Por que Deus não me cura?

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RONALD DUNN

Por que Deus não me cura? Uma visão bíblica sobre os mistérios da fé

TRADUZIDO POR JOSUÉ RIBEIRO

ESTAÇÃO DO LIVRO

MUNDO CRISTÃO São Paulo

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POR QUE DEUS NÃ0 ME CURA? Categoria: Espiritualidade/vida cristã Copyright © 1997 por Ronald Dunn Publicado pela Multnomah Publishers, Inc., USA. Lenita Ananias Nascimento Silvia Justino Supervisão editorial e de produção: Jefferson Mango Costa Revisão:

Diagramação: Editae Ass. de Comunicação Capa: H. Guther Faggion Os textos das referências bíblicas foram extraídos de A Bíblia Anotada (versão Almeida Revista e Atualizada), salvo indicação especifica. Dados Internacionais de Catálogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Dunn, Ronald. Porque Deus não me cura?/ Ronald Duno; traduzido por Josué Ribeiro.— São Paulo: Mundo Cristão, 1999. Título original: Will God heal me? ISBN 85-7325-190-5 1. Cura pela fé 2. Deus — Vontade 3. Saúde — Aspectos religiosos— Cristianismo 4. Sofrimento — Aspectos religiosos —Cristianismo 1. Titulo. 99-1910 CDD-248.86 Índice para catálogo sistemático 1. Doentes: Guias de vida cristã: Religião 248.86 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19/02/1998. É expressamente proibida a reprodução total ou parcial deste livro, por quaisquer meios (eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação e outros), sem prévia autorização, por escrito, da editora. Publicado no Brasil com a devida autorização e com todos os direitos reservados pela: Associação Religiosa Editora Mundo Cristão Rua Antônio Carlos Tacconi, 79, São Paulo, SP, Brasil, CEP O481O-020 Telefone (11) 2127-4147 — Home page: www.mundocristao.com.br Editora associada a: • Associação de Editores Cristãos • Câmara Brasileira do Livro • Evangelical Christian Publishers Association A 1ª ediçlo brasileira foi publicada em setembro de 1999. Impresso no Brasil 10 9 8 7 6 5 4 3 2

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Para uma sogra maravilhosa, EILEENE COOK MITCHEL, que me ama, n達o importa o que eu escreva

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Sumário Agradecimentos ... 6 Introdução ... 7 Parte um — Quando a enfermidade ataca ... 13 1. Quando surgem as dúvidas ... 13 2. O lado noite da vida ... 18 3. De onde procedem as enfermidades? ... 31 4. Nos rios de Babilônia ... 40 5. A sedução do enfermo ... 51 6. Os sedutores ... 56 Parte dois — Manejando bem a Palavra da Verdade ... 64 7. Que queremos dizer com “cura? ... 65 8. Manejando bem a Palavra da Verdade ... 70 9. Cortando em linha reta, Parte 1 ... 74 10. Cortando em linha reta, Parte 2 ... 85 11. Cura: O mesmo ontem, hoje e eternamente? ... 94 12. As curas operadas por Jesus e pelos apóstolos: Um olhar mais detalhado ... 103 13. Cristo morreu para nos tornar saudáveis? ... 116 14. Deus quer que sejamos sempre saudáveis? ... 122 Parte três - Encontrando o propósito benéfico de Deus no sofrimento ... 128 15. Templo divino ou vaso de barro? ... 129 16. Orando pelos enfermos ... 136 17. Quando Deus diz “não” ... 147 18. “Vim ajudá-la a morrer” ... 158 19. Algo melhor do que a cura ... 166 20. Não tema ... 173 Notas ... 179

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Agradecimentos Dizem que ninguém escreve um livro sozinho. Isso nunca foi tão verdadeiro quanto a experiência deste. Agradeço profundamente a: • Dan Benson, meu editor, que sabe exatamente o que dizer a idéia fica truncada. • Dr. Robert Sloan, Presidente da Universidade Baylor, que leu grandes porções do manuscrito e deu sugestões inestimáveis. • Dr. Ron Hardin, de Little Rock, Arkansas, que leu cada parte do manuscrito relacionada com questões médicas, e até o último minuto deu valiosas contribuições. • Les Stobbe, por seu conselho editorial e sugestões, e Lisa Lauffer, por sua ajuda competente na edição final. • Joanne Gardner, minha secretária há trinta anos, parte fundamnental em todo livro que escrevo. • Stephen M. Dunn, meu filho — cuja perícia em meu computador e determinação me ajudaram a manter a sanidade, — pelas longas horas que gastou digitando e formatando o manuscrito. Certamente eu não teria conseguido sem sua ajuda. • Às pessoas preciosas que de maneira desinteressada compartilharam suas experiências com enfermidades e tornaram este livro possível. • Minha esposa, Kaye, que não somente ajudou a digitar, mas também leu minhas páginas com olhar atento e construtivo, e ofereceu ótimas sugestões que tornaram este livro melhor do que seria sem sua ajuda. A coisa mais inteligente que já fiz foi casar-me com essa moça.

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Introdução Há um novo deus na cidade Tinha de acontecer. Eu sabia que cedo ou tarde teriam de fazer algo assim— e lá estava no jornal: um artigo sobre um novo folheto recém-lançado pelo Instituto Nacional de Saúde, intitulado “Nem tudo provoca câncer”. O relatório explicava que nos últimos anos têm-se dito tantas coisas sobre o câncer e suas múltiplas causas que a população adquiriu uma verdadeira paranóia com relação ao câncer. Era tempo de esclarecer: nem tudo causa câncer (quase tudo, mas nem tudo). Para mim, o relatório foi oportuno. Estava começando a desenvolver meu caso pessoal dessa paranóia. Poucos dias antes um jornal local tinha mostrado a seguinte manchete na primeira página: “Pesquisas relacionam xampu com câncer”. Não é uma boa notícia para pessoas que apreciam cabelos limpos. O artigo prosseguia relatando que um rato de laboratório contraíra câncer depoia de ser alimentado com xampu durante seis meses. Bem, qualquer um que bebe xampu por seis meses merece o resultado, seja câncer ou cabelos com pontas duplas. Entretanto, com manchetes desse tipo, não é de estranhar que fiquemos com medo de tocar, provar ou cheirar qualquer coisa sem o selo de aprovação do Ministério da Saúde, garantindo sua segurança — e também não confiamos mais em nenhum selo de aprovação. Você já se perguntou como começou essa preocupação com a saúde e por que, como cristãos, estamos tão temerosos? Quando eu era criança, ninguém que eu conhecia se preocupava muito com o que comia. Julgávamos o que era bom para comer pelo sabor, não pelos ingredientes. Para nós, ovo frito, fatias de bacon pingando gordura, carne vermelha, leite integral e legumes cozidos na banha ou na manteiga eram a melhor expressão da verdadeira comida caseira. Não me lembro de ter visto ninguém correndo, a não ser que estivesse atrasado para algum compromisso. Nunca ouvimos falar sobre aeróbica. DDT era a maior arma contra os insetos, e o 8


amianto era a melhor defesa contra o fogo. Todos os homens que eu conhecia fumavam, bem como algumas mulheres escandalosas. Bebidas dietéticas e suplementos alimentares não faziam parte do nosso vocabulário. Cintos de segurança eram para aviões, e capacetes eram para carros de corrida. Então, entramos nos anos 60. Se você tem idade suficiente, lembra dos primeiros relatórios sobre cigarro. De repente, as pessoas começaram a pensar em saúde, em escala nacional. A Coca- Cola inventou o diet os substitutos do açúcar apareceram em todas as cozinhas e restaurantes, e começamos a medir o conteúdo de sódio de cada guloseima que comíamos. Nos anos 80, novos livros sobre dieta saltaram para o topo das listas de best-sellers. Fomos informados de que um em cada três americanos faz algum tipo de dieta e que um em cada cinco adultos participa de sessões de aeróbica. Salões de ginástica surgiram por toda parte. Recentemente passei por uma cidadezinha onde o salão de barbeiro local gabava-se de manter duas academias de ginástica. A pista de corrida que passa perto da nossa casa precisa de um guarda de trânsito. Nem me lembro de quando foi a última vez que me sentei para uma refeição sem ter um “fariseu da boa saúde” apontando tudo o era saudável no meu prato. Uma reuniãozinha entre amigos pode ser perigosa, se você não medir suas palavras. Recentemente, numa dessas reuniões, mencionei ousadamente que não sabia qual era o meu nível de colesterol. As frases pararam pela metade, as bocas se escancararam e os olhos se esbugalharam. “Você não SABE?”. Senti que devia cobrir meu rosto de vergonha e me arrepender com “pano de saco e cinzas Agora sei qual é o meu nível de colesterol, e ele é bom. Quando eu era criança, costumava me esgueirar para trás da garagem para fumar escondido. Agora, escondo-me lá para comer um docinho.

A consciência da saúde é boa para os negócios Você pode não saber, mas o cuidado com a saúde e com a forma fisica tornaram-se negócios lucrativos. Nas revistas e anúncios de TV, as clínicas competem entre si da mesma maneira que a Coca-Cola e a Pepsi disputam os consumidores. Lutam para chegar ao topo, não necessariamente para melhorar o cuidado com os pacientes e clientes dos centros de estética. Eu mesmo faço uso de um serviço telefônico gratuito para tirar dúvidas sobre saúde. 9


Bons valores nutricionais se constituem numa das grandes jogadas da publicidade. Alto teor de fibras e baixa caloria é a combinação vencedora. Os cereais que comemos no café da manhã agora têm um sabor “honesto, natural”, e até a cerveja é menos pesada. Acabei de comprar um pacote de batatas fritas numa máquina no saguão do hotel onde estou. Diante de várias opções, escolhi um pacote que dizia: “Sem colesterol, baixo teor de gordura saturada”. Algumas igrejas têm incluído saúde e boa forma em sua árvore de ministérios oficiais, oferecendo piscina olímpica e programas recreativos para toda a famiia. Tenho visto sessões de “Corrida para Jesus” e seminários sobre o tema “Esbeltos para o Salvador” — é a igreja buscando ministrar ao corpo, tanto quanto ao espírito. Nesse momento, em algum lugar, uma igreja está realizando uma sessão de ginástica aeróbica, ao som de urna reedição em ritmo de jazz do hino “Seu amor me transformou”. Antes de me sentar para escrever esta manhã, minha esposa e eu caminhamos mais de dois quilômetros e depois bebemos um pouco de suco de laranja natural. À tardinha faremos outra caminhada igual. Como resultado de tudo isso, estamos vivendo mais tempo e mais saudáveis do que qualquer outro povo na história moderna. No século II A.D., no auge do Império Romano, a expectativa de vida era inferior a 25 anos. Somente 4 por cento dos homens superavam a idade de 50 anos. Para que o Império pudesse manter uma população no mínimo estacionária, cada mulher tinha de ter cinco filhos.1 Ridicularizar a boa saúde não é bom negócio. Ninguém, em seu juízo perfeito, é contra saúde e boa forma. Não honramos a Deus quando desonramos nosso corpo, pois ele é o templo do Espírito Santo. Há, porém, outro lado em toda essa questão. O biólogo Lewis Thomas fez uma observação surpreendente, afirmando que, numa época em que deveríamos estar comemorando nossa boa forma, “tornamo-nos convictos de nossa saúde precária, nosso medo constante da doença e da morte... rapidamente nos tornamos uma nação de hipocondríacos, vivendo cheios de cautela, sempre preocupados com a morte... tornamo-nos obcecados com a saúde”.2

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Um novo deus na cidade Assim, há um novo deus na cidade. Este novo deus tem duas cabeças: Saúde e Estética; é o Bel eo Nebo* dos nossos dias. Os seguidores dessa nova divindade adoram desde o amanhecer até que caem as sombras da noite, sete dias por semana, às vezes sozinhos, outras em pequenos grupos ou em grandes concentrações. Adoram a portas fechadas ou ao ar livre, nas calçadas e nos parques, em casa e no escritório, no inverno e no verão. Formam uma congregação determinada. Esse último bezerro de ouro possui dimensões enormes, ultrapassa as barreiras denominacionais, preenche a lacuna entre as gerações e está acima de raça, credo ou cor. É fácil reconhecer os discípulos verdadeiramente devotados desse deus. Podem ser vistos trajando roupas esportivas coloridas e tênis caros de corrida — ou, para fazer moda, podem simplesmente vestir velhos calções de ginástica, camisetas surradas e tênis empoeirados. Inspirando e expirando pelas alamedas ou pelas ruas, com sol ou com chuva, esses adoradores devotados inclinam-se diante do seu deus com sacrificios de suor e doces. Novamente, tudo isso é bom para o corpo e grande diversão para o espírito. Mas o que acontece quando a enfermidade nos tira de cena, quando o sofrimento invade nossa vida normal? Naturalmente, nunca estaremos de fato preparados para isso. Ela nos pega de surpresa e nos desestrutura.

O medo alimenta a devoção pela saúde Uma — se não a primeira — emoção que sentimos quando a enfermidade nos acomete é medo. Não é apenas medo da enfermidade em si, mas medo do que ela fará com o nosso futuro, nossos planos e para onde poderá nos levar. Medo de como as outras pessoas irão reagir. Nem mesmo a igreja parece pronta para responder, pois poucas igrejas tratam os enfermos da mesma maneira que tratam os sadios. Na base do nosso medo da enfermidade está nossa insegurança sobre como Deus se encaixa no quadro geral. Deus se moverá para curar meu corpo? Ou terei de conviver com a doença? Ou terei de morrer por causa dela? São questões que ____________________ * Bell, nome da principal deidade babilõnica, era considerado pai de Nebo, deua da erudição e, portanto, da escrita, da astronomia e de todas as ciências. (N. do E.)

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tenho enfrentado e talvez você também. De fato, você pode estar passando por algo assim agora mesmo. Quando abordamos essas questões extremamente difíceis, tenhamos em mente as magníficas palavras de esperança de Paulo: “Àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos, ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós, a ele seja a glória” (Ef 3:20,21). A Deus seja a glória. Deve haver algo mais do que dor no sofrimento. RON DUNN

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Parte um Quando a enfermidade ataca Estar doente é apenas outra maneira de viver, mas depois que passamos por um tempo de doença, vivemos de maneira diferente. ARTHUR FRANK, ATTHE WILL OFTHEBODY

Religião é para as pessoas que têm medo de ir para o inferno. Espiritualidade é para pessoas que já estiveram lã. MARTHA MANNING, UNDERCURRENTS

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Capitulo 1 Quando surgem as dúvidas Por que Deus simplesmente não libera seu poder e cura todas as feridas? Deus pode curar hoje? A pergunta é tão relevante quanto a sua próxima dor de cabeça. Mais relevante ainda é a pergunta: “Deus vai me curar?”. É fácil filosofar sobre sofrimento quando não estamos enfrentando nenhum. Entretanto, quando a fera espreita à sua porta, “são outros quinhentos” — as respostas não fluem tão facilmente, e as explicações em geral não satisfazem. C. S. Lewis profetizou no prefácio do livro O Problema do Sofrimente quando disse: “O propósito deste livro é resolver o problema intelectual suscitado pelo sofrimento; nunca seria tolo de me considerar qualificado para a tarefa elevadíssima de ensinar sobre força e paciência e nem tenho nada que oferecer aos leitores, exceto minha convicção de que, quando surge a dor, um pouco de coragem ajuda mais do que muito conhecimento, um pouco de simpatia humana ajuda mais do que muita coragem, e um pingo do amor de Deus ajuda mais do que tudo”.1 O Problema do Sofrimento é um dos melhores livros que já foram escritos sobre esse assunto. Entretanto, vinte anos mais tarde, quando a esposa de Lewis estava morrendo de câncer, ele não encontrou conforto no que escrevera. As coisas que tinha escrito não eram menos verdade, mas ele estava menos capacitado para afirmá-las. Quando a filha de um colega pastor morreu subitamente, vítima de uma doença rara, alguém lhe perguntou se ainda acreditava em Romanos 8:28. Ainda cria que todas as coisas contribuem para o bem do povo de Deus? “Sim, eu ainda creio”, o pastor respondeu; “mas por enquanto não me peça para pregar sobre isso.” Quando acontece algo que faz parecer que não cremos mais, o problema não é a fé, mas a incapacidade de afirmar aquilo

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debaixo da mortalha das trevas. Como o pai do menino endemoninhado, clamamos: “Senhor, eu creio; me ajude na minha incredulidade!”. O sofrimento ao qual não podemos nos resignar produz dentro de nós um cansaço que, segundo Kornelis Mashotte, “não é meramente a manifestação da exaustão, mas também da deterioração do poder da fé”.2 As enfermidades nos levam a fazer coisas estranhas. O ator Steve McQueen foi ao México fazer tratamento com base em ervas. Afligido por uma forma rara de tumor maligno, o comediante Andy Kaufman foi às Filipinas para consultar um médico espírita. De cristais a pirâmides, de ervas a sessões espíritas, as pessoas fazem qualquer coisa em busca de cura. A dor pode nos levar ao desespero. Se não ficamos satisfeitos com os tratamentos convencionais, podemos buscar alternativas não endossadas pela medicina tradicional. Algumas alternativas podem ser válidas, até milagrosas. Outras revelam-se pura charlatanice, mas pelo menos representam algo para fazer e tentar. Nada está acima do nosso orgulho. Satanás disse a verdade quando afirmou: “Pele por pele, e tudo quanto o homem tem dará pela sua vida” (Jó 2:4).

Minha pesquisa pessoal Não sou uma testemunha hostil na questão da cura divina. Este livro é resultado de minha própria pesquisa, uma pesquisa que começou quando minha fé colidiu subitamente com a enfermidade, o sofrimento e a morte. “Pele por pele”, disse o diabo. Foi a minha pele e a pele da minha família. Minha motivação suprema era egoísta. A despeito de toda a minha oração e da oração da igreja, minha mãe morreu de câncer aos 60 anos de idade. Apesar das minhas orações e das de minha esposa, das orações da nossa igreja e de centenas de amigos por todo o país, nosso filho não foi curado do distúrbio maníaco-depressivo e suicidou-se aos dezoito anos de idade. Meu sogro morreu de câncer aos 62 anos, não obstante muitas orações e declarações de cura. No início dos anos 80 tive sérios problemas de saúde, de origem física. De 1976 a 1986 lutei com uma profunda depressão e só melhorei quando comecei a consultar um psiquiatra. Na mesma época, estava escrevendo um livro sobre o poder da oração e pregando sobre a vida cristã vitoriosa, por todo o 1


mundo. Minha vida tinha-se tornado um paradoxo. Alguém me disse: “Você não tem fé suficiente para ser curado”. Este, porém, não era meu problema. Meu problema era que não possuía fé suficiente para permanecer doente, se era assim que as coisas deviam ser. Outras pessoas me disseram que eu tinha direito divino à cura, que minha família e eu sofríamos de modo desnecessário, e que provavelmente estávamos sob uma maldição por algo que meu pai ou meu avô fizera. Bem, se eu estava perdendo algo, queria saber o que era. Pensei que sabia o que a Bíblia ensinava sobre essas questões, mas a dor pode nos levar a fazer coisas estranhas. Lembro-me de uma vez em que tentei arrancar um arbusto do nosso quintal. O jardim se expandia e precisava de mais espaço. Era um arbusto pequeno e feio e estava bloqueando o progresso das margaridas. A terra era macia; seria fácil arrancálo. Coloquei as duas mãos ao redor da base do arbusto e puxei com toda força. Quando consegui me erguer e a dor nas costas diminuiu, contei até dez, respirei fundo, abaixei novamente e dei outro puxão — seguido de outro, e mais outro. Finalmente meu obstinado adversário se rendeu. Quando ele saiu, uma dúzia de longas raízes espalharam-se em todas direções, como teias de aranha, levantando a terra. Eu não estava arrancando um pequeno arbusto, mas metade do quintal. Semelhantemente, quando puxei o arbusto da cura, senti que estava lidando com algo mais — algo além do óbvio, do fato visível da cura fisica. Não seria suficiente encontrar a resposta sobre a cura fisica. A verdadeira questão transcendia essa problemática e eu não conseguiria encontrar a resposta certa a menos que fizesse a pergunta certa. Percebi que a cura física era apenas a “ponta do iceberg”, um fator secundário. Quando analisamos a questão da cura física, imaginamos que estamos lidando com o mistério supremo, mas isso não é verdade, pois a cura física não é a questão suprema e certamente não é a realização suprema. Jó, o símbolo do sofrimento no Antigo Testamento, entendeu isso muito bem no final de sua história. O mesmo aconteceu com meu amigo Manley Beasley. Ele sofreu durante vinte anos com várias enfermidades terminais, mas foi devido a esse sofrimento que ele se tornou um dos maiores homens de fé que conheço. Quando foi abordado por uma mulher que desejava orar por sua cura, ele respondeu: 1


“Minha senhora ,já superei isso há muito tempo”. Não são apenas gripes e câncer que criam o “desespero silencioso”. Um relacionamento rompido pode doer tanto quanto um osso quebrado. Muitas almas enfermas residem em corpos saudáveis. Pessoas “saudáveis” saltam de prédios todos os dias. Não, a questão não é simplesmente: “Deus vai me curar da enfermidade?”. A questão é também: “Deus vai me curar do sofrimento?”. Sofrimento pode ser qualquer coisa que ameaça minha, vida ou minha capacidade de experimentar a plenitude designada por Deus. É mais do que perguntar: “Deus vai esticar minha perna?”. A verdadeira questão é: “Ele vai aprofundar minha fé?”. Deus irá me curar da solidão, das dúvidas, da “dor interior”? Vai me curar da preocupação que tenho com meus filhos, do terror de atender o telefone depois da meia-noite? Deus curará corações feridos e restaurará esperanças perdidas? Há livramento para a agonia sem sentido da vida cotidiana, para as enfermidades do espírito tanto quanto para as enfermidades do corpo? Existe, deste lado do céu, algum lugar seguro que sirva como um escudo contra as crueldades inesperadas da vida?

Crer em Deus pode ser um jugo Puxe o arbusto com um pouco mais de força, e outra raiz surge da terra: crer em Deus pode ser um jugo. A fé cria alguns problemas para o não-crente. Crer num Deus soberano que pode curar os enfermos, ressuscitar os mortos, aniquilar o diabo e purificar a terra de todas as forças malignas nos leva a encarar a questão: “Se ele pode, por que não faz? Por que Deus não libera seu poder e cura todas as feridas? Se eu fosse Deus, faria isso”. Respondemos que esse não é o método de Deus. Por quê? Por que não é o método de Deus? Ele não é Deus? Pode utilizar qualquer método que queira. Por que seus métodos em geral exigem que eu sinta dor? Realmente é assustador perceber que milhares de anos depois ainda estamos fazendo as mesmas perguntas feitas por Jó e por outros como ele, ainda que sejamos os primeiros a admitir este mistério. Apesar disso, não estamos mais próximos da resposta. Talvez essas questões nunca sejam plenamente respondidas nesta vida, mas mesmo assim nós as formulamos. Cada geração deve fazer essas perguntas. Isso inclui você e eu. Tudo isso torna o assunto deste livro permanentemente 1


relevante. Quero publicá-lo orando para que Deus o use para curar as feridas causadas por ensinos equivocados sobre enfermidade e cura, e para transformar o inimigo do sofrimento em um servo da santidade. Há mais coisas envolvidas no sofrimento do que aquilo que os olhos vêem.

Meu plano Na Parte 1, “Quando a enfermidade ataca”, analisaremos como a enfermidade nos afeta como cristãos, o que podemos esperar quando ela nos aflige, o estigma que muitas vezes está ligado à dor e ao sofrimento, os obstáculos inesperados das enfermidades, e aqueles que, intencionalmente ou não, confundem o enfermo com interpretações não contextuais da Palavra de Deus. Na Parte 2, “Manejando bem a Palavra da Verdade”, quero mostrar algumas regras importantes mediante as quais você mesmo poderá julgar o que as Escrituras ensinam sobre cura divina. Essas diretrizes, mais do que qualquer outra coisa, me ajudaram a caminhar no meio do labirinto dos ensinos sobre o assunto quando a enfermidade, o sofrimento e a morte irromperam em minha vida. Não encontrei respostas fáceis, nem simples, e também não lhe oferecerei esse tipo de respostas, em sua temporada de sofrimento. O que eu encontrei, porém, foi a afirmação inequívoca do amor e da soberania de Deus e a paz que resulta da submissão ao seu propósito supremo. Este material deu-me paz e esperança nos tempos dificeis. Ele pode fazer o mesmo por você. Na Parte 3, “Encontrando o propósito benéfico de Deus no sofrimento”, veremos como orar pela cura e também a mais difícil das questões: Quando Deus diz ‘não’. Analisaremos como ajudar um ente querido a encarar a morte e como vencer o medo. Conheceremos um homem maravilhoso que me ensinou mais sobre vitória no sofrimento do que qualquer outra pessoa (esta é a minha parte favorita da jornada que faremos juntos) e com ele conversaremos. Para começar, vamos conversar com alguns indivíduos, pessoas comuns como eu e você, que já passaram por essa difícil prova.

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Capitulo 2 O lado noite da vida As perdas e os ganhos do sofrimento Era uma mulher de 35 anos, mãe de dois filhos; tinha cabelos avermelhados e pele levemente bronzeada. Passava a maior parte do tempo exposta ao sol, trabalhando no jardim ou numa pequena horta. A luz do sol causou efeitos em sua pele delicada e surgiu uma estranha mancha vermelha no lado esquerdo do rosto, perto do nariz. A princípio não parecia nada grave, mas finalmente ela resolveu fazer um exame. — Câncer de pele — o médico disse. Estavam no ano de 1953, quando o tratamento do câncer era muito mais precário. — Vou transferi-la para a cidade de Oklahoma. Eles irão fazer um tratamento de radioterapia e veremos o que acontece. Um semana antes de viajar para Oklahoma, minha mãe pediu que tirasse algumas fotos dela. Eu estava com quinze anos de idade e tinha uma câmara fotográfica barata. Confuso com o pedido, fiquei assombrado quando ela saiu do quarto lindamente vestida. Seu rosto estava maquiado, o cabelo bem penteado e ela vestia uma linda blusa branca e uma saia preta. Tirei várias fotos dela, na frente da lareira, sentada numa cadeira, e confortavelmente no sofá — uma foto após a outra, seus olhos nunca encaravam a câmara, mas ficavam fixos num ponto distante. Quando terminamos, perguntei-lhe para que queria aquelas fotos. Ela respondeu que estava com tanto medo dos efeitos do tratamento do câncer que queria manter um registro da pessoa que era. Ainda tenho as fotos. Elas me fazem lembrar da primeira vez que vi o medo de uma pessoa com a síndrome da destruição da identidade, causada por uma enfermidade. Como você pode ver, a enfermidade é a Grande Interrupção da vida. Entra sem bater, atrapalhando todos os planos, zombando da idéia de segurança e diminuindo a esperança no futuro. Tocando cada parte da vida, a enfermidade arranca partes do ser, fazendo o indivíduo perguntar-se: “Quem sou eu na 1


realidade?”. Arthur Kleinman diz: “A fidelidade do nosso corpo é tão básica que nunca pensamos nisso — é a base certa das nossas experiências diárias. A enfermidade crônica é uma traição dessa confiança fundamental. Sentimo-nos sitiados: desconfiados, ressentidos com a incerteza e perdidos. A vida torna-se uma sucessão de sentimentos desencadeada pela traição física: confusão, choque, raiva, inveja e desespero”.1 Deixe-me compartilhar duas histórias que ilustram algumas das perdas e dos ganhos que experimentamos durante o trauma das enfermidades graves. Essas narrativas podem nos ajudar a colocar a enfermidade e sua relação com nossa fé em Deus na perspectiva correta.

A história de Julie Julie é irmã de minha esposa. Casada e mãe de três filhos, é uma empresária muito bem-sucedida e uma das cristãs mais piedosas que conheço. Em 1986, um exame acusou que ela era portadora de um distúrbio crônico caracterizado por problemas na absorção de alimentos e nutrientes. O glúten mata as células de revestimento do intestino delgado, de maneira que a cura só pode ocorrer quando este elemento é totalmente removido da dieta. No entanto, o glúten está em quase todos os alimentos de sabor agradável. Em média, são necessários cerca de 14 anos para chegar a um diagnóstico correto, e Julie foi abençoada com um diagnóstico feito em poucos meses. Ela, contudo, perdeu mais de 15 quilos enquanto os médicos tentavam identificar seu problema de saúde. O progresso da doença resulta no enfraquecimento dos ossos e em outros problemas decorrentes da falta de nutrientes, os quais evidentemente são essenciais para a vida. — Quando me defrontei com o problema — disse Julie — senti-me diante do desconhecido, emagrecendo a cada dia enquanto não se chegava ao diagnóstico. Sempre pensava na possibilidade ser câncer, mas durante o período de visitas diárias ao médico, os exames e a perda de peso, parecia haver algo de irreal em tudo aquilo. Sentia como se estivesse presa, sem poder me soltar. Estava indo em direção a algum lugar e eu não gostava do passeio. — Havia uma solidão especial. Ao mesmo tempo em que alguém é assolado pelos pensamentos de morte, também tem de 2


encarar o ambiente horrível e impessoal dos consultórios médicos e hospitais: muito tempo sentado, esperando, sentindo-se apenas como um número — uma série de indignidades. Seus exames são tratados com indiferença, embora para você o resultado seja uma questão de vida ou morte. Você sente vontade de gritar: “Será que vocês não percebem o quanto isso é importante? É a minha vida!”. Mas, pelo contrário: você permanece quieto e soulitário com seus pensamentos; no final, sempre acaba sendo só você e Deus. O seu mundo pára, mas a vida das outras pessoas continua. De fato, até o seu mundo continua; só VOCÊ pára. — Entretanto quando finalmente o distúrbio foi diagnosticado e soube que era uma enfermidade com a qual poderia conviver e que não iria morrer, fiquei tão feliz que não considerei mais minha condição como um peso. Para mim, é apenas uma inconveniência. É uma doença pela qual posso ser grata! Em 1991, Julie procurou um médico por causa de uma mancha na pele que tinha aumentado de tamanho. Depois de examiriá-lá o dermatologista saiu da sala. Enquanto Julie esperava, ouviu-o dizer: — Vamos tratar primeiro do caso de melanoma. — Então, a porta se abriu. Ela perguntou: — Então você acha que é melanoma? Julie disse: — Eu já tinha trabalhado para um cirurgião plástico que tratava de casos de melanoma fazendo a cirurgia corretiva e sabia que muitos casos terminaram em óbito. Por isso, não permiti que o dermatologista fizesse a biópsia que estava prestes a fazer. Não queria que ele cortasse a mancha. Pelo contrário, insisti para que fizesse as incisões com uma grande margem. Ele concordou e o teste de laboratório comprovou que era um melanoma maligno. Assim, quando fui ao segundo cirurgião para fazer o acompanhamento, ele disse que a segunda cirurgia não precisava ser feita. Ele comentou: — Nunca tinha visto um dermatologista fazer isso antes. Eu lhe contei que eu é que tinha insistido para que a incisão fosse feita daquela maneira. Assim, minha familiaridade com as cirurgias feitas pelo meu antigo patrão me deu a sabedoria necessária sobre o que solicitar aos médicos. Junto com o melanoma, Julie novamente experimentou o medo e a solidão. — Não creio que posso dizer que era exatamente “solidão”. Havia um desejo de que todas as conversas fossem profundas e 2


significativas; queria conversar sobre a morte, mas esse tema, evidentemente, nunca era mencionado. Todas as conversas ficavam num nível superficial, de maneira que meus pensamentos sobre morte e solidão ficavam guardados. De fato, uma hora depois que a palavra “melanoma” fora pronunciada, eu estava de volta ao trabalho, pensando se a mancha havia se espalhado. Envolvi-me com os meus afazeres. Imagino que nesses momentos há uma quantidade enorme de “afazeres”. — Percebi quanto eu era insignificante. Percebi que era finita. Percebi minha total falta de controle. Percebi que realmente estava nas mãos de Deus e nas mãos dos médicos. Tinha medo do desconhecido. No momento em que fui confrontada com o fato de que poderia me tornar apenas uma lembrança, senti-me menos capaz de produzir boas coisas para deixar para a posteridade. — Em minha enfermidade, nunca pensei: “Por que eu?”. Sempre achei que tivera uma vida tranqüila, que nunca passara pelos testes difíceis que outras pessoas enfrentam; na realidade, minha era: “Por que não eu?”. Outras pessoas enfrentam dificuldades muito piores; por isso não tenho tendência para a auto-piedade. Quando recebi o livramento, fui invadida por um sentimento tão grande de humildade por ter sido liberta que então me perguntava: “Por que eu? Por que estou viva?”. Embora no caso de Julie parece ter havido mais ganhos do que perdas, isso é questionável na próxima história.

A história de Greg e Michelle Greg e Michelle casaram-se no dia 28 de julho de 1995. Greg, 31 anos de idade, trabalhava como anestesista num hospital local. Sua noiva, então com 25 anos, era assistente administrativa de um dos pastores da igreja da qual eram membros. Greg e Michelle gastavam muitas horas tomando café e conversando sobre os sonhos que tinham para o futuro. O maior desejo de Michelle era ser esposa e mãe. Greg sonhava em construir uma casa. No começo do mês de outubro daquele ano Greg começou a ter dores de cabeça semelhantes a sinusite, algo que nunca tinha sentido antes. A dor parecia localizar-se no alto da cabeça, logo acima da testa. A dor persistiu por vários dias e aumentava de intensidade. A capacidade de raciocinar de Greg começou a ficar comprometida e seu apetite diminuiu por causa da forte dor que 2


tomou conta do lado esquerdo da cabeça, alguns centímetros acima da têmpora. Ele acordou na manhã do dia 6 de outubro com os mesmos sintomas, com a mesma dor forte. Greg ficou com medo. Depois de muita insistência de Michelle, Greg decidiu ir ao pronto-socorro do hospital. Os exames revelaram aquilo que sua experiência já temia: um tumor cerebral. Menos de dois meses depois do casamento, surgira uma pequena massa de quatro centímetros na região frontoparietal do hemisfério esquerdo do cérebro. O neurocirurgião temia que o tumor fosse maligno. — Meus temores tinham se confirmado — Greg disse — mas foi bem antes de o Senhor ter enchido meu coração e minha alma com sua paz. Deus imediatamente me lembrou de que eu orava para ser uma luz entre meus colegas, com os quais passaria nove dias, pois fui internado no próprio hospital onde trabalhava. — A cirurgia foi feita no dia 16 de outubro, e Deus me assegurou que cada movimento do médico estaria sob seu controle soberano. Minha única preocupação era ser uma luz no meio das trevas. — Enquanto Greg pensava em ser luz nas trevas — disse Michelle — eu pensava em todas as possibilidades e esperava que fosse um tumor benigno. Eu estava em paz, uma paz que sabia que somente o Senhor podia dar. Era um dos muitos momentos nos quais eu iria sentir a força e o conforto de Deus. Greg foi levado para a cirurgia e começou a espera. Cinco horas mais tarde o cirurgião abriu a porta e dirigiu a Michelle palavras que ela não queria ouvir: — O tumor foi retirado com sucesso, mas seu marido tem um câncer terminal — um glioma nível 4. A menos que um Ser Superior intervenha, ele morrerá. O irmão de Greg perguntou: — Quanto tempo? — Doze meses — respondeu o médico. — Nunça esquecerei o torpor — Michelle disse. — Sentia-me como se alguém tivesse sugado meu interior. Aquilo era verdade? Será que estava tendo um pesadelo do qual iria acordar e tudo aquilo estaria acabado? Saí do consultório sentindo-me como se estivesse fora do meu corpo e compartilhei as notícias com os familiares e amigos que esperavam ansiosos. Ondas de emoção logo se seguiram: raiva, desespero, confusão, perplexidade, medo, medo, medo. — Greg tinha-me feito prometer que lhe diria a verdade. Quando me aproximei de sua cama, Deus novamente me deu 2


forças. Beijei seu rosto e lhe contei o que estávamos enfrentando juntos. Sua única resposta foi: “Deus sabe” e apertou minha mão. Aquele era o início de uma jornada com Deus, pelo caminho do câncer. — Aquela foi a noite mais escura da minha vida. Ficaria viúva aos 25 anos de idade? Era recém-casada; como aquilo podia acontecer? Meus sonhos de um 1ar, filhos, férias em família, nosso primeiro aniversáriø de casamento se desfaziam ao meu redor. A cavalgada da vida estava saindo fora de controle e eu não conseguiria parar nem fugir. Acordei na manhã seguinte em total desespero. Era mais do que eu podia suportar e não era um sonho. Era rea1idade. Deus, porém, abraçou-me gentilmente naquela manhã, fazendo-me lembrar de duas frases: “Não fique ansiosa” e “Seja forte e corajosa”. — A semana foi extremamente desgastante — do ponto de vista. emocional, físico, mental e espiritual. As pessoas sempre são bem-intencionadas em seus telefonemas e visitas, mas muitas vezes dizem coisas idiotas e que nos causam dor. Enquanto Greg descansava sob o efeito dos medicamentos, eu lutava com o que aquele dia nos traria. Fiz listas de perguntas para os médicos, uma lista de coisas que precisavam ser resolvidas (como recém-casada, eu precisava ser inscrita como beneficiária do seguro de vida de Greg e meu nome tinha de ser incluído na escritura do nosso terreno). Eu dava banho em Greg, passava horas lendo a Bíblia, para o conforto dele e o meu, e chorava a cada momento de privacidade que tinha. — Ansiávamos nos sentir em casa. Tentávamos estar num mundo “normal” fora do hospital. Entretanto, quando chegamos em casa, nada era normal: tudo tinha mudado. Os dois recémcasados que tinham saído daquele quarto do hospital cheios de esperanças, sonhos e uma vida longa pela frente não eram as mesmas pessoas. Éramos um casal lutando para dar algum sentido àquilo que acontecia. Um casal que não mais sonhava com uma casa, mas que implorava por um futuro, implorava pela vida de Greg, implorava por um milagre. — Duas semanas mais tarde começamos com a radioterapia e a quimioterapia. Embora Greg suportasse bem o tratamento, isto traria ainda mais mudanças. O cabelo de Greg começou a cair rapidamente (era mais traumático do que esperávamos, mas mesmo careca ele continuou bonito), seu apetite era desordenado e ele se cansava com facilidade. 2


Devido ao pouco tempo que tínhamos de casados, o sexo ainda era algo novo para nós, mas tornara-se algo penoso, tanto física como emocionalmente. Acabávamos apenas abraçados, chorando. Nunca seríamos recém-casados de novo e não tínhamos certeza do que nos havíamos tornado. — As semanas iam passando e Deus era fiel em nos ministrar por meio da Palavra, dos cartões que irmãos enviavam, das palavras de encorajamento dos amigos, abraços dos familiares, os versículos no calendário e até mesmo por meio do próprio nascer do sol — sempre dando-nos a certeza do seu amor por nós e da sua presença no meio das adversidades. — Tínhamos mudado muito. Como um jovem casal, tínhamos experimentado uma profundidade em nosso relacionamento que alguns casais não têm mesmo depois de 50 anos de casados. Nenhuma noite passa sem que agradeçamos por mais um dia juntos, não tendo mais aquela certeza de que envelheceremos juntos. Cada momento que Deus nos dá nesta terra é uma bênção. O tempo tornou-se uma jóia preciosa, tratada com todo cuidado. Deus transformou nossos sonhos temporais em sonhos espirituais. Conhecemos o Senhor Jesus de uma maneira que nunca o conheceríamos sem o câncer. — Não entendemos por que Deus permitiu que Greg tivesse um tumor cerebral fatal tão cedo na vida, tão cedo no nosso casamento; a verdade é que talvez nunca venhamos a saber. Entretanto, por meio de toda esta situação, descobrimos que “seus caminhos não são os nossos caminhos”, mas podemos confiar que “ele é bom e faz o bem”. Greg e eu lutamos com a possibilidade da sua morte? Sim. Desejamos que ele fosse simplesmente normal? Sim, muitas vezes, principalmente quando passávamos pelas pessoas e as ouvíamos sussurrar: “É ele que tem câncer”. Agora somos olhados de forma diferente. Será que passaríamos por tudo isso voluntariamente? Não. Mas será que abriríamos mão do que aprendemos ao longo do caminho? Não. Nem abriríamos mão da alegria e dos risos que compartilhamos. — Ainda não chegamos ao final da nossa jornada. Por enquanto, vamos adiante, ainda tendo esperanças, ainda orando: “Senhor, tu vais nos curar?”.

As perdas no sofrimento Em toda batalha há perdas, mesmo para aquele que vence. A enfermidade não é exceção; de fato, a dor, o sofrimento e a 2


incerteza que acompanham as enfermidades graves geralmente ampliam o sentimento de perda tanto no paciente como nos entes queridos. Entre os sentimentos de perda mais comuns, podemos destacar algumas. Perda do controle. Pode ser a primeira e a mais poderosa perda que o paciente sofre. Subitamente, em vez de lhe obedecer, o corpo tem iniciativa própria e se comporta da maneira que quer. Você não pode mais controlar o funcionamento do próprio organismo. É como dirigir numa estrada cheia de poças de óleo. De repente o carro derrapa e você não tem mais controle. Pisar no freio, virar a direção freneticamente: nada resolve. Tudo o que você pode fazer é agarrar-se e esperar o impacto da batida. É um sentimento mórbido e desesperador. A direção e o pedal do freio lhe dão a ilusão de que está no controle do carro, e em quase todos os aspectos você está mesmo. Entretanto, pode acontecer algo que arranca o controle de suas mãos, e tudo o que lhe resta fazer é segurar-se e tentar salvar a vida. Geralmente adotamos o conceito popular de que a vida pode ser administrada e passamos horas, e até mesmo anos, fazendo um mapa da nossa vida. A vida, porém, não é uma ciência exata. Não pode ser administrada: pode ser apenas vivida. A sociedade, contudo, exige que o controle seja reassumido. Temos de lutar para evitar o embaraço de perder o controle em situações nas quais se espera que tenhamos controle. Também temos de evitar embaraçar outras pessoas, que precisam ser protegidas do espectro da perda do controle do corpo. Se não podemos reassumir o controle, então temos de esconder isso da melhor maneira possível. Perda da identidade. Tolstoi, em seu conto “A morte de Ivan Ilych”, ilustra essa perda de identidade: “Ivan Ilych trancou a porta e começou a examinar-se diante de um espelho — primeiro bem de perto, depois foi-se afastando. Pegou um retrato no qual aparecia ao lado da esposa e comparou com o que via no espelho. Havia uma tremenda diferença. Depois, arregaçou as mangas da camisa, desnudou os braços até o cotovelo, examinou os antebraços, e seus pensamentos tornaram-se mais negros do que a noite”. Arthur Frank, falando sobre sua bata]ha pessoal contra o câncer, disse: “Eu não temia aquilo que poderia me tornar, mas lamentava o fim do que tinha sido. Era como despedir-me de um lugar onde tinha vivido e ao qual eu amava”.2 Era isso que minha mãe temia. Era isso que Ivan Ilych enfrentava. Foi isso que Julie, 2


Greg e Michelle experimentaram. As pessoas olham para você de maneira diferente. Tratam-no de modo diferente. Os amigos e os familiares ficam cautelosos nas conversas, com medo de dizer algo errado. Sentem-se desconfortáveis na sua presença. Você não é mais a mesma pessoa; você é a pessoa com câncer, que está desfigurada, que suporta dores terríveis e que está morrendo. Você é como um produto que estragou. Ao conversar com uma paciente maníaco-depressiva, perguntei-lhe por que se recusava a tomar os medicamentos. Sua resposta foi simples: — Como vou saber quem eu sou na realidade? Sou a verdadeira pessoa quando estou sem os medicamentos, ou sou a verdadeira quando tomo os remédios?

O poder de determinação do diagnóstico Umas poucas palavras proferidas por um médico podem resultar na perda da identidade, mudando a visão que uma pessoa tem de si mesma. Aqui é onde caminhamos na “corda bamba”. Não devemos negar a realidade da enfermidade, mas também não devemos permitir que um diagnóstico determine quem somos: “Aquele é o vendedor que tem câncer”. “Ela é uma mãe maravilhosa, mas tem um problema de saúde grave”. A esposa e os amigos de Jó passaram a vê-lo afravés da enfermidade. Mesmo as pessoas mais íntimas não conseguiam enxergar além das feridas. Ele não era mais uma pessoa — era um objeto de observação e diagnóstico, tanto físico como espiritual. Á Bíblia nos leva a crer que o apóstolo Paulo tinha alguns problemas físicos, mas raramente referia-se a eles. Quando escrevia para as igrejas, identificava-se como o apóstolo de Jesus Cristo, e não como o apóstolo de Cristo com vista fraca. Perda da certeza (se é que existe certeza). Quando você tem uma enfermidade crônica, tudo o que faz acaba vinculado à sua condição. As férias são planejadas de acordo com seu estado de saúde. Você só vai trabalhar se a enfermidade permitir. Até o ato de levantar de manhã é controlado pela doença. Todos os seus planos devem ser feitos meio de improviso, pois você não tem mais certeza de como seu corpo vai reagir. Lembro de pessoas que me contaram sobre os planos que fizeram para quando se aposentassem — um até comprou um trailer, planejando viajar por todo o país — mas viram os planos feitos há tanto tempo serem destruídos pelas enfermidades. O que antes era previsível, 2


torna-se provisório. Perda do lugar na sociedade. Thomas Bernhard, no romance O sobrinho de Wittgenstein, descreve os sentimentos da pessoa enferma que deixa o hospital para retornar à vida normal, mas descobre que devido à enfermidade perdeu seus direitos. “Ao retornar, o paciente sempre sente-se um intruso, numa esfera onde não tem mais nenhuma participação”.3 As perdas vão além do físico. As doenças com freqüência colocam obstáculos nos relacionamentos. É difícil retomar alguns relacionamentos, principalmente com aquelas pessoas que não aceitam a enfermidade. É surpreendente como pessoas com enfermidades graves criam novas amizades com pessoas que já sofreram a mesma coisa. Arthur Frank diz: “Durante o câncer, eu sentia que não tinha o direito de estar junto das outras pessoas. Embora não gostasse de ficar no hospital, pelo menos lá eu sentia que pertencia a alguma coisa”.4 Essas perdas são grandes e muito reais, e infligem um severo castigo sobre o enfermo. Entretanto, quando nos rendemos e submetemos nossa situação a Deus, confiando nossa vida a ele, podemos superar essas perdas por meio da suficiência de Cristo.

