bateu e morou Viagem constante de um sonho Que parece mais real que o próprio real
E Contente-se com aquilo que sinto. É tudo que tenho a oferecer. Contente-se com o que demonstro. O coração sempre tem algo a dizer. E se mesmo com minhas poucas palavras, algo em ti eu puder despertar, prenda-me por entre teus lábios e lá me deixe repousar. O mundo esqueceu-se de sentir. Tantos voam alto pelo céu, mas nunca saberão para onde devem ir. Que loucura as pobres almas cometem nesse ato lunático acreditar! Perambulam por onde há amor mesmo sem sequer saberem o que é de fato amar.
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Ju Bergamaschi
Créditos: Thought Catalog| Unsplash
Julia Navarro Lopes
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REVISTA SENTIR
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Entre
Créditos: Josh Applegate| Unsplash
Dois
Paciência e gratidão são algumas das virtudes que precisamos desenvolver para mergulhar profundamente nas relações e apertar os laços que nos unem Por Elisa Esposito e Tatyane Garcia
Como se manter num mundo de relacionamentos amorosos líquidos e voláteis, que estão ótimos e seguros num dia e no outro se desmancham como açúcar na água? Como adquirir essa força interna que permite que os relacionamentos durem muito mais tempo sem que eles terminem de uma hora para outra? Manter a estabilidade na instabilidade 76
é um dos nossos grandes anseios. Convidamos alguns casais para contar o que é estar em um relacionamento e as dificuldades enfrentadas no dia-a-dia. Aqui, não importa o caráter dele (aberto, fechado, entre duas mulheres, entre um homem e uma mulher, entre dois homens, entre trans...), e sim o amor e a vontade de ficarem juntos!
AMOR
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Jady Thuany Guise
Créditos: Acervo pessoal
Ana Clara Santos
Descobri o que é ter um relacionamento de verdade depois que conheci a Ana Clara. Ela tem algumas características se fosse no passado eu a descartaria da minha lista de interesse, mas hoje eu entendo o que realmente é um relacionamento. Vai muito além de ter alguém que te “complete” mas alguém que te transborde e não te sugue. Ela, com todas as manias que eu não suporto, e as vezes tenho vontade de colocar ela debaixo do primeiro ônibus, me faz uma pessoa melhor. E não, porque ela quer me mudar, mas porque as nossas diferenças se complementam. Um relacionamento é mais que uma aliança no dedo, mais que um “eu te amo”, mais que dormir de conchinha... É muito mais que isso! É programar e planejar uma vida e quando o grande dia chegar, acontecer tudo ao contrário do que você sonhou, mas você conseguir passar por isso sem surtar. É vencer as dificuldades de um casamento, é tornar dois corações um só, que pensam como um. Os salários não são mais individuais, mas são um só para as duas. É não surtar quando um estourar o limite do cartão, ou quando a outra comer todo o doce sozinha, quando você ainda não comeu. Um relacionamento é ser dois e ao mesmo tempo ser um, as mesmas dores e as mesmas alegrias, o mesmo dinheiro, a mesma roupa, a mesma família .... Tudo se unifica, sendo um corpo só... Eu, depois que a Ana Clara apareceu eu fui uma pessoa melhor, porque, mesmo com todas as minhas limitações, ela se fez o ser mais lindo que eu poderia ter ganho. Enfrentou minha família, me pegou no colo, me deu uma mãe e colo, que foi algo que eu nunca tive. E a um ano e quatro meses eu vivo algo novo todos os dias. Talvez isso seja a minha definição de amor: ser algo novo e melhor todos os dias para quem você ama.
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Camila Gabrielle
Jonathan Calzavara
Eu conheci o Jonathan pelo Tinder, na época que vim fazer vestibular em São Paulo, no começo de 2015. Nos conhecemos em Campinas e eu voltei pra Aracaju para esperar o resultado do vestibular e mantemos contato. 6 meses depois, em junho de 2015, vim morar em Bauru e, no dia 20, ele me pediu em namoro e estamos juntos há 3 anos e, mais recentemente, morando juntos nas mesma cidade. Esta foto é do dia 20 de junho de 2016. Nosso primeiro ano de namoro. Este relacionamento significa muito para mim, porque ele é, acima de um namorado, um grande amigo e alguém que pretendo dividir minha vida.
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Vinicius
Seu Namorado
Créditos: Acervo pessoal
Já se passaram quase três anos desde o dia em que e eu e meu namorado tomamos a decisão de dar início a um namoro. Durante esse período, o processo foi um constante movimento de entendimento sobre os limites e individualidades de cada um. Este processo, ao me ver, é de grande importância, pois já existe uma norma social que carrega consigo um modelo ideal de relacionamento que implica em um relação de posse e dependência do outro, o que acaba sendo um tanto quanto tóxico. A minha ideia de relação saudável é basicamente essa, onde não existe uma projeção e uma expectativa sobre o outro e sim um respeito com as vivências, o tempo e as escolhas daquele com quem você se compromete estar em um relacionamento amoroso, porém, sem que para isso seja preciso abdicar da sua existência como indivíduo.
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Amanda Tagliavini
Igor Carlos
Créditos: Acervo pessoal
Relacionamento é uma soma, em que duas pessoas aprendem a serem cúmplices, na vida, nas relações e nas dificuldades. É aprendizado, dedicação e segurança regidos pelo sentimento que nos une: o amor.
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AMOR
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Luiza
Vittoria
Tê-la em minha vida foi a melhor coisa que já me aconteceu! O jeito como ela vê o mundo me encanta, o modo como expõe suas visões e sentimentos me deixa, cada vez mais, fascinada! Olhar para ela, senti-la perto de mim... suas mãos, seu olhar, são tão intensos e puros que me fazem sua refém. Tudo nessa mulher me encanta! Seus detalhes me dão vontade de mergulhar nela, na imensidão que eu sei que ela é. É como se a cada vez que eu olhasse para ela eu me apaixonasse mais. Como se ela fosse a personificação de tudo aquilo que é lindo e bom. Estar com ela é tão extraordinário que eu jamais poderia imaginar algo assim para mim. Eu me encontro e me transbordo em todos instantes que divido com ela.
REVISTA SENTIR
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Créditos: Acervo pessoal
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Micaela Ferrari Allas
Rafael Nakao
Relacionamento, antes de tudo, é respeito, compreensão, aceitar as diferenças e o jeito de cada um. É cuidado, amor e carinho. É saber aceitar e saber ceder. Relacionamento é entregar a sua alma e a sua vida a alguém para que te faça feliz acima de tudo!
