Educar para saúde

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - HABILITAÇÃO EM JORNALISMO

EDUCAR PARA SAÚDE: UM PAPEL SOCIAL DO JORNALISMO

Mayara Martins da Quinta Alves da Silva

Campo Grande, MS Julho, 2013


MAYARA MARTINS DA QUINTA ALVES DA SILVA

EDUCAR PARA SAÚDE: UM PAPEL SOCIAL DO JORNALISMO

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Greicy Mara França.

Campo Grande Julho, 2013


MAYARA MARTINS DA QUINTA ALVES DA SILVA EDUCAR PARA SAÚDE: UM PAPEL SOCIAL DO JORNALISMO

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Greicy Mara França.

Campo Grande, 17 de julho de 2013

COMISSÃO EXAMINADORA

_____________________________________ Prof.ª Dr.ª Greicy Mara França Universidade Federal de Mato Grosso do Sul _____________________________________ Prof. Dr. Marcos Paulo da Silva Universidade Federal de Mato Grosso do Sul _____________________________________ Prof.ª Dr.ª Mara Lisiane Santos Barone Universidade Federal de Mato Grosso do Sul


Dedico todos meus esforรงos aqui concretizados ao meu grande mestre, Mรกrio Ramires, que deixou um vazio imenso dentro de mim onde paira minha saudade, contrastando com o peso dos ensinamentos e da presenรงa constante que ele tem em cada escolha que faรงo.


AGRADECIMENTOS Agradeço ao apoio da ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância e à Petrobrás que fazem parte da construção desse projeto e dos futuros passos que a pesquisa de educação em saúde através dos meios de comunicação possa percorrer a partir deste ponto aqui construído.

Agradeço especialmente à minha orientadora e amiga, Greicy Mara França, por guiar-me em todos os aspectos. Se aqui estabeleço que não se deve ter uma visão reducionista do conceito de saúde, comprovei minha hipótese durante os meses de estudo em que para seguir precisei manter-me em equilíbrio físico, psíquico e espiritual e tive nela meu ponto de apoio.

Aos meus orientadores da vida, companheiros pra todas as horas, que firmei um laço de irmandade nesses anos de curso: Lairtes Chaves, Gabriela Zaleski e Renata Portela. Grandes amigos e jornalistas de alma mais que de formação.

À gorda, Maria Julia, pelo apoio mútuo desses anos de convivência em que dividimos espaços, dramas, alegrias, loucuras e muito estudo. Nossa “república” de duas pessoas demonstra o quanto somos insuportáveis e iguais. Obrigada por me manter viva durante a faculdade.

Às minhas duas famílias, fragmentadas pelos acasos da vida, porém amadas por mim com a mesma intensidade, meu agradecimento nunca irá se resumir a uma frase em um papel.

Aos meus amigos, amores, famílias e anjos que me protegem meu eterno agradecimento.


Cena de um hospital enquanto os enfermos assistem televisão à espera de atendimento: “Os pacientes continuam pacientes – esperam. Estão insatisfeitos, mas não podem mudar o canal. Não tem cenas divertidas em seus caminhos, e não riem – nem apenas sorriem. Aguardam sempre o desfecho de sua doença, mas permanecem em eterno suspense”. Marina Minayo e Helena Souza (1989, p.76)


RESUMO

A pesquisa visa demonstrar que o jornalismo de saúde tem um papel educativo. E, que, portanto, deve manter um nível de qualidade elevado. A partir dessa afirmação, este estudo estabelece normativamente, quais são os elementos que devem compor um modelo para um jornalismo de saúde de excelência, que privilegie os direitos sociais de cidadania, a ética da profissão, a responsabilidade social e que compreenda as particularidades do jornalismo de saúde voltado à criança e ao adolescente como público-alvo e como pauta. O método utilizado para alcançar os objetivos propostos é o de levantamento bibliográfico, a partir das literaturas de comunicação, saúde, sociologia, crianças e adolescentes, legislações nacionais vigentes e textos que tratem de relações ou intersecções entre tais temáticas. Como resultados, em primeiro plano a pesquisa possibilita uma compilação de estudos em comunicação e saúde que apesar de diversos, são fragmentados em diferentes eixos e meios. A sistematização teórica com ênfase na educação para saúde, por meio de veículos midiáticos, gera um material condensado que pode ser utilizado como base para pesquisas na área e para capacitação aos jornalistas em atuação e formação. Palavras-chave: Educação e saúde. Comunicação e saúde. Jornalismo de saúde. Crianças e adolescentes.


RESUMEN

La investigación pretende demostrar que el periodismo en salud tiene un papel educativo, y que por lo tanto, debe mantener un nivel de calidad elevado. A partir de esta información, este estudio establece normativamente, cuales son los elementos que deben componer un modelo para un periodismo en salud de excelencia, que privilegie los derechos sociales de la ciudadanía, la ética de la profesión, la responsabilidad social y que comprenda las particularidades del periodismo en salud dirigido a niños y adolescentes como público objetivo y como modelo. El método utilizado para alcanzar los objetivos propuestos es la recolección bibliográfica, a partir de la literatura de comunicación, salud, sociología, niños y adolescentes, legislaciones nacionales vigentes y textos que traten de relaciones o intersecciones entre tales temáticas. Como resultado, en primer término la investigación posibilita una recopilación de estudios en comunicación y salud que a pesar de ser diversos, son fragmentados en diferentes ejes y medios. La sistematización teórica con énfasis en la educación para la salud a través de los vehículos mediáticos, genera un material condensando que puede ser utilizado como base de investigaciones en el área y para capacitación de los periodistas en ejercicio y formación.

Palabras clave: Educación y salud. Comunicación y salud. Periodismo de salud. Niños y adolescentes.


LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Representação do Modelo de Comunicação “Shannon e Weaver”......... 24 Figura 2 – Representação dos campos de atuação na área da informação em ciência........................................................................................................................30


LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Elementos do Jornalismo de Saúde.........................................................44


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABRASCO

Associação Brasileira de Saúde Coletiva

ANDI

Agência de Notícias dos Direitos da Infância

C&S

Comunicação e Saúde

DNSP

Departamento Nacional de Saúde Pública

ECA

Estatuto da Criança e do Adolescente

FENAJ

Federação Nacional dos Jornalistas

HIV

Human Immunodeficiency Virus

IBGE

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

JK

Juscelino Kubitschek

NCSMA

Núcleo de Saúde em Saúde e Meio Ambiente

OMS

Organização Mundial da Saúde (tradução de WHO)

RS

Rio Grande do Sul

SUS

Sistema Único de Saúde

UFMS

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

UNICEF

Fundo das Nações Unidas para a Infância

WHO

World Health Organization


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 12 1.1 Justificativa ................................................................................................................ 15 1.2 Objetivo Geral ............................................................................................................ 17 1.3 Objetivos Específicos ................................................................................................. 17 1.4 Metodologia ............................................................................................................... 18

2. COMUNICAÇÃO E SAÚDE .............................................................................. 21 2.1 O modelo informacional no discurso de comunicação e saúde .................................. 24 2.2 A saúde no jornalismo científico ................................................................................. 31

3. JORNALISMO DE SAÚDE ............................................................................... 35 3.1 Jornalismo de Saúde, cidadania e direitos ................................................................. 35 3.2 Uma perspectiva normativa do jornalismo de saúde .................................................. 39 3.3 Parâmetros Existentes versus Parâmetros Ideais ...................................................... 42

4. JORNALISMO DE SAÚDE, CRIANÇAS E ADOLESCENTES ......................... 48 4.1 Crianças e adolescentes enquanto pauta de saúde ................................................... 48 4.2 Crianças e adolescentes enquanto público-alvo ........................................................ 52 4.3 Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ............................................................. 55

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 59 REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS ........................................................................ 64


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1. INTRODUÇÃO A subjetividade do processo jornalístico remete uma diversificação na maneira de atuar do jornalista, que com possibilidades distintas de ferramentas e suportes para produzir, gera consequentemente uma vasta oferta de produtos midiáticos, com intencionalidades, influências, técnicas e estilos distintos. Neste estudo abordam-se os produtos da indústria do jornalismo de saúde, mas não sob uma análise de avaliação crítica dos pontos falhos. Esta pesquisa estabelece por meio de uma perspectiva normativa os aspectos ideais de um jornalismo de saúde que atue para a saúde, sob um viés educativo e de construção e reafirmação dos direitos sociais de cidadania, à luz da ética profissional e objetivando um jornalismo responsável e de qualidade. Essas definições de parâmetros para garantir a primazia do jornalismo de saúde, com um viés educativo, permitem o estabelecimento de um ponto de apoio, um modelo com elementos e maneiras adequadas de abordar temáticas relacionadas à saúde na mídia que englobem toda a complexidade que cada pauta de saúde seguramente agrega. Relacionam-se nesse estudo os direitos sociais de cidadania voltados à saúde, à informação e à criança e ao adolescente, para que através da interpretação de regulamentações vigentes possa-se compreender a relação e o compromisso do jornalismo e do jornalista na democratização da saúde no Brasil, no processo de educação popular e de promoção à saúde que a mídia deve fazer e para debater a fiscalização de políticas públicas já aplicadas e servir como parâmetro conceitual para promoção de novas, além de constituir material para instrução de profissionais da comunicação. Apesar de serem de distintas áreas, quando se tratam de direitos de cidadania, a comunicação e a saúde estabelecem um vínculo direto e um paralelo que integra suas relações: ambos são direitos universais e garantidos pela Constituição Federal de 1988, que pretendem preservar o indivíduo e sua vida em sociedade, valorizando suas

múltiplas

interfaces,

que

remetem

ao

bem-estar,

desenvolvimento saudável e democrático das comunidades.

