Conceição

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Tainá Jara

Conceição

Campo Grande - MS 2013


UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL UFMS CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL JORNALISMO PROJETO EXPERIMENTAL 2012

Conceição ACADÊMICA Tainá Jara PROFESSOR ORIENTADOR Marcelo Cancio PROJETO GRÁFICO Vanda Escalante FOTO DA CAPA Roberto Higa REVISÃO ORTOGRÁFICA Elanir França Carvalho IMPRESSÃO Gráfica rápida

Copyright © 2013 Tainá Jara Todos os direitos reservados Nenhuma parte deste livro poderá ser fotocopiada, gravada, reproduzida ou armazenada num sistema de recuperação ou transmitida sob qualquer forma ou qualquer meio eletrônico ou mecânico sem o prévio consentimento, por escrito, da autora.


Dedico este livro a todos os artistas populares que recebem a arte como um dom e enfrentam inúmeros percalços para desenvolvê-la. À jornalista Margarida Marques (em memória)



Agradecimentos Agradeço à minha família, em especial, as companheiras diárias, minha mãe, Cláudia Maria, e minha sobrinha, Lua Bianca. Ao meu pai, Gerson Jara, de quem herdei o gosto pelos jornalismo e pela política. Ao meu padrinho, professor e amigo, Edson Silva, por toda a assistência, atenção e paciência na minha aprendizagem. Ao Diogo Gonçalves, pelo auxílio técnico, companheirismo e paciência no decorrer deste trabalho. Aos meus companheiros de movimento estudantil, por compartilharem o sonho e as lutas para uma outra sociedade. Ao professor Marcelo Cancio, por acreditar na minha proposta de trabalho e por todo conhecimento repassado. A Fernanda Palheta, Sandra Luz, Juan Angelo Antunes, Abílio Antunes, Akemi Higa, Elanir França, Vanda Escalante, Rodrigo Teixeira e Altair Santos, por ajudarem na consolidação deste trabalho.



Prefácio O texto apresentado neste livro reportagem por Taina Mendes Jara é um trabalho que impressiona por toda pesquisa jornalística que realizou para contar a história de uma das principais artistas plásticas que viveu em Mato Grosso do Sul. Conceição dos Bugres não era sul-mato-grossense, mas desenvolveu toda sua habilidade artística no Estado que a adotou. Ela foi um expoente da arte, mas só se descobriu artista depois dos 50 anos. Sua trajetória de vida e de trabalho é recheada de casos e detalhes que até então eram desconhecidos. O livro de Tainá é como um farol que ilumina os muitos momentos vividos pela artista. Para contar quem foi e o que fez Conceição dos Bugres, a autora teve que se desdobrar. Fez uma investigação jornalística gigantesca. Partiu em busca de artigos, textos, reportagens, vídeos e livros que falassem de Conceição. Mas isso não foi suficiente. Para conhecer com mais profundidade o universo que rodeava a artista era necessário ouvir pessoas que conviveram com ela no seu cotidiano e as que conheceram de perto a execução de sua obra. Esse foi o trabalho mais árduo. Encontrar entrevistados que falassem com propriedade e conhecimento sobre Conceição. Foi especialmente difícil convencer o filho, Ilton Silva, a falar sobre sua mãe. Mas o esforço e a insistên-


cia de Tainá em busca dos entrevistados foram recompensados. As histórias orais contadas por eles deram explicações valiosas a sobre a vida e a obra da artista. Alguns depoimentos revelam situações até então desconhecidas e esclarecem questões importantes. Uma delas é a própria origem dos “bugrinhos”. O texto traz uma informação inédita sobre como foi a inspiração da artista para criar a sua escultura mais famosa. Além disso, reúne um conjunto de fotos cedidas para ilustrar a publicação. O livro, dividido em quatro capítulos, conta a convivência de Conceição com a família e com o trabalho. Revela como uma mulher simples que vivia no interior de Mato Grosso do Sul se transformou em uma artista reconhecida internacionalmente e se perpetuou como uma das principais expositoras das artes plásticas do Estado. O trabalho de Tainá tem méritos expressivos: sua busca jornalística incessante por novas informações, o longo esforço para transcrever as entrevistas, as fotografias que conseguiu reunir, o texto que costura sua própria narração com as falas dos entrevistados ajudaram a enriquecer a publicação. Tainá mostra que o trabalho jornalístico contribui para valorizar e registrar expressões da cultura. A Conceição dos Bugres agradece. Marcelo Cancio Professor do Curso de Jornalismo da UFMS


Sumário

Conceição dos Padres

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Madeira de árvore, cera de abelha e vela de santo

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Feios, mansos e complexos

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Alimentanda por homenagens

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Conclusão

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Referências Bibliográficas

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Entrevistas Realizadas

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Conceição dos Padres



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Este livro poderia começar com um simples perfil de Conceição Freitas da Silva. Nome completo, data de nascimento e falecimento. Mas sua vida parece uma lenda preservada por meio da tradição oral. História que foi sendo contada de um para o outro. Muitas informações se perdem ou mudam de forma. Com poucos e dispersos registros é impossível apresentar informações básicas sobre esta personagem sem fazer ressalvas. Conceição Freitas da Silva é popularmente conhecida como Conceição dos Bugres, graças às figuras estilizadas de bugre produzidas em madeira. Nasceu na cidade de Santiago, no Rio Grande do Sul, embora essa região fosse conhecida pelo nome de Povinho de Santiago. O então povoado gaúcho foi assim chamado até 26 de dezembro de 1866, quando passou a se designado como “Freguesia de São Thiago de Boqueirão”. Foi considerado “Vila” a partir 4 de janeiro de 1884, data em que se comemora seu aniversário, e elevada à categoria de município somente em 31 de março de 1938. Ao que tudo indica, foi quando a cidade de Santiago ainda carregava o nome de santo que Conceição nasceu. O livro Vozes do Artesanato, organizado por Fábio Pelegrini (2011), que revela um compilado de perfis de vários artistas e artesãos atuantes no estado de Mato Grosso do Sul, o jornalista Rodrigo Teixeira faz um registro significativo da artista em três páginas da publicação. No livro aparece a indicação mais pre-

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cisa da data de nascimento de Conceição Freitas: 8 de dezembro de 1914. Este ano também é indicado por Maria da Glória Sá Rosa, Idara Duncan e Iara Penteado (2006, p. 38), no livro Artes Plásticas no Mato Grosso do Sul e por Aline Figueiredo (1979, p. 259) no livro Artes Plásticas no Centro-Oeste. Ilton Silva, filho de Conceição, confirma o mesmo ano. Imprecisões são encontradas na data de falecimento. Teixeira (2011, p.17) fala em 13 de dezembro de 1984, enquanto as autoras de Artes Plásticas no MS, apontam o ano de 1983. Tal fato explica a falta de registros precisos sobre a artista. Sua família guarda somente a tradição de continuar fazendo os bugres e um de seus vestidos floridos, sem posse de nenhuma documentação. O fato de a história ser transmitida de boca em boca contribui para que a vida de Conceição adquira ares de lenda desde os primeiros relatos sobre sua vinda para Campo Grande. Foi em uma viagem de dois meses feita em cima de um “carro polaco”1 que Conceição chegou ao estado do Mato Grosso aos seis anos de idade. Viajou com uma caravana de gaúchos que vinham em busca de terras devolutas. Teixeira (2011) acrescenta em dado momento que “a pequena acompanhava os irmãos e os pais - o gaúcho Antônio Freitas Barreto e a argentina Generosa Pedrosa da Silva – na longa jornada entre a sua cidade natal, Santiago, no Rio Grande do Sul, até Ponta Porã, passando antes pela Argentina e Paraguai”. Conceição era uma dos vinte filhos do casal. 1. Carroça comprida com quatro rodas puxada por cavalos.

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Ilton Silva conta que os avós se instalaram inicialmente em um pedaço de terra na cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero. Posteriormente, adquiriram cerca de 100 hectares na cidade do lado brasileiro – distante 340 quilômetros da capital Campo Grande. Lá produziam charque, fumo e erva-mate. Foi nesta mesma Ponta Porã que Conceição se encantou pelo olhos azuis de Abílio Antunes de Barros, que vinha da cidade de Amambai, localizada a 50 quilômetros dali, para vender pequenas boiadas. Durante uma compra feita pelo pai, Conceição conheceu o companheiro de toda uma vida. Com ele teve os filhos Wilson Antunes e Ilton Silva. Todos artistas. O primeiro, já por influencia do trabalho da mãe, produzia e entalhava móveis rústicos. Faleceu em 1987, mas deixou como fruto do casamento com a também artesã Sotera Sanches, o filho Mariano Antunes Silva, que hoje é responsável por dar continuidade a produção à dos bonecos da avó. Já Ilton Silva, nascido em 1943, foi desde muito cedo tocado pelas inquietudes das artes. Quando a mãe começou a fazer os bugres, aos 52 anos de idade, Ilton já era um conhecido artista plástico do sul do Mato Grosso.

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Conceição Freitas da Silva Apesar de algumas informações, é o desconhecido que marca o período que vai do nascimento de Conceição Freitas da Silva até o surgimento de Conceição dos Bugres. As impressões sobre sua personalidade e maneira de vida foram possíveis por meio de relatos de pessoas que conviveram com ela quando já era uma artista. Mesmo com os laços estreitos poucos conseguiram arrancar de Conceição relatos sobre sua vida. O fotógrafo Roberto Higa, que fez registros da artista, relata a dificuldade que ela tinha de falar com as pessoas. “Conceição era de pouco falar. Ela falava com os bonecos dela. Mas com a gente, com os repórteres, era difícil. Quem sempre respondeu pela Conceição foi o Abílio ou o Ilton”. Higa conta que somente o jornalista Raul Longo foi capaz, a custo de muita insistência, de fazê-la falar um pouco sobre a infância no Rio Grande do Sul. Nessa conversa também teria revelado uma ligação com o povo indígena Caingangue. Tal população ocupava há pelo menos dois séculos a extensão territorial compreendida na zona entre o Rio Tietê (SP) e o Rio Ijuí (norte do RS). No século XIX, seus domínios se estendiam para oeste, até San Pedro, na província argentina de Misiones. Atualmente, os Caingangues ocupam cerca de trinta áreas reduzidas, distribuídas sobre seu antigo território nos estados de São Paulo, Paraná, San-

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ta Catarina e Rio Grande do Sul. Sua população é de aproximadamente de 29.000 pessoas, número que os coloca entre os cinco povos indígenas mais numerosos do Brasil.2 As demais revelações dessa conversa com Raul Longo foram transformadas em poesia. Intitulada “Conceição do Mato Grosso” o poema rendeu ao jornalista, em 1982, o Prêmio de Poesía en Portugués concedido pelo Círculo Culturas Miguel de Cervantes3. Os versos de Longo contam a juventude e a vinda de Conceição para o Mato Grosso.

Conceição do Mato Grosso Conceição dos Bugres Conceição dos Matos Conceição do Mundo Cabocla Velha. Menina que um dia levantou a saia da lama da sanga E veio espalhar a poeira Tossir o pó da terra vermelha da brabeza do Mato Grosso 2. As informações foram retiradas do site desta população indígena, o Portal Kaingang, no endereço eletrônico http://www.portalkaingang.org/. 3. O poema foi originalmente publicado no número 31 da Revista El Cervantino, do Círculo Cultural Miguel de Cervantes em maio de 1982.

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- Ceição! - Ceição! Corre menina! Levanta da saia do barro de sanga. Deixa o minuano do pampa lamber o seu cabelo preto de criança cabocla Pisa com teu pé duro de piá descalça a erva rela. Recolhe seus trens e terens. Junta tuas zaratacas e te joga entre a canga, te ajeita na boleia, te aquieta na carroça... Que o tempo vai partir. Ei boi! Toca meu boi bom! No passo bambo do casco cango o carro é um navio que joga de bordo. Vira o estibordo e quase naufraga no riacho profundo. O carro é um navio a mata é um mar o boi a onda o relho a vela a rédea o leme.

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A caravana um caravela para descobrir outras terras abrir outras matas vazar outras águas de outros rios outras pontes outras gentes Guaranis e Terenas Cádieus e Guaicurus Uma nova América de Caiuás e Lanas Um Novo Mundo de Guatós e Paiaguás uma nova Conceição - Ceição! - Ceição! Acorda menina zonza? Chegamo, pai? Chegamo não, minha filha? O Mato Grosso é longe. É além do tempo. É lugar perdido, esquecido. O Mato Grosso é mato puro terra esperando mãe de bicho – homem para derrubar da mata

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para semeia e ameia e colheita, O Mato Grosso é mato puro terra bruta Sem rei e nem patrão Sem arame e sem dono Sem farda e sem revolução. - Ceição! - Ceição!

Conceição e Abílio vieram para Campo Grande em 1957. E são as lembranças da vida que aqui levavam que permeiam a maioria dos relatos concedidos para este livro. Conforme as informações, era em uma casinha de madeira, de chão batido e em meio a uma chácara repleta de árvores frutíferas, que Conceição produzia seus bugres. Localizada “lá pelas bandas da Cidade Universitária, dobrando à direita logo que passa o trilho, quebrando no primeiro atalho (…)” como indica Idara Duncan, em reportagem de 1979 para o extinto Jornal da Cidade. O local citado tem hoje como principal ponto de referencia o Hospital Universitário. Tal recanto era para Conceição motivo de alegria por ser um teto onde morar, mas também de frustração por ser um lugar em que vivia de favor. “Conceição era uma pessoa muito simples e vivia em condições

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de existência precárias. Nunca tiveram, ela e o marido, a casa própria. Eles viviam em um espaço cedido por uma pessoa aqui de Campo Grande”, relata o colecionar Gilberto Luiz Alves que fez inúmeras visitas ao local com intuito de consumir os bugres produzidos por ela. A mesma constatação foi feita pelo cineasta Cândido Alberto da Fonseca durante o processo de produção do documentário “Conceição dos Bugres” (1979). “A Conceição, como toda a pessoa pobre – e ela era uma pessoa muito pobre – tinha seu sonho da casa própria”. Cristina Mato Grosso, em reportagem publicada em 1981 no Jornal da Cidade, intitulada “Conceição dos Bugres - O explorado artista popular brasileiro”, faz uma relação entre o desejo da escultora de ter sua própria terra; com questão do indígena brasileiro expatriado de seu território, retratado pela artista. A partir do relato de Conceição dado ao filme de Cândido, Cristina Mato Grosso resume esta questão: “(…) que a única coisa que a [Conceição dos Bugres] entristecia era o fato de não ter uma terra. É a questão do índio brasileiro. Da tristeza do nosso índio sem terra”. A autora também resgata o motivo que levou Conceição e a família de roceiros a migrarem para o então Mato Grosso: “Ceição veio, plantou, trabalhou, e a terra prometida, a Canaã sonhada, não encontrou”. (MATO GROSSO, 1981, p. 8) A pobreza em que viveu durante toda a sua vida, até mesmo depois de ser tornar uma artista conhecida, era visível a olho nu e inquietava os que reconheciam

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seu talento. “Uma coisa que me incomodava muito era a extrema pobreza da Conceição. Era uma mulher que fazia uma peça já reconhecida e vendida muito cara fora do Mato Grosso do Sul e que vivia em uma extrema pobreza. Conceição viveu e morreu pobre. Mas pobre mesmo! Ela não tinha luz, não tinha água encanada, morava em uma casa muito baixinha, muito pequeninha. Com tudo que fazia o lucro dela era mínimo”, relata a jornalista Margarida Marques, que, ao produzir matérias sobre a artista na imprensa campo-grandense, acabou se tornando uma amiga próxima. O lucro mínimo a que Margarida se refere não era somente o proveniente da produção dos bugres. Roberto Higa, com seus olhos atentos de fotógrafo, constatou que Conceição possuía outras fontes renda, tão trabalhosas e improfícuas como a arte. “Quando eu conheci a Conceição, acredito que ela sobrevivia muito mais das pequenas coisas que fazia. Além de vender os bugrinhos, eu vi ela lavando roupa para a vizinhança. Ela também benzia as pessoas e sempre alguém levava alguma coisa para ela, ou uma abóbora, ou uma galinha. Ela também tinha uma criação própria de galinha, pato e porco no quintal de casa, o que era comum na periferia de Campo Grande”, conta. A criação de animais e o cultivo de plantas que geravam frutos confirmam as práticas agrícolas da artista reveladas por Cândido Alberto da Fonseca. A relação com a terra ainda é marca dos pais roceiros e pode explicar sua frustração em não possuir seu próprio pedaço de chão.