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Gabrielly
Guilherme
Essafoto jáfazumtempo e,junto a ela, vem à tona um turbilhão de sentimentos. Eu não sabia o que era o amor até encontrar essa pessoa e ele me mostrar o lado bom da vida. Sou canceriana, olha o problema! Tem dias que basta uma palavra para me fazer chorar e, mesmo assim, ele se torna a calmaria em meio à tempestade que tenho dentro de mim. Sabe ser companheiro, ser amigo, ser namorado, ser marido, ser tudo em um só, é fazer com que eu não precise de mais ninguém. Eu tenho depressão, ansiedade, crises e crises de pânico, e mesmo assim ele olha no fundo dos meus olhos e fala “isso é só uma fase e eu tô aqui contigo pra te ver vencer! “. Não sei explicar bem oque é o amor. É uma loucura! Só sei sentir e dizer que é maravilhoso!
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Guilherme
Luiz
Créditos: Acervo pessoal
Estou com o Luiz há quase 5 anos e jamais imaginaria o quanto essa relação mudaria completamente minha vida. Com o Luiz, eu amadureci, ampliei minha visão de mundo, aprendi sobre outras vivências, sobre racismo, sobre a sociedade em que vivemos. Luiz me fez descobrir o que é amor, o que significa amar alguém, mas também como amar a mim mesma. Ele me deu liberdade e forças para existir, entender quem eu sou e começar a viver de fato. É engraçado pensar em como alguém pode entrar na sua vida e fazer uma “bagunça”, mas, na verdade, só estar colocando as coisas no lugar. Eu acredito que o universo fez a gente se encontrar, porque foi um encontro de almas, sabe? E, independente do tempo que passaremos juntos, ele sempre será o menino de coração enorme que me fez perceber que eu podia sorrir para a vida.
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AMOR
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Amanda Junqueira
Lucas Alves
Estar numa relação é ter amor próprio para se permitir amar outra pessoa. É dividir os medos e os sonhos, pensar no bem coletivo, e ser verdadeiro com você e com a outra pessoa. É confiar e sentir. É dividir planos e desejar tão bem para o outro quanto você deseja a si mesmo! É estar acompanhado para viver o melhor e o pior que a vida pode oferecer e, assim, fortalecer um ao outro.
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O que é o
Ódio?
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Por Tatiany Garcia
Ao pensar na palavra ódio, nossa mente nos remete à palavras como: raiva, mágoa, vingança, pessimismo, indiferença,violência, intolerância, julgamentos, guerra, preconceito e etc., que fazem parte da nossa sociedade e personalidade dos indivíduos. Segundo o dicionário Google, ódio significa ‘’aversão intensa gerada, motivada por medo, raiva ou injúria sofrida; odiosidade’’. Assim como o amor, o ódio, também é uma palavra pertencente a vários idiomas e culturas sociais. É também, um sentimento que configurase na subjetividade de cada indivíduo, ou seja, cada um terá uma interpretação do que tal palavra, sentimento e conceito significam. O que é um aspecto comum para tanto amor, quanto ao ódio é o poder do sentimento, de tais palavras motivarem reações físicas e psíquicas. Embora antagônicos, amor e ódio são conceitos que provocam a reflexão das pessoas, quando elas, precisam estabelecer alguma definição para assuntos tão complexos. Além de perguntar’’o que é amor’’, a Revista Sentir não poderia deixar de perguntar ‘’o que é o ódio’’. O que percebemos é que, ainda mais difícil que encontrar palavras para descrever o amor, o ódio ao vir à tona, em primeiro momento inibe a expressão dos indivíduos.Além disso. 92% dos entrevistados alegaram que é difícil expressar em palavras este sentimento. Confira a seguir as particularidades de cada definição ‘’do que é o ódio’’ para os entrevistados. REVISTA SENTIR
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“
Ódio é aquilo que a gente sente quando não definiu ainda coisas sobre algo ou alguém que não combina, ou tem o mesmo perfil que o nosso. Apenas sentimos essa negação ou repulsa e definimos como ódio
“
Ódio é um sentimento bastante próximo da paixão. Na verdade, penso que é um tipo de paixão. Quando se tem ódio por alguém, você se dedica a essa pessoa, mesmo que de forma negativa. Não para de pensar, não controla seus impulsos e o coração chega até a bater mais rápido quando a encontra.
” “ ”“ “ ”“ “ “ ” Lucas Odria, 30 anos
É maldade impregnada no coração, sufocante e angustiante, reprimindo os bons sentimentos
Fabiano Boiago, 21 anos
Pode-se dizer que é a manifestação da raiva em forma de vingança, contra o ser que o prejudicou.
Wallace Gabriel, 25 anos
” ”
Marcos Cardinalli, 30 anos
Para mim a definição de ódio é muito abstrata.Eu sei como é sentir, mas não entendo como materializar.
Isabela Almeida, 21 anos
“Para mim, o ódio é a incapacidade de aceitar o que há diferente no outro! Minha inspiração vem do existencialismo de Sartre: ‘o inferno é o outro…’ daí, o ódio. Gosto de pensar a partir dos contrários e, quando aceito e compreendo a beleza dessas diferenças, já não odeio mais: passo a apreciar e até primar pela diferença!
”
Márcia Lopes Reis, 52 anos
Para mim, o ódio é o sentimento que, quando consegue se instalar no coração de alguém, faz com essa pessoa perca a capacidade de ter empatia. Ela deixa de enxergar o próximo como seu semelhante, como seu irmão. Aquela pessoa que te causa/causou tanto mal agora se torna, no seu imaginário, o próprio mav
Robner Domenici, 20 anos
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Ódio é o sentimento movido por egoísmo. Odiamos, ou seja,queremos o mal de outra pessoa, quando não aceitamos a ideia de que há muito mundos particulares fora do nosso quadrado. Às vezes o ódio também acontece, quando nos deparamos com o sentimento egoísta
”
Vitor Soares, 21 anos
Créditos: Unsplash
AMOR
Conceituar o ódio é algo singular para cada um, já que todas os aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos influenciam em tal conceito. O que a Revista buscará desvendar é como esse sentimento atua diante da sociedade e em que setores podemos identificá-lo, seja em um discurso, em uma demonstração explícita de violência, vingança e etc. Muitas vezes ouvimos falar do ódio em um sentido pejorativo. Que ele se manifesta como um sentimento negativo e que contrário ao amor, ‘’não traz coisas boas às pessoas’’. O intuito da Sentir com este tema, é levar a sua reflexão e discussão, leitor, sobre este sentimento que pouco falamos, ou descrevemos, mas que sentimos como qualquer outro. Amar e odiar são sinônimos de liberdade. Sentir e praticar tais ações cabe a cada sujeito, que embora conheçam estes verbos, vivenciam-nos a sua maneira.