à

cultura

e

ao


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O jornalismo deve atuar na consolidação da garantia do direito à saúde1 que se fortalece na garantia do acesso a informações que permitam o conhecimento das condições humanas a fim de promover de algum modo, pela prática da comunicação, a mudança de situações e o desenvolvimento, com a erradicação da pobreza, como objetivam sistemas de saúde pública, a exemplo do Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil.

O direito à comunicação é parte integrante do direito à saúde. O SUS estabelece que a saúde é muito mais do que falta de doença. Diz que é resultante de emprego, moradia, transporte, segurança, participação nas instâncias políticas, enfim, saúde é qualidade de vida. Nesse sentido, o direito à comunicação é parte do direito à saúde. A possibilidade de falar e ser ouvido e a de ter acesso à informação sobre sua saúde e sobre aspectos que determinam a qualidade dessa saúde está estreitamente associada com a possibilidade de ter saúde (ARAÚJO, 2007, p.116).

A informação sobre saúde veiculada pelas mídias, enquanto ação educativa, deve evidenciar os cuidados sobre o próprio corpo que se deve ter para adquirir ou manter uma condição de vida saudável. E o entendimento das questões que extrapolam o corpo humano, mas que estão intrinsecamente ligadas com a saúde individual e coletiva, tais como condições dignas de moradia, saneamento básico, pisos salariais aceitáveis e todos os outros campos da vida cotidiana que interferem no bem-estar do ser humano. Os aspectos científicos das pautas de saúde abordadas no jornalismo, nem sempre compreendem o dinamismo, complexidade e processo que a ciência percorre, utilizando critérios de noticiabilidade sensacionalistas e imediatistas como prioridade na produção de matérias. Esse estudo busca entender e adequar as conexões dos aspectos mais orgânicos entre comunicação e saúde e tratar de dados que ligam os aspectos científico e jornalístico em um único produto informativo, conforme afirma Epstein (2011, p.135):

A comunicação pública da ciência (e da saúde) é um produto híbrido dos discursos científico e jornalístico e apresenta características de ambos. Disto decorre que algumas divergências valorativas entre 1

"Health is a state of complete physical, mental and social well-being and not merely the absence of

disease or infirmity." (WHO, 2012)


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estes discursos podem causar inadequações ou obstáculos para uma comunicação de massa sobre a saúde, principalmente, àquela dirigida as classes mais despossuídas.

A convergência dos campos de comunicação e de saúde fomenta a investigação a partir do resultado e dos elementos individuais dos processos de comunicação e de saúde, mas com objetivos que se fundem e demonstram que os modelos se apoiam mutuamente. Os modelos de comunicação e os modelos de saúde caminham sempre juntos e se apóiam mutuamente: os de saúde explicam como as doenças surgem e se disseminam e direcionam para certos modos de enfrentamento das mesmas; os modelos de comunicação oferecem uma análise do funcionamento da sociedade, no que se refere à prática comunicativa (ARAÚJO, 2007, p.103).

A conversão dos campos se evidencia nas pesquisas em saúde onde muitas publicações citam a evolução dos conceitos e das práticas comunicacionais de saúde em consonância com o reconhecimento dos aspectos educativos de mudança de comportamento pela tomada de consciência, com o acesso a informação pelos veículos de comunicação, a exemplo das Conferências Nacionais de Saúde no Brasil e das políticas do Pacto pela Democratização e Qualidade da Informação em Saúde2. Nesses termos tratar da informação jornalística de saúde é tratar de políticas de saúde pública, que atuam na prevenção e melhoria da qualidade de vida de toda a população a partir da infância. A educação por meio da mídia é, portanto, mais que instrumento, dever do jornalismo que atuando na promoção à saúde de maneira qualificada, bem preparado para o segmento específico do jornalismo de saúde e para as demandas contextuais e de direitos fundamentais que a saúde engloba, pode com a prática garantir o direito à informação em saúde e em certos casos atuar na melhoria direta. Deve-se, então, considerar o jornalismo como ferramenta da educação popular e de garantia dos direitos sociais de cidadania. Para Xavier (2006, p.43) “a comunicação – saberes, práticas e processos – é um dos mais importantes instrumentos de realização do ideal da autonomia cidadã em relação à saúde”.

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O Pacto pela Democratização e Qualidade da Informação em Saúde advém do Relatório Final do 8º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva em agosto de 2006. Disponível em: <http://www.abrasco.org.br/UserFiles/File/GT/INFORMACAO%20EM%20SAUDE/VIII_Cong_SaudeC oletiva_2006.pdf>.


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Demonstra-se aqui também, os cuidados que se deve ter no jornalismo de saúde relacionado à criança e ao adolescente, por se tratar de um grupo em vulnerabilidade social, que tem direitos sociais de cidadania específicos e necessários compilados em diversas regulamentações e aqui interpretados a partir do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. O conceito de vulnerabilidade remete à idéia de fragilidade e de dependência que se vincula à situação de crianças e adolescentes, principalmente os mais pobres. Contudo, os fatores de risco que incidem sobre a vida deles não se restringem aos problemas da exclusão social, mas envolvem também os relacionamentos entre crianças e adultos, que ocorrem tanto no espaço público quanto no privado. Daí a necessidade de considerar não apenas os problemas de inserção social, mas de pensar a socialização e sua relação com os direitos da criança e do adolescente (SIERRA; MESQUITA, 2006, p.1).

O jornalismo de saúde deve estabelecer um papel de educação para saúde por meio dos meios de comunicação, que seja embasado pela responsabilidade social e atrelado aos direitos assegurados pelo ECA. Este projeto está inserido nas práticas do NCSMA – Núcleo de Comunicação em Saúde e Meio Ambiente do curso de Comunicação Social – habilitação em Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e tem o apoio da ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância e da Petrobrás, com o programa “Jornalista Amigo da Criança”. 1.1 Justificativa Evidencia a necessidade de pesquisas integradoras que possam dar uma visão menos fragmentada das relações entre comunicação e saúde e do papel do jornalismo nesse processo, já que o estudo da área tem início na sociologia da saúde e integra as pesquisas de comunicação e especificamente de jornalismo recentemente. Sobre a área da saúde, enquanto delimitação temática relacionada à comunicação há uma série de estudos da comunicação interpessoal entre médicos e não médicos que consideram a questão social da tradução da linguagem médica para uma linguagem mais acessível, mas não são estudos com foco no processo jornalístico em que a mensagem sobre saúde integra, com intenções distintas, qualidades e públicos.


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Outras pesquisas em comunicação e saúde estabelecem interpretações sobre um objeto específico ou um estudo de caso, que mediante a análise de dados, as interpretações acabam englobando as necessidades latentes da área, que são válidos e necessários, mas são estudos segmentados por temáticas específicas que acabam seguindo a fragmentação das pesquisas da área. A observância de que o material teórico que agrega o campo de estudo comunicação e saúde é disperso é evidente a partir do levantamento de textos, incluindo a busca de livros, relatórios e diagnósticos teóricos, artigos científicos e derivados. Mesmo em bibliotecas virtuais com a abrangência geográfica ilimitada encontram-se facilmente estudos de um campo ou de outro, ou os correlacionando de forma pontual. É necessário suscitar o entendimento da terminologia enquanto campo de estudo apoiado nos direitos sociais de cidadania e não apenas uma união simbólica, parcial ou pontual. Em outro aspecto que justifica e afere relevância a este estudo está a necessidade de correlacionar o processo educativo, evidente enquanto papel social do comunicador, à produção jornalística e especificamente neste caso aos materiais jornalísticos de saúde destinados às crianças e adolescentes, estruturando para isso uma união de teorias que embasem essa hipótese e estabeleça um material unificado de pesquisa em comunicação e saúde, que é um dos objetivos latente deste projeto. Sobre a busca de legislações e normativas já estruturadas que possam regular tanto o mercado do jornalismo em saúde, quanto a questão das crianças e adolescentes embutidos aos mecanismos da comunicação e da saúde, a própria pesquisa se justifica pelo fato da saúde e da informação serem antes de tudo direitos e, portanto, um campo de debate político. Ignorar a importância e negar acesso a esses direitos é uma maneira de afetar o bem-estar, e consequentemente o desenvolvimento saudável da criança e do adolescente, o que pode acarretar consequências práticas de danos à saúde durante a vida adulta. A comercialização de informações sobre saúde é fato notório e, apesar dos interesses e intenções variarem, a repercussão desse fato é pouco pensada. Os embasamentos teóricos aqui mencionados servem ao comunicador como instrução e na prática pode gerar possibilidades de mudanças de atitudes efetivas e possibilitar ao consumidor final a recepção de informações contextualizadas e não


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genéricas e sem qualidade. Em resumo, a compreensão da responsabilidade da mídia na produção da informação em saúde é fundamental para o entendimento que as audiências estabelecem sobre sua própria saúde. 1.2 Objetivo Geral Demonstrar que o jornalismo especializado em saúde deve ser estruturado a partir do entendimento do papel educativo em saúde que seus conteúdos podem e devem oferecer. Essa pesquisa visa reafirmar tal papel educativo do jornalista de saúde relacionando-o com seus deveres previstos em constituição, regulamentações nacionais sobre saúde, informação e cidadania. Para situar o jornalista enquanto educador, objetivo evidente neste trabalho já a partir do título “Educar para Saúde: um papel social do jornalismo”, é necessário garantir a qualidade do jornalismo de saúde. Para tal, é objetivo latente estabelecer por meio da perspectiva normativa um modelo de jornalismo em saúde ideal, ético e com responsabilidade social. Os parâmetros aqui traçados poderão ser utilizados como elementos de meta a serem alcançados pelo jornalismo de saúde, na busca pela excelência. Com um viés para as particularidades das problemáticas do jornalismo de saúde que utiliza como pauta e como público-alvo crianças e adolescentes, também é objetivo deste estudo, utilizando os parâmetros normativos estabelecidos, demonstrar as adequações necessárias para esse tipo de jornalismo, atribuindo às normatizações prioridade aos direitos sociais de cidadania da criança e do adolescente partindo das interpretação do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. Devido à baixa sistematização das pesquisas em comunicação e saúde, e de jornalismo de saúde, principalmente voltado à criança e adolescente, essa monografia visa sistematizar material bibliográfico da área para futuras pesquisas ou utilidades práticas, como a qualificação do jornalista em formação e em atuação.