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Apesar da simplicidade em que vivia e imprimia em sua própria personalidade, Conceição sempre estava rodeada de pessoas, a quem tratava com extrema dedicação e recebia com cuiadas quentes de mate. O presidente da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, Américo Calheiros, fala da impressão que ficou das poucas visitas que fazia à artista quando ainda era técnico atuante do departamento de cultura na Secretaria de Desenvolvimento Social. Ele guiava as pessoas que queriam conhecer a figura criadora dos bugres. “A admirei sempre, pois recebia a todos com igual carinho dentro da sua extrema simplicidade. Mas dando atenção e importância a cada um que ali chegava”, descreve. Mesmo com as adversidades de sua vida, a humildade de Conceição não permitia que ela transmitisse seu sofrimento às pessoas que a visitavam, desde os vizinhos que a procuravam para se benzer, aos importantes intelectuais que a visitavam para consumir sua obra. “A Conceição não transmitia um problema. Você via o problema a olho nu e ela não ficava falando dele”, afirma Margarida Marques. Conceição não frequentou escolas. “(...) Nunca foi a um cinema, nunca foi a um circo. Era no círculo limitado daquela casa que ela vivia”, conta a amiga Maria da Glória Sá Rosa, a professora Glorinha, escritora e também ex-presidente da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul. A escritora Raquel Naveira teve um breve contato com a artista quando ainda era muito jovem e, além das impressões colocadas em um poe-

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ma que produziu posteriormente sobre esse momento, constatou os escassos recursos que ela tinha de contato com o mundo. “Eu creio que a Conceição dos Bugres era analfabeta, ela gostava de ouvir rádio”, conta Raquel. O apreço pelo rádio de pilha também é relembrado pela amiga, a professora Idara Duncan, que inclusive explorou essa relação comunicacional da artista em monografia de especialização em Língua Portuguesa, na Fundação Severino Sombra, do Rio de Janeiro. O material foi desenvolvido juntamente com outros colegas, como o educador Hélio de Lima4. “A nossa monografia de Linguística, de Língua Portuguesa, era sobre a Conceição. Sobre como uma pessoa vinha criança do sul e se estabelecia aqui e apesar de não ter muito contato com os meios de comunicação – porque ela só tinha um radinho de pilha, não tinha televisão, essas mídias modernas – era tão autêntica, tão sul-mato-grossense e tão importante para a descoberta das nossas raízes”, relata Idara. As características ásperas de Conceição Freitas da Silva não se limitavam ao seu desconhecimento. Sua aparência física e emocional traziam os aspectos da rudeza de sua vida, mas também refletiam sutilmente a doçura de sua alma. Maria da Glória (2001), descreve Conceição em seu livro Crônicas de fim de século: Na neblina das lembranças, revejo-lhe as rugas, marcas da sabedoria, o sorriso permanente da boca sem dentes, os longos cabelos soltos até a cintura,

4. É mestre em Educação pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) com especialização em Língua Portuguesa. .

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Conceição os pés descalços na rudeza do chão, o jeito acanhado de quem pede desculpas, convidando-me para ver os novos trabalhos, que costumava deixar expostos, num quarto mal iluminado, na entrada da casa. (SÁ ROSA, 2001, p. 69)

Mesmo com a aparência simples, Margarida Marques lembra de detalhes da amiga que indicavam uma certa preocupação em se adornar. “Ela tinha um colar de perolas que sempre usava. Eu nunca vi a Conceição, nem de manhã e nem à tardinha, quando chegava lá, sem aquele colar. Ela tinha vaidade de mulher”. Idara Duncan, relembra da combinação deste colar de contas com seus vestidos estampados. Relata ainda, que Conceição não se pintava, mas de vez em quando trocava os longos cabelos escorridos por um coque em cima da cabeça. A dificuldade em se exprimir podia trazer dúvidas sobre que sentimento Conceição realmente nutria pelas pessoas. Mas para alguns era inegável o amor que sentia por sua família. Seu filho, Ilton Silva, comenta seu afeto por eles. “Apaixonada pelo meu pai. Apaixonada pelos filhos. Só deu amor para nós. Para mim, para meu irmão e para o meu pai. Ela deu tudo que a gente precisava. Carinho, amor e muito pouca repressão. Reprimia sim! Reprimia meu irmão, reprimia meu pai, reprimia eu, mas nos momentos que a gente precisava. Era uma pessoa de muito amor pelo marido e pelos filhos. Tanto que, quando a minha mãe morreu , meu pai nunca mais se casou”. Era em sua família que Conceição pensava a todo

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momento. Não somente quando adquiria alguns trocados para pôr comida dentro de casa, mas também ao notar o valor que tinha a criação de seus bugres. “A Conceição era uma mulher de relações familiares muito fortes. Com o esposo e com os filhos. Era uma mulher que tinha o trabalho como uma espécie de oração. A sua vida era oração, sangue e sacrifício. Havia uma preocupação como mãe pelo destino dos filhos, tanto o destino material, quanto o de deixar a arte como legado. Porque o seus filhos, o próprio esposo, o neto, todos herdaram essa veia de arte”, constatou Raquel Naveira, em virtude da proximidade com Ilton Silva. Simplicidade é a palavra que as pessoas que conheceram Conceição não deixam de dizer para descrevê-la. Simplicidade na vida, na subsistência, nos sentimentos. A simplicidade lhe era cara, a custo de muito trabalho. Mas lhe trazia riquezas em forma de afeto que retribuía na mesma proporção. “A casa dela vivia cercada de pessoas. Era uma figura extremante carismática. Não só pelo fato de ser uma artista consagrada e muitas pessoas se dirigirem a sua casa para conseguir peças, seus bugres. Mas, ouso dizer, que a procuravam mais por ela ser uma benzedeira famosa. Muitas pessoas a procuravam para benzer seus filhos, para curar males do corpo. Então a casa da Conceição vivia sempre cheia de pessoas e efetivamente quem centralizava isso era a própria figura da Conceição”, relata o colecionador Gilberto Luiz Alves.

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Misticismo Não há como falar da origem dos bugres de Conceição, sem pensar em seu lado espiritual e todo o sincretismo religioso que estava presente em seu dia a dia. Em uma rara entrevista concedida a Aline Figueiredo, cinco anos antes de sua publicação no livro Artes Plásticas no Centro-Oeste, de 1979, a artista demonstra-se desprovida de preconceitos religiosos e explica o motivo de sua aproximação do espiritismo: Gosto de todas, mas prefiro a espírita. Desde 15 anos eu frequento centro. Terreiro eu nunca fui, mas deve ser bom. Quando eu tinha 15 anos minha perna amorteceu e eu não podia caminhar. Meu pai, que era espírita, me levou ao centro. Em uma semana eu sarei. Lá no centro me falaram que tinha que seguir, que não podia deixar senão voltava a dor. Então eu segui, por necessidade e precisão. (FIGUEIREDO, 1979, p. 215)

Por gosto, seguia o catolicismo popular, que já carregava na origem de seu nome5 e cujas iconografias religiosos mexiam com seu imaginário e motivaram as primeiras experiências artísticas. “Minha mãe pintou duas telas. Nessas duas telas ela pintou um anjo. Eu acho que foi São Gabriel, São Rafael ou São Miguel. Era um desses anjos. Porque minha mãe era fã desses anjos: Miguel, Rafael e Gabriel”, revela seu filho Ilton Silva. 5. A Imaculada Conceição é, segundo o dogma católico, a concepção da Virgem Maria sem mancha (“mácula” em latim) do pecado original. O dogma diz que, desde o primeiro instante de sua existência, a Virgem Maria foi preservada por Deus, da falta de graça santificante que aflige a humanidade, porque ela estava cheia de graça divina. Também professa que a Virgem Maria viveu uma vida completamente livre de pecado.

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Ao definir o lado espiritual da mãe, Ilton, desvenda um leque ainda maior de crenças e práticas religiosas. “Ela era católica-espírita. Ela era médium. Tanto médium no kardecismo, como na umbanda. Então ela tinha seus guias, que eu não sei quais eram. Mas ela dava passe, ela curava, ela ensinava remédio, ela benzia. Tinha dias que em casa tinham vinte, trinta pessoas para ela benzer. Eu acho que curou ali”. No livro Memória da arte em Mato Grosso do Sul: histórias de vida (1992), Ilton ainda relata que a mãe costumava benzer ele e seu irmão todos os dias. Além disso, era procurada para dar conselhos. Os músicos Almir Sater e Paulo Simões costumavam falar com ela. Apesar dos seguidores famosos, Conceição não fazia distinção entre quem necessitava de suas rezas. Atendia de crianças a idosos como se prestasse um serviço de caridade. “Não vou dizer que ela era uma santa, mas alguém em quem se confiava. Que se comunicava com as divindades. Parece que ela era atendida pela segurança que ela imprimia nas coisas. Porque era uma pessoa que não recebia dinheiro. Há muitas pessoas que recebem dinheiro para dar suas previsões. Ela nunca pediu dinheiro”, relata Maria da Glória Sá Rosa, que sempre ressalta o desapego de Conceição com dinheiro e que inclusive vendia muito barato seus bugrinhos. Não foram poucos os que passaram pela experiência de serem benzidos por Conceição. Até mesmo descrentes, como a então professora do curso de Educação Artística, durante os anos 80, Maria Adélia Me-

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negazzo, e o neto de Conceição, Mariano, que apesar de ser evangélico, não nega o dom que sua avó possuía, foram abençoados por suas palavras. “Eu acho que ela benzia porque tinha uma força muito grande. Ela pegava uma folhinha de arruda e quando ela passava na minha cabeça eu sentia que as energias iam mesmo”, relata o cineasta Cândido Alberto da Fonseca. O evento da benção trazia com ele toda uma intensidade não só a quem recebia, mas aos que presenciavam esta ocasião. Esse foi um dos poucos momentos que Roberto Higa pôde ouvir de Conceição mais do que os sussurros que trocava com seus bugres. “Eu vi lá muitas pessoas que eram benzidas e levavam a vizinhança para que ela as benzesse. Essa foi uma das poucas vezes que eu vi a Conceição falando alguma coisa. Ela meio que recitava aquelas coisas das pessoas que benzem. Tipo uma ladainha que a pessoa fala, canta, não sei! Ela botava um raminho de arruda atrás da orelha, que ela também usava muito e pegava no seu jardinzinho. Ela batia com a arruda e falava uma ladainha”. Geralmente o ato de benzimento vem de família. No caso de Conceição não foi possível constatar quem foi o responsável em passar esse dom a ela. Porém, seu neto Mariano afirma que o avô, Abílio, foi quem passou a benzer depois da morte da avó. Além das rezas, que muitas vezes tinham a função de curar doenças da alma, como acredita Idara Duncan, Conceição herdou do pai o dom de fazer remédios de raízes. Confirmou

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a eficácia de seus chás ao afirmar em entrevista dada a Aline Figueiredo, em 1974, quando tinha por volta de 60 anos. Segundo ela, até então nunca tinha tido necessidade de ir a um médico. Maria da Glória Sá Rosa afirmou em suas publicações o fato de Conceição também ser capaz de prever o futuro. Em sua entrevista, a professora relatou um dos acontecimentos que fez com que sentisse um olhar seguro no que era previsto pela amiga. “Uma vez eu me lembro que fui viajar e meu marido estava com muito medo. Ele já tinha uma vez sofrido em uma dessas viagens por conta de uma tempestade que houve e ele tinha medo de fazer essa viagem. Eu fui lá e ela falou com muita segurança, ‘Pode viajar. Não vai acontecer nada’.” O simples relato pode estar relacionado ao fato de Conceição ter uma intuição aguçada devido à mística que a envolvia.

Conceição dos Bugres Embora, em um primeiro momento, o misticismo religioso de Conceição não pareça estar diretamente ligado ao nascimento de Conceição dos Bugres, a verdade é que uma não existiria se não fosse a outra. Os entrevistados que não conheceram esse universo místico em que era envolta a vida de Conceição, muito antes de se tornar uma artista, intuitivamente percebiam que o bugre tinha os seus mistérios. Amé-

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rico Calheiros, mesmo desconhecendo a força da espiritualidade na vida desta artista, teve a sensibilidade para perceber algo além do que os olhos veem na figura esculpida daqueles bugres. “O que eu sei é que a mística que se criou em torno de Conceição é oriunda da força do seu trabalho. Ali, de um toco, de um pedaço de raiz, que ela cobria inicialmente com cera de abelha, conseguia catalisar a atenção das pessoas pela expressão que cada um vê. Uns falam que achavam os bugres extremamente sofridos, outros achavam enigmáticos, outros achavam misteriosos. Isso torna os bugres uma obra de arte extremamente singular”. O que era apenas impressão de alguns, na verdade é o motivo por trás da criação do bugre. Nunca ninguém soube dizer realmente o que Conceição queria retratar quando esculpiu o primeiro boneco em uma cepa de mandioca. A lenda que se criou é que, inicialmente, foi a imagem de um velhinho que surgiu. O filho da artista, Ilton Silva, revela uma informação a respeito da origem da escultura que poucos sabem. “Uma coisa que ninguém sabe, é que fazem questão de nominá-la como Conceição ‘dos Bugres’. Tudo bem! É isso. Mas a minha mãe não esculpia índios. A Conceição dos Bugres não esculpia índios. Ela esculpia seus catequizadores, os padres. Ela nunca pensou em esculpir um bugre, ela pensou que tava esculpindo padres. Mas as pessoas chegavam e falavam: ‘Olha o bugrinho, olha o bugrinho, olha que bugrinho bonito’, que acabou pegando. Não foi ela quem disse.

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Nem disse que era padre o que ela fazia”. Artista autodidata, ele começou aos 14 anos, quando pintou seus primeiros quadros, Ilton explica o por quê da imagem do dominador se tornar a do dominado. “Eu acho que o artista quando faz a sua obra, faz pro mundo e o mundo é que decide. Os que têm informação é que passam que bugre é bugre ou que padre é padre. A ideia do artista vem em segundo plano.” Apesar de suas peças já serem identificadas como bugres foi ainda sob alcunha de “Freitas” que Conceição fez suas primeiras exposições e ganhou suas primeiras críticas de arte. O tempo que carregou o sobrenome do pai foi quando ocorreu a maior divulgação do seu trabalho, por empenho do casal Humberto Espíndola e Aline Figueiredo. Ele artista plástico, e ela uma entusiasta das artes. O contato de Conceição com esses jovens preocupados com os rumos culturais do sul do Mato Grosso foi intermediado por Ilton Silva. “Eu e o Humberto Espíndola tínhamos um ateliê. A Aline Figueiredo namorava o Humberto Espíndola, era estudante de Direito e se interessou em ser crítica de arte. Nós trabalhávamos, pintávamos, e criamos a Associação Mato-grossense de Arte (AMA). Falei para eles que minha mãe era escultora e eles foram ver as obras dela”. A AMA foi uma instituição criada para começar um trabalho cultural na região. “Através dessa associação, nessa busca por um grupo de artistas, pela formação de uma arte mato-grossense, nós fomos descobrin-

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do e trabalhando cada artista. Procurando ver quem tinha talento. E então levávamos para expor e tomar opiniões em São Paulo, no Rio, para fazer essa arte ser divulgada e crescer. O objetivo era colocar Mato Grosso dentro do cenário nacional e foi assim que conhecemos a Conceição”, relata Humberto Espíndola. Até o ano de 1977, quando o sul do então Mato Grosso foi desmembrado por meio de lei complementar, Conceição Freitas havia participado de nove exposições coletivas e uma individual. A primeira delas foi realizada pela AMA, em 1970, em Campo Grande. Neste mesmo ano os bugres foram expostos na III Exposição Nacional de Arte – V Colóquio dos Museus de Arte do Brasil, em Curitiba (PR). Porém foi na exposição “5 Artistas de Mato Grosso”, na Galeria IBEU, no Rio de Janeiro, que a artista recebeu as mais importantes críticas de arte de sua carreira. Uma de Walmir Ayala6 para o Jornal do Brasil e a outra no catálogo da exposição de autoria de Roberto Pontual7 que em determinado trecho diz: “(...) 6. Walmir Ayala (Porto Alegre RS, 1933 - Rio de Janeiro RJ, 1991) formou-se em Filosofia na PUC/RS em 1954. Entre 1959 e 1965 colaborou, como crítico de teatro, em diversos periódicos, entre eles o Jornal de Letras e a revista Leitura. De 1961 a 1993 publicou livros de literatura infantil e de ficção. Em 1967 organizou, com Manuel Bandeira, a Antologia de Poetas Brasileiros. Ainda em 1967,recebeu o prêmio de Poesia, concedido pela Fundação do Distrito Federal Protesto Contra a Censura, pelo livro Cantata. Foi colaborador do Jornal do Brasil, entre 1968 e 1974, como crítico de artes plásticas. 7. Poeta e crítico de arte, Roberto Gonçalves Pontual nasceu no Recife, em 1939. Na década de 1960, foi diretor da Divisão de Educação Extra-Escolar do Ministério da Educação e Cultura. Entre 1973-76, foi diretor do setor de cursos e do departamento de exposições do Museu de Arte moderna do Rio de Janeiro. De 1974 a 1980, escreveu a coluna de artes plásticas do Jornal do Brasil, RJ.