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Olho Por Olho
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Dente Por Dente
Pesquisadores afirmam que a vingança estimula regiões de satisfação e excitação no cérebro humano
Por Beatriz Santana
A história e a ficção humana estão repletas de relatos sobre vingança pelos mais variados motivos. Para a neurocientista alemã Tania Singer, do Instituto Max Planck, em entrevista ao canal History, o nível de empatia diminui muito quando consideramos alguém injusto, e isso poderia explicar porque pessoas que costumam ser amigáveis podem tornar-se vingativas sem se importarem com o sofrimento do afetado pelo plano de vingança. Além disso, um grupo de pesquisadores da Universidade de Zurique, na Suíça, publicou um artigo na revista científica Science, em 2004, afirmando que regiões do nosso cérebro ligadas ao prazer são ativadas durante uma ação vingativa. O estudo foi realizado através de uma tarefa criada pelos pesquisadores que envolvia punição por desonestidade. Enquanto suas atividades cerebrais eram gravadas e sua quantidade de oxigênio radioativo usada era medida, 15 homens participaram de jogos com dinheiro real. Se algum deles fosse desonesto com o dinheiro, os outros escolheriam a forma como este seria punido. REVISTA SENTIR
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A vingança na ficção Durante o experimento, os cientistas analisaram qual área do cérebro era ativada quando os participantes escolhiam como punir os outros, e descobriram que uma parte chamada estriato, relacionada às sensações de satisfação e excitação, se torna ativa. O teste aplicado em seguida, foi para observar se os voluntários efetuaram punições em seus colegas mesmo que isso lhes custasse algo. A maior parte optou pela vingança, mesmo perdendo parte do seu dinheiro. Nessa etapa, tanto o estriato quanto a área do cérebro chamada de córtex pré-frontal medial (CPFM) foram ativadas. Segundo a equipe de pesquisadores, o CPFM é responsável por medir os custos e os benefícios em uma ação, e é assim que os voluntários puderam decidir entre seguir ou não com a vingança. Ainda de acordo com o estudo, a atividade de processamento cerebral variou entre os participantes da pesquisa, e uma das cientistas responsáveis pela publicação, Dominiqui de Quervain, afirma que os resultados refletiram a experiência cotidiana, em que alguns indivíduos aplicam muito mais de sua atenção do que outros ao se vingar de alguém.
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Na ficção, a vingança se mostra muito popular entre os telespectadores no Brasil e no exterior. Um exemplo é a aclamada telenovela brasileira, Avenida Brasil, exibida pela Rede Globo no ano de 2012, a trama trouxe a vingança de uma enteada à sua madrasta após anos de sofrimento infligidos pela vilã. A produção recebeu 118 indicações em premiações nacionais e internacionais nas mais variadas categorias, incluindo a indicação de “melhor novela” no Emmy Internacional, um dos prêmios mais importantes para a televisão mundial. Ganhando um total de 41 das indicações. As produções nipo-americanas Kill Bill volume 1 e 2, que tratam de uma vingança pela tentativa de assassinato à protagonista, lançadas em 2003 e 2004, respectivamente, são muito populares até hoje. Ambos os filmes foram indicados ao Globo de Ouro, a segunda mais importante premiação do cinema. e tiveram seus atores também selecionados para prêmios na cerimônia. No MTV Movie Awards, os longas foram indicados em seis categorias e ganharam quatro delas. Curiosamente, o segundo filme foi lançado no mesmo ano da publicação da pesquisa dos cientistas da Universidade de Zurique.
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A origem do ódio:
do lombo límbico às atitudes violentas Entenda como nasce o sentimento de aversão na superfície medial do cérebro e quais são os efeitos disso para o organismo humano
Por Adriele Silva
Do latim odiu, a palavra “ódio” é definida pelo dicionário Aurélio como “aversão inveterada e absoluta; raiva; rancor; antipatia”. Caracterizado pelo desprezo e pela repulsa contra algo ou alguém, o ódio é um dos sentimentos mais presentes na vida das pessoas.
lombo límbico, a área fica abaixo do córtex e é responsável pelo surgimento dos sentimentos, como ira, pavor, ódio e alegria. “O lombo coordena comportamentos, cria e modula funções que permitem distinguir o que lhe agrada ou desagrada, e desenvolve funções afetivas”, explica Caroline.
As redes sociais são prova disso, já que são utilizadas pelos internautas para promover suas ideologias e discursos de ódio. Frases como “Vai apanhar pra virar homem”, “nordestino nem é gente”, e “a mulher negra usa pó compacto ou carvão no rosto?” podem ser facilmente encontradas não só no mundo virtual, mas no dia a dia.