Os ganhos no sofrimento Os chineses acreditam que antes de domar uma fera, primeiro é preciso torná-la bonita. Parece contraditório, mas apesar de todas as perdas que sofremos com a enfermidade, também temos a oportunidade de ganhar algo. Você pode lamentar as perdas, mas não permita que elas obscureçam seu senso daquilo que você pode se tornar. Você pode amaldiçoar a sorte, mas deve também contar as possibilidades. Valores bem claros. Você se lembra do desejo de Julie, de que toda conversa fosse significativa? Lembra-se do profundo senso de que era finita? Lembra como Greg e Michelle aprenderam a valorizar cada momento juntos, agradecendo a Deus diariamente por terem mais um dia de vida? Uma das coisas que mais me impressionaram quando conversei com pessoas portadoras de doenças graves foi o fato de que muitas dizem que a doença vale pelo que aprenderam sobre si mesmas e sobre Deus. Tenho certeza de que muitas pessoas doentes não pensam assim, mas estão perdendo uma das grandes bênçãos da vida. Poucas coisas afetam tanto a mente quanto receber um diagnóstico de uma doença terminal. Sendo pastor por quarenta 2


anos, tive o privilégio de estar ao lado da cama de muitos santos no momento em que partiam para se encontrar com Deus. Conversei com muitos empresários quando estavam morrendo. Sabe de uma coisa? Nenhum deles jamais disse: — Pastor, gostaria de ter passado mais tempo no escritório. — Sabe o que eles diziam? — Pastor, gostaria de ter passado mais tempo com minha família. Lembro que depois que minha mãe soube que estava com câncer, conversava comigo sobre as folhas de uma árvore, sobre como a grama era verde, o formato das nuvens, o canto de um pássaro e a beleza de uma flor. Seus sentidos ficaram muito mais aguçados. Muitas vezes, só depois que enfrentamos uma doença grave percebemos que as “etiquetas de preço” realmente foram mudadas e que a maior parte do nosso esforço foi concentrado em coisas irrelevantes. Renovação. Em muitos casos, a recuperação pode não ser possível, mas a renovação, sim. A oportunidade de fazer uma reavaliação da vida e dos valores pelos quais você viveu oferecelhe a chance de escolher uma nova vida, em vez de simplesmente viver aquela que você acumulou através dos anos. Em resumo, você responde à pergunta: “Vale a pena morrer por aquilo pelo que sempre vivi?”. Mesmo no caso de pacientes terminais, qualquer que seja o tempo que lhes resta, este pode ser investido numa vida resovada. A renovação vem por meio de um novo encontro com Deus, uma nova apreciação da sua Palavra e de sua graça e uma maior consideração pelos amigos e pela comunhão. Liberdade. Pode parecer estranho, mas ouçamos novamente Arthur Frank: “Naquele ano [em que estive doente] eu iria aprender que o enfermo ou o inválido podem ser, no sentido da realização da vida, muito mais livres do que uma pessoa saudável... O enfermo aceita sua vulnerabilidade... e esta aceitação representa sua 1iberdade”.5 Quanto mais eu aprecio a boa saúde e a transformo num requisito para uma vida feliz, mais torno-me escravo das instabilidades da vida e da imprevisibilidade do meu corpo. Se no processo de crescimento passei a acreditar que “prosperidade” é a norma e é meu direito, sofrerei um impacto ao me chocar contra o muro da realidade. Levarei tempo para me recuperar desse ataque surpresa contra minhas crenças. Então, gradualmente começo a me recuperar, aprendendo que “prosperidade” não é pré-requisito para a verdadeira vida. 2


Devo fazer a seguinte pergunta para mim mesmo: “Minha felicidade, minha alegria, minha conciência de valor pessoal dependem da minha saúde?”. Somos livres quando não exigimos saúde para ser felizes e ter paz, mesmo preferindo ser saudável. Uma nova e mais profunda confiança em Deus. Considere a notável declaração feita pelo apóstolo Paulo em 2 Coríntios 1:311, em que fala sobre as adversidades em sua vida: “Não queremos, irmãos, que ignoreis a natureza da tribulação que nos sobreveio na Ásia, porquanto foi acima das nossas forças, a ponto de desesperarmos até da própria vida” (v. 8, grifos do autor). Ele não menciona a natureza das tribulações, mas diz que foi pressionado de forma tão profunda e insuportável que chegou ao ponto de perder a esperança. Entretanto, ele prossegue: “Já em nós mesmos tivemos a sentença de morte” (v. 9). Uma tradução melhor seria: “Tivemos a resposta da morte”. Quando Paulo clamou no meio da aflição, a única resposta que obteve foi: “Você vai morrer”. Depois ele diz o seguinte: “Para que não confiemos em nós, e, sim, no Deus que ressuscita os mortos” (v. 9, grifos do autor). “Para que não confiemos em nós, e, sim, em Deus”. Você não acha essas palavras uma confissão notável? Paulo estava confiando em si mesmo, e Deus estava tentando ensiná-lo a confiar nele. Não seria de estranhar se tais palavras viessem de um novato na fé, mas Paulo não era nenhum novato, não é mesmo? Tratava-se do grande apóstolo, que já tinha escrito parte das Escrituras, que fora levado ao terceiro céu e vira maravilhas que nem podia mencionar. Tinha visto pessoas curadas e ressuscitadas dentre os mortos. Apesar de tudo isso, quer dizer que mesmo naquele estágio da sua carreira, ainda tinha de aprender a confiar em Deus? Eu teria pensado que nessa altura de sua vida Paulo já havia sido aperfeiçoado nessa virtude. Creio que esse era um problema crônico de Paulo: a confiança em si mesmo. Ele era tão inteligente, talentoso e forte que era natural que confiasse em suas habilidades. Se o próprio apóstolo às vezes tinha problemas por confiar mais em si mesmo do que em Deus, quanto mais você e eu? Entretanto, note que foi no meio de grandes aflições que ele estava aprendendo a confiar no Senhor. Este tem sido um tema recorrente nos testemunhos narrados neste capítulo, e será assim em todo o livro. Vamos encarar o seguinte: a maioria das pessoas não confia em Deus até ser forçada a fazê-lo. Enquanto temos algum dinheiro no bolso, 3


um manual para ler, um seminário para participar, “uma carta na manga”, não confiamos em Deus. Não são os louvores feitos no meio da prosperidade que me impressionam, mas o louvor que emerge da adversidade. Por isso sinto-me feliz por você ter escolhido unir-se a mim, para juntos explorarmos profundamente “o propósito supremo de Deus” na enfermidade, no sofrimento e até mesmo na morte. E quando descobrimos e nos submetemos à obra que Deus planeja fazer em nós que podemos aceitar seus métodos para nos alcançar — e experimentar uma fé mais profunda, uma coragem mais forte e uma alegria mais genuína no meio do sofrimento.

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Capitulo 3 De onde procedem as enfermidades? Deus realmente tem o controle soberano do Universo?

Você já se flagrou pensando “isso não é justo!”, quando se debatia com uma enfermidade ou com um período demorado de aflição? Tenho certeza de que todos nós já pensamos isso. Você olha ao redor e vê um homem ímpio, perverso — e cheio de saúde. Também vê o mais piedoso dos santos sendo atacado por sofrimento após o outro. Não é de surpreender que filósofos, teólogos e pessoas comuns como nós tenham lutado durante séculos para desvendar esse enigma. A busca tem levado a algumas respostas. Algumas, evidentemente, são simplistas demais e sempre devemos ser cautelosos com respostas muito simples para problemas complexos. Por exemplo, um escritor oferece esta explicação: “Quando uma pessoa fica doente, de alguma forma violou as leis da saúde. Para se recuperar, tal pessoa deve cooperar com a mesma lei”.1 Quando lí isso para o meu médico, ele ficou impressionado. — Soa tão bem — ele disse — tão simples e tão verdadeiro. Pena que não seja. Essa resposta é ingênua e insatisfatória, pois não leva em conta a pessoa que, sem nenhuma culpa individual, herda uma deficiência genética dos pais que resulta numa enfermidade grave. A obediência a todas as leis de saúde não evitará que fique doente e nem produzirá a cura. Do mesmo modo, ninguém pode ter certeza absoluta de quais são as leis da saúde. Até mesmo a classe médica muda constantemente de opinião sobre a questão. Minha esposa, por exemplo, recebeu orientação médica para comer fígado, porque estava sofrendo de uma deficiência de ferro no organismo. Entretanto, agora sabemos que o fígado é um alimento gorduroso, com alto nível de colesterol que pode causar problemas cardíacos. Uma vez que uma pessoa enferma pode nem saber que leis

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da saúde violou, não saberá também com quais deve cooperar para restaurar a saúde. Kaye adora fazer longas caminhadas todos os dias (eu a acompanho de carro). Uma longa temporada de chuvas a impediu de sair por vários dias. Para compensar, ela comprou uma miniesteira. Um dia, enquanto ela fazia compras, fiquei esperando dentro do carro, lendo um artigo muito interessante, O título dizia: “Testes com animais demonstram a ligação entre exercícios e o câncer”. Pesquisadores do Grupo de Bioenergética da Universidade da Califórnia descobriram por meio de testes com animais (ratos e porquinhos-da-índia) que os exercícios físicos geram grandes quantidades de substâncias no organismo que já foram relacionadas com o câncer e com o envelhecimento. O dr. Lester Packer disse: “Quanto mais pesquisamos, mais evidente fica que o perigo está presente em todos os lugares e que no final será uma questão de assumir riscos calculados”.2 Todos nós conhecemos ou já ouvimos falar de pessoas consideradas espécimes perfeitos: tinham uma alimentação adequada, dormiam bem, exercitavam-se regularmente, não bebiam, não fumavam e viviam numa área livre de testes nucleares; todavia, caíram mortas durante a corrida matinal. Nunca esquecerei uma foto que vi num jornal nos anos 60, no mesmo dia em que foi apresentado o relatório informando ao público que o hábito de fumar encurtava a vida. Na mesma página em que o relatório fora publicado, havia uma foto do famoso escritor Somerset Maugham celebrando seu nonagésimo aniversário com um cigarro pendurado nos lábios. Como favorito nas explicações sobre as enfermidades e o mais citado por aqueles que acreditam que as enfermidades não podem ser parte da vontade de Deus, temos Satanás. Enfermidades, dizem, sempre são causadas por pecados e enviadas contra os homens por Satanás. Desde que as doenças provêm do diabo, devem ser contrárias à vontade de Deus. Conclusão? A vontade de Deus sempre é curar.

Deus é absolutamente soberano Embora Satanás seja capaz de causar enfermidades, esta é uma questão discutível, porque a Bíblia ensina que Deus é absolutamente soberano sobre todas as coisas, até mesmo sobre o diabo. Satanás só pode operar dentro dos limites estabelecidos por Deus. Veja o caso de Jó. O diabo não pôde tocá-lo sem a 3


permissão divina e mesmo assim somente dentro dos limites determinados (Jó 1:12; 2:6). Não estaríamos indo contra o ensino das Escrituras ao dizer que Deus muitas vezes usa o mal e o Maligno para realizar seus propósitos redentores. “Até a ira humana há de louvar-te” (Sl 76:10). O profeta Isaías descreve a ímpia Assíria como instrumento da ira de Deus quando registra: “Ai da Assíria, cetro da minha ira! A vara em sua mão é o instrumento do meu furor. Envio-a contra uma nação ímpia, e contra o povo da minha indignação lhe dou ordens... Ela, porém, assim não pensa, o seu coração não entende assim” (Is 10:5-7). A Assíria é mencionada como servo inconsciente do Senhor, um peão involuntário na estratégia da redenção. O mesmo foi verdade com relação a Ciro: “Assim diz o Senhor ao seu ungido, a Ciro, a quem tomo pela mão direita, para abater às nações ante a sua face; e descingir os lombos dos reis... eu te chamei pelo teu nome, e te pus o sobrenome, ainda que não me conheces... eu te cingirei, ainda que não me conheces” (Is 45:1, 4,5). Quando Habacuque reclamou que Deus não estava fazendo nada enquanto a nação se degenerava internamente e sofria ameaça de destruição externa pelos caldeus, Deus respondeu dizendo: “Vede entre as nações, olhai, maravilhai-vos, e desvanecei, porque realizo em vossos dias obra tal, que vós não crereis, quando vos for contada. Pois eis que suscito os caldeus...” (Hc 1:5,6). Em seu livro Faith Healing and the Christian Faith (Fé Curadora e Fé Cristã), Wade H. Boggs diz: “Homens malignos, que vivem em rebelião contra Deus, mesmo assim são compelidos a servi-lo como instrumentos involuntários, pois Deus pode utilizar até mesmo o ímpio em seus desígnios... semelhantemente, o diabo está sob o poder de Deus, de maneira que enquanto luta contra Deus, é compelido a ser um instrumento involuntário dos seus propósitos”.3 A pessoa de Satanás e o princípio do mal são freqüentemente vistos como ingredientes reconhecidos por Deus em seu governo sobre este mundo e às vezes são apresentados como seus servos e não como inimigos. O rei Saul sentiu o resultado final desta verdade, quando “tendo-se retirado de Saul o Espírito do Senhor, da parte deste um espírito maligno o atormentava (1 Sm 16:14, grifos do autor). Deixe-me colocar algumas questões. Deus tem de tolerar o 3


diabo? Deus está no controle soberano do Universo? Se ele quisesse, poderia aniquilar Satanás? Só posso dar uma resposta afirmativa a tais perguntas, o que me leva a crer que se Satanás não tivesse nenhuma utilidade no programa redentor de Deus, este o «riscaria do mapa”.

Satanás não é o responsável por todos os distúrbios físicos Por isso considero errado atribuir todo tipo de distúrbio físico ao diabo, aos demônios ou a maldições. Recentemente ouvi um pregador dizer que artrite era uma maldição colocada sobre a pessoa devido a algo, que os avós fizeram. Atualmente, é muito comum a idéia de que tudo, de artrite a enxaqueca, é resultado de maldição recebida dos pais ou avós e que antes, de se conseguir obter a cura, essas maldições satânicas têm de ser quebradas. Nos tempos do Antigo Testamento havia um provérbio popular, citado com freqüência, que isentava as pessoas da responsabilidade. Era mais ou menos assim: “Os pais comem uvas azedas e os flhos passam mal”. Em outras palavras, os filhos não eram responsáveis por suas ações; estavam apenas sendo punidos pelo que os pais tinham feito. Entretanto, sob a Nova Aliança que Cristo iria estabelecer por seu sangue derramado, tais palavras não seriam mais pronunciadas: “Cada um, porém, será morto pela sua iniqüidade; de todo homem que comer uvas verdes os dentes se embotarão” (Jr 31:30). Concordo com M. Scott Peck que disse ao escrever sobre a sídrome dos “pecados dos pais”: “São os próprios pais que colocam seus pecados sobre os filhos”.4 Lembro-me de uma família de conhecidos cujos filhos são acometidos por várias enfermidades. Alguém lhes disse que a causa das doenças era uma coleção de estátuas de corujas que a mãe possuía. Foram as esculturas que deram aos demônios um ponto de contato, uma “pista de pouso” na família. As corujas foram destruídas. As crianças permaneceram doentes. É assustador ver até que ponto algumas pessoas chegam nesta questão. Em vez do cristianismo do Novo Testamento, praticam algo que parece mais com religião vodu, com crenças baseadas em superstição, essas, sim, podendo ser os verdadeiros canais demoníacos na vida pessoal ou na família. J.I. Packer escreveu: “Se a vida é encarada como uma 3


batalha contra demônios, na qual Satanás e suas hostes são acusados pelos problemas de saúde, maus pensamentos e maus comportamentos, sem levar em consideração os fatores físicos, psicológicos e racionais na situação, uma contrapartida demoníaca extremamente prejudicial do mundo espiritual está sendo desenvolvida. Não há dúvida de que isso às vezes ocorre, e que é um dos maiores obstáculos para a maturidade moral e espiritual”. Nunca esquecerei um pastor de Kansas que me perguntou se eu tinha fitas de estudos sobre o diabo, demônios e ocultismo para vender. Respondi que tinha. — Qual é o preço da série toda? — ele perguntou. — Treze dólares — respondi. O pastor ficou pensativo um instante. — Posso fazer um cheque de doze dólares e ficar-lhe devendo um dólar? — perguntou. — Sim, sem problemas. Mas posso perguntar por quê? Ele hesitou um momento e finalmente respondeu: — Não gosto de preencher cheques de treze dólares. Era um pregador. Realmente precisava ouvir aquelas fitas. Talvez eu devesse ter dado a ele de graça. Em vez disso, porém, respondi: — Faça o seguinte: preencha um cheque de catorze dólares e eu fico-lhe devendo um dólar. Ele aceitou. Faria qualquer coisa para evitar o número treze.

O espinhoso problema do espinho Muito já foi falado sobre o espinho na carne de Paulo, referido como “um mensageiro de Satanás” (2 Co 12:7). Embora possamos apenas especular sobre a natureza da moléstia física descrita como o espinho, há algumas coisas que podemos dizer com certeza. 1. Foi um presente. “Foi-me posto um espinho na carne”*. Por meio do processo de oração e comunhão, o apóstolo parou de imp1orar pela sua remoção e aceitou o espinho como um dom da graça de Deus. 2. Duas vezes o apóstolo menciona a razão para a presença do espinho: “Para que não me ensoberbecesse”. Acho difícil acreditar que o diabo faria alguma coisa que fosse com o propósito de manter um servo de Deus humilde. 3. A resposta de Paulo ao espinho foi de júbilo e não de _____________________ *

A edição ARC traduz: ‘foi-me dado’. (N. do T.)

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murmuração. “PeIo que sinto prazer nas fraquezas...”. Em vez de ser um obstáculo (a impressão inicial de Paulo), o espinho provou ser uma vantagem. O grande apóstolo teria prazer na obra do diabo? Duvido. De um novo ponto de vista, uma paisagem familiar pode apresentar-se bem diferente. Freqüentemente, coisas em nossa vida que consideramos como obstáculo podem ser exatamente o que Deus está usando para nos tornar mais úteis ao seu propósito. Não é isso que desejamos? Certo, Paulo chama o espinho de “mensageiro de Satanás”, mas isso apenas reforça o que estamos dizendo sobre a soberania de Deus O espinho era um mensageiro de Satanás quando foi enviado, mas Deus assumiu o controle (você não acha que o diabo iria ficar furioso ao saber que está sendo usado como “menino de recados” de Deus?). O espinho originou-se em Deus, foi um dom de Deus enviado para realizar seus propósitos. Como A.J. Gordon disse certa vez: “Às vezes o Senhor permite que seus santos sejam afiados no esmeril do diabo”. Wade Boggs diz: “À luz de tal ensino bíblico, temos de aconselhar o cristão enfermo a não perder tempo preocupando-se com a possibilidade de que esteja sendo uma vítima indefesa de espíritos malévolos; pelo contrário, que dirija seus pensamentos para o poder e a bondade de Deus e se pergunte que boas coisas o Senhor está tentando ensinar-lhe por meio daquela experiência”.6

Então, de onde procedem as enfermidades? Prefiro definir toda essa questão como mistério, pois tenho a sensação de que a mente humana mais sábia é incapaz de resolver este enigma. Entretanto, para provar que os tolos correm onde até os anjos andam com cautela, arriscarei ser simplista, oferecendo o que creio serem as quatro fontes básicas de enfermidades. 1. Deus. Isso mesmo. Creio que o próprio Deus às vezes pode ser a fonte de enfermidade. Dizer que ele permite, mas que não causa a enfermidades é perder o ponto. Sendo soberano, ele poderi evitar a enfermidade; para aquele que está sofrendo, é mais ou menos a mesma coisa. Em Êxodo 15:26, Deus faz uma promessa para seu povo. Se obedecerem a seus mandamentos, ele promete: “Nenhuma enfermidade virá sobre ti, das que enviei sobre os egípcios”. Deus já tinha infligido algumas moléstias sobre os egípcios e, se os 3


israelitas não andassem certo, faria o mesmo com eles. Em Deuteronômio 28 lemos que se o povo não obedecesse cuidadosamente à Palavra de Deus, “então o Senhor fará terríveis as tuas pragas e as pragas de tua descendência, grandes e duradouras pragas, e enfermidades graves e duradouras” (v. 59). Fica evidente nesses dois exemplos que as enfermidades seriam usadas por Deus como meio de punição e juízo. No caso de Jó foi por razões diferentes; é interessante notar que Jó nunca atribuiu a Satanás nada do que recaiu sobre ele. Considerou tudo como proveniente das mãos de Deus. O espinho na carne de Paulo, como já vimos, foi um dom de Deus. Assim, seja por que razão ele escolha, quer entendamos ou não, existem ocasiões em que o próprio Deus se torna fonte de enfermidades e de sofrimentos. 2. Satanás. Em Lucas 13, Jesus curou uma mulher “possessa de um espírito de enfermidade havia já dezoito anos” (v. 11). Mais tarde, quando foi criticado por curar no sábado, ele disse: “Por que motivo não se devia livrar deste cativeiro em dia de sábado esta filha de Abraão, a quem Satanás trazia presa há dezoito anos?” (v. 16). Satanás pode infligir uma doença a uma pessoa, mas, como ja vimos, não devemos supor que toda e qualquer enfermidade é obra de demônios. Mateus teve cuidado em fazer distinção entre possessão demoníaca e enfermidade: “Sua fama correu por toda a Síria; trouxeram-lhe, então, todos os doentes, acometidos de várias enfermidades e tormentos: endemoninhados, lunáticos e paralíticos. E ele os curou” (Mt 4:24). 3. Nosso estilo de vida pessoaL Nosso corpo é constituído de uma maneira tal que, se flagrantemente desprezarmos as leis de saúde, ele reage e fica doente. Na introdução do seu livro The American Way of Life Need Not Be Hazardous to Your Health (O Estilo de Vida Americano não Precisa Ser um Risco para sua Saúde), o dr. John Farquher declara: “Freqüentemente supomos que nosso estilo de vida é saudável, que tudo é ‘normal’, quando na realidade estamos seguindo por um caminho nocivo à nossa saúde... saúde precária não é um evento isolado; é o resultado de um acúmulo de abusos, cada um aparentemente inofensivo. Finalmente eles fazem efeito... De acordo com a maneira que vivemos no dia-a-dia, promovemos nossa saúde, ou a diminuímos”.7 Se você fumar quatro maços de cigarros por dia durante vinte anos e terminar com câncer no pulmão, não pode colocar a 3


culpa em Deus, em Satanás ou na indústria de tabaco. Você foi o causador da situação. Se uma pessoa tem excesso de gordura e, além disso, problema de hipertensão e de repente cai morta de ataque cardíaco, não dizer que foi Deus ou Satanás. O ataque foi resultado do seu de vida. Um alcoólatra não pode culpar a ninguém mais exceto a si próprio pelos problemas de fígado que tem. Como diz Paul Tournier: “A maioria das enfermidades não ocorre subitamente, como um relâmpago no céu azul. O terreno foi preparado durande anos por meio de uma dieta errada, falta de temperança. Excesso de trabalho e conflitos morais, que lentamente vão solapando a vitalidade do indivíduo. Quando, afinal, a enfermidade se apresenta, geralmente é tratada de forma superficial, sem se levarem em conta suas causas mais remotas”.8 4. O fato de ser humano. Há um processo natural de decadência ocorrendo nesse momento em nosso corpo. Temos de reconhecer que a enfermidade “faz parte do pacote”. O fato de sermos cristãos não nos torna imunes às fragilidades da carne; continuamos fazendo parte da situação humana e o homem exterior está se corrompendo (2 Co 4:16). Não devemos esperar que haja uma grande, misteriosa e sobrenatural explicação para tudo o que acontece em nossa vida. Gosto da maneira como Philip Yancey coloca essa questão: “As leis naturais que governam este planeta são, em geral, boas leis, coerentes com os desígnios de Deus para os homens e as mulheres. Tornarmo-nos cristãos não nos equipa com um traje hermético, livre de germes, que nos protege dos perigos da terra”.9 Há alguns anos um jovem de nossa igreja, um pregador leigo, visitava, um asilo e chegou à beira da cama de uma senhora inválida de quase noventa anos. Confinada à cama por vários anos, tinha um péssimo humor, o que era compreensível. Quando ele a cumprimentou, ela perguntou: — Você é pregador? — Sim, eu sou. — Então talvez você possa me explicar. — Explicar o quê? — O que estou fazendo aqui, deste jeito — ela disse. — Toda minha vida fui cristã e servi ao Senhor da melhor maneira que pude. Sempre freqüentei a igreja, fui professora na EBD e cantava no coral. Criei meus filhos dentro da fé cristã. Agora, olhe para mim. Por quê? Por que estou aqui, assim? Você pode me explicar? 3


— Sim, eu posso. — Foi a resposta do jovem pregador. — Pois sim! — Obviamente era uma pergunta que ela fazia a todos os pregadores que a visitavam. Agora, porém, ali estava um que sabia o segredo por trás do seu infortúnio. — Então me diga, irmão. Por que estou aqui deste jeito? Sorrindo, o pregador segurou suas mãos e lhe disse mansamente: — Velhice. Fazemos parte de uma raça caída; vivemos numa sociedade pecaminosa. Às vezes acontece de inocentes sofrerem por causa da culpa coletiva. Com demasiada freqüência homens de boa moral são vítimas de um mundo imoral. Como cristãos, estamos tão sujeitos a calamidades e catástrofes quanto os não cristãos. Se, ao dirigir meu carro, ultrapasso um sinal vermelho e sou abalroado por um caminhão, seria ridículo afirmar que foi Satanás ou os demônios que causaram o acidente, ou que foi resultado de algum pecado secreto em minha vida. Para descobrir a causa, tudo o que tenho de fazer é olhar para minha própria imprudência. Deus não prometeu que os desastres não atingiriam os cristãos. O que nos prometeu foi a graça para suportar e usar os acontecimentos para o nosso benefício e para sua glória. Como Agostínho sabiamente observou: “Deus julgou que era melhor trazer o bem a partir do mal do que sofrer com a não existência do mal”.

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Capitulo 4 Nos rios de Babilônia Os estigmas modernos das enfermidades

Não é lega1 ficar doente. Era um lindo dia de primavera, no ano de 1986, em Tulsa, Oklahoma, e eu estava ficando maluco. Minha luta de dez anos contra o buraco negro da depressão, os acessos de raiva, a ansiedade, as crises de pânico, a perda de memória e de concentração, a perda de interesse em quase todas as coisas, a preocupação com a morte e com o suicídio, a privação da energia e do sono: tudo isso tinha-me empurrado para os limites tenebrosos da insanidade. Kate tinha tentado levar-me a uma consulta com um psiquiatra, mas eu achava que podia superar tudo aquilo — afinal, era um crstão e pastor. Meu maior receio ao pensar em ir a um médico era ser reconhecido. Finalmente, porém, aceitei o fato de que, se quisesse sobreviver, não tinha escolha. Assim, telefonei de Tulsa para Kaye e lhe disse para marcar uma consulta com um psiquiatra cristão sobre o qual tinha-me falado. Quando entrei no consultório, descobri desanimado que a recepcionista era uma ex-membro de nossa igreja. Não havia lugar para me esconder, para evitar ser rotulado estigmatizado. Naquele momento, eu sentia o maior medo que uma pessoa enferma sente — o de ser rotulada.

O novo mal social Nossa preocupação com a beleza do corpo e a ênfase da mídia na juventude e na boa forma criaram um novo mal social: a doença. A doença está fora de moda. É um estigma. Estigma é uma palavra derivada da prática de marcar os escravos, principalmente aqueles que fugiam ou que desobedeciam os mestres de outras maneiras. Passou a significar 4


uma marca feita no corpo como sinal de perigo, culpa ou impureza. Arthut Frank diz: “Os estigmas tornaram-se punições judiciais, tais como orelhas decepadas, marcas feitas com ferro quente, ou outras mutilações do corpo. Tais marcas permitiam que as pessoas que tivessem contato com os estigmatizados soubessem com quem estavam lidando. Esperava-se que aqueles que carregassem os estigmas ficassem à margem da sociedade, escondendo o corpo marcado. As causas do estigma mudaram, mas o ato de esconder,não”.1 Você já se sentiu estigmatizado? Ou, mesmo inconscientemente, já teve esse sentimento com relação a um conhecido que estivesse experimentando severa dor física ou emocional? Não há meio de negarmos que isso ocorre com as melhores pessoas e que pode emanar mesmo das mais elevadas das intenções. O estigma que colocamos sobre a doença é o principal fator pelo qual (erroneamente) acreditamos que Deus voltou as costas para os enfermos — que ele não pode ter nenhum propósito bom no nosso sofrimento.

O estigma social Qualquer tipo de doença, seja do corpo, da mente ou do espírito, ou até mesmo financeira, tornou-se um estigma social e espiritual, produzindo o que o dr. David Rabin chama de “A síndrome do pária”. O dr. Rabín dá um testemunho comovente quando escreve sobre as conseqüências sociais de sua própria, enfermidade, a esclerose lateral amiotrópica (ELA) — mais conhecida como Mal de Lou Gehrig “O que eu não apreciava, porém, era que a ELA, ou nesse aspecto qualquer enfermidade crônica incurável, também induz a uma enfermidade social. Os pacientes e seus familiares tornam-se párias, expulsos por muitas pessoas incapazes de encará-los. Assim, lutam não somente com a doença, mas também com as reações que ela evoca”. Descrevendo seu isolamento súbito dos amigos e colegas, o dr. Rabin escreveu: “A mensagem era bem clara: minha enfermidade tinha resultado no cancelamento irrevogável daquilo que Susan Sontag tinha chamado de “o passaporte da saúde”. Ao perder esse direito, minha família e eu fomos excluídos por um grupo de pessoas muito maior. Tínhamos sido reclassificados como párias, marginalizados socialmente”.2 Em seu livro Wrestling with the Angel (Lutando como Anjo), o 4


colunista Max Lerner conta sobre sua batalha contra o câncer de próstata: Compreensivelmente, há um ar de tabu ao redor das moléstias fatais, desde que a sociedade tribal tenta proteger sua integridade e encara a pessoa contaminada como uma ameaça para o bem-estar geral. Desde o início e durante toda a minha enfermidade, tentei ser honesto comigo mesmo e com os outros sobre meu câncer. Paguei um preço por minha sinceridade. Quando a notícia se espalhou, meus convites para lecionar e para escrever artigos para revistas se desvaneceram. Max Lerner, com quase oitenta anos, apresentou a imagem de Max Lerner com câncer — e Deus sabe o que mais — em seu caminho para fora da arena da vida. Confinamos nossos doentes nos hospitais, mas também inventamos métodos geniais para tirá-los de cena, banindo-os do centro da vida, e assim tornando a cura deles mais trabalhosa.3

Simone Weil, ela própria uma sofredora, observou que as pessoas por natureza reagem diante dos aflitos como aves domésticas que se lançam sobre a outra mais fraca ou ferida com bicadas dolorosas. Todos, ela diz, “desprezam os afligidos num certo nível, embora praticamente ninguém seja consciente disso”.4 Na melhor das hipóteses, sentimo-nos desconfortáveis quando estamos perto de pessoas que estão sofrendo.

Identidade espoliada Em nossos dias, o estigma refere-se menos à marca no corpo e mais à desgraça de ter tal marca. A atitude da sociedade com relação às enfermidades transmite à pessoa doente o sentimento de uma identidade espoliada, um sentimento de inferioridade, uma anomalia, quase um objeto grotesco.5 Você já se sentiu deprimido a ponto de ter vontade de ler um romance de Franz Kafka? Você não tem de estar deprimido, mas ajuda. De qualquer forma, um dos que eu li e que servem ao nosso propósito aqui foi A Metamorfose, na qual o herói (?), Gregor Samsa acorda uma manhã e descobre que se havia transformado num inseto gigante (percebe agora por que eu disse que ajuda se estiver deprimido?). Esta história é uma metáfora da enfermidade, porque posso garantir que se você acordar de manhã e se tiver transformado num inseto enorme, algo definitivamente está errado. Quando Gregor acorda, está deitado de costas com seis 4


pernas compridas movendo-se no ar. Saindo da cama, ele cai e se machuca gravemente. Mais tarde, seu pai atira uma maçã nele para obrigá-lo a voltar para o quarto; a maçã acerta em suas costas, e o ferimento infecciona de modo que mal pode mover-se. Gregor Samsa se tinha tornado um pária, estigmatizado e excluído. Para nossa discussão, a reação da família é o que mais importa. Chocada pelo que aconteceu a um dos seus membros, passa por vários estágios. Primeiro, há o choque e a incredulidade. Como deve reagir à tragédia? O que aconteceu nega totalmente a idéia que tem sobre como deve ser uma família normal. Não tendo um referencial para lidar com a tragédia, nenhuma tradição familiar nesse tipo de situação, a única coisa que a família pode fazer é negar. Entretanto, a negaçao não pode ser sustentada por muito tempo quando se tem um inseto gigante dormindo no quarto ao lado. O segundo estágio é ajuda e cuidado. Uma vez que ainda não pode suportar a visão, fica agradecida quando ele se esconde ao entrar no quarto para alimentá-lo. Os familiares até mudam os móveis de lugar para que ele tenha mais opções para se esconder. Quando, porém, a esperança de uma mudança vai diminuindo, o estãgio do cuidado muda para ressentimento. Seu quarto é neligenciado, permitem que fique sujo e até mesmo é usado como depósito; a comida que lhe dão é totalmente inadequada. Finalmente, sua irmã diz que a família deve parar de se iludir: aquele inseto não é o parente deles. O estágio final é um misto de tristeza e alívio quando Gregor morre. Howard Brody diz que os membros da família encaram a enfermidade de Gregor como algo que aconteceu a eles, não como algo que aconteceu a Gregor, pois têm de compartilhar todos os efeitos.6 Esse entendimento deixa claro por que a família o considera um pária, um estigma, algo vergonhoso que precisa ser escondido. Assim, o elemento essencial do sofrimento é a degradação social, o isolamento e o ostracismo. “Fina1mente”, escreve Arthur Kleinman, “a pessoa estigmatizada começa a esperar tais reações, antecipando-as antes que ocorram e mesmo quando não ocorrem. Neste estágio, já incorporou totalmente o estigma, num profundo sentimento de vergonha e de identidade espoliada”.7

Os novos leprosos Nos primeiros anos do nosso século todos temiam e fugiam da tuberculose. Depois, o câncer tornou-se o maior tabu (apesar 4


de as doenças cardíacas ceifarem mais vidas). Atualmente, o grito de “impuro!” pertence aos portadores de AIDS. Para nossa geração, esta é a lepra suprema. Os familiares de portadores de AIDS não somente foram excluídos das comunidades, mas também suas casas foram queimadas, foram demitidos dos empregos e tirados das escolas. Muitos foram obrigados a mudar para outro local para fugir do embaraço e do estigma. Jimmy Allen, antigo presidente da maior denominação protestante do mundo, a Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, conta sua história comovente no livro Burden of a Secret (O Peso de um segredo). Sua noras Lydia teve de receber várias transfusões de sangue durante um parto complicado. Vários anos depois descobriram que parte do sangue que recebera nas transfusões estava contaminado com o vírus HIV. Lydia e seu bebê recémnascido, Matt, deixaram o hospital sem saber que carregavam o vírus. Anos mais tarde, ela deu à Luz outro filho, Bryan, que também nasceu com o vírus. Por meio de uma série de circunstâncias, finalmente descobriram que Lydia, Matt e Brian tinham ALDS. O filho do dr. Allen, Scott, marido e pai, fazia parte da Liderança de uma igreja no Cobrado. Crendo que era a coisa certa para fazer, ele informou o pastor sobre a doença da esposa e dos filhos, o qual imediatamente o demitiu. Disseram à família para não voltar mais à igreja. O medo e a ignorância reinavam onde quer que a jovem família Allen ia. Brian morreu primeiro, depois Lydia e, recentemente, Matt também morreu. Embora tenham encontrado amigos cristãos que os ampararam, esta história é um testemunho poderoso do poder destruidor do estigma.8 Ironicamente, a comunidade gay é em grande parte a culpada pela histeria em massa com relação à AIDS. Em seus esforços compreensíveis para conscientizar o público sobre a doença e levantar fundos para pesquisa e tratamento, eles exageraram, pintando um quadro tão horrível da ameaça (“todos correm risco!”) desta terrível moléstia que o povo ficou aterrorizado — a ponto de marginalizar os pacientes de AIDS mais do que nunca. Essa situação em grande parte já mudou nos últimos anos e a sociedade já fez progresso, proporcionando ajuda e conforto para as vítimas do vírus HIV. Entretanto, ele ainda continua sendo o estigma supremo.

296.33 4


Este sou eu. Se você procurar este número no Manual de Diagnóstico e estatísticas de Distúrbios Mentais, encontrará as seguintes palavras: Depressão profunda, recorrente e grave. Este é o diagnóstico da minha enfermidade. Ems 1993, falei para mil e quinhentos pastores e suas esposas em favor da organização médica Rapha. No início do meu discurso, não sabia se devia mencionar meu problema de depressão, o tratamento psiquiátrico que estava fazendo ou os medicamentos que esava tomando. Entretanto, tinha chegado num ponto em que minha família e minha vida eram mais importantes do que o julgamento dos outros e por isso contei. Foi difícil, mas contei. Sempre serei grato à esposa de um pastor amigo que se aproximou logo depois do final da reunião e disse com lágrimas nos olhos: “Nunca se arrependa por ter dito o que disse hoje”. Como resultado daquele discurso e da revelação subseqüente do problema em meu livro Quando o Céu Fica em Silêncio, centenas de pessoas têm-me procurado para contar histórias semelhantes. Fiquei atônito com o número de pessoas que impunham a si mesmos um sofrimento silencioso por causa do medo do estigma. Cerca de trinta milhões de pessoas sofrem de algum tipo de distúrbio mental ou emocional, apenas nos EUA. O estigma desses problemas provavelmente perde apenas para o da AIDS. Depressão, distúrbios maníaco-depressivos e outras moléstias emocionais sempre suscitam medo, suspeita, desconfiança e alienação na sociedade. A depressão e seus derivados geralmente são considerados como sinais de fraqueza — essas “pessoas lamurientas precisam agir e fazer algo útil”. Porém, a verdade a respeito da depressão e dos distúrbios maníaco-depressivos é que são exatamente isso: enfermidades. Biológicas, médicas e reais. Enfermidades do tipo “estou dizendo a verdade”; doenças genéticas causadas por uma falta de equilíbrio bioquímico no cérebro. Embora os médicos discordem sobre alguns aspectos das causas a maioria concorda sobre os fatos básicos. O cérebro tem mensageiros químicos chamados de neurotransmissores. Quando esses transmissores estão saudáveis e normais, nós também estamos. Entretanto, a ausência de um ou mais dos três transmissores químicos — serotonina, norepinefrina ou dopamina — podem ascionar a depressão. Ela pode ocorrer com pessoas de qualquer idade, atingindo o dobro de mulheres do que homens e afetando 10 por cento da população em alguma fase da 4


vida. A depressão pode afetar a pessoa de várias maneiras — desde profundos sentimentos de tristeza, culpa, inutilidade, indignidade e futilidade, até perda de memória e falta de concentração. O sentimento de perda do juízo não é incomum. Lágrimas incontroláveis, apatia profunda e fadiga ocorrem com freqüência, juntamente com alterações no apetite, desidratação e acentuada perda de peso. O suicídio é um risco constante e a insônia é extremamente freqüente. A boa notícia sobre a depressão é que há ajuda disponível. Você não precisa sentir-se dessa maneira. Uma combinação de medicamentos e psicoterapia tornam possível uma vida normal. “O melhor cérebro do mundo”, escreve Wilfred Sheed, “não pode conceber uma maneira de escapar da depressão, porque todas as suas idéias estão envenenadas na fonte”.9 Infelizmente, existe um estigma tão forte ligado aos distúrbios mentais que muitos, ou até a maioria das pessoas afligidas, recusam-se a buscar ajuda. Novamente, sua depressão é vista como um sinal de fraqueza e os medicamentos são vistos como muletas. No caso do tratamento de distúrbios maníacodepressivos (que têm grandes possibilidades de cura), o principal problema é convencer o paciente a tomar os medicamentos. A maioria deixa de receber ajuda porque teme a exposição, crendo que esta levará à rejeição.

A divisão entre mente e corpo não é biblica Creio que uma das razões de termos tantos problemas com esta questão se deve ao fato de que fazemos uma divisão entre mente e corpo. Se pensamos no ser como um todo (embora com diferentes dimensões — uma triunidade e não uma trindade), então lidaremos com o fisico ao mesmo tempo em que tratamos com o espírito, sabendo que são elementos inter-relacionados. Se, porém, vamos em frente acreditando que existe apenas um problema espiritual, então criamos uma forma de dualismo, o que, para o cristão, desacredita a encarnação. O cristianismo diz que o corpo é real. Se vemos Jesus com um significado real, apoiamos a encarnação. Portanto, um cristão deprimido deve buscar ajuda médica e aconselhamento espiritual.10 Uma das maiores autoridades em distúrbios maníacodepressivos no mundo é Kay Redfield Jamison, professora de Psiquiatria da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins. Ela é co-autora do texto médico padrão sobre distúrbios 4


maníaco-depressivos. Em 1995, a dra. Kay escreveu An Unquiet Mind (Uma Mente Inquieta), no qual pela primeira vez descreveu publicamente sua própria depressão, que a afligia desde os dezessete anos de idade. Descrevendo seu mal, ela disse: “A depressão distorce o humor e os pensamentos, incita comportamentos temerários, destrói a base do pensamento racional e freqüentemente enfraquece o desejo e a vontade de viver. Trata-se de uma enfermidade de origem biológica, embora seja sentida de forma psicológica; uma enfermidade singular na maneira como confere vantagens e prazer, embora traga junto consigo sofrimentos quase constantes e, algumas vezes, até o suicídio”.11 Para mim, o mais interessante foi o que ela disse sobre sua preocupação ao escrever o livro: Tive muitas preocupações ao escrever um livro que descreve de forma tão explícita meus próprios ataques de manias, depressão e psicoses, bem como meu problema para reconhecer a necessidade de tomar remédios constantemente. Os médicos, por razões óbvias de licença e privilégios profissionais, são muito relutantes em tornar seus problemas psiquiátricos conhecidos de todos. Tais preocupações muitas vezes provam ter fundamento. Não faço idéia de quais serão os efeitos de longo prazo dessas discussões sobre este assunto de forma tão aberta em minha vida pessoal e profissional; entretanto, quaisquer que sejam as conseqüêcias, elas serão muito melhores do que continuar mantendo o silêncio. Estou cansada de esconder, cansada do desperdício de energia, cansada da hipocrisia e cansada de agir como se tivesse algo pelo que devesse me envergonhar. Cada pessoa e o que é, e a desonestidade de esconder-se atrás de um título ou de palavras bonitas ainda é exatamente isso: desonestidade... Continuo preocupada quanto à minha decisão de falar publicamente sobre minha doença; entretanto, uma das vantagens de sofrer de distúrbios maníaco-depressivos por mais de trinta anos é que pouquíssimas coisas parecem difíceis demais ou insuportáveis... Encontro-me, de alguma forma, fazendo eco à pergunta essencial de Robert Lowell: “Por que não contar o que aconteceu ?” (grifos do autor).12

Nos rios de Babilônia Para mim, uma das passagens mais belas e ricas em significado na Bíblia encontra-se no Salmo 137: “Ás margens dos 4


rios de Babilônia nós nos assentávamos e chorávamos, lembrando-nos de Sião... Como, porém, haveríamos de entoar o canto do Senhor em terra estranha?” (vs. 1, 4). Muitas pessoas que descobrem subitamente que têm uma enfermidade crônica ou aguda ficam como os israelitas — encontram-se numa terra estranha, sentadas “as margens dos rios de Babilônia, chorando”, lembrando os dias de plenitude. Como podem cantar nessa terra estranha? Devido ao estigma de algumas doenças, principalmente depressão, temos medo de compartilhar o que ocorre conosco, medo de que as pessoas nos imaginem prostrados de pijama, olhos parados, boca aberta, murmurando e conversando com seres imaginários. Aqueles, porém, que estão sentados nos rios de Babilônia precisam de permissão para chorar e aqueles que os ouvem lamentando precisam abraçá-los.

O estigma espiritual Sobrepondo-se ao estigma social, embora separado dele, encontra-se o estígma espiritua1, que muitas vezes também é relacionado com as enfermidades. O isolamento das doenças às vezes é ainda mais acentuado nos círculos religiosos, onde a enfermidade é vista como um sinal de deficiência espiritual. Há alguns anos publiquei uma série de estudos sobre cura divina. Logo depois da publicação, fui aoometido por problemas fisicos crónicos. Fiquei sabendo que alguns colegas estavam dizendo que a enfermidade era castigo de Deus por causa das coisas que tinha falado nos estudos. Lembro-me de uma jovem mãe no Arkansas, em pé no saguão da igreja, com as duas filhas pequenas, contando-me que amigos lhe disseram que seu marido, que morrera anos antes de câncer, “não tinha morrido por causa do câncer, mas por causa da incredulidade dela”. Um amigo meu foi convidado para pastorear outra igreja, mas um ataque cardíaco atrasou sua chegada lá por várias semanas. Algumas pessoas da igreja disseram que o ataque cardíaco era um sinal de Deus de que ele não era o homem certo a posição. Sheila Walsh, uma artista conhecida internacionalmente, escritora e participante do programa Clube 700, contou que quando foi internada num hospital com depressão alguns colegas disseram coisas como: 4


— Você não percebe o dano que está causando para este ministério? — Eu sempre soube que um dia você ia perder o juízo. — Pode ser que você nunca mais seja uma pessoa especial”.13 Nos últimos anos, tornou-se popular em alguns círculos evangélicos fundamentalistas a orientação para que seus membros não busquem a ajuda de psicólogos e psiquiatras, classificando-os como “do diabo”. Há poucos anos Kaye e eu participamos de uma conferência bíblica em Louisiana. Um dos palestrantes condenou veementemente todos os profissionais da área de Psicologia e Psiquiatria. “Não existe psicólogo cristão”, ele esbravejava. Levantando a Bíblia vermelha acima da cabeça e sacudindo-a no ar, ele disse: “Tudo de que você precisa é a Palavra!”. Foi difícil para nós ficar ali sentados ouvindo essas coisas. Nosso filho mais velho tinha-se suicidado, vítima de distúrbios maníaco-depressivos, e Deus salvou minha própria vida e ministério por meio da ajuda de psiquiatras e de medicamentos. É fácil entender o estigma que o mundo coloca sobre as pessoas enfermas. Ele nasce do medo, da ignorância e da sensação de desconforto. Pelo menos para mim, entretanto, é quase impossível entender o estigma que muitos cristãos colocam sobre outros cristãos afligidos por enfermidades. Este estigma nasce não somente da ignorância, mas do orgulho espiritual e da arrogância, da falta de entendimento e de compaixão. O cristão estigmatizado é ferido na casa dos seus amigos. Já aconselhei muitos cristãos que negam a própria dor e se privam de qualquer tratamento, escondendo o sofrimento para não serem rotulados como carnais, pessoas sem fé e que escondem algum pecado secreto. Como Sheila Walsh disse: “Nenhuma pessoa inteligente condenaria alguém por ter um tumor cerebral; então, por que tantas pessoas desprezam e se distanciam de portadores de outras moléstias?”.14 Posso parecer muito envolvido emocionalmente nesta questão, mas já ouvi muitas pessoas que trazem no rosto as duras marcas do sofrimento silencioso. A falta de entendimento e de apoio por parte da comunidade não permite que esses queridos irmãos falem sobre sua dor — e se o sofrimento tem de ser escondido na profundeza do coração, a dor é duplicada.