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Lado a lado, multiplicando-se na aparente igualdade de forma e feições, mescla primeva de homem e animal, essas árduas esculturas de D. Conceição lembram as cabeças em série de ex-votos esculpidos, transferindo-nos linguagem clara dos mistérios à flor da pele.” A artista foi descoberta pelo Brasil. Mas foi somente com a divisão do estado, instalada no ano 1979, que Conceição Freitas da Silva se tornou de fato Conceição dos Bugres. O apelido veio junto com um processo de criação de uma identidade cultural genuína para Mato Grosso do Sul, novo estado que acabava de nascer. Apesar de a intenção ter sido feliz, já que as pessoas ligadas à arte reconhecem o bugre como um ícone da cultura sul-mato-grossense e veem nele uma expressão identitária do povo dessa terra, essa não era nem de longe a intenção de Conceição quando criou seus bonecos. “Minha mãe, Conceição, ela não buscou uma identidade de Mato Grosso do Sul, ela não buscou uma identidade universal, ela buscou uma identidade dela”, relata Ilton Silva sobre a despretensão de sua mãe. O significado que a escultura do bugre assumiu para o estado não mudou em nada a vida de Conceição. Mesmo já consagrada, com peças suas sendo revendidas na Europa e nos Estados Unidos a preços altos, não pôde se dar ao luxo de deixar de lado suas tarefas domésticas. Conciliava as produções dos bugres, que passaram a ser sua principal fonte de renda (ainda pequena), com os serviços que sempre desenvolveu. “Trabalhadeira. Ela saía da cozinha, fazia o almoço para

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nós, pegava sua machadinha e ia fazer a sua escultura. Ás vezes a panela de feijão queimava, porque ela estava envolvida na sua criação. O mais importante para ela era a realização da obra e o feijão que se dane. Cozinha outro!”, descreve com humor Ilton Silva. Humberto Espíndola acredita que a fama, de alguma forma, mexeu com a personalidade de Conceição. Da vaidade nula, responsável por torná-la uma artista, a Conceição dos Bugres, desenvolveu certa estima por sua própria pessoa. “Ela foi uma mulher que veio do Rio Grande do Sul, casou e ficou isolada, deve ter sofrido muito preconceito pelas origens indígenas, o marido gostava um pouco de beber, foi criada e morou em fazenda. De repente ela se viu artista. Paparicada, prestigiada, consumida. Passou a sustentar a família. Se tornou uma matriarca. De repente saiu de um estado de esposa, de prendas domésticas, de submissão, e de repente ela dominou, ela passou a ser a estrela da casa, a financiadora, a cabeça da família, a provedora. Então, ela via essa arte com muito prazer. Ela trabalhava com muito prazer. E eu acho que esse prazer é a essência do grande artista”. A vaidade de Conceição realmente pode ter nascido, mas não mudou muito mais do que as relações que tinha dentro de sua casa. A fama não tornou menos trabalhoso seu rústico modo de produção. “Ela não tinha patrocinador, ela não tinha agente para cuidar das coisas dela. Ela mesma vendia e ficava discutindo o preço com as pessoas”, conta a amiga Maria da Glória, que viu seus

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negócios serem assim até o final de sua vida. Conceição morreu de câncer em uma data incerta. Mas usou de suas previsões para preparar o filho Ilton. Segundo relata Raquel Naveira, Ilton peregrinou de hospital em hospital tentando evitar o inevitável. Nem mesmo na morte Conceição realizou o sonho de comprar o seu próprio pedaço de terra. “Os amigos tiveram que fazer uma vaquinha para comprar o caixão e o terreno aonde ela foi enterrada”, conta Roberto Higa. A força espiritual e os remédios de raízes de planta não foram suficientes para torná-la imortal, mas foram ingredientes para suas esculturas, seus bugres, que acabaram por eternizá-la.

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Madeira de árvore, cera de abelha e vela de santo



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A maior parte do tempo dedicado por Conceição a suas esculturas foi quando morava em Campo Grande. Mas o bugre nasceu em outro tempo e lugar: depois de sair da cidade fronteiriça de Ponta Porã e antes de chegar à cidade que se tornou capital sul-mato-grossense. Foi em Terenos, terra com nome de etnia indígena, que a artista sonhou e pôs em prática o protótipo do que seria o bugrinho. O nascimento e desenvolvimento da escultura do bugre é todo envolto pelo misticismo de Conceição e não foi diferente com o entalhe inicial da peça. Ilton Silva conta com emoção esse momento da gênese artística da mãe: “A primeira escultura que minha mãe fez, ela sonhou. Teve um sonho e pegou uma cepa de mandioca e começou. Ela esculpiu em uma rama que tava verde e molhada. Aquela secou, murchou e ficou uma velhinha. Uma velha que era a coisa mais linda do mundo na cepa de mandioca”. Essa primeira experiência que estimulou o aperfeiçoamento do lado escultora de Conceição ocorreu já em sua maturidade, quando tinha 52 anos, na década de 60. Nesse tempo, ela e a família moravam na Fazenda Modelo, situada no município de Terenos, por conta do trabalho de Abílio, que era policial federal. Foi ainda neste local que Aline Figueiredo e Humberto Espíndola tiveram o primeiro contato com a artista e seus bonecos primitivos. “Um dia nós fomos lá para conhecer a Fazenda Modelo. Conhecer os pais do Ilton. E a Conceição apareceu com aquela história

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do bugrinho feito na mandioca. Apareceu rindo com um bugrinho de pau já, pequenininho, mostrando para mim e para Aline, achando que não era nada. Ficamos muito interessados, achamos aquele bugrinho muito curioso e começamos a estimular: ‘Por que a senhora não faz mais bugrinhos?’ Ela falou: ‘Ah, isso aqui não vale nada.’ Nós falamos: ‘Não, acho que a senhora tem talento sim’. Quando voltamos lá, uma semana depois, ela já tinha uma meia dúzia de bugrinhos. Lindos!”, descreve Humberto. Pode-se afirmar, com alguma certeza, que a opinião de Aline e Humberto serviu como uma motivação para que Conceição continuasse a investir naquelas esculturas. Mas, apesar de muitas pessoas tentarem deduzir quem a teria influenciado a fazer os bugres, Ilton garante que a mãe tinha total autonomia em sua produção. “O processo de criação da minha mãe tinha muito apoio, muita assessoria dos filhos e do meu pai no material de construção. Mas ela não aceitava que ninguém interferisse na sua obra. Se ela aceitasse poderiam ter sido melhores os bugres. Mas ela não aceitava. Ficou aquela coisa. Podia ter melhorado. Mas ela não aceitava de jeito nenhum. Por isso que ficou esse bugre do jeito que está”. Devido à convivência que tinham e até mesmo por conta de algumas temáticas desenvolvidas por Ilton Silva em seus quadros, pode-se achar que exista alguma relação entre o trabalho do filho com o da mãe. Porém, até mesmo a troca de opiniões de um sobre o

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trabalho do outro era mínima. “A minha relação com a obra da Conceição foi muito simples. Não interferi nela. A grande participação que eu acho que eu tive foi dizendo: ‘Não gostei’, ‘Gostei’, ‘Tem expressão’, ‘Não tem expressão’. Se eu pintava e minha mãe esculpia, ela interferia dessa forma nos meus quadros. Também ela falava, ‘Não gostei’, ‘Gostei’. Eu ia por ela e ela ia por mim”. Ilton relembra apenas uma sutil sugestão dada pela mãe que o influenciou na forma como passou a agir com alguns de seus trabalhos. Ao que parece, foi mais um conselho do que uma interferência artística. “Ela só falou uma coisa do meu trabalho. Que eu levei muito a sério. Ela me falou uma palavra que eu não esqueci nunca mais. Eu pintei uma tela. Pintei e não gostei. Minha mãe chegou e eu estava despintando. Passando uma tinta por cima. E ela falou: “Que você está fazendo, meu filho? Você não gostou?”. Respondi: “Não gostei, mãe!” E ela disse: “Alguém gosta!”. Nunca mais desmanchei uma obra minha. A partir disso, mesmo que eu não gostasse, ela deixava e mesmo que ela não gostasse, eu deixava. Por quê? Se você pintou uma coisa que você não gostou deixa para você observar. Tem que ter um relacionamento de pai. Tem que deixar aquela obra que você não gostou para você olhar o erro que você cometeu”. Esta atitude de Conceição pode nos elucidar um pouco sobre como pensava a artista durante o processo de produção de seus bugres. Talvez justifique a par-

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ticularidade de cada um deles e a despreocupação em alcançar uma estética perfeita e uniforme nos bonecos de madeira por parte de Conceição. Estes fatores contribuíram para que suas esculturas fossem consideradas autênticas obras de arte. Aos olhos de alguns, esta forma rústica podia ser confundida com descuido. O neto Mariano, que ajudava a avó desde os oito anos de idade na produção, confessa que ousava dar uma “melhorada” em alguns dos bugres de Conceição. “Eles eram bem feios mesmo. Eu tentava dar uma caprichada quando cortava para ela. Se fosse por ela, deixava daquele jeito, com a cara e boca tudo torta e aí eu encerava e dava uma ajeitada na boca, nos olhos, para ficar bonitinho”. A inquietude de Mariano diante do processo de produção da avó acabou se tornando característica capaz de diferenciar os seus bugres daqueles feitos por Conceição. As peças de Mariano são marcadas por uma similaridade muito grande entre uma e outra. Ao ponto de parecerem produzidas em série. O fotógrafo Roberto Higa acredita que a marca pessoal existe, principalmente, por conta da força física empregada por cada um dos artesãos durante a produção e também pelas diferentes matérias-primas utilizadas. “Os bugrinhos que depois foram feitos por pessoas mais fortes, tipo o Abílio ou o neto dela mesmo, eles têm a forma mais caracterizada de mais uniformidade. Na barriga a coisa é mais uniforme. Então eu acho que ia muito da força dela e da enzima (cera) que ela cobria”.

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Américo Calheiros explica a importância de cada um desses “descuidos” para legitimar Conceição como uma artista. “Eu acho que isso é o resultado real do trabalho de um artista. O que difere o trabalho de um artista de um industrializado? O trabalho industrializado ele é Ipsis litteris8, um igual ao outro. No trabalho do artista, cada um é cada um. Então esse fato de ser único lhe dá uma característica extremamente especial e quando ele deixa de ser único, ele já não é mais arte. O trabalho dela era um trabalho de artista. Peça por peça feita por ela com a sua similaridade e, ao mesmo tempo, com a sua diferença. Ou seja, com a sua especificidade”. Embora a criação de Conceição se desse de maneira muita espontânea, a artista tinha total consciência das particularidades de cada um de seus bugres. Era como se isso fosse um elemento para humanizá-los. Humanidade em que talvez ela mesma tenha passado a acreditar com o tempo. Raquel Naveira descreve como era a relação de Conceição com sua criação. “Era incrível como ela tratava aqueles seus bugrinhos, como se cada um fosse um filho, um filho recém-nascido de um pedaço de madeira, recém-nascido de uma raiz de mandioca, um filho que estava sendo todo preparado com a cera das abelhas, com o perfume das abelhas. E aí ela dizia assim: ‘Este aqui tem uma expressão mais triste. Este outro já tem uma expressão mais alegre. Olha os olhos desse bugrinho!’. Ela realmente tinha um diálo8. Ipsis litteris é uma expressão de origem latina que significa “pelas mesmas letras”, “literalmente” ou “nas mesmas palavras”. Utiliza-se para indicar que um texto foi transcrito fielmente.

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go com os bugrinhos que ela criava, como se fossem seus filhos, como se cada um tivesse uma personalidade própria. Era muito incrível essa relação que ela tinha com a sua obra, com a sua criação. Um carinho com a sua criação”. Outro elemento que reforça essa ideia é o fato de que Conceição nomeava cada um dos seus bugres. “Ela atribuía nomes aos bugrinhos. Ela podia chamar um bugrinho de ‘Chorão’, o outro ela poderia chamar de ‘Alegre’. Então, isso já revela como ela conseguia efetivamente captar movimentos peculiares numa peça. Distinguia claramente uma peça de outra”, conclui o colecionador Gilberto Luiz Alves. Era no terreno cercado com arame farpado, de onde era possível ver o entardecer chegar e esvanecer num belo pôr-do-sol sobre o Lago do Amor, que Conceição criava. Um ateliê a céu aberto, protegido pela sombra das árvores, animado por canções vindas de um radinho a pilha e com um cheiro forte do fumo que Conceição costumava mascar. Lembranças guardadas com carinho pela nora, Sotera Sanches, apesar das implicâncias da sogra com o fato de Sotera ser paraguaia. Todo este cenário em que Conceição estava envolta interferia em sua produção. A artista plástica Lúcia Monte Serrat fala da motivação que esse ambiente proporcionava à artista e do quão prazeroso era vê-la imersa em seu ateliê ao ar livre. “O processo de criação dela era muito rústico. Muito intuitivo. O espaço dela era pequeno, sem muitos cuidados. Mas muito fértil.

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Porque a natureza era a inspiração dela. Então o processo de criação ia surgindo. Na verdade, para isso a gente não precisa de muita coisa. A gente precisa se alimentar. E o alimento pode partir de várias coisas. O alimento da Conceição era a natureza, era a relação que ela tinha com as pessoas e aquela relação que ela tinha com esse imaginário, com essas crenças, com esse ambiente todo em que ela vivia. Então, era muito bonito, era muito gostoso de ver ela trabalhando”. Lúcia conheceu Conceição porque costumava levar seus alunos do curso de Educação Artística da UFMS para aulas de campo na casa da artista. Mas a professora relembra que apesar de ser solícita com os visitantes, a artista não chegava a apresentar todas as etapas de seu processo de criação. “Ela não produzia na frente da gente. Você chegava as coisas já estavam meio prontas, meio encaminhadas, mas no fim ela só mostrava como a coisa funcionava. Ela tinha o espaço dela. Vamos dizer que ela preservava também o espaço da criação. Porque tem gente que não se incomoda de criar na frente dos outros. Outros artistas preservam”. Apesar do momento de criação de Conceição ser muito particular, assim como o de qualquer outro artista, os registros encontrados e as declarações colhidas nos permitem ter uma ideia precisa de como ele funcionava. À primeira vista, a criação não possuía muitos segredos e consistia basicamente em três etapas: o entalhe da madeira, revestimento com a cera de abelha e o acabamento (pintura dos cabelos, nariz, olhos e

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sobrancelhas). Porém, cada fase possuía suas particularidades e era envolta por curiosas histórias de uma artista pesquisadora, que como afirma Maria Adélia Menegazzo, trazia elementos de seu próprio cotidiano para a composição de suas esculturas.

Da cepa de mandioca ao tronco de árvore Os bugres de Conceição passaram por diferentes aspectos até chegarem ao que eram quando consagrados pela divisão do estado de Mato Grosso. A substituição da cepa de mandioca pelos troncos de árvore foi o primeiro aperfeiçoamento feito pela artista. Tal material acabou sendo o suporte utilizado por toda a vida para dar forma aos bugrinhos e foi a matéria-prima essencial para dar singularidade a cada um deles. Em entrevista concedida a Aline Figueiredo (1979, p. 214), a própria Conceição reconhece a importância da madeira em seu trabalho: “Começo a fazer e já vai saindo aquela forma de costume. Muitas vezes nem penso nisso e sai um rindo. Parece que a madeira quer que saia assim. Acho que a madeira manda, manda mais do que eu.” Humberto Espíndola destaca como a simplicidade dos traços de Conceição não era intimidada pela instabilidade dos troncos de madeira. “Os bugrinhos da Conceição cada um tem uma personalidade, cada um tem uma fisionomia, cada um está olhando para um lado, embora tenham todos sido feitos com uma sim-

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plicidade: dois buracos para os olhos, um traço para o nariz, um traço para a boca, um traço para marcar o queixo; mas têm mão, têm postura. A Conceição era muito criativa em relação ao formato da madeira. Ela via o bugre antes de começar a fazer no pedaço de tronco. Às vezes, se tinha um galho para fora ela fazia um bracinho. Ela tinha essa coisa de saber aproveitar o formato da madeira”, constata. Observando os bugres mais antigos, como os das fotografias de Aline Figueiredo (1979, p. 212 -213), referentes a criações do ano de 1970, percebemos que eles pouco lembram a imagem de um bugre. Possuem cortes mais brutos e o rosto mais arredondado, embora o alto da cabeça já fosse reto. Levando em conta a revelação de Ilton, que a intenção inicial da mãe era reproduzir padres, temos a impressão de que os primeiros bonecos realmente lembram mais os catequizadores do que propriamente alguma miscigenação com etnias indígenas. Apesar de não utilizar requintadas ferramentas para a produção dos bugres, foi no entalhamento da madeira que houve uma necessidade de variação de instrumentos, principalmente, devido aos tamanhos que as esculturas foram tomando. Humberto Espíndola conta como foram essas adequações. “O processo de criação começou com a mandioca que era uma coisa que ela esculpiu a faca. Depois os primeiros bugrinhos pequenos ela esculpiu no facão. Depois, quando começou a aumentar de tamanho os bugres, porque foi

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estimulada a ter uma proposta de mais presença, ela passou a esculpir no machado”. O neto Mariano ainda acrescenta a utilização de um serrote e o auxílio de um formão9. No trabalho de extração da matéria-prima era o momento em que Conceição necessitava do suporte do marido e dos filhos. Afinal, ela era uma senhora já de idade e também havia uma certa dificuldade em captar o material, já que a madeira era retirada diretamente do local onde estava plantada, sendo necessário o corte ou até mesmo a derrubada de algumas árvores menores para conseguir o tronco que viria a ganhar corpo e cara de gente. “Eu dei um apoio para ela. Por exemplo, ela me chamava e falava ‘Ilton, serra essa tora aqui para mim’. Eu serrava. Minha mãe falava para o meu pai ‘Abílio, busca madeira para mim’. Meu pai primeiro cortava a madeira, depois chamava carroceiro por carroceiro. A maioria dos bugres da minha mãe naquela época foi o seu Benedito (carroceiro) quem carregava a madeira pra ela”, relata o filho Ilton. Em seu processo de aprendizagem, o neto Mariano também deu assessoria nessa fase de produção. Conforme as obras de Conceição alcançaram maior reconhecimento, passou a haver pedidos para que produzisse versões ampliadas dos bugres. Algumas dessas peças viajaram para a exposição do IBEU no Rio de Janeiro, em 1971. Humberto Espíndola lembra que foi por conta dessas esculturas maiores que o críti9. Utensílio com uma extremidade chata e cortante, e outra embutida cabo.