O caminho percorrido pelo ódio
Mas você já parou para pensar de onde vem esse ódio? Como ele é produzido no organismo? Quais são os hormônios que atuam nesse processo? De acordo com a médica Caroline de Barros Viegas, o ódio é um sentimento que ocorre de maneira irracional, baseado nos instintos antropológicos ou fundamentado em acontecimentos que causam uma sensação de injustiça. Segundo a profissional da saúde, o neurologista francês Paul Broca constatou, em 1878, a existência de uma região na superfície medial do cérebro dos mamíferos formada por neurônios que comandam os comportamentos humanos. Chamada de 94
Baseada no artigo “Correlatos neurais do ódio”, escrito por Semir Zeki e John Paul Romaya em 2008, a médica Caroline explica como foi analisado o percurso do ódio até as atitudes extremas. Durante o teste elaborado pelos estudiosos britânicos, 17 pessoas que odiavam alguém foram escolhidas e orientadas a olhar o retrato do indivíduo em questão e de mais três pessoas do mesmo sexo que não nutriam nenhum sentimento. Nesse processo, os cérebros dos voluntários foram observados e contatou-se que há um padrão único de atividade neste órgão com relação ao sentimento de aversão. O que significa dizer que nas partes onde o ódio é formado, houve um aumento significativo das atividades em áreas como o giro frontal medial, o putamen e insula, por exemplo. “Devemos observar que o putamen e a insula além de estarem associadas ao sentimento de ódio
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AMOR
e desprezo, são integrantes do sistema motor, importantes na geração de comportamentos agressivos. De modo que o indivíduo se prepara para se mobilizar e agir”, explica Caroline. A diferença do amor e do ódio biológico Já ouviu a frase “amor e ódio andam lado a lado”? Pois é, de acordo com o artigo de Semir Zeki e John Paul Romaya, esse dito popular tem um fundamento científico. Durante a análise dos cérebros das 17 pessoas, os estudiosos descobriram que, assim como o putamen e a insula são ativados com o ódio, são estimulados com o amor. O que diferencia este processo é o padrão de desativação de certas regiões cerebrais. “No caso do amor, zonas do córtex cerebral relacionadas ao julgamento e à razão são desativadas, o que faz com que o indivíduo seja menos crítico e exigente em relação à pessoa amada. Já em situações de ódio, somente uma pequena região do córtex frontal fica desativada”, explica a doutora. A função dos hormônios no surgimento do ódio e os efeitos do sentimento no organismo Segundo o biólogo Eder Santiago, os “hormônios
são substâncias químicas produzidas em glândulas, tecidos e neurônios cuja ação está ligada a estimulação de células-alvo”. Tendo isso em vista, o profissional explica que a maioria das respostas assimiladas pelo sistema nervoso depende diretamente dos hormônios para que as manifestações fisiológicas ocorram. Segundo Eder, os hormônios não atuam diretamente nos sentimentos, e sim o contrário. São as sensações que, através da interação psíquica, desencadeiam a produção de hormônios. “O medo causado por motivo comum (sentimento) desencadeia o tremor (ação fisiológica)”, exemplifica o biólogo. Com relação aos efeitos da aversão para o corpo, a bióloga Natalia Ramuno explica que este sentimento pode causar estresse, ansiedade, raiva, fome, sono, depressão e até a chamada odiodependência. De acordo com a médica Caroline Viegas, os distúrbios emocionais estão ligados com as alterações nas funções viscerais, uma vez que “as estruturas límbicas, responsáveis pelas emoções, quando acionadas, produzem respostas cardiovasculares e respiratórias”, explica. Como consequência, doenças ligadas à emoção, como a hostilidade e a impulsividade, tendem a surgir com maior frequência. REVISTA SENTIR
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O ódio vindo dos discursos
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Você Sabe distinguir uma opinião de um discurso de ódio? A revista Sentir explica um poco mais sobre as diferenças entre essas duas palavras
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ÓDIO
Por Agnes Faria
Entre discussões e debates em uma roda de amigas, almoços em família e até mesmo em textos e publicações nas redes sociais, diversas opiniões são emitidas em relação a uma gama variada de assuntos. Entre os temas discutidos, algumas opiniões são consideradas “polêmicas”. A pergunta que fica é: será que essas opiniões são realmente polêmicas, por tratarem de assuntos tabus, ou há um discurso de ódio embutido no comentário.? Muitas vezes, nessas conversas, discussões ou debates em assuntos como politica, religião e sexualidade há discursos de ódio e desrespeito por trás do que se considera um simples opinião. Mas quais são as características de um discurso de ódio um e de argumento opinativo? Todos nós temos direito á liberdade de expressão, que é um direito garantido pela Constituição Federal Brasileira de 1988. Através dessa liberdade de se expressar, é possível então manifestarmos opiniões em vários temas e ideias, desde que esses não afrontem o direito alheio, como a honra e a dignidade de uma pessoa ou um grupo. Já o discurso de ódio é uma manifestação preconceituosa contra minorias étnicas, sociais, religiosas e culturais, que geram conflitos com outros valores assegurados pela Constituição, como a dignidade de outra pessoa. De acordo com a psicóloga e especialista em comportamento não violento Paloma Afonso Martins, a opinião é um ponto de vista pessoal sobre um determinado assunto. “Mesmo assim é uma definição complicada, porque tem assuntos sobre quais não tem como você dar uma opinião porque são temas muito pessoais,” complementa Paloma. A psicóloga utiliza como exemplo a questão da sexualidade e como a pessoa se sente em relação á sua opção sexual. Em casos como esse não há o que opinar, pois é um assunto muito pessoal. Já o discurso de ódio, Paloma define como
uma “invasão”, pois tem relação com preconceitos. Ela complementa dizendo que a opinião traz uma construção e que o discurso de ódio visa a destruição. O que leva as pessoas a manifestar discursos de ódio? Os principais assuntos geram discursos de ódio são: esporte, politica, religião, sexualidade e valores morais como machismo versus feminismo. Entre esses temas muitas pessoas deixam uma opinião respeitosa de lado e partem para manifestações agressivas contra o direito de outros seres humanos. A psicóloga Paloma Afonso, explica que muitas pessoas ficam em posições “defensivas” sobre um determinado tema, e então resolvem atacá-lo. Para ela, a opinião se transforma em um discurso de ódio “quando você resolve machucar as pessoas, além querer empurrar as suas vontades para os outros”. Paloma cita a questão da polarização como um fator que gera o discurso de ódio, ou seja, as diferenças e distâncias entre uns e outros que não são aceitos por muitos, como é o caso de divergências, politicas, religiosas e de sexualidade. Além de muitas pessoas realizarem discursos agressivos e que incitam o ódio, as mesmas não admitem que sua “opinião” desrespeite os outros. Para a psicóloga, as pessoas se defendem dizendo que seus discursos intolerantes são apenas opiniões, porque assim elas não precisam pensar nas consequências de suas falas. A psicóloga Paloma cita como como é importante acionarmos as pessoas sobre suas falas e comportamentos desrespeitosos, mas que infelizmente não há muito o que se fazer quando o outro apresenta uma postura intransigente. REVISTA SENTIR
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Fala Povo: A seguir a revista Sentir apresenta a visão das pessoas em relação as diferenças entre a opinião e discursos de ódio
“
Temos opiniões acerca de tudo, até mesmo sobre coisas que não vivenciamos. Todavia a liberdade de expressão não deve ser confundida com o direito de trazer à tona toda e qualquer opinião. O discurso de ódio surge justamente do uso inadequado da liberdade de expressão e da falta de empatia.
”
“
A opinião é algo pessoa que varia de acordo com o que você viveu, baseado no seu conhecimento do mundo e das coisas. Discurso de ódio é quando você não tem o objetivo de construir uma ideia e sim atacar a pessoa que não vai de acordo com a sua visão.