Existe ajuda? 5


Existe alguma maneira de pararmos de estigmatizar as pessoas? Sim. Podemos aprender com o apóstolo Tiago. No segundo capítulo de sua epístola ele condena a atitude de mostrar preferência por uma pessoa porque ela parece superior às outras. Se fazemos isso, ele pergunta: “Não fizestes distinção entre vós mesmos, e não vos tomastes juizes tomados de perversos pensamentos?... Se vós, contudo, observais a lei régia segundo a Escritura: Amarás o teu próximo como a ti mesmo, fazeis bem; se, todavia, fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado, sendo argüidos pela lei como transgressores” (Tg 2:4, 8, 9). Para você, que é vítima de estigma, quero lembrá-lo de que foi aceito pe1o Unico que realmente conta: “Para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado” (Ef 1:6). Nossa atitude deve ser a mesma de Paulo quando disse aos coríntios: “A mim mui pouco se me dá de ser julgado por vós, ou por tribunal humano... pois quem me julga é o Senhor” (1 Co 4:3, 4). Por que, porém, se dá tanta importância a estigmas sociais e espirituais? Quais são as raízes da obsessão com a saúde e com a boa forma? Veremos a resposta a essas perguntas no próximo capítulo.

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Capitulo 5 A sedução do enfermo Temos adotado valores pagãos?

Quinhentos anos antes do nascimento de Cristo, outro nascimento “miraculoso” ocorreu na fronteira ocidental do mundo civilizado; um nascimento que em grande parte determinaria o tipo de mundo no qual se daria o advento de Cristo ─ um mundo no qual nós também nasceríamos. Numa época em que as civilizações poderosas do mundo antigo estavam em ruínas, a pequena cidade de Atenas dava à luz a civilização grega. O “milagre grego” era diferente de qualquer civilização que já existira até então. “Em toda a história, nada é tão surpreendente ou tão difícil de explicar como a súbita elevação da civilização na Grécia”.1 Este prodígio cultural pareceu emergir do ventre da história já totalmente crescido e plenamente desenvolvido, com realizações na arte e na arquitetura, na poesia e na prosa, as quais nunca foram superadas e raramente foram igualadas. As grandes obras que produziram continuam sendo os paradigmas pelos quais outras são avaliadas. Os gregos aperfeiçoaram o alfabeto numa escrita que em sua forma romana satisfaz até hoje o mundo ocidental. Inventaram a matemática, a ciência e a filosofia. Tucídides e Xenofonte foram os primeiros a escrever a história como literatura, em oposição aos meros anais. O raciocínio dedutivo, partindo de premissas gerais, foi uma inovação grega. Nunca na história tantos gênios em tantas áreas da atividade humana se concentraram em apenas um local, num período tão curto de tempo.2 Uma das contribuições mais significativas dos gregos foi um novo espirito indagador, sintetizado no preceito de Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo”. Sem nenhum limite espiritual ou intelectual, os gregos especularam livremente sobre a natureza do mundo e o fim da vida, suscitando, com precisão artística, todas as questões básicas sobre a existência humana. Os Diálogos de

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Platão, escritos nos dias áureos da civilização grega, até os nossos dias compõem o mais influente corpo de filosofia do mundo ocidental. E daí? O que tudo isso tem que ver conosco? O que tem que ver com a fé no meio da enfermidade, do sofrimento e da morte? Exatamente isso: nós somos os herdeiros da cultura grega.

Nossas raízes culturais Nossas raízes culturais remontam até os gregos — nossa civilização cresceu a partir daquele mundo clássico. A carne e o sangue do mundo ocidental do século XX estão ligados ao esqueleto daquela cultura antiga. Como disse o pintor francês Delacroix: “Todos nós somos gregos”. Wayne Meeks escreveu: “Surpreendentemente, a cidade de Atenas, nos séculos V e IV a.C., criou os paradígmas que os pensadores ocidentais usariam para falar sobre a ética daquele tempo e do nosso”.3 Nossa cultura tem a expressão “Made in Greece” estampada nela. Pensamos e agimos de forma diferente hoje por causa do que os gregos fizeram em Atenas há 2.500 anos. E daí? Exatamente isto: os gregos criaram seus deuses à sua própria imagem. Era algo novo. Antes dos gregos, os ídolos não tinham nenhuma semelhança com a realidade. Você se lembra das pinturas dos deuses egípcios que ilustravam seus livros escolares de História? Estranhos, de aparência assustadora, como um pesadelo: estátuas com corpo humano e cabeça de animal; deuses adorados com forma de animais. Hathor, por exemplo, era uma vaca com cabeça de mulher; Montu tinha cabeça de falcão; Anúbis tinha cabeça de chacal e Sekhmet, cabeça de leão. A deusa Isis Thoth às vezes era retratada como um besouro empurrando uma bola de excremento de animais misturado com areia. Será que um ídolo com essa aparência o levaria a cantar “Aleluia!”? Para os gregos, o homem tornou-se a medida de todas as coisa. Seus deuses tinham forma humana, pareciam com homens e se comportavam como tais; todos tinham um corpo e o porte físico de um atleta mortal. “Com a elevação da Grécia”, escreveu Edith Hamilton, “a humanidade tornou-se o centro do universo, a coisa mais importante nele... Em todo o mundo antigo, apenas na Grécia as pessoas estavam preocupadas com o visível; encontravam a 5


satisfação dos desejos no que estava de fato ao seu redor... Suas divindades eram extremamente atraentes, dentro dos padrões humanos. Na forma de belos jovens e donzelas, os deuses povoavam as florestas, os rios, os mares, em harmonia com a terra e com as águas brilhantes.” 4 Para os cristãos, a história é a História de Deus, ou seja, o registro do propósito redentor de Deus na terra, a crônica da guerra invisível entre Deus e Satanás e o drama da redenção. A história é única e pertence a Deus. A história grega, porém, coloca o homem no controle dos negócios do mundo. Para eles, não se tratava da história de Deus, nem do registro da sua ira e da sua misericórdia; era a história de grandes façanhas realizadas por grandes homens. De acordo com o historiador Oswyn Murray, a tradição grega tornou-se a nossa tradição. “De fato, os gregos ensinaram o ocidente como criar e escrever a história sem Deus”(grifos do autor).5 Os gregos rejeitavam qualquer aspecto transcendente como referência. Ensinando sobre a superioridade do homem sobre si próprio, acreditavam que a finalidade da verdade e do bem estavam dentro dos limites da razão humana. “Conhece-te a ti mesmo”, disse Sócrates. Ele não disse: “Conhece o teu Deus”. A moral dos gregos derivava-se da natureza humana, independente da mente e do ser de Deus. Eles deificaram a natureza, tratando tudo o que era natural como se fosse divino.

Descendentes de deuses e de heróis Para os gregos, o homem não era um ser pecaminoso que precisava de redenção. Pelo contrário, era o descendente de deuses e heróis; nas artes, suas ações e aspirações eram representadas pelas figuras dos deuses e heróis. Eram excelentes em força e habilidade; viviam uma vida cheia de sensualidade. A religião grega era prática e mundana. Platão, em seus Diálogos, disse: “Isso é e sempre será a melhor coisa que já foi dita, que o útil é belo e o perigoso é feio... tornaremos o casamento o mais sagrado que pudermos; e o sagrado significaria o mais útil”(grifos do autor). Havia pouquíssimas expressões de interesse ou preocupação por um mundo além deste. Para eles, nada de valor permaneceria além da sepultura. Por tudo isso, não é de surpreender descobrir que na sociedade grega um corpo humano em boa forma era admirado (como eu disse, “somos todos gregos”). Na arte, as esculturas eram na maioria de corpos masculinos, geralmente despidos. Os 5


atletas se exercitavam nus, e era comum a visão de jovens despidos. Platão argumentava que o único obstáculo para a total igualdade entre homem e mulheres era a modéstia feminina, e isso podia ser suparado com ambos os sexos se exercitando juntos, nus. Não se engane quanto a isso: os gregos eram pagãos, mas eram pagãos sofisticados, cuja religião era o culto da juventude, da saúde e da beleza. Platão, desta vez em Utopia, declarou que o povo que vivesse de acordo com o regime do seu estado ideal não teria necessidade de médicos. Continuando, com relação à juventude e a velhice, Eurípedes disse: Com alimentos, bebidas e encantamentos, Tentam manter a morte à distância. Desde que não têm utilidade neste mundo, Deveriam ir embora e deixá-lo para os jovens.

Assim, para os gregos, “o ideal da vida era saúde, beleza (tinham uma consideração elevada e incomum pelo físico masculino), riqueza respeitável e o gozo da juventude com os amigos”.6 Isso soa desconfortavelmente familiar, não é mesmo? Essas pessoas estão entre aquelas mencionadas por Paulo quando escreve aos Romanos: “Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos, e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível... mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura, em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente. Amém” (Rm 1:2223, 25). É importante reconhecer que tais pessoas não foram enganadas pela mentira. Eles a escolheram deliberadamente. Conheciam a Deus, mas trocaram-no por uma imitação. Se não tivessem conhecido o Deus verdadeiro, a idolatria teria sido uma invenção; pelo contrário, era uma revisão. Não adoravam deuses porque eram ignorantes; adoravam ídolos porque eram ímpios.

A ênfase na saúde é um valor pagão Tudo aquilo que é natural, belo e agradável é divino. Se você se sente bem fazendo, então faça. Este é o deus que deve ser louvado, o objetivo que deve ser buscado e o bem que deve ser adquirido. Esta é A Grande Mentira: o ídolo feito à nossa própria 5


imagem. E daí? Exatamente isso: a atual ênfase exagerada em saúde, riqueza e felicidade não é nova, nem bíblica. Muitos valores exaltados em nossa cultura “cristã” têm origem pagã. O fato é que batizamos muitos valores pagãos em nossas igrejas e os colocamos como membros em posições proeminentes. Por exemplo, declaramos que prosperidade física e material é sinônimo de vida cristã real. O historiador Jasper Griffin, de Oxford, mostra que o moderno culto aos atletas e o renascimento dos Jogos Olímpicos são evidências da forte influência que a cultura grega ainda exerce em nosso mundo.7 Por trás das faces das últimas tendências da moda estão os velhos deuses que o homem secular tem adorado de uma forma ou de outra, por dois mil anos. Tudo isso é importante para o nosso estudo. J.I.Packer diz: “Desenvolvemos uma consciência de saúde que é doentia em si mesma, e que certamente não tem precedentes — nem mesmo na antiga Esparta, onde a cultura do físico era tudo”.8 O resultado final de tudo isso é a “sedução do enfermo”. Crendo que o bem-estar físico representa o ouro olímpico da vida, temos sido induzidos a pensar que a prosperidade é nosso direito sagrado e que a libertação de todos os males é a vontade de Deus. A sedução do enfermo ocorre quando é convencido de que prosperidade — saúde, riqueza e felicidade — é o bem mais elevado possível, algo que lhe é devido, algo que Deus deseja que tenha acima de qualquer coisa. Se apertar os botões certos, poderá escapar de todo o mal, sendo que o mal é algo que interfere tanto na existência, como no gozo pleno da prosperidade. Evidentemente, se o enfermo não possui esses elementos, sua espiritualidade é colocada seriamente em dúvida. Torna-se um pária, para si mesmo e para os outros. A distorcida ênfase atual na saúde e na riqueza é pagã, não cristã. J.I.Packer define isso como a “religião vida mansa”. A finalidade da religião vida mansa e do mundo é a mesma, apenas os métodos são diferentes: o mundo busca a prosperidade por meio do engodo e da trapaça; o cristão, por meio da fé e da oração. A religião da prosperidade permite que o cristão se junte ao mundo, em sua busca carnal, de consciência limpa, e em nome de Deus. Packer observa: “Colocamos o cristianismo num molde que enfatiza a felicidade acima da santidade, as bênçãos temporais 5


acima das bênçãos eternas, saúde e riquezas como os dons mais elevados de Deus; a morte, principalmente prematura, em vez de ser encarada como o livramento digno de gratidão das misérias do mundo pecaminoso, é vista como o desastre supremo e um constante desafio para a fé na bondade de Deus”.9 A sedução do enfermo ocorre em grande parte porque o poder da fé para obter saúde e riqueza é pregado como uma redescoberta de algo que a igreja possuía e praticava antes, mas que abandonou há muito tempo. Somente agora, e apenas por meio daqueles com coragem para romper as amarras do tradicionalismo, a “verdade” foi restaurada à igreja. A estratégia é familiar: a igreja é apontada como a vilã do melodrama. Eric Hoffer observou que “os movimentos não surgem até que a ordem estabelecida seja desacreditada. O descrédito não é resultado automático das explorações e dos abusos daqueles que estão no poder, mas do trabalho deliberado de homens eloquentes cheios de ressentimento”.10 Tudo isso nos leva a um fato: A sedução dos enfermos não existiria se não houvesse sedutores e aqueles que desejam ser seduzidos. Você, ou alguém que você conhece, abraçou esse falso evangelho? Você, involuntariamente, já ajudou a expandir essas mensagens?

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Capitulo 6 Os sedutores Toda sedução, na realidade, é uma auto-sedução

Você já ouviu alguém falando no rádio ou na televisão e só depois percebeu que foi manipulado? Percebeu que aceitou um argumento que 24 horas atrás consideraria totalmente inconcebível? Você não é o único. Ligue o aparelho de TV, ouça o rádio, abra o jornal e leia os artigos escritos por psicólogos, médicos, advogados e os autodenominados paranormais. Vá a uma livraria e dê uma olhada na infinidade de livros do tipo como-fazer-tudo. Você concordará: estamos vivendo na Era do Conselho. Quanto mais incisivo e autoritário for o conselho, mais esta geração gosta dele. Nem na época de Péricles e de Sócrates, quando a oratória e a retórica reinavam absolutas, existiu uma sociedade tão persuasiva e manipuladora. Os avanços nas técnicas de manipulação e na tecnologia da comunicação criaram uma combinação letal, que ameaça nossa capacidade de racionar e de escolher.1 Usando uma comunicação apurada e boas técnicas de manipulação, a mensagem dos sedutores tornou-se uma massagem, criando supostas necessidades, apetites artificiais, desejos controlados e valores confusos. Alguns defensores da saúde e da prosperidade parecem mais preocupados com a atmosfera do que com a exatidão. O objetivo é a persuasão, não a precisão. Por meio de palavras de ordem, slogans e frases de efeito, atacando a “ordem estabelecida”, eles exploram a frustração daqueles que não foram curados. — Os médicos o curaram? — Não. — A igreja o curou? — Não. A mensagem é mais eloqüente na TV. Lamentavelmente, ungimos a televisão com um dom oracular, com uma aura de

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onisciência e de infalibilidade. De acordo com Harvey Cox, da Escola de Teologia de Harvard, o simples fato de o pregador estar na TV significa que “seus pronunciamentos — quaisquer que sejam — constituem um tipo de validação das alegações da verdade, um reforço psicológico do tipo que os demagogos e propagandistas conhecem muito bem”.2 Os profetas da prosperidade logo perceberam o potencial da TV e agarraram-se a este novo poder para proclamar sua mensagem especial, tornando-se especialistas em comunicação e persuasão. Cox prossegue: A TV nos alcança num nível de consciência abaixo da inteligência centralizada na crítica... A tecnologia da propaganda em massa é uma estrada de ‘mão única’. Torna todos nós consumidores aquiescentes de suas imagens e valores... Pela presente tecnologia da mídia, as pessoas são estimuladas a ser consumidores ‘ouvintes’ e ‘oboervadores’, não criadores... O processo, porém, é de sedução. As necessidades humanas genuínas são exploradas para satisfazer propósitos estranhos àquele que assiste... As pessoas não são apenas informadas e entretidas por eles (pela mídia). Logo começam a avaliar o significado, e em alguns sentidos até mesmo a realidade dos eventos com baise no que vêem nas revistas ou na TV... As pessoas começam a desconfiar de suas próprias idéias e impulsos se estes não são corroborados pela mídia... a qual começa a prescrever não somente o que é bom e verdadeiro, mas também o que é real.3

Fé mal situada Muitos pregadores que levam pessoas enfermas a alimentar falsas expectativas e a ter uma fé mal situada, fazem isso de forma não intencional. Acreditam no que ensinam e são sinceros. Outros, nem tanto. Todos os grandes sedutores da história tinham uma coisa em comum: a capacidade de usar as necessidades e instintos naturais de outras pessoas para alcançar seus propósitos egoístas. Os sedutores empregam a linguagem e os gestos do diálogo, a confiança, a intimidade e a simpatia com extrema habilidade. Entretanto, não fazem isso para desenvolver intimidade pessoal, mas para subvertê-la; não para nutrir a comunidade humana, mas para solapá-la. A sedução é a mais hedionda forma de exploração, porque leva a vítima a tornar-se um cumplice involuntário de seu próprio engano.4 5


Seguidores bem-intencionados com freqüência atribuem poderes mágicos ao líder. Este apela para o anseio de segurança que todo ser humano tem. Ele é um simplificador: conhece, e conhece de forma absoluta, não admitindo nenhuma dúvida. Fala em nome de Deus; as palavras do Senhor estão em sua boca. Ele lidera por meio de slogans e promessas. Embora eu não concorde com muita coisa que Sigmund Freud advogava, creio que ele acertou quando escreveu: “Razão e argumentos são incapazes de combater certas palavras e fórmulas. Elas são pronunciadas com solenidade na presença de um grupo e assim que são proferidas uma expressão de respeito é visível em cada semblante e todas as cabeças se inclinam. Para muitos, tais palavras são consideradas como forças naturais ou até mesmo como poderes sobrenaturais”.5 Outro fenómeno de sedução do enfermo é a quase impossibilidade de o líder ser desacreditado. Os seguidores conferem-lhe uma infalibilidade de guru e rapidamente justificam todas as suas incoerências, tais como adultério ou fraude. O líder pode declarar publicamente que um líder religioso bem-conhecido foi curado de câncer — como ocorreu recentemente; entretanto, quando o homem “curado” morre, rápidas explicações são dadas e aceitas, não importa o quão fantásticas ou desarticuladas sejam; o líder sai com sua credibilidade miraculosamente intacta. Há pouco tempo um teleevangelista foi apanhado pela segunda vez com uma prostituta. O reincidente, tendo já exaurido todas as explicações racionais na primeira vez que fora apanhado, desta vez declarou simplesmente: “O Senhor me disse que isso não é da conta de ninguém”. Funciona assim: Se você quebra o encanto e expulsa o líder, tem de desistir do seu sonho, o sonho de nunca ficar doente, de nunca passar privação, o sonho da prosperidade. Para manter o sonho vivo, os seguidores devem preservar o líder. Por que somos tão facilmente seduzidos pelas promessas desses falsos pregadores? Por que continuamos a segui-los mesmo depois que são desacreditados? Estas perguntas podem ser respondidas somente quando reconhecemos a predisposição universal para a sedução que todo ser humano leva no coração. Adão sempre esteve pronto para acreditar numa mentira. Nossa capacidade para o auto-engano é inacreditável. Demóstenes disse: “Nada é mais fácil do que o auto-engano. Porque o homem crê que tudo o que deseja também é verdadeiro”. 6


Toda sedução é auto-sedução Como a hipnose, toda sedução é na verdade auto-sedução. Não podemos ser seduzidos sem nossa cooperação, embora esta possa ser inconsciente. As palavras de Paul Tillich são severas, mas esclarecedoras: Todas as pessoas desejam falsos profetas, os quais, por meio da glorificação de seus deuses, glorificam seus seguidores e a si próprios. As pessoas anseiam ser irrepreensíveis com relação a seus desejos e virtudes, seus sentimentos religiosos e atividades sociais, a sede de poder e as esperanças tópicas, conhecimento e amor, família e raça, sua classe social e nacionalidade. O falso profeta sempre pode ser encontrado para glorificar o demônio que estão adorando.6

Em resumo, todo deus tem o seu guru. Isto não quer dizer que tais lideres tragam coisas novas para o povo. Não é este o segredo do sucesso deles. Geralmente concorda-se que Freud tinha razão quando disse: “A maior parte de nossas ações diárias são resultado de nossas tendências ocultas, as quais escapam à nossa observação”.7 Os mestres da saúde-e-riqueza são bem-sucedidos porque a mensagem deles apela para essas tendências “ocultas”. Prometem satisfazer os anseios mais profundos que todos nós carregamos no nosso interior — o desejo de sermos isentos de toda dor e miséria, escapar da morte e das calamidades, o desejo de ter a felicidade garantida, assegurada, sacramentada. Larry Crabb lança luz sobre a questão com as seguintes palavras: “O evangelho da saúde e da riqueza fala ao nosso anseio legítimo de alívio, desprezando o chamado para suportar o sofrimento... Embora não haja como escapar das dores da alma; só o que se pode fazer é negar” (grifos do autor) . O mundo é um lugar temível, cheio de perigos. Se soubéssemos quanto ficamos perto da morte a cada dia, provavelmente ficaríamos malucos. De fato, tem-se insinuado que pessoas insanas são aquelas que vêem as coisas como realmente são e entram em colapso diante do peso da realidade. Talvez sejam os verdadeiros sãos. O psicólogo Otto Rank “usava o termo ‘neurótico’ para um tipo de pessoa desprovida de ilusão, que via as coisas como realmente eram e que se sentia esmagada diante da fragilidade humana”.9

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Para alguns, abrigar-se nesses ensinamentos sobre saúde e riqueza é parte dessa atividade de proteção. Essa “conspiração do fingimento”, na qual todos nós, em graus diferentes, estamos engajados, tem vários nomes: “vida de mentira”, “mentira vital”, “vida de ilusão” ou “fuga da realidade”; tudo isso significa simplesmente que temos certos meios de fugir dos aspectos intoleráveis e desagradáveis da realidade. Vivemos num mundo criado pelos nossos próprios medos e desejo; essa “vida de mentira” é o amortecedor que evita que as arestas da vida nos machuquem. Convencemo-nos de que as coisas não são realmente tão más como parecem, que estamos mais satisfeitos do que estamos na realidade, não estamos tão feridos como parecemos estar e não estamos sentindo dor. Negamos a realidade e chamamos isso de fé, porque não podemos suportar mais nenhuma verdade sobre nosso mundo. Mantemos um controle sobre o mundo por meio da nossa vida de mentira. Lamentavelmente, muitos aspectos do cristianismo contemporâneo contribuem e promovem esta vida de mentira. Eu cresci numa igreja muito conservadora, liderada por um pastor dinâmico que falava bastante sobre a segunda vinda de Cristo. Ele nos ensinava que todas as profecias necessárias já tinham sido cumpridas e que Jesus podia retornar a qualquer momento. Meu pastor afirmava e reafirmava que a vinda de Cristo era tão iminente que ele acreditava que estaria vivo no Arrebatamento. Bem, eu era bem mais novo do que ele, de modo que se ele fosse presenciar o grande evento, eu muito mais.

Um meio de escapar da realidade Sem perceber, minha crença no retorno iminente de Cristo tornou-se mais do que uma convicção teológica. Era uma maneira de escapar da realidade e evitar responsabilidades. Não havia necessidade de estudar muito, pois muito provavelmente Cristo voltaria antes da formatura. Que desperdício seria — perder todo aqude tempo estudando! Eu sentia-me feliz crendo assim. Não tinha necessidade de planejar a aposentadoria e a velhice, diante daquilo que estava prestes a acontecer. Não havia necessidade de me envolver em questões sociais, nem de gastar minha mente com o que estava ocorrendo ao meu redor. Nas palavras de Van B. Weigel, encontrei-me “sentado na arquibancada, aguardando o grande evento do Armagedon”.10 Tudo isso é resumido pelo escritor de Hebreus. Descrevendo 6


a morte de Cristo, ele disse: “Visto, pois, que os filhos têm participação comum de carne e sangue, destes também ele, igualmente, participou, para que, por sua morte, destruísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo, e livrasse todos que, pelo pavor da morte, estavam sujeitos à escravidão por toda a vida” (Hb 2:14,15). Note bem que aqui não é a morte em si que escraviza o homem: é o medo da morte, o terror e o pavor dela. No Jardim do Éden, Deus disse a Adão: “Da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque no dia em que dela comerdes, certamente morrerás” (Gn 2:17). Entretanto, como nunca vira a morte, Adão não tinha idéia do que era. Esse foi parte do conhecimento que adquiriu quando desobedeceu a Deus e comeu o fruto da árvore. Comeu para adquirir conhecimento, e o conhecimento que adquiriu o consumiu, enchendo-o de terror. Agora ele sabia (tarde demais) o que era a morte e que não tinha como escapar dela. Adão aprendeu sobre a morte quando Deus matou um animal; pela primeira vez o homem assistiu ao espetáculo do sangue derramado, quando Deus cobriu a nudez humana por meio de uma morte. Pelo resto de sua vida, Adão vestiu a morte como uma roupa. O mesmo acontece conosco. A punição pelo pecado do homem não é somente a morte, mas também o conhecimento dela. De todas as criaturas de Deus, somente o ser humano sabe que morrerá. Este é o julgamento horrendo: durante toda a nossa vida, sabemos que estamos condenados. À luz desse fato aterrorizante, o que mais importa, além de escapar desse destino ─ ou pelo menos adiá-lo? O medo da morte “assombra o animal humano como nada mais; é a fonte da atividade humana ─ atividade destinada em grande parte a evitar a fatalidade da morte, superá-la negando de alguma forma que este é o destino final de todo homem”.11 Não há mistério sobre a razão pela qual multidões são seduzidas pelo evangelho da saúde e da prosperidade. Se você jogar um fósforo aceso dentro do tanque de gasolina do seu carro, as pessoas ao redor correrão para se abrigar. Por quê? Porque há a1go dentro do tanque que responde de forma explosiva ao fogo. Você não causaria a mesma reação se jogasse o fósforo dentro de uma caixa d’água. O fósforo só é perigoso quando há combustível dentro do vasilhame. Existe abundância de combustível dentro do coração humano, o que torna o ensino da prosperidade atraente e 6


torna possível a sedução do enfermo. Por que os cristãos, que lêem a Bíblia e oram regularmente, em geral não são melhores juizes da sedução do que os nãocristãos? Por que não conseguimos discernir a verdade, apesar de termos o Espírito Santo pronto para interpretar a Palavra de Deus para nós? Uma das razões principais é que nunca aprendemos os princípios que nos ajudam a comparar escritura com escritura ─ e comparar a escritura com o que os sedutores nos dizem. Quando estava no seminário, fiz um curso de interpretação da Bíblia. Há um termo técnico para esse estudo: hermenêutica, ou as regras de interpretação. Geralmente só pregadores e mestres da Palavra aprendem esses princípios. Entretanto, se queremos “manejar bem a palavra da verdade”, como a Bíblia nos exorta, precisamos dessas ferramentas. Creio que devem estar à disposição de todo cristão, para que cada um possa interpretar a Bíblia por si mesmo. Isso é especialmente verdadeiro quando fazemos a pergunta: “Por que Deus não me cura?”. Quando estamos enfermos, em geral somos mais bombardeados com uma infinidade de textos bíblicos por parte de pregadores, professores e amigos bem-intencionados. Apesar disso, você não deve depender de ninguém para lhe dizer o que é correto e o que não é. Com as regras simples de interpretação bíblica que apresentarei nos próximos capítulos, você pode fazer isso sozinho. Poderá saber quando alguém está interpretando erroneamente o que a Bíblia diz, principalmente na questão da saúde e prosperidade. Mais importante: o manuseio adequado da Palavra de Deus lhe dará a coragem para deixar de lado as afirmações erradas que no final sempre trazem desapontamento e confusão. Você será capaz de descobrir e abraçar em sua vida o propósito mais significativo do nosso Deus amoroso e soberano. Com essa finalidade, vamos continuar nossa jornada.

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Parte dois Manejando bem a Palavra da Verdade Não há insensatez, falsa teologia, iniqüidade ou puerilidade sacerdotal por meio da qual capítulo e versículo não possam ser citados por uma inteligência escravizada. EDWARD WHITE, INSPIRATION Procura apresentar-te a Deus, aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade. 2 TIMÕTEO 2:15

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Capitulo 7 Que queremos dizer com “cura”? A importância da definição do termo

Tenho certeza de que muitos leitores estão se perguntando que queremos dizer com o termo “cura”. Existem tipos ou grus diferentes de cura? Vou tentar explicar os termos diferentes que utilizamos para descrever cura. É uma lista que desenvolvi estritamente para o propósito deste livro. Não quero afirmar que ela seja exaustiva em termos médicos ou plenamente satisfatória em termos científicos. Toda cura, evidentemente, vem de Deus. Seja por meio de medicamento ou cirurgia, dieta adequada ou exercícios, medicina alternativa ou intervenção divina, o corpo recebe a cura do Senhor que o criou. O famoso cirurgião francês Ambrose Paré disse: “Eu aplico o curativo, mas Deus cura a ferida”. Pendurado na parede do consultório de um médico, havia um cartaz que dizia: “Deus opera a cura. Eu recebo o pagamento”. Cura assistida. É a cura que exige algum tipo de ajuda, seja tratamento médico ou terapia, mudança na dieta alimentar, ou “vitamina C e cama”. Não há nada na Bíblia que seja contra buscarmos ajuda médica qualificada. Lucas era o “médico amado” (ou era muito bom ou não cobrava muito pelas consultas!) e Timóteo foi aconselhado a tomar um pouco de vinho para o estômago (1 Tm 5:23). J. Sidlow Baxter faz um excelente comentário sobre isso: Podemos tomar como um fato que mesmo nosso Deus, sendo infinito, nunca faz nada supérfluo. Ele não intervém para operar um milagre onde a medicação humana ou outras medidas podem suprir a necessidade de forma efetiva. Creio que os cristãos, ao orar por cura, devem andar de mãos dadas com os médicos e cirurgiões humanos — quando a resposta requerida pode vir por meio deles — tanto quanto devemos orar quando a cura que buscamos de alguma moléstia está além da 6


possibilidade humana de cura.1

Alguns buscam cura não porque o problema é terminal ou debilitante, mas para evitar a inconveniência de uma cirurgia ou outro tipo de tratamento médico. Pressupor que esse tipo de cura está incluído na expiação (ou seja, que Cristo morreu pelos nossos pecados e também por nossas enfermidades) é desmerecer a cruz. Cristo não morreu para nos salvar do “desconforto de certos tratamentos médicos”. Verdade é verdade; toda verdade, “toda boa dádiva e todo dom perfeito é lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação, ou sombra de mudança” (Tg 1:17). Quer os médicos reconheçam ou não, o conhecimento, a habilidade, a verdade que os capacitam a remover uma mancha ou fazer um transplante de coração procedem de Deus. Não é a falta de fé que nos envia aos médicos: estamos apenas tirando vantagem das boas dádivas de Deus. A fé não nos isenta da comunhão do sofrimento humano nem a cura tenciona ser uma substituta para a disciplina ou urna muleta para o preguiçoso. Deus opera a cura, mas freqüentemente utiliza os meios disponíveis. Cura natural. Quero dizer aqui a habilidade do organismo de recuperar-se. A partir do pó da terra, Deus elaborou um instrumento maravilhoso com surpreendente poder de recuperação. O dr. Andrew Weil diz: “Mesmo quando os tratamentos são aplicados com sucesso, tais resultados representam a operação de mecanismos intrínsecos de cura, os quais, sob certas circunstâncias, podem agir sem nenhum estímulo externo”.2 Temos isso como algo tão certo que nem nos maravilhamos quando o corpo cura a si mesmo de cortes, ferimentos e dores. Normalmente, apenas corrigindo nosso estilo de vida e eliminando alguns hábitos nocivos, o corpo opera sua própria cura. O organismo tem poderes de recuperação notáveis. Quando ailguém pára de fumar ou de comer demais, o organismo de fato repara os danos que já foram feitos. Lewis Thomas conta acerca da impressão que teve sobre seus colegas médicos e suas famílias. Sua pesquisa pessoal e reconhecidamente não científica mostrou que os médicos e seus familiares fazem menos uso da medicina e dos recursos médicos do que o público em geral. Ele concluiu: “O grande segredo, conhecido pelos residentes e aprendido cedo no casamento pelas 6


esposas dos residentes, mas ainda oculto ao público, é que muitos males melhoram por si mesmos. Muitas enfermidades, de fato, na manhã seguinte já melhoraram”.3 Cura pela fé. Aqui, por “fé”, não quero dizer fé espiritual ou bíblica, ou a fé em Deus. Refiro-me à fé natural, a fé que pertence à nossa natureza, a fé que exercemos quando nos sentamos numa cadeira ou voamos num avião, o poder da mente para influenciar o corpo — o poder de uma atitude mental positiva. Por “cura pela f’é” quero dizer crer que se eu mantiver uma confissão e uma atitude positivas, irei melhorar. Não há dúvida de que o estado da mente e a atitude desempenham um papel decisivo no processo de cura das enfermidades. “Como [o homem] imagina em sua alma, assim ele é” (Pv 23:7). Grandes milagres de cura na verdade são “curas pela fé”, os quais não são nem miraculosos, nem divinos. Em muitos distúrbios funcionais (veja o capítulo 13), é possível imaginar-se melhor, bem como também é possível imaginar-se doente. Este tipo de fé afeta o córtex adrenal e aumenta a eficiência do sistema imunológico do organismo. Isso não é um acontecimento particularmente miraculoso ou sobrenatural: é simplesmente a vitória da mente sobre a matéria. Os médicos concordam que a atitude mental positiva resulta numa melhora física significativa. Os especialistas em câncer continuam vendo evidências estatísticas de que os pacientes que crêem que irão melhorar com certo tratamento têm um prognóstico muito melhor do que aqueles que são pessimistas sobre as chances de cura. Todos os médicos já viram casos de cegueira histérica e crise de histeria, moléstias cujos sintomas aparecem somente porque o paciente pensa que está doente, ou moléstias trazidas por grande estresse, resultando em distúrbios no organismo. Quando alguém sofre uma grande perda, por exemplo, a tristeza, se prolongada, pode transformar-se numa depressão patológica. Muitas enfermidades que antes acreditavam-se ser unicamente físicas ou orgânicas agora são reconhecidas como causadas pela condição mental do indivíduo, ou relacionadas a ela. Wade Boggs, portanto, pode escrever: “É possível que os métodos daqueles que operam curas pela fé sejam instrumentos na cura de enfermidades causadas pela condição mental ou espiritual. Se tais operadores de curas, por meio de campanhas de autopromoção, conseguem construir uma reputação que impressiona, de maneira que pacientes altamente 6


“sugestionáveis” acreditem em suas alegações, é possível que o resultado seja a cura”.4 Há anos os médicos utilizam esse tipo de abordagem, ministrando “falsos medicamentos”, os quais são chamados de placebos”. Tais medicamentos de fato não têm nenhum efeito sobre o paciente, a não ser fazê-lo acreditar que funcionará e, portanto, começar a relaxar, confiando que a cura já está em progresso. Esse método reforça as condições mentais do paciente, fazendo-o crer que está melhor e de fato fazendo com que a bioquímica do próprio organismo se “reagrupe”, permitindo que os níveis de adrenalina baixem. Quando o paciente relaxa, o corpo tem uma chance de trabalhar e começar a funcionar de forma apropriada. Cura divina. Para o nosso propósito, cura divina é definida como a ação soberana de Deus, na qual ele intervém para curar o corpo sem a utilização de métodos ou habilidades humanas.

Verificando a cura divina Quando Jesus curava alguém, não havia nenhuma dúvida de que ocorrera um milagre. Isso não é verdade com muitos “milagres de cura” que vemos hoje. Quando uma pessoa que nunca vimos antes e que provavelmente nunca mais será vista novamente aparece na TV afirmando que foi curada de câncer terminal, os espectadores não têm culpa de alimentar dúvidas, quando conhecem muitas outras pessoas, talvez até eles próprios, que não foram curadas. Lamentavelmente, as questões concernentes à validade dos milagres de cura muitas vezes são rechaçadas como falta de fé e obstáculo à obra do Espírito. Entretanto, se nos pedem para crer que ocorreu um milagre de cura, a responsabilidade pela apresentação de provas está sobre o que curou e aquele que foi curado. Jesus nunca impediu que seus pacientes fossem examinados ou interrogados. Pedir uma verificação não é sinal de incredulidade. A verdade não teme nenhuma investigação. J. Sidlow Baxter, que crê em cura divina e foi um admirador de Kathryn Khulman, que operava curas pela fé, diz que apesar de Deus curar precisamos arrancar o falso do meio do verdadeiro. Ele oferece os seguintes critérios: 1. A enfermidade ou o ferimento devem ser suficientemente graves e duráveis, tanto em termos orgânicos como de estrutura (não meramente funcional), diagnosticados por médicos 6


totalmente qualificados, para que seja excluída a possibilidade de exagero ou mentira quanto às verdadeiras condições do paciente. 2. A cura deve ser instantânea ou em seqüências rapidamente interligadas; deve ser de natureza tão incomum que a coloque acima da possibilidade de auto-sugestão, hipnotismo, magnetismo pessoal ou qualquer outra explicação natural. 3. A cura deve ser admitida, ou melhor ainda, verificada por médicoe plenamente qualificados, inclusive o próprio médico que atendia anteriormente o paciente, seguindo-se o histórico do caso, que deve ser plenamente documentado. 4. A cura deve ser verificável mesmo depois de um período longo suficiente para demonstrar de forma conclusiva que não foi apenas uma remissão da enfermidade, ou uma reversão psicossomáfica.5

Existem vários tipos de cura disponíveis para a pessoa enferma, até mesmo a cura divina direta. Assim, o cristão, quando doente, deve sempre manter a esperança, crendo no melhor da parte de Deus. Tal cura não precisa temer os questionamentos e os testes.

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Capitulo 8 Manejando bem a Palavra da Verdade Estudo bíblico cuidadoso é essencial para uma fé que verdadeiramente honra a Deus

Já discutimos sobre a facilidade com que muitos cristãos são seduzidos pela doutrina da saúde e da prosperidade. Ficamos nos perguntando por que isso acontece. Mais importante, ficamos pensando em como podemos conter a persuasão da mensagem “se você é cristão, não pode ficar doente”. A pergunta permanece: Quando é que estamos realmente ouvindo a voz de Deus? Onde fui criado, no Arkansas, muitas pessoas consideram o “chama-porco” uma fina arte. É verdade que atualmente os fazendeiros não utilizam mais essa prática, mas os campeonatos de chama-porco ainda são realizados anualmente. Num raio de vários quilômetros, é possível ouvir os ecos reverberando pelos vales: “Huuuu! Porcoooo! Huuuu! Porcoooo!”. Se você estiver a alguns quilômetros de um local onde se realiza um jogo de futebol, poderá ouvir os gritos rápidos de “chama-porco” de milhares de torcedores pulando nas arquibancadas, as cabeças adornadas com vistosos chapéus de plástico vermelho em formato de javali: “Huuuu porco! Vai! Vai!”. Estão incentivando seu time, os Javalis de Arkansas, sendo que o javali é uma espécie de suíno selvagem. Uma vez, de acordo com o folclore local, um criador de porcos do Arkansas ficou sem voz, o que não somente o eliminou do campeonato anual, como também o impossibilitou de chamar seus animais na hora da comida. Entretanto, o homem era criativo e resolveu o problema treinando os porcos para responderem ao som de uma vara batida contra uma árvore. Diariamente, na hora de alimentar os porcos, ele batia com a vara no tronco da árvore e os suínos obedientes abandonavam suas poças de lama e se reuniam ao redor das vasilhas de comida. Um dia, o fazendeiro saiu para alimentar os animais e 71


descobriu que os porcos estavam correndo de um lado para outro, gritando, banhados de suor, indo de uma árvore para outra. Vários porcos tinham caído amontoados. O fazendeiro levou apenas um minuto para descobrir o que estava acontecendo. Um bando de pica-paus tinha pousado nas árvores da fazenda e estava bicando os troncos; os porcos foram atraídos pelo som feito pelas aves e corriam de uma árvore para outra, descobrindo que a comida não estava lá. Tenho dúvidas sobre a veracidade da história, mas nenhuma dúvida sobre a verdade que ela ilustra. Muitos cristãos se comportam como aqueles porcos desafortunados, confusos e frustrados, ficando exaustos de correr atrás de várias vozes, buscando um alimento que não está lá. Francamente, algumas vozes são como a daqueles pica-paus, apenas fazem um barulho vazio. Recentemente, num domingo pela manhã, liguei a TV enquanto me vestia para ver como estava a competição. Assisti a um pastor desafiando sua congregação a adotar uma política de “mobilidade para trás”. Em vez de acumular mais e mais, deviam “desacumular”. Diante da fome que aflige o mundo, ele disse, os cristãos deviam dar seu dinheiro para comprar comida para crianças famintas, no lugar de comprarem carros mais novos, casas maiores e aumentarem as contas bancárias. Seus ouvintes estavam silenciosos e inquietos — estava claro que aquela mensagem não iria acabar bem. Mudei de canal e vi outro pastor proclamando que “a prosperidade é nosso direito divino”, e que Deus quer que todos nós sejamos ricos e saudáveis. Seus ouvintes gritavam: “Aleluia!” e batiam palmas, extasiados. Não é de admirar que as pessoas estejam confusas, principalmente quando se trata de enfermidade, sofrimento e cura. Com tantas vozes veementes, todas alegando dizer a verdade, como podemos saber o que a Bíblia realmente ensina? Existe algum meio de encontrarmos a verdade por nós mesmos?

Questão de diligência Paulo oferece alguma ajuda em 2 Timóteo 2:15: “Procura apresentar-te a Deus, aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade”. Qualquer ensino só tem validade se tiver fundamento bíblico. “Maneja bem” traduz uma palavra grega que significa cortar em linha reta, cortar uma estrada reta através de uma 72


região de densas florestas, difícil de atravessar. Significa “guiar a palavra da verdade ao longo de um caminho reto (como uma estrada que vai linha reta) de maneira que o viajante chegue diretamente ao destino”.1 Richard Mayhue escreveu: “Esta palavra era utilizada para descrever a obra do sacerdote, que cortava o animal do sacrifício de acordo com as instruções divinas. Também aplicava-se ao fazendeiro que cortava uma pele de animal; ao pedreiro que cortava grandes blocos de pedra de maneira que se encaixassem na parede de uma construção; a um alfaiate ou fabricante de tendas, que cortava tecidos. A chave, em todos esses casos, era a precisão” (grifos do autor).2 Precisão exige diligência. Paulo aconselhou Timóteo: “Dê o melhor de você; seja zeloso. Suporte as dores, faça todo esforço e seja persistente”. Manejar bem a Palavra da Verdade exige trabalho duro. Estudo bíblico sólido e profundo não é fácil, mas é essencial para uma fé que realmente honra a Deus. Não há espaço para os praticantes descuidados da Palavra. Assim como a concepção e o nascimento não ocorrem simultaneamente, a verdade precisa de tempo para incubar. O embrião exige tempo para se desenvolver. Às vezes os pastores apresentam uma verdade de “segunda mão”, sem primeiro darlhe tempo para que seja provada em suas próprias vidas ou sem tomar tempo e esforço para cavar profundamente na Palavra, para verificar se é realmente “verdade”. Alguém disse: “Alguns pregadores são como maus fotógrafos: expõem demais e erram no foco”. Você se lembra do relato da Transfiguração? Naquele dia, Pedro, Tiago e João estavam com Jesus no alto da montanha; somente os três testemunharam a majestade gloriosa daquela reunião santa. Que história para contar! Que sermão para pregar! A Bíblia, porém, diz: “Ao descerem do monte, ordenou-lhes Jesus que não divulgassem as coisas que tinham visto, até ao dia quando o Filho do homem ressuscitasse dentre os mortos” (Mc 9:9). Jesus adotou a politica de manter segredo e esperar o momento oportuno, e transmitiu a mesma política aos discípulos. Ele sabia que seu pequeno grupo de seguidores e o público em geral careciam da maturidade espiritual necessária para apreciar aquele acontecimento santo. Tempo e experiência eram necessários, antes que a narrativa do evento tivesse algum benefício espiritual (veja 2 Pe 1:16-18). Nós somos 73


demasiadamente doutrina.

rápidos

em

transformar

experiência

em

Deus falou, mas o que ele disse? A Bíblia é produto de revelação e inspiração. Deus se revelou ao homem por meio de suas obras, aparições angelicais (para Abraão e Gideão) e por intermédio dos profetas. A inspiração do Espírito Santo capacitou o homem a registrar tais revelações. O que o Espírito inspirou ele continua a iluminar. A iluminação do Espírito Santo é essencial para o correto entendimento das Escrituras, enquanto uma abordagem errônea da Bíblia atrapalha sua obra. A maior parte da confusão concernente à perspectiva de Deus sobre enfermidade e cura poderia ser eliminada seguindo-se as regras básicas de interpretação bíblica. Clark Pinnock escreve: A necessidade dos princípios de interpretação aumenta na mesma proporção da distância em que o texto se encontra de nós, no tempo e na cultura... Devido à possibilidade de as Escrituras serem torcidas e mal-interpretadas (2 Pe 3:15-16; 2 Co 2:17), é imperativo se observar as regras de uma hermenêutica saudável. Uma hermenéutica desleixada pode tornar-se a base para a negação do ensino bíblico, acionada por uma interpretação ímpia. Uma posição ortodoxa sobre as Escrituras pode entrar em curto-circuito devido a uma interpretação perversa (grifos do autor).3

Antes de entrarmos nos próximos capítulos, peço ao leitor que mantenha a mente aberta e leia com entendimento. Não desejo ser radical ou vingativo quando discuto o movimento da saúde-e-riqueza. Tenho amigos queridos e parentes que adotam esse ensino e amo profundamente e respeito meus irmãos e irmãs em Cristo que podem discordar de mim. Entretanto, eu mesmo passei por profundo sofrimento e tenho visto enfermidades graves, crônicas e às vezes fatais afligindo muitos cristãos maravilhosos que lutaram com a questão “por que Deus não me cura?”. Temos de concordar com John R. Stott, que escreveu: “Temos de ter a coragem de rejeitar o evangelho da saúde e da riqueza. É um falso evangelho”.4 Deixe-me mostrar agora por que este evangelho é falso e o mais importante, por que um Deus amoroso permite que a enfermidade, o sofrimento e a morte cruzem nosso caminho.