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co Walmir Ayala achou que a arte se assemelhava à dos esquimós, que costumavam esculpir animais em osso ou marfim para que as crianças brincassem10. O artista plástico ressalta que o aperfeiçoamento não se limitou apenas a ampliação da peça. “A Conceição foi crescendo como artista e os bugres também foram crescendo de tamanho. Depois até virarem totens. Uma cabeça em cima da outra. Que já não era uma coisa original. Mas já era uma coisa assimilada do totem que alguém deve ter posto na cabeça dela, mas que não deixou de perder o valor dentro daquele trabalho”. A fase do entalhamento da madeira foi a mais mutável no decorrer de todo o trabalho de Conceição como artista. Era um momento muito particular, que permitia que ela depositasse toda uma série de sensações e sentimentos em suas peças, tornando-as tão únicas como são únicos cada um dos dias da vida de um ser humano.

Roupa dos bugres Nos enigmas oníricos Conceição encontrou um dos segredos de sua arte:

Uma vez sonhei que o Abílio foi ao mato e trouxe bastante mel. Logo pensei em tirar cera. Espremi ligeiro e pus no fogo a ferver. A cera ficou bonita, amarelinha e então eu peguei um pincel e comecei a passar cera nos bugres. No dia seguinte mandei

10. Conforme explica artigo “Esquimós” do site http://www.klickeducacao. com.br/2006/enciclo/encicloverb/0,5977,IGP-8790,00.html.

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Tainá Jara o Ilton comprar cera. Eu já sabia do efeito através do sonho, já havia gostado. Achei que ficou igual ao sonho e não deixei mais de usar. (DA SILVA apud FIGUEIREDO, 1979, p. 215)

A descrição feita pela própria artista foi registrada em entrevista concedida a Aline Figueiredo. O segundo elemento da obra de Conceição também teve a natureza e seu imaginário como provedores. Os primeiros bonecos de Conceição não possuíam essa camada de cera. Humberto Espíndola relata que inicialmente eles eram envernizados. Já a nora, Sotera Sanches e o neto Mariano, afirmam que era a parafina, usadas em velas, o elemento utilizado para finalizar os primeiros bugres. Mas foi a cera de abelha que ficou na memória de quem conheceu Conceição. Talvez pelo misticismo de sua origem ou pelo efeito estético que dava às peças. Ainda na mesma entrevista a Aline (1979, p.215), Conceição foi questionada de por que ela não podia deixar de usar a cera do mel. A resposta foi categórica: “Não posso. Acho que com a cera fica melhor. A cera não deixa a madeira trincar com o vento. E para mim a cera representa a roupa. Antes o bugre andava nu, agora anda vestido”. A história da roupa do bugre é relembrada também pelas amigas Idara Duncan e Margarida Gomes Marques. “Eu ria muito, porque quando se perguntava à Conceição por que eles eram amarelos, por que eles tinham cera de abelha, ela dizia que era a roupa deles. Que os bugres para ela eram os índios que antes andavam nus e depois passaram a se vestir por força da ‘ci-

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vilização’ e os dela se vestiam de cera de abelha, que era uma coisa natural”, conta Margarida apontando mais um elemento que reforça a ligação com os indígenas. A cera de abelha trouxe mais singularidade às peças de Conceição, além de um efeito diferente. Humberto Espíndola lembra que, quando as esculturas foram apresentadas em exposição no Rio de Janeiro, algumas pessoas acreditaram que eles eram feitos de pedra. Observando os diversos acervos particulares de bugres, percebe-se que as peças possuem diversas variações de tons. Um dos motivos é a ausência da cera. Estes bugres costumam possuir a cor da própria madeira, que vai escurecendo com o tempo. Quando passaram a ser vestidos, os bugres ganharam variações mais claras, do conhecido amarelo até cores mais acinzentadas. Esta variação de cores é um dos elementos mais espontâneos da produção dos bugres. Era um fenômeno que ocorria por acaso e que Conceição não via necessidade de tolher. Como explica Ilton Silva: “Essa diferença não precisava minha mãe perceber. No momento da criação ela esquece matemática, esquece tudo e se volta na sua criação. Então cada um é um. E a tonalidade, minha mãe não botou a cera no bugre porque gostava da cor, mas porque ela sonhou”. Humberto Espíndola procura dar motivos mais concretos para essa peculiaridade das esculturas de Conceição. “Eu acho que essas cores diferenciadas têm muito a ver com a cera. Tem abelhas que fazem uma cera mais clara. Tem abelhas que fazem uma cera mais

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escura. Mais cinzenta. Também a cera, às vezes, tinha que ser comprada. Às vezes, era conseguida de uma cera de abelha natural, porque a Conceição tinha os meios de conseguir. Então, essas coisas são mais ou menos por aí. Depois, de certa forma, se uniformizou numa coisa amarela, porque eu acho que ela descobriu um lugar que vendia cera. Então, essa cera passou a ser comprada e ela tinha um tom colorido de amarelo que permaneceu na maioria dos bugres”. Apesar da simplicidade para explicar a origem da cera e as suas variações, Roberto Higa acredita que essa “enzima” é o grande segredo da artista Conceição dos Bugres. “O mais interessante que eu acho, que é um segredo que a Conceição levou para o túmulo, era a cera que ela produzia para cobrir os bugrinhos dela. Ela produzia uma enzima que ela não mostrava para ninguém, não deixava ninguém ver. Que era uma enzima que ela usava pra cobrir os bugrinhos. Tanto é que eu tenho alguns bugres que não foram feitos por ela onde a enzima derrete e os dela não. Eu nunca vi! E olha que eu conheço quase toda a coleção do Humberto Espíndola e eu nunca vi os dele derreter. Eu vi um em Santa Catarina há pouco tempo, lá em Floripa, uma pessoa que tinha um bugre da Conceição no jardim que estava do mesmo jeito, tomando sol e chuva em um lugar úmido para burro. Esse bugrinho da Conceição estava do mesmo jeito”.

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Cabelos, olhos, sobrancelhas e nariz A utilização da cor preta nos traços do rosto da escultura, nariz, cabelos, olhos e sobrancelhas, passa despercebida por quem descreve a obra de Conceição. Ao serem questionadas sobre esse detalhe, as respostas não são acompanhadas de comentários ou análises profundas. São tratados como acabamentos. Mas foram estes os elementos essenciais para caracterizar as esculturas como bugres. É o sinal de que Conceição permitiu e aceitou que seus bonecos tivessem a identidade vista por tantos na obra desenvolvida por ela. Esta foi a última fase a se integrar ao trabalho de criação da artista. “Piche” e “tinta preta” são alguns dos nomes citados de maneira incerta entre os entrevistados para se referir ao material utilizado. Apesar de não ser fruto de um sonho, como as etapas anteriores, a maneira como surgiu a tinta preta utilizada por Conceição comprova como a religiosidade estava impregnada em seu dia a dia. Ilton Silva revela como foi o processo de pesquisa de sua mãe, para encontrar o que seriam os traços mais característicos dos bugres reais em suas esculturas. “Minha mãe gostava muito das suas panelas. Como é que eram as panelas da minha mãe? Preta, preta, preta, mais gastada. Ela deu uma olhada e pensou: ‘Cabeça dos bugres!’. Aí que nasceu a cabeça preta. Ela raspava a panela e depois pegava uma vela e acendia. Minha mãe era espírita, como eu falei para você. Ela acendia

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as velas para os santos dela. Para os caboclos, para os negros-velhos, para os padres e para os anjos. Aí ela acendia cinquenta velas, pegava uma latinha, que criava uma fuselagem e botava lá. Usava um pouquinho de querosene naquela fuselagem e surgia a cabeça dos bugres. Então a minha mãe fabricava. Não foi a cera, porque não deu certo. A tinta preta era ela quem fazia. Técnica!”. Embora Ilton não deixe claro em sua fala, fica sugerido que a fuselagem era criada por Conceição ao queimar uma lata. Aquela cinza preta que nascia do contato entre alumínio e fogo era retirada com o querosene e misturada à parafina das velas. Esse processo dava origem à tinta preta.

Pretos e Pedras Mesas, pilões, quadros, igrejinhas de madeira, crochê... Estas são algumas das outras peças que, vez ou outra, eram produzidas por Conceição, segundo contam alguns dos entrevistados. Apesar de não aprofundadas, estas declarações revelam certa inquietude artística da personalidade de Conceição, bem como sua versatilidade como escultora. Na produção dos bugres esta característica não ficou ausente. A artista foi capaz de produzir raridades dentro da própria temática do bugre, mesmo que com o tempo eles tenham adquirido um determinando padrão estético e definidas matérias-primas.

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Foram pessoas bem próximas de Conceição que tiveram o privilégio de conhecer e adquirir exemplares quase exclusivos de algumas de suas experiências de variação de material e estética. Talvez os questionamentos acerca dos bugres serem feitos em pedra, por conta do efeito dado pela cera de abelha, motivaram Conceição a fazer algumas tentativas com o material. Tanto Margarida Marques e como Idara Duncan adquiriram peças esculpidas em pedra-sabão. “Ela fez uma vez só bugres de pedra-sabão. O Ilton foi a Minas e trouxe um pedaço para ela. Ela achou absurdo aquilo. Não tinha nada a ver com ela. Mas ela foi mexer e achou maravilhoso, macio e fez três bugres. Depois queria mais pedra-sabão11 e não tinha, porque não era oriunda daqui”, relata Margarida Marques. Idara Ducan foi a segunda contemplada com o bugre de pedra-sabão. “Ela [Conceição] uma vez ganhou uma pedra-sabão e fez três bugres. Por sorte, eu e Margarida Marques estávamos passando, indo para a Universidade, nós fomos visitá-la e ficamos encantadas e, claro, compramos. Não sei quem comprou o terceiro. Mas que eu saiba ela só fez esses três.” Se de fato foram produzidas três peças com esse 11. Esteatito (também pedra de talco ou pedra-sabão) é o nome dado a uma rocha metamórfica, compacta, composta sobretudo de talco (também chamado de esteatite ou esteatita) mas contendo muitos outros minerais como magnesita, clorita, tremolita e quartzo, por exemplo. É uma rocha muito branda e de baixa dureza, por conter grandes quantidades de talco na sua constituição. A pedra-sabão é encontrada em cores que vão de cinza a verde. Ao tato, dá uma sensação de ser oleosa ou saponácea, derivando-se daí sua designação de pedra-sabão. Existem grandes depósitos, de valor comercial no Brasil, em maior escala no estado de Minas Gerais.

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material, a terceira pode ser a que se encontrava em posse de Mariano e estava à venda em seu ateliê, como se constatou em visita ao local durante etapa desta pesquisa. Como mais uma das inspirações provenientes de suas crenças, Conceição criou também pequenos bugrinhos de madeira com todo o corpo pintado pela mesma tinta que utilizava nos cabelos de seus bonecos. Bugres pretos, como conta Mariano. “Os negrinhos eram bem pretos mesmo. Essa tinta preta ela passava todinha no corpo dele. E o cabelo fazia de pó de serra com cola. Bem cabelo de preto mesmo”, revela. Ao que parece, estes eram produzidos como uma espécie de amuletos. Maria da Glória Sá Rosa é uma das que foi agraciada com um desses talismãs. “Até hoje, guardo comigo um bugrinho preto, que ela fabricou especialmente para me dar sorte”, confessa a escritora no livro Crônicas de Fim de Século, de 2001. O cantor Geraldo Espíndola e o professor e colecionador Gilberto Luis Alves também possuem exemplares dessas peças.

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Feios, mansos e complexos



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Posição de sentido, corpo amarelado, pés discretos, nariz, cabelos, olhos e sobrancelhas pretos, um traço fundo para a boca e expressões que mudam a cada novo olhar de quem os contempla. Assim era a maioria dos bugres de Conceição. Cuja feição muitos dizem ser semelhantes as do próprio rosto de sua criadora. No mesmo ano em que se nasce o estado de Mato Grosso do Sul, desmembrando-se de Mato Grosso, nascia também uma nova Conceição, a Conceição dos Bugres. Esta Conceição já vinha sendo gestada e nasceu da necessidade de se criar uma identidade cultural genuína para Mato Grosso do Sul. Por ela ser uma artista já conhecida nacional e internacionalmente, tornar sua obra uma representação da nossa cultura foi um processo natural. A singularidade e a identificação de aspectos regionais na figura do bugre tornaram sua adoção como referencial simbólico da população desta região praticamente inquestionável no meio artístico. Mas porque houve essa identificação? Por que denominaram bugre uma peça cuja a intenção da artista ao fazê-la era quase oposta ao que surgiu? Por que essa escultura ultrapassou as fronteiras mesmo carregando traços de uma regionalidade tão específica? Por que foram os bugres que ficaram marcados na memória das pessoas, havendo aqui esculturas tão belas como as perfeitas curvas dos animais em pedra e madeira de Júlio César Rondão, o Índio? Em torno de questionamentos como estes surgiram associações e teorias na tentativa de procurar

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respostas à origem e ao magnetismo dos bugres de Conceição. Porém, nenhuma dessas deduções foi capaz de explicar de forma completamente racional esse fenômeno artístico. O misticismo de Conceição sempre envolveu sua criação. Maria Adélia Menegazzo relembra a associação feita certa vez por uma antropóloga, entre os bugres de Conceição e arte desenvolvidas pelos povos Andinos. Idara Duncan deduz uma relação entre as esculturas da artista e os Moais da Ilha de Páscoa12, no Chile. Roberto Higa encontra nas próprias pinturas rupestres dos morros de Aquidauana e da cidade de Nioaque, no interior no estado de Mato Grosso do Sul, alguma elucidação sobre as inspirações de Conceição. O fotógrafo cita também as figuras publicadas no livro “Eram os Deus Astronautas?”, do suíço Erich von Däniken13. Inferências à parte, apenas uma teoria se consolidou, ganhando espaços em artigos acadêmicos e outras publicações artísticas. Porém, tais conclusões não deixaram de lado o caráter ancestral dos bugres de Conceição proposto por alguns dos entrevistados. No relatório final do subprojeto de pesquisa “O Artesanato em Mato Grosso do Sul: Análise Centrada na Organização Técnica do Trabalho”14, o professor e 12. São as mais de 887 estátuas gigantescas de pedra espalhadas pela Ilha de Páscoa, no Chile. Construídas por volta de 1200 d.C. a 1500 d.C. pelo povo Rapanui. 13. Escrito em 1968, o autor teoriza a possibilidade de antigas civilizações terrestres serem resultados de alienígenas (ou astronautas) que para as épocas relatadas teriam se deslocado. 14. Relatório final do subprojeto de pesquisa “O Sindicato de Artesãos de Mato Grosso do Sul e o desenvolvimento regional: história e implicações

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colecionador Gilberto Luiz Alves apresenta uma teoria a respeito. Em sua discussão, acreditando ser a mais fecunda sobre a obra de Conceição, ele considera relevante “o fato de a forma geral dos bugres se muito assemelhada à dos pequenos totens reproduzidos na obra Os Caduveo em fins do século de XIX”. Tal publicação, a que Gilberto se refere, é de autoria do fotógrafo, pintor, desenhista e etnólogo italiano Guido Boggiani que, em 1887, aventurou-se pelo interior do Brasil, Bolívia e Paraguai para documentar a vida dos índios da região e comercializar com peles de animais, especialmente dos cervos do Pantanal. Através desse debate, Alves conclui que: O entendimento adotado é o de que essas formas são manifestações resultantes do processo cultural tal como se engendrou e se desenvolveu em Mato Grosso do Sul. Nesse processo, a presença indígena foi relevante e muito contribuiu para a constituição da singularidade regional. A forma que passou a identificar os bugres de Conceição, reveladora dessa singularidade, foi suscitada inconscientemente no processo de concepção da artista. A força influenciadora dessa forma decorria do fato de se encontrar difusa nas relações sociais. Logo estava presente em Conceição, enquanto figura submetida às práticas sociais e à memória coletiva do espaço em que vivia.

Tal teoria também é apresentada pelo artista plástico Humberto Espíndola, em um folder da exposição “Conceição e sua gente”, realizada no Museu de culturais e ambientais”, integrante do projeto Propostas de desenvolvimento regional em Mato Grosso do Sul e suas implicações culturais e ambientais, financiado pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Anhanguera-Uniderp.

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Arte Contemporânea de Mato Grosso do Sul, Marco, em 2004, em Campo Grande. Humberto descreve o seguinte:

Reconhecida, internacionalmente, ainda em vida, Conceição criou, inconscientemente, um obra que reata, no tempo e no espaço, a confecção de bonecos de madeira que Guido Boggiani constatou como tradição artesanal entre os índios da família Mbayá-guaicuru que habitavam nossa região e o Chaco Paraguaio, interrompida no início do século passado. E essa retomada, iniciada pela nossa Conceição, parece-nos hoje um fato definitivo, quando observamos que mesmo depois de sua morte, os “bugres” continuam vivos e procriando-se.