”
Thiago Hendrick Martins, 20
Chirlene Samara, 36
Estudante de Química
Locutora e Atriz
O ódio disseminado através das redes sociais
Temas como religião, politica e sexualidade ganharam mais forças em debates no ambiente digital. Junto com essa força do debate, também tem corrido muita incitação de discursos de ódio na internet. É muito fácil se deparar com manifestações de raiva na web, e para identificar tais discursos foi criada no Brasil em 2012, a ONG Safer Net Brasil. A ONG é dedicada à defesa dos direitos humanos, através de um serviço que recebe denúncias anônimas de crimes e violações contra os direitos humanos na internet. A inciativa conta com um suporte governamental, parcerias com empresas privadas e autoridades policiais e judiciais. Em 2017, a Safer Net Brasil recebeu 3,9 milhões de denúncias contabilizadas sendo que a maior delas é a pornografia infantil. No Brasil, 1027 páginas foram denunciadas pelo uso de manifestações de ódio.
Apologia à crimes contra a vida: 4587 páginas Homofobia: 960 páginas Pornografia infantil: 19.843 páginas Neo nazismo: 427 páginas Xenofobia: 651 páginas Intolerância religiosa: 669 páginas Racismo: 2732 páginas Brasil : Apologia à crimes contra a vida: 226 páginas Homofobia: 42 páginas Pornografia Infantil: 327 páginas Neo Nazismo: 82 páginas Xenofobia: 82 páginas Intolerância religiosa: 33 páginas Racismo: 249 páginas
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Créditos: Site DomTotal
Número de denúncias sobre diversos tipos de discursos de ódio em 2017
AMOR
REVISTA SENTIR
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Seja magra
Seja magra
Seja magra
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Os inúmeros tipos de distúrbios alimentares e a baixa autoestima é resultado dos padrões de beleza impostos pela sociedade
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ÓDIO
Por Elisa Espósito
“Você está muito gorda”, “precisa comer mais, está esquelética”, “alise seu cabelo, vai ficar mais bonita”, “faça academia, suas pernas estão flácidas”. Admita, toda mulher provavelmente já ouviu alguma dessas frases ao longo da vida. O padrão de beleza imposto pela sociedade não é novidade para ninguém.
inúmeros tipos de dietas, de forma a satisfazer o olhar do outro, e não a própria aceitação. A indústria da moda, aliada aos meios de comunicação, são os principais responsáveis pela imposição de um padrão de beleza que é disseminado pelo mundo todo.
No período pré-histórico, por exemplo, as mulheres que se enquadravam no ideal estético da época eram obesas. Na idade média, por influência da igreja católica, os cuidados com a beleza e o corpo foram deixados de lado, já que eram considerados pecaminosos.
De acordo com a psicóloga Salete Cortez, através de dietas milagrosas, dicas de exercícios físicos e uma centena de modelos, e artistas magras expostas na mídia, as pessoas se sentem obrigadas a se enquadrar no perfil retratado. “A ânsia por ter um corpo perfeito e a propagação de ideais de magreza ganha destaque no cotidiano atual. Possuir um corpo próximo ao modelo estético difundido parece garantia de felicidade e realização plena, além de criar uma imagem baseada na idealização”, explica.
Durante o período Renascentista, os ideais da Antiguidade retornaram e as mulheres obesas voltaram a ser endeusadas, uma vez que este padrão representava riqueza, poder e status. Já no século XVII, o uso de espartilhos foi disseminado entre o sexo feminino, que foi, por sua vez, submetido à busca pelas cinturas finas. Três séculos depois, o mesmo item de beleza foi abolido para abrir espaço a popularização do sutiã. Nesse meio tempo, mais especificamente entre os anos de 1940 e 1950, as famosos de Hollywood se tornaram símbolos de beleza e sinônimos de sensualidade, como a atriz Marilyn Monroe. Dando um salto de 40 anos, chegamos aos anos 90, onde as mulheres altas, magras e com a cintura bem marcada eram enaltecidas. Nessa época, inclusive, o número de pessoas com distúrbios alimentares aumentou significativamente. Hoje em dia, o corpo ideal da mulher brasileira é moldado por academias, cirurgias plásticas e
Para Salete, as mulheres são bombardeadas com imagens da beleza ideal e se iludem com os corpos perfeitos construídos através de recursos tecnológicos. “O mito da beleza ideal tem total influência sobre a mulher moderna moldando sua alma, sexualidade, corpo, identidade, seu modo de se relacionar, definindo o que vai ler, assistir, pensar e conversar”, argumenta. As dificuldades em alcançar o “corpo dos sonhos” reflete na não aceitação de si mesmo seguida, na maioria das vezes, da baixa autoestima e na distorção da autoimagem. A estudante de jornalismo Karolinna Ferreira, que sofre com um transtorno alimentar chamado Ortorexia, conta sobre a visão de si própria. “Não olho no espelho já faz 6 meses. Eu odeio meu corpo em todos os aspectos. Além da ortorexia, REVISTA SENTIR
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tenho TDC ( transtorno dismórfico corporal) e me vejo larga, não “extremamente” gorda , mas me vejo larga, desproporcional “, conta. Segundo a psicóloga Salete, a autoimagem é a maneira como a pessoa se enxerga, seja com relação à aparência física ou o status social. Nesse sentido, a visão de si próprio surge baseado na relação da pessoa com o contexto social na qual está inserida. Quando a autoimagem apresenta uma discrepância da imagem real do corpo com aquela vista pelo indivíduo, muitas pessoas desenvolvem transtornos psicológicos, como a depressão, e transtornos alimentares, como a bulimia e a anorexia.“Os transtornos alimentares tem crescido nas últimas décadas, afetando diferentes países, culturas e grupos socioeconômicos, a ponto de serem reconhecidos como um dos principais problemas de saúde pública”, explica Salete. A psicóloga afirma que a preocupação em excesso com o peso faz com que muitas pessoas restrinjam a alimentação e prejudiquem a saúde física, como aconteceu com Karolinna. “ Eu tenho transtorno alimentar há 2 anos. Cheguei a pesar 39kg, porque eu quero ser mais magra e isso é uma coisa que me afeta a muito tempo. Comecei com isso ao entrar na faculdade, mesmo não estando gorda. Me senti não “cabendo nos padrões” das meninas magras e bonitas “, conta. A futura jornalista revela que sempre se compara com outras pessoas e que tem uma autoavaliação muito severa. “Eu detesto meu corpo inteiro por completo. Me acho gorda,feia, nada desejável. Meu corpo é horrível em todos os aspectos e tenho muita resistência para reconhecer alguma coisa que ele tem de belo”. Karolinna conta que a busca pelo corpo dos sonhos 102