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Capitulo 9 Cortando em linha reta, Parte 1 Entendendo três regras fundamentais para a interpretação bíblica

Nossa família tinha uma fazenda no estado de Arkansas (chamávamos de fazenda pela falta de outra palavra mais apropriada — não trabalhávamos lá). Há vários anos abrimos uma estrada em linha reta desde o lago até o extremo da propriedade — quase dois quilômetros no meio de uma área densamente arborizada. Alguns dias antes da chegada dos tratores, meu irmão e eu amarramos tiras de pano vermelho nas árvores para marcar o percurso da estrada. As bandeiras vermelhas seriam os guias que ajudariam os tratores a cortar em linha reta através das árvores e chegar ao destino correto. Você lembra do texto de 2 Timóteo 2:15, onde Paulo encarregou o jovem Timóteo de “manejar bem a Palavra da verdade”? Vimos que a frase “manejar bem” traduz uma palavra grega que significa cortar em linha reta, abrir uma estrada reta através das árvores. Num sentido muito real, era isso que meu irmão e eu estávamos fazendo. As regras de interpretação são bandeiras vermelhas que nos guiam através das Escrituras e nos mantêm no caminho reto para a correta interpretação da Palavra da Verdade. Pense nessas regras como diretrizes. Regra 1. Deus se revelou ao homem e a Bíblia é o registro dessa revelação. A Bíblia, portanto, como a Palavra de Deus, é nosso único guia e autoridade absoluta. Quando eu era adolescente, havia uma canção muito popular chamada “Está no Livro!”. Essas palavras eram repetidas muitas vezes na letra da música. Logo todos diziam: “Está no Livro! Está no Livro!”. Se aceitamos a Bíblia como soles fidei regula, a Palavra 75


autorizada de Deus para o homem, a pergunta que devemos fazer sobre cada doutrina e sobre cada ensinamento é: “Está no Livro?”. A revelação plena e final de Deus está registrada na Bíblia; não existe revelação autorizada separada ou fora da Palavra. O que muitas pessoas anunciam como revelação é, na melhor das hipóteses, iluminação. Mesmo nessa condição, tudo deve estar de acordo com o que está escrito na Bíblia. A palavra final sobre qualquer questão doutrinária não é a experiência, observação ou sentimento, nem mesmo uma palavra proferida pelos profetas modernos. Qualquer doutrina só tem a palavra final se for claramente ensinada na Bíblia. Não posso exagerar a importância desse primeiro princípio. Como quando abotoamos a camisa, se o primeiro botão for colocado na casa errada, todos os outros ficarão fora de lugar. Este princípio é o “primeiro botão” no processo de abotoar corretamente a camisa. Nessa altura, você deve estar pensando: “A Bíblia, como a revelação final de Deus, não é aceita por todos?”. Evidentemente nem todas as pessoas aceitam, pois muitos a estão ignorando. Uma erosão sutil desse princípio está em andamento no cristianismo contemporâneo. Um escritor proeminente escreveu que o Espírito Santo não restringiu sua revelação às verdades contidas nos cânones do Antigo e do Novo Testamento. 1 Em outras palavras, o Espírito Santo está dando revelações hoje que são tão válidas e inspiradas quanto as que estão na Bíblia. Ensinamentos descuidados como este suscitam todo tipo de confusão, mal-entendidos e heresias. É uma licença para que qualquer um afirme que está falando “da parte do Senhor”. O fato é: o Espírito Santo limitou a revelação ao Antigo e ao Novo Testamento. Judas iniciou sua epístola escrevendo: “Amados, quando empregava toda diligência em escrever-vos acerca da nossa comum salvação, foi que me senti obrigado a corresponderme convosco, exortando-vos a batalhardes diligentemente pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3). Note a frase “uma vez por todas foi entregue aos santos”. “A fé” refere-se a todo o corpo das verdades cristãs, a revelação completa de Deus ao homem. O artigo definido “a” aponta para a fé única: não há outra. “Uma vez por todas” refere-se a algo feito definitivamente, que não precisa de adição ou repetição. A palavra “entregue” é um particípio grego que indica que foi completado e permanece completo. A palavra era usada para transmitir as tradições 76


autorizadas em Israel, e Judas está dizendo que a tradição apostólica é normativa para o povo de Deus. A Bíblia é a única parte objetiva da nossa fé. O restante é subjetivo e facilmente sujeito a interpretações equivocadas. De fato, um homem certa vez me disse: “Não me importa o que a Bíblia diz. Tive uma experiência” (certamente não tencionava dizer exatamente isso). Peter Donovan tinha razão quando disse: “Atualmente, a experiência religiosa suscita mais interesse por parte do público do que a doutrina religiosa ou a teologia”.2 Realmente, a experiência tem um grande poder de persuasão, mas como uma intérprete confiável da verdade religiosa ela é profundamente inadequada e levar a grandes desvios. Nem sempre podemos interpretar nossas próprias experiências com exatidão. Há uma diferença importante entre “sentir-se certo” e estar certo. Semelhantemente, nem sempre podemos interpretar corretamente a experiência alheia. No evangelho de João, por exemplo, quando Jesus orou para que o nome do Pai fosse glorificado, uma voz respondeu do céu. Era a voz do Pai, dizendo: “Eu já o glorifiquei, e ainda o glorificarei”. Muitas pessoas, porém, que estavam presentes e também ouviram, disseram que fora um trovão. Outras disseram que “um anjo lhe falou” (Jo 12:28-29). Nenhum desejo é mais natural, mais humano, do que o desejo do conhecimento sobrenatural. Tentamos todos os métodos que achamos podem-nos proporcionar isso. Quando a razão falha, usamos a experiência, a qual é um meio mais frágil e menos confiável. O teólogo J. 1. Packer escreveu: “Experiência é uma palavra escorregadia; experiência... vindo para pecadores santificados, porém imperfeitos, não deveria, mas tem refugo misturado ao seu ouro. Nenhuma experiência, apenas por ter ocorrido, pode autenticar a si mesma como enviada por Deus para complementar sua obra de graça. O simples fato de um cristão ter tido uma experiência não a torna uma experiência cristã”.3 A última afirmaçào de Packer merece ser enfatizada: Nem toda experiência que um cristão tem é necessariamente uma experiência cristã. Os fenômenos que muitos cristãos afirmam ser uma experiência especial também já foram experimentados por nãocristãos. Por exemplo, pessoas dentro e fora da fé cristã já relataram experiências de sair do corpo na hora da morte e depois 77


voltar. Os antropólogos sabem que entre tribos pagãs primitivas incidentes semelhantes ocorriam: sacerdotes falando em línguas desconhecidas, visões, pronunciamentos proféticos, curas físicas e expulsão de espíritos contrârios. Isso não quer dizer que todas as experiências cristãs desse tipo são falsas, significa que tais experiências não podem autenticar-se a si mesmas. Depois, temos a tendência de tornar nossas experiências um padrão para todos. Se Deus me curou, quer dizer que vai curar você também. Se Deus me fez enriquecer, quer dizer que deseja que todos os seus filhos sejam ricos. Assim que Deus faz algo extraordinário para uma pessoa, nós nos apressamos e declaramos que se trata de uma experiência comum a todos os cristãos. Por exemplo, ouvimos o seguinte: “Se Deus fez isso com os apóstolos, certamente fará conosco também”. Entretanto, a doutrina da Igreja não é baseada na experiência dos apóstolos — é baseada no ensino deles. Paulo teve uma experiência de conversão dramática na estrada para Damasco, mas seria tolice exigir que toda conversão genuína ocorresse daquela mesma maneira. O perigo supremo de tornar a experiência humana mais importante do que as Escrituras é transformar em doutrina o que aprendemos com as experiências. Por exemplo, se Deus cura mil pessoas de câncer terminal, significa apenas uma coisa: Deus curou mil pessoas de câncer. Não quer dizer necessariamente que fará o mesmo por você ou por mim.

Um perigo mais sutil Outro perigo que temos de evitar são as “doutrinas dedutivas”: fazer uma dedução lógica a partir de uma verdade bíblica e tratar a conclusão a que chegamos como verdade bíblica. Um exemplo dessa abordagem de “doutrina dedutiva” envolve a cura divina e a “aliança melhor” de Hebreus. Somos informados de que em Cristo temos uma aliança melhor. Se Deus curou o povo nos dias do Antigo Testamento, sob a velha aliança, a conclusão lógica é que Deus não fará menos na aliança mais nova e melhor. Nossa aliança é melhor; portanto, temos tudo o que eles tinham na velha aliança e muito mais. Isso é raciocinar a de uma verdade bíblica e tratar a conclusão como revelação divina, quando de fato se trata de suposição humana. Nesse tratamento da aliança melhor, o autor de Hebreus jamais menciona cura física; Jeremias também não fala nada sobre isso 78


em sua grande passagem sobre a nova aliança (Jr 31:31). Fazer tal dedução é forçar o conceito humano de “melhor” sobre Deus e é sempre um erro supor que Deus pensa como nós. Seu sistema de valores é bem diferente. Com Deus, o espiritual é melhor do que o físico, perdão é melhor do que cura e segurança é melhor do que riqueza. O Espírito Santo limitou a revelação inspirada e infalível aos livros do Antigo e do Novo Testamento. “A função do Espírito Santo”, escreve Bernard Ramm, “não é comunicar nova verdade ou instruir em questões desconhecidas, mas iluminar o que foi revelado nas Escrituras”.4 O Espírito ilumina somente aquilo que já foi escrito nas Escrituras. Ele nos dá a sabedoria para conhecer o que está na Bíblia, e não além dela. É por meio da sua iluminação que não somente conhecemos o que está escrito, mas também aplicamos as verdades à nossa vida diária. Na Idadé Média, Hugo de São Vítor recomendou uma abordagem que muitos adotam hoje: “Primeiro aprenda o que você deve crer e depois procure a base na Bíblia”. Infelizmente, essa abordagem remissiva ainda é muito usada. Uma regra melhor para seguir é não dizer mais do que a Bíblia diz. Onde a Bíblia fica em silêncio, também devemos guardar silêncio. O escritor puritano John Trapp aconselhou: “Onde a Bíblia não tem língua, não devemos ter ouvidos”. Ir além de onde a Bíblia vai é ir longe demais. Regra 2: O tema principal da revelação é a redenção. A Bíblia trata de uma verdade suprema. Escrevendo a Timóteo, Paulo disse que o propósito da Escritura é “nos tornar sábios para a salvação”; ele prossegue e diz: “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2 Tm 3:16-17). Essas palavras nos lembram que o propósito da Bíblia é evangelizar e edificar. Bernard Ramm declara: “‘Jesus quer que você fique bem’ e ‘Deus está comprometido com sua felicidade’ são temas que em alguns círculos estão eclipsando o chamado bíblico ao arrependimento para com Deus, a fé no Senhor Jesus Cristo e a obediência à liderança do Espírito Santo”.5 Quando eu era menino, um pregador especializado em profecias foi à nossa igreja para uma semana de palestras. Ele tinha 79


encontrado em algumas passagens do Antigo Testamento predições sobre equipamentos usados na Segunda Guerra Mundial, tanques, submarinos e lança-chamas. Lembro-me de ouvir alguém dizendo que ele era um “pregador profundo”. Entretanto, ele não era profundo, era lamacento. Certamente Deus tem coisas mais importantes para nos comunicar. Tal manipulação imaginosa da Palavra de Deus serve apenas para fazer cócegas no ouvido das pessoas. J. Robertson McQuilkin vai direto ao ponto: Dizer que salvação é o propósito das Escrituras significa que a revelação é limitada. A Bíblia não foi dada para ensinar tudo o que pode ser conhecido sobre um Deus infinito ou a respeito do seu universo. Deus não inspirou os escritores bíblicos para providenciar um registro exaustivo da história antiga ou mesmo para ensinar tudo o que é conhecido sobre a natureza humana. Usar a Bíblia como livro texto de biologia, psicologia ou sociologia é apropriar-se indevidamente das Escrituras e solapar sua autoridade.6

A Bíblia não tenciona ser um livro texto exaustivo sobre economia, nutrição ou política. Ela nunca afirmou conter toda a verdade a respeito de todas as coisas. Muito daquilo que aguça nossa imaginação e excita nossa curiosidade não é mencionado nas Escrituras — o que é mais uma evidência de sua autoria divina. Há mais de trezentos anos Descartes disse: “Querer extrair das Escrituras Sagradas o conhecimento das verdades que pertencem unicamente às ciências humanas e não têm relação com a salvação é usar a Escritura para um propósito não tencionado por Deus e, conseqüentemente, abusar dela”. Regra 3: A revelação de Deus é progressiva (ou culminativa) Duas palavras proporcionam a chave para entender a revelação progressiva: acomodação e apreensão — a acomodação de Deus para a apreensão do homem. Quando Deus se revelou, falou a linguagem que o homem podia entender. Você não fala com uma criança de três anos da mesma maneira que fala com uma pessoa de trinta anos; Deus também não faz isso. Quando fala com uma criança, você se adapta ao nível de entendimento dela. Na Bíblia, vemos Deus guiando o homem através da infância do Antigo Testamento até a maturidade do Novo Testamento. Revelação progressiva é o crescimento do homem na compreensão do propósito redentor de Deus, o qual culminou com o advento de Cristo. Isto quer dizer que Deus revelou ao homem somente o que este era capaz de compreender. Na 80


infância da raça bniana, ele conduziu o homem com cuidado e devagar, passo a passo. Jesus referia-se a isso quando disse: “Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas: não vim para revogar, vim para cumprir” (Mt 5:17). Ele não veio para anular a lei, mas para transformar um broto numa flor. A lei era certa e boa desde que foi dada, mas não tinha alcance ou profundidade suficientes. Paulo escreveu sobre a “plenitude do tempo” (Gl 4:4). O tempo antes de Cristo foi considerado como o “jardim de infância” da humanidade; com Cristo, veio o ensino superior. No Antigo Testamento Deus estava ensinando o “ABC”; no Novo Testamento, está ensinando o “XYZ”. A carta aos Hebreus coloca a coisa da seguinte maneira: “Havendo Deus, outrora, falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo Filho...” (Hb 1:1,2). A revelação final, plena e completa de Deus aguardou o advento de Cristo e juntamente com ele veio tudo aquilo que precisávamos saber sobre Deus — pelo menos neste mundo. A revelação progressiva não significa informações extrabíblicas; nem significa que Deus veio-se desenvolvendo junto com suas criaturas ou que se tornou menos violento e mais misericordioso no período do Novo Testamento. Também não significa que o Antigo Testamento é incorreto, inválido ou menos inspirado do que o Novo Testamento. Revelação progressiva (“revelação culminativa” poderia ser um termo melhor) diz que a revelação final está no Novo Testamento. O Antigo Testamento, portanto, deve ser lido e interpretado à luz do Novo. Gerhard von Rad falou sobre a “realização” do Antigo Testamento no Novo, dizendo que o Antigo só poderia ser lido como um livro de uma previsão crescente, um livro no qual a expectativa aumenta ao virar de cada página.7 O Antigo Testamento “se esgueira” em direção ao Novo Testamento.

Qual é a autoridade do Antigo Testamento? Isso nos deixa com um problema. Como devemos nos comportar em relação ao Antigo Testamentô? Ele fala com autoridade aos cristãos do Novo Testamento? Se o Antigo Testamento não é final e completo, se trabalha com sombras e símbolos, figuras e prefigurações, se não é a palavra final, que partes dele se aplicam a nós hoje? Seus mandamentos, códigos e cerimoniais devem ser obedecidos pela Igreja? Com toda certeza não devemos oferecer sacrifícios de animais, apedrejar pessoas 81


apanhadas em adultério nem amputar a mão dos ladrões. Entretanto, há muitos aspectos no Antigo Testamento que são relevantes em termos éticos, morais e espirituais. Como podemos saber que parte era para as crianças e que partes são para os adultos de hoje? Primeiro, temos de entender que o Antigo Testamento de fato é relevante para os cristãos do século XXI. Ele fala com autoridade para a Igreja. Desde a heresia de Marcião, do segundo século (que rejeitava o Antigo Testamento) até hoje, houve tentativas de descartar o Antigo Testamento, se não como um fato, pelo menos como uma força na Igreja. O Novo Testamento, porém, tem suas raízes no solo do Antigo Testamento e nenhum dos dois pode subsistir sem o outro. De que maneira, então, o Antigo Testamento é relevante? Não em suas antigas formas e instituições; não em seus códigos legais é ritos cerimoniais — os quais pertenciam a uma cultura antiga de um mundo antigo. Em seu livro The Authority of the Old Testament (A Autoridade do Antigo Testamento), John Bright escreveu: As formas de crença e as práticas do Antigo Testamento não podem ser nossas formas, ou um modelo direto para nós. De fato, em muitos dos seus textos, em seu significado claro, o Antigo Testamento parece ter pouco a nos dizer como cristãos. Entretanto, quando examinamos essas antigas formas e textos, levamos em conta as informações teológicas que contêm e vemos o que o Novo Testamento fez com tal teologia à luz de Cristo — então, por meio dessa teologia, o Antigo Testamento fala com autoridade à Igreja.8

Creio que a palavra chave aqui é “teologia”. Não é nas formas vinculadas ao tempo do Antigo Testamento que encontramos sua relevância e autoridade, mas na teologia de tais formas. Por exemplo, o sistema de sacrifícios do Antigo Testamento está ultrapassado, mas não sua mensagem: que o homem pecou e é preciso que se faça expiação. Aqui, então, está a regra: somente aquelas palavras do Antigo Testamento — os ensinos morais, éticos e religiosos — que são reiteradas no Novo Testamento são relevantes e com autoridade para a Igreja hoje.

O Novo Testamento é o nosso guia Nosso guia deve ser o Novo Testamento, a versão “cristianizada” do Antigo Testamento. Para determinar a 82


relevância de uma palavra do Antigo Testamento, perguntamos: “Ela reaparece no Novo Testamento? Ela faz parte da revelação de Deus que Cristo trouxe consigo no Novo Testamento, ou faz parte do que foi deixado para trás porque já cumpriu seu propósito e não é mais necessária? Se a forma particular de uma palavra do Antigo Testamento aparece no Novo, ela foi redefinida?”. O Antigo Testamento, por exemplo, é mais físico e material em sua abordagem sobre a salvação; fala em grande medida em termos de livramento físico. O conceito de outra vida, de eternidade, mal tinha-se formado na mente dos israelitas. A justiça no Antigo Testamento era retratada como obediência exterior e a observância externa das regras e rituais. A filosofla dominante daquele período indicava que as bênçãos físicas e materiais eram evidências do favor de Deus. Era realmente muito simples: se você fosse justo diante de Deus, seria rico e saudável; se fosse ímpio, ficaria doente e iria à falência. Não é de admirar que os três amigos de Jó o acusassem de estar escondendo pecados. Warren Wiersbe diz que a experiência de Jó era uma ameaça aos seus amigos: “Sua experiência questionava a validade da teologia ‘curta e seca’ deles... Significava que o que acontecera com Jó podia acontecer com eles! Não estavam realmente interessados em Jó como uma pessoa ferida. A maior preocupação deles em Jó era um problema para ser resolvido, não uma pessoa para ser encorajada”. 9 A mesma filosofia floresce hoje em dia. Recentemente recebi uma carta informativa de um certo ministério e o tema principal girava em torno dessas palavras: “Sua condição financeira é um reflexo da sua condição espiritual”. Será que Jó concordaria com tal proposição? O que me fascinou em eepecial foi que, no mesmo dia, recebi também uma carta do líder do ministério. Ele estava pedindo doações em dinheiro, porque o ministério estava com dívidas e grandes necessidades financeiras. Impressionante. Meu ponto é: aqueles que têm no Antigo Testamento a base de sua cosmovisão do tipo “se você é cristão, não pode ficar doente nem ser pobre”, devem saber que à perspectiva do Antigo Testaniento difere da do Novo e precisa ser interpretada com isso em mente. Como declara Bernard Ramm: “Uma vez que o Novo Testamento é a pedra fundamental da revelação, deve ser tomado como fonte principal da doutrina bíblica... Portanto, tudo aquilo que é uma sombra no Antigo Testamento cumpre-se no Novo, o 83


que o torna a principal fonte da teologia cristã. As grandes doutrinas da fé... são todas desenvolvidas com mais clareza no Novo Testamento”.10 Um bom exemplo de como a velha aliança aponta para a nova pode ser visto comparando Habacuque 2:3 com Hebreus 10:37. Vemos a sombra tomando forma, o menor avançando e sendo absorvido pelo maior. Num tempo de emergência nacional, Deus prometeu a Habacuque que o livramento chegaria: “A visão ainda está para cumprir-se no tempo determinado, mas se apressa para o fim, e não falhará; se tardar, espera-o, porque certamente virá, não tardará”. Séculos mais tarde, para encorajar cristãos perseguidos, o escritor de Hebreus cita Habacuque, usando a “Versão Nova Aliança”: “Dentro de pouco tempo aquele que vem virá, e não tardará”. Note que Habacuque escreveu sobre a vinda de uma visão; Hebreus fala sobre aquele que virá. O que era uma visão no Antigo Testamento, é ele no Novo Testamento. Cristo é o “sim” e o “amém” de todas as promessas de Deus. Nele, todas as promessas são plenamente realizadas. Isso é o que é melhor sobre a “aliança melhor” mencionada em Hebreus — ele é melhor do que uma visão. Com isso bem-estabelecido, também é importante enfatizar que a interpretação do Novo Testamento à luz do Antigo pode ser uma das causas principais da confusão sobre cura física. Um amigo meu e sua esposa, a qual sofria de graves crises de enxaqueca, participaram de uma conferência bíblica realizada por dois pastores bem conhecidos. Visitando-os juntos uma noite, depois da conferência, ela mencionou as dores de cabeça. Os dois pregadores a interrogaram exaustivamente sobre seu passado, seus pais e avós. Concluíram que a enxaqueca era resultado de uma maldição transmitida a ela pela mãe, que tinha jogado “Tabuleiro Ouija”* quando era criança, o que proporcionou ao diabo um ponto de entrada; a maldição obviamente não havia sido quebrada por sua mãe. Depois de orarem pela cura, repreendendo o diabo e renunciando a maldição, os pregadores aconselharam-na a parar de tomar os remédios que os médicos tinham prescrito. Este seria seu ato de fé, sua confissão positiva. _____________________________ *

Tabuleiro Ouija é um jogo de ocultismo utilizado na prática de magia.

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(N. do T.)

Foi neste ponto que eu intervim: o médico tinha alertado a mulher desde o início do tratamento que uma interrupção repentina dos remédios poderia causar problemas cardíacos. Ela me perguntou o que eu achava. Respondi que não pensara muito sobre o assunto, mas que ficaria com os remédios. Os líderes da conferência tinham baseado suas ações nas passagens de Deuteronômio 27 e 28, que falam sobre maldições. Enfatizei que aquelas palavras foram proferidas numa situação diferente da nossa no tempo e no espaço, que foram dirigidas a um povo específico, numa época específica, tratando de uma situação específica, peculiar a Israel naquele momento. Aqueles versículos de Deuteronômio não se aplicavam aos cristãos de hoje. Por que eu disse isso? Porque tal coisa não é ensinada no Novo Testamento. Passei aqueles textos pelo filtro do Novo Testamento e eles não saíram do outro lado. Você pode estar pensando na passagem do capítulo 4 de Tiago. Ali diz-se algo sobre maldições, mas tanto exegética como gramaticalmente, as “maldições” mencionadas por Tiago não são nem remotamente semelhantes a uma maldição do tipo vodu ou encantamentos. O que mais me entristece num incidente como este é que essa teologia descuidada colocou a vida da esposa do meu amigo em perigo. Somente os ensinamentos do Antigo Testamento que são reiterados no Novo Testamento, tanto em termos de prática como de teologia, aplicam-se a nós hoje. Wiersbe faz a seguinte observação: Deus prometeu cura e prosperidade a Israel, mas nunca fez tais promessas à Igreja do Novo Testamento... Eles estavam na infância da nacionalidade e como toda criança, tinham de aprender principalmente por meio de recompensas e castigos... entretanto, chega um tempo em que os filhos precisam aprender a obedecer, não porque a obediência é lucrativa, mas porque obedecer é o certo. Devem obedecer por um constrangimento interior, movidos pelo amor e não por uma compulsão exterior e pelo medo... As pessoas que hoje incentivam os crentes que sofrem a “ter mais fé” ou a “acertar as coisas com Deus” inconscientemente estão concordando com Satanás e com os amigos de Jó. Estão-nos pedindo para regredir novamente até a infância, ao invés de crescer para a maturidade.11

A teologia da saúde e da riqueza e seus excessos de bagagem, como “maldições”, empurram os crentes de volta à 85


velha aliança e às incertezas da imaturidade.

Capitulo 10 Cortando em linha reta, Parte 2 Como interpretar corretamente uma passagem biblica específica

Agora que já consideramos as regras gerais de interpretação bíblica, vamos examinar outras mais específicas sobre como interpretar uma passagem em particular. Quando essas regras são violadas, chega-se a conclusões equivocadas, as quais com freqüência são proclamadas como uma visão original ou mesmo como nova revelação. Quando, porém, as regras são seguidas, você descobrirá que a Bíblia é coerente consigo mesma nas questões de saúde e de cura.

Regra 4: Devemos gravura e sua moldura

fazer

distinção

entre

a

Pendurada acima da lareira de nossa casa, há uma bela pintura ilustrando o hino “Firme fundamento”. Este hino tem um significado especial para Kaye e eu. Quando nosso filho mais velho morreu em 1975, Bertha Smith, uma missionária aposentada que serviu na China, nos convidou para ir à sua casa em Cowpens, na Carolina do Sul. Quando atendi o telefone, ela pediu para Kaye ouvir na extensão e então, sem nenhuma palavra, começou a cantar aquele hino. Quando os aviões japoneses bombardearam o hospital no qual ela trabalhava durante a Segunda Guerra, Bertha esgueirouse para baixo de algumas camas, levando consigo várias enfermeiras aterrorizadas. Para acalmar as enfermeiras e também a si própria, ela cantou todos os sete versos de “Firme fundamento” repetidas vezes. O hino tinha sido uma fonte de força em sua hora de crise e ela pensou que podia ser também para nós. Foi, e continua sendo.

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O hino foi pintado para nós por uma jovem talentosa de nossa igreja e que sabia do significado que ele tinha para nós. Posteriormente, quando mudamos a decoração da sala, substituímos a moldura original do quadro por outra que combinava com a nova cor e com os móveis. Não adquirimos um novo quadro; adquirimos uma nova moldura. O quadro é permanente, a moldura é temporária. De maneira muito semelhante, quando Deus se revelou ao homem, fez isso dentro de uma moldura específica de tempo, uma época com antecedentes culturais particulares. A Bíblia tem raízes na história. Trata-se de uma coletânea de livros e cartas, todos com endereço e datas, desta maneira possuindo uma base histórica, geográfica e cultural (a moldura), sobre a qual Deus colocou verdades espirituais e eternas (a gravura). Em outras palavras, Deus vestiu verdades eternas em roupas da moda. Entretanto, ele não espera que vistamos as roupas e adotemos os costumes daquela época antiga na qual a Bíblia foi dada. Quando abrimos a Bíblia, somos pessoas d.C. (depois de Cristo) lendo documentos a.C. (antes de Cristo), escritos há milhares de anos em diferentes línguas, em diversos contextos culturais. Trata-se da Palavra de Deus, mas trata-se também de um documento histórico. Agostinho disse: “Faça distinção do tempo e você harmonizará as Escrituras”. Nossa primeira tarefa ao interpretar uma passagem da Bíblia é descobrir o que ela significava para os leitores originais. Não podemos saber o que significa para nós até que saibamos o que significava para eles. Alguns especialistas em hermenêutica chamam isso de “distanciamento”, que quer dizer que, num sentido, temos de nos “distanciar” do texto. D. A. Carson diz que a menos que “reconheçamos a ‘distância’ que nos separa do texto que está sendo estudado, negligenciaremos as diferenças de aspecto, vocabulário e interesses; e involuntariamente vamos imprimir nossa bagagem mental no texto sem ponderar se é apropriado”.1. Vamos ler as palavras do texto, mas com nossas definições particulares. Por exemplo, Paulo escreveu aos Coríntios: “No tocante à comida sacrificada a ídolos...” (1 Co 8:4). Tendo sido sacrificado sobre um altar pagão, para um deus pagão, os restos do animal seriam então vendidos no mercado público. Nos dias de Paulo, comer a carne que tinha sido oferecida aos ídolos era uma questão controvertida e debatida de modo acalorado. Francamente, não tenho problema com isso hoje; é uma questão que nunca foi 87


levantada. Quando vou ao supermercado, nunca pergunto ao açougueiro se o bife foi sacrificado a algum ídolo. A situação histórica tem pouca ou nenhuma relevância em nossos dias. Era apenas a moldura na qual fora colocada uma verdade duradoura e um princípio de relevância eterna: “Vede, porém, que esta vossa liberdade não venha de algum modo a ser tropeço para os fracos” (1 Co 8:9). Alguns anos atrás, numa Convenção na Inglaterra, uma senhora me perguntou se devíamos obedecer à Bíblia. Havia apenas uma resposta para tal pergunta. — Sim, claro — eu disse. — Então — ela disse, sabendo que a isca fora mordida — por que não nos cumprimentamos com um beijo santo, como a Bíblia diz? Imaginei que ela estivesse referindo-se a uma das admoestações de Paulo, como em Romanos 16:16, ou às palavras de Pedro, quando diz: “Saudai-vos uns aos outros com ósculo de amor” (1 Pe 5:14). — Em primeiro lugar —- respondi — a ênfase das palavras de Paulo está no santo e não no beijo. Em segundo lugar, cumprimentar-se com beijo era o costume daquela época e daquela cultura — e ainda é. Poucos dias antes eu tinha visto na televisão Yasser Arafat cumprimentando o rei da Jordânia, beijando-o nas duas faces — e no nariz. Paulo e Pedro não estavam dizendo aos leitores que se cumprimentassem com um beijo — eles já faziam isso — mas para terem certeza de que era um beijo santo. O gesto de beijar, expliquei àquela mulher, era o equivalente ao nosso aperto de mão hoje. Se Paulo estivesse escrevendo para nós, provavelmente teria dito: “Saudai-vos uns aos outros com um aperto de mãos santo”. A moldura é o ato de beijar, a gravura é o beijo santo, e, de acordo com 1 Pedro 5:14, uma saudação em amor.

Regra 5: A Escritura interpreta a Escritura A Bíblia é sua melhor intérprete. Cada versículo deve ser interpretado à luz do seu próprio contexto imediato, bem como no contexto geral da Bíblia. “A unidade das Escrituras”, escreve Clark Pinnock, “parte do fato de que Deus é o principal Autor, e implica que o significado das partes concorda com o significado do todo, de maneira que uma parte lança luz sobre outra... Pelo fato de proceder de um Autor divino, a Bíblia é sua própria intérprete”.2 88


A Bíblia é uma coleção de 66 livros, escritos por diferentes pessoas, separadas por centenas de anos. Mesmo assim, trata-se de um único livro, possuindo um esquema de verdade, uma teologia coerente, na qual todas as partes separadas se harmonizam entre si. Às vezes refere-se a isso como a “analogia da fé”, a qual diz que existe um e apenas um sistema de doutrina ensinado na Bíblia; portanto, a interpretação individual deve conformar-se a esse sistema. “Podemos defini-la (a analogia da fé) como a coerência e a harmonia perpétua das Escrituras nos pontos fundamentais de fé e prática, deduzidos de suas passagens, nas quais são discutidos pelos escritores inspirados, diretamente ou de forma expressa, e numa linguagem clara e inteligível (grifos do autor)”.3 A unidade teológica da Bíblia significa que a interpretação de uma passagem específica não deve contradizer seu ensino total sobre uma questão. Como diz a velha máxima: “Um texto fora do contexto é pretexto”. Isolar versículos do seu contexto é uma maneira descuidada, temerária e até perigosa de estabelecer a verdade. Todos nós conhecemos o exemplo clássico e jocoso: “Judas... retirou-se e foi enforcar-se... Vai, e procede tu de igual modo... O que pretendes fazer, faze-o depressa” (Mt 27:5; Lc l0:37; Jo 13:27). Bernard Ramm declara: “De forma quase instintiva, os conservadores concordam com um ponto teológico se um texto bíblico é apresentado como prova. Entretanto, é preciso que haja um exame e uma exegese saudável de todo texto citado ou então seremos culpados de dar um tratamento superficial à Palavra. O uso de textos bíblicos como prova só funciona se for feita uma exegese completa da citação (grifos do autor)”.4 Este princípio de que a Escritura interpreta a Escritura, nos leva a três considerações: 1. Devemos dar atenção à gramática, ao significado das palavras e à relação delas com as outras do versículo. O conselho de Martinho Lutero merece atenção: “Preste atenção na linguagem, pois a linguagem é a bainha na qual a espada do Espírito é guardada”. A teologia começa com a gramática; a posição doutrinária é tão boa quanto o fundamento gramatical e exegético sobre o qual se apóia. O estudo bíblico que ignora o significado das palavras e sua relação com as outras palavras do contexto é descuidado e indigno de confiança, não devendo ser considerado como estudo sério. 89


2. Passagens obscuras devem dar preferência a passagens claras. Vamos encarar: algumas partes da Bíblia são extremamente difíceis de compreender. Você acha difícil entender alguns ensinos de Paulo? Você está em boa companhia, pois o próprio Pedro tinha problemas com alguns dos escritos dele: “Nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada, ao falar acerca destes assuntos, como de fato costuma fazer em todas as suas epístolas, nas quais há certas coisas difíceis de entender” (2 Pe 3:15-16, grifos do autor). Ramm, porém, destaca: Todas as coisas essenciais à salvação e à vida cristã são reveladas de forma clara nas Escrituras. Verdades essenciais não estão escondidas em alguma declaração incidental, nem em alguma passagem que permanece com significado ambíguo mesmo depois de ter sido objeto de pesquisa exaustiva.5

Um ensinamento construído sobre uma passagem obscura da Bíblia torna-se suspeito. Por exemplo, alguns desenvolvem uma doutrina de prosperidade fisica e material com base na saudação de João a Gaio: “Amado, acima de tudo faço votos por tua prosperidade e saúde, assim como é próspera a tua alma” (3 Jo 2). Alguns depreenderam de 1 Pedro 2:24 uma teologia detalhada de cura na expiação, acrescentando ao texto elementos que não estão lá. As palavras “por suas chagas fostes sarados” são claramente metafóricas, referindo-se à cura espiritual dos pecados. 3. Citar versículos e pregar a Palavra não representa a mesma coisa. Alguns mestres bombardeiam os ouvintes com um monte de versículos, tirados de todas as partes da Bíblia e que não têm nenhuma relação entre si. Nesses casos, raramente há uma tentativa de conciliar um versículo com outro ou de explicar o significado exegético ou o significado contextual. Os ouvintes de tais pregadores da saúde e riqueza são saturados com centenas de textos isolados, a maioria do Antigo Testamento e quando são usados versículos do Novo Testamento, sua relação com a cura é vaga, na melhor das hipóteses. Citar uma infinidade de versículos pode ser impressionante e causar um impacto sobre a audiência. Em geral não se estimula o exame minucioso de cada texto, e objeções quanto à precisão ou a relevância dos textos citados são consideradas atos irreverentes de incredulidade. Como disse um pregador à sua congregação, depois de citar uma enxurrada de versículos isolados: “Não ana90


lise, apenas creia!”. Esta é uma visão ingênua e superficial da fé e da pregação. A fé não teme os fatos. A verdade não se opõe aos questionamentos; para a verdade, a verificação é bem-vinda. Simplesmente recitar versículos, um depois do outro, não é “pregar a Palavra”. Mateus 10:1 é um bom exemplo de interpretar a Bíblia fora do contexto: “Tendo chamado os seus doze discípulos, deu-lhes Jesus autoridade sobre espíritos imundos para os expelir, e para curar toda sorte de doenças e enfermidades”. Alguns utilizam esse versículo para apoiar a alegação de que temos o mesmo poder e autoridade que Jesus deu aos discípulos; podemos “fazer as mesmas obras que Jesus fez”. Desde que Jesus claramente ordenou aos discípulos que curassem os enfermos, expelissem demônios e ressuscitassem os mortos, podemos fazer o mesmo. Este, evidentemente, não é o caso. Jesus prossegue e instrui os discípulos para irem apenas às ovelhas perdidas de Israel, evitando os gentios e os samaritanos. Nos versículos 9 e 10, Jesus ainda os instrui: “Não vos provereis de ouro, nem de prata, nem de cobre nos vossos cintos; nem de alforje para o caminho, nem de duas túnicas, nem de sandálias, nem de bordão: porque digno é o trabalhador do seu alimento”. Se nos apossamos do versículo 1, temos de nos apossar também dos versículos seguintes. Isso significaria que teríamos de ministrar somente para os judeus — nenhuma pregação ou cura entre os gentios; temos de ressuscitar os mortos bem como curar os enfermos; não devemos adquirir dinheiro e carregar apenas uma muda de roupa e um par de sapatos. Tenho ouvido muitos cristãos apossar-se do versículo 1, mas nunca ouvi falar de ninguém que tenha obedecido aos versículos seguintes. Se alguém já saiu ao campo com apenas uma muda de roupa e um par de sapatos e sem adquirir ouro ou prata ao longo do caminho, faltei à igreja no dia em que esse pregador veio à minha cidade. J. Sidlow Baxter observa: A regra contextual é poderosamente óbvia aqui. O fato de que Jesus fez tal comissão apenas para os doze discípulos originais e que ela estava limitada a um grupo específico, a um momento específico, fica claro no versículo 2: “Ora, os nomes dos apóstolos são estes...”, e então a Bíblia relaciona todos eles pelo nome... Querido irmão, se o seu nome não se encontra naquela lista dos doze, esta comissão nunca foi destinada a você.6

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Novamente, ignorar essa regra de interpretação pode levar a um erro ainda mais comum: sobrepor a cultura ocidental e seus valores sobre a Bíblia. A “doutrina da prosperidade”, a idéia de que Deus deseja que todo cristão seja rico de bens materiais é o resultado de forçarmos nossos valores econômicos sobre as páginas da Bíblia. Um pregador enfatizou que Jesus estabeleceu a “doutrina da prosperidade” ao entrar em Jerusalém montado num jumento. Vamos parar um momento e refletir sobre isso. Montar um jumento, ele disse, era o equivalente a dirigir um carro luxuoso. Ora, não há nada de errado em dirigir um carro de luxo, mas estabelecer uma doutrina bíblica em tal incidente desafia a razão e dá uma bofetada no bom senso. De qualquer forma, o jumento era emprestado. Em vez da doutrina da prosperidade, Jesus supostamente estabeleceu a doutrina do “carro alugado”. Somente uma sociedade materialista poderia conceber tal doutrina. Vamos encarar: onde mais, além de nos Estados Unidos, pode-se comprar comida de cachorro com baixo teor de caloria, para cães com excesso de peso? Falando sobre a idéia de que Deus nunca tencionou que seus filhos sofressem com a pobreza, J. 1. Packer afirma: “Tal afirmação pode parecer plausível quando feita por um banqueiro rico num luxuoso saguão de hotel; basta, porém, imaginá-la sendo proferida para cristãos nas vilas da Índia, Bangladesh, ou nas regiões secas da África, para ver o quanto é vazia”.7 Regra 6: Temos de levar em consideração o caráter literário da Bíblia Embora a Bíblia seja um único livro, é mais do que um livro único. É uma coleção de livros — e uma coleção multiforme. Todos os tipos de formas literárias aparecem nela: narrativas históricas, poesia, provérbios, hinos, alegorias, leis e prosa. Este é um fator fundamental para o entendimento da Bíblia. A abordagem deve ser diferente com relação a cada estilo literário. Interpretar Atos da mesma maneira que se interpreta Ezequiel levará a uma grande confusão. Os Salmos são em grande parte escritos poéticos, cheios de imagens vividas. Duvido muito que Deus tenha asas (Sl 17:8); não interpretamos literalmente palavras como: “Cobrir-te-ás com as suas penas” (Sl 91:4). Os quatro Evangelhos e o livro de Atos são amplamente considerados como narrativas históricas e isso influencia nossa abordagem. Logo no início do meu ministério, eu me perguntava se as 92


igrejas deviam reunir-se nos lares, como no livro de Atos; ouvia outros pastores sugerir que deveria ser assim. Entretanto, imagino que os cristãos em Atos se reuniam nos lares porque não tinham outro local. Qualquer que seja a razão, nós não somos instruídos a nos reunir nos lares. Este é um ponto importante: nossa doutrina não surge do que os apóstolos fizeram, mas do que eles ensinaram. Também, a doutrina não é criada a partir da experiência dos apóstolos, mas, novamente, do ensino deles. “É um axioma”, diz John Phillips, autor da série de comentários Exploring(Explorando), “que não criamos nossas doutrinas a partir do livro de Atos”.8 Num sentido, os Evangelhos e o livro de Atos apresentam a mesma questão do Antigo Testamento: desde que são documentos históricos, como podemos separar a gravura da moldura? A maior parte do registro do Evangelho é claramente universal e eterno em sua aplicação, tal como os ensinos éticos e morais do Sermão do Monte, o discurso do Cenáculo, as verdades expressas por meio das parábolas e obviamente as leis eternas como: “(Ele) lhes recomendou: Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui” (Lc 12:15). Que podemos dizer quanto à lavagem dos pés? Batismo? Ceia? Cura? Em questões como essas, temos de olhar para as epístolas; é onde as doutrinas da Igreja foram estabelecidas. Interpretamos os Evangelhos e Atos à luz das epístolas. Que ensinos, mandamentos e preceitos são reiterados nas epístolas? É por isso que a maioria das igrejas não considera a “lavagem dos pés” como uma ordenança. Não há nenhuma evidência de que a Igreja primitiva praticava isso como tal, e não há ensino sobre isso nas epístolas. Agora, vamos aplicar este princípio à questão da cura. As epístolas ensinam sobre isso? Elas nos exortam a afirmar o direito divino de sermos curados de todas as moléstias? Em vista do lugar proeminente que a cura ocupa nos Evangelhos e em Atos, ficamos surpresos por não encontrar quase nada sobre isso no resto do Novo Testamento. Se fosse para a Igreja crer e praticar a cura apostólica, isso deveria ser ensinado nas epístolas. Entretanto, não é. Em nenhum lugar é ensinado, nem mesmo insinuando que temos o direito divino de ser curados de toda e qualquer enfermidade. Com respeito a isso, J. Sidlów Baxter diz:

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A menção tão rara desse assunto nas Epístolas faz um profundo contraste com a freqüência dos milagres de cura nos quatro Evangelhos e em Atos dos Apóstolos. Lembremos, as Epístolas do Novo Testamento — não os Evangelhos ou Atos — foram especificamente dirigidas à Igreja de modo geral, às igrejas locais e aos cristãos individuais. As Epístolas são propriedade exclusiva da Igreja e apresentam todos os ensinos que formam especificamente as doutrinas da “igreja”, que revelam todas as provisões especiais do Senhor para sua Igreja e que determinam as normas para a vida cristã, a comunhão, o testemunho e a experiência, até a presente era.9

A conclusão parece óbvia: Se a base do nosso ministério deve ser a mesma do ensino dos apóstolos, não temos como justificar a ênfase excessiva na cura, na libertação ou na prosperidade material. No início destes capítulos eu disse que esses princípios de interpretação, embora não sejam exaustivos, são básicos — e suficientes. Observando essas seis diretrizes, podemos nos guardar contra erros doutrinários, nos capacitar a reconhecer ensinos falsos e nos equipar para “manejar bem a Palavra da Verdade”. Agora, vamos aplicar essas regras de interpretação sobre a questão se os milagres de Jesus podem ser repetidos hoje pelos cristãos contemporâneos.

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Capitulo 11 Cura: O mesmo ontem, hoje e eternamente? Os milagres do Novo Testamento estão sendo repetidos hoje?