Guido Boggiani registrou bonecos de madeira muito parecidos com os bugres de Conceição. Segundo Boggiani, os bonecos representavam para os indígenas deuses ou ídolos ancestrais, porém as mesmas esculturas eram utilizadas como brinquedos pelas crianças (BOGGIANI apud SANCHES e CAMPOS, 2011, p. 8). Humberto Espíndola acredita que esses bonecos eram feitos em contraposição aos santos barrocos dos espanhóis e portugueses que exploraram a região durante esse período. O artefato funcionava como uma espécie de contracultura aos exploradores europeus. Para ele, os bugres de Conceição são uma retomada desses bonecos . Essa ideia acabou ficando na atmosfera desta região. Como confirmação dessa ancestralidade, Humberto Espíndola conta um episódio em que um macaco chimpanzé de um circo, vizinho à casa de sua família, teria sido levado por dona Alba, mãe de Humberto, a fazer uma visita à residência. Durante a recepção o

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macaco se portou educadamente, até o momento em que se deparou com um dos bugres da Conceição e se curvou diante dele como se aquilo fosse uma espécie de santo ou símbolo de adoração, assim como os bonecos produzidos pelos Kadiwéus. Apesar desta articulada teoria, que apresenta uma ligação entre os bugres de Conceição e peças produzidas no século XIX, sua obra possui um caráter contemporâneo. A crítica de arte Maria Adélia Menegazzo aponta como recorrente o uso de artes primitivistas por diversos artistas na intenção de inovarem seus trabalhos. “Eu acho a linguagem utilizada por Conceição em sua escultura extremamente contemporânea. Os bugrinhos possuem traços essenciais da forma humana. Na história da arte vemos, por exemplo, quando os modernistas vão buscar na arte primitivista um parâmetro para a constituição da forma. Se pegarmos, por exemplo, Matisse15 e Picasso16, na Europa, no início do século XX, eles observam exposições de arte primitiva e mudam totalmente a história da arte. O cubismo, quando começa, tem na arte africana e na arte dos povos da Oceania um referencial importantíssimo. Se virmos as máscaras que o Matisse e o Picasso colecionavam e depois vemos os desenhos ou esculturas deles falamos: ‘Pronto! Já sei de onde vieram.’ É 15. Henri Matisse foi um artista francês considerado, juntamente com Picasso e Marcel Duchamp, como um dos três seminais do século XX, responsável por um evolução significativa na pintura e na escultura. Faleceu em 1954. 16. Pablo Picasso foi um pintor espanhol, Falecido em 1973. É reconhecido como um dos mestres das artes do século XX.

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uma redução do humano a sua essência em termos de traços. São poucos, mas você olha, vê e fala: ‘Isso é uma figura humana’. Então eu acho que a arte da Conceição tem essa característica. Ela é uma arte extremamente limpa e sintética, mas que expressa com propriedade aquilo que ela quer passar”, conclui.

A palavra “bugre” Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2000, p.111) define a palavra “bugre” de quatro formas: “1. Etnôn. Indivíduo dos bugres, povo indígena que habita o S. do Brasil. sm. 2. Fig. Designação genérica dada ao índio, especialmente o bravio ou aguerrido. 3. Fig, Indivíduo rude ou inculto. 4. Pertencente ou relativo a bugre.” A falta de uma definição categórica para tal palavra nos mostra claramente uma incerteza sobre seu real significado. Em outras publicações “bugre” é associado a um denominação dada aos indígenas brasileiros pelo fato de serem considerados não cristãos pelos europeus17. Também é reafirmada, assim como na definição do dicionário Aurélio, a ligação com os índios do sul do país, mais especificamente a tribo dos Caingangues18, da qual Conceição contou a Roberto Higa descender. Apesar das inexatas definições, em todos os 17. Segundo a definição dada pelo site “Wikipédia - A enciclopédia livre”, no endereço: http://pt.wikipedia.org/wiki/Bugre. 18. Segundo um das definições dadas site Dicionário Informal, no endereço http://www.dicionarioinformal.com.br/bugre/

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casos a palavra está sempre associada aos indígenas. Porém, os diversos significados não apresentam o tom pejorativo que a palavra carrega ao ser usada cotidianamente. No estado de Mato Grosso do Sul é comum ouvirmos a expressão ser utilizada pelos fazendeiros para se referirem a tribos indígenas que ocupam terras, na intenção de recuperarem seus tekohas19, como denominam os Guaranis. As acadêmicas Silvana Colombelli Parra Sanches e Maria Luiza Silva de Campos, em artigo intitulado “A Obra de Conceição dos Bugres: ancestralidade e identidade”, citam Luís Augusto de Mola Guisard para explicar a origem da palavra “bugre” e sua significação mais usual:

Os bugres eram indivíduos com características indígenas, sugerindo uma origem distante dos centros urbanos. O termo era usado principalmente nos espaços públicos – especialmente em referência àqueles que possuíam características específicas ligadas a uma tradição indígena da região – mas poderia ser usado também em espaços mais reservados. Fica claro que o termo é pejorativo, para identificar aqueles que apresentam alguns traços físicos específicos – cabelo de flecha, liso, escorrido; olho rasgado, nariz meio achatado; escuro sem ser negro – que estão associados a aspectos culturais, sociais, psíquicos e econômicos também específicos: o bugre é rústico, atrasado; o bugre verdadeiro é do mato, aquele

19. “Tekoha” significa para os índios a sua terra, seu espaço vital de sobrevivência, necessário para viver, plantar e se desenvolver. De ‘teko’ (= costume, modo de ser) e ‘ha’ (= lugar em onde), é uma palavra Guarani que significa não só o território físico no qual uma comunidade indígena vive, mas também as relações sociais (do mesmo modo, não só as relações econômicas e de subsistência, mas também as interpessoais) e espirituais que ocorrem neste lugar.

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Tainá Jara que está escondido, mais agressivo e arredio; [...]. [grifo do autor]. (GUISARD apud SANCHES e CAMPOS, 2011, p. 06)

O professor Américo Calheiros comentou sobre a contribuição dos bugres de Conceição para ressignificação dessa expressão. “A força indígena está presente em todo país e ela conseguiu produzir na sua forma de expressão, a que foi dado o nome de ‘bugre’, essa força do índio brasileiro ou do bugre. Inclusive, extrapolando esse sentido e essa visão mais de desprezo que as pessoas sempre tinham com a palavra ‘bugre’. Desse preconceito também. ‘Bugre’ era sempre assim: ‘Aquele bugre!’ Aqui em Mato Grosso do Sul, sempre a palavra ‘bugre’ carrega a tinta do desprezo e a Conceição, de alguma forma, quebrou também com esse paradigma. Não que isso esteja completamente ausente da nossa cultura, mas ela contribuiu com um pensamento novo a respeito disso e também com a diminuição desse preconceito em cima do nosso índio. Porque quando você fala ‘índio’ é de um jeito. Aqui quando se fala ‘bugre’, eu sempre observei, é menosprezando.” O professor Edgar Nolasco (2009, p. 12) no artigo “Bugres sulbalternus” reafirma a importância da adoção do termo “bugre” para se designar as esculturas de Conceição no debate entre opressor e oprimido: Não veríamos tanto problema se a alcunha de “bugres” para as suas esculturas tivesse partido da própria Conceição dos “bugres”, principalmente porque ela fala de um lugar subalterno específico dentro do contexto da cultura da sociedade hegemônica, branca e letrada. Agora se tal denominação, que é sempre pejorativa, tivesse partido, por

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Conceição exemplo, da crítica ou até mesmo de alguma instituição do Estado, avultar-se-ia em tal rubrica uma peja totalmente negativa, culturalmente falando, na produção artístico-cultural da escultora.

O autor ainda acrescenta que a criação dos bugres carrega um caráter político-social:

Voltamos agora aos “bugres subalternus” de Conceição dos Bugres, por entender que eles não se prestam tão-somente à apreciação estética, mas também como representações culturais que desarticulam o lugar social que o Estado, assim como os demais discursos dominantes e institucionais, põem aquele sujeito subalterno representado, esculpido no trabalho artístico.

Nós próprios O resgate das origens da população sul-mato-grossense, que os bugres de Conceição apresentam, pode ser um dos fatores que levou a uma identificação tão marcante com essa obra. Apesar das diversas produções artísticas de Mato Grosso do Sul, foi o bugre que ficou marcado na memória das pessoas. É claro que essa reação acontece, em maior ou menor medida, a partir de condições no sentido de incentivo à valorização cultural inclusive, de políticas públicas, trabalhos de arte e educação e uma infinidade outras iniciativas que ainda não ocorrem de maneira plena. Considerando isto, pode-se dizer que os bugres de Conceição tiveram mais um fator de superação ao serem tomados pelas pessoas ligadas à arte e por parte da população,

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como um fator de identificação do nosso povo. Apesar de toda a discussão em torno do conceito de identidade e todas as significações que esta palavra possa assumir de acordo com determinadas áreas das ciências humanas, é impossível não reconhecer uma ligação entre os bugres de Conceição e a população do Mato Grosso do Sul no que tange a identificação, no sentido de reconhecer alguma coisa sua no outro. A responsabilidade de depositar na figura do bugre de Conceição a função de identificar o povo dessa região se fortaleceu com a divisão do Estado, como aponta Américo Calheiros. “Foi o primeiro produto de arte que as pessoas qualificaram como um produto genuinamente sul-mato-grossense no campo artesanal. Porque até então, antes de Conceição dos Bugres, você não tinha nada que num estado jovem, que estava mostrando sua cara para os próprios sul-mato-grossenses e para o Brasil, que identificasse no campo da arte algo que fosse a cara de Mato Grosso do Sul. O bugre da Conceição foi o primeiro produto artístico artesanal que conseguiu catalisar essa força da nossa identidade. E até hoje. Passaram-se tantos anos, acho que mais de 40 anos que ela começou esse trabalho, e não perdeu a sua força, a sua energia, e representa com muita autenticidade o que é Mato Grosso do Sul, sua arte e seu povo”. Diversos fatores podem justificar a identificação desta escultura com nossa terra, nosso povo. Para Margarida Marques, a forte ligação com estes bugres, está justamente no que apresentam no momento em

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que pousamos os olhos sobre eles, a ligação com as populações indígenas, que para a jornalista é presente com muita força em nosso estado. “Ela expressava os primeiros habitantes de Mato Grosso do Sul. O estado é até hoje a segunda população indígena do Brasil. Na verdade, é uma população muito expressiva. Uma população que tem idiomas diversos. São os Guarani-kaiowás, são o Terenas, são os Guatós, os Ofaié-Xavantes”. A crítica de arte Maria Adélia Menegazzo lembra o quanto a figura do bugre está ligada a nossa cultura local, aparecendo como elemento regional na obra de outros artistas, como o poeta Manoel de Barros. “O bugre também é uma marca da cultura local. Não vou dizer que seja geral, porque se a gente for pensar o que é o Mato Grosso do Sul hoje, ele é um ‘cadinho’ de muitas culturas. Mas o bugre é, sim, uma marca da nossa cultura. Eu acho interessante, porque, por exemplo, você pega um poeta como Manoel de Barros, que é o que a gente pode chamar de uma cultura erudita. Ele não é um poeta popular nesse sentido. Ele é um poeta erudito. E ele sempre fala, ‘sou de bugre’. ‘Eu ando pelos desvios, porque é nos desvios que o bugre acha os araticuns mais maduros’. Então, ele usa sempre informações da cultura local para formação dessa poesia, que não é uma poesia só daqui. Mas eu acho que essa marca do bugre ela vai aparecendo por toda a nossa cultura e nisso a Conceição traz uma contribuição muito grande”.

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O bugre é capaz de ao mesmo tempo possuir características particulares de um povo e de uma região e não ser excludente com essa representação, o que acaba contribuindo com esta identificação, como acredita a artista plástica Lúcia Monte Serrat. “O estado de Mato Grosso do Sul é um estado que tem uma miscigenação, não sei se miscigenação é a palavra, mas ele tem muitas culturas e sempre se procurou uma identidade para representá-lo. De repente o bugrinho ele vem trazendo uma identidade que pode e que mostra que é nossa. Ele não existe em nenhum outro estado. Ele surgiu nesse estado, ele é característico desse estado. Ele representa essa junção cultural, na verdade. Ele não marca nenhuma etnia, por exemplo. Não define nenhuma etnia. Porque se não fica assim: ou é japonês, ou é árabe, ou são os gaúchos. O bugrinho ele é o Mato Grosso do Sul. Ele foi se colocando e as pessoas foram se apropriando dele. Eu acho que foi uma feliz apropriação”. Além de toda a carga ancestral que leva a identificação com os bugres de Conceição, o fato de ela ter deixado esta produção artística como herança após sua morte, também contribuiu à reafirmação dessa identificação. Com os bugres sempre presentes é difícil não os associarmos a nossa identidade cultural. O bugre carrega fortes traços que identificam especificidades de um estado que nasceu em meio a chegada de imigrantes, extermínio de etnias indígenas, fronteiras, divisas e limites definidos por questões territoriais, políticas e sociais. Apesar disso, alguns dos

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entrevistados propõem um debate em torno do trabalho de Conceição dos Bugres que vai muito além das representações locais. Idara Duncan explica a profundidade da obra no contexto de identidade cultural. “O bugre não só é o símbolo da nossa cultura, como ele projetou este estado, não só no Brasil, projetou o estado no mundo. Também é importante por mostrar o que é a força do artista, o que é a cultura como fator de identidade para um povo. Por isso a cultura tem que ser tão valorizada, porque é a carteira de identidade daquele povo. É a cultura que mostra quem você é e o diferencial entre os povos”. Partindo de uma linha de reflexão parecida com de Idara e elucidando sobre a reais intenções de Conceição ao produzir esta peça, Ilton Silva fala sobre o caráter além de fronteiras da escultura do bugre. “Eu acho que os bugres da Conceição não estão dentro da identidade de Mato Grosso do Sul. Eles vão além um pouquinho. Uma identidade latino-americana. Tem pessoas preocupadas com essa identidade latino-americana. Como tem pessoas preocupadas com a identidade da sua regiãozinha ali. Mas eu tenho certeza que os bugres da Conceição vão além da identidade de Mato Grosso. Na identidade de Mato Grosso estão incluídos, sim, os bugres da Conceição. Isto está pronto! Mas os bugres da Conceição eles têm que servir para quê? Para buscar uma identidade latina. E quando busca essa identidade latina, ela vai para uma identidade

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universal. São critérios que se exigem para chegar ao universalismo. O regional está embutido no universal. O universal está embutido no regional. Mas nós queremos uma identidade latino-americana. Minha mãe se preocupava com essa identidade. Nós não somos só brasileiros. Minha mãe era filha de argentina. E minha mãe buscava um identidade latino-americana. Ela passou essa informação para mim e eu aceitei. Hoje eu não busco mais uma identidade MS. Eu já tenho essa identidade. Isso está em nós”.

Entre a beleza e a utilidade Escultura, arte e artesanato são os principais termos utilizados para se referir aos bugres de Conceição nos registros documentais encontrados. Em publicações não especializadas, como as jornalísticas, essa variação é mais frequente. Tal aspecto reflete uma certa confusão quanto a definição do trabalho produzido por Conceição, que acaba tornando indispensável um debate sobre a questão. Conforme é colocado pela pesquisadora Maria Adélia Menegazzo, é comum existir dúvidas se o trabalho da Conceição é arte ou artesanato, por condições colocadas no próprio processo de produção dos bugres. “Existem esses questionamentos devido ao fato de haver a repetição de uma determinada forma. Uma repetição que inclusive continua depois que ela morre.