1.3 Objetivos Específicos  Fazer um levantamento bibliográfico sobre comunicação e saúde que se relacione com o jornalismo de saúde;  Compreender os mecanismos do jornalismo de saúde;


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 Situar o jornalismo de saúde sob um parâmetro de direito à saúde e à informação, garantidos pela Constituição Federal de 1988;  Interpretar as legislações de saúde vigentes de acordo com suas conexões ao jornalismo de saúde;  Estabelecer um vínculo do jornalismo especializado em saúde com os preceitos éticos do jornalismo;  Desenvolver premissas ideais para atuação do jornalista que aborda saúde e contrastar com as premissas vigentes;  Incentivar a partir da construção de um modelo de jornalismo de saúde a possibilidade da busca constante pelos parâmetros ideais na produção;  Interpretar o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente de acordo com suas conexões ao jornalismo de saúde.  Explicitar a complexidade da temática saúde e a construção social do conceito;  Oferecer material teórico para possíveis ações de capacitação de jornalistas e jornalistas em formação na temática de educação para saúde por meio dos meios de comunicação;  Contribuir para a repercussão da necessidade de construção de um jornalismo responsável, ético, de qualidade, e atento às demandas sociais especialmente as de saúde.

1.4 Metodologia Após a escolha do tema e dos assuntos a serem abordados, a opção metodológica escolhida é a de levantamento bibliográfico utilizando a sistematização enquanto estratégia, com a junção estruturada de temáticas relacionadas aos objetivos propostos, a partir da busca de material teórico já existente. A sistematização não possui como produto uma ‘receita’ que possa ser aplicada passo a passo em qualquer realidade, mas um conjunto de aprendizagens, organizado em forma de conhecimentos, que permita a realidades diferentes adequá-lo aos seus contextos (BARROS, 2009, p.109).

Barros (2009) trata da sistematização nesse contexto para enquadrar os movimentos de educação popular e seus tipos de organização, mas o mesmo conceito é totalmente aplicável à metodologia aqui proposta, com fins de delinear a


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partir de um recorte um conjunto de estudos estruturados na formulação de uma hipótese teórica, mas que devido a estrutura sistematizada, possibilita a adaptação para usos alheios a esta pesquisa específica. Como forma de estruturar, a monografia se subdivide em quatro, em uma formatação que inicia pelas temáticas mais gerais e vai pouco a pouco especificando e particularizando o debate. O capítulo um é relacionado aos aspectos introdutórios, com a especificação das temáticas que serão tratadas durante os demais capítulos, com os objetivos gerais e específicos do trabalho, a justificativa em fazê-lo, e a apresentação da metodologia aqui citada. O segundo capítulo, “Comunicação e Saúde”, já inicia de fato com as temáticas balizadoras mais genéricas e de onde surge o conceito de educação para saúde através da mídia, que são as interfaces relacionadas a este campo de estudo e os discursos e modelos e relações entre suas esferas e depois já adentrando à questão da saúde no jornalismo científico. No terceiro capítulo intitulado “Jornalismo de Saúde” delimitando ainda mais a temática, constrói-se então através da análise dos direitos sociais de cidadania e das regulamentações em saúde, uma perspectiva normativa do jornalismo de saúde para, em seguida, visualizar os elementos normalmente utilizados no jornalismo de saúde e o contraponto com as especificações das práticas ideais. O último capítulo, “Jornalismo de Saúde, Crianças e adolescentes” utiliza os debates e conceitos estipulados nos capítulos anteriores e os adéqua ao jornalismo de saúde para e sobre crianças e adolescentes, enfatizando a relação com o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, e então finaliza-se a estrutura do trabalho com as considerações finais que evidenciam os resultados e relacionam os aspectos mais importantes e predominantes no decorrer dos capítulos. As áreas dos textos pesquisados para compor essa estruturação de quatro capítulos são distintas, mas em algum aspecto relacionam-se com os objetivos e hipótese proposta pelo estudo. As áreas mais genéricas da pesquisa são: comunicação, jornalismo, saúde, sociologia e legislações. E se ramificam, de acordo com a conexão de cada uma dessas áreas com a área central deste estudo, que é a educação para saúde por meio dos veículos de comunicação. As ramificações das grandes áreas compreendem temáticas específicas de pesquisas que foram de alguma forma agregadas a este estudo e são: o campo da


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Comunicação e Saúde (C&S); o papel social do jornalista; o jornalismo de saúde; criança, adolescente e saúde; educação em saúde pelas mídias; sociologia da saúde; sociologia médica; o modelo informacional;

direitos sociais de cidadania

garantidos em Constituição Federal; Estatuto da Criança e do Adolescente, entre outros. Para compor a sistematização do material compilado nesta pesquisa foi usado o método de fichamento das leituras de textos encontrados em arquivos físicos e virtuais (artigos científicos, entrevistas, revistas, livros, catálogos, etc.). A partir dos arquivos de fichamento, que davam ênfase às correlações dos textos aos subtemas, esse material foi sistematizado de forma progressiva, isto é, de acordo com o andamento da pesquisa no decorrer dos meses, conforme cronograma. Como metodologia de análise para o grupo temático das normatizações e legislações estabeleceu-se a proposição de conjuntamente à descrição de cada regulamentação citada a junção de comentários, críticas e se necessário a proposição de métodos de melhoria das políticas públicas referenciadas para estabelecer junto ao levantamento de legislações, uma leitura reflexiva e a formatação de uma crítica pela garantia de direitos e relacionada com os aspectos necessários na construção do jornalismo de saúde.


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2. COMUNICAÇÃO E SAÚDE

A saúde e a comunicação, elementos fundamentais da vida humana, correspondem a duas áreas de pesquisa com caminhos inesgotáveis a explorar. A junção entre as duas, entretanto, como campo de estudo, é recente e as pesquisas fragmentadas, muitas com maior ênfase nas teorias da comunicação, outras mais conectadas com fundamentos conceituais da área da saúde (ARAÚJO; CARDOSO, 2007). Apesar da fragmentação dos estudos, a comunicação e a saúde coabitam o espaço social, ambas são construídas socialmente e o campo de estudo que as relaciona tem a construção social como ponto de partida. Na interface entre comunicação e saúde, um conceito não é ferramenta para o outro, não são excludentes nem hierarquicamente posicionados por interesse, se relacionam e significam conjuntamente.

Desde o início do séc. XX, caracterizou-se uma correlação entre os modos de pensar dominantes em cada um dos campos. Seguiram juntos os da saúde e os da comunicação, uns refletindo sobre a saúde e explicando as causas e os modelos de disseminação das doenças, outros fornecendo uma análise do funcionamento da sociedade, quanto à prática comunicativa (ARAÚJO; CARDOSO, 2007, p.39).

Nesse sentido de interface é que a autora Inesita de Araújo junto à socióloga Janine Miranda, no livro Comunicação e Saúde (2007), descrevem por um viés histórico descritivo os dois campos, individualmente, e a partir da confluência dos estudos sob uma análise crítica que releva sobretudo a “luta pelo poder simbólico”3 que a comunicação estabelece sobre os processos de saúde. Sob essa perspectiva de embate dentro de C&S que estabelece como elementos participativos, as instituições públicas de saúde (poder público) em um extremo e a população em outro oposto, as autoras explicam a comunicação e sua articulação com a saúde como campo nascente, sendo que o conceito de campo é definido como: 3

“O poder simbólico, como nos ensinou Bourdieu (1989), é o ‘poder de fazer ver e fazer crer’ e tem na comunicação um importante vetor. De modo simplificado, quando alguém ou um grupo, por determinadas variáveis, consegue que seu ponto de vista sobre um aspecto da realidade seja mais aceito como verdade do que outros, terá ampliadas suas chances de orientar o investimento público no setor, ou seja, influenciar as políticas públicas” (ARAÚJO; CARDOSO, 2007, p.23).


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um espaço sociodircursivo de natureza simbólica, permanentemente atualizado por contextos específicos, formado por teorias, modelos e metodologias, sim, mas também por agentes, instituições, políticas, discursos, práticas, instâncias de formação e, muito importante, por lutas e negociações (ARAÚJO; CARDOSO, 2007, p.19).