se tornou uma verdadeira obsessão. “Meu sonho é ser magra e eu penso o tempo todo nisso, não importa onde eu esteja. Eu não consigo comer nada fora da minha dieta. Meu vício é por alimentos saudáveis e por um corpo que eu considere magro”, desabafa. Segundo a psicóloga Salete, os distúrbios da imagem corporal e a autoavaliação exagerada são resultados dos transtornos alimentares. “O desenvolvimento da imagem engloba como o indivíduo se sente em relação ao seu corpo, o modo como se move e se relaciona com suas sensações corporais, e as mensagens que recebe a respeito de si. Este complexo fenômeno está intrinsecamente associado com o conceito de si próprio e a autoestima”, explica a profissional. E por falar em autoestima, a estudante de 22 anos, Amanda Sampaio, que engordou de 30 a 40 quilos quando foi diagnosticada com transtornos alimentares, conta que aprendeu a aceitar seu próprio corpo. “Tem dias que eu olho no espelho e penso ‘que mulher maravilhosa essa que eu sou’, mas a grande maioria dos dias ou eu simplesmente não olho, ou eu realmente detesto o que eu vejo. Mas ultimamente eu até me sinto melhor: eu não sou minha pancinha! Eu sou uma pessoa feita de muito mais coisa do que só o meu peso, ou o meu culote”, explica. Apesar da valorização de si mesma, Amanda conta que ainda tem medo de mostrar seu corpo para os outros, já que o padrão imposto pela sociedade vai contra sua identidade. “Se não fosse esse padrão estético para sermos sempre magras, mas não demais, para termos cabelos lisos, dentes perfeitos, narizes empinados… eu levaria muito mais facilmente essa questão comigo, de mostrar o meu corpo. Claro, não são todas as pessoa com quem me relaciono que
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acham ou se importam com isso, mas a grande maioria idealiza um tipo de mulher”, desabafa. Salete explica que um dos maiores desafios do ser humano é preservar a própria interioridade diante dos moldes que a sociedade impõe. Nesse sentido, a psicóloga avisa que o auxílio de um psicoterapeuta é fundamental para a formação da própria identidade corporal. “Muitas vezes, na anorexia nervosa e bulimia, existe uma resistência a “olhar“ para este corpo e o terapeuta deve ter um bom manejo da técnica, conduzindo esta aproximação de forma suave e o menos ameaçadora possível”. Através de técnicas de autoanálise e de consciência corporal, como os exercícios de respiração, e os desenhos do próprio corpo, a pessoa consegue reconstruir sua visão de si própria e se aceitar da forma como é. A estudante Karolinne reafirma a importância de procurar um profissional da saúde para instruir as pessoas que possuem transtornos alimentares. “Eu amo cada sessão e me sinto acolhida, e não julgada por ser quem sou”, conta. Além disso, a futura jornalista revela que a aceitação é o melhor caminho para alcançar a paz interna. “É preciso se aceitar, mesmo que doa. É preciso saber que você não se resume ao número de roupa que veste, aos alimentos que você come, aos exercícios que faz, ao seu peso, ou percentual de gordura. Um corpo bonito é o que possui uma pessoa feliz dentro dele”, diz. Amanda também se posiciona a favor da valorização de si próprio, independentemente do que os outros pensam. “No final, não importa muito o seu peso, se você tem estria, celulite, veste 36 ou 46. O que importa é aquilo que você carrega com você, a sua verdade, o que te faz ser você. O resto a gente conserta com o tempo”, finaliza. * Karolinna Ferreira: nome fictício REVISTA SENTIR
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AM O IRO ÓD
Um ataque de raiva Saiba quais problemas de saúde nos causam irritabilidade e as consequências desse comportamento
Por Elisa Espósito
Emoções explosivas, irritabilidade, grosseria e ataques de raiva. Isso tudo pode ser um problema? Ou são apenas características emocionais de alguns indivíduos? Há pessoas que agem de forma agressiva às adversidades do dia-a-dia, o que pode ser considerado um temperamento dentro da normalidade do indivíduo, senão ocorrer de forma intensa e contínua. Quando o comportamento é recorrente pode indicar um transtorno. A agressividade, por exemplo, é um importante mecanismo de defesa. O problema aparece quando passa a ser excessivo. Quando há perda de controle, ela pode se tornar um problema tanto em relações pessoais, quanto profissionais. Tal comportamento afeta a qualidade de vida do indivíduo, abrindo portas para outros problemas psíquicos, entre eles o transtorno de personalidade. E quanto aos ataques de raiva? O que eles podem significar? A resposta pode ser uma doença. Quando a agressividade é impulsiva, pode ser um indício de transtorno explosivo intermitente (TEI).
Como características, a pessoa que apresenta este problema é bastante instável emocionalmente e não consegue controlar as suas ações, que são sempre desproporcionais. Os episódios de agressividade se manifestam de forma verbal e física, que podem ocasionar: destruição de objetos, agressão física a outras pessoas, xingamentos em excesso, brigas no trânsito e em outros locais públicos. Após esses episódios, as pessoas que apresentam TEI, geralmente se sentem aliviadas e em seguida arrependidas. As consequências dos ataques vêm em forma de exclusão e isolamento social. O TEI também pode aparecer já na infância, apesar de ser bem mais comum em adultos. É comum atos agressivos manifestados pelas crianças na infância, pois estas ainda estão aprendendo a controlar suas emoções e geralmente são mais emotivas. Entretanto, quando as manifestações deixam de ser isoladas e passam a ser frequentes, os pequenos devem começar a serem observadas com um olhar mais atento. Especialistas afirmam que, muitas vezes, as atitudes agressivas das crianças são reflexos de algum problema familiar, ocasionado reações negativas.