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Porque o marido dela continua fazendo os bugrinhos e depois que o marido morre, o neto continua fazendo os bugrinhos. Então nessa repetição da forma poderia ter embutido um conceito de artesanato”. Ela ainda acrescenta que podemos falar em artesanato na escultura do bugre, a partir da continuidade feitas por Abílio e Mariano, pois nestes casos já não haveria os traços particulares de Conceição. Entre os entrevistados, é unânime a colocação dos bugres de Conceição como obra de arte. O principal ponto utilizado para justificar a utilização desse termo é o fato de cada bugre apresentar características muito particulares, apesar de possuírem um certo padrão estético, com suas posições de sentido e cabeças chatas. A artista plástica Lúcia Monte Serrat justifica o uso do termo arte e onde o artesanato se encaixa nesta discussão. “Cada bugrinho da Conceição tinha uma pesquisa. Tinha a pesquisa da cera que ela usava, a pesquisa da tinta, da cepa. Ela começou com uma cepa, depois mudou. Tudo isso é uma pesquisa de arte também. Porque na verdade, todo artista é um pouco artesão. Aliás, um pouco não, é muito artesão. Eu acho que as duas coisas se misturam muito. O que separa, é que na arte você se coloca, você coloca a sua emoção em cada peça. Você difere uma peça da outra. No artesanato você repete sem muita preocupação de que uma peça seja diferente da outra. Maria da Glória Sá Rosa usa os ares humanos que Conceição acreditava teren seus bugres para clas-

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sificar tal escultura como arte. “A arte é diferente do artesanato, porque a arte é única. Uma peça dela é única. Você não vai fazer isso em sequência. Só ela podia fazer. A arte é isso, um produto único e indivisível. Como se fosse a representação do ser humano”. Já Ilton Silva é simples ao definir as obras da mãe como produtos artísticos. “A proposta era ser arte. Porque é impossível uma escultura entrar no artesanato. Porque artesanato não tem três dimensões. Uma escultura tem. Ou uma escultura é arte ou não é arte. O da minha mãe é arte. Poderia não ser arte. Mas nunca foi artesanato, porque é escultura. Então escultura não entra no artesanato. Artesanato é o que? A peça de gesso feita em uma fôrma. Um escultura de gesso tem três dimensões, mas ela teve uma fôrma. Não tem criatividade é uma cópia de uma obra de arte”. Apesar das opiniões, é possível levarmos essa discussão para um campo mais teórico. Marlei Sigrist (2000, p.77) define artesanato “como todo objeto confeccionado por uma pessoa ou pequeno grupo, com características domésticas, cuja função é utilitária. O objeto produzido pelo artesão tem uma utilidade prática no seu cotidiano, seja para fins domésticos, de trabalho ou religioso”. Neste sentido, se levarmos em consideração a ancestralidade que envolve as esculturas dos bugres, a intenção inicial da artista era produzir padres e alguns de seus bugres eram apresentados como uma espécie de amuleto, como é o caso dos bugrinhos pretos. Então

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podemos considerar que as peças de Conceição possuem um caráter artesanal. Marlei Sigrist (2000, p.77) também apresenta o conceito de arte popular, que, segundo a autora, consiste na

(…) produção espontânea do artista que desconhece as regras e os conceitos de arte, estabelecidos por Instituições, empregando o seu padrão ideal de beleza, cuja função é decorativa. Tendo em vista o que já foi apresentado sobre o processo de criação de Conceição dos Bugres suas peças se encaixam perfeitamente nesta conceituação. (grifo do autor)

Após apresentar tais definições, Marlei lembra ainda que muitos artesanatos apresentam manifestações artísticas, cuja finalidade é conseguir melhor visual. Por essa afirmação, a autora mostra que é possível a coexistência dos dois conceitos em uma mesma peça. O professor Gilberto Luiz Alves (2013, p. 2) define três modalidades artesanais a partir da divisão técnica do trabalho artesanal e das razões que estiveram em suas origens. São elas: artesanato ancestral, artesanato espontâneo e artesanato induzido. Em sua teorização o trabalho de Conceição é apresentado como espontâneo, aquele que:

(…) é produzido individualmente por pessoas simples, que, no passado, exerceram atividades econômicas que lhes permitiram ter certo domínio teórico-prático compatível ao que, no futuro, se caracterizaria como artesanato de peças ornamentais. Foram oleiros muitos ceramistas; foram carpinteiros ou marceneiros muitos entalhadores em madeira; foram seleiros ou peões diversos artífices de peças em

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couro. De início, quase sempre, entregavam-se ao artesanato sem visar finalidade econômica. Respondiam a uma necessidade interior e sentiam tal prazer ao realizar o seu fazer que os identificavam como exercício de lazer. Com o tempo, começaram a vender seus produtos, complementando, assim, seus rendimentos.

Para o autor a modalidade de artesanato espontâneo é a principal reserva daqueles artesãos que, pela perfeição de seus produtos, pelo apuro técnico, pela sistemática busca de beleza e pela criatividade, são guindados à condição de artistas. E é neste caso que, segundo Gilberto, se encontram os bugres da Conceição entalhados em madeira.

Do barato ao caro A dúvida em conceituar os bugres de Conceição como arte ou como artesanato é também acentuada pelo aspecto comercial polarizado a que suas obras foram e são sujeitas. Pelas mãos da artista os produtos eram vendidos por preços muito pequenos. O fotógrafo Roberto Higa acredita que tal atitude está relacionada à personalidade e à própria forma de vida da artista. “Ela só queria saber da arte dela, ou melhor, ela só conseguia entender a arte que ela fazia. Ela não conseguia entender ‘como vou fazer para ficar rica’, ‘como eu vou fazer para morar em uma casa minha’, ‘como é que eu

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vou fazer para ter meu almoço todos os dias’. Esse tipo de artista eu acho que fica em outro patamar, em outro departamento. Porque não tem nada a ver com artista que é bom para comercializar. Então, são dois tipos de arte completamente diferentes”, acredita. Mesmo a partir do momento em que Conceição passou a fazer da venda dos bugres uma forma de sustento, a artista não acrescentou em sua “tabela de preços” a singularidade de cada uma de suas peças. Maria Adélia Menegazzo relata que apesar da artista vender muito barato ela buscava comercializar todas as peças que produzia. Essa atitude nos apresenta um caráter quase industrial em sua produção, em que se produz muito para se vender barato. Paradoxalmente, a atitude de algumas pessoas mais instruídas que consumiam as obras de Conceição e tinham consciência de seu valor como obra de arte, era revendê-las a altos preços. Margarida Marques relatou uma situação onde podemos concluir que estas práticas não eram incomuns. “Em 1980 se vendia muito caro no Rio de Janeiro. Porque eu encontrei lá bugres sendo vendidos em casa de antiguidade, muito caros”. A jornalista ainda contou que ao questionar o gerente do estabelecimento sobre qual era a origem de suas compras, ele alegou que não tinha permissão para dar esta informação. Se na década de 80 já era possível encontrar os bugres sendo vendidos por valores tão altos, como relata Margarida, podemos ter uma noção de quanto deve

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valer um bugre da Conceição nos dias atuais. Provavelmente, chegou ao patamar de ter o valor comercial de uma verdadeira obra de arte. Apesar de questionados, nenhum dos entrevistados soube estimar em quanto está avaliada uma escultura de Conceição. Humberto Espíndola, sendo detentor de um dos maiores acervos particulares de bugres da Conceição, juntamente com Aline Figueiredo, disse que mesmo tendo consciência do grande valor comercial desta obra, é muito difícil encontrar alguém que queira se desfazer delas. Porém foi possível encontrar no ateliê de Mariano quatro bugres produzidos pela Conceição. Pelos valores a que as peças estavam sendo vendidas, constatamos que o neto possui com os bugres uma relação de comércio semelhante a que Conceição mantinha com eles. O neto da artista oferecia o preço de R$ 4 mil reais por uma família de quatro bugres, três de madeira e um em pedra-sabão. Um valor baixo, se considerarmos os preços que as obras costumam possuir no mercado das artes.

Herança em forma de gente Talvez a maior peculiaridade das esculturas de Conceição e também o motivo que pode ter deixado os bugres tão marcados na memória do povo sul-mato-grossense, é a continuidade deste trabalho pelas mãos de Abílio e Mariano. O marido e o neto da artista to-

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maram para a si a responsabilidade de não deixar que os bugres caíssem no esquecimento ou se limitassem a serem lembrados apenas entre os intelectuais. A família realiza, inconscientemente, um trabalho de resistência. Além das técnicas de produção das esculturas, a família de Conceição herdou traços de seu estilo de vida e elementos de seu misticismo, que continuaram a interferir no processo de criação dos bugres. Lúcia Monte Serrat conta sobre uma revelação feita por Abílio em uma das visitas que a artista plástica fez a ele. “Quando a Conceição faleceu o seu Abílio ficou meio depressivo, porque os dois estavam sempre muito juntos, ela fazia a arte dela, mais ele que cortava a cepa, ele que serrava. Ele participava diretamente do trabalho da Conceição. Quando ela faleceu ele ficou meio depressivo. Quando fui visitá-lo, ele me disse que a noite ele teve um sonho em que Conceição dizia: ‘Velho, não fica triste. Não fique triste! Por que você não continua fazendo os bugrinhos? Porque os bugrinhos são uma companhia e você não pode perder a companhia. Se você está se sentindo sozinho, continua a fazer os bugrinhos’. A partir desse sonho, Abílio teria iniciado a feitura de seus bugres, que se diferenciam dos de Conceição pelos traços rigidamente retos e profundos. Mariano foi o herdeiro formal da arte de Conceição. Pois, desde menino, por volta de seus oito anos de idade, na chácara onde aproveitava para colher guavira, ajudava a avó na produção das esculturas. Depois de quase dez anos observando a gestação e o nascimento

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de centenas de bugrinhos, Mariano dominou as técnicas de produção e também adquiriu um estilo próprio que passou a imprimir em suas peças. Após a morte da avó, fez um ateliê em sua própria casa para por em prática as técnicas herdadas. A áurea mística de Conceição ainda permanece na produção de Mariano. Apesar de ser evangélico, ele admite que é a presença da avó o que o motiva e também a sua mãe, Sotera, a produzirem os bugres. “Quando produzimos ela está ali perto de nós. Querendo que nós façamos. Não deixando a gente parar de fazer os bugrinhos”, conta o neto. Segundo ele, é necessário que haja uma inspiração para que consiga criar as peças, o que não acontece todos os dias. Apesar de receber com carinho os bugres da avó, que vez ou outra chegam as suas mãos para passar por uma espécie de restauração, Mariano apresenta o mesmo desapego que Conceição com as peças que produz. “Eu tinha uns bugrinhos originais dela aqui e podia ficar com eles. Mas não gosto de ficar com bugrinhos. Tem que vender. Não quero nada dela, não. Porque é muito triste. Eu já estou fazendo o bugrinho que era ela quem fazia. Estou dando continuidade”.

Aos olhos de cada um O bugre tem um significado muito particular para cada uma das pessoas. Existem os que acreditam que a ligação com a terra, que hoje é Mato Grosso do

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Sul, e com os povos indígenas é a mais evidente manifestação nas esculturas de Conceição. Esta opinião é compartilhada pela maioria dos nossos entrevistados, inclusive por Raquel Naveira. A escritora acredita que, mesmo dentro destas manifestações, a artista conseguiu ir além da expressão estética. “Os bugrinhos transcenderam. Eles expressam a própria alma indígena, a alma guarani do sul-mato-grossense. Eles expressam a alma de fronteira do nosso povo, porque nós somos um povo da fronteira. Uma fronteira que fica entre o bem e o mal, entre a beleza e a tristeza, entre a vida e a morte. Os bugrinhos expressam essa alma indígena, rude, tosca, porém sensível e forte do sul-mato-grossense”. Américo Calheiros afirma que a expressão indígena do estado trazida nos bugres não é capaz de limitar territorialmente a linguagem destas esculturas. “Eu acho que os bugres são a expressão da cultura indígena do Mato Grosso do Sul, que de alguma forma extrapola as nossas fronteiras. Por que não podem ser expressão da cultura indígena brasileira? Afinal ela não era sul-mato-grossense. Ela era uma gaúcha”. Para alguns dos entrevistados os bugres são capazes de despertar sentimentos muito particulares, que dialogam com a personalidade e com o emocional de cada um. Maria da Glória Sá Rosa acredita que eles são capazes de captar até mesmo sentimentos pessoais da gente desta terra. “Eles expressam um olhar sul-mato-grossense para a vida. Um olhar de confiança.

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Porque eles estão sempre em posição de sentindo. Você pode olhar! Eles não estão nunca de mãos levantadas, a espera de alguma coisa que vai acontecer. Eu acho que eles expressam um olhar de confiança pela vida. Eles ensinam às pessoas que é preciso confiar. Nunca desesperar. É uma coisa meio religiosa mesmo, mística”. Talvez pela maior proximidade com Conceição dos Bugres, conhecendo os recônditos da personalidade da artista, Ilton Silva vê características da própria mãe nas esculturas. “Os bugrinhos expressam a Conceição. Uma pessoa de fé. Se você pegar os bugrinhos você vê que eles têm determinação. Tem um que eu botei o nome de Eu vou lá, outro de Vou lá e passo, e o outro de, Eu vou buscar. Então eu acho que é determinação que tem esses bugres. Eles não mostram tristeza. Nem alegria. Eles mostram momentos de uma decisão da vida que você está em busca de alguma coisa. Está buscando com determinação, busca e acabou. Não tem conversa. Não tem obstáculo. Eu acho que esses bugres são muito determinados. Apresentam um desejo de conquista, de uma evolução, de sobrevivência. Determinação mesmo!” Idara Duncan ousa ir mais fundo em sua opinião. “Eles expressam todos os sentimentos! Porque a partir do olhar de quem vê uma obra, ela responde. Tem bugrinhos alegres, bugrinhos tristes. Quando as pessoas estão tristes elas se identificam. Quando estão alegres se identificam também. Os bugrinhos expressam o povo sul-mato-grossense, o povo brasileiro, o povo mundial.”

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Alimentanda por homenagens



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Apresentar esta personagem como Conceição Freitas da Silva e Conceição dos Bugres, separadamente, não representa somente a reafirmação da passagem de um mulher humilde a uma artista capaz de identificar seu povo através de suas esculturas. Representa um paradoxo vivido por muitos artistas brasileiros que ficam entre a fama e o esquecimento, entre a pobreza financeira e a riqueza estética de sua produção. Apesar de reconhecer que Conceição não ganhou dinheiro com suas esculturas, Ilton Silva contraria o que relatam os outros entrevistados, ao insistir que sua mãe não passou por grandes privações. “Ela viveu feliz. Comeu o que ela quis. O dinheirinho era pouco mais dava. Para quê dinheiro se não é para isso?”. A opinião de Ilton pode ser influenciada pelo próprio estilo de vida que adotou para si, sem grandes apegos materiais. A escolha de viver desta forma, talvez pelos mesmos motivos de Conceição, esteja mais relacionada a uma questão de necessidade do que de escolha. Como foi dito anteriormente, as pessoas que conheceram Conceição não se conformavam com a pobreza em que ela vivia. Esta indignação poderia não existir se se tratasse de uma mulher comum, mas Conceição era uma artista e as pessoas que se manifestavam incrédulas diante de suas condições de vida tinham consciência da injustiça que esta situação representava. “Conceição não pedia nada a ninguém”. A afirmação da professora Maria da Glória Sá Rosa demonstra o que muitos alegam: Conceição não se revoltava com

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os percalços de sua vida. Porém, o fotógrafo Roberto Higa conta uma passagem em que evidencia que a artista não se mantinha passiva diante de sua situação. O fato, segundo o fotógrafo, ocorreu em um das poucas homenagens de grande repercussão que Conceição dos Bugres recebeu em vida, em 1982, no Círculo Miguel de Cervantes20, em São Paulo. No evento, houveram diversas manifestações, feitas por artistas, políticos e intelectuais, voltadas à história e ao trabalho de Conceição. Houve dança apresentada pela academia de Marilú Guimarães21, cinema com Cândido Alberto da Fonseca, fotografia com Roberto Higa, música com Geraldo Espíndola22 e a poesia de Raul Longo. Além da presença de Tetê Espíndola23 e Almir Sater24, que na época residiam na capital paulista. Sobre a reação de Conceição perante tal homenagem, Roberto Higa conta a seguinte passagem. “Eu acho que foi único evento em que se fez uma homenagem a Conceição dos Bugres. E um detalhe que eu não esqueço, é que a coitada da Ceição, volta e meia, perguntava para mim. ‘De quanto é que vai ser o prêmio que eu vou ganhar? De quanto é que vai ser?’ Ela, coitada, uma pessoa sempre necessitada de dinheiro, como sempre aconteceu com os artistas aqui no estado desde o antigo Mato Grosso, estava preocupada com o 20. Colégio Miguel de Cervantes Av. Jorge João Saad, 905 – Morumbi São Paulo – SP. 21. Ex-deputada de Campo Grande, professora, empresária e jornalista brasileira. 22. Compositor, músico e cantor sul-mato-grossense. 23. É uma cantora, compositora e instrumentista sul-mato-grossense. 24. É um violeiro, compositor, cantor e instrumentista sul-mato-grossense.