Talvez você já tenha ouvido expressões do tipo: “Estamos novamente nos tempos bíblicos!”. “O cristianismo do primeiro século está sendo revivido pela igreja do século XX!”. Frases como essas são abundantes hoje em dia, apoiadas por testemunhos de grandes milagres, principalmente de cura; tais afirmações muitas vezes parecem ter fundamento. Ensinos desse tipo encontram rapidamente muitos seguidores entre os cristãos espiritualmente subnutridos. Suas igrejas parecem secas e mortas. Frustrados diante da impotência da própria fé, estão ansiosos por acreditar em algo novo, ver algo excitante, sentir algo... sobrenatural. Muitos, desses testemunhos porém, são questionáveis, e a maior parte de tal teologia carece de fundamento bíblico. Nem todas as “curas” duram e para cada pessoa que é curada, existem milhares que não são. Estamos novamente nos dias bíblicos? Os milagres do Novo Testamento estão sendo repetidos hoje? Os sinais e maravilhas do primeiro século realmente estão sendo restaurados pela igreja do século XX? Não devemos temer um exame minucioso dos fatos, pois a verdade jamais tem medo da investigação — pelo contrário, lhe dá boas-vindas. No cerne do debate sobre cura estão as curas miraculosas operadas por Jesus e seus discípulos. Muitos insistem em dizer que o que ocorreu nos dias do Novo Testamento deve ser o padrão para os nossos dias e para a igreja de todas as épocas. Se Jesus e 95


seus seguidores fizeram tais coisas, então também podemos fazer — se tivermos fé. A melhor maneira de resolver esta questão é comparar os milagres de cura do Novo Testamento com os que ocorrem atualmente. Estamos vendo os mesmos sinais é maravilhas? (Veja a Regra 3 de interpretação bíblica, no Cap. 9). Não quero dizer que Deus deve curar hoje como fez outrora. Deus não pode ser limitado a este ou aquele método; ele pode curar de qualquer maneira que queira. A questão não é simplesmente se Deus cura hoje, mas, sim, se o ministério terreno de Jesus e dos apóstolos foi restaurado no cristianismo moderno. Deus deseja que tal ministério se repita em nossos dias? Ele está atribuindo aos cristãos da atualidade o mesmo ministério miraculoso exercido por Jesus e pelos apóstolos? Se assim for, deve haver uma semelhança óbvia entre o ministério de ontem e o de hoje. Neste capítulo, vamos examinar dois textos básicos usados com mais freqüência para apoiar a cura na expiação (a crença de que Cristo morreu por nossas enfermidades tanto quanto por nossos pecados): João 14:12 e Hebreus 13:8. As obras maiores mencionadas em João 14:12 Em João 14:12 lemos o que Jesus disse aos discípulos: “Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim, fará também as obras que eu faço, e outras maiores fará, porque eu vou para junto do Pai”. É uma promessa fantástica; a frase “aquele que crê em mim” estende seu alcance além dos discípulos imediatos. A promessa é feita a todos os que crêem e nos inclui também. Devemos admitir que à primeira vista este versículo parece dizer que também podemos fazer todos os milagres que Jesus operou — e até mais. A verdadeira questão é: a que tipo de obras Jesus está-se referindo? Estava falando sobre obras fisicas, ou milagres físicos? Uma das coisas que temos a tendência de esquecer é que Jesus operou muitos outros milagres físicos, além de curas. Ele andou sobre a água, transformou água em vinho, alimentou cinco mil homens (sem contar mulheres e crianças) com um pequeno lanche, acalmou uma forte tempestade, e tirou dinheiro de dentro de um peixe para pagar o imposto (um milagre que eu gostaria muito de repetir). Resumindo o ministério de Jesus na terra, o apóstolo João 96


escreveu: “Na verdade fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro” (Jo 20:30). Ele termina seu relato com as seguintes palavras: “Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez. Se todas elas fossem relatadas uma por uma, creio que nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos” (Jo 21:25). Durante o período coberto pelo livro de Atos, os apóstolos realizaram milagres de cura semelhantes àqueles feitos por Jesus, mas não temos registro de que tenham repetido suas outras “obras”, como aquelas mencionadas acima. As obras de Jesus incluíam muito mais do que atos de cura. Seria uma maneira honesta de manusear a Bíblia, selecionar apenas uma dessas “obras” e ignorar o restante? Se Jesus quisesse que repetíssemos seus milagres de cura, então segue-se que também deveríamos estar vendo água sendo transformada em vinho, mortos ressuscitados, multidões alimentadas com pouco alimento, e um peixe sendo apanhado com dinheiro suficiente na boca para pagar impostos. Talvez a verdadeira chave para o que Jesus queria dizer encontre-se na frase que muitas vezes ignoramos: “Porque eu vou para junto do Pai”. Aqui Jesus deixa claro que as obras maiores dos seus seguidores estarão condicionadas ao seu retorno ao Pai. Por quê? Por que era necessário que ele subisse para o Pai antes que os discípulos pudessem cumprir a promessa? Certamente a ascensão não era essencial para a operação de milagres físicos. Eles já estavam fazendo essas coisas havia três anos. Quando subisse para o céu, Jesus enviaria o Espírito Santo (Jo 7:39; 16:7) e ocuparia o lugar de intercessor, ouvindo e respondendo as orações dos seus discípulos. Seria isso que tomaria possível a operação de obras maiores. Jesus estava enfatizando a união que existiria entre ele e os discípulos, mesmo depois que se separassem fisicamente. Ele estava deixando-os, mas se continuassem a crer nele, a obra que ele começara permaneceria e cresceria. Sua ausência física não faria diferença — pelo contrário, até aumentaria a eficiência deles. Em outras palavras, quando eles trabalhassem, ainda seria Jesus trabalhando; suas obras seriam deles e vice-versa. Barnabas Lindars diz: “Sendo suas obras as obras de Jesus, eles representarão as atividades de Deus no mundo tanto quanto as obras de Jesus”.1 “Obras” e “obras maiores” referem-se não tanto aos atos independentes e específicos dos discípulos, mas muito mais ao 97


fato de que tudo o que fizessem na verdade seria Jesus fazendo por intermédio deles. As “obras maiores” dos discípulos dependiam do “ir” de Jesus. Sua ascensão representaria a descida do poder do Espírito Santo e a inauguração da intercessão celestial de Cristo, capacitando assim a Igreja a cumprir sua missão de evangelização no mundo. Como destaca J. C. Ryle, “obras maiores significa mais conversões. Não existe maior obra possível do que a conversão de uma alma”.2 (Veja a Regra 2 de interpretação bíblica no Cap. 9). Leon Morris escreveu: Podemos ver o que Jesus queria dizer nas narrativas de Atos. Existem poucos milagres de cura, mas à ênfase é na poderosa obra de conversão. Somente no Dia de Pentecostes mais pessoas aderiram ao pequeno grupo de crentes do que durante toda a vida terrena de Cristo. Ali vemos um cumprimento literal da expressão “obras maiores fará”. Durante seu tempo de vida, o Filho de Deus limitou sua influência a uma região relativamente pequena da Palestina. Depois de sua ascensão, seus seguidores puderam trabalhar em escala geográfica muito mais abrangente e influenciar um número muito maior de pessoas.3

Poder para curar, poder para salvar? Aqueles que alegam que as obras maiores de fato são os milagres físicos, dizem que para curar corpos é preciso o mesmo poder necessário para salvar almas. Se não temos o poder para curar, então certamente não temos poder para salvar. O poder para curar é a prova do poder para salvar. Entretanto, contradizem o próprio argumento ao dizer a cristãos enfermos que não são curados porque não têm fé suficiente. Pelo contrário, de acordo com a interpretação que dão para João 14:12, se cristãos enfermos têm poder para serem salvos, deveriam ter também o poder para serem curados. Além disso, eles afirmam, se o mundo vê o poder de Deus liberado na cura dos corpos enfermos, bem como em outros sinais e maravilhas, ficará convencido da veracidade das palavras de Cristo e crerá nele. Essa idéia, porém, baseia-se na errônea noção popular de que milagres produzem fé. O Salmo 78 ilustra esse ponto de forma vivida. Trata-se de um sumário de todos os milagres maravilhosos que Deus operou em favor do seu povo. Se há um povo que testemunhou o poder de Deus, foi o povo de Israel. Mesmo assim, o triste refrão repete-se várias vezes: “Esqueceram-se das suas obras e das maravilhas que lhes 98


mostrara” (v. 11). “Sem embargo disso, continuaram a pecar, e não creram nas suas maravilhas” (v. 32). O único milagre do Senhor registrado em todos os Evangelhos foi o milagre dos pães, quando alimentou cinco mil pessoas. João menciona que imediatamente o povo tentou fazê-lo rei, nem que fosse à força (Jo 6: 15). Jesus porém, esgueirou-se e escapou da multidão. No dia seguinte, a multidão saiu à sua procura. Ele respondeu: “Em verdade, em verdade vos digo: vós me procurais não porque vistes sinais, mas porque comestes dos pães e vos fartastes” (Jo 6:26). Jesus então pronunciou um longo e magnífico sermão sobre o Pão da Vida: “Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tendes vida em vós mesmos” (Jo 6:53). A conclusão de todo o episódio é resumida por João com as seguintes palavras: “À vista disso, muitos dos seus discípulos o abandonaram e já não andavam com ele” (Jo 6:66). Enquanto Jesus supria suas necessidades fisicas e materiais, estavam dispostos a fazê-lo rei. Quando, porém, ele parou de falar sobre pão e peixe e insistiu em algo infinitamente maior — no compromisso pessoal com ele — todos, exceto os doze, perderam o interesse e se dispersaram. A fé criada por pão sempre “abandonará” quando acabar o pão. Os seguidores levianos eram motivados pelos desejos fisicos e pelas necessidades materiais. Sempre foi assim. A multidão sempre clamou: “Alimente-nos e nós o faremos rei!”. O Grande Inquisidor, de Dostoievski, descreve a tentação de Jesus pelo diabo, para transformar pedras em pão com essas palavras: “Você vê aquelas pedras no deserto seco e estéril? Transforme-as em pães e os homens o seguirão como gado, gratos e dóceis, embora temendo constantemente que você encolha sua mão e eles percam seus pães”. Jesus nunca fez dos milagres o fundamento da fé (veja a discussão no Cap. 12, “Por que, então, os milagres?”). Os milagres tinham como propósito autenticar suas reivindicações de que era o Messias; nunca se destinaram a ser meios de converter os perdidos à fé em Cristo. Nós o seguimos por causa dele e não por causa do nosso estômago ou do nosso conforto pessoal. Ficamos impressionados muito facilmente com milagres. Ficamos correndo atrás deles. Para nós, eles são as credenciais da verdadeira fé e da verdadeira obra de Deus. Tudo tem de ser ex99


traordinário; o lugar comum é inaceitável. Jesus também viu isso em seus dias. Entretanto, mesmo quando seus inimigos viram os milagres, eles o desprezaram perguntando: “Não é este o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? Não vivem entre nós todas as suas irmãs? Donde lhe vem, pois, tudo isto? E escandalizavam-se nele” (Mt 13:55-57). Na opinião deles, Jesus era muito trivial para ser extraordinário, comum demais para ser incomum. Como meio de produzir fé, os milagres são altamente suspeitos. Milagres não produzem fé, e a fé que afirma ter tido sua origem num milagre é questionável. O homem rico no inferno (Lc 16:19-31) argumentou que um visitante que voltasse da sepultura persuadiria seus irmãos a voltarem para Deus. Para mim, pareceria uma boa idéia. Certamente algo tão espetacular os persuadiria. Ouça, porém, a resposta:.”Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tão pouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos” (Lc 16:31). John MacArthur escreveu: Temos de reconhecer que mesmo que os cristãos curassem todas as pessoas como Jesus fez, nem todos creriam no Evangelho. Depois de todas as curas maravilhosas operadas por Jesus, o que o povo fez? Crucificaram-no. O mesmo ocorreu com os apóstolos. Fizeram milagre após milagre, uma cura após a outra. Que aconteceu com eles? Foram presos, perseguidos, e até mortos. A salvação nunca vem por meio de conseguir cura. É um dom de Deus, de acordo com sua vontade soberana. A salvação é dada segundo a vontade de Deus, e vem por meio do ouvir e crer no Evangelho. Como Paulo escreveu: “A fé vem pela pregação, e a pregação pela palavra de Cristo”. (Rm 10:17).4

É verdade que, de acordo com João 14:12, Cristo deu à Igreja poder para igualar e superar suas obras. Entretanto, essas obras maiores são vitórias espirituais, não milagres fisicos. Do ponto de vista do Novo Testamento, o espiritual sempre deve ser desejado acima do fisico. É mais importante salvar do pecado do que curar da enfermidade. Fé em Deus e fé em milagres não são sinônimos.

O Cristo imutável de Hebreus 1 3:8 Aqueles que ensinam sobre “sinais e maravilhas” com freqüência citam Hebreus 13:8: “Jesus Cristo ontem e hoje é o mesmo, e o será para sempre”. Afirmam que o que ocorreu durante o ministério terreno de Jesus e no período apostólico é 10


normativo para o cristianismo, porque Jesus não mudou. Ele é o mesmo hoje, como era ontem. Já que Cristo curou os enfermos enquanto estava aqui na terra, não deveríamos esperar que fizesse o mesmo hoje, já que ele continua a ser o que era? Também, já que os apóstolos realizaram numerosas curas e outros milagres depois do Pentecostes, não podemos esperar ver os mesmos milagres hoje, como parte da mesma dispensação pentecostal? Hebreus 13:8, porém, não é um texto para apoiar cura (veja como a Regra 5, no Cap. 10, aplica-se aqui). O versículo 8 está ligado aos versículos 7 e 9. No versículo 7, o escritor fala dos antigos líderes que já se foram; a memória deles permanece, mas não podem mais nos guiar. Jesus Cristo, porém, sempre estará presente, para nos aconselhar e guiar. Os líderes humanos, dos quais dependemos para receber conselho, podem ser levados, pela morte, para longe do nosso alcance. Jesus, porém, continua o mesmo através das gerações. Depois, no versículo 9, o escritor adverte os leitores para não serem envolvidos por todo tipo de ensino estranho, pois Jesus é a mensagem final e imutável de Deus para o homem. Desde que ele é o mesmo, nenhum outro ensino pode superá-lo ou suplantá-lo. O pensamento central é: “Cristo é imutável em seu caráter”. Por causa disto, devemos ter uma fé imutável. Jesus Cristo é o mesmo hoje, como era ontem — em seu caráter, em sua natureza e em seus atributos. Em sua essência, Jesus permanece sempre imutável. Ele, porém, não é o mesmo nas manifestações e atividades. Nunca foi. Jesus não começou em Belém. Para escrever sua biografia, é preciso ir muito além da manjedoura para encontrar seu princípio. Mesmo chegando ao limite escuro da eternidade e esquadrinhando os recantos daquela região desconhecida, não somos capazes de determinar sua origem. Ele não tem início, assim como não tem fim; ele é o eterno Agora. Até Belém, ninguém sabia que Deus tinha um Filho. Entretanto, fosse enrolado em panos e deitado na manjedoura, surpreendendo os mestres no templo, ensinando as multidões nas praias da Galiléia, ou pendurado entre dois ladrões numa cruz romana, ele era sempre o mesmo. O mesmo, porém, apenas no essencial — graça, amor, misericórdia e todas as outras qualidades do Deus da graça. Embora essas virtudes sempre tenham sido manifestadas, nunca vestiram as mesmas roupas em todas as dispensações. Ninguém insistiria em dizer que Jesus 10


foi o mesmo em sua manifestação no Antigo Testamento, como foi no Novo. Devemos notar que não há registro de Jesus curando ninguém depois da ressurreição. Em sua introdução do livro de Atos, Lucas diz que Jesus “se apresentou vivo, com muitas provas incontestáveis, aparecendo-lhes durante quarenta dias e falando das coisas concernentes ao reino de Deus» (At 1:3). Com muitas provas incontestáveis por quarenta dias Jesus se apresentou vivo. Apesar disso, nenhum milagre de cura é mencionado entre as provas inquestionáveis. Para Jesus, pessoalmente, o tempo de curar já tinha passado; sua condição de Messias tinha sido autenticada pela ressurreição. Seus discípulos realizariam milagres para autenticar a mensagem que ele verdadeiramente tinha ressuscitado dentre os mortos. Para Jesus, porém, curas não eram mais necessárias, não eram mais uma parte essencial do seu ministério. Você já se perguntou por que há uma clara ausência de referências aos milagres terrenos de Jesus nas epístolas do Novo Testamento? Nenhum dos escritores jamais evoca os milagres que foram realizados pelo Filho de Deus durante sua jornada na terra. Ninguém menciona que ele curou quem quer que fosse. Ele não é chamado de “Cristo, aquele que cura” e não há nenhuma indicação de que os milagres de cura deviam continuar até hoje.

Os sinais e maravilhas são necessários hoje? O apóstolo João trata dessa questão em sua declaração em João 20:30-31: “Na verdade fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome João registra sete “sinais” operados por Jesus: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.

Transformou água em vinho em Caná, 2:1-11; Curou o filho do oficial do rei, 4:46-54; Curou o paralítico, 5:1-15; Alimentou cinco mil pessoas, 6:1-14; Andou sobre a água, 6:16-21; Curou o homem cego, 9:1-7; Ressuscitou Lázaro, 11:1-44.

Esses sinais, de acordo com João, são suficientes para que o indivíduo creia no nome de Jesus e seja salvo. Insistir que novos 10


sinais e maravilhas são necessários hoje para a conversão daqueles que não crêem é dizer que a Palavra de Deus, a Bíblia como nós a temos, é incompleta e ineficaz. Os únicos sinais necessários para operar a fé salvadora em Cristo são aqueles registrados no Evangelho de João. Se as pessoas não crerem nesses, não serão persuadidas nem que alguém seja ressuscitado dentre os mortos. O próximo ponto que devemos, abordar é construído sobre este: Deus deu à Igreja moderna o mesmo ministério de curas miraculosas que deu a Jesus e aos apóstolos? Em caso afirmativo, deveria haver uma semelhança inquestionável entre as curas do Novo Testamento e aquelas que vemos hoje. Vamos examinar esse ponto no próximo capítulo.

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Capitulo 12 As curas operadas por Jesus e pelos apóstolos: Um olhar mais detalhado Serão elas modelos válidos para as curas dos tempos modernos?

U

ma das atividades de Jesus enquanto viajava pela Palestina era

curar os enfermos e os atormentados por espíritos malignos. Se isso é verdade, por que não deveríamos ver manifestações similares em nossos dias? Concordo que os milagres de cura desempenharam um papel importante no ministério terreno do nosso Senhor. As várias palavras gregas usadas para expressar a idéia de cura aparecem mais de oitenta vezes no Novo Testamento, sendo que 75 vezes nos Evangelhos sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas) e em Atos. Howard Clark Kee escreveu: Os três primeiros Evangelhos estão divididos em aproximadamente 250 unidades literárias; um quinto delas não descreve, nem faz alusão às atividades de cura e de exorcismo de Jesus e dos discípulos. Dos sete “sinais” relatados em João como tendo sido feitos por Jesus, quatro envolvem cura ou restauração. Das setenta unidades literárias em João, doze não descrevem sua atividade de cura, nem se referem aos sinais que realizou.1

A primeira menção de cura desempenha um papel importante no início do ministério público de Jesus: “Percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades entre o povo. E a sua fama correu por toda a Síria; 10


trouxeram-lhe, então, todos os doentes, acometidos de várias enfermidades e tormentos: endemoninhados, lunáticos e paralíticos. E ele os curou” (Mt 4:23-24). Como já mencionei, a questão que estamos abordando não é somente se Deus cura hoje, mas se o ministério terreno de Jesus e dos apóstolos está sendo restaurado pelo cristianismo moderno. Deus deu à igreja dos nossos dias o mesmo ministério miraculoso que deu a Jesus e aos apóstolos? Em caso afirmativo, deveria haver uma semelhança inquestionável entre as curas do Novo Testamento e as que são realizadas hoje. Neste capítulo, examinaremos as características das curas do Novo Testamento para ver se podem ser comparadas com as curas dos nossos dias. As enfermidades e moléstias curadas por Jesus e pelos apóstolos eram consideradas incuráveis naquela época; a maioria continua assim até hoje. Falando de modo geral, distúrbios físicos dividem-se em duas categorias: orgânicos e funcionais. Enfermidades orgànicas são aquelas nas quais pode ser identificada alguma modificação na estrutura do organismo. Tais mudanças podem ser vistas a olho nu ou no microscópio, por meio de um raio X ou outro aparelho; podem também ser detectadas por exames de sangue, de urina ou através de biópsia. Resumindo, enfermidade orgânica pode ser caracterizada por uma anormalidade nos tecidos do organismo, podendo ser vista a olho nu, microscópio, raio X ou exame de laboratório. Câncer, pneumonia, meningite, poliomielite, artrite reumática e diabetes são alguns exemplos desse tipo de enfermidade. Em contraste, distúrbios funcionais são mais difíceis de avaliar porque raramente apresentam algum tipo de defeito estrutural. Em outras palavras, não se detecta nenhuma alteração na estrutura dos tecidos do organismo. Não quer dizer que os sintomas ou a dor sejam imaginários. São reais, mas são causados por uma alteração no funcionamento do tecido e não em sua estrutura. Estresse crônico, ansiedade, fadiga e maus hábitos alimentares podem fazer com que um órgão funcione de forma anormal, resultando em sintomas físicos reais, tais como dor de cabeça, espasmos musculares, dor no peito e vertigem. Não há nada errado com a estrutura do próprio órgão, mas ele se comporta como se houvesse. Os médicos dizem que muitos distúrbios funcionais estão associados a certos tipos de personalidade. Outros podem ser determinados pela herança genética do indivíduo e ser acionados 10


por um trauma emocional como estresse, tensão, raiva ou ansiedade. O “mal dos empresários”, a úlcera, é uma enfermidade psicossomática provocada por distúrbios emocionais como estresse, preocupação ou mesmo estafa. Onde há uma predisposição, a asma também é um distúrbio funcional, uma maneira de expressar a angústia interior. Resumindo, o estresse crônico pode produzir mudanças funcionais nos órgãos do corpo. Quando uma pessoa está fora do equilíbrio emocional ou espiritual, seu corpo começa a funcionar de forma anormal. Os médicos descrevem esse fenômeno como “psicofisiológico” — anormalidades funcionais resultantes de estresse mental. Isso, no final, leva a distúrbios psicossomáticos. Com respeito aos distúrbios psicofisiológicos e psicossomáticos, o dr. Paul Tournier diz: “O terror dos séculos passados era a proliferação de grandes epidemias como a cólera, a peste negra, a febre amarela ... nessas áreas... o sucesso da medicina é um verdadeiro triunfo. Infelizmente, a ameaça da humanidade hoje são os seus problemas nervosos”.2 Ele prossegue e diz que o número de condições psicopáticas, distúrbios funcionais, neuroses e psicoses tem aumentado catastroficamente nos últimos anos. Os médicos concordam que a grande maioria dos distúrbios de que tratam começam como distúrbios funcionais causados por estresse, tensão ou exaustão emocional ou física. Se você perguntar ao seu médico: “Estou realmente doente, ou está tudo na minha cabeça?”, provavelmente ele dará uma resposta do tipo: “Preferimos não separar a mente do corpo”. Treinados numa época em que o estudo da medicina é dominado pela anatomia patológica (enfermidades orgânicas), é fácil entender a frustração sentida pelos médicos e seus pacientes quando não conseguem pronunciar um diagnóstico preciso e criar uma categoria exata na qual o problema possa ser classificado. Sintomas como vertigem, náusea, dor de cabeça e dor nas costas podem representar uma enfermidade orgânica, ou simplesmente podem ser o resultado de um distúrbio funcional relacionado ao estresse. O estresse, por si só, pode causar anomalias funcionais em vários órgãos, resultando em vários sintomas que desaparecem assim que o estresse é curado. Conseqüentemente, não é de estranhar quando a “fé que cura” às vezes funciona. Jesus curou distúrbios orgãnicos como pernas aleijadas, mãos ressequidas, cegueira, surdez — casos nos quais não houve 10


dúvida de que havia ocorrido um milagre. As curas realizadas por Jesus e pelos discípulos não eram — como muitas são atualmente — remissões naturais, curas psicossomáticas ou desordens funcionais menores que se teriam corrigido por si mesmas, como a gripe de sete dias ou os vírus dos resfriados de 24 horas. Jesus curou com uma palavra ou com um toque. O único registro que temos de Jesus usando meios secundários é João 9:6: “Dito isso, cuspiu na terra e, tendo feito lodo com a saliva, aplicou-o aos olhos do cego”. Não é dada nenhuma explicação por que Jesus usou o lodo nessa circunstância. Talvez estivesse deixando claro que não estava preso a nenhum método. Não há menção de que Jesus alguma vez tenha usado o método oriental mais comum, ou seja, a unção com óleo. Jesus curou todas as pessoas que o procuraram visando a cura. O Senhor foi notavelmente bem-sucedido em seu ministério de cura. Diferentemente dos ministros modernos, nenhuma pessoa saía das reuniões desapontada, ainda presa a uma cadeira de rodas ou usando muletas. Não havia falha. Não havia pessoas não curadas para serem acusadas de incredulidade ou de esconder pecado. Jesus agia com mansidão e sem alarde. Observando alguns operadores de cura em ação, temo pela segurança da pessoa, cuja cabeça é chacoalhada de um lado para o outro, juntamente com gritos excitados e muito barulho. Com Jesus, não havia encenações, orações em altos brados, súplicas nem barulho. Ele apenas curava. Ninguém nunca foi embora desapontado ou envergonhado. Jesus nunca teve de encarar um grupo de crentes perplexos e explicar seu fracasso. Jesus curou independentemente da fé e também com a ajuda dela. É surpreendente quando vemos a grande ênfase que é colocada sobre a fé como sendo indispensável para a cura. Embora muitas das curas de Jesus fossem operadas em resposta à fé, ele nunca fez da fé um requisito. Alguns dos seus milagres mais notáveis foram realizados sem nenhuma referência à fé de quem quer que fosse. Na cura da sogra de Pedro, por exemplo, não é feita nenhuma menção à fé (Mt 8:14-15). O mesmo é verdade com relação ao leproso em Mateus 8:1-4 e ao homem da mão ressequida em Mateus 12:10-13. Em alguns casos, aqueles que foram curados não tinham nem idéia de que estavam prestes a ser restaurados. 10


O que dizer, porém, quanto a Mateus 13:58? “Não fez ali [em Nazaré] muitos milagres, por causa da incredulidade deles”. Quando Jesus foi à sua cidade natal, Nazaré, para ensinar na sinagoga, o povo ficou atônito. Era nada mais nada menos do que “o filho do carpinteiro”, exclamaram. Era o rapaz nascido ali; viram-no crescer, brincaram juntos nas ruas poeirentas da cidade. Não, ele não podia ser Aquele que estavam esperando. O relato de Mateus termina com as palavras: “Não fez ali muitos milagres, por causa da incredulidade deles”. Entretanto, a referência não é à incredulidade deles no poder de Jesus para curar. Tratava-se da incredulidade deles em Jesus como Messias. Maria e Marta criam que Jesus poderia ter curado o irmão delas enquanto este ainda estava vivo, mas tinham dificuldade para crer que podia ressuscitar Lázaro dentre os mortos. Duvido que Malco, o servo cuja orelha foi decepada por Pedro, cria em Jesus ou tinha alguma fé que sua orelha poderia ser restaurada. O maníaco gadareno de Marcos 5 certamente não estava exercitando a fé quando Jesus o restaurou. Pedro e João curaram um paralítico que não estava esperando um milagre, mas sim algumas moedas (At 3:1 - 11). Claus Westermann, discutindo sobre a reação de Abraão à notícia de que um filho gerado por Sara (não o filho de Hagar, Ismael) seria o filho da promessa, diz que a oração de Abraão por Ismael “implica que ele não cria na promessa de um filho por meio de Sara”. Claus prossegue e diz que “Deus cumpriu sua promessa independente da fé de Abraão; o que Deus promete ele cumpre, independentemente das atitudes humanas”.3 Assim, Jesus curou algumas pessoas não por causa da fé delas, mas em resposta à fé de outros. Veja o caso do servo do centurião: depois de ouvir as súplicas em favor do servo, Jesus disse ao centurião: “Vai-te, e seja feito conforme a tua fé” (Mt 8:13). Também temos aquele caso conhecido do homem paralítico que os quatro amigos desceram por um buraco no telhado, na presença de Jesus. “Vendo-lhes a fé, Jesus disse ao paralítico: Homem, estão perdoados os teus pecados” (Lc 5:20, grifo do autor). João conta a história do filho do oficial do rei que foi curado por causa da fé do pai (Jo 4:50). Mais adiante olharemos mais de perto a passagem sobre cura em Tiago 5, mas por enquanto vamos observar apenas uma coisa. O texto diz: “Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o 10


com óleo em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o enfermo...” (vs. 14,15, grifos do autor). Note que os presbíteros devem orar sobre o aflito e é a fé deles — não a do enfermo — que assegura a cura. Nunca ouvi um operador de curas admitindo que foi a sua falta de fé que impediu a cura de um enfermo. A culpa é sempre colocada sobre a pessoa que não foi curada. A justificativa da “falta de fé” é uma fuga oportuna e sempre à mão para os supostos operadores de milagres. Permite que saiam do fracasso das esperanças despedaçadas, da fé frustrada, dos corações cheios de culpa, das mortes embaraçosas, isentos de toda responsabilidade e absolvidos de qualquer culpa. Jesus curava instantânea, imediata e completamente. “Disse Jesus ao centuriâo: Vai-te, e seja feito conforme a tua fé. E naquela mesma hora o servo foi curado” (Mt 8:13). “Logo se lhe estancou a hemorragia, e sentiu no corpo estar curada do seu flagelo” (Mc 5:29). “Ao vê-los [os leprosos] disse-lhes Jesus: Ide, e mostrai-vos aos sacerdotes. Aconteceu que, indo eles, foram purificados” (Lc 17:14). A frase, “indo eles” não indica uma cura gradual; a palavra “purificados” é um tempo verbal grego (aoristo) que denota uma ação completa, final. Em Lucas 6:10 encontramos outro relato de cura imediata — desta vez, uma mão ressequida. “Fitando a todos ao redor, disse [Jesus] ao homem: Estende a mão. Ele assim o fez, e a mão se lhe foi restaurada”. A cura do paralítico em Betesda é registrada por João: “Disse lhe Jesus: Levanta-te, toma o teu leito e anda. Imediatamente o homem se viu curado e, tomando o leito, pôs-se a andar” (Jo 5:8-9). Outro ponto significativo sobre as curas no Novo Testamento: Eram abruptas, repentinas, quase inesperadas. Jesus não precisava de vários dias de preparação, tempo em que os aflitos deviam confessar os pecados, acertar as coisas com Deus e com o próximo, jejuar três dias, etc. Também nunca havia nenhum acompanhamento posterior sobre manter uma atitude mental positiva e preservar a confissão da fé. O mais próximo disso foi quando Jesus advertiu o paralítico de Betesda: “Olha que já estás curado; não peques mais, para que não te suceda coisa pior” (Jo 5:14). O homem, porém, fora curado instantaneamente. Um escritor oferece esse conselho: 10


Transforme uma promessa de cura numa afirmação e continue declarando isso até que você esteja plenamente convencido de sua realidade, até que creia nela em seu coração sem vacilar; você verá que seus sintomas desaparecerão... Repita tais afirmações em voz alta várias vezes por dia. Gaste de cinco a quinze minutos por dia afirmando em voz alta essas declarações e você verá que são verdadeiras e que a ressurreição de Cristo se manifestará em seu corpo mortal. Seus sintomas desaparecerão. Eles se desvanecerão em proporção direta à clareza e à força de sua fé. No momento em que sua fé for perfeita, você será completamente liberto.4

Este é um exemplo do tipo de conselho dado posteriormente àqueles que afirmam ter sido curados. Esse tipo de conselho, porém, não tem nenhum paralelo nas Escrituras. Nenhum dos milagres de cura registrados no Novo Testamento ocorreu da maneira descrita acima — também as pessoas curadas nunca foram aconselhadas a fazer as coisas sugeridas pelo escritor. Dizer que nossa fé tem de ser perfeita para sermos libertos completamente é ignorar o fato de que, apenas com pouquíssimas exceções, todas as pessoas que foram a Jesus buscando um milagre o fizeram com uma fé fraca e imperfeita. Mesmo assim Jesus respondeu à fé que tinham, porque, na fé, o mais importante não é o tamanho, mas seu objeto, o qual é Jesus. Os defensores da AMP (Atitude Mental Positiva) freqüentemente se justificam citando Hebreus 10:23: “Guardemos firme a confissão da esperança, sem vacilar, pois quem fez a promessa é fiel”. Entretanto, usar esse versículo para escorar as paredes da cura na expiação viola a integridade do seu contexto. Essas palavras não têm nada que ver com cura, como o contexto mostra claramente. Tratam da apostasia e da fé em Jesus como o Messias prometido e o Sumo Sacerdote, e não como aquele que cura. Você pode dizer: “Entretanto, funcionou comigo!”. Eu creio em você. O método é efetivo em certos distúrbios funcionais. Entretanto, novamente, a questão não é se funciona, mas sim se é isso que a Bíblia diz. Estamos vendo os milagres de Jesus se repetirem hoje? Em outras palavras, estão sendo feitos atualmente da mesma maneira que Jesus fazia? A resposta clara é não.

Enfermidade ou sintomas As curas de Jesus eram imediatas e completas. Você não encontrará na Bíblia pessoas que foram curadas mas que 11


continuaram a sofrer com os sintomas da enfermidade. Declarações do tipo: “Vocé está curado, só que seu organismo ainda não sabe” e “creia em Deus, não nos seus sintomas” não têm fundamento bíblico e não têm paralelo em nenhum milagre operado por Jesus ou pelos apóstolos. Qual é o valor de ser curado de uma gripe e continuar a tossir e espirrar, passando mais sete dias com febre? Pior ainda, insistir que Deus me curou enquanto é óbvio para todos que continuo sofrendo é um péssimo testemunho para o mundo. Que tipo de Deus é este que tem poder para tirar a enfermidade, mas deixa o sofrimento que ela causa?

Que tipo de Pai é Deus? Um amigo meu estava morrendo de câncer. Ele e muitos outros tinham proclamado que sua cura era um direito divino em Cristo. Entretanto, ele morreu. Um amigo comum tentou “fazer malabarismo”, segurando a idéia da cura na expiação em uma mão e a morte do amigo na outra e explicando que “ele tinha fé, mas evidentemente ela enfraqueceu no final e ele não recebeu a cura”. Que tipo de Deus seria este? Que tipo de pai trataria um filho com tal frieza calculista? Você consegue imaginar um pai dizendo ao filho que está se afogando: “Salvarei você se tiver fé perfeita. Se a sua fé falhar, mesmo depois de sua mão estar na minha, vou soltá-lo e deixá-lo afundar”? Assim, a fé torna-se uma realização humana e não dá esperança àqueles que são fracos e que mais precisam de ajuda. Não é este o pai que Jesus veio revelar. Não há nenhum registro de recaída. Nem nos Evangelhos, nem no livro de Atos há nenhuma indicação de alguém que foi curado por Jesus ou pelos discípulos e depois sofreu uma recaída. Mesmo assim, atualmente não se pode negar nos movimentos de cura incontáveis casos de recaída. Wade Boggs observa que “as multidões que ouvem... testemunhos públicos de cura raramente ficam sabendo das seqüelas das alegadas curas. Há casos em que as pessoas diagnosticadas com enfermidades incuráveis pelos médicos erroneamente acreditaram que estavam curadas... e acabaram sofrendo uma recaída mais tarde”.5 A verdade é: nenhum leigo está qualificado para diagnosticar sua própria enfermidade nem para pronunciar sua própria recuperação. Mesmo médicos qualificados com freqüência discordam sobre o diagnóstico do mesmo paciente e às vezes todos estão 11


errados. “Testemunhos públicos de cura em momentos de grande excitação e de estresse emocional não são válidos”.6 Jesus ressuscitou mortos. Jesus não tinha medo de realizar uma reunião diante de um sepulcro ou colocar sua reputação à prova declarando que um corpo (de Lázaro) iria ressuscitar. Os operadores de cura modernos, porém, evitam a todo custo os velórios e os cemitérios. Nos últimos anos apareceram muitos livros e artigos em revistas relatando experiências de pessoas que morreram e reviveram para contar. A maioria “morreu” numa mesa de cirurgia. Alguns foram para o céu; outros flutuaram sobre o próprio corpo, observando os cirurgiões lutar para ressuscitá-los. Os médicos conseguiram. Entretanto, uma pessoa sendo operada, sob o efeito de anestésicos, não é uma testemunha confiável. A experiência não pode autenticar a si própria. Seria suficiente dizer que aqueles que experimentaram morte “clínica” estavam, como diz Hans Kung, morrendo, mas não mortos. Estavam quase mortos, mas não chegaram a morrer.7 Até agora, porém, não há nenhum registro de alguém que ressuscitou dos mortos, alguém que realmente estava morto e enterrado. Se uma pessoa realmente morta (quero dizer, alguém como Lázaro — morto, embalsamado e enterrado havia quatro dias) for ressuscitada, você não iria ouvir sobre isso numa carta informativa de algum ministério obscuro. Estaria impresso na primeira página de todos os jornais. Os paparazzi já estariam tirando suas fotos antes que o ex-defunto pudesse sair do caixão. Falando sobre as curas bem-sucedidas de Jesus e dos discípulos, J. I. Packer escreve: “Tudo o mais que possa ser dito do ministério dos operadores de curas pentecostais ou carismáticos do nosso tempo e daqueles cuja oração pelos enfermos tornou-se uma questão, ao que parece, de um chamado divino específico, nenhum deles tem um registro como este”.8 Como regra, Jesus nunca encorajou a divulgação dos seus milagres de cura; ele até mesmo proibiu. Quando estudei as características das curas bíblicas, não fiquei surpreso com a maior parte do material que encontrei, ou seja, os sete pontos mencionados acima. Entretanto, este último ponto me pegou desprevenido. Nunca tinha considerado tal coisa, principalmente devido ao seu acentuado contraste com as práticas modernas. Quando testemunhamos a cura de uma pessoa, especialmente alguém com uma doença incurável diagnosticada por médicos 11


respeitáveis, ficamos maravilhados e queremos contar para todos. Realmente deve ser assim, ou pelo menos parece que deveria. Jesus, porém, nunca buscou tal publicidade. Ao leproso, Jesus disse: “Olha, não o digas a ninguém” (Mt 8:4). Aos dois homens cegos, “Jesus, porém, os advertiu severamente, dizendo: Acautelai-vos de que ninguém o saiba” (Mt 9:30). Depois de curar uma multidão, Jesus “advertiu-os, porém, que o não expusessem à publicidade” (Mt 12:16). Quando ele curou o homem surdo e gago, “lhe ordenou que a ninguém o dissessem” (Mc 7:36). Depois de ressuscitar a filha de Jairo, Jesus instruiu os pais “que a ninguém contassem o que havia acontecido” (Lc 8:56).

O perigo de obscurecer sua missão Jesus sabia que as pessoas ficariam extremamente maravilhadas e excitadas com as notícias sobre tais milagres e chegariam à conclusão equivocada de que ele estava prestes a estabelecer um esplêndido reino terreno. Por exemplo, quando Jesus alimentou uma multidão, as pessoas disseram: “Este é verdadeiramente o profeta que devia vir ao mundo. Sabendo, pois, Jesus que estavam para vir com o intuito de arrebatá-lo para o proclamarem rei, retirou-se novamente, sozinho, para o monte” (Jo 6:14-15). Em Marcos 1:45 lemos que o leproso que fora purificado, ignorando a advertência de Jesus, “entrou a propalar muitas coisas e a divulgar a notícia, ao ponto de não mais poder Jesus entrar publicamente em qualquer cidade, mas permanecia fora, em lugares ermos; e de toda parte vinham ter com ele” (grifos do autor). A exceção em Marcos 5:19 prova qual é a regra. Ali, Jesus disse a um homem para que anunciasse o que fora feito por ele, porque tratava-se de uma região onde não havia perigo de o povo se levantar para fazê-lo rei. Pelo contrário, houve um sentimento de desconforto para com ele, o qual Jesus queria corrigir. Posteriormente, Jesus fez várias viagens a lugares com o propósito de escapar do povo e evitar o tipo errado d empolgação a seu respeito. Claramente, Jesus não desejava que os milagres obscurecessem o verdadeiro propósito da sua vinda. Com tal ênfase sobre as curas a verdadeira questão poderia ser obscurecida. Ele conhecia os homens, sabia que estavam mais 11


interessados nos milagres do que na fé que os produzia. Eles o seguiam por causa do pão. Tudo isso, porém, estava de acordo com a profecia. Em Mateus 12:15-21, lemos: “Jesus, sabendo disto, afastou-se dali. Muitos o seguiram, e a todos ele curou, advertindo-lhes, porém, que o não expusessem à publicidade; para se cumprir o que foi dito por intermédio do profeta Isaías: ‘EIS AQUI O MEU SERVO, QUE ESCOLHI, O MEU AMADO, EM QUEM A MINHA ALMA SE COMPRAZ. FAREI REPOUSAR SOBRE ELE O MEU ESPÍRITO E ELE ANUNCIARÁ JUIZO AOS GENTIOS. NÃO CONTENDERÁ, NEM GRITARÁ, NEM ALGUÉM OUVIRA NAS PRAÇAS A SUA VOZ. NÃO ESMAGARA A CANA QUEBRADA, NEM APAGARA A TORCIDA QUE FUMEGA, ATÉ QUE FAÇA VENCEDOR O JUIZO. E NO SEU NOME ESPERAR O OS GENTIOS’.”

Os tempos não mudaram muito; a natureza humana não mudou nada. Temos de reconhecer: somos humanos. Ficamos mais empolgados com a cura física de um enfermo do que com a salvação de uma pessoa perdida. Suponha que no próximo domingo aconteçam duas coisas no culto em sua igreja: um homem, paralítico de nascença, é súbita e miraculosamente curado; ao mesmo tempo, um garoto entrega sua vida a Cristo, aceitando-o como Senhor e Salvador. Qual das duas ocorrências atrairá mais o interesse das pessoas? Por qual das duas todos darão glórias a Deus? Sem dúvida, a cura física. Entretanto, faça uma comparação entre ambos: um é um milagre físico, o outro um milagre espiritual. Um é temporal, pois o homem um dia irá morrer; o outro é eterno, pois o garoto está salvo para sempre. O milagre físico exige somente uma palavra de Deus; o milagre espiritual, a salvação do menino, custou a Deus a vida do seu Filho. Não é de estranhar que o movimento de cura e riqueza seja tão popular. Ele apela para a sensualidade. Recentemente perguntaram a um cidadão por que havia votado num certo candidato político. Ele respondeu candidamente: “Ele nos dá o que queremos”. Vance Havner confirma esta tendência da natureza humana: “Hoje, quando os convertidos dão o testemunho de terem sido 11


salvos de uma vida de pecados terríveis, ouve-se na congregação os ‘Oooohh!’; mas se um homem contar simplesmente que foi guardado desde a infância pela graça de Deus, a reação é: ‘e dai?’. Uma história de cura de câncer é notícia boa,. mas contar que se tem boa saúde na velhice, obra do mesmo Deus que cura o enfermo, não garante o índice de audiência”.9 Pregadores sinceros podem tencionar que a cura seja simplesmente um meio de apontar Cristo aos homens, mas as “curas” têm o poder de mudar o foco e sobrepujar a salvação. A luz que deveria ser lançada sobre Jesus é lançada em outra direção, sobre os milagres físicos, os quais se tornam a “atração principal” para a fé. Tornam-se a grande inspiração para o louvor e a adoração. Promover cura física, tornando-a o cerne da propaganda e a grande força de atração, viola o mandamento e o exemplo do Senhor. Somente este fato já deixa claro que o movimento moderno de cura e riqueza não tem uma base bíblica sadia e além disso é perigoso.

Por que, então, os milagres? Os milagres de Cristo pertenciam à época em que foram realizados. Eram as credenciais sobrenaturais que provavam que Jesus era o Messias. Eram sinais para aquela época e não garantias para a nossa, e nem modelos para os pregadores modernos. João Batista, depois de ser lançado na prisão por ordem de Herodes, foi assolado pelas dúvidas sobre a identidade de Cristo; enviou-lhe uma mensagem, perguntando: “És tu aquele que estava para vir, ou havemos de esperar outro?” (Mt l1:3). Jesus não o repreendeu por duvidar; enviou-lhe uma mensagem de volta: “Ide, e anunciai a João o que estais ouvindo e vendo: OS CEGOS VÊEM, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e AOS POBRES ESTÁ SENDO PREGADO O EVANGELHO” (Mt 11:4-5). Ao encerrar o relato do seu Evangelho, o apóstolo João disse: “Na verdade fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (Jo 20:3031). Os milagres não eram um fim em si; eram meios para alcançar uma finalidade, um objetivo bem maior. Não estou dizendo 11


que Jesus não se importava com o sofrimento físico daqueles ao seu redor, ou que suas curas não eram motivadas pela compaixão. Entretanto, uma ação pode servir a dois propósitos. João, juntamente com os escritores dos outros Evangelhos, mostra que o propósito principal dos milagres físicos de Jesus era apresentar uma evidência irrefutável da sua condição de Messias. O mesmo é verdade com relação aos milagres realizados pelos apóstolos — eram um meio de autenticar a mensagem e o ministério apostólico. Hoje, com a Bíblia completa e o testemunho da habitação do Espírito e do seu poder, não há mais a necessidade de autenticação por meio de milagres.

Uma palavra final Deus com freqüência faz coisas extraordinárias, em tempos extraordinários, tais como avivamentos e despertamento espiritual. Dentro desses contextos há manifestações incomuns do poder divino, as quais são um meio de atrair a atenção das multidões e comprovar a autenticidade da mensagem. A exigência de que tais eventos incomuns e extraordinários se tornem a norma para a vida diária da igreja é uma falta de entendimento e uma interpretação incorreta dos métodos e das obras de Deus. Novamente, cito J. Sidlow Baxter: Não podemos deduzir com segurança, nem por meio dos milagres do Senhor, nem dos apóstolos, que eles devam continuar hoje; não temos base para presumir tal coisa. Se tais curas eram destinadas divinamente para continuar da mesma maneira atualmente, então todos aqueles que precisassem de cura deveriam ser curados sem exceção, como ocorria nos dias do Senhor e dos apóstolos. Entretanto, milhares de pessoas que buscam cura não são curadas. Portanto, por meio deste teste simples e prático, sabemos que as curas dos nossos dias não têm a mesma base daquelas operadas tanto tempo atrás.10

Baxter e eu não estamos dizendo que Deus não cura nos nossos dias. Deus cura. Estou apenas sugerindo que, baseado no critério desenvolvido neste capítulo, as curas do Novo Testamento não tinham objetivo de se tornarem modelos para as curas de hoje. Deus tem um propósito muito diferente para nós. Em alguns casos, a cura pode fazer parte do seu propósito; em outras circunstâncias, ele pode escolher esperar ou dizer “não”, para que seus propósitos sejam alcançados. A pergunta para nós é esta: “O 11


que eu prefiro: meu prazer ou os propósitos de Deus? Em qual dos dois vou colocar meu coração?”.

Capitulo 13 Cristo morreu para nos tornar saudáveis? Você tem o direito de ser curado?