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Outros podem
problemas gerar
de saúde agressividade
que são:
· Hipertireoidismo: uma das doenças mais comuns que têm a raiva como uma das manifestações. A presença do excesso de hormônio pelo sangue afeta as atividades do cérebro e, além da irritabilidade, outros sintomas comuns são a perda de peso, tremores e excesso de suor; · Colesterol alto: Uma teoria é que baixos níveis de colesterol diminuem também a quantidade de serotonina no cérebro, o hormônio responsável pela alegria. Com isso, as pessoas têm mais dificuldade em controlar a raiva; · Diabetes: o baixo nível de açúcar no sangue pode causar súbitas explosões de raiva. A hipoglicemia, estado determinado por níveis de glicose inferiores ao normal, pode acontecer em pessoas que apresentam diabetes tipos 1 e 2; ·
Depressão: a doença não é expressada
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somente pela tristeza, mas também pela irritabilidade. Outros sintomas também podem se manifestar na forma de raiva, agitação e irritação; · Alzheimer: Conforme a doença vai avançando, novos distúrbios de comportamento e situações psicológicas aparecem em 90% dos pacientes. Entre esses sintomas está a agressividade. Essa doença afeta, entre outros locais do cérebro, o lobo frontal, área responsável pela personalidade; · Inflamações no fígado: Desde a medicina antiga, o fígado foi relacionado às emoções e ao excesso de raiva. Doenças que afetam o órgão, como a cirrose e a hepatite, podem se agravar e desencadear um distúrbio chamado encefalopatia hepática. Esta condição pode gerar distúrbios de personalidade, incluindo comportamento rude e agressividade; · Epilepsia: As convulsões são desencadeadas por repentinas explosões químicas no cérebro. Isto causa
A ÓM DO I OR
uma interrupção nas mensagens passadas entre as · Doença de Wilson: conhecida também como células e, em casos mais graves, podem determinar degeneração hepatolenticular, é uma doença genética lapsos de agressividade e perda de consciência; que afeta 1 em cada 30 mil pessoas e causa o acumula de cobre no fígado e no cérebro. Pequenas quantidades · Tensão pré-menstrual (TPM): Ocorre quando os de cobre são essenciais como vitaminas para o corpo, níveis dos hormônios, como estrógeno e progesterona, e são ingeridas por meio dos alimentos. No entanto, caem no fim do ciclo menstrual, geralmente na semana os pacientes com esta doença não conseguem expelir antes da menstruação. Apesar de o mecanismo o excesso desta substância. Este acúmulo afeta os não ser entendido pela medicina, este resultado tecidos, inclusive o do cérebro, e pode gerar danos parece ter um efeito devastador sobre a serotonina; no lobo frontal, área responsável pela personalidade. · Insônia: dormir mal é uma das causas gerais de distúrbios de comportamento, mas alguns remédios usados para tratamento de insônia podem ativar uma agressividade excessiva. As benzodiazepinas, que às vezes são prescritas também para controle de ansiedade, trabalham na desaceleração das funções cerebrais e, mesmo afetando 1% dos usuários, podem acentuar as características de irritabilidade em pessoas que já são agressivas normalmente;
· Acidente Vascular: popularmente conhecido como derrame, acontece quando o fornecimento de sangue é interrompido causando a morte das células cerebrais. A parte do cérebro afetada é a inferior, do lobo frontal, que lida com a habilidade de sentir empatia pelas pessoas e controlar as emoções, inclusive a raiva. Fontes: Ministério da Saúde
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AM ÓO D IRO
Desafetos no horário do expediente Discussões no emprego e suas consequências: O meu desafeto prejudica o trabalho? Confira tudo sobre o tema na reportagem a seguir
Por Agnes Campos
Um bate-boca, troca de ofensas e até mesmo opiniões diferentes, podem gerar desafetos no ambiente de trabalho.Umlocalemquepassamospartedonossodia,no qual são criadas relações profissionais e amizades, pode se transformar em um ambiente de desentendimentos. Os principais motivos que levam a discussões no trabalho são: frustração e inveja de outros colegas, falta de responsabilidade ou respeito, insatisfação com trabalho, pressão por resultados, falta de reconhecimento, insatisfação salarial e problemas pessoais.
apresentação de um protótipo para a empresa, ela se desentendeu com um dos seus colegas de equipe. O motivo do desentendimento, de acordo com Thaís, foi devido a comentários machistas de seu colega, ao duvidar que a mesma tinha feito o protótipo sozinha. “Ele continuou fazendo uma série de comentários machistas, como se por ser mulher eu não fosse capaz de fazer o projeto sozinha”, explica Thaís.
A seguir vamos contar a história de três mulheres, que tiveram conflitos em seus trabalhos e quais foram os motivos que levaram a esses desafetos.
Questionada sobre as consequências do desentendimento, a estudante de ciências da computação, nos conta que realizou uma reclamação formal contra seu colega. Após a queixa, o funcionário da empresa foi advertido e não apresentou mais esse comportamento.
Histórias de trabalho: histórias de desafetos A estudante de Ciências da computação Thaís Fonte, trabalha com o desenvolvimento da intranet. Na
De acordo com a psicóloga Giovanna Levatti, as consequências de um desentendimento no ambiente de trabalho são diversas. Entre elas, a dificuldade de
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expressar ideias em junção com a falta de habilidade de comunicação, bloqueio em negociações, prejuízos a produtividade e interferência na saúde mental que pode se manifestar em sintomas físicos. Essa última consequência, foi o caso da estudante de jornalismo Barbara Alcântara, que se desentendeu com a sua chefe. Na época, Barbara trabalhava como repórter em uma ONG de direitos animais. Após as diversas discussões com sua antiga chefe, a estudante de jornalismo teve crises de pânico, ficava sem dormir e muito estressada. Ela nos conta, que sua antiga patroa, já chegou a ligar gritando com a mesma. De acordo com Bárbara, algumas das reclamações, eram assuntos nos quais ela não tinha sido responsável pelo erro. A psicóloga Giovanna, explica que é levado em conta
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a hierarquia presente, quando há desentendimento com superiores. “Muitas vezes, empregados podem ficar receosos de expor suas opiniões, de comunicar o que pensam ou levar suas demandas, com medo de sofrer repressão”, complementa Giovanna. O último caso de desentendimento no ambiente profissional, é o da operadora de Lan House Maria Aparecida Cruz. Na época, ela trabalhava com a operação de vendas em um call center e se desentendeu tanto com sua chefe, quanto seus colegas de trabalhos. De acordo com Maria Aparecida, o conflito com seus colegas, foi devido à competitividade das vendas que eles tinham que realizar. A psicóloga Giovanna, explica que a competitividade pode gerar desafetos profissionais “O fato de sempre precisar produzir e se destacar enquanto profissional, pode gerar a
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disputa entre colegas de trabalho”, finaliza a psicóloga.
comunicação assertiva entre os funcionários.”