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dinheiro, com quanto seria o prêmio que ela ia ganhar. Eu não sei quem que teve a incumbência de explicar para ela que não ganharia dinheiro. Porque na verdade ela ganhou uma placa e ganhou um ramalhete de flores. Mas eu acho que não a satisfez, não!” O relato de Roberto Higa reflete bem a contradição da vida de Conceição. Porém algumas pessoas tentam extrair um ponto positivo nesta antítese. Raquel Naveira conta o que sentiu ao ver as obras de Conceição em um dos museus do Rio de Janeiro. “Esses dias andando pelo Catete25, ali perto do Museu da República, existe o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, e a Conceição dos Bugres está presente como a representante do Mato Grosso do Sul. Cada vez que eu passava por ali e via as fotos da Conceição com seus bugrinhos eu ficava profundamente emocionada. Apesar de todo esse sofrimento que nós testemunhamos – sofrimento também de mãe, porque é muito sofrido você observar seus filhos e não poder dar o que gostaria e ficar imaginando o futuro deles. Tudo isso eu percebi na Conceição. A falta que ela tinha de mais recursos, mais tempo, mais material para poder desenvolver a sua obra. Então, dentro desse quadro de beleza, tristeza e melancolia e ao mesmo tempo de luta, de garra, de sobrevivência, ver a obra da Conceição dos Bugres lá no Rio de Janeiro me deixou muito tocada. Porque percebemos que a obra é maior que tudo, ela vence todas as dificuldades, todas as barreiras. Quando ela tem 25. Bairro do Rio de Janeiro

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essa força da poesia, essa força da universalidade, ela se impõe por cima de todas as contingências”. Américo Calheiros, que visitou o mesmo museu durante os anos 90, acrescenta que nas obras da ala referente à região Centro-Oeste, os bugres de Conceição eram as únicas peças representando o estado de Mato Grosso do Sul. Apesar de não existir um mapeamento dos bugres pertencentes a acervos públicos, foi constatado que alguns museus abrigam as esculturas em exposição permanente. Além do museu no Centro de Folclore e Cultura Popular, no Rio de Janeiro, o Museu de Arte e Cultura Popular da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT- MACP) e o Museu de Arte Contemporânea de Mato Grosso do Sul (MARCO) possuem bugres de Conceição. Rosa, Duncan e Penteado (2007, p.38) listam as exposições de que Conceição dos Bugres teria participado até o ano de 1997. Coletivas: 1970 – Panorama das Artes Plásticas em Campo Grande/MS – AMA - Referência Especial III Exposição Nacional de Arte – V Colóquio dos Museus de Arte do Brasil – Curitiba/PR 1971 – 4 Artistas de Mato Grosso – Brasil Galeria IBEU – AMA - Rio de Janeiro/RJ Ilton e Conceição – Galeria Hotel Campo Grande – AMA – Campo Grande/MS

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1972 – Arte Brasil Hoje – 50 Anos Depois – Galeria Collectio – São Paulo/SP 1974 – Mostra de Arte das Olimpíadas do Exército – Brasília/DF – Medalha de Ouro Bienal Nacional – São Paulo/SP Mostra Inaugural do Museu de Arte e Cultura Popular da UEMT – Cuiabá/MT Mostra Estadual de Artes Plásticas – Museu de Arte e Cultura Popular da UEMT – Cuiabá/MT 1975 - Panorama de Artes Plásticas em Mato Grosso/MT Museu de Arte e Cultura Popular da UEMT – Cuiabá/MT 1978 – Artistas de Mato Grosso do Sul – FCMG – Corumbá/MS 1997 – Exposição In Memorian – Centro Cultural José Octávio Guizzo – Campo Grande/MS Individual: 1975 – Museu de Arte e Cultura Popular da UEMT – Cuiabá/MT Rodrigo Teixeira (2011, p. 19), acrescenta a esta lista a Exposição Conceição e Sua Gente – Museu de Arte Contemporânea de Mato Grosso do Sul – Campo Grande/MS. Esta listagem nos mostra que as exposições que impulsionaram a consolidação do trabalho de Conceição do Bugres, inclusive fora de Mato Grosso, foram realizadas entre os anos de 1970 a 1972. Este

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período se refere aos anos em que Aline Figueiredo e Humberto Espíndola trabalharam intensamente com a artista em Campo Grande, através da Associação Mato-grossense de Arte (AMA). Após esse período o casal se mudou para Cuiabá, capital do estado ainda unificado, e continuou trabalhando com a artista provendo inúmeras exposições na cidade. Maria da Glória Sá Rosa conta que Conceição sempre dizia que as pessoas que a tornaram famosa eram Humberto e Aline. Foram eles os responsáveis por apresentar os bugres para o mundo das artes. Apesar do trabalho de Conceição dos Bugres ser genuíno e pioneiro, sem o empenho deste artista plástico e desta crítica de arte, o pouco reconhecimento que Conceição teve em vida talvez nem tivesse existido. Também o filho da artista, Ilton Silva, conta do esforço do casal em divulgar o trabalho da mãe: “A Aline e o Humberto pegavam as esculturas da minha mãe, não sei nem que carro que a Aline tinha, e botavam tudo no porta-malas e saíam vendendo. Então essa parte de comercialização eles ajudaram e sempre pagaram certinho para nós. A Aline, falando em crítica de arte, foi a primeira que defendeu, que falou, que mostrou Conceição dos Bugres para o poder público. Aline pegava a imprensa e falava, ‘Ela é boa!’. Eu não devo favor para eles não. Eles fizeram o que tinham que fazer. Foram lá e descobriram o valor, pegava e levava para a imprensa. Todos os jornais falavam em Conceição. Correio do Estado, aquele dos Diários Associados

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do Assis Chateaubriand, Diário da Serra. Assis Chateaubriand adquiriu obras da Conceição e minhas. Era Conceição para cima e para baixo. Eles fizeram o trabalho direitinho. Porque não forçaram a barra. A Aline vendia e divulgava. Não é que se não fossem a Aline e o Humberto ela não seria conhecida. Se não fossem eles, seriam outros. Mas a questão é que foram eles que promoveram a Conceição. Que fizeram a promoção das suas obras. Que deu valor para a obra da Conceição”. A classe artística de Campo Grande foi o primeiro setor a contribuir com ações que ajudavam no reconhecimento de Conceição dos Bugres e de sua obra por parte do público. A artista serviu como tema para diversos setores artísticos. No audiovisual, a artista foi retratada no documentário de Cândido Alberto da Fonseca, “Conceição dos Bugres” (1979). Em 1984, sua história foi tema da peça de teatro “O Sonho de Ceição”, sob direção de Cristina Mato Grosso e encenado pelo Grupo de Teatro Amador Campo-grandense (GUTAC). Posteriormente, o Grupo se tornou o Instituto de Educação e Cultura Conceição Freitas (INECOM), em homenageando a própria artista. Na poesia recebeu, além da homenagem de Raul Longo, os versos do poema de Raquel Naveira, “Conceição dos Bugres” (2006). Entre as manifestações póstumas está o espetáculo do Ginga Companhia de Dança, “Conceição de Todos os Bugres” (2000), de Luis Arrieta26. 26. Bailarino e coreógrafo argentino.

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Nas artes plásticas foi representada por diversos nomes, além do próprio Ilton Silva. Júlio Cabral a homenageou com a tela “Conceição” (1999), o aquidauanense Carlos Cabral, utilizou a figura dos bugres em um dos quadros da série “Aquidauana, Brasil” (2004), Magno Missirian dedicou uma série à artista, com as telas “Tributo à Conceição I, II e III” (2012). Porém, mesmo bem intencionadas, as ações do meio artístico eram limitadas e não tinham como amparar Conceição financeiramente. O único setor capaz de dar este suporte era o poder público. A jornalista Margarida Marques relatou que o descaso do governo com a artista Conceição dos Bugres durante sua vida foi representado, ironicamente, no dia de seu velório. Ela conta que o governo do Estado de Mato Grosso do Sul enviou uma coroa de flores enorme pelo falecimento. De tão grande, a homenagem não coube dentro da pequenina casa de madeira em que seu corpo estava sendo velado e teve que ficar no meio da rua.

Pioneira para as artes e peças promocionais para o governo As críticas ao tratamento dado pelo Estado à Conceição e suas obras são intensas por conta da representação desta artista perante todo o panorama das artes de Mato Grosso do Sul. Muitos não acreditam que estampar a figura de seus bugres em peças promo-

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cionais de eventos culturais e turísticos do Estado seja o suficiente para valorizar as obras de uma artista. Alega-se seu pioneirismo nas artes sul-mato-grossense e o suporte dado às próprias entidades públicas voltadas para cultura, fazendo-as surgir de maneira representativa com a divisão do estado, sendo a figura dos bugres de Conceição a principal representação artística do MS. Ilton Silva fala do porquê de Conceição ainda ser tão significativa para a cultura do estado. “Hoje você não vê um escultor em Mato Grosso do Sul com projeção igual à da Conceição. A Conceição é um incentivo. Quem quiser ser famoso, ser bom e representar a cultura tem que conhecer a Conceição. Na escultura não tem uma nova geração. Até hoje não esqueceram a Conceição. Quando esquecerem é porque apareceu um que superou ela na nova geração. A Conceição é a velha geração. Na nova geração não tem um escultor e nem uma escultora agora que a supere. Então a importância dela é esta, a de que ainda estão buscando alguém que seja melhor do que ela. Tem que ter alguém disposto a superá-la. Essa é a importância da Conceição na cultura sul-mato-grossense!”. Margarida Marques acredita no pioneirismo da artista. “Assim como a Lídia Baís é artista plástica precursora no Mato Grosso do Sul, a Conceição é a artista popular precursora no estado. É a primeira artista popular que realmente deu um símbolo ao estado. Então, ela tem toda a importância”.

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As acadêmicas Silvana Colombelli Parras Sanches e Maria Luiza Silva de Campos utilizam uma citação de Roger Bastide27 para se posicionarem de forma esclarecedora sobre a relação da artista com o poder público local:

(…) a obra de Conceição coincide com a própria trajetória da sociedade em que está inserida. Certa vez, Bastide (2006, p. 296) escreveu que “[...] na América do Sul [...] a arte serve às populações mestiças para mostrar por intermédio de seus escritores suas capacidades intelectuais contra as elites brancas”. Entretanto, o que se percebe ao pesquisar sobre Conceição, é, para usar as palavras de Bastide, uma mestiça aplaudida pela elite branca sul-mato-grossense para servir a interesses muito específicos, que são a legitimação lírica da cultura de um Estado em formação. (BASTIDE apud SANCHES e CAMPOS, 2011, p.5)

Presidente da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul desde janeiro de 2007, Américo Calheiros acredita que o reconhecimento de Conceição independe das ações do poder público. “A Conceição sempre teve seu espaço. Porque o grande artista, ele esta acima das ações de governo. Ele existe pela qualidade, pela propriedade e pela força que seu trabalho tem. É assim que um artista passa de fato ser um artista.” Margarida Gomes Marques considera deficitário o tratamento dado pelo governo, já que os recursos no setor são insuficientes, dificultando o desenvolvimento 27. Foi um sociólogo francês que faleceu em 1974. Em 1938 integrou a missão de professores europeus à recém-criada Universidade de São Paulo, para ocupar a cátedra de sociologia. No Brasil, estudou durante muitos anos as religiões afro-brasileiras, tornando-se um iniciado no candomblé da Bahia.

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de políticas públicas para a cultura no Mato Grosso do Sul. “O apoio financeiro que é dado é irrisório. Porque acontece o seguinte: tudo que você fizer que não é comercial precisa de apoio, e a arte não é industrial. Necessita ter políticas públicas para isso. Não é ajudar. É política pública. Assim como tem para a saúde, para a educação”, afirma. Apesar das dificuldades enfrentadas pelos órgãos responsáveis pela área da cultura, pode se destacar algumas iniciativas tomadas no que concerne ao reconhecimento de Conceição dos Bugres. A maioria destas ações foi feita após a morte da artista e por esse motivo acaba tendo um caráter mais de homenagem. Além de publicações relacionadas à Conceição, financiadas pela Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS), que segundo Américo Calheiros têm a função de preservar a memória para as futuras gerações, existem iniciativas mais pontuais. Entre essas está a réplica em pedra de um bugre de Conceição, pesando duas toneladas, instalada em frente ao Centro de Convenções Rubens Gil de Camilo28. A reprodução foi feita por Ilton Silva e pelo artista plástico José Carlos da Silva, o Índio. Conceição dos Bugres também dá nome a um residencial, inaugurado pelo governo do estado e prefeitura em 2009, na Vila Nasser, em Campo Grande. Gilberto Luiz Alves também relembra que o Conselho Estadual de Cultura considerou o bugre de Conceição como ícone 28. O Centro de Convenções situa-se na rua do Poderes, no Parque dos Poderes, em Campo Grande – MS.

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cultural de Mato Grosso do Sul, ainda nos anos 90. O que podemos considerar a iniciativa mais significativa do estado de Mato Grosso do Sul no que tange a preservação de parte da obra de Conceição dos Bugres é o acervo da exposição permanente do Museu de Arte Contemporânea de Mato Grosso do Sul (MARCO), fundado em 1991. Porém é o fortalecimento deste acervo que é apontado como iniciativa mais viável e necessária de ser fortalecida para a preservação da memória de Conceição dos Bugres e da própria arte sul-mato-grossense. Grande parte dos bugres produzidos, podemos dizer que os mais belos, estão guardados longe dos olhos do público, em acervos particulares. Um dos principais deles pertence a Humberto Espíndola e Aline Figueiredo. Humberto acredita que o maior reconhecimento por parte do Estado seria montar este acervo. “Deveriam ir atrás das pessoas e oferecer uma grana para ter um acervo particular. Todas as vezes que tiveram exposições de Conceição dos Bugres aqui no estado, eu tive que emprestar o meu acervo, até que ele foi muito estragado e eu nunca mais quis emprestar. Então o governo, hoje, se quiser fazer uma exposição de Conceição dos Bugres, não tem como fazer”, pontua. A mesma opinião é compartilhada pelo colecionador Gilberto Luiz Alves. “A Conceição conseguiu sensibilizar setores culturais do nosso estado. A obra dela inclusive foi consagrada como ícone cultural de Mato Grosso do Sul. O que nós não temos ainda é um

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trabalho no sentido de reunir a obra de Conceição e preservá-la como ela merece. Colocando inclusive a público. Nós teríamos que pensar em soluções no sentido de colocar essa obra à disposição de todos, para educar o olhar, analisando e vendo estas obras em espaços públicos”.

Herança do não-reconhecimento Não podemos negar que, de trinta anos para cá, houve significativos avanços na área cultural, com a consolidação de órgãos destinados a cuidar do setor e a criação de diversos espaços públicos, como o MARCO, a Morada dos Baís, o Centro Cultural José Octávio Guizzo e o Memorial da Cultura Apolônio de Carvalho. Porém, alguns entrevistados manifestaram uma crítica muito séria no que tange a distribuição dos recursos para fomentar as manifestações artísticas, mesmo com a existência do Fundo Municipal de Incentivo à Cultura (FMIC) e Fundo de Incentivo da Cultura do Estado (FIC). Segundo Gilberto Luiz Alves, a situação é agravada pela falta de um movimento expressivo de animação cultural por parte da sociedade civil, como houve em outras épocas. Quanto às partes que competem ao poder público e ao artista, Américo Calheiros faz a seguinte colocação: “Eu acho que o artista ele tem a sua independência, tem a sua vida própria e quanto mais independente

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ele for, mais ele vai ter na sua obra o retrato da sua independência, que lhe permite dizer as coisas da forma que ele entende, mesmo que isso em um dado momento confronte-se com coisas que muitas vezes as pessoas, até a grande maioria, não concorda. Então essa independência de cada artista eu acho extremamente vital. Inclusive para que seu trabalho seja a expressão genuína do seu pensamento, das suas emoções, da sua sensibilidade. O Estado tem que, antes de tudo, ter respeito por esse trabalho, segundo, tem que buscar dentro das possibilidades que tem, a divulgação, a abertura de novos espaços, a facilitação da comercialização, o registro desse processo de trabalho que o artista desenvolve, no caso dos artesãos, e buscar, obviamente, dar condições para que o artista aprimore na sua arte”. Os membros da família de Conceição que ainda teimam em viver de arte herdaram da artista dificuldades semelhantes para realizar o seu trabalho. Alguns desses percalços estão diretamente ligados a alguns pontos citados por Américo Calheiros em relação ao papel do Estado. Sotera Sanches fala das dificuldades que enfrenta no dia a dia para a criação e comercialização de seus totens de madeira e dos bugres de Mariano. “No geral, eu acho que o trabalho nosso como artista é muito difícil. Porque ninguém nos ajuda. Temos que nos virar para trabalhar. Tudo é comprado. Nada é de graça. Quando você vai vender, as pessoas choram. Falam que é muito caro. Não querem valorizar. Mas a gente tem que ven-

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der assim mesmo. O lugar onde mais vendemos é na Casa do Artesão. O estado não ajuda. O que o estado dá é abrir a Casa do Artesão para vendermos. Colocar lá o nosso trabalho. É isso que o estado dá, um espaço para nós. Mas mesmo assim eles ganham 30% em cima para vender. A gente bota em um preço e ele põem 30% em cima”. Mesmo sendo reconhecido internacionalmente, Ilton Silva sempre enfrentou dificuldades em viver de arte. Sem ajuda e passando por problemas financeiros, ele se viu obrigado a deixar Mato Grosso do Sul. Por este motivo ele é radical em sua crítica a atuação dos órgãos de públicos competentes. “O estado do Mato Grosso do Sul, Campo Grande, não tem condições de segurar artista. A Fundação de Cultura evidentemente faz exposições das minhas obras, mas esquece que eu tenho que comer. Quando estou trabalhando eu como feijão com arroz, eu bebo cachaça, eu fumo. Sou um ser humano igual a todo mundo. Quer dizer que só eles podem tomar seus uísques e eu não posso? Posso. Eles fazem um trabalho cultural. Nesse trabalho cultural, eles não entendem que o artista tem que viver, tem que vender as telas. O estado tem que ter um compromisso com os artistas. Agora que compromisso que tem que ter? Vender suas obras. Mas expor para dizer, ‘Eu estou fazendo um trabalho pela cultura’ e artista no seu ateliê morrendo de fome? Falta gente que entenda que o artista também é gente. Artista não é bicho. Artista não é tatu. Não é formiga que fica ali comendo miga-

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lhas. Artista está produzindo, está trabalhando, está funcionando, engrandecendo esse estado”. Apesar da indignação, Ilton reconhece que esta valorização não depende apenas do poder público, e fala da necessidade de organização da sociedade civil com a criação de um grupo especializado para levar propostas ao poder público. “O compromisso de reconhecer o artista está nos intelectuais do estado. Os críticos de arte, os historiadores, presidente de Fundação de Cultura. Essa gente tem que buscar montar uma equipe com capacidade de reconhecer as verdadeiras obras. Porque, senão, vai se enganar. Vai cometer injustiça. Eu acredito que o estado de Mato Grosso do Sul dá um reconhecimento para as obras da Conceição e para as minhas, dentro do que nós somos. Eu e a Conceição somos artistas que representamos hoje o estado de Mato Grosso do Sul e também o Brasil. Como eu fui para os Estados Unidos representando o meu país. Mas dentro do que o Estado pode fazer, é isso aí. O Estado não pode me fazer maior que eu sou”.