Veja se a cena a seguir lhe parece familiar. Quando um amigo foi internado no hospital para fazer uma cirurgia, cujo resultado era incerto e poderia ser o prelúdio de uma enfermidade grave e terminal, um irmão de sua igreja anunciou sem hesitação: “Lembre-se, você tem o direito de ser curado”. Durante um período de problemas físicos debilitantes, os quais eram mais um incômodo do que um perigo, alguém me disse: “Saiba que não precisa ficar com esses problemas. Deus quer ver você bem”. As duas declarações, “você tem o direito de ser curado” e “Deus quer ver você bem”, formam o crux interpretum, o ponto principal da questão. Temos o direito de ser curados? Deus quer ver-nos bem? Temos de nos despojar de toda enfermidade e sofrimento? Era necessário que Paulo chegasse doente à Galácia? (Gl 4:13-15) O apóstolo tinha mesmo de tolerar o espinho na carne? (2 Co 12:7-10) Epafrodito estava enfermo desnecessariamente? (Fp 2:25-30) Por que Paulo não sugeriu uma cura milagrosa em vez de vinho para o problema de estômago de Timóteo? (1 Tm 5.23) Era realmente necessário que Paulo deixasse Trófimo doente em Mileto? (2 Tm 4:20). A cura está incluída na expiação, ou esta posição não tem base bíblica, de acordo com as regras de interpretação que examinamos? Quando usamos a palavra expiação, queremos dizer a cobertura do pecado, realizada pela morte de Cristo na 11


cruz. Leon Morris diz: “Colocando de forma simples, a expiação significa que em sua morte Jesus Cristo resolveu completamente o problema do pecado do homem. Fez tudo o que tinha de ser feito e agora aqueles que o buscam pela fé podem entrar na salvação plena”.1 Entretanto, seu sangue cobre também nossas enfermidades? Muitos crêem que sim, que a cura física estava incluída na expiação. A cura pela expiação, ou a idéia de que a cura física para o corpo e o perdão dos pecados foram obtidos pela morte de Cristo, segue mais ou menos esse raciocínio: (1) Enfermidade é o resultado da Queda; portanto, toda enfermidade é resultado do pecado. Enfermidades específicas podem ser causadas por pecados específicos. (2) A morte de Cristo na cruz fez a expiação pelo pecado e suas conseqüências, restaurando ao homem tudo o que foi perdido na Queda. Assim, a morte de Cristo não só liberta o homem do pecado, mas também das suas cônseqüências, ou seja, as enfermidades. (3) É direito de todo crente, portanto, reivindicar a cura de todos os males físicos. Em outras palavras, a morte de Cristo nos salva do pecado e também das enfermidades. A cura do corpo é tão parte do evangelho quanto o perdão dos pecados. Com freqüência refere-se a isso como o “evangelho pleno”. Será que é isso, porém, que a Bíblia ensina sobre a expiação? Quando o primeiro sumo sacerdote, Arão, entrou no Santo dos Santos com uma oferta de animal, tratava-se de uma oferta pelo pecado, e não pelas enfermidades (Lv 16:3). Nos versículos 5-6, 11, 16, 21 e 34 do mesmo capítulo, fica claro que todos os sacrificios tinham o propósito de expiar o pecado do povo, não suas enfermidades. Quando o autor de Hebreus falou de Cristo como o Sumo Sacerdote da Nova Aliança, disse: “Quando, porém, veio Cristo como sumo sacerdote dos bens já realizados, mediante o maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, quer dizer, não desta criação, não por meio de sangue de bodes e de bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção” (Hb 9:11-12). Tanto o registro em Levítico como em Hebreus deixam claro que Deus estava tratando com o pecado, não com enfermidades. Insistir na idéia de que Cristo fez expiação por nossas enfermidades demonstra falta de entendimento, tanto sobre a expiação como sobre as enfermidades. Cristo morreu pelo nosso pecado, não pelas doenças. Doença não é pecado, de modo que não precisa de expiação; é um dos muitos resultados do pecado. 11


Além das enfermidades, houve outras conseqüências da Queda — o homem tem de trabalhar e viver do suor do seu rosto, a mulher tem de lutar e sentir dores no parto, para mencionar somente algumas. Mesmo assim, nunca ouvi ninguém proclamar a expiação desses elementos e até onde sei eles permanecem conosco. Mesmo quando o Antigo Testamento fala sobre Deus curando enfermidades, nunca diz que Deus perdoa as enfermidades; doença não precisa de perdão, nem de expiação, pois não se trata de pecado. Enquanto o homem suar para sobreviver, a mulher tiver dores de parto, a cobra andar rastejando e os espinhos das plantas ferirem meu dedo, tenho de crer que os resultados da Queda não foram removidos. O cerne do argumento da cura na expiação baseia-se em duas passagens do Novo Testamento. “Chegada a tarde, trouxeram-lhe muitos endemoninhados; e ele meramente com a palavra expeliu os espíritos e curou todos os que estavam doentes; para que se cumprisse o que fora dito por intermédio do profeta Isaías: ELE MESMO TOMOU AS NOSSAS ENFERMIDADES E CARREGOU COM AS NOSSAS DOENÇAS” (Mt 8:16-17). Quando essa afirmação foi feita? Essas palavras foram proferidas quase três anos antes da cruz e mesmo assim Mateus afirmou que a profecia de Isaías foi cumprida naquele momento especffico. Nos relatos sobre a crucificação, muitas profecias foram mencionadas como sendo cumpridas, mas nunca esta. É razoável supor que se a profecia de Isaías quisesse dizer que Cristo faria expiação pelas enfermidades, seria encontrada nos relatos da crucificação. Entretanto, não foi. Se as palavras em Mateus 8:1617 tivessem sido registradas no momento da crucificação, seriam uma prova irrefutável da cura na expiação (veja Regra 5, no Cap. 10). A verdade é que a profecia de Mateus se refere ao ministério público de Cristo na terra, como o versículo 16 deixa bem claro. Além disso, a palavra grega usada para “carregou”, bastadzo, nunca é utilizada no Novo Testamento relacionada com o fato de Cristo levar os pecados. Ela é usada para expressar a idéia de empatia, como em Gálatas 6:2 e Romanos 15:1. Não somente isso, mas em 2 Coríntios 12:9 Paulo declara que se gloria nas “enfermidades”. Enfermidade traduz a mesma palavra grega empregada em Mateus 8:17: “Nossas doenças”. Como Paulo podia gloriar-se em algo que Cristo tinha levado 11


sobre si quando morreu? O segundo texto encontra-se em 1 Pedro 2.24: “Carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos aos pecados, vivamos para a justiça; por suas chagas fostes sarados”. Este versículo é uma citação de Isaías 53. Há pouco que comentar aqui porque uma leitura imparcial do texto mostra que Pedro estava falando da cura espiritual do pecado, não da cura física das enfermidades. Aqui, novamente, a Bíblia está interessada no pecado. Concordando por um momento que a cura está incluída na expiação, o mesmo teria de ser verdade com relação à eliminação da morte, o banimento de toda tristeza, o fim de toda dor. A morte como conseqüência da Queda é enfatizada na Bíblia muito mais do que a enfermidade; se a expiação removeu todos os resultados da Queda, por que os cristãos continuam morrendo? Não possuímos tudo o que a expiação nos proporcionou. Ainda há coisas por vir, como a redenção do corpo. Pedro escreve sobre sermos “guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para salvação preparada para revelar-se no último tempo” (1 Pe 1 :5). Juntamente com Paulo, “aguardamos a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo” (Rm 8:23). Enquanto isso, junto com o resto da criação, gememos em nosso íntimo. Margaret Clarkson, familiarizada com o sofrimento, escreveu: O sofrimento físico, junto com outros tipos de males, pertence-nos por causa do pecado do homem... os cristãos não têm o direito de isolar as enfermidades e tentar exorcizá-las de sua vida, como se fossem o mal supremo. Devemos lutar contra todas as conseqüências nocivas do pecado e não somente contra uma delas. Concentrar nossos esforços totalmente sobre as enfermidades é ignorar outros males tão ou até mais importantes.2

Cura versus perdão Se a cura é tão parte da expiação quanto o perdão do pecado, deveríamos poder recebê-la de forma tão simples quanto recebemos o perdão. Entretanto, sabemos que não é assim. Deus prometeu salvar todo aquele que o busca para salvação; não prometeu curar todo aquele que o busca para cura. O perdão cobre todos os pecados e todo tipo de pecado. Não podemos dizer o mesmo da cura. Dentes extraídos não são recolocados, membros amputados não são restaurados; muitos operadores de curas usam óculos, e alguns usam até peruca. 12


O perdão é imediato, mas mesmo os defensores da cura pela expiação admitem que às vezes a cura é gradual e em estágios. O perdão dos pecados nunca é retido porque o pecador não tem fé. Sou pastor há mais de quarenta anos e nunca vi Deus recusar a salvação a alguém que tenha clamado a ele. Entretanto, quando a cura não acontece, as pessoas alegam que a razão é a falta de fé. Se a cura está no mesmo nível que o perdão, por que não é obtida com a mesma facilidade? Quanta fé seria suficiente? Tenho fé suficiente para ser salvo; por que não tenho fé suficiente para ser curado? Certamente a salvação da alma é mais preciosa do que a cura do corpo — por que Deus seria tão liberal com o perdão e tão exigente com a cura? Cristo não nos comissionou para pregar a cura do corpo e o perdão dos pecados. “[Jesus] lhes disse: Assim está escrito que o Cristo havia de padecer, e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia, e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados, a todas as nações, começando de Jerusalém...” (Lc 24:46-47). Novamente, cito Wade Boggs: Quando Paulo resumiu o conteúdo essencial do Evangelho em 1 Corínfios 15:1-3, não mencionou o direito à cura física baseado na expiação, como parte da mensagem do evangelho... Na pregação e nos escritos de Pedro e João, não há nenhuma palavra sobre um evangelho de cura para todos, com base na expiação. Seria concebível que os apóstolos e os autores do Novo Testamento estivessem pregando um evangelho parcial? Creio que não.3

A idéia da cura na expiação não tem base nem nas Escrituras, nem na experiência; não existe nenhuma base bíblica concreta para tal doutrina. O evangelho da cura física é um evangelho equivocado e oferece uma falsa esperança para aqueles que lhe dão ouvidos. Leslie Weatherhead escreveu: “Não é de estranhar que as campanhas de cura produzem em muitas pessoas profunda depressão e desespero. A maioria daqueles que participam não é curada e o último estado delas torna-se pior do que o primeiro”.4 A cura na expiação não se encaixa nos fatos. Na prática, simplesmente não funciona. Gostaria que funcionasse. Entretanto, cristãos de todas as denominações continuam ficando doentes e morrendo. Depois de todas as explicações apresentadas pelos expositores de tais doutrinas, sempre há uma pergunta que permanece sem resposta, nunca é dissipada: “Por que algumas pessoas são curadas e outras não?”. 12


C. R. Brown, em seu livro clássico Faith and Health (Fé e Saúde), observa: “Nunca vi uma reunião de testemunhos na qual alguma pessoa que tenha tentado ser curada pela fé e não tenha conseguido fosse convidada para falar. Se fossem convidados, esses sofredores superariam em número os que foram curados, em cem para um”.5 Se Deus não providenciou nossa cura na expiação, ele ainda estaria comprometido com nossa saúde e bem-estar, como cristão? Ou será que a promessa de saúde é outra questão malentendida nas Escrituras? No próximo capítulo, vamos examinar esta questão.

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Capitulo 14 Deus quer que sejamos sempre saudáveis? Os perigosos efeitos colaterais do ensino sem base bíblica

Algumas pessoas que promovem o ensino da cura na expiação também insistem que é a vontade de Deus que sejamos sempre saudáveis, que Deus não parece ter nenhum propósito bom no sofrimento. Entretanto, será que o maior interesse de Deus é que sejamos livres das enfermidades? Do ponto onde me encontro, vejo que Deus está do lado da santidade. Vejo que a saúde não é o assunto principal das epístolas, mas sim a santidade. Embora possa parecer dificil, temos de reconhecer que, da perspectiva de Deus, há algo muito mais importante do que a cura física. Ele está disposto a sacrificar nosso bem-estar fisico em prol do nosso bem-estar espiritual. J. Sidlow Baxter tem razão quando diz que “no esquema das coisas divinamente permitidas, na verdade há uma utilidade para a enfermidade”.1 A despeito de muito estudo (e, confesso, também um forte desejo com relação aos meus próprios problemas de saúde), não encontro nenhum ensino claro na Bíblia que diga que sempre é a vontade de Deus curar ou que ele odeia a enfermidade assim como odeia o pecado. Pelo contrário, a Bíblia instrui que a enfermidade e o sofrimento desempenham um papel vital no plano de Deus para amadurecer e aprofundar nosso caminhar com ele Philip Yancey escreveu: “Nunca fica bem claro para nós como o sofrimento e o mal podem ser transformados num motivo de celebração. Mas é nisso que somos desafiados a crer”.2 12


Um ensino com perigosos efeitos colaterais O ensino difundido de que Deus está do lado da saúde e que deseja que estejamos sempre saudáveis não somente carece de base bíblica, mas também contém alguns efeitos colaterais perigosos. Eis aqui alguns, que tornam-se óbvios para mim à medida em que caminho e vou conhecendo outros cristãos. Este ensino é perigoso. Nem todos os defensores dessa doutrina condenam o uso de remédios e a ida ao médico, mas alguns fazem isso. Isso tem levado alguns dos seus seguidores à morte, trágica e desnecessária. Há poucos dias um jornal local publicou a história de um casal que foi condenado por homicídio e negligência por causa da morte da filha de nove meses, causada por uma infecção cerebral não tratada. Os pais afirmaram que estavam aplicando os ensinamentos da Bíblia, ao recusar o tratamento médico para a filha. Anos atrás um pastor amigo morreu desnecessariamente porque caiu nesse falso ensino e recusou o tratamento médico. Sua doença era tratável e curável, mas ele faleceu enquanto amigos que criam da mesma maneira permaneciam ajoelhados ao redor da cama, louvando a Deus por sua cura. Um ministro de cura advertiu seus seguidores de que, quando aparecesse na TV o programa sobre “Sinais de alerta do câncer de mama”, as mulheres deviam recusar-se a assistir. O simples ato de procurar sinais de câncer daria uma brecha ao diabo para afligi-las com a enfermidade. Tal conselho é no mínimo irresponsável. No outro extremo, pode ser mortal. Acrescenta culpa ã tristeza. Não muito tempo atrás, quando eu realizava uma conferência numa igreja, um casal me procurou com um peso insuportável. O filho deles tinha morrido recentemente. Isso já é um peso enorme para qualquer pai carregar, mas o peso mais insuportável era a culpa colocada sobre eles por amigos que disseram que a criança poderia estar viva se eles tivessem mais fé. Encontro esse tipo de situação a todo momento. Será que um verdadeiro amigo diria uma coisa dessas aos pais de luto? Quando perdemos um ente querido, sempre somos assolados pela culpa. “Será que podia ter feito mais? Por que não agi mais rápido?”. É uma parte natural do processo de luto. A culpa pesa mais, fere mais fundo e permanece mais tempo do que qualquer outra emoção que experimentamos no processo. Ela tira a mente do caminho da lógica e faz-nos sentir responsáveis por 12


coisas sobre as quais não tínhamos nenhum controle. Suscita falsas esperanças. Depois que os promotores das campanhas de cura já partiram para outra cidade e os pregadores da TV já saíram do ar, muitos pastores ficam com a tarefa de erguer a vida de membros da igreja doentes cuja fé foi abalada pelas falsas esperanças da garantia da cura. Wade Boggs diz: “Provavelmente essa tragédia espiritual e mental supera a tragédia fisica, pois nenhum desapontamento se iguala à perda da fé nas promessas de Deus. É algo muito sério dar esperanças a uma multidão de pessoas enfermas, dando-lhes garantias de que Deus sempre recompensará a verdadeira fé com cura, e depois deixar a grande maioria na desilusão e no desespero”.3 Promove a autocondenação. Intimamente relacionada com a culpa, temos a autocondenação. A culpa geralmente se revela quando não posso promover ou contribuir para a cura de outra pessoa. A autocondenação surge quando tal pessoa sou eu mesmo. Quando as pessoas são convencidas de que a cura é seu direito e herança, e mesmo assim não conseguem obtê-la, abre-se a porta para a autocondenação. “O que há de errado comigo?”, perguntam. “Por que não sou curado?” A falha em receber a cura parece-lhes uma prova inquestionável de que há algo errado com elas. Se tais pessoas crêem sem reservas na cura pela expiação, nunca lhes ocorre que o ensino pode estar errado; imediatamente supõem que o problema está nelas. Esse sentimento de condenação com freqüência é reforçado por amigos sinceros, embora malinformados, que insistem em que deve ter havido alguma falta de fé, ou pecado que não confessaram. No livro Death and the Caring Community, Larry Richards e Paul Johnson dizem: Queremos ser extremamente cuidadosos ao ministrar ao... enfermo, nunca sugerindo que a doença ou o seu progresso é culpa dele... quando a pessoa enferma não é curada, as ondas de culpa voltam mais fortes, e Deus parece ser um tirano distante e severo que retém o amor porque seu filho falhou em obedecer seus padrões rígidos. A tragédia dessa abordagem de cura é que, exatamente quando o crente mais necessita da segurança do amor e da presença de Deus, outros transformam Deus numa pessoa completamente diferente. Num momento em que o indivíduo se sente mais fraco e mais necessitado da graça para ajudá-lo, essa abordagem exige grande força como preço da aceitação e do amor. Como é bom saber que Deus não é esse tipo de pessoa.4 12


Impede que Deus nos ministre por meio das nossas enfermidades. Se cremos que as enfermidades sempre são contrárias à vontade de Deus, então estaremos ocupados exclusivamente em nos desvencilhar delas. Essa “teologia da fuga” fecha nossa mente para qualquer pensamento de que Deus pode usar a doença para o nosso bem. Em vez de lucrar com a enfermidade, nós nos lançamos numa profunda miséria, ampliando nossa capacidade de sentir cada agulha, no meio da dor e do desconforto. Tal reação à enfermidade nos torna incapazes de entender o que Madame Guyon queria dizer quando declarou: “Ah, se você soubesse que paz experimentamos quando aceitamos a tristeza”. Às vezes Deus usa a enfermidade do corpo para curar a enfermidade da alma. Hoje de manhã minha esposa e eu visitamos uma velha amiga. Nos últimos anos ela e a família foram golpeadas de maneira trágica. Tendo descoberto que tinha câncer, ela vivia entrando e saindo do hospital, não apresentando muita melhora. Hoje foi um dos raros dias em que ela se sentia bem para ir para casa. Enquanto conversávamos, ela contou sobre ficar deitada no hospital, buscando uma promessa de Deus de que tudo ficaria bem. Entretanto, a declaração que se repetia em sua mente era: “Seus olhos contemplarão o Rei”. — Não era o tipo de promessa que eu estava buscando — ela disse, com olhos cheios de lágrimas. — Entretanto, percebi que esta era a melhor promessa de todas. — Depois ela acrescentou: — Este está sendo o melhor ano da minha vida. Não tenho dúvidas de que nossa amiga continua agarrandose à esperança de cura, mas no meio tempo ela tem permitido que Deus ministre a ela por meio do sofrimento. Destrói a compaixão por aqueles que estão sofrendo. Se não tiver um limite, o ensino de que Deus quer que estejamos sempre bem produz uma atitude de julgamento como a dos fariseus, capaz de destruir todos os sinais de bondade humana. Um pastor do Tennessee por muitos anos tinha ensinado sua igreja a crer na “reivindicação da cura”. Então, seu filho pequeno contraiu diabetes. O pai, firme na fé de que Deus curaria o filho sem intervenção de médicos ou uso de remédios, manteve o menino longe desses recursos. O estado do filho se agravou. Finalmente, um colega pastor o desafiou: “Seu filho vai morrer se você não buscar ajuda”. Não foi uma batalha fácil para o pastor. Finalmente, num 12


domingo de manhã ele se levantou diante da congregação e revelou pela primeira vez a enfermidade do menino e sua decisão de buscar ajuda médica. Sabe qual foi a resposta da igreja? Demitiram o pastor sumariamente, acusando-o de ocultar pecado. Foi isso que Paulo quis dizer quando falou sobre “levarmos as cargas uns dos outros”? (Gl 6:2). O marido de uma das nossas amigas mais queridas (fiz o casamento deles vinte anos antes) subitamente viu-se no hospital, morrendo rapidamente de um tumor maligno no cérebro. Um dia, uma mulher procurou sua esposa, enviada por um evangelista com dom de cura, a quem ela tinha apoiado financeiramente. Com a confiança daqueles que não estão sofrendo, a mulher anunciou que o evangelista tinha recebido uma palavra do Senhor para ela. Seu marido estava morrendo por causa da falta de fé da esposa; ela devia corrigir a falta de fé e também tirar o marido imediatamente do hospital, pois havia demônios de morte operando lá. Darei à mensageira o benefício da dúvida, supondo que tinha boa intenção, acreditando que estava numa missão espiritual. Entretanto, será que uma palavra amável, uma mão carinhosa no ombro e uma lágrima compartilhada não trariam muito mais beneficio à esposa? Talvez este seja o tipo de pessoa que Shakespeare tinha em mente quando disse: “Ele era falso como uma cicatriz que nunca sentiu um ferimento”. Força-nos a engendrar desculpas para o fracasso. Quando se leva alguém a Cristo, nem sempre é fácil determinar se a profissão de fé da pessoa é genuína ou espúria. Na questão da cura, porém, as falhas são facilmente identificadas, principalmente se o paciente morre. Você já se perguntou por que tantas pessoas continuam acreditando na “cura para todos” mesmo diante de tantos fracassos? Parece que sempre há uma explicação: pouca fé ou pecado não confessado são as duas razões apresentadas com mais freqüência. Outra explicação que cresce em popularidade e por isso creio que deve ser mencionada aqui é a chamada cura “perfeita” ou “completa”. Essa justificativa é usada quando a pessoa para quem a cura estava sendo reivindicada morre. “Aleluia, ele recebeu a cura perfeita!” é a resposta que ouvimos com certa freqüência. Quatro pontos precisam ser destacados. Primeiro, a Bíblia nunca fala da morte como uma cura, perfeita ou não. A morte ainda é considerada na Bíblia como um 12


inimigo, o último a ser destruído. Embora as Escrituras possam referi-se à morte do cristão como um sono, nunca a descrevem como algum tipo de cura. Se uma pessoa sucumbe diante de uma enfermidade, não foi curada, ela morreu! As expressões “cura perfeita” e “cura completa” são criações dos operadores de curas, e não dos escritores bíblicos. Segundo, se a morte é a “cura perfeita”, então por que não oramos por isso em primeiro lugar? Certamente preferimos aquilo que é “perfeito” e “completo”. Por que, então não oramos pela morte da pessoa de uma vez? Terceiro, morrer não é o que temos em mente quando oramos por cura. Toda a questão envolvida na oração pela cura é evitar que a pessoa morra. Dizer depois que a morte é a “cura perfeita” é uma clara contradição. A frase é um artificio legal, uma cláusula de escape que ajuda a “livrar a cara” quando surge o fracasso na cura. Finalmente, se a morte é a cura “real”, “perfeita” ou “completa”, então por que nos perturbarmos orando? Se a pessoa tem câncer no pulmão, a enfermidade vai “curá-la” em breve, sem precisar da nossa oração. Não. Por mais que desejemos, porque o sofrimento é doloroso, Deus nem sempre quer nos ver bem. Há momentos em que ele usa a enfermidade, o sofrimento e a morte para nos ajudar a chegar mais perto dele, aprender a confiar nele e a reconhecer que ele é soberano; assim, crescemos na fé de que, apesar de não conseguirmos ver com os olhos humanos, ele tem bens muito maiores guardados para nós.

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Parte três Encontrando o propósito benéfico de Deus no sofrimento

Onde o visível e o invisível copulam, concebem uma criança chamada mistério. CALVIN MILLER, AN OVERTURE T0 LIGHT

Deixe-a vir e não tema. Deus não nos deixa sem conforto. Deixe a noite vir. JANE KENYON, LET THE EVENING COME_

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Capitulo 15 Templo divino ou vaso de barro? O cristão experimenta dor como todo mundo, mas com uma diferença redentora

Não muito tempo atrás visitei um cristão muito querido que, quando nos despedimos, exclamou: “Ame a Deus! Odeie o pecado! Cuidado com os caminhões!”. Ultimamente você tem prestado atenção nos caminhões na estrada da vida? Às vezes, como cristãos, temos a tendência de pensar que se amamos a Deus e odiamos o pecado, não precisamos temer os caminhões. É bom ser lembrados de que, apesar de sermos filhos de Deus, nosso corpo ainda é humano e está sujeito aos perigos da vida diária. Depois que apresentei uma série de palestras sobre cura, um membro da congregação perguntou qual o efeito que eu acreditava que meu ensino teria sobre o enfermo. Respondi que esperava apresentar uma visão bíblica apropriada do assunto, que ajudasse as pessoas a enfrentar a enfermidade com a atitude e o entendimento corretos — e orar de maneira bíblica. Minhas preocupações fundamentais eram ser bíblico e equilibrado. Para alcançar esse objetivo, creio que é essencial ter uma visão bíblica do corpo humano. O corpo recebeu um golpe direto na Queda e agora está sujeito a um processo de morte e degeneração. Em outras palavras, “cuidado com os caminhões!” Paulo descreve os crentes como vasos de barro (2 Co 4:7). Os vasos, porém, foram quebrados na Queda. Os cristãos são vasos quebrados. Descrevendo os resultados da Queda, Claus Westermann destaca: “O fato notável é que o trabalho da pessoa sempre é marcado por dificuldades, problemas, mesmo suor e espinhos”.1 Espinhos e cardos estão presentes em todos os campos de trabalho; a colheita exige muito suor. “Até que tomes à terra” (Gn 3.19). O homem deve labutar até

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morrer. Esse labor nunca tem fim; acompanha-nos até a morte. Mesmo na aposentadoria, as dificuldades nos acompanham. Continua presente muito tempo depois de o trabalho estar terminado. Você pode estar fazendo um cruzeiro pelo Caribe, ou gozando a aposentadoria numa casa de praia, mas as dificuldades ainda estarão lá com você. “Em sua origem e em seu destino, os seres humanos pertencem ao pó. Tudo aquilo de nobre e de elevado que pode ser dito de uma pessoa e de sua capacidade deve ser circunscrito a este limite, estabelecido para todo ser humano”.2 O corpo humano não é como Deus o criou. Como uma casa bombardeada, permanecem alguns vestigios da imagem original, mas foi terrivelmente danificada. Embora sejamos novas criaturas em Cristo, ainda fazemos parte da situação humana. Ainda compartilhamos a mesma natureza humana — se nos cortamos, sangramos como todo o mundo. O Novo Testamento, portanto, encara nossa presente salvação como principalmente confinada à parte espiritual do homem. Considere as seguintes passagens das cartas de Paulo: Por isso não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo o nosso homem interior se renova de dia em dia (2 Co 4:16). Na verdade, os que estamos neste tabernáculo gememos angustiados, não por querermos ser despidos, mas revestidos, para que o mortal seja absorvido pela vida (2 Co 5:4). A nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, o qual transformará o nosso corpo de humilhação, para ser igual ao corpo da sua glória, segundo a eficácia do poder que ele tem de até subordinar a si todas as coisas” (Fp 3:21,21). A criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação a um só tempo geme e suporta angústia até agora. E não somente ela, mas também nós que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso intimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo (Rm 8:20-23).

O corpo do cristão não difere fisicamente do corpo das outras pessoas. Nenhuma imunidade especial nos é concedida, nenhuma existência mais agradável nos é atribuida. A idéia da 13


cura pela expiação é atraente porque apela para o desejo universal de transcender a frágil humanidade de meros mortais. Os cristãos, porém, experimentam dor como todo o mundo, com essa diferença redentora: o conhecimento de que o nosso sofrimento é parte do ministério de Deus em nós. Tiago escreveu: “Tende por motivo de toda a alegria o passardes por várias provações, sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes” (Tg 1:2-4). Fiquei surpreso com uma descoberta que fiz num versículo bem-conhecido das Escrituras, o qual já tinha lido muitas vezes e sobre o qual já havia pregado. Trata-se de 1 Coríntios 10:13: “Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel, e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar”. Suportar! Pensei que iríamos escapar! Hum, Deus não pensa como eu. Para mim, livrar é livrar, mas para Deus você se livra quando é capaz de suportar. Ficamos livres no sentido de que a tentação não nos mantém prisioneiros, não somos escravos dela. Livrar-nos não quer dizer que não sentiremos a dor e a pressão. Não recebemos isenção da tribulação, mas livramento por meio da perseverança. Existem recursos celestiais concedidos ao crente que o capacitam a transformar o sofrimento em vitória e em glória. Não somente isso: temos a garantia da presença e do conforto de Deus. O corpo ainda precisa de redenção. Assim como a criança descobre que na manhã de Natal ainda há um presente sob a árvore — o melhor de todos. Para o crente, o melhor ainda está para vir! Embora a cruz de Cristo tenha levado nossos pecados, não removeu as conseqüências presentes do pecado. A cura pode estar na expiação, como muitos insistem, mas a verdade é que ainda não experimentamos tudo o que a expiação nos proporcionou. “Então virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder” (1 Co 15:24). Pedro escreve sobre essa redenção vindoura, dizendo que somos “guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para salvação preparada para revelar-se no ultimo tempo... para que o valor da vossa fé... redunde em louvor, glória e honra na revelação de Je13


sus Cristo... Por isso, cingindo o vosso entendimento, sede sóbrios e esperai inteiramente na graça que vos está sendo trazida na revelação de Jesus Cristo” (1 Pe 1:5, 7, 13). Para mim, uma das promessas mais preciosas da Bíblia é esta: “[Deusl lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram” (Ap 21:4). Aqui o apóstolo usa o tempo verbal futuro quando diz que não haverá mais morte, choro, lamento, nem dor. Dor é um tipo de palavra de sentido muito amplo no grego, indicando profunda dificuldade, tristeza, aflição, e dor de todo tipo. A frase: “As primeiras coisas passaram” resume o que acabou de ser dito. As “primeiras coisas” ou “as anteriores” referem-se às conseqüências do pecado que entraram no mundo. O apóstolo deixa claro que não só o velho céu e a terra passarão, mas também todos os seus elementos danificados. Em outras palavras, essas coisas das quais queremos nos livrar aqui e agora, não serão removidas até aquele dia. Até lá, independentemente do tamanho da nossa fé ou da intensidade da nossa oração, haverá tristeza, choro e dor na terra. Essa trindade profana — tristeza, choro e dor — marcham em “passo de ganso” pela nossa vida como se fosse a dona do mundo. Nenhum cadeado, alarme ou lei pode guardar as portas da nossa vida desses intrusos cruéis. O melhor, porém, está por vir! “Entretanto, tenho um som alegre para cada hospital, cada sala de enfermaria, para cada invalidez permanente, para cada coração quebrantado. ‘Não haverá mais dor’. Nenhum sinal de luto na porta daquela alegre residência. Aquele cujos pés tocam aquele pavimento torna-se um atleta. O primeiro beijo daquela brisa de verão alisará as rugas da face do ancião. O primeiro lampejo do trono dissipará as trevas daqueles que nasceram cegos”.3 Um dia Deus em pessoa irá enxugar toda lágrima (o grego diz literalmente, “cada lágrima”) dos nossos olhos. Naquele dia não haverá “olhos marejados”. Tudo isso, porém, ainda está para vir. As “primeiras coisas ainda não são as anteriores. Deus tem um propósito soberano ao permitir que suportemos o sofrimento. O corpo pertence a Deus e deve ser consagrado para sua glória. Aos coríntios, cuja carnalidade estava enraizada na crença de que o corpo lhes pertencia para fazerem o que lhes agradasse, 13


Paulo escreveu: “O corpo... é para o Senhor, e o Senhor para o corpo” (1 Co 6:13). Cristão carnal é aquele que crê que tem direito sobre o próprio corpo. A cura para a carnalidade é reconhecer que nosso corpo pertence ao Senhor. “Acaso não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo que está em vós... e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço”. Depois, Paulo finaliza com a conclusão lógica: “Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo” (1 Co 6: 19-20). Tendo sido comprados e pagos pelo sangue de Cristo, Paulo exortou os cristãos de Roma a “apresentar os corpos em sacrifí cio vivo e santo” (Rm 12:1). A idéia principal nesse versículo e em outros semelhantes é “glorificar”. Desde que nossos corpos pertencem a Cristo pelo direito da redenção, devem ser usados exclusivamente para sua glória. É significativo notar que em todas essas exortações não há nem uma única promessa de que se o crente obedecer ficará imune às enfermidades ou terá cura física garantida. Pelo contrário, Paulo diz que ele mesmo estava “levando sempre no corpo o morrer de Jesus... sempre entregues à morte por causa de Jesus” (2 Co 4:10-11). A razão para isso é “para que também a sua vida se manifeste em nosso corpo” (v. 10), e “para que também a vida de Jesus se manifeste em nossa carne mortal” (v. 11). Quando a sombra do martírio passou sobre a cabeça de Paulo, ele afirmou que sua ardente expectativa era que “como sempre, também agora será Cristo engrandecido no meu corpo, quer pela vida, quer pela morte” (Fp 1:20). Para os cristãos do século XXI, viver e morrer é a grande questão. Agarramo-nos à vida como se não acreditássemos na eternidade; evitamos a morte a todo custo. Para o grande apóstolo, contudo, viver ou morrer eram assuntos secundários; a questão principal era Cristo ser magnificado em seu corpo. Nosso corpo é a lente de aumento de Deus, através da qual Jesus, invisível ao mundo, torna-se manifesto. Nosso corpo é o telescópio através do qual Jesus, distante e inacessível para o mundo, torna-se próximo. O corpo do cristão é o instrumento que Deus usa para demonstrar a grandeza e a proximidade de Cristo. Às vezes esse processo é realizado por meio da cura, às vezes por meio da enfermidade. Entretanto, enfermidade ou cura têm importância secundária. O ato de Cristo ser magnificado representa tudo. Para Deus, isso é mais precioso do que saúde e cura. 13


Deus usa a enfermidade e a aflição para sua glória. Depois de ouvir que Lázaro estava doente, Jesus disse: “Esta enfermidade não é para morte, e, sim, para a glória de Deus” (Jo 11:4). Note que Jesus disse: “Esta enfermidade não é para morte”. Entretanto, Lázaro morreu! Jesus fez uma declaração equivocada? Ele estava errado? Pode parecer que sim. Jesus, porém, de fato não disse que Lázaro não morreria. Ele disse: “Esta enfermidade não é para morte”. A construção grega dessa frase é bem incomum; se traduzida literalmente seria: “Esta enfermidade não é com vistas à morte”. Em outras palavras, embora Lázaro pudesse morrer, o propósito da enfermidade não era a morte, mas a glória de Deus. O propósito de algumas enfermidades é a morte, mas não aquela em especial. Era uma oportunidade para Deus revelar suas obras; por isso, ele permitiu que Lázaro morresse. Apesar de a doença ter culminado em morte, não se tratava de uma enfermidade perigosa. Negar que Deus freqüentemente usa as enfermidades para realizar seus propósitos é lançar sombra sobre grandes nomes da história da Igreja, santos como Richard Baxter, Madame Guyon, David Brainerd, George Matheson, Francis Ridley Havergal, Amy Carmichael, Fanny J. Crosby, Annie Johnson Flint, Joni Eareckson Tada, homens e mulheres cujo sofrimento físico revelou ao mundo um Deus de plena suficiência. Imagine como a Igreja seria mais pobre sem os hinos, poemas, sermões, obras de arte e testemunhos motivados pela enfermidade e pelo sofrimento. Quanto às promessas de Deus, fazemos bem em lembrar que toda promessa que ele faz, seja para quem for, nunca é feita à custa da sua soberania sobre nossa vida. A Bíblia diz que Deus nota todo pardal que cai. Promessa maravilhosa. Note, porém: o pardal cai. O Salmo 23 nos assegura de que “ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum”. Não diz que não enfrentarei ou não sentirei o mal. Ainda temos de andar pelos vales. Richards e Johnson escreveram: Por um lado queremos afirmar que Deus cura... Embora normalmente Deus opere por meio dos processos naturais... Deus não está preso às leis naturais. Por outro lado, queremos ser bem claros ao afirmar que Deus não limita sua própria liberdade de acordo com a quantidade ou a qualidade da “fé” do ser humano. É uma completa falta de entendimento da fé encará-la como um instrumento capaz de obrigar Deus a

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agir segundo a nossa vontade.4

Muitas vezes, quando o propósito do sofrimento é alcançado, como, por exemplo, aumentar a fé ou a humildade do santo, ou preparar o crente para ministrar outros com empatia e compaixão, a enfermidade pode ser retirada. Spurgeon disse: “Aventuro-me a dizer que o maior dom que Deus pode nos dar é a saúde, excluindo-se a enfermidade. Freqüentemente a doença tem sido mais útil para os santos de Deus do que, a saúde” (grifos do autor). O ponto principal, porém, é: o que é mais importante: nosso bem-estar físico ou a glória de Deus? Nossa resposta revelará a profundidade do nosso conhecimento de Deus.

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Capitulo 16 Orando pelos enfermos Você não recebe aquilo de que não precisa

Eu temia aquela visita. Na verdade, nunca gostei de visitar hospitais infantis. A visão dos corpinhos retorcidos, das jovens faces com a palidez do câncer e da leucemia, e das cabeças raspadas e inchadas era quase insuportável para mim. Eu tinha-me formado há pouco tempo no seminário e pastoreava uma igreja. O bebê de um jovem casal subitamente contraiu uma enfermidade misteriosa. Depois de poucos dias, estava internado em estado grave. Vários exames foram feitos, mas não indicaram nada. Os médicos estavam perplexos. A febre do bebê tinha aumentado tanto que havia o risco de danos cerebrais e até morte. Eu visitava os pais desesperados diariamente no quarto do hospital, tentando confortá-los o melhor que podia. As visitas sempre terminavam com oração. Um dia, quando nos aproximamos da cama do bebé para orar, algo estranho aconteceu. Subitamente, fui tomado pela presença de Deus; sabia que Deus queria curar aquela criança. Não sei como sabia, simplesmente sabia. Nunca tivera tanta certeza de uma coisa em minha vida. Quando orei, coloquei a mão na cabeça febril da criança, pedi a Deus que a curasse e agradeci a ele por fazê-lo. Dentro de poucos dias o bebê recebeu alta do hospital, curado. Em outra ocasião, fui chamado ao Hospital Parkland, em Dallas. Um membro da nossa igreja tinha sido internado com graves problemas renais. Sua esposa me telefonou e pediu para ir lá visitá-lo. Quando cheguei à UTI, vi o membro da igreja (que raramente ia aos cultos) preso à máquina de hemodiálise. Não creio que já tenha visto um homem tão assustado. Sua expectativa de vida, de acordo com os médicos, era de poucas

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semanas. Quando me viu, começou a implorar que eu orasse por ele, prometendo a Deus que se fosse curado dedicaria toda sua vida para servir a Cristo. Eu sabia que não podemos barganhar com Deus e que ele não se impressiona com nossas promessas. Mesmo assim, ao ficar ao lado da cama daquele homem, eu sabia que Deus iria curá-lo, a despeito da vida que ele levava. Pensei: “Quem sabe, isso realmente possa transformar sua vida”. Colocando minha mão na cabeça dele, orei pedindo a intervenção de Deus e a cura daquela enfermidade. Quando terminei, disse-lhe que Deus tinha ouvido nossa oração e que ele ficaria bom. Enxurradas de agradecimentos e de promessas se derramaram de sua boca. A última coisa que ele disse quando eu saía do quarto foi: “Estarei na igreja no primeiro domingo depois que sair daqui”. Deus o curou e dentro de poucos dias ele tinha saído do hospital. Chegou o primeiro domingo, mas ele não foi à igreja. Também não foi no segundo domingo, nem no terceiro. Então eu senti que Deus estava me dando uma estranha mensagem: ir à casa daquele homem, ler uma passagem da Bíblia e sair. Eu estava nervoso ao me sentar na sala. Nunca tinha feito nada semelhante a isso antes. — Bill — eu disse — Deus me enviou aqui com uma mensagem para você. Ele se sentou quieto enquanto eu abria minha Bíblia em João 5 e lia sobre o homem que fora curado no poço de Betesda. Cheguei à mensagem do versículo 14: “Mais tarde Jesus o encontrou no templo e lhe disse: Olha que já estás curado; não peques mais, para que não te suceda coisa pior?” (grifos meus). Levantei-me para sair e disse: — Bill, Deus ainda não fez o pior. Nunca mais vi aquele homem. Logo depois a família mudouse. Até onde sei, porém, Bill nunca cumpriu nem uma única promessa que tenha feito a Deus. Aprendi uma coisa naquela experiência: milagres não nos deixam mais espirituais (veja Regra 4 no Cap. 10). Desde então, têm acontecido vários incidentes semelhantes. Quando acontece, não fico suando e me esforçando para crer que Deus vai curar; é fácil para mim crer. É fácil porque é um dom — dom concedido por Deus ao meu coração, dom este que torna possível “a oração da fé”. Há, porém, muitas outras ocasiões em que lutei para crer, jejuei e orei pela cura de uma pessoa, mas a cura não ocorreu. Muitas vezes toda nossa igreja jejuou e orou, creu e clamou, mas 13


a cura não ocorreu. Por quê? J. Sidlow Baxter escreveu: “Se uma fé especial tem de ser o agente que busca e traz a cura, então Deus inspirará tal fé. As únicas ocasiões (sejam poucas ou muitas) em que tal fé não é concedida são aquelas nas quais o desígnio de Deus é algum importante ministério espiritual que ocorrerá por meio da enfermidade permitida... Conheço cristãos doentes que foram curados, não da enfermidade, mas por ela”.1 Se a enfermidade for um meio de disciplina, ao finalizar seu propósito de refinamento, Deus pode achar adequado curar. Seja qual for a razão específica para algumas aflições, creio que sempre devemos (a menos que tenhamos uma plena convicção do contrário) orar por cura, deixando a decisão final sobre a questão. É sempre adequado com Deus orar pelo que cremos ser uma necessidade legítima. Evidentemente, Deus pode nos mostrar que o que consideramos uma necessidade na verdade não é. Entretanto, é seguro dizer que se a cura é uma necessidade reconhecida por Deus, seremos curados. Com base em Filipenses 4:19 — “o meu Deus, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir em Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades” — um lema da minha vida é: “Você não recebe aquilo de que não precisa”.

Necessidades legítimas versus imaginárias O segredo é discernir entre uma necessidade legítima e uma necessidade imaginária. O filho de Deus não está mais qualificado para decidir o que é melhor para si nas questões espirituais do que um homem natural nas questões materiais. Todos os pais travam essa batalha constante com os filhos. Freqüentemente eles interpretam as ações dos pais como injustas e que não demonstram carinho, quando na verdade são atos de amor. O salmista declarou: “[O Senhor] nenhum bem sonega aos que andam retamente” (Sl 84:11). Se a cura é o melhor para nós, Deus não a sonegará. Por isso, mesmo quando oramos por cura devemos reconhecer que somente nosso Pai celestial sabe do que realmente necessitamos; se ele escolhe não conceder a cura desejada, é porque tem algo infinitamente melhor para nós.

O próximo passo Se não somos curados, mesmo depois de termos feito tudo o que sabíamos, o próximo passo é aceitar nossa aflição como parte da obra que Deus está completando em nós. Para Deus, caráter é 13


muito mais precioso do que conforto. Muitas vezes ele utiliza circunstâncias desconfortáveis para fortalecer nosso caráter. Quando tais circunstâncias realizam seu propósito, então Deus pode mudá-las. Entretanto, mesmo que ele não faça isso, estará tudo bem porque nosso caráter já foi tão fortalecido que seremos capazes de viver sob circunstâncias desagradáveis. A experiência de Paulo com o espinho na carne é um exemplo perfeito de um caráter transformado alegrando-se no meio de circunstâncias que não foram mudadas. Os autores do livro Death and the Caring Community dizem: Embora a morte seja inevitável para todos exceto para os integrantes da geração final (1 Ts 4:13-18), a data da morte de qualquer indivíduo não é. Depois que os primeiros “por quês” são pronunciados, a comunidade que cuida pode e deve reunir-se em torno do indivíduo, orando a Deus pela cura... Sempre é apropriado apresentar as necessidades a Deus... Deus pode escolher responder a oração por cura... ou pode escolher não intervir. Então, o indivíduo e a comunidade encontrarão graça para afirmar a fidelidade de Deus a despeito do aparente silêncio.2

Em Filipenses 4:6-7 Paulo diz para não ficarmos ansiosos com o que quer que seja, mas para orarmos por tudo. Ele não promete que, fazendo isso, Deus removerá aquilo que nos preocupa. Ele promete que a paz de Cristo guardará nosso çoração e nossa mente.

E quanto a Tiago 5:13-15? Geralmente, quando pensamos sobre oração por cura, Tia go 5:13 - 15 imediatamente nos vem à mente. Automaticamente associamos esse texto com a cena familiar em algumas igrejas e em campanhas de cura, na qual a multidão aflui à frente em fila para receber unção e oração. Alguns ministérios de cura baseiam-se totalmente nessa passagem difícil e controvertida. Portanto, é um texto que exige uma investigação cuidadosa. O versículo 15 declara: “A oração da fé salvará o enfermo”. Comentando sobre este texto, Curtis Vaughn escreveu: “O fato de a promessa ser afirmada em termos incondicionais suscita um problema, pois obviamente oração de fé nem sempre resulta em cura física”.3 O problema é real, pois a oração da fé nem sempre resulta em cura. Quem pode duvidar da fé daqueles que crêem a ponto de estarem dispostos a deixar um filho morrer em vez de receber 14


tratamento médico? A morte em face de uma fé tão tenaz e inabalável exige que perguntemos: “Quanta fé é preciso ter?”.

Uma visão geral Acima de tudo, porém, meus irmãos, não jureis nem pelo céu, nem pela terra, nem por qualquer outro voto; antes seja o vosso sim, sim, e o vosso não, não, para não cairdes em juízo. Está alguém entre vós sofrendo? Faça oração. Está alguém alegre? Cante louvores. Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados (Tg 5:12-15).