Já em relação ao desentendimento com sua antiga patroa, Maria Aparecida comenta que o motivo da discussão, foi devido à cobrança em excesso, que a mesma sofria de sua chefe. Além das exigências, a exoperadora de call center, explica que diversas vezes sua antiga chefe se irritava e á ameaçava de demissão.
A ex-operadora de call center Maria Aparecida, concorda que o diálogo é uma boa solução para os conflitos. “O meu desentendimento com colegas e a minha chefia, poderia ter sido evitado com o diálogo”, complementa Maria Aparecida.
Mas como resolver e quais os benefícios? Conflitos no emprego como já visto, geram diversas consequências prejudiciais aos empregados e patrões. Tais brigas, muitas vezes podem ser evitadas através do diálogo e do treino das habilidades sociais, como explica Giovanna. “O treino das habilidades sociais dentro do ambiente profissional, pode ser a promoção de um ambiente saudável, além do incentivo da
Através de uma boa comunicação e do treino de habilidades sociais, é possível manter- se um bom ambiente de trabalho. Entre os benefícios de um local sem desentendimentos, estão a: motivação positiva dos funcionários, mais qualidade de vida ao trabalhador, crescimento profissional, estimulo ao diálogo e a participação e um melhor aproveitamento das qualidades de cada profissional.
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ÓO DR IO AM
Profissões: do amor ao vício Quem disse que trabalho e felicidade não andam juntos? Conheça a história de mulheres que são apaixonadas pelo que fazem
Por Agnes Campos
Com diversas profissões nos dias atuais, temos de escolher um caminho que vamos engatar profissionalmente. Muitas pessoas, por inúmeros tipos de obstáculos acabam por não trabalhar com aquilo que gostam. Já aqueles, que exercem o que amam trazem boas e também complicadas histórias do seu caminho profissional. A matéria a seguir, conta a história de mulheres que trabalham com aquilo que amam e aponta os benefícios do amor pela profissão e malefícios do vício em trabalho. Histórias de amor que não são pelos parceiros A professora e musicista Letícia Rigoni trabalha a quatro anos com a educação musical, mas foi há seis anos que a música começou a fazer parte de sua vida. Ela explica, que desde os 10 anos de idade já tinha decidido que seria professora. A professora de música exalta o quanto ama a profissão e quais os benefícios que o seu emprego lhe traz. “Eu sempre amei minha
profissão e os benefícios são mais emocionais do que materiais, é maravilhoso ver alguém feliz por ter aprendido com você”, complementa Letícia. A professora de educação física Ariana Nascimento decidiu que faria o curso no ano de 2007, pois, se identificava com a área do desenvolvimento físico humano. Além disso, Ariana nos conta, que desde criança sentia a necessidade de ser professora. Ela explica, que o maior benefício que a sua profissão lhe trouxe, são as trocas e os momentos de aprendizado. Diferente dos outros casos, a professora de português Nayane Mensato não havia decidido desde pequena que gostaria de seguir a carreira acadêmica. Por isso, além de fazer a licenciatura também realizou o bacharel em letras. Após passar um tempo em Portugal e em seguida voltar ao Brasil, a sua primeira oportunidade de emprego foi em 2014, como professora. “A partir dai, eu me apaixonei, eu amo ser professora,”complementa Nayane.
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A psicóloga Aline explica que ao atuarmos em atividades profissionais que gostamos, ficamos mais motivados a exercê-la, além de lidarmos melhores com os problemas do trabalho.
a sociedade capitalista em que estamos inseridos, faz com que a escolha profissional, não seja apenas pela vocação. Muitas vezes a opção profissional se baseia em status social e no poder econômico.
Uma escolha que não foi movida por amor
A professora de música Letícia já trabalhou como secretária, mas trocou de profissão porque se identificava com as artes. Ela comenta, que até já pensou em trocar de trabalho, mas que sua escolha também seria na área das artes.
E quando não escolhemos fazer aquilo que amamos? Quais motivos nos levam a escolher outra profissão, no qual não temos afinidade? De acordo com Aline, os motivos de escolhermos um emprego que não gostamos éocarátersocialeeconômico,comoanecessidadedeuma remuneração mais alta e a busca por valorização social. Maximiliano Martin, graduado em história e professor na Unesp Bauru, explica que muitas vezes a pressão familiar nos leva a escolher trabalhos, a qual não nos identificamos. Maximiliano, também comenta que 114
Já Nayane trabalhou como revisora de texto de uma revista farmacêutica na época da faculdade. Ela explica, que, na verdade, não houve bem uma troca de profissão, já que a revisão de texto é um complemento de sua função como professora. A educadora física Ariana Nascimento comenta que nunca pensou em mudar de profissão. “O único pensamente de mudança, foi nas turmas em que dou aula, em vez dar
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AMOR
aula para o ensino superior, eu penso em dar aula para o ensino infantil e fundamental”, complementa Ariana. Um
amor
que
se
tornou
vício
Após engatar profissionalmente naquilo que gostamos, o trabalho em excesso e um bom salário podem ser considerados sinais de sucesso. Até mesmo, ser chamado de “workaholic”, que significa viciado em trabalho, chega a ser um elogio. O problema é quando o amor compulsivo pelo trabalho, é exercido como prioridade na vida de uma pessoa. Nesse caso, ela acaba deixando de lado relacionamentos familiares e amorosos e negligenciado a sua saúde. A psicóloga Aline explica que o vício pela atividade laboral é multideterminado e pode envolver tanto questões externas, quanto o desejo de alcançar
melhores resultados. Ela ainda ilustra quais os malefícios de se tornar “workaholic”, como ansiedade, cansaço, irritabilidade, ficar sensível a pressão e o descontentamento com a profissão. “Exercer a mesma atividade de maneira excessiva e por um longo período de tempo pode tornar a atividade menos prazerosa, de modo que corre o risco de a atividade perder a finalidade inicial”, explana a psicóloga. A musicista Letícia comenta ser viciada em trabalho e que algumas vezes já ouviu reclamações, por sempre falar de música. “Eu respiro música, então acho que posso dizer sou viciada no trabalho”, complementa Letícia. Seguir uma profissão que se ama, é fundamental para bons resultados tanto pessoais, quanto no ambiente profissional. Mas é preciso cuidado, já que a linha entre o amor e o vício pela profissão é tênue. REVISTA SENTIR
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