Na tinta preta das páginas de jornais Partindo do pressuposto colocado pela escritora Raquel Naveira, de que a responsabilidade de reconhecimento da cultura não é somente do Estado, mas sim dos acadêmicos, estudantes, jornalistas e comunidade em geral, é importante discutirmos brevemente a pos-

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tura de uma das áreas que contribuíram com importantes publicações na pesquisa sobre Conceição dos Bugres. O jornalismo teve um papel fundamental no reconhecimento desta artista, como vimos anteriormente em relato de Ilton Silva. Porém é necessário levar em consideração que nas primeiras publicações referentes ao trabalho de Conceição, houve um impulso dado por Aline Figueiredo, que, de certa maneira, tinha uma influência dentro do meio jornalístico. É inegável a importância que esse primeiro passo teve para impulsionar as publicações que se seguiram. Nenhum dos entrevistados afirmou que Conceição foi esquecida pelos jornalistas, porém ao analisarem o que é feito atualmente surgem críticas e reflexões. Jornalista, Cândido Alberto da Fonseca analisa a abordagem sobre Conceição dos Bugres, a partir do que considera um novo fenômeno no jornalismo cultural. “Eu acho que a imprensa reconhece quando tem eventos falando da Conceição. Porque a nossa imprensa passou a ser uma imprensa de mediação de agendas. Se temos um evento “X” e um evento “Y”, você sai na imprensa. Mas ela perdeu o senso crítico, ela perdeu a orientação midiática do que vai ser impresso e do que não vai ser impresso. Então, não existe! Eu acho que a cultura só vai ter sua importância o dia que ela entrar na agenda política. Por enquanto ela é uma dimensão de pessoas que fazem, como se fosse um trabalho gratuito, gracioso para você ter fama e aparecer na imprensa”.

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Esta opinião também foi colocada pela jornalista Margarida Marques. Segundo ela, os espetáculos aparecem consideravelmente nos jornais antes de acontecerem, mas acabam sumindo das páginas assim que se realizam. Não existe crítica. Mas a jornalista crê que há ressalvas. Apesar de não ser jornalista, Idara Duncan chegou a produzir textos sobre Conceição para o extinto Jornal da Cidade. Para ela, inicialmente havia uma visibilidade maior nos jornais do trabalho de Conceição por ela estar ativa. A professora destaca ainda que, atualmente, poucos jornalistas conhecem a artista. Ilton Silva relata que o suporte dado pela imprensa ao trabalho de sua mãe foi o que motivou algumas ações por parte do Estado. “A imprensa é a coisa fundamental. Por quê? O que adianta um Estado reconhecer um artista e não divulgar. Para isso serve a imprensa. Não é que a mídia fabrica artista. Mas a mídia mostra o que está em evidência. Então a imprensa foi a coisa mais importante que teve para a obra de minha mãe. Se não tivesse imprensa a obra da minha mãe não chegaria ao poder público. Por que o poder público não mandou a imprensa fotografar as obras da minha mãe. A imprensa foi lá, fotografou, poder público viu, divulgou e mostrou.” Dando continuidade às obras da avó, Mariano conta que a procura dos jornalistas é um dos únicos reconhecimentos que batem a sua porta. “Eu fico alegre. Nós sentamos ali na sala, eu e minha mãe, e assistimos.

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Eu chamo ela para ver. ‘Olha lá, tem uma entrevista falando sobre a minha vó e sobre nós!’ Jornalista é bom ter. Já teve muitos jornalistas que vieram aqui conversar comigo”, relata. Entre as críticas colocadas pelos entrevistados sobre a postura do jornalismo cultural está a necessidade de publicações mais especializadas. Como crítica de arte, Maria Adélia Menegazzo, coloca que ainda não há de fato um jornalismo cultural nos veículos de comunicação de Mato Grosso do Sul. “O que existe aqui é a iniciativa de alguns jornalistas que tem um olhar mais preocupado para a área da cultura. Mas a gente não tem, por exemplo, um suplemento cultural, a gente não tem todo um caderno no jornal dedicado só à cultura. Quando eu digo cultura, tudo bem, pode incluir a cultura de massa também. Mas eu acho que tem um espaço muito pequeno para as manifestações da nossa cultura. Eu acho que isso é quase relegado a um segundo plano”. Humberto Espíndola acredita que as publicações nesta área poderiam ser melhoradas com a criação de um acervo maior que possibilitasse aos jornalistas pesquisas mais aprofundadas para suas matérias. Gilberto Luiz Alves atribui a falta de debate nos jornais que abordam a temática da cultura à falta de uma educação cultural.

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Conclusão



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Pesquisar Conceição Freitas da Silva foi como costurar uma colcha de retalhos. Foi um desafio juntar os pedaços da vida desta artista sem poder confirmar nada a partir de sua boca. A pesquisa póstuma contida neste livro não pode ser considerada completa e definitiva. Possui seus buracos e imprecisões. Mas tem seus créditos em ser uma publicação inédita sobre esta artista, que não somente surpreende pela sua singularidade, mas é o retrato da situação em que vivem muitas das pessoas que insistem em viver de arte no Mato Grosso do Sul. Apesar do significado que possui nas artes, a representação de Conceição não se limita a este setor. Em sua história encontramos também as mulheres, os indígenas, os fronteiriços, os pobres, os imigrantes, os pequenos agricultores desta terra, que apesar de nascida tardiamente, trouxe contigo antigos problemas sociais que Conceição fez questão de manter lembrados ao passar para o neto a função de continuar fazendo as esculturas dos bugres. É na capacidade de centralizar estas diversas expressões que se encontra a importância em retratar esta personagem. Esta publicação se respalda em critérios jornalísticos e, por esse motivo, teve de trazer um tom crítico em determinados pontos, além de apresentar o tema selecionado por diferentes aspectos. A quantidade significativa de fontes foi essencial para que este objetivo fosse alcançado. Conceição também representa uma contribuição

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para a constituição da memória do Mato Grosso do Sul, não só por retratar sua personagem principal, mas por dar voz a vários outros personagens que constituem a história da consolidação cultural do estado criado em 1977. É uma fonte de pesquisa que, de certa maneira, contribui para qualidade das futuras publicações sobre a artista e serve como estímulo para que as histórias de personagens tão singulares desta região sejam registradas.

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Referências Bibliográficas DUNCAN, I. Família, ou arte em família. Jornal da Cidade, Campo Grande, 19 ago. 1979. ESPÍNDOLA, H. Conceição e sua gente. Campo Grande, MS, 2004. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio Século XX – O minidicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975. FIGUEIREDO, A. ESPÍNDOLA, H. MACP – Animação e Inventário do Acervo do Museu de Arte e Cultura Popular da UFMT. Cuiabá-MT: UFMT/ Entrelinhas, 2010. FIGUEIREDO, Aline. Artes Plásticas no Centro-Oeste. MT: MACP/UFMT, 1979. MATO GROSSO, C. Conceição dos Bugres – O explorado artista popular brasileiro. Jornal da Cidade, Campo Grande, p. 8, 13-19 dez. 1981. NOLASCO, Edgar Cézar. Bugres subalternos. Cadernos de Estudos Culturais. Campo Grande, MS, v.1, n.1, p.9-16, jan/jun. 2009.


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PELLEGRINI, Fabio (Org). Vozes do Artesanato. Campo Grande: FCMS, 2011. 16-19 P. SANCHES, Silvana e CAMPOS, Maria Luiza. A Obra de Conceição dos Bugre: ancestralidade e identidade. 2011. SÁ ROSA, Maria da Glória. Crônicas de Fim do Século. Campo Grande-MS: UCDB, 2001. SÁ ROSA, Maria da Glória.; DUCAN, Idara; PENTEADO, Yara. Artes Plásticas no Mato Grosso do Sul. Campo Grande-MS: FCMS, 2006. SÁ ROSA, Maria da Glória; DUCAN, Idara; MENEGAZZO, Maria Adélia. Memória da Arte em Mato Grosso do Sul. Campo Grande-MS: FCMS, 1992. SIGRIST, M. Chão Batido – A Cultura Popular de Mato Grosso do Sul Folclore-Tradição. Campo Grande-MS: UFMS, 2000

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Entrevistas Realizadas Margarida Gomes Marques: Jornalista – 04/06/2012 Lúcia Monte Serrat Alves Bueno: Artista plástica e mestre em educação – 21/06/2012. Idara Duncan: Professora, ex-presidente da Fundação de Cultura de MS e ex-Secretária Estadual de Cultura e Esporte – 12/07/2012. Humberto Espíndola: Artista Plástico – 21/07/2012 Cândido Alberto da Fonseca: Jornalista e cineasta 28/07/2012 Maria Adélia Mengazzo: Professora, Crítica de arte e pesquisadora - 07/08/2012 Mariano Antunes Cabral Silva: Artesão -18/08/2012 Sotera Sanches da Silva: Artesã - 18/08/2012 Raquel Naveira: Escritora e poeta - 26/09/2012 Roberto Higa: Fotógrafo - 05/10/2012 Gilberto Luís Alves: Professor, pesquisador e colecionador de arte - 29/10/2012 Maria da Gloria Sá Rosa: Professora e escritora 06/11/2012 Américo Calheiros: Professor, escritor e teatrólogo, presidente da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (2007 a 2013) – 23/11/2012 Ilton Silva: Artista Plástico - 15/12/2012)

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A vaidade de Conceição se restringia aos cabelos longos, os vestidos estampados e um inseparável colar de contas. Foto: Roberto Higa.

Conceição começou a fazer seus bugres depois do 50 anos. Foto: Roberto Higa.


Em Campo Grande, Conceição morava em uma casinha de madeira, próximo a Cidade Universitária da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). Foto: Arquivo Pessoal Cândido Alberto da Fonseca.

Gaúcha, da cidadezinha de Santiago, Conceição mantinha o hábito de tomar chimarrão. A erva-mate também era um dos produtos comercializados por sua família, assim, que se fixaram em Ponta Porã, por volta dos anos 30. Foto: Aquivo pessoal Cândido Alberto da Fonseca.


O diretor de fotografia do documentário “Conceição dos Bugres” (1979), o carioca Noilton Nunes, notou que parecia que Conceição se reproduzia sistematicamente em seus bugres. Os cabelos longos e o rosto quadrado como de suas criadora. Foto: Aquivo pessoal Cândido Alberto da Fonseca.

Conceição Freitas e Cândido Alberto da Fonseca durante a produção do documentário “Conceição dos Bugres” (1979). Foto: Aquivo pessoal Cândido Alberto da Fonseca.


Conceição recebia auxilio de seu marido, Abílio no corte do tronco para produção de suas esculturas. Ele foi seu companheiro de toda a vida. Foto: Roberto Higa.

A professora Idara Duncan e Conceição dos Bugres. Elas ficaram amigas durante um trabalho de especialização que tinha a artista como objeto de pesquisa. Foto: Aquivo pessoal Idara Duncan.


Com o tempo a artista passou a receber encomendas de bugres maiores. Algumas madeiras ele adquiria do mato que cercava sua casa. Foto: Roberto Higa.

O lado religioso de Conceição acabou interferindo diretamente na criação da tinta preta que utilizava nos cabelos, olhos e sobrancelhas.


Bugres fotografados em 1970. Foto: Aline Figueiredo, reprodução do livro Ares Plásticas no Centro-Oeste (1979)

Bugres fotografados em 1972, vemos que ainda não eram cobertos com a cera de abelha. Foto: Aline Figueiredo, reprodução do livro Ares Plásticas no Centro-Oeste (1979)

Nem todos os bugres eram esculpidos em posição de sentido. Foto: Aline Figueiredo, reprodução do livro Ares Plásticas no Centro-Oeste (1979)


Bugres fotografados em 1976. Nesta imagem já podemos perceber um aperfeiçoamento na estética do bugre. Foto: Aline Figueiredo, reprodução do livro Ares Plásticas no Centro-Oeste (1979)

A cera de abelha deu mais resistência para as peças de Conceição dos Bugres. Foto: Roberto Higa.

A cera dava diferentes tons aos bugres conforme sua origem. Foto: Aquivo pessoal Idara Duncan.


O acervo de bugres do Marco (Museu de Arte Contemporânea de Mato Grosso do Sul) é um dos únicos públicos disponíveis em Campo Grande. Foto: Roberto Higa.

Entalhes em madeira produzidos pelos Kadiwéus durante os séculos XVIII e XIX e registrados pelo etnólogo Guido Boggiano. Foto: Reprodução do livro Os Caduveos, 1945, p.224.


A jornalista Margarida Marques possuía mais bugres de Conceição em seu acervo pessoal, mas com o falecimento da artista distribuiu alguns entre pessoas ligadas a arte de Mato Grosso do Sul que ainda não os possuíam. Foto: Tainá Jara

Um dos bugres de pedra-sabão pertencente a Margarida Marques. Foto: Tainá Jara


Margarida Marques mantinha uma família de bugres com as três gerações das peças. Foto: Tainá Jara

O segundo bugre de pedra-sabão pertence a Idara Duncan. Foto: Tainá Jara


Além de uma família de bugres Idara Duncan possui uma quadro em que Conceição e suas criações são retratadas. Foto: Tainá Jara

O quadro foi pintado pelo artista plástico Ilton Silva, filho de Conceição dos Bugres. Foto: Tainá Jara


Os bugres que olham para todos os lados. Foto: Tainá Jara

Humberto Espíndola (na foto) e Aline Figueiredo, possuem um dos maiores acervos privados das obras de Conceição dos Bugres. Foto: Tainá Jara


A proximidade do casal (Humberto e Aline) com a artista permitiu que adquirissem bugres de várias fases de criação de Conceição dos Bugres. Foto: Tainá Jara

Alguns bugres escurecem com o passar dos anos. Foto: Tainá Jara


Cândido Alberto da Fonseca foi o único a fazer um registro em movimento de Conceição dos Bugre. Foto: Tainá Jara

O neto Mariano Antunes deu continuidade a feitura dos bugres auxiliado pela sua mão, a também artesã, Sotera Sanches. Foto: Tainá Jara


No ateliê, Mariano preserva algumas homenagens póstumas da avó e um vestido que ela costumava usar. Foto: Tainá Jara

Mariano costuma receber alguns bugres feitos pela avó para passarem por uma espécie de restauração. Estes estavam sendo vendidos pelo neto de Conceição. Foto: Tainá Jara

Os bugre de Mariano são produzidos de forma mais artesanal. Foto: Tainá Jara


O fotógrafo campo-grandense Roberto Higa acabou fazendo os principais registros fotográficos da artista. Foto: Tainá Jara Conceição não tinha dinheiro para contratar um fotógrafo para registrar algum momento importante de sua carreia. Por esse motivo, muitas vezes recorria ao “japonês” que fazia o serviço sem cobrar nada. Foto: Tainá Jara

Roberto Higa foi o único a fazer um registro da artista recebendo uma homenagem. A fotografia foi feita em São Paulo no Instituto Miguel de Cervantes. Foto: Tainá Jara

O fotógrafo o Roberto Higa guarda enquadrado o cartaz de divulgação da homenagem que Conceição recebeu, com diversas manifestações artísticas. Foto: Tainá Jara


O colecionador Gilberto Luiz Alves costumava ir até a casinha de madeira de Conceição para adquirir seus bugres. Foto: Tainá Jara

Os bugres da coleção privada de Gilberto são referentes a uma fase em que Conceição já consolidava como produtora de bugres. Foto: Tainá Jara

Como a maneira de fazer os bugres era muito rústica, Conceição se via obrigada a variar os matérias que utilizava. Esta escultura é feita com tronco de aroeira. Foto: Tainá Jara


Gilberto possui um dos bugrinhos pretos que Conceição fazia e presenteava algumas pessoas como se estes fossem uma espécie de amuleto. Foto: Tainá Jara

Em sua coleção Gilberto também guarda um dos bugres maiores feitos em determinada fase artística de Conceição. Foto: Tainá Jara

O colecionador possui inúmeros bugres feitos por Abílio, o marido de Conceição que deu continuidade a feitura das esculturas após a morte da artista. Foto: Tainá Jara


A professora Maria da Glória Sá Rosa teve uma relação bem próxima com a artista. Foto: Tainá Jara

Na sua coleção, Maria da Glória, também contava com um bugrinho preto. Foi ela quem escreveu que eles eram feitos por Conceição para dar sorte. Foto: Tainá Jara

Estes bugres estavam disponíveis para a venda em uma casa de arte em Campo Grande. O responsável em revender as peças são sabia dizer se eles eram mesmo de Conceição. Segundo ele, muitas pessoas maquiam bugres feitos por outra geração para parecerem os da artista. Foto: Tainá Jara


Depois que foi tomada pelas inquietudes das artes, Conceição passou a entender melhor o filho Ilton Silva, que desde cedo decidiu ser artista plástico. Foto: Tainá Jara

Este é o panfleto da terceira exposição organizada pela AMA (Associação Mato-grossense de Artes) que Conceição participou. Nesta ela expôs justamente com o filho, Ilton Silva. Foto: Tainá Jara




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