Você notou que comecei no versículo 12; creio que a admoestação contra o juramento levou Tiago aos versículos seguintes Alfred Plummer afirma: “Imprecações não são a maneira correta de alguém expressar seus sentimentos, por mais fortes que sejam e qualquer que seja o tipo. Não há, porém, nenhuma necessidade de sufocar tais sentimentos, ou fingir diante de todos que não temos emoções”.4 Os cristãos precisam ter um sistema de escape seguro que evite expressarem seus sentimentos de forma errada. “Esse sistema de segurança é claramente indicado pelas regras apresentadas por Tiago. Que a expressão dos sentimentos seja um ato de adoração... pelo próprio ato por meio do qual exibimos nossas emoções, ficamos protegidos do mal que elas podem produzir” .5 Tiago seleciona três exemplos de experiências emocionais cristãs e sugere qual deve ser a expressão apropriada de cada uma: “Está alguém sofrendo?” (a emoção): “Faça oração” (a expressão). “Está alguém alegre?” (a emoção): “Cante louvores” (a expressão). “Está alguém doente?” (a emoção): “Chame os presbíteros” (a expressão). A seção termina com o terceiro exemplo, chamando os lideres para orarem pela pessoa enferma. Isso levou Tiago a fazer a afirmação no versículo 15 sobre a oração da fé que levanta o crente enfermo. A chave para entender esta passagem é reconhecer que os versículos 14 e 15 precisam ser separados no nosso raciocínio, 14


pois Tiago está falando de duas coisas diferentes. Está dizendo (1) que o crente enfermo deve chamar os líderes da igreja para orarem por ele e (2) que a oração da fé levantará o enfermo. Ele não está dizendo que todas as vezes que os presbíteros orarem por um enfermo, ungindo-o com óleo, haverá uma cura. O que ele Está dizendo é: se estamos enfermos, devemos chamar os líderes para orar em nosso favor e naquelas ocasiões em que a oração da fé for oferecida, o enfermo será levantado. Por que essa interpretação? Porque as palavras para oração e enfermo são diferentes nos dois versículos. Vamos compará-las. Versículo 14: a palavra grega para enfermo é astheneo, que significa estar doente, frágil ou fraco. É usada em Atos 20:35 para indicar estar com necessidade financeira.6 “Façam oração” traduz uma forma verbal da palavra grega proseuchomai, a palavra mais freqüente para oração a Deus. É usada 87 vezes no Novo Testamento. Versículo 15: Aqui a palavra para enfermo é kamno, encontrada apenas três vezes no Novo Testamento, significando estar fraco, fatigado. Só pode indicar alguém que está enfermo sem esperança e piorando. “Na esfera física, esta palavra significa ‘enfermo sem esperança’; quer dizer, doente a tal ponto que a morte torna-se iminente. Freqüentemente era usada para descrever pessoas mortas”.7 “E a oração da fé” traduz uma palavra para oração que é empregada apenas três vezes no Novo Testamento, eukee. Somente em Tiago é traduzida como oração. Em Atos 18:18 e 21:23 é traduzida como voto; assim, significa mais do que uma oração no sentido usado no versículo 14. É a oração em cumprimento de um voto. É difícil acreditar que Tiago, escrevendo sob a direção do Espírito Santo, fizesse uma mudança tão óbvia de palavras sem uma razão específica. Será que fez isso porque estava falando de dois casos diferentes, embora relacionados?

Uma visão minuciosa Vários pontos são dignos de atenção. Vamos começar com o versículo 14. (1) É a pessoa enferma quem chama os líderes. Os presbíteros não procuram o enfermo, nem iniciam o contato. Não serei dogmático aqui declarando que é biblicamente incorreto que os operadores de cura percorram o país, realizando reuniões de unção. Entretanto, tal prática não pode ser honestamente 14


baseada em Tiago 5:14, pois de maneira alguma é isso que o autor tem em mente. O homem do versículo 14 está enfermo, enfraquecido desanimado demais para ir aos cultos. Sua condição é tal que o presbíteros precisam ir até ele — atendendo seu convite. (2) Os presbíteros devem orar pelo crente enfermo, “ungindo o com óleo”. Comum no mundo antigo, tal unção é um enigma para nós. Ninguém pode dizer com certeza como Tiago imaginava que funcionaria o óleo. Podia tratar-se de um remédio. Os antigos acreditavam que o óleo, principalmente o azeite de oliva, possuía certas propriedades terapêuticas. Galeno refere-se ao óleo como “o melhor de todos os remédios para paralisia”. Os rabinos judeus eram conhecidos por usar azeite quando visitavam os enfermos, e o Bom Samaritano aplicou azeite e vinho aos ferimentos do homem atacado pelos ladrões (Lc 10:34). Alguns encaram o óleo como um símbolo do Espírito Santo. O óleo é freqüentemente usado na Biblia com esse sentido, e ungir o enfermo com óleo seria um reconhecimento do poder do Espírito para afastar a enfermidade. Outros encaram o óleo como um aditivo da fé. Outros ainda acreditam que todo o ritual estava confinado ao período apostólico. Seja qual for o significado do óleo para Tiago, o ponto importante é que é o Senhor quem levanta o enfermo, não a unção com óleo ou a oração dos líderes. Seria errado padronizar todos os procedimentos concernentes à cura de acordo com as palavras de Tiago. Como já vimos nos capítulos anteriores, Jesus e seus discípulos não se limitavam a nenhum método ou procedimento na cura. Tiago está apenas mencionando um meio de fazê-lo. Não é de surpreender que haja muita discórdia sobre as atuais aplicações desta passagem. Muitos insistem que todo o procedimento terminou com o final da era apostólica. Podem estar corretos, mas, pessoalmente, não vejo nada de errado em um cristão com uma enfermidade grave chamar os líderes da igreja para orar por ele. Se o enfermo crê que a oração e a unção com óleo irá encorajar sua fé e glorificar a Deus, eu particularmente nunca lhe negaria tal direito.

A oração da fé Vamos agora para o versículo 15. Dois pontos importantes precisam ser estabelecidos. O primeiro relaciona-se com a expressão “a oração da fé”. Será que Tiago queria dizer que 14


quando oramos por cura, ela ocorrerá se crermos de verdade? Já notamos que tal oração nem sempre resulta em cura fisica. O que, então, Tiago queria dizer? Creio que Tiago está se referindo a um tipo específico de oração, produzida pela concessão divina de fé. No texto grego há um artigo definido antes de “oração” — “a oração da fé”. O uso do artigo definido no grego tem um significado especial: “A função básica do artigo no grego é mostrar a identidade individual”.8 A oração da fé é mais do que orar com fé. E uma oração especial e específica que Deus nos capacita a oferecer, atribuindo-nos uma fé sobrenatural na cura. É uma fé dada por Deus e uma oração inspirada por ele. Em seu clássico livrete The Bible and the Body (A Biblia e o Corpo), R. V. Bingham diz: A questão se Deus tenciona curar por meios naturais ou sobrenaturais geralmente será indicada na consciência daqueles chamados a orar. Às vezes Deus se move na fé que é capaz de proclamar cura instantânea e quando tal oração inspirada é oferecida, a resposta é imediata e todos os outros meios tornam-se desnecessários... Por outro lado, já estivemos presentes em reuniões em que por varias horas foram feitas orações em favor de um filho de Deus aflito, quando os presentes proclamavam que estavam “debaixo da Expiação” e insistiam que tinham o direito de reivindicar a cura e nada ocorreu, apesar de se esforçarem mais, com maior fervor e zelo.9

Durante muitos anos W. D. Evans foi pastor da Missão Sunbridge Road em Bradford, na Inglaterra. Pouco antes de se aposentar, fui preletor numa série de reuniões em sua igreja e ouvi algumas de suas experiências memoráveis com curas. Eis uma das que ele compartilhou comigo por carta, e que ilustra este ponto. “Minha esposa era professora numa escola local. Um dia ela veio para casa com um estranho pedido. Uma de suas colegas, chamada Margaret, sonhava há muito tempo ter um filho, mas clinicamente não tinha muita esperança. Ela e o marido pediram para que eu orasse para que Jesus, o Senhor da Vida, lhes desse um bebê. “O pedido me foi feito numa quinta-feira. Nas noites de quinta-feira eu tinha uma classe de estudo bíblico. Convidei os alunos para orarem junto comigo. Nós oramos todas as quintas-feiras, por quase três meses, até que ouvimos a notícia maravilhosa de que Margaret estava grávida.”

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“Mais tarde, naquele ano, fui convidado para ir pregar na Tailândia, numa escola bíblica mantida por missionários. Seria uma visita perigosa e cara; por isso coloquei o convite diante de Deus e pedi para que me mostrasse sua vontade, e ele mostrou.” “Poucas semanas depois, eu estava visitando um hospital na nossa cidade quando fui chamado pelo sistema de alto-falantes: deveria ir imediatamente à maternidade, que ficava a alguns quilômetros de distância. Quando cheguei ao outro hospital e estava entrando, o Senhor me disse claramente: “Essa criança viverá”. Naquele momento eu nem sabia de que criança se tratava. A funcionária da Unidade de Bebês Prematuros estava aborrecida por eu ter demorado tanto. O bebê estava morrendo. Entretanto, eu coloquei as roupas apropriadas do hospital, disse à mulher para não se preocupar que o bebê ficaria bem e entrei no berçário. Pediram-me para dizer o nome do bebê antes que ele morresse. Clinicamente, não havia mais esperança. Então percebi que era o nosso “Bebê do Estudo Bíblico” que tinha chegado com demasiada antecedência; mesmo assim, ainda senti uma intensa alegria e uma grande certeza naquela vida que estava por um fio. A enfermeira mais tarde desculpou-se com os pais — pensou que eu estava bêbado, de tão feliz que eu estava com o bebê. Quando vi a mãe, ela presumiu que o bebé tinha morrido. Minha resposta foi: ‘O Senhor não respondeu nossa oração apenas para tomá-la no nascimento. Ela ficará boa’. Oramos uma oração de gratidão, e eu viajei para a Tailândia, louvando ao Senhor por terme mostrado sua grandeza e seu poder.” “Susan Elizabeth agora está com onze anos de idade e é absolutamente linda.”

Enfermidade de pecado “Se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados.” Este é o segundo ponto importante no versículo 15. Tiago estabelece um elo significativo entre enfermidade e pecado. Ele continua o raciocínio no versículo seguinte: “Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros, para serdes curados. Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo” (v. 16). Quando Tiago diz no versículo 15: “Se houver cometido pecados”, sabemos que ele não está considerando que o homem em questão seja isento de pecados. No que diz respeito ao nosso pecado, não é preciso usar o “se”. Não, Tiago não está falando em termos gerais, implicando que enfermo pode estar livre de pecados. À luz do contexto, ele 14


quer dizer: “Se ele pecou de alguma maneira que trouxe essa enfermidade sobre ele”. A palavra grega “cometido” é um particípio perfeito usado na condição perifrástica perfeita ativa subjetiva de terceira-classe (essa informação é para advogados, médicos e escritores de cartas comerciais, apólices de seguros e termos de garantia). Significa que existe a possibilidade — ou a probabilidade — de que a enfermidade tenha sido causada por pecado. Curtis Vaughn destaca: “Essas palavras sugerem que a enfermidade em alguns casos pode ser devida ao pecado da pessoa. Em tal caso, a realização de uma cura miraculosa seria uma indicação clara de que os pecados foram perdoados”. 10 O ponto critico que considerar aqui é o elo óbvio que há entre enfermidade e pecado. A conclusão possível seria: Tudo o que Tiago ensina aqui sobre oração aplica-se somente às enfermidades causadas por pecado. Seguindo a regra de interpretação que diz para interpretar todo texto à luz do seu contexto, temos base mais do que suficiente para chegar a tal conclusão.

Alguns princípios para orar por cura Depois de nossa jornada através da selva de Tiago 5:13-15, quero sugerir algumas diretrizes para orar pelos enfermos. Não são regras, pois não existem ações fixas e finais sobre esta questão. Na análise final, “apenas fazemos” o melhor que podemos, dentro do que sabemos, confiando que Deus entenderá nosso coração e perdoará qualquer quebra de protocolo. 1. Seja honesto sobre sua condição — com você mesmo, com os outros e com Deus. Você poderá ser acusado de pensamento negativo, mas lembre-se: existe uma linha muito tênue entre o pensamento positivo e a mentira. Não é errado ficar doente. 2. Ore e peça a Deus que lhe dê direção sobre como orar. 3. Ore pela cura vinda de Deus. 4. Use a melhor ajuda médica disponível. 5. Confesse seus pecados. Se você ofendeu alguém ou pecou contra qualquer pessoa, busque reconciliação. 6. Ore comprometendo-se a aprender bem tudo o que Deus quer ensinar por meio da enfermidade. 7. Não coloque Deus à prova, exigindo que ele cure. 8. Não julgue o caráter de Deus com base em sua condição de saúde. 9. Lembre-se de que no coração do cristianismo há uma 14


cruz, e ore para que Deus use sua enfermidade como um meio de levar outras pessoas a ele. 10. Quando não souber como orar, ore assim: “Pai, glorifica o teu nome” (Jo 12:27-28). Se, porém, no final de tudo, Deus diz “não”, o que podemos fazer?

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Capitulo 17 Quando Deus diz “não” Deus freqüentemente age fora dos limites que estabelecemos para ele

Deus não respondeu a algumas das minhas maiores orações. Conheço a frustração que a resposta negativa de Deus nos causa quando esperamos que ele diga “sim”. Embora Deus tenha respondido minhas orações por cura em várias situações fora da família, minha mãe morreu de câncer aos 60 anos, apesar de minhas orações fervorosas e também da oração de muitas outras pessoas. Meu filho mais velho, que sofria de distúrbio maníaco-depressivo, tirou a própria vida aos dezoito anos de idade. Não estávamos “esperando” que Deus o curasse. Sabíamos que ele curaria. Deus tinha-nos dado uma promessa que Kaye mantinha presa na porta da geladeira. Meu sogro morreu de câncer aos 62 anos. Em 1990, meu pai também morreu de câncer. Em se tratando de cura, há uma questão que assola a todos e para a qual não existe uma resposta satisfatória: “Por que Deus cura algumas pessoas e outras não?”. Eddie e Michele Rasnake são amigos muito queridos e membros da liderança da Igreja Batista de Woodland Park, em Chattanooga, Tennessee. Logo depois do nascimento do quarto filho, Michele começou a sentir uma dor forte nas costas, a qual tornou-se insuportável. No dia 8 de outubro de 1992, aquela linda esposa e mãe de 30 anos de idade soube que sofria de um tipo gravíssimo de linfoma. O tumor estava presente nos seios, no peito, nos ombros, no figado, no braço, em três locais na espinha e na pélvis — um estágio muito avançado de câncer. Os médicos lhe deram de 20 a 40 por cento de chances de sobreviver. Na realidade, era uma sentença de morte. Os exames e o tratamento causavam grandes dores. Ela teve 14


uma reação violenta a uma transfusão de sangue. O vale tornavase mais sombrio a cada dia. Aqueles que estavam próximos a ela oravam e jejuavam por sua cura, mas Michele apenas piorava. Tinha de ser envolvida em gelo por causa da febre. Sofreu meningite química por causa do tratamento de quimioterapia. As dores de cabeça faziam sua cabeça estremecer violentamente a cada minuto. Os médicos lhe deram morfina por causa da dor e duas horas depois tiveram de dobrar a dose. “Nos momentos mais críticos”, Eddie lembra, “tudo o que conseguíamos fazer era ler Salmos. Chegamos num ponto em que lemos Salmos por quase duas horas até que recolocamos as coisas na perspectiva certa (grifos do autor). Um advogado foi contratado para acertar as pendências legais do casal. “Eu estava chegando ao ponto de encarar a realidade de que talvez ela não sobrevivesse”, diz Eddie. Um batimento cardíaco irregular trouxe uma nova preocupação. Outra biópsia, realizada no dia 9 de março de 1993, mostrava que o câncer ainda estava presente na espinha. Mais exames foram recomendados, juntamente com outra biópsia. Na noite anterior à segunda biópsia buscou ao Senhor e ele foi fiel. “Eu sentia”, diz Michele, “como se tivesse ido o mais longe que podia, que tinha suportado tudo o que podia. Eu brincava com Eddie dizendo que se ele acordasse de manhã e nosso carro tivesse sumido, não devia sair para me procurar”. “Depois de um tempo, senti Deus falando no meu espírito. Ele dizia: ‘Já é suficiente’ e ‘vou fazer algo grandioso’. Sentia grande empolgação. Não sabia se Deus iria curar-me ou levar-me para junto dele na glória. Não importava. A alegria e a paz de estar na presença de Deus eram maravilhosas”. No dia 17 de março de 1993, os médicos fizeram a segunda biópsia. Não havia câncer. Nenhuma célula. Em lugar nenhum. Um milagre de Deus tinha colocado Michele num estado de total remissão. “O maior milagre não foi ele ter-me curado, mas que sua graça foi suficiente para nós, em todos os passos do caminho”, diz Michele. “Eddie sempre diz: — Não é a história da nossa grande fé. Esta é a história da fidelidade de Deus”. Conversei com Eddie recentemente e estávamos discutindo a questão “por que uns sim e outros não?” da cura. Ele admitiu que não entendia. “Algumas pessoas que passaram pelo mesmo processo pelo qual Michele passou não sobreviveram”. Deus já disse “não” para você? O que você deve fazer? Volte 14


ao Capítulo 16 e releia os principios sobre oração por cura e então ore novamente. O que você tem para perder? Creio que devemos preencher todas as lacunas — se o diabo estiver em uma delas, você o descobre. Se Deus continua dizendo “não”, temos de reconhecer que não existe ninguém capaz de anular uma decisão dele, não existe nenhuma suprema corte à qual possamos recorrer. Temos de concluir que a resposta para a questão “Por que Deus cura algumas pessoas e outras não?” é um mistério divino.

A soberania de Deus Quando subitamente confrontados com o mal, o sofrimento e a morte na própria família, muitos cristãos, pela primeira vez, defrontam-se com sérias dúvidas sobre a bondade de Deus e o seu interesse pela vida pessoal de seus filhos. A vida os esbofeteou na face. Encontraram um grande obstáculo na estrada do sucesso. Assim, a dúvida levanta questões não somente sobre o providencial de Deus, mas também sobre a validade da oração da fé e dos milagres. Sempre foi um dogma do cristianismo a idéia de que Deus criou o mundo e o governa com bondade e justiça. A fé cristã afirma que Deus está presente e ativo no mundo, para realizar seus propósitos divinos e alcançar seus objetivos de realização para cada criatura. Deus está ativo no mundo hoje? Ele intervém nos negócios pessoais do seu povo? Ele responde orações e honra a fé? Essas questões não eram prementes no período inicial do pensamento cristão (nem são para a maioria de nós, até que recebemos as más notícias). Por séculos os crentes encontraram consolo — e ainda encontram — no entendimento de que suas vidas estavam à sombra do cuidado divino, ou do que chamamos de “providência”. Por providência quero dizer a ação contínua de Deus, por meio da qual ele preserva sua criação e a conduz em direção da realização dos seus propósitos. Desde o século XVII, porém, que trouxe consigo a era do Iluminismo, o pensamento científico e filosófico tem entrado em crescente conflito com a crença nos milagres, na providência e no valor da oração. Agostinho (354-430 d.C.) talvez tenha sido o maior teólogo da antiguidade. Ele desenvolveu uma teoria complexa da relação entre a atividade divina e a atividade humana. Por um lado, a soberania divina, os decretos e a providência reinam absolutos sobre toda a história; Deus controla toda a ação humana. Por outro 15


lado, Deus age através de causas finitas, tanto naturais como humanas (por exemplo, oração, fé, médicos e remédios). Tomás de Aquino (1225- 1274), um teólogo italiano, afirmou que Deus pode agir diretamente no mundo e também por intermédio de causas finitas. A teologia católica romana em geral segue esse ensinamento até os nossos dias. João Calvino (1509- 1564) foi o pai da doutrina e da teologia Reformada. Ele afirmou que Deus tem o controle absoluto do mundo, e que sua vontade divina é a causa de todas as coisas. Cada gota de chuva, cada pássaro que voa é governado e determirado pelo plano e pela vontade de Deus. Às vezes Deus opera através de causas intermediárias ou secundárias, às vezes sem elas, e às vezes em oposição a elas. O desenvolvimento da ciência nos séculos XVII e XVIII, com seu interesse exclusivo nas causas naturais e na interpretação dos eventos naturais, levou às dúvidas sobre a realidade da atividade divina no mundo.

O inicio do deísmo Um escritor inglês do século XVII, chamado Lorde Herbert de Cherbury, é geralmente considerado o pai do deísmo. O deísmo afirmava que Deus criou o mundo e em seguida deixou-o viver de acordo com suas leis naturais inexoráveis. A pressuposição era de que uma vez que a criação estava completa, Deus se retirou e nunca mais se envolveu ativamente no universo. Os teólogos deístas usam a comparação clássica de Deus como um fabricante de relógios que “deu corda” no mundo uma vez por todas no início e agora o deixa funcionar sem seu envolvimento. Evidentemente, essa negaçao de qualquer intervenção divina direta na ordem natural contradiz o cristianismo ortodoxo. Para todos os propósitos práticos, o deísmo está morto, mas seu legado continua até nosso século. Seu significado histórico é grande e ainda vemos sua influência no pensamento religioso atual. Como resultado, entre os teólogos liberais e secularistas, a interpretação da atividade divina na forma de “milagre” quase desapareceu. Milagre tornou-se simplesmente o nome religioso de um evento. A maior parte dos cristãos conservadores, entretanto, ainda crê que Deus continua a intervir em seu mundo por meio de milagres, da providência e em resposta às orações. 15


Quando a doutrina se torna pessoal A maioria dos cristãos pode ver as atrocidades cometidas na Bósnia e na Somália pela TV, pode assistir a cenas do Holocausto, ler nos jornais relatos de mortes sem sentido, fome e acidentes aéreos — sem nunca questionar a bondade de Deus ou duvidar de seu poder e disposição para intervir em favor do seu povo. Apenas quando o mal nos toca pessoalmente é que, de repente, somo inundados com as dúvidas e começamos a fazer perguntas que nunca fizemos antes. Por isso Hans Kung pode dizer: “Muitas pessoas hoje têm menos dificuldade em crer num Criador do que tinham em cre em um Governante de todas as coisas”.1 Em 1981 o rabino Harold Kushner escreveu um livro chamado When Bad Things Happen to Good People (Quando Coisas Ruins Atingem Pessoas Boas), no qual conta como se sentiu diante da morte de seu filho de 14 anos, de progéria, aquela doença horrível do envelhecimento precoce. Um repórter perguntou-lhe por que havia escrito o livro. Ele respondeu que, tendo sido rabino por muitos anos, tinha visto a morte de muitas pessoas e realizado muitas cerimônias de funeral. Entretanto, nunca havia questionado sua crença em Deus. Somente quando viu seu filho inocente morrendo daquela doença terrível, a dúvida começou a sitiar sua fé. Kushner escreveu: “Creio em Deus. Entretanto, não creio nas mesmas coisas sobre ele, nas quais acreditava anos atrás, quando estava crescendo ou quando era estudante de teologia. Reconheço as limitações dele”.2 Logo no início do livro ele diz: “Deus não deseja que você fique doente ou inválido. Ele não fez você ter tais problemas, nem deseja que os tenha, mas também não pode fazer tais problemas irem embora. Isso é algo difícil demais, até mesmo para Deus”.3 Para Kushner, a solução era simples: Reduza o Deus soberano e onipotente a um Deus bom mas limitado e você pode continuar crendo em Deus e aceitar a morte de uma criança inocente. Pouquíssimos cristãos ortodoxos aceitariam tal solução, mas devemos admitir que duvidamos quando Deus não intervém em nossa situação pessoal. Assim, permanece o mistério. Entretanto, podemos encontrar ajuda se nos lembramos de que Deus sofre junto com o seu povo.

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Deus sofre junto com você A disposição e a capacidade de Deus para o sofrimento eram considerados ensinos heréticos no passado. Entretanto, o Deus que encontramos na Bíblia é um Deus que sofre com seu povo. Ele não somente “libertou o povo de Israel da escravidão e fez deles uma grande nação, mas também... compartilhou sua total humilhação, impotência e sofrimento quando foram derrotados pelos inimigos e levados para o exílio numa terra estranha”.4 Uma ilustração do sofrimento de Deus encontra-se em Isaías 54:7-8. Embora Deus, em lágrimas, permita o juízo, ele não abandona aqueles que sofrem: “Por breve momento te deixei, Mas com grandes misericórdias torno a acolher-te; Num ímpeto de indignação Escondi de ti a minha face por um momento; Mas com misericórdia eterna me compadeço de ti, Diz o Senhor, o teu Redentor”.

Era isso que John Donne devia ter em mente quando escreveu: Embora com nuvens de ira tu escondas tua face, Por trás dessa máscara conheço teus olhos, Os quais, embora às vezes se desviem, Nunca, nunca, me desprezam.

Deus não é um Deus impassível, que fica indiferente à nossa dor. Pelo contrário, por meio de Jesus Cristo, como diz Hebreus 4:15, ele foi tentado em todas as coisas, mas sem pecado. Ele não só sabe como nos sentimos, mas de fato se compadece de nós em nossa fraqueza. A palavra grega para “compadecer” significa compartilhar a experiência de outrem. Não devemos interpretar isso num sentido psicológico, mas num sentido existencial. O Exaltado sofre junto com a fraqueza daquele que é tentado. O versículo 16 diz: “Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna” (grifo do autor). O “portanto” aponta para o que foi dito anteriormente sobre nosso Senhor. Sendo assim, podemos nos achegar com confiança. Por quê? Porque Jesus sabe exatamente como nos sentimos, ao ponto de compartilhar a experiência conosco. Em vez de as orações não respondidas nos afastarem de Deus, deveriam

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fazer-nos chegar mais e mais perto dele.

Deus é soberano Quando questionamos as ações de Deus ou duvidamos de sua fidelidade, somos criaturas finitas, com mentes finitas, tentando entender um Deus infinito. Em muitos aspectos criamos Deus à nossa própria imagem, esperando que ele aja como nós agiríamos; nós o julgamos pelos nossos padrões, forçando sobre ele as nossas definições de bondade, integridade e justiça. É uma dura lição aprendermos que humanos precisam de um sistema de justiça, mas que Deus não precisa. Deus estabelece os padrões para o comportamento humano, mas ele próprio não está sujeito a tais padrões, a menos que assim escolha. Desde o início da nossa caminhada cristã aprendemos, às vezes erroneamente, como Deus age. Começamos a achar que sabemos tudo sobre Deus. Como um pastor me disse recentemente: “Já entendi tudo sobre Deus”. Palavras assustadoras. Deus, porém, com freqüência ultrapassa as linhas que delimitamos para ele. Duas sugestões podem ser úteis aqui. Primeira, Deus opera num esquema diferente do nosso. Somos criaturas limitadas na questão tempo — espaço; tudo o que acontece conosco ocorre no tempo e no espaço. Dolorosamente conscientes do nosso tempo limitado e de que ele está passando rapidamente, elaboramos calendários, usamos relógio e marcamos compromissos na agenda. Para nós, existe um passado, um presente e um futuro. Para Deus, existe apenas o presente, o eterno agora. Invariavelmente, Deus leva mais tempo para agir do que esperamos, como fez com Abraão e Sara, com Moisés, como quase sempre faz. Ele age a longo prazo, pois para ele mil anos são como um dia e um dia é como mil anos (posso me identificar com este último). Esta vida presente só faz sentido à luz da eternidade. Com Deus, a oportunidade é mais importante do que o tempo. Segunda, Deus trabalha num sistema de valores diferente. Para nós, as palavras “bem” e “bênção” significam conforto, conveniência e circunstâncias agradáveis. Para Deus, porém, as mesmas palavras podem significar caráter, virtude e integridade. Pensamos em termos fisicos e materiais; Deus pensa em termos espirituais. Para ele santidade é melhor do que felicidade, e caráter é mais desejável do que conforto. Usamos anéis e relógios de ouro; pagamos caro por eles e mais ainda pelo seguro. No céu, ouro é usado para pavimentar 15


ruas. Aquilo que usamos aqui com ostentação, no céu as pessoas pisam em cima. Tenho certeza de que se aparecesse no céu usando minha aliança de ouro, o anjo da Manutenção diria: “Bom, podemos usá-la para tapar um buraco na rua”. Se entendêssemos plenamente os caminhos de Deus, a dúvida nunca abalaria nossa fé. Shirley Guthrie diz: “Viver pela fé nesse tipo de Deus soberano significa esperar e experimentar a presença e a obra dele em nossa própria vida e no mundo ao nosso redor, quando há dor, tristeza, sofrimento e morte, bem como quando há saúde, alegria e sucesso; quando há finais trágicos e quando há finais felizes... Deus é tão poderoso que nada que acontece conosco é tão doloroso que ele não possa estar conosco e agir por nós”.5

Se Deus disser “não”, lembre-se... 1. Existe o mal no mundo. Este é um mundo caído, mesmo para os cristãos. Tudo o que há de errado no mundo é culpa do homem; o mundo não é como Deus o criou originalmente. Além disso, Deus não nos prometeu nenhuma isenção do sofrimento. A Bíblia está repleta de exemplos de homens e mulheres excelentes que sofreram sem terem feito nada de errado, principalmente Cristo. Não podemos esperar que a graça de Deus faça por nós o que não fez por Cristo — isentar-nos do mal, do sofrimento e da morte. 2. Deus é onipotente, mas honra a liberdade humana. A liberdade é a maior bênção da humanidade e também sua maior maldição. Temos liberdade para escolher, mas temos de sofrer as conseqüências das escolhas erradas. A história da raça humana é uma história de escolhas erradas. É interessante como estaríamos dispostos a tirar a liberdade de pessoas como Hitler e Stalin, para que não pudessem praticar as crueldades que praticaram. Entretanto, se Deus remove a liberdade de uma pessoa, teria de remover a de todos. Nenhum de nós deseja que sua liberdade pessoal seja arrebatada. 3. Liberdade não significa controle. Podemos exercer nossa liberdade para escolher com a melhor sabedoria possível, mas no final não podemos controlar as circunstâncias da vida. A única coisa que podemos controlar é nossa reação àquilo que não podemos controlar. 4. Deus intervém para realizar seu propósito redentor na terra. “Comprometido com a redenção” era a frase usada pelos antigos teólogos conservadores. Tudo o que Deus faz, ele faz para 15


realizar seu propósito redentor. Oração “em nome de Jesus” é mais do que uma fórmula: significa que oramos de acordo com a revelação do caráter e do propósito de Deus manifestados em Jesus Cristo. Ele responde às orações e opera milagres que fazem com que nós e os outros o glorifiquemos e lhe demos honra. 5. Abrace o Deus sofredor e sua vontade. Deus escolhe estar presente na finitude e na fragilidade do seu povo. Ele entra em nosso sofrimento e experimenta nossa vida, não somente por experimentar, mas também para agir com criatividade dentro dela. O relato de Marcos sobre a oração de Jesus no Getsêmani e sua crucificação (Mc 14-15) traz consigo o tema do poder divino e a necessidade do sofrimento. Sharyn Echols Dowd diz: “A conciliação dessas duas ênfases antagônicas ocorre numa cena de oração. A oração, que anteriormente na narrativa foi associada à acessibilidade do poder, agora torna-se a atividade na qual o sofrimento é enfrentado e aceito... O que... Jesus finalmente escolheu na oração não foi poder ou sofrimento, mas sim a vontade de Deus. Jesus é a única personagem no Evangelho que faz a vontade de Deus quando ela implica participação no poder divino e também quando implica sofrimento e morte... O que faz com que o poder e o sofrimento sejam redentores é sua característica de vontade de Deus... Seus seguidores são exortados a orar, esperando poder e aceitando o sofrimento”.6 6. Não esconda sua dor. Não quero dizer aqui que você deve falar sobre a enfermidade, o diagnóstico e os médicos, mas sim sobre os seus sentimentos e seus temores relacionados ao seu estado de saúde. Muitas pessoas doentes privam-se da conversa. Quando tentamos expressar nossa “enfermidade”, simplesmente não conseguimos dizer como nos sentimos — como cristãos, cremos que temos de assumir uma atitude espiritual aceitável, a qual quase sempre é inadequada: nossos sentimentos de medo e de terror devem ser “falta de fé”, portanto, pecado; esse pensamento apenas acrescenta culpa a tudo o mais que estamos sentindo. A enfermidade arranca partes da sua vida e essas perdas devem ser lamentadas, comentadas e compartilhadas. Arthur Frank diz: “Pessoas enfermas têm muito que dizer sobre si mesmas, mas raramente nós as ouvimos falando sobre suas esperanças e temores, sobre como sentem dor, sobre o que pensam do sofrimento e a perspectiva da morte. Tais conversas nos embaraçam e por isso nós não as praticamos”.7 15


Para elevar nossa doença acima do mero sentimento de dor e perda, temos de aprender a falar sobre ela, e os outros têm de aprender a ouvir com compaixão, sem uma atitude de julgamento. 7. Deus é Salvador antes de ser Criador. Tenho ótimas notícias para todos aqueles que estão sofrendo. Em nosso pensamento, geralmente colocamos a Criação como o primeiro ato revelado de Deus, mas a Bíblia deixa claro que ele era Redentor antes de ser Criador: “Conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós” (1 Pe 1:20). “Assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo...” (Ef 1:4). “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8:28-29). Jesus era o Cordeiro que foi morto por nosso pecado antes da fundação do mundo. Antes que houvesse um Jardim do Éden, já havia uma colina chamada Calvário; antes que houvesse uma árvore da vida, havia a cruz de Cristo; antes que houvesse pecado, havia o Salvador. Para nós, isso deve significar que, seja o que for que nos aconteça nesse mundo, jamais devemos questionar o amor de Deus por nós — mesmo quando ele nos diz “não”. Termino este capítulo com as palavras encontradas numa placa de um hospital de reabilitação. A origem das palavras é incerta; acredita-se que foram escritas por um soldado da Guerra Civil que suportou muito sofrimento pessoal.

Credo para aqueles que sofrem Pedi a Deus forças para ter sucesso. Fui feito fraco para poder aprender a obedecer com humildade... Pedi saúde para fazer grandes coisas. Recebi enfermidade para fazer coisas melhores... Pedi a Deus riquezas para ser feliz. 15


Recebi pobreza para ser sábio... Pedi poder para receber louvor dos homens. Recebi a vida para sentir a necessidade de Deus... Pedi todas as coisas com as quais pudesse gozar a vida. Recebi a vida para apreciar todas as coisas. Não recebi nada do que pedi, mas tudo que esperava. Quase a despeito de mim mesmo, Minhas orações silenciosas foram respondidas. Sou, entre os homens, o mais ricamente abençoado!

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Capitulo 18 “Vim ajudá-la a morrer” Não há curas, apenas adiamentos

Numa pequena cidade da Inglaterra, uma jovem mãe estava morrendo de câncer. Ela acreditava que Deus queria curá-la. Todos os dias os membros de sua igreja se reuniam ao redor de sua cama e oravam, proclamando a cura e insistindo para que ela também proclamasse a própria cura. “Você está curada”, diziam. Ela concordou. Um dia, um pastor que conhecia a jovem família procurou o marido. — Como vai sua esposa? — perguntou. O marido abaixou a cabeça e disse: — Está muito pior. Há duas semanas, começou a piorar rapidamente. O pastor perguntou: — Seus amigos estão vindo para orar por ela? — Não. Já faz duas semanas que ninguém ora por ela. — Será que eu poderia visitá-la? — perguntou o pastor. No dia seguinte o pastor entrou mansamente no quarto e ficou chocado ao ver as mudanças que tinham ocorrido desde sua última visita. O corpo da jovem mulher estava menor e seu rosto muito pálido. O odor familiar da morte inundava o aposento. O pastor, achando que ela estava dormindo, aproximou-se da cama. Subitamente os olhos da mulher se abriram e ela viu o pastor. — Olá, pastor — ela sussurrou — você veio orar pela minha cura? O pastor sentou-se gentilmente na beira da cama e, segurando a mão dela, disse: — Não, Dóris. Não vim orar pela sua cura. Vim ajudá-la a morrer. Os olhos dela encheram-se de lágrimas. — Oh, pastor — exclamou. — Obrigada! Obrigada! Durante uma hora o pastor leu várias passagens bíblicas para ela, assegurando-lhe da presença de Deus, e apontando

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para a glória que a aguardava. Quando o pastor me contou esta história, uma bela frase continuou se repetindo em minha mente: “Vim ajudá-la a morrer”.

A última coisa sobre a qual falamos Não há cura, apenas adiamentos. Vivemos continuamente na sombra da morte, a qual sabemos que é real e inevitável; mesmo assim, não gostamos de falar sobre ela. Como disse uma certa jovem: “Morrer me deixa morta de medo”. Nosso silêncio é encorajado por uma sociedade que reverencia a juventude e despreza a velhice, que esconde os idosos e os doentes em instituições e que tenta ocultar a realidade da morte por todos os meios possíveis. Nós nem ao menos usamos as palavras certas. Dizemos que a pessoa “se foi”. Elisabeth Kubler-Ross conta a vez em que se aproximou do administrador de uma instituição de saúde e disse: “Gostaria de trabalhar com pessoas que estão morrendo”. O homem respondeu: “No nosso hospital ninguém morre. As pessoas expiram”.1 O tabu que os vitorianos colocaram quanto a discutir abertamente sobre sexo atualmente foi transferido: hoje, na nossa sociedade, não se conversa abertamente sobre a morte. Joseph Bayly escreveu que “a combinação da atitude cultural da negação da morte e a ausência de oportunidade de observar o evento da morte aumentaram o medo dela em muitas pessoas”.2 Creio que nunca devemos desistir da esperança da cura, nem tirar as esperanças do paciente. Devemos continuar orando pela cura enquanto Deus nos dá paz para fazê-lo. Quando, porém, torna-se óbvio que a enfermidade vai terminar em morte, temos outra tarefa, que considero mais importante — ajudar a pessoa a morrer com dignidade e em paz.

Contar ou não contar Contar ou não contar, eis a questão. Até onde me recordo, a resposta para esta pergunta é quase sempre não. Com muita freqüência, até mesmo os familiares mais próximos da pessoa que está morrendo não queriam saber. Parecia que aceitar o fato era como aceitar a derrota, ter de admitir que de alguma forma a fé falhara. Então, enganamos a nós mesmos e aos outros, fingindo que naquele caso a morte não era uma realidade. Evidentemente, todos sabiam que o paciente esta16


va morrendo e afinal ele próprio tomou consciência disso. “Eles sentem que estão morrendo pela mudança na atenção, pela abordagem nova e diferente que as pessoas adotam, as vozes mais baixas, evitando barulhos, as lágrimas incontidas de um parente ou o rosto sério de outro que não consegue esconder seus verdadeiros sentimentos”.3 Assim, começa aquela dança absurda. Nós sabemos que ela está morrendo, ela sabe que está morrendo, ela sabe que nós sabemos que ela está morrendo e nós sabemos que ela sabe que sabemos, mas todos nós fingimos que ninguém sabe. Não tenho certeza se nossa recusa em contar a verdade é para realmente proteger os sentimentos do paciente ou os nossos próprios sentimentos. Não contando à pessoa o que ela suspeita ou já sabe atrapalhamos e privamos o paciente (e a nós mesmos) da oportunidade de ser ministrado. Em 1972, minha mãe recebeu o diagnóstico de câncer no cólon. Em 1973, o câncer passou para o fígado, e ela soube que iria morrer. Em outubro daquele mesmo ano ela e papai foram nos visitar em Dallas. Um dia, quando mamãe e eu estávamos sozinhos, ela disse: “Ninguém fala sobre isso. Todos ficam dando voltas em torno do assunto, como se eu não estivesse doente. Preciso falar sobre isso”. Ela estava sendo vítima da “Síndrome da Terceira Pessoa”, com suas reais necessidades ignoradas, como se já estivesse morta. Eu, evidentemente, me calei sobre isso, com medo de magoá-la. O que ela precisava e queria, porém, era honestidade e não de uma conversa açucarada. Por isso, nós conversamos. Minha mãe morreu no ano seguinte. Pouco depois, descobri um pedaço de papel entre dois livros numa estante na minha casa. Peguei e li. Era um pequeno recado, com a letra da minha mãe: “Eu te amo, Ronald Louis Dunn. 24 de outubro de 1973”. Creio que estava tentando agradecer-me por permitir que ela falasse. Sherwin B. Nuland, em seu livro How We Die (Como Morremos), conta que quando sua tia Rose estava morrendo de um caso grave de linfoma, ele e outros membros da família convenceram o médico a não contar a ela sobre sua real condição. Mais tarde, ele escreveu: Talvez mesmo sem perceber, tínhamos cometido um dos piores erros relacionados a doenças terminais — todos nós, inclusive Rose, tínhamos decidido erroneamente e em oposição a todos os princípios da nossa vida juntos que era mais importante proteger um ao outro da 16


admissão aberta da verdade dolorosa do que buscar uma comunhão final que poderia ter extraído um conforto duradouro e até mesmo alguma dignidade do fato angustiante da morte. Negamos a nós mesmos o que devia ser nosso.4

Gosto em particular da conclusão que o dr. Nuland extraiu de tal experiência: Uma promessa que podemos manter e uma esperança que podemos dar é a certeza de que não se deixará nenhum homem ou nenhuma mulher morrer só. Das muitas maneiras de morrer sozinho, a mais desconfortável e solitâria certamente deve ocorrer quando o conhecimento da certeza da morte é retido. Aqui, de novo é precisamente a atitude “eu não podia acabar com as esperanças dele” que não permite que uma forma particularmente confortante de esperança se materialize. A menos que tenhamos consciência de que estamos morrendo e na medida do possível conheçamos as condições da nossa morte, não podemos compartilhar nenhum tipo de realização final com aqueles que nos amam. Sem essa apoteose, independentemente da presença deles no momento crucial, nos sentiremos abandonados e isolados. É a promessa da comunhão espiritual perto do fim que nos dá esperança, muito mais do que o alivio do medo de estar fisicamente sem ninguém.5

Embora possa haver situações em que talvez seja melhor não contar, parece-me que uma pessoa agonizante tem o direito e a necessidade de saber que está morrendo. Primeiro, reconhecer o fato pode aliviar o paciente do jugo do fingimento; pode sentir alívio por parar de fingir ser forte aos olhos dos outros e parar de comportar-se de acordo com as expectativas dos demais. Dóris, cuja história contamos no início deste capítulo, sentiu que um grande peso lhe fora tirado quando pôde reconhecer que estava morrendo. Colocamos peso extra sobre o paciente quando esperamos que ele mantenha a encenação. Segundo, uma pessoa que está morrendo pode ter coisas que queira acertar: questões legais, assuntos espirituais, uma infinidade de coisas. Sabendo que vai morrer, o paciente pode querer reconciliar-se com algumas pessoas. Precisa ter oportunidade de fazer essas coisas enquanto tem forças e capacidade mental. Terceiro, saber a verdade dá a todos os interessados a oportunidade de se despedir. Tenho conversado com muitas pessoas de luto, cujo grande arrependimento é: “Nunca tive a 16


oportunidade de me despedir”. Alguns, posteriormente, vão sozinhos ao cemitério para dizer adeus em particular. Outros escrevem cartas aos falecidos, como uma forma de despedida. Ter a chance de se despedir ajuda a propiciar um encerramento, o que definitivamente favorece muito o processo de luto que se seguirá. A pessoa que está morrendo tem o direito de se despedir da família e dos amigos. Já disse a Kaye que quero ser informado quando estiver morrendo. Se souber que estou morrendo, haverá coisas que desejarei dizer a minha esposa e a meus filhos. Se minha esposa estiver morrendo, haverá coisas que gostaria de lhe dizer. Conversei com uma mulher de luto que pertencia a uma família que acreditava profundamente na cura na expiação. Antes de entrar no quarto do pai no hospital, sempre era alertada a não dizer nada negativo, pois poderia abalar o equilíbrio da fé. Ela nunca teve permissão para ser honesta com o pai, nunca pôde despedir-se e lhe dizer o que sentia por ele. Temia que se fosse honesta e se despedisse dele, seria acusada de quebrar a corrente da fé, o que resultaria na morte do pai. Já conversei com muitas pessoas nesta situação e para mim este é um dos aspectos mais cruéis da doutrina da cura na expiação. Quando meu pai estava morrendo de câncer no hospital, enfrentei esse dilema. Sabia que ele estava às portas da morte e tinha certeza de que ele também sabia, embora nada lhe tivesse sido dito. Eu porém, não iria deixá-lo partir sem dizer-lhe algumas coisas. Um dia, fiquei sozinho com ele no quarto. Seus olhos estavam fechados, mas eu sabia que estava acordado. O hospital já tinha decidido removê-lo para outra ala. Eu sabia que não podia esperar mais. Segurando sua mão, inclinei-me e sussurrei em seu ouvido. Não lhe disse que estava morrendo. Disse como me orgulhava dele — ele nunca terminou os estudos, mas trabalhava seis dias por semana, de sol a sol, e tornou-se um empresário muito bem-sucedido. Eu tinha orgulho disso e falei para ele. Tinha orgulho de ser seu filho e agradeci pelo lar que nos proporcionou e pela educação cristã que nos deu. Disse-lhe muitas coisas. Papai não disse nenhuma palavra, mas quando terminei ele abriu os olhos e olhou para mim. Seus olhos estavam cheios de lágrimas e eu sabia que estava agradecido por ouvir o que eu dissera. Já se passaram seis anos, mas aquele momento tornou16


se uma das memórias mais preciosas que guardo de meu pai.