O campo de C&S, portanto, constitui um contexto formado pelas instâncias de interface entre a comunicação e a saúde e seus agentes sociais. Dentro disso, o jornalismo de saúde enquanto instituição social, está enquadrado como um dos elementos do campo e deve considerar o espaço que integra e as relações em que está submerso. Alguns discursos consolidados dentro do campo devem ser expostos e analisados e o espaço sociodiscurso de forças que lutam para ter maior relevância em sua significação pode ser utilizado positivamente pelo jornalismo, a partir da consolidação de um discurso educativo embutido na técnica jornalística. Por serem fatores da vida social, antes de serem aplicado às pesquisas em jornalismo, os conceitos de comunicação e de saúde e o campo de C&S tem suas pesquisas iniciais na sociologia. Em saúde, os estudos sociológicos iniciam com a sociologia da saúde no séc. XIX e mais especificamente com as pesquisas da sociologia médica que já inicia suas conexões com o estudo da comunicação quando passa a pesquisar a linguagem médica e comunicação médico-paciente. Nesse momento notava-se uma necessidade de adequação da linguagem médica de educação para saúde através da comunicação interpessoal estabelecida com os pacientes. O estudo sociológico da comunicação extra pares entre médicos e não médicos é uma área da C&S que afeta diretamente o jornalismo de saúde, já que os profissionais da saúde detêm o conhecimento científico da área e formulam estratégias para transmitir comunicativamente as informações que consideram importantes. A linguagem utilizada no meio médico é muitas vezes criticada nos estudos da sociologia por considerarem a classe médica como detentora de conhecimento técnico, com um protecionismo exacerbado e que de certa forma influi no entendimento reducionista de saúde que a população estabelece.


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Essa primeira forma de apreensão dos fenômenos saúde-doença coincide com a definição biofisiológica que os médicos lhes dão. Na verdade são eles, enquanto intelectuais orgânicos da classe dominante, numa relação de hegemonia com a população, os responsáveis pela formação desta visão instrumental do corpo. A medicina que se dirige para a população trabalhadora tem como meta manter a força de trabalho e sua energia produtiva. Assim, de um lado, ela associa a cura à produção, e, de outro, ao consumo, tanto do ato médico como da medicação. E mais do que isso, ela reduz o ato médico ao diálogo médico-paciente, que se torna o núcleo instituído dos “cuidados” das prescrições que por sua vez se fixam, se reduzem e circunscrevem-se ao biológico (MINAYO; SOUZA, 1989, p.88).

Com esse entendimento, o jornalista pode prever certas respostas padrão e antecipar abordagens que modifiquem a estratégia comunicativa do entrevistado, se necessário, adequando o discurso médico ao jornalístico, visando à adequação e a inserção da vertente educativa no produto midiático de saúde e a democratização da informação de saúde. A relação da comunicação com o processo da educação em saúde advém das temáticas instauradas a partir da sociologia médica e é fruto de debates acadêmicos desde então e catalogada pela ABRASCO – Associação Brasileira de Saúde Coletiva. A ABRASCO, em 1993, aferiu que 4% dos cientistas sociais que estudavam saúde relacionavam suas pesquisas com a temática de educação e comunicação em saúde, totalizando um conjunto de oito profissionais no montante de 196 entrevistados (CANESQUI, 2007, p. 42). O estudo de comunicação e saúde tem início com a sociologia, mas passa a percorrer áreas de conhecimentos diversas nos últimos 15 anos e devido à escassez de conhecimento sistematizado do campo, inicia com caráter diagnóstico, em seguida

se

tornam

constantes

pesquisas

que

enfatizam

em

abordagens

metodológicas a ênfase no estudo dos processos de produção de sentido da saúde, midiáticos e institucionais (ARAÚJO; CARDOSO, 2007, p.119).

Se podemos vislumbrar uma característica comum à maioria das pesquisas que vêm sendo desenvolvidas desde a década de 1990, pelos pesquisadores do campo da C&S, é seu interesse em produzir um conhecimento sobre os processos, não sobre as estruturas. Isso corresponde a uma tendência no pensamento das ciências sociais em saúde e a um movimento teórico da ciência da comunicação, mas também é a parte da luta contra-hegemônica do próprio campo (ARAÚJO; CARDOSO, 2007, p.118).


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O campo de C&S está em configuração e ainda exerce uma visão instrumental. Atualmente o cenário para pesquisa na área é favorável e está em amplo crescimento, com pesquisas que tentam conhecer e diagnosticar os interlocutores e suas ações. É necessário incentivar pesquisas que atuem na escuta da polifonia social, de diagnóstico e análise dos processos que integram o campo de C&S.

2.1 O modelo informacional no discurso de comunicação e saúde Formatado em 1948, o modelo informacional, transmissionista, ou de Shannon e Weaver, foi estabelecido como um modelo de engenharia das telecomunicações a partir da monografia do matemático Claude Elwood Shannon que cria uma teoria matemática da comunicação e que depois é acrescida das modificações feitas pelo matemático Warren Weaver (MATTELART, Armand; MATTELART, Michéle, 1999, p. 58). Tal teoria, criada durante a II Guerra Mundial (1939 - 1945) junto ao desenvolvimento tecnológico das demandas do momento, visava “otimizar a transferência de informações telegráficas de um aparelho a outro” (ARAÚJO; CARDOSO, 2007, p.43), ou seja, repassar informação por meio de um sistema que possibilitasse o recebimento da mensagem enviada em outro extremo o mais fielmente possível, garantindo o fluxo e eficácia do processo, em esquema como o demonstrado a seguir: Figura 1 – Representação do Modelo de Comunicação “Shannon e Weaver”

E

Mc

C

Ro

Md

R

Legenda: E – Emissor Mc – Mensagem codificada C – Canal Md – Mensagem decodificada R – Receptor Ro - Ruído


25

Apesar de sua origem matemática, o modelo informacional ganhou fama nos estudos da comunicação, pois apesar de não ter sido desenvolvido especificamente para as pesquisas da área, constituía um modelo representativo 4, com elementos importantes para a compreensão da comunicação sob um viés analítico, em um momento que a comunicação se estruturava como área da ciência. A problemática não está no uso do modelo informacional nos estudos e pesquisas de comunicação em sua época de origem, como um parâmetro para percepções iniciais, ou ainda na utilização dos mesmos para compreensão de certos elementos da comunicação. Critica-se aqui o uso do modelo informacional no processo comunicativo institucional de saúde no Brasil, que estrutura-se a partir das informações fornecidas pelas instituições oficiais responsáveis pela saúde coletiva, isto é, pelo Estado e que são repassadas à população. Para observar o uso inadequado do modelo informacional no processo de comunicação e saúde, Araújo e Miranda (2007, p.45) colocam passo a passo as características do modelo que em geral são repetidas na estruturação das mensagens oficiais dos órgãos de saúde brasileiros, em seus produtos e discursos, e que muitas vezes são reproduzidos e repercutidos por seus receptores. Aqui nos interessa avaliar a recepção de tais mensagens pelo jornalista e de que maneira ele as reproduz pelas mídias. O primeiro aspecto retratado é a linearidade do modelo, onde a mensagem percorre um único caminho sem ser tensionada por fatores adversos, isso por uma visão

tecnológica

da

comunicação

e

desconsiderando

questões

como

a

subjetividade do ser humano, as reações cognitivas e os processos que coexistem com o âmbito comunicativo, como o econômico e político que desestabilizam o aspecto linear da comunicação. Em segundo ponto, aborda-se a unidirecionalidade: a mensagem sai de um extremo e chega a outro sem inversões de sentido, uma comunicação de mão única. A terceira crítica recai, então, na observação de que os extremos no modelo de comunicação sugerem uma ideia de bipolaridade, terceira consequência de se seguir o modelo informacional, onde há dois polos de relação, a do emissor como detentor do conhecimento e do receptor como decodificador, em uma tentativa de simplificação o processo. 4

Mais do que representativo o modelo de Shannon e Weaver era hegemônico em uma época de alta dos paradigmas do positivismo e o funcionalismo, que depois serão contestados.


26

O apagamento dos ruídos que intervém no canal de transmissão da mensagem é mais um fator focado por Shannon e Weaver na tentativa de garantir a eficácia da bipolaridade da comunicação eliminando qualquer voz dissonante do discurso estabelecido. Por fim,

citam-se as questões relacionadas

à

língua.

No

modelo

informacional, o entendimento de língua é de uma conjunção de códigos com significado preestabelecidos e estabilizados. Desconsiderando o dinamismo de significação das palavras e os contextos onde elas se inserem. Devido à simplificação da compreensão da linguagem, o último ponto é então o entendimento instrumental que se tem sobre a mesma. A linguagem, nesse contexto é considerada como mera ferramenta para transmitir a mensagem estabelecida e padronizada. Todos esses fatores relacionam-se com o estilo de comunicação em saúde institucional adotado pelo Brasil historicamente. O cenário no país, no início do século XX, logo após a primeira Guerra Mundial (1914 - 1919), era palco de debate intenso sobre a saúde. Em suma, o entendimento de C&S no país foi caracterizado pela Reforma Carlos Chagas5, quando em 1919 é aprovado um novo Código de Saúde Pública e a posterior criação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) em 1920, o entendimento das relações entre saúde e sociedade passa a ser estabelecido (ARAÚJO; CARDOSO, 2007).

Com o acirramento da crise social, finda a Primeira Guerra Mundial, a década de 1920 foi marcada por um grande debate sobre o projeto nacional, mobilizando importantes segmentos de trabalhadores, militares, industriais, funcionários públicos e intelectuais. A saúde não ficou fora disso; muito pelo contrário, estava no centro do debate e, após ter sido cenário e objeto de campanhas e revoltas nos primeiros anos do séc XX, participou desse movimento, principalmente através de um processo de (re)organização dos serviços de saúde, que ficou conhecido como Reforma Carlos Chagas (ARAÚJO; CARDOSO, 2007, p. 40).

5

A Reforma Carlos Chagas é um ponto histórico importante no entendimento sobre saúde no Brasil, pois foi a partir dela que se estabelecem parâmetros de educação sanitária. Para (BRAVO, 2001, p.3), a saúde pública, na década de 1920, adquire novo relevo no discurso do poder. Há tentativas de extensão dos seus serviços por todo país. A reforma Carlos Chagas, de 1923, tenta ampliar o atendimento à saúde por parte do poder central, constituindo uma das estratégias da União de ampliação do poder nacional no interior da crise política em curso, sinalizada pelos tenentes, a partir de 1922.


27

A saúde, a partir desse ponto, é visualizada nacionalmente do meio para o indivíduo e o foco que se dá nas mensagens é o de mudança dos hábitos, com um viés sanitarista. Um modelo que historicamente ignorava os determinantes sociais das doenças e confiava à educação dos indivíduos a superação do atraso e a instalação de condições mais propícias ao progresso. Dez anos depois da criação do DNSP, em 1930, um influente médico da época, Miguel Couto, sugere a criação do Ministério da Educação segmentado nos departamentos de ensino e de higiene, que se tornaria o Ministério da Educação e Saúde Pública em 14 de novembro de 1930. Miguel Couto é o expoente das ideias de saúde e que em certos pontos são repercutidas ainda hoje (CASTIEL; SILVA, 2009, p. 84).

Às autoridades públicas caberia a missão de reformatar os pobres em figuras modelares de trabalhadores disciplinados e saudáveis pela erradicação de seus hábitos considerados degradantes. À razão iluminadora caberia o papel de conduzir a massa indolente – politicamente vulnerável ao apelo de agitadores, adoecida pela lastimável inferioridade dos incultos – à erradicação de pragas que lhe obliteravam a evolução pela mão da ordem e do progresso. O analfabetismo, associado à ignorância em geral, às trevas do saber e à opacidade do entendimento do mundo, é encarado pelo dr. Miguel Couto como uma chaga que levaria a ruína a sociedade (CASTIEL; SILVA, 2009, p. 85)

Castiel e Silva (2009) explicam que o discurso de especialistas como Miguel Couto adquirem status e consolidam-se como verdades além do debate, e que isso se repete atualmente com o discurso de saúde estabelecido pelo poder público. Nota-se também o quão ultrapassado e ao mesmo tempo tão presente e enraizado é ainda esse mesmo discurso de erradicar hábitos degradantes a partir da disciplina em saúde, o que não se traduz na real educação para saúde. Esse conceito de “modelar hábitos” é verificável em algumas campanhas publicitárias institucionais que abordam atitudes saudáveis e preventivas em forma de comportamentos padrões ensinados, que não situam o contexto sócio-cultural das enfermidades, o local onde estão inseridas, o porquê, o como, e simplesmente expõem uma fórmula mágica da saúde, focada na educação sanitária (CASTIEL; SILVA, 2009).


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Um exemplo de uso de tal “fórmula mágica” do discurso em saúde no Brasil, são as campanhas de prevenção ao vírus HIV com conotação de autoresponsabilização mostrando ao cidadão que um simples passo o impedirá do mal trazido pela enfermidade e, consequentemente, incitando que a não aceitação dessa fórmula faz recair a responsabilidade de escolha em contrair ou não a doença. Com esse gancho, os pesquisadores Diercks, Pekelman e Wilhems (2003), após concluírem em pesquisas antecedentes o reducionismo do material publicitário de prevenção relacionado ao vírus HIV, realizaram oficinas oferecidas em quatro bairros periféricos de Porto Alegre (RS) e estruturam a partir da construção coletiva, um material de educação e saúde que formava uma nova campanha de prevenção formatada conjuntamente à população e com adequação de linguagem ao públicoalvo onde o material foi veiculado, considerando os fatores sociais que englobam a comunidade. O produto final era então fruto de uma pluralidade de vozes, de uma construção conjunta do material com os responsáveis técnicos e com o público a que se destinaria tal mensagem. A mesma medida, dessa maneira exata, não é aplicável ao jornalismo, porém o aprendizado de polifonia social é que deve ser atentado com esse exemplo, ou seja, a compreensão de que é necessário considerar as diversas vozes, opiniões e vivências do público-alvo. Nesse sentido, “a construção de um material dessa natureza é também uma crítica ao material educativo disponível onde os problemas de saúde são sempre abordados com um enfoque reducionista, com predomínio do conhecimento oficial” (DIERCKS; PEKELMAN; WILHEMS, 2003, p. 6). O reducionismo do modelo informacional que fica explícito em materiais governamentais informativos de saúde tem que ser considerado pelo jornalismo no momento da utilização das informações estatais como fonte, e não veiculado na íntegra, para que não haja repercussão de um discurso simplista, tecnicista, unidirecional, bipolarizado e de detenção do conhecimento. Ainda acredita-se na possibilidade de neutralização de hábitos perniciosos como a adicção à nicotina, a exposição excessiva aos raios solares sem proteção, a inatividade física e as dietas saturadas de lipídeos e pobres em fibras ao alcance da disseminação de estímulos cognitivos eficientes (CASTIEL; SILVA, 2006, p.51).


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Castiel e Silva (2006) relatam que as mensagens buscam na comunicação institucional um “alinhamento comportamental” e ainda compactua com a opinião de que o discurso estatal de comunicação em saúde no Brasil parte de pressupostos relacionados à eficácia do modelo linear de comunicação e estigmatizando os indivíduos como se “estivessem fixados semântica e socialmente em um universo de sentido únicos e imutáveis” (CASTIEL; SILVA, 2006, p.51). Sob a perspectiva do entendimento de Araújo e Cardoso (2007), os materiais informativos/educativos em saúde tratam a população como carente e ignorante. As autoras compreendem o “ruído” do modelo informacional não com conotação negativa, mas como a representação de vozes sociais construtivas e presentes necessariamente em todas as situações comunicativas. O embasamento de C&S diante do modelo informacional empobrece a concepção do entendimento da comunicação enquanto processo, uma vez que o modelo é construído de maneira focalizada na minimização de interferências, o que em C&S ocasiona a repercussão de informações descontextualizadas que retiram o campo da saúde da prática de construção social. A perspectiva desenvolvimentista no Brasil trouxe o sentido de associação da comunicação com o desenvolvimento da nação e a superação da pobreza, nas épocas do governo de Juscelino Kubitschek - JK (1956 – 1961) e no regime militar (1964 - 1985), sendo enraizadas até hoje as estratégias comunicacionais elaboradas pela ditadura (ARAÚJO; CARDOSO, 2007). Permanece ainda na democracia um aspecto centralizador de saberes de informações no Estado e reproduzido pelo jornalismo de saúde que muitas vezes repete visões ultrapassadas. “A compreensão de que nosso interlocutor também possui conhecimentos pertinentes ao seu próprio desenvolvimento é uma conquista da maior importância para o campo da C&S.” (ARAÚJO; CARDOSO, 2007, p.52) Sendo assim, as autoras compreendem que com a criação do modelo de comunicação em dois fluxos (two-step flow of communication) com o início da compreensão do mediador inserido em grupos sociais dinâmicos, exemplificado pelo modelo de Lazarsfeld6 (1944), a saúde logo incorpora essa vertente, mas dando 6

O modelo de Lazarsfeld, estabelecido em 1944, passa a compreender o entendimento do mediador como um importante marco do estudo da comunicação. “Após vários meses de pesquisa em Erie, os pesquisadores perceberam que as pessoas pareciam muito mais influenciadas nas decisões políticas pelo contato face a face do que diretamente pela comunicação de massas. Eles reviram seus processos e descobriram então, o papel do líder de opinião, alguém que fazia aponte entre as


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enfoque apenas ao papel instrumental do mediador e o retirando de seu conceito enquanto pertencente a certos grupos sociais. Isso devido à força hegemônica da matriz informacional na C&S, onde o mediador é entendido enquanto dispositivo de melhoria da eficiência da mensagem com os multiplicadores, monitores e agentes de saúde assumindo esse papel de absorver as informações e o entendimento oficial estabelecido pelo poder público e repassar à população. A mídia e a saúde relacionam-se de forma intensa e diversificada. Alguns veículos compactuam com a disseminação do discurso das instituições públicas de saúde, repetindo-os sem interpretá-los e sem se ater ao pluralismo social, outros estabelecendo uma vertente diferenciada os analisando criticamente. Há também outro setor que desconhece ou desconsidera o discurso estatal em sua produção. As características do modelo levaram – e ainda levam – educadores, comunicadores, planejadores e gestores da saúde a acreditarem que a prática comunicativa limita-se à transferência de informações a uma população que nada sabe de relevante sobre os assuntos que dizem respeito à sua saúde e sua vida (ARAÚJO; CARDOSO, 2007, p.46).

Há ainda que se considerar que receber informações ou adquirir conhecimento em saúde não reflete na mudança de atitude necessária e imediata, esse fator deve ser atentado tanto na construção da informação de saúde advinda da esfera pública, quanto na produção jornalística. Os objetivos instrumentais7, de mudança de atitude através da informação, estipulados em uma mensagem nem sempre são alcançados. Mesmo em informações corretas, bem apuradas e bem construídas que alcancem o receptor que compreende a informação não necessariamente reflete na mudança dos hábitos e atitudes tomadas pelo receptor. Grande parte da população sabe os riscos de não se usar protetor solar, por exemplo, mas a escolha de se usar ou não é do receptor; o que se deve ter como

mensagens dos meios de comunicação e o eleitorado. Eles analisaram a importância desse grupo primário no qual ocorre a comunicação em duas etapas: uma das pessoas mais expostas à mídia e outra dessas pessoas para as que pouco se expõe à mídia” (GUARALDO, 2007, p.13). 7 O conceito de objetivo instrumental é criado por Wilbur Schramm e explica a diferenciação entre esse que seria o objetivo que visa certa reação, atitude a partir da recepção da mensagem, contrapondo ao objetivo consumatório de mera absorção da mensagem, com intuitos como o de entretenimento (BERLO, 1968).


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princípio é que esse receptor tem o direito à informação educativa em saúde, fornecida com qualidade, independente das ações variadas que podem advir da mesma. É necessário tomar conhecimento dos direitos sociais à saúde e à informação, que devem superar o discurso amparado no modelo informacional. O ato de promover o pluralismo social e as vozes dissonantes do contexto meramente institucional de saúde pública facilita a construção da mensagem jornalística de saúde e a sua adequação ao público, auxiliando o estabelecimento do campo de C&S integrado as relações sociais que de fato ocorrem. 2.2 A saúde no jornalismo científico Pelo fato de a saúde ser condição para existência humana com bem-estar, permeando todas as esferas sociais, é fruto de estudos científicos diversificados e, portanto, pauta constante no jornalismo científico. O

jornalismo

científico

está

inserido

na

esfera

da

divulgação

científica/popularização da ciência e através desse objetivo norteador, adéqua a linguagem científica para os padrões jornalísticos e dentro das técnicas e critérios de noticiabilidade jornalísticos, onde muitas vezes o interesse científico do assunto não se reflete e não representa o interesse jornalístico apresentado. Figura 2 - Representação dos campos de atuação na área da informação em ciência (MENEZES, 2011, p. 26.)8

Divulgação Científica/Popularização da Ciência Jornalismo Científico Difusão Científica

Jornalismo Científico de Saúde

Disseminação Científica

8

Originalmente, o termo “Jornalismo Científico de Saúde” não está inserido no diagrama do autor, apesar de conceitualmente, segundo o que o pensamento sobre jornalismo científico compreenda todas as especialidades do jornalismo de ciência como inclusos em “Jornalismo Científico”, tal como jornalismo ambiental e de saúde. Para dar mais evidência à presença conceitual do jornalismo de saúde, optou-se aqui por somar ao diagrama o campo em questão.


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Apesar de ter alguma freqüência o espaço dedicado à saúde nos grandes jornais diários de nossas cidades, verifica-se que estes espaços são geralmente preenchidos com uma agenda cujos fatos contêm os atributos dos “valores-notícia” (EPSTEIN, 2011, p.139).

Nesse processo, é gerada uma carência de informação com utilidade pública em saúde sobreposta pelos valores-notícia, muitas vezes ocasionada pelo descompasso entre as intenções do cientista, o processo da ciência em si, e o processo jornalístico. Dentro das pesquisas científicas em saúde há uma volatilidade muito forte, o que é um fator preocupante na construção do jornalismo científico, até porque tal volatilidade muitas vezes não é notada ou quando percebida é desconsiderada e sobreposta ao valor-notícia. Volatilidade, porque estudos densos, rígidos estruturados pelo método científico, se esvaem no ar e logo são contrastados ou substituídos por outros fatos. Trata-se do entendimento da ciência como um processo não-estático, em constante desenvolvimento, com contrapontos, caminhos diversos e não-verdades fixas e eternizadas. Um exemplo são as pesquisas sobre determinados alimentos e seus benefícios e malefícios ao corpo, que além de diversas, nem sempre apontam um consenso ou de tempos em tempos são modificadas e contrapontos aparecem. Nesse sentido, ao jornalista não importaria dizer, por exemplo, que a comprovação de que a obesidade relaciona-se com o consumo de açúcar9, advém de diversos estudos e que há pesquisas de contraponto ou ainda ressaltar o fato de que a ciência é mutável e essa concepção pode ser alterada no decorrer do tempo. O interesse está no valor noticiável que a enfermidade obesidade adquiriu midiaticamente e, portanto, referir-se a comprovações e novas pesquisas sobre o tema adquire importância. Para Epstein (2007, p.169), “o jornalismo científico possui critérios de relevância científica que muitas vezes entram em conflito com os critérios do cientista”. O autor estabelece vínculo do fenômeno com o sensacionalismo que rege na mídia, em especial nas temáticas de saúde e que quando as matérias não são adequadas à pesquisa científica em que se baseiam o erro pode ser de do jornalista

9

A OMS – Organização Mundial de Saúde cita como uma das causas da obesidade o aumento da ingestão de alimentos ricos em gordura, açúcar e sal (WHO, 2013).


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e suas falhas técnicas ou éticas ou de adequação da linguagem, cabendo análise a cada caso.

A informação útil ao público sobre saúde, em geral, concerne a fatos já conhecidos e consagrado pela “ciência normal” vigente. Esta informação raramente é uma “notícia” no seu sentido jornalístico, promove notoriedade ao cientista ou se consagra num “furo” para o jornalista que a divulga (EPSTEIN, 2007, p.176).

Do ponto de vista da ciência a confirmação é de suma importância. Uma pesquisa que já é aceita do ponto de vista metodológico pode ser testada diversas vezes para aferir credibilidade ao estudo. No jornalismo, entretanto, confirmar algo já esperado, não é válido enquanto noticiabilidade, e o inesperado ganha relevância, a espera pela novidade para ciência adquirir status de notícia. Porém, o inesperado na ciência nem sempre é positivo. Há pesquisas que levam décadas para serem comprovadas ou refutadas, e o fator surpresa pode transformar todo o processo de análise, ou modificar concepções aceitas por muito tempo, o que comprova o distanciamento entre os valores científicos e os jornalísticos, e as dificuldades de se fazer a convergência dos campos em especial para o jornalismo científico de saúde. A

adaptação

da

linguagem

também

interfere

nesse

processo

de

convergência. Marteleto (2009) afirma que o processo de especialização do conhecimento científico gerou um distanciamento entre o discurso científico e a linguagem usual. O comunicador atua então recodificando e selecionando os elementos científicos a serem repassados numa linguagem acessível.

A divulgação científica apresenta formas peculiares de tratar as questões do conhecimento, da comunicação e da informação na relação entre a ciência, a sociedade e o conhecimento social (ou popular, prático, tácito, leigo). É um domínio de estudos e de práticas que emprega recursos da pedagogia, do jornalismo, da narrativa literária, dentre outros, para reformatar o discurso científico, a fim de tornar os princípios, conceitos, teorias e métodos da ciência mais próximos dos universos simbólicos e das diferentes falas dos atores sociais. (MARTELETO, 2009, p.46)

O jornalismo como uma das formas de divulgação científica, deve através de adaptações possíveis, traduzir a linguagem científica tentando não se distanciar do


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significado empregado inicialmente. O uso de metáforas deve sempre ser cuidadoso e a aproximação com a pesquisa a maior possível. Apesar dos distanciamentos entre a linguagem da ciência e do jornalismo, a complexidade da saúde requer o uso da ciência para que a partir de fontes com credibilidade científica, se estabeleça um jornalismo que utiliza a informação científica de saúde a favor da promoção à saúde e à prevenção enquanto estratégia das políticas públicas. A idéia é incluir a informação sobre saúde como um bem com seu respectivo preço e relação custo benefício. Quais as doenças que podem, ao menos parcialmente, serem prevenidas por informação adequada veiculada por jornais, e programas de rádio e televisão? (EPSTEIN, 2011, p. 140)

A relação da responsabilidade jornalística com a promoção a saúde deve ser agregada ao jornalismo científico de saúde, que apesar das dificuldades com a adequação da linguagem científica e com as diferenças do processo que a ciência percorre, pode através do jornalismo científico oferecer informações adequadas em saúde que auxiliem no processo educativo através da mídia.


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3. JORNALISMO DE SAÚDE 3.1 Jornalismo de Saúde, cidadania e direitos O jornalismo de saúde estabelece uma necessidade educacional, a partir de uma estreita conexão com o direito à saúde, e especificamente com a promoção à saúde. Remonta-se, aqui, à construção da cidadania através do jornalismo e os aspectos da cidadania que se conectam com a constitucionalização do direito à comunicação e à saúde. O jornalismo, tratando-se do viés especializado em saúde, possibilita o agendamento das pautas voltadas à disseminação e reafirmação aos direitos sociais de cidadania ligados à saúde. Mais que isso, o tipo de abordagem utilizada em uma pauta do cotidiano ou de alguma temática que englobe aspectos conectados indiretamente as questões de saúde possibilita que a atenção se volte às problemáticas em saúde, consequentemente incitando o debate de tais aspectos. Em sua origem, o conceito de cidadania remetia aos privilégios das classes sociais dominantes. Os direitos à cidadania no entendimento contemporâneo ganharam espaço a partir de lutas sociais gradativas, tornando tal conceito atrelado à inclusão e não mais a minorias favorecidas com a exclusão dos demais. Os direitos sociais de cidadania correspondem a uma terceira geração de direitos constituídos no séc. XX.

A terceira geração seria então de direitos

“correspondentes à aquisição de um padrão mínimo de bem-estar e segurança sociais que deve prevalecer na sociedade” (VIEIRA, 2010, p.42). O conceito de cidadania integra o artigo 1º da Constituição Federal e é entendido como um dos princípios fundamentais da legislação nacional (BRASIL, 1988). Os direitos, de acordo com sua construção histórica, se normalizam no cotidiano onde atuam. O que antes era uma necessidade social pouco recorrente e geradora de conflitos se torna constante e comum, sendo imperceptível todo o processo passado para conquistá-lo. Um exemplo nesse sentido é o direito ao voto, normalizado no contexto brasileiro e fruto de uma luta social. Esse contexto de normalização dos direitos “trata-se de uma construção histórica, em expansão, ligada hoje a muitos aspectos da vida, significando o acesso dos cidadãos à saúde, à educação, à previdência, à cultura, à comunicação, etc.” (SOARES, 2009, p.56).


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A Declaração Universal dos Direitos Humanos10, em 1948, traz certa inovação em relação aos direitos sociais e passa a considerar o ser humano em sua especificidade de acordo com gênero, idade e condições físicas, lembrando que tais direitos específicos de certos grupos sociais, se tornam direitos de cidadania apenas quando são universalmente aplicados e garantidos pelo Estado (VIEIRA, 2010, p.35). Esse avanço dos direitos e no discurso de cidadania é refletido na construção do jornalismo que deve então considerar as particularidades dos grupos sociais que utiliza como fonte na construção do material jornalístico. Deve-se ainda considerá-los na concepção de público-alvo ao adequar a mensagem com respeito à diversidade e se tornando assim ferramenta notória para manutenção dos direitos sociais à saúde e à informação. Na Constituição Federal11 brasileira de 1988 o direito à saúde se materializa e suas especificidades se inserem sistematicamente com a Lei Orgânica da Saúde 12 de 1990, que legaliza e sistematiza as questões de saúde de forma organizada e voltada ao campo da saúde coletiva, sob um viés humanista e de entendimento da saúde enquanto aspecto construído socialmente. O artigo 3º da Lei Orgânica da Saúde, por exemplo, institui a educação como fator determinante para obtenção da saúde.

Art. 3º A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País (BRASIL, 1990).

10

O artigo 6º do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros estipula a necessidade de atuar de acordo com os princípios estabelecidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. “Art. 6º É dever do jornalista: I - opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos” (FENAJ, 2007). 11

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgada em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nº 1/92 a 67/2010, pelo Decreto n° 186/2008 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão n° 1 a 6/94 – Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2011. 578 p. 12

A Lei Orgânica da Saúde nº 8.080 foi instituída em 19/09/1990 e é um marco na legislação de saúde brasileira. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm >.


37

Voltando-se ao conceito do jornalista entendido como educador e do jornalismo atuando como ferramenta para manutenção dos direitos sociais, tal artigo demonstra legalmente a necessidade da educação para manutenção da saúde e nesse contexto relacionada a educação não-formal a partir dos veículos midiáticos, com ênfase na aplicação desse conceito estritamente conectado com a criança e o adolescente enquanto público receptor. Além da aplicação da educação não-formal o artigo demonstra todas as atribuições necessárias para o bem-estar físico, mental e social do indivíduo, que dizem respeito à saúde, instituída enquanto dever do estado, englobando diversas outras instituições sociais que perpassam as questões de saúde e comprovando a complexidade que envolve o conceito. Em relação à constitucionalização da saúde no Brasil, a Constituição Federal de 1988 legaliza no artigo 196 a saúde como direito de todos e dever do estado, estabelecendo a partir desse ano total responsabilidade atrelada ao Estado, o que não estava claro até então e gerava a possibilidade de despertencimento do dever à promoção, proteção e recuperação da saúde, através de ações e serviços garantidos pela constituição. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988).

O artigo 197 da Constituição Federal (BRASIL, 1988) descreve as questões de legalização e controle das ações de saúde e o artigo 198 trata da organização e diretrizes das ações e serviços públicos no mesmo sentido, descritos depois na Lei Orgânica da Saúde e refletidos das diretrizes do SUS. No artigo 198 (BRASIL, 1988) é estabelecida a importância das ações preventivas, a participação da comunidade e é citado o sistema de descentralização das ações em saúde, característica da estrutura do SUS atualmente. Nota-se então a vasta existência regulamentatória do direito à saúde, mas que não foi socialmente normalizado. Sabe-se que é direito de todos, mas o papel do jornalismo nesse sentido é construir pautas educativas na área que reafirmem esse direito e as maneiras de adquiri-lo. É um processo educativo em saúde


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reafirmado através do jornalismo e do processo democrático onde a cidadania gradativamente se reinventa. O direito à saúde embute-se diretamente também no direito à informação em saúde. Sobre tal conexão cita-se principalmente o artigo 22013, onde a comunicação atesta-se como direito em sua integralidade, sem barreiras. É especificada ainda a preferência e a necessidade de inserção de elementos educativos nas mensagens midiáticas, firmado no princípio I do Art. 221, que estabelece “preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas” inseridos na programação de emissoras de rádio e televisão (BRASIL, 1988). A preferência na finalidade educativa é estendida aos meios de comunicação social eletrônica pelo parágrafo 3º do artigo 22214. Incluído à Constituição pela emenda nº 36 em 2002, que insere a internet na regulamentação. O acesso à informação media o acesso a todos outros direitos, por disseminálos, explicá-los e atuar ainda na construção de novos direitos necessários inserindo pautas de problemáticas sociais que demonstram a necessidade da manutenção dos direitos adquiridos e muitas vezes da construção de novos.

É por meio da informação que os cidadãos podem fazer escolhas e julgamentos de forma autônoma, de modo que ela os auxilia a exercerem suas prerrogativas, tornando, por meio de sua difusão, mais acessíveis os demais direitos. (SOARES, 2009, p.59)

Sendo os meios de comunicação parte integrante do processo social, lhe é conferida a responsabilidade de transmitir informações pertinentes aos direitos sociais de cidadania, independentemente de suas conotações político-econômicas, situando tal afirmação sob uma perspectiva ideal de atuação do jornalismo.

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Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição (BRASIL, 1988). 14

Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País. § 3º Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais (BRASIL, 2002).


39

3.2 Uma perspectiva normativa do jornalismo de saúde A perspectiva normativa possibilita estabelecer parâmetros de eficácia máxima, neste caso, para concretizar uma efetiva ação educativa no jornalismo de saúde, demonstrando um modelo ideal, que muitas vezes, se não normalmente, não é cumprido pelas intempéries do processo comunicativo e a influência de outros processos como o político e o econômico além de todos outros fatores de subjetividade que intervém no processo jornalístico. Após estabelecidos os elementos para a máxima qualidade do jornalismo de saúde, a normatização oferece um modelo a ser seguido pelo qual é possível traçar um paralelo com o que acontece de fato e estabelecer maneiras de reordenamento para o alcance do ideal. Os princípios e doutrinas do SUS constituem a formulação política e organizacional para o reordenamento dos serviços e ações de saúde, porém mais que isso estabelece certos princípios e parâmetros para as ações de saúde. Tomando como fato que o profissional jornalista atua como um desses protagonistas dos serviços e ações de saúde, auxiliando na promoção da mesma através da educação pelas mídias, existem certas concepções estabelecidas pelo SUS que demonstram a questão da saúde de forma completa e podem ser utilizadas como base para construção de um jornalismo em saúde também completo e educativo. A ‘educação popular e saúde’ reflete e atua a partir de problemas locais, geralmente ligados ao funcionamento dos serviços de saúde, portanto na ‘ponta’ dos procedimentos de saúde pública e próxima dos sujeitos sociais envolvidos na prestação de serviços (MARTELETO, 2009, p.59).

Baseado nos princípios do SUS, o princípio básico de integralidade exprime o conceito de que cada pessoa é um todo indivisível e integrante de uma comunidade, a integralidade do ser humano e sua construção de vida social integrante a determinados grupos é uma visão que há de ser atentada quando construída uma pauta de saúde (BRASIL, 1990). Tais princípios podem ser compreendidos quando relacionados ao jornalismo, por exemplo, no caso de enfermidades características de certas regiões endêmicas, devido ao clima ou a diversos outros fatores, supondo que o jornalista noticiará um


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surto de certa enfermidade na região. Se o mesmo não caracterizar o grupo social, local, causas e especificidades, pode gerar desinformação. Ainda há também as particularidades culturais e de grupo sociais, onde a enfermidade pode ser compreendida de formas diversas, sendo portando construída socialmente. A compreensão do pertencimento do cidadão à comunidades e meios diversos deve influir no jornalismo de saúde em dois sentidos: em primeiro ponto na delimitação do público-alvo, para compreensão total do mesmo e em segundo ponto na utilização de fontes, há que se atentar para o meio onde a fonte está inserida e de que forma o meio atua sobre a mesma, relacionando tal fator a formatação das perguntas e interpretação das respostas obtidas em entrevista. É também trabalho pertinente ao jornalista atuar sob o princípio do SUS de participação

dos

cidadãos

pelos

conselhos

de

saúde

estipulados

na

regulamentação. Isso porque o SUS prevê o dever das instituições de saúde em oferecer informações e conhecimentos necessários para que a população se posicione na temática. O jornalista nesse sentido deve atuar mediando as informações fornecidas pelas instituições e repassando ao público o direito de participação do cidadão implantado pela legislação. Essa participação da população é prevista pela Lei 8142/90 15. O jornalista deve ainda considerar nessa participação do cidadão nas opiniões relativas à saúde coletiva, o posicionamento das questões relativas à saúde da criança e do adolescente que enquanto grupo social em vulnerabilidade pode a partir das pautas estipuladas pelo jornalismo de saúde inserir temáticas que os privilegiem, já que a participação desse setor é na realidade mediada por outra de faixa etária superior. A saúde está involucrada em todos os aspectos corriqueiros e até abstratos que envolvem a vida na modernidade. A quantidade de interconexões com fatores sociais que determina a saúde evidenciou no Brasil a demanda por um profissional que compreendesse esse fator e atuasse como mediador para promover a saúde e em especial atuar prevenindo-a de “anormalidades”, foi, portanto estipulado a figura do agente comunitário de saúde.

15

Lei nº 8.142 de 28 de Dezembro de 1990, que “dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde - SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências”. (BRASIL, 1990). Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/Lei8142.pdf>.


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O agente comunitário de saúde é entendido pelo SUS enquanto mediador, uma figura de interlocução e contato direto com a população, que de forma individual e humanizada, valoriza a saúde da família, observa as realidades de uma forma integral, porém ainda com certas barreiras, pois o agente comunitário de saúde não tem a liberdade, por exemplo, de afetar de alguma forma a renda mensal de certa família. O jornalista também é um agente de mediação e necessita entender-se como tal, e apesar de não afetar diretamente na alteração dos fatores determinantes estipulados pelo artigo 3º da Lei Orgânica da Saúde16, profissionalmente o jornalista tem a liberdade de considerar e compreender o real entendimento do conceito de saúde na estruturação de um material jornalístico de qualidade.

O conceito ampliado de saúde, devedor das propostas de Henry Sigerist, da Carta de Otawa e de outros documentos semelhantes, diz que a saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças ou enfermidades (XAVIER, 2006, p.44).

Outra ação balizadora importante de ser destacada é o afastamento do jornalismo de saúde dos interesses dos conglomerados de indústria farmacêutica ou interesses econômicos que possam utilizar o material jornalístico como ferramenta de publicidade. Essa noção é instituída como um dos deveres do jornalista pelo artigo 12 do Código de Ética dos Jornalistas17 (BRASIL, 2007).

A informação tem que ser correta, pertinente, adequada (princípio de correção), explícita quanto aos autores e patrocinadores (princípio ético). Entretanto, não se percebe menção a aspectos referentes à reflexão de questões básicas relativas aos processos de construção/ difusão/ consumo dos produtos tecnocientíficos, essencial para o exercício da crítica (CASTIEL; SILVA, 2006, p.37).

16

Art. 3º A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social.” (BRASIL, 1990) 17

“Art. 12. O jornalista deve: IV - informar claramente à sociedade quando suas matérias tiverem caráter publicitário ou decorrerem de patrocínios ou promoções” (BRASIL, 2007).


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Castiel e Silva (2006) relatam que não se nota matérias que questionem, por exemplo, o aumento do preço dos medicamentos, as fragilidades de políticas públicas, ou a seleção de certas temáticas por interesses diversos. Outro fator necessário de se considerar é o incentivo a uma abordagem que privilegie a prevenção e não a cura a certas enfermidades. A matéria que dá mais ênfase à doença e maneiras de tratá-la e não relata a prevenção, acaba minimizando o debate a um fundo tecnicista e reducionista.

As discussões sobre prevenção, evidentemente, assumem uma perspectiva mais voltada à saúde do que à doença, a cobertura dáse em outra linguagem, busca ao mesmo tempo cobrar políticas preventivas dos governos e apresentar serviços aos leitores, indicando como adotar práticas preventivas. Entretanto, essa ainda não é a regra da imprensa. (GODOI, 2006, p.62)

A ênfase na prevenção é também reconhecer o jornalismo enquanto ação educativa e de promoção à saúde e atuar sob as regulamentações de saúde que estabelecem a necessidade do discurso de prevenção de maneira mais insistente que o discurso de cura, pois uma população prevenida reduz gradativamente as necessidades de cura. Certos detalhes podem modificar completamente o tratamento da mensagem e intencionalidade do emissor. Os objetivos no jornalismo de saúde devem ser bem definidos e sempre incluir o papel social do jornalista com a educação pelas mídias. A escolha dos elementos corretos auxilia na construção de um jornalismo de qualidade e que possa em alguma medida contribuir na melhoria efetiva da saúde do cidadão. . 3.3 Parâmetros Existentes versus Parâmetros Ideais A partir da compreensão de um modelo ideal de jornalismo de saúde, formatado através dos parâmetros normativos já apresentados, agora se estabelecem comparações entre os elementos de um jornalismo que não se adéqua à normatização e que se encontra cotidianamente em veículos que abordam saúde e que se encontram fora dos padrões que garantem qualidade ao produto jornalístico e elementos do jornalismo considerado ideal, que cumpra seus deveres e siga valores éticos dentro considerações técnicas pertinentes.


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A comparação entre o usual e o ideal gera uma consequente análise de possíveis medidas que prevejam maneiras de adequação de fatores que não condizem com o estipulado para manter um jornalismo de saúde

com

responsabilidade social e de qualidade. Salienta-se que o modelo idealizado de jornalismo de saúde não considera certos fatores reais como a força de influência de outras instituições sociais sobre os veículos midiáticos, o tempo escasso para produção do material ou a falta de recursos e estrutura, mas considera-se importante estabelecer um patamar elevado independente das ações adversas. Certas características do jornalismo atual, que procura alcançar um público irrestrito, e se apoia em certos critérios clássicos de noticiabilidade, como o imediatismo e o sensacionalismo, no afã da necessidade de repercussão podem prejudicar a busca pela qualidade. No contexto mercadológico que o jornalismo é submetido, de curta duração, de imediatismo, da novidade, do impactante, a notícia de saúde tende a receber um recorte que não privilegia a complexidade social da construção da saúde. Em um veículo com diversas editorias evidencia-se então a necessidade do agendamento de temáticas de saúde e cidadania – elemento importante mesmo com uma diversidade de fatores que interferem pra mudança de problemáticas. Sempre que possível sugere-se a separação da temática em editoria especial ou o cuidado na escolha da editoria onde as matérias de saúde serão inseridas. Essa escolha pode modificar por completo a abordagem da matéria. Em estudo realizado pelo Núcleo de Comunicação em Saúde e Meio Ambiente da UFMS18, constatou-se que muitas notícias de saúde que aparecem nos jornais de maior circulação do estado de Mato Grosso do Sul estão inseridas nos chamados “Caderno B”, onde as notícias recebem muitas vezes conotação de amenidades e a complexidade do tema não é privilegiada (MARQUES; FRANÇA, 2013). No entendimento do valor normativo, a defesa da cidadania é papel principal do jornalismo enquanto a teoria crítica demonstra as realidades do poder político e do econômico e a alteração dos valores ideais, mas é necessário estabelecer um 18

O Núcleo de Comunicação em Saúde e Meio Ambiente – NCSMA da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, antigo Núcleo de Jornalismo Científico, existe desde 2009 e tem realizado nos últimos anos pesquisas de monitoramento da mídia nas temáticas em que trabalha.


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padrão para busca incessante do alcance do mesmo, equilibrando num processo de busca constante do ideal e não na sobreposição de outras forças dominantes no processo do jornalismo de saúde, ético, responsável e de excelência. As pressões sofridas pela imprensa não podem atuar em detrimento dos direitos, deveres e ao fim comum de um jornalismo de saúde íntegro e do comprometimento do papel social do jornalista. Há que se encontrar um equilíbrio dinâmico entre os fatores do mercado e os valores consolidados. Retomando a complexidade do conceito de saúde sabe-se que tratar sobre bem-estar requer demandas não apenas biológicas e atribuídas ao físico “saudável” do ser humano. Para situar melhor o debate da complexidade dos fatores da saúde e dos deveres do jornalista com a qualidade do jornalismo de saúde que agregue a compreensão da construção social do conceito de saúde e que considere os direitos sociais de cidadania do cidadão, estabelece-se aqui uma tabela comparativa prática, que a partir das técnicas e práticas do jornalismo cotidiano, estrutura os parâmetros existentes, do que costumeiramente é visto na mídia e os parâmetros ideais, daquilo que se considera correto na produção jornalística em saúde. O veículo, ou jornalista, pode a partir dessa comparação, visualizar de uma maneira mais operacional, as ações que toma corretamente ou àquilo que deixa a desejar, a união de todos os parâmetros ideias leva a um jornalismo próximo daquilo que se espera, pela normatização aqui proposta. Tabela 1 – Elementos do Jornalismo de Saúde19 Parâmetros Existentes

Parâmetros Ideais

Elaboração de pauta superficial.

Elaboração de pauta completa e bem embasada, já elucidando a abordagem educativa.

Baixo conhecimento prévio da temática e Conhecimento prévio à temática e uma pouca pesquisa de campo.

boa pesquisa de campo.

Inadequação do formato e tamanho das Formato matérias.

19

e

tamanho

adequados

ao

objetivo proposto.

*Tabela que retrata de maneira genérica, fatores comuns ao real apresentado no jornalismo de saúde brasileiro e o contraponto normativo a ser alcançado, construído sob