“Vim ajudá-lo a morrer” A maioria das pessoas tem um grande senso de inadequação quando uma enfermidade ou uma tragédia se abate sobre um, conhecido. Conversei com muitos sobreviventes que se sentem discriminados e feridos porque os amigos não comentam com eles sobre o que passaram. Às vezes essa atitude é devida à falta de entendimento e de sensibilidade, mas na maioria das vezes é resultado dos sentimentos de impotência e do medo de dizer algo errado. Sempre me considerei um solitário, achando que não precisaria de ninguém para suportar uma tragédia. Quando, porém, a tragédia realmente aconteceu, descobri que tinha uma sede insaciável de pessoas — pessoas que sabiam o que tinha acontecido, se importavam e estavam dispostas a fazer algo para ajudar. Tenho ministrado a muitas famiias que enfrentaram esse tipo de situação; aprendi com meus bons momentos e também com os erros, e tenho me despedido com lágrimas de pessoas que amava; por isso, faço algumas sugestões sobre como ajudar um amigo ou um parente que está morrendo. 1. Assegure ao paciente que ele não está sozinho. Estamos e continuaremos ao lado dele. Em seu romance fascinante A morte de Ivan Ilych, Tolstoi conta a história de um homem que enfrentou terrível solidão na hora da morte, causada por ter escondido a verdade. “A solidão pela qual passava, deitado com o rosto voltado para trás do divã — solidão no meio de uma cidade grande, e no meio do seu grande círculo de amigos e familiares — uma solidão mais profunda do que em qualquer outro lugar, nas profundezas do oceano, ou da terra... e assim ele tinha de viver à beira da destruição: sozinho, sem ninguém para entender e para compadecer-se dele”. Infelizmente, a tendência atual é isolar o paciente que está morrendo em hospitais, atrás de cortinas cerradas, com cartazes assustadores: “Proibido visitas”. Entretanto, ninguém deve morrer sozinho. Se a pessoa está morrendo, a presença de visitantes não lhe fará nenhum mal. Você não precisa dizer coisas bonitas; apenas segure a mão do paciente e diga: “Você não está sozinho. Não foi esquecido”. 2. Encoraje o paciente a falar sobre seus sentimentos e temores. “Precisamos reconhecer que o crente pode manter uma 16


esperança inabalável em Deus e ainda experimentar grande aflição diante da morte”.6 Ajudar um amigo que está à morte a se abrir e falar sobre a enfermidade é um dos melhores benefícios que você pode oferecer. Os pacientes não demonstram falta de fé por falar de seus temores diante da morte, e do medo pelo que acontecerá com os dependentes que ficam. Eles podem ter uma profunda necessidade de compartilhar esses sentimentos, mas temem que os outros duvidem da confiança que têm no Senhor. É nossa tarefa permitir que falem sem medo de julgamento. 3. Ouça. Muitas pessoas me dizem: “Não sei o que dizer”. Dizer algo não é o mais importante. O mais importante é estar lá disposto a ouvir. Se o paciente deseja falar sobre a morte, não interrompa com afirmações do tipo: “Não diga isso! Você não vai morrer!”. Deixe a pessoa enferma estabelecer a pauta. Ela pode falar coisas incompreensíveis, mas olhe-a bem nos olhos e concentre-se no que está dizendo. Betsy Burnham, que morreu de câncer em 1982, escreveu: “Ouvir é um dos primeiros e melhores passos para ajudar um amigo a vencer a batalha emocional, mental e espiritual que acompanha a enfermidade. Um amigo que ouve encara suas lutas íntimas junto com você, carregando o peso ao seu lado, permitindo que você poupe energias para a batalha pela vida”.7 4. Ajude o paciente a se lembrar dos momentos felizes da vida. “Lembra quando você e eu fomos...” podem ser as palavras que ajudarão o paciente a apreciar a vida que viveu. 5. Acima de tudo, assegure ao paciente a presença contínua de Deus. Lembre as promessas de Deus para aqueles que sofrem. Promessas como a de Hebreus 13:5, em que Cristo promete nunca nos deixar nem nos abandonar, e Romanos 8:35-39, que nos assegura que nem a morte pode nos separar do amor de Deus; tais promessas podem dar muito conforto ao paciente. Ser cristão não significa que não iremos morrer, mas nossa morte é diferente — vemos a morte como um inimigo derrotado. O fato de que a morte não pode ameaçar nosso relacionamento com Deus é a chave para a abordagem cristã da morte. 6. Fale sobre as glórias vindouras. Para os cristãos que morrem, não é só uma questão de dizer adeus aos queridos que ficam, mas também saudar o Senhor Jesus e os queridos que já partiram. Leia a descrição de João de como será o lar dos cristãos em Apocalipse 21:1-5. Max Lucado encerra seu livro The Applause of Heaven (O Aplauso do Céu) com essas palavras especiais para todo aquele 16


que aceitou Jesus Cristo como Salvador e Senhor: “Antes que você perceba, o tempo marcado da sua chegada já terá chegado; você descerá a rampa e entrará na Cidade. Verá faces que estão esperando por você. Ouvirá seu nome proferido por aqueles que o amam. Talvez, apenas talvez — lá no fundo, atrás da multidão — Aquele que preferiu morrer a viver sem você tirará as mãos feridas de dentro das vestes celestiais e... aplaudirá”.8 Há mais na morte do que apenas morrer: há a promessa de um Salvador aguardando. Por que não celebrar isso, enquanto o paciente está diante da morte?

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Capitulo 19 Algo melhor do que a cura O “propósito supremo de Deus” no sofrimento

Quero apresentá-lo ao homem que me ensinou mais sobre o sofrimento do que qualquer outra pessoa. Para aqueles que o conheceram, a única coisa surpreendente sobre a morte de Manley Beasley foi que de fato ele morreu. Uma vez eu lhe disse que era difícil dizer adeus a ele. Pelo menos quatro vezes Kaye e eu fomos avisados de que Manley não passaria daquele dia e fomos ao hospital nos despedir. Todas as vezes, não precisamos nos despedir. Uma vez após a outra Deus o levantava do leito de morte e lhe dava um ministério ainda maior. Manley era alto, de boa aparência e um reavivalista de grande tradição. Em 1970 ele teve uma doença colagenosa, uma que evoIui em esclerodermia, lúpus e dermatite. Todas essas em geral são consideradas doenças graves. Ao mesmo tempo, foi afligido por outras quatro enfermidades menos graves. A princípio, não lhe deram mais do que um ano de vida — para todos os efeitos, ele era um inválido. -Manley vivia com dores atrozes, maiores do que qualquer pessoa pode imaginar. Mesmo assim, nunca reclamava das dores ou do seu estado de saúde. Nessa época, Deus lhe deu a promessa de que ele “viveria para ver os filhos dos seus filhos”. Eu brincava com ele, dizendo que se Deus me desse tal promessa, nunca permitiria que meus filhos casassem. Manley era meu melhor amigo. Ensinou-me muito sobre a fé e o caminhar com Deus. Mais ou menos um ano antes da sua morte, nós nos reunimos e ele me permitiu conversar com ele. sobre suas enfermidades, sofrimentos e o lugar de Deus em tudo aquilo. DUNN: — Uma das primeiras vezes que o ouvi falar, você tinha acabado de sair de uma longa internação no hospital, e suas primeiras palavras foram: “Pessoal, Deus não vai ferir vocês”.

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Para mim, certamente parecia que Deus o estava ferindo. Na época, pensei até que o estava matando. O que você quis dizer com aquela afirmação? BEASLEY: — Acho que é como uma mulher em trabalho de parto: há muita dor. Mas, quando ela segura o bebê nos braços, esquece a dor. No momento em que você passa por qualquer tipo de sofrimento, parece que Deus o está ferindo, até mesmo matando. Mas quando você atravessa aquela fase e olha para trás, para os beneficios, esquece a dor. Quando olho para trás, para o meu sofrimento, vejo que foi tudo muito bom. Essa atitude de “muito bom” procede de submeter aquela adversidade a Deus e permitir que ele me ensine seu propósito nela. D: — A razão da minha pergunta é que a maioria das pessoas, quando está no meio do sofrimento, sente uma desolação e desespero tão grandes que se pergunta se Deus realmente está por perto. B: — isso é absolutamente verdadeiro. Entretanto, existem certos fatos que você pode saber sobre Deus mesmo no meio da luta. Sei que Deus está no comando, que ele conhece a situação, que está permitindo tudo aquilo para sua glória e impõe limites segundo a sua vontade. Essas coisas você pode saber mesmo quando sente — o que não impede, porém, que você entre em desespero. Durante minha última hospitalização, houve momentos em que as dores eram tão fortes que eu chorava. Às vezes eu ficava num dilema sobre o que estava acontecendo, mas sabia que Deus estava lá. Isso me dava conforto no meio da batalha. D: — Em outras palavras, há uma questão mais profunda envolvida, que está além do fato de se você será curado ou se morrerá. B: — Sim. Esta é a questão fundamental em todo sofrimento: há um propósito supremo de Deus. Este propósito é nos corrigir, ampliar nossa visão e nos fazer vencer para sua glória. Paulo disse que, quer vivesse ou morresse, queria que Deus fosse glorificado. Ele descobriu o propósito supremo de Deus. O sofrimento em si é apenas um veículo por meio do qual Deus nos leva adiante, como fez com Jó, o qual disse: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora que passei por tudo isso, vejo o Senhor com meus olhos espirituais”. Deus, por meio do sofrimento, ampliou a capacidade de Jó de conhecê-lo. Ele passou do estágio de ouvir a respeito para ver com seus próprios olhos. 16


D: — Você começou tendo sérios problemas de saúde em 1970. Desde então, sua condição tem sido agravada por outras dificuldades, mas você disse que o ano passado foi o pior. É fácil ter certas opiniões sobre dor e sofrimentos quando nunca experimentamos. Entretanto, depois de sermos colocados em situações terríveis, às vezes nossas crenças mudam e oramos de forma diferente. Sua oração mudou de 1970 para cá? B: — Hoje oro diferente porque sei que Deus está no controle. No começo eu perguntava a Deus: “O que está acontecendo?”. Hoje não pergunto mais. Simplesmente digo: “Senhor, sei que estás fazendo uma obra e quero cooperar contigo”. Assim, de certa forma eu mudei, mas minha visão sobre Deus e sobre a enfermidade continua a mesma. Só reajo de maneira diferente. No começo lutava com a idéia da morte; agora luto fisicamente contra a morte, mas não luto mais contra ela em meu espírito. Temos de reconhecer que muitas pessoas só encaram a morte quando morrem. Eu a tenho encarado todos os dias por quase vinte anos. Eu já devia estar morto, poderia estar morto — e se não fosse pelo sustento de Deus — realmente estaria morto hoje. D: — Obviamente o que nós dois estamos dizendo é que a questão principal é a glória de Deus. Você acha que Deus é mais glorificado por não curá-lo do que seria se o tivesse curado totalmente? B: — É uma boa pergunta. Um dia senti que o Senhor estava me dizendo: “Posso curá-lo, se você quiser, ou posso deixálo como está. Se ficar como está, você precisará de mim todos dias, para poder ir em frente”. Fiz uma escolha deliberada de confiar no Senhor a cada dia, pois senti que se Deus me curasse ime- diatamente, o fato se tornaria algo em meu passado, que se desvaneceria em minha memória. Por outro lado, se tivesse de depender do Senhor cada dia da minha vida, ele estaria sempre presente e real para mim. Já vi muitas pessoas experimentando uma cura miraculosa e dez anos mais tarde estão cheias de pecados como nunca antes. Comigo, porém, depois de vinte anos de caminhada, ainda tenho de confiar em Deus cada dia para permanecer vivo. D: — Em outras palavras, você não prega simplesmente sermões, você é o sermão. Como Jeremias, você não se limita a proclamar, você é a proclamação. B: — Tive de encarar o fato de que minha vida é a mensagem, tanto quanto a verbalização. Muitas vezes, quando 16


subo no púlpito, as pessoas me dão uma salva de palmas. No começo queria repreendê-las por fazerem tal coisa, mas o Senhor me impediu e disse: “Filho, elas não estão aplaudindo você. Estão aplaudindo a obra que eu estou fazendo em sua vida. Deixe-as”. D: — Isso levanta uma questão importante: Deus terá de nos levar através do sofrimento e do quebrantamento se quisermos ser o que ele deseja que sejamos? B: — Creio que é possível que uma pessoa seja bemsucedida sem ter de passar por esse tipo de quebrantamento, mas não creio que seja provável. A maioria das pessoas na Bíblia que-foram usadas por Deus poderosamente passaram por algum tipo de quebrantamento; todos os grandes cristãos que tenho estudado tiveram experiências sesnelhantes. Seria tolice dizer que todo sofrimento deve ser físico, pois muitas vezes o trauma emocional é pior do que o fisico. O que ocorre é que você deseja tanto que Deun seja mais real para você e para os outros que acaba disposto a pagar qualquer preço. D: — Quando você recebeu alta do hospital em novembro, falamos pelo telefone e você disse algo que me intrigou: “Deus disse muitas coisas para mim, mas não creio que as pessoas queiram ouví-las”. O que você quis dizer? O que as pessoas esperam de você? Estão querendo apenas uma resposta simples? B: — Ron, provavelmente esta é para mim a coisa mais difícil de compartilhar. Eu ainda estou reunindo todas as coisas que o Senhor me mostrou. Você pode conhecer coisas em seu espírito sem entendê-las em sua mente. Somente quando você entende em sua mente aquilo que sabe no espírito, pode comunicar às outras pessoas. — Dizem que eu morri literalmente seis vezes — meu coração parou de bater e eu parei de respirar. Seis vezes. Fico me perguntando por que Deus não me mostrou o céu, como ouvimos que fez com outros que “morreram”. Perguntei a ele, e ele respondeu que se eu tivesse visto o céu não iria mais querer voltar à vida. Paulo viu o suficiente para dizer que não tinha certeza se preferia ficar aqui ou ir encontrar-se com o Senhor. — As pessoas querem a cura ou uma explicação: estão procurando nma fórmula rápida que possam ingerir como um comprimido e dentro de poucos minutos tudo está acabado. Esse método, porém, destruiria totalmente o propósito de Deus ao permitir o sofrimento. O sofrimento nos prepara para a revelação de Deus em nossa vida. — Recentemente um jovem que acabara de remover um cân17


cer do cérebro me telefonou e pediu que orasse por ele. A cirurgia não fora totalmente bem-sucedida. Deram-lhe de seis semanas a seis meses de vida. O jovem, um excelente pregador, pediu para conversar comigo. “O que você faria”, perguntou, “se lhe dissessem que teria no máximo seis meses de vida?” Respondi; “Você faz o que deve fazer, ou seja, simplesmente confie em Jesus de todo o coração”. “Não entendo”, ele disse. “Minha família foi chamada seis vezes para ser informada de que eu não passaria daquela noite, e foi isso que eu fiz: confiei em Jesus de todo o coração.” — As pessoas não desejam ouvir isso. D: — Acho que você está dizendo que se cremos que todo sofrimento é obra do diabo, então nosso propósito principal, ou talvez até o único propósito, seria fugir de qualquer sofrimento. Entretanto, se vemos Deus naquela situação, isso fará uma grande diferença. Nosso propósito principal não será fugir do sofrimento, mas sim descobrir o que Deus está querendo nos dizer. B: — Exatamente. Uma mulher que tinha uma enfermidade terminal me procurou. Ela e o marido eram missionários. Quando a conheci, a primeira coisa que o Senhor falou ao meu coração foi para perguntar-lhe por que ela estava doente. Eu sabia que ela iria pensar que era uma pergunta idiota, mas obedeci ao Senhor. “Por que você acha que está doente?”, perguntei. “Não sei”, ela respondeu. Eu disse: “Se você soubesse por que está doente, não iria querer fugir”. D: — Quando conversamos em novembro, você disse que o “divisor de águas” foi quando conseguiu apegar-se a Deus. Fale mais sobre isso. B: — Houve duas crises bem singulares — refiro-me à primeira vez que fiquei internado por quatro meses em Houston, e depois novamente em 1988, quando fiquei cinco meses e meio internado — nos dois casos sentia-me como se Deus tivesse literalmente me abandonado. Creio que havia duas razões para isso. Primeiro, há momentos em que Deus retira sua presença consciente de nós para nos ensinar a andar sozinhos, em obediência, sem o constrangimento da consciência da sua presença. A outra razão da nossa inconsciência da presença de Deus em tempos de tribulação é que nosso espírito é como o mar. Se o mar está calmo, você pode atirar um fio de cabelo e perceber 17


a agitação na água. Mas se o espírito está agitado, como quando o mar está bravio, podemos jogar uma montanha na água que ninguém nota a diferença. — Por isso, Deus precisa nos levar a um lugar onde haja silêncio e calma, para realmente poder falar conosco. Então, quando Deus fala e você se volta para ele, a vitória é assegurada. Mesmo que o sofrimento se intensifique, a vitória está garantida. Muitas vezes, quando as pessoas pensam que Deus as abandonou, ele apenas recuou um pouco para dar-lhes a oportunidade de perceber onde estão e o que farão numa circunstância como aquela. D: — Você está dizendo que a parte mais profunda da dor não é o sofrimento físico, mas o sentimento de estar separado de Deus? B: — Sim. Creio que o pior sofrimento de Cristo na cruz foi quando clamou: “Meu Deus, por que me desamparaste?”. D: — Creio que é muito importante que as pessoas ouçam isso, pois muitos olham para sua vida e presumem que você nunca chegou nesse ponto de desespero por sentir-se abandonado por Deus. Olhamos para você e dizemos: “Gostaria de ter a fé de Manley Beasley”. Lembro que depois que conversamos — nunca senti o Espírito de Deus tão forte através de uma linha telefônica — Kaye e eu comentamos sobre o telefonema. Eu disse a ela: “Fico feliz por não ter de passar pelo que Manley está passando”. Imediatamente, o Senhor me repreendeu: “Por que você não continua e diz: ‘Fico feliz por não estar tão perto de Deus quanto Manley’?”. Todos nós queremos ter sua fé, mas não queremos ir à escola onde você aprendeu. B: — Uma das questões reais é o ministério, que torna possível que a glória de Deus seja revelada por nosso intermédio. A princípio eu ficava aborrecido com Deus por causa da minha condição. Mas parei com essa atitude e me submeti ao seu propósito. Como resultado, falo com mais pessoas, vejo mais pessoas salvas e vejo mais da glória de Deus do que jamais vi quando tinha saúde perfeita. Isso é fascinante. D: — Se de repente fico gravemente enfermo e os médicos me dizem que tenho no máximo seis meses de vida; como devo orar? O que devo dizer? B: — Naturalmente eu clamaria a Deus. Para um cristão, essa sempre deve ser a primeira resposta: clamar a Deus. Peça a Deus a cura, mas acima de tudo, peça que o leve ao lugar onde você possa dizer: “Senhor, seja glorificado em minha vida”. Pode 17


levar algum tempo. Para mim, na primeira vez em que fiquei doente precisei de sete meses para chegar a esse ponto. Nunca tinha ficado seriamente doente — tinha 39 anos e muita força no Senhor. Não fazia sentido — a princípio. — Voltando, porém, à sua pergunta, eu oraria assim: “Se ajuda-me a fazer as correções e ver o propósito disso tudo, que eu possa me alegrar com tua presença, mesmo na dor”. Eu faria isso. D: — Manley, tenho só mais uma pergunta: tudo isso vai vale a pena? B: — Ron, se eu tivesse mil vidas e soubesse que todas elas seriam como esta, dedicaria todas elas ao Senhor, pois vale a pena ter a alegria e a paz de saber que está preparado para qualquer coisa que a vida lança sobre você. É uma grande segurança e um conforto estar em tal posição. Fico feliz e agradeço a Deus por isso, pois é uma grande alegria. Manley Beasley morreu em julho de 1990. Estou convencido (como ele próprio também estava) de que poderia ter sido curado, se escolhesse. Deus prometeu isso a ele. Dificil escolha. Entretanto, considerando sua vida, seu ministério e sua influência, creio que fez a escolha certa.

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Capitulo 20 Não tema Podemoss nos alegrar na presença da dor da tristeza

Uma antiga lenda conta que um homem viajava de carruagem para Constantinopla. Subitamente, um velho apareceu no meio da estrada; vestia um pesado casaco com um capuz e tinha as mãos erguidas acima da çabeça. O viajante parou abruptamente a carruagem e a estranha figura veio em sua direção. Com os olhos flamejantes, ele disse: — Leve-me para Constantinopla! — Quem é você? — Quis saber o viajante. A figura encapuzada respondeu: — Meu nome ê Cólera. Leve-me para Constantinopla! O viajante afastou-se aterrorizado. — Não! — Exclamou com voz trêmula. — Você matará toda a cidade! — Eu poderia matar ocê agora mesmo — Cólera diz entre os dentes. — Leve-me para Constantinopla e eu prometo matar apenas cinco pessoas. Relutante, o viajante admitiu o velho na carruagem e o levou para a cidade de Constantinopla. Duas semanas mais tarde, 120 pessoas tinham morrido na cidade. Um dia, o viajante encontrou Cólera na rua. — Você mentiu! Disse que mataria apenas cinco pessoas! — gritou. Cólera livrou-se das mãos do viajante. — Eu não menti. Cumpri minha promessa. Matei apenas cinco pessoas. O medo matou as outras. O medo matou as outras! Onde a enfermidade mata seus milhares, o medo mata seus dez milhares. Os biólogos dizem que o medo é uma das primeiras e mais fortes emoções desenvolvidas no homem e nos animais. Medo e ansiedade assombram o homem do berço à sepultura, traindo seu espírito, derrubando suas defesas e tornando-o não-adaptado para a obra da vida. 17


Em nenhuma outra situação essa emoção se expressa com mais força do que quando somos afligidos pela enfermidade, pelo sofrimento e a morte — não só o medo da morte, mas o medo da enfermidade em si, do que ela fará com nossa vida e o medo de ter de conviver com a dor crônica e com a invalidez. O cristão mais forte não está isento dessa reação inicial. Creio, porém, que há uma resposta para o medo, uma cura para a ansiedade que brota no coração daqueles que estão sofrendo. As palavras de Jesus a João na ilha de Patmos já me ajudaram em muitas situações de medo. Quando João contemplou o Senhor ressurreto e glorificado, em toda a sua glória, ele disse: “Quando o vi, caí a seus pés como morto. Porém ele pôs sobre mim a sua mão direita, dizendo: Não temas; eu sou o primeiro e o último, e aquele que vive; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos, e tenho as chaves da morte e do inferno” (Ap 1:17- 18). “Não tema” é uma das saudações mais freqüentes de Cristo para seu povo. Quando o anjo levou sua mensagem a Maria, ele disse: “Não tema”. Quando Jesus chamou Pedro para segui-lo, disse: “Não tema”. Quando fa]ou sobre os inimigos que perseguiriam seus seguidores, disse: “Não temam”. Com relação às necessidades diárias dos discípulos, Jesus disse: “Não temais”. Quando falou sobre doença e morte em Lucas 8:50, ele disse: “Não temas”.

Não tema a vida Para muitas pessoas, existem coisas piores do que a morte — viver é uma delas. Nos Estados Unidos, diariamente dezessete pessoas provam isso suicidando-se. Muitos têm mais medo da vida do que da morte. Para esses, Jesus diz: “Não temam, eu sou o primeiro e o último, e aquele que vive... pelos séculos”. Para acalmar os temores de João, Jesus colocou a mão sobre ele. A mão direita, a mão do favor e do poder que sustenta o fraco, levanta o caído e dá força àquele que não tem nenhuma. Quando Cristo ministrava aos necessitados — cegos, surdos e até leprosos — colocava a mão direita sobre eles. Esse gesto sempre representava metade da cura. João já tinha sentido aquela mão direita muitas vezes antes. Aquele toque fez com que soubesse que Cristo ainda estava lá e que era o mesmo. Embora sua mão estivesse diferente, em sua glória exterior, em sua natureza, seu coração e sua compaixão ele continuava o mesmo. 17


“Eu sou o primeiro e o último”, Jesus disse. Ele está presente no começo e no final. Ele está lá no momento do nascimento e no momento da morte. Ele está lá quando iniciamos nossa jornada da vida cristã e quando completamos nossa carreira. Quando os reis da terra descansam no pó e seu poder já desvaneceu como fumaça, quando todos os monumentos mais duráveis da terra se transformarem na neblina que o sol da manhã dissipa, quando todos os grandes homens da terra estiverem em silêncio em seus túmulos, Jesus ainda estará vivo. Foi o conhecimento da presença de Jesus que acalmou o coração do profeta. Cristo não nos diz: “Não temam. Eis um milhão de dólares. Não temam. Eis um remédio miraculoso”. Ele diz: “Não temam. Eu estou aqui”. A presença de Jesus sempre baniu o medo, e ainda o faz. Nosso grande fundamento em tempos de sofrimento é a presença de Jesus. Jesus disse: “De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei” (Hb 13:5). O elemento constante na vida do cristão é a presença de Jesus. Teilhard de Chardin tinha razão quando disse: “Alegria não é a auséncia de dor, mas a presença de Deus”.

Não tema a morte Cristo mudou a morte. Embora ela seja um inimigo, “o último inimigo a ser destruído” (1 Co 15:26), também é um amigo. Paulo disse também aos Coríntios: “Temos, portanto, sempre bom ânimo, sabendo que, enquanto no corpo, estamos ausentes do Senhor; visto que andamos por fé, e não pelo que vemos. Entretanto estamos em plena confiança, preferindo deixar o corpo e habitar com o Senhor” (2 Co 5:6-8). O mesmo pensamento foi expresso em sua carta aos Filipenses: “De um e outro lado estou constrangido, tendo o desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor” (Fp 1:23). Para o cristão, morte não é mais simplesmente morte. É sono. Quando morremos, adormecemos em Jesus, abandonando por um tempo esta casa de barro. Morrer significa ir estar com Jesus — o que é muito melhor. Como o sono, para nós a morte é temporária e depois terá um despertar. Cristo controla a morte. “Tenho as chaves da morte e do inferno”. Pense nisso. O diabo não possui a chave de sua própria casa! A chave é um símbolo de autoridade, de controle, de posse e governo. Terrível como é, a morte não tem permissão para sair 17


ceifando vidas sem controle. Nada acontece por acaso. Toda a história baseia-se nos propósitos eternos de Deus. Até mesmo a morte está sob o controle de Deus. Ela se move somente dentro da vontade permissiva de Deus. Cristo retém a chave da porta da morte, e nenhum homem entra a menos que Cristo use a chave e abra a porta. Cristo conquistou a morte. “Estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos”. Para o cristão, a morte não é permanente, nem final. A morte não reterá nossos corpos para sempre. Cristo morreu e sobreviveu à sepultura; porque ele vive, nós também viveremos para sempre. Cristo compartilha sua vitória conosco. Julião, o Apóstata, era sobrinho do imperador romano Constantino e foi criado numa família cristã. Em sua juventude, porém, renunciou à fé e abraçou o paganismo. Quando se tornou imperador, em 361 d.C., tentou destruir o cristianismo. Enquanto acompanhava um humilde cristão para o local da execução, um dos soldados de Julião zombava: “Onde está seu Deus carpinteiro agora?”. O cristão respondeu: “Está fazendo um ataúde para o seu imperador”. E assim foi. Em 363 d.C., Julião morreu no campo de batalha, ao enfrentar um exército persa. Um dos incidentes mais famosos da história é que quando carregavam o imperador agonizante para fora da batalha, ele elevou os olhos para o céu e exclamou: “Oh, pálido galileu, tu venceste”.

Não tema a eternidade “Caí a seus pés como morto”. A reação de João parece estranha para você? Em vez de uma alegria transbordante por ver Jesus, ele ficou aterrorizado. Por quê? João podia olhar com entusiasmo para o trono de jaspe, o arco-íris de esmeralda, as sete lâmpadas queimando diante do trono de Deus, o mar de cristal, e para as portas do céu. Depois de quase sessenta anos, ele deveria ficar feliz pôr ver novamente o Senhor. João, porém, estava olhando para a divindade revelada, o Ancião de Dias, cujo semblante brilha como o sol. Estava olhando nos olhos do Juiz de toda a terra, olhos que são como chamas de fogo — por isso caiu aos seus pés como morto. A experiência de João é um exemplo do medo de ficarmos frente a frente com o Juíz exaltado de toda a terra. Apocalipse 6 diz que o medo será tão grande que os homens clamarão para que 17


as montanhas e as rochas caiam sobre eles, para escondê-los da face de Deus. Ele é o Juiz sobre o trono “de cuja face o céu e a terra fugiram”. O céu e a terra foram testemunhas mudas de muitos eventos: a rebelião de Satanás no céu, o início do fogo do inferno, os anjos caídos sendo acorrentados, o dilúvio, a destruição de Sodoma e Gomorra, a fome em Jerusalém que levou as mães a comerem os próprios filhos. Viram tudo isso. Entretanto, à vista do Juiz eterno, fugirão aterrorizados. Jesus, porém, disse: “Não tema... tenho as chaves do inferno”. Em alguns aspectos, inferno (ghenna) e Hades não são a mesma coisa. Hades é o mundo invisível, o mundo das almas dos homens e dos espíritos celestiais, o mundo do outro lado da sepultura — a eternidade. “Chaves” é plural, denotando a idéia de duplo poder, o poder de livrar do inferno ou de mandar para lá. Quer as almas sejam condenadas ao inferno ou glorificadas no céu, Cristo é o Senhor de tudo. Mundo invisível é um bom nome, pois tememos o que não podemos ver, o que não conhecemos; entretanto, com respeito a esse mundo desconhecido Cristo diz: “Não tema”. Não tema a eternidade. Não tema o que se encontra do outro lado da sepultura. Quando eu tinha dez anos de idade, nosso grupo de escoteiros fez uma excursão cujo objetivo era nos ensinar a usar a bússola. Fomos divididos em quatro grupos com quatro elementos cada um, com um líder mais graduado. Nossos líderes nos levaram para uma região montanhosa e nos deixaram em diferentes locais. Eram dez horas da noite. Tinha chovido o dia todo e as nuvens escuras encobriam a lua. Recebemos nossas bússolas e nos colocamos em marcha. A leitura correta da bússola nos levaria ao local onde havia chocolate quente e biscoitos nos aguardando. Infelizmente, não tínhamos as baterias possantes modernas e logo a luz da nossa lanterna começou a enfraquecer até que apagou de vez. Sem luz, mal conseguíamos enxergar a agulha da bússola e muito menos ver para onde apontava. Nossa caminhada até o acampamento devia durar apenas uma hora. Duas horas mais tarde sabíamos que estávamos perdidos, tropeçando em galhos secos e caindo em poças de lama. O líder do grupo, que já tinha feito aquilo antes (já tinha ficado perdido?) nos levou por onde achava que era a direção correta. De repente, o chão adiante de nós ficou mais escuro do que 17


o chão do caminho por onde tínhamos subido. Só podia significar uma coisa: tínhamos chegado à beira de um precipício. A escuridão densa da noite não nos permitia saber se era um abismo de um metro ou de cem metros de profundidade. Não demos mais nenhum passo, exceto para trás. O mais revoltante em tudo aquilo é que podíamos ver as luzes do acampamento à distância, onde havia chocolate quente e biscoitos. Provavelmente os grupos que já tinham chegado estavam comendo tudo. Todos esperávamos que alguém fizesse alguma coisa. Alguém teria de descer no precipício e ver o que havia embaixo. Certamente não seria eu. Eu tinha dez anos de idade e a coisa mais corajosa que já tinha feito fora acender um fósforo sem fechar a caixa. Assim, todos nós, escoteiros, olhamos para o líder, grande e experiente. Finalmente, com um suspiro resignado, ele se sentou na beira do precipício e começou a descer, exortandonos desnecessariamente para não nos movermos dali. Por um tempo, podíamos ouvi-lo arrastando-se através da vegetação — depois, mais nada. Petrificados, ficamos esperando. Depois do que pareceu uma eternidade, ouvimos uma voz do outro lado da ravina. Era o nosso líder. “Tudo bem, venham. Vocês conseguem.” Nós conseguimos. Chocolate quente e biscoitos nunca pareceram tão saborosos. Um dia estaremos na beirada escura de um mundo desconhecido. Poderemos estar assustados. Porém, se ouvirmos com cuidado, ouviremos a voz do nosso Mestre, chamando: “Tudo bem, venha. Você consegue.”

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Notas Introdução Há um novo deus na cidade 1. BROWN, Peter. The Body and Society (O corpo e a sociedade) (Nova York: Columbia University Press; 1988), p. 6. 2. THOMAS, Lewis. The Medusa and The Snail (A medusa e o caracol) (Nova York: Bantam~Books, 198O), pp 37,38.

Capítulo 1 Quando surgem as dúvidas 1. LEWIS, C. S. O Problema do Sofrimento. São Paulo, Mundo Cristão, 1983. 2. MASHOTTE, Kornelis H. When the Gods Are Sílent (Quando os deuses ficam em silncio) (Nova York: Harper and Row Publishers, 1967), p.252

Capítulo 2 O lado noite da vida 1. KLEINMAN, Arthur. The Illness Narratives (Narrativas de enfermidades) (Nova York: Basic Books, Inc., 1988), p. 45. 2. FRANK, Arthur. At the Will of the Body (Á mercê do corpo) (Boston: Houghton Mifflin Company, 1991), p. 38. 3. BERNHARD, Thomas. Wittgenstein’s Nephew (O sobrinho de Wittgenstein), trad. por Ewald Osers (Londres: Quartet Books, 1986), p. 56. 4. FRANK, At the Will of the Body, p. 92. 5. Idem, 20,21.

Capítulo 3 De onde procedem as enfermidades? 1. LOVETT, C. S. Jesus Wants You Well. (Jesus quer que você fique bem) (Baldwin Park, CA: Personal Christianity, 1973), p. 135. 2. PACKER, dr. Lester. Dallas Times Herald (Segunda-feira, 4 de fevereiro de 1985), p. 2. 3. BOGGS, Wade H. Jr. Faith Healing and the Christian Faith (Fé curadora e fé cristã) (Richmond, VA., John Knox Press, 1956), p. 113. 4. PECK, M. Scott. The Road Less Traveled (A estrada menos movimentada) (Nova York: Simon and Schuster, 1978), p. 39. 5. PACKER, J. I. Na dinâmica do Espírito. (São Paulo: Vida Nova,1991). 6. BOGGS. Faith Healing. p. 116. 7. FARQUHER, dr. John W. The American Way of Life need not Be Hazardous to Your Health (O estilo de vida americano não precisa ser perigoso à sua saúde) (Nova York: W. W. Norton and Company, 1978), p. vii. 8. TOURNIER, Paul. The Healing of Persons (A cura de pessoas) 18


(San Francisco: Harper and Row Publishers, 1979), pp. 4,5. 9. YANCEY, Philip. Where Is God When It Hurts? (Onde Deus está quando somos feridos?) (Grand Rapids, Mich: Zondervan Publishing, 1977), p. 73.

Capítulo 4 Nos rios de Babilônia 1. FRANK. At the Will of the Body. p.91. 2. RABIN, dr. David e RABIN, Pauline. To Provide Safe Passage (Providenciando passagem segura) (Nova York: Philosophical Library, 1985), pp. 38,39, 41. 3. LERNER, Max. Wrestling With the Angel (Lutando com o anjo) (Nova York: W. W. Norton and Company, 1990), pp. 38,39. 4. WEIL, Simone citada por Dorothee Soelle. Suffering (Sofrimento) (Filadélfia: Fortress Press, 1975), p. 114. 5. KLEINMAN, Illness, p. 159. 6. BRODY, Howard. Stories of Sickness (Histórias de enfermidades) (New Haven, Conn.: Yale University Press, 1987), p. 108. 7. KLEINMAN, Illness, p. 160. 8. ALLEN, dr. Jimmy. The Burden of a Secret (O peso de um segredo) (Nashville, Tenn.: Moorings, 1995). 9. SHEED, Wilfred. In Love With Daylight (Apaixonado pela luz do dia) (Nova York: Simon and Schuster, 1995), p. 57. 10. FLOWERS, dra. Betty Sue, citada por Kathy Cronkite, On the Edge of Darkness (No limiar das trevas) (Nova York: Doubleday, 1994), pp. 204,205. 11. JAMISON. dra. Kay Redfield. An Unquiet Mind (Uma mente inquieta) (Nova York: Alfred A. Knopf, 1995), p. 6. 12. Idem, pp. 7, 8. 13. WALSH, Sheila. Honestly (Honestamente) (Grand Rapids, Mich.: Zondervan Publishing, 1996), p. 28. 14. Idem, p. 60.

Capitulo 5 A sedução do enfermo 1. RUSSELL, Bertrand. A History of Western Philosophy (História da filosofia ocidental) (Nova York: Simon and Schuster, 1945),p. 3. 2. FERGUSON, Everett. Backgrounds of Early Christianity (As bases do crlstianismo primitivo) (Grand Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 1987), p. 4. 3. MEEKS, Wayne A. The Moral World of the First Christians (O mundo mora1 dos primeiros cristãos) (Filadélfia: The Westminster Press, 1986), p. 19. 4. HAMILTON, Edith. Mythology (Mitologia) (Nova York: New American Library, 1942), p. 16. 5. MURRAY, Oswyn. The Oxford History of the Classical World (História do mundo clássico de Oxford) (Oxford: Oxford University Press, 1986), p. 13. 18


6. FERGUSON, Backgrounck, p. 5. 7. GRIFFIN, The Oxford History of the Classical World. 8. PACKER, J. I. Religião Vida Mansa. São Paulo: Cultura Cristã,1999. 9. Idem. 10. HOFFER, Eric. The True Believer (O verdadeiro crente) (Nova York: Harper and Row Publishers, 1951), p. 119.

Capitulo 6 Os sedutores 1. MONTAGUE, Ashley e MATSON, Floyd. The Dehumanization of Man (A desumanização do homem) (Nova York: McGraw-Hill, 1983), p. 112. 2. COX, Harvey. The Seduction of the Spirit (A sedução do Espirlto) (Nova York: Simon and Schuster, 1973), p. 305. 3. ldem, pp. 303-5. 4. ldem, p. 16. 5. FREUD, Sigmund. Group Psychology and the Analysis of the Ego (Psicologia de grupo e a análise do ego) (Nova York:W.W. Norton and Company, 1959), p. 12. 6. TILLICH, Paul. The Shaking of the Fundations (O abalo dos alicerces) (Nova York: Charles Scribner’s Sons, 1984), pp. 91,92. 7. FREUD, Group Psychology, p. 6. 8. CRABB, Larry. De Dentro para Fora. Belo Horizonte: Betânia, 1992. 9. BECKER, Ernest. The Denial of Death (A negação da morte) (Nova York: The Free-Press, 1973), p. 217. 10. WEIGEL, Van B.. Ostrich Christianity (Cristianismo da avestruz) (Lanham, MD: University Press of America, 1986), p. 3. 11. BECKER, Denial of Death, pp. 178-79.

Capitulo 7 Que queremos dizer com “cura”? 1. BAXTER, J. Sidlow. Divine Healing of the Body (A cura divina do corpo) (Grand Rapids, Mich.: Zondervan Publishing, 1979), p. 289. 2. WEIL, dr. Andrew. Spontaneous Healing (Cura espontànea) (Nova York: Fawcett Columbine, 1995), p. 6. 3. THOMAS, Lewis. The Lives of a Cell (A vida das células) (Nova York: Penguin Books, 1978), p. 85. 4. BOGGS; Faith Healing, p. 23. 5. BAXTER, Divine Healing, pp. 183-84.

Capitulo 8 Manejando bem a Palavra da Verdade 1. BAUER, Walter. A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature (Léxico Grego-Inglês do Novo Testamento e outras literaturas primitivas cristãs), 2ª ed. trad. por William F. Arndt e F. Wilbur Gingrich (Chicago: The University of Chicago Press, 1979), p. 580. 18


2. MAYHUE, Richard. “Cutting it Straight” (Cortando em linha reta), Moody Monthly, vol. 85, nº 1, 1984, p. 36. 3. PINNOCK, Clark. Biblical Revelatíon (Revelação bíblica) (Chigago: Moody Press, 1971), p. 208. 4. STOTT, John R. “Christianity Today”, 8 de janeiro de 1996.

Capítulo 9 Cortando em linha reta, Parte 1 1. MARSHALL, Catherine. Something More (Algo mais) (Nova York: McGraw-Hill, 1974), p. 270. 2. DONOVAN, Peter. Interpreting Religious Experience (Interpretando a experiência religiosa) (Nova York: The Seabury Press, 1979), p. 1. 3. PACKER. Na Dinâmica do Espírito, p. 201. 4. RAMM, Bernard. Protestant Biblical Interpretation (Interpretação bíblica protestante), 3ª ed. (Grand Rapids, Mick: Baker Book House, 1970), p. 18. 5. Idem. 6. MCQUILKIN, J. Robertson. Understanding and Applying the Bible (Entendendo e aplicando a Bíblia) (Chicago: Moody Press, 1983), p. 49. 7. VON RAD, Gerhard. Old Testament Theology (Teologia do Antigo Testamento), vol. 2 (Nova York: Harper and Row Publishers, 1965), pp. 31921. 8. BRIGHT, John. The Authority of the Old Testament (A autoridade do Antigo Testametito) (Grand Rapids: Baker Book House, 1975), p. 149. 9. WIERSBE, Warren. Why Us? (Por que nós?) (Old Tappan, NJ: Fleming H. Revell Company, 1984), p. 47. 10. RAMM, Bernard. Protestant Biblical lnterpretation (Interpretação bíblica protestante), 1ª ed. (Boston: W A. Wilde Company, 195O),p. 101. 11. WIERSBE, Why Us?, pp. 105-6.

Capitulo 10 Cortando em linha reta, Parte 2 1.

CARSON, D. A. A Exegese e suas Falácias. São Paulo: Vida Nova,

1992. 2. PINNOCK. Biblical Revelatíon, pp. 212-213. 3. RAMM. Protestant Biblical Interpretation. 3ª ed., p. 107. 4. Idem, pp. pp. 177-178. 5. Idem, p. 105. 6. BAXTER, J. Sidlow. Divine Healing of the Body (A cura divina do corpo) (Grand Rapids: Zondervan Publishing, 1979), p. 114. 7. PACKER. Na Dinâmica do Espírito. 8. O dr. Phillipes fez essa afirmação durante um debate na Conferência Nacional da Bíblia em 1991, realizada na Igreja Batista Bellevue, em Memphis, Tennessee. 9. BAXTER, Divine Healing, p. 157.

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Capitulo 11 Cura: O mesmo ontem, hoje e eternamente? 1. LINDARS, Barnabas. The Gospel of John (O Evangelho de João), Comentário Bíblico Novo Século (Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 1972), p. 475. 2. RYLE, J. C. citado por Leon Morris, Comentário do Evangelho de João, Novo Comentário Internacional do Novo Testamento (Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 1971), p. 646. 3. Idem. 4. MACARTHUR JR., John F. The Charismatics: A Doctrinal Perspective (Os carismáticos: Uma perspectiva doutrinária) (Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1978), p. 135.

Capitulo 12 As curas operadas por Jesus e pelos apóstolos: Um olhar mais detaIhado 1. KEE, Howard Clark. Medicine, Miracle and Magic in New Testament Times (Medicina, milagre e magia nos tempos do Novo Testamento) (Cambridge, England: Cambridge University Press, 1986), p. 1. 2. TOURNIER, dr. Paul. The Healing of Persons (A cura de pessoas) (San Francisco: Harper and Row Ptiblishers, 1965), p. 40. 3. WESTERMANN, Claus. Genesis 12-36: A Commentary (Comentário de Génesis 12-36) (Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1985), p. 268. 4. BILLHEIMER Paul. Destined to Overcome (Destinado a vencer) (Minneapolis: Bethany House, 1982), pp. 94-95. 5. BOGGS, Faith Healing, p. 23. 6. Idem, p. 22. 7. KUNG, Hans. Eternal Life? (Vida eterna?) (Nova York: Doubleday, 1984), pp. 19-20. 8. PACKER, Na Dinâmica do Espírito, p. 214. 9. HAVNER, Vance. Fourscore: Living Beyond the Promise (Multiplicação: vivendo além da promessa) (Old Tappan: Fleming H. Revell Cornpany, 1982), p. 18. 10. BAXTER, Divine Healing, p. 123.

Capitulo 13 Cristo morreu para nos tornar saudáveis? 1. MORRIS,. Leon. Basic Christian Doctrines (Doutrinas cristãs básicas) ed. Carl H. F. Henry (Grand Rapids: Baker Book House, 1971), p. 152. 2. CLARKSON, Margaret. Destined for Glory (Destinados à glória) (Grand Rapids: B. Eerdmans Publishing Company, 1983), p. 95. 3. BOGGS, Faith Healing, p. 85. 4. WEATHERHEAD, Leslie D. Why do Men Suffer? (Por que os homens sofrem?) (NovaYork: Abingdon Press, 1936), p. 171. 5. BROWN, C. R. Faith and Health (Fé e saúde) (Nova York: Thomas 18


Y. Cromwell Company, 1910), p. 35.

Capitulo 14 Deus quer que sejamos sempre saudáveis? 1. BAXTER, Divine Healing; p. 148. 2. YANCEY, Philip. Where Is God When It Hurts? (Onde está Deus quando somos feridos?) (Grand Rapids: Zondervan Publishing, 1977), p. 97. 3. BOGGS, Faith Healing; p. 30. 4. RICHARDS, Larry e JOHNSON, Paul. Death and lhe Caring Community (A morte e a comunidade que cuida) (Portland: Multnomah Press, 1980), pp. 39-40

Capitulo 15 Templo divino ou vaso de barro? 1. WESTERMANN, Claus. Genesis 1-11 (Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1984), p. 265. 2. Idem, pp. 256-266. 3. TALMADGE, T. DeWitt. 500 Selected Sermons, vol. 11 (Grand Rapids: Baker Book House, reimpresso em 1957), pp. 339-340. 4. RICHARD S e JOHNSON, Death and lhe Caring Community, p.39.

Capitulo 16 Orando pelos enfermos 1. 2.

BAXTER. Divine Healing of the Body, p. 167. RICHARDS e JOHNSON. Death and the Caring Community, p.

38. 3. VAUGHN, Curtis. James (Tiago) (Grand Rapids: Zondervan Publishing, 1969), p. 118. 4. PLUMMER, Alfred. The Expositor’s Bible, vol. 6 (Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 1956), p. 632. 5. Idem. 6. GINGRICH, F. Wilbur. Léxico do Novo Testamento - Grego/Português. São Paulo: Vida Nova. 7. MAYHUE, Richard. Divine Healing Today (Cura divina hoje) (Chicago: Moody Press, 1983), p. 111. 8. DANA, H. E. e MANTEY, Julius R. A Manual Grammer of the Greek New Testament (Manual de gramática do grego do Novo Testamento) (Nova York: lhe MacMillan Company, 1955), p. 137. 9. BINGHAM, R. V. The Bible and the Body (A Bíblia e o corpo) 10. VAUGHN, James, p. 119.

Capítulo 17 Quando Deus diz “não” 1. KUNG, Hans. Does God Exisl? (Deus existe?) (Nova York: Vantage Books, 1981), p. 642. 2. KUSHNER, Rabi Harold S. When Bad Things Happen to Good

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People (Quando coisas ruins atingem pessoas boas) (Nova York: Avon Books, 1981), p. 134. 3. Idem, p. 129. 4. GUTHRIE, Shirley C. “Human suffering, human liberation and the sovereignty of God” (Sofrimento humano, liberação humana e a soberania de Deus), publ. em Theology Today, abril de 1996, p. 31. 5. Idem, p.32. 6. DOWD, Sharyn Echols. Prayer, Power and the Problem of Suffering (Oração, poder e o problema do sofrimento) (Atlanta: Scholars Press, 1988), p. 33. 7. FRANK, At the Will of the Body, p. 4.

Capitulo 18 “Vim ajudá-la a morrer” 1. KUBLER-ROSS, Elisabeth. On Death and Dying (Sobre morte e morrer) (Nova York: MacMillan, 1969), pp. 36-37. 2. BAYLY, Joseph. The Last Thing We Talk About (A última coisa sobre a qual falamos) (Elgin: David C. Cook Publishing Company, 1969), p. 19. 3. GROLLMAN, Rabi Earl. Coping With Death and Dying (Lidando com a morte e com o ato de morrer) Ed. John T. Chirban (Nova York: University Press of America, 1985), p. 49. 4. NULAND, Sherwin B. How We Die (Como morremos) (Nova York: Alfred A. Knopf, 1994), p. 244. 5. Idem, p. 243. 6. RICHARDS e JOHNSON, Death and the Caring Community, p. 33. 7. BURNHAM, Betsy. When Your Friend is Dying (Quando seu amigo está morrendo) (Grand Rapids: Chosen Books, 1982), p. 30. 8. LUCADO, Max. The Applause of Heaven (O aplauso do céu) (Dallas: Word Publishing, 1990), pp, 189-190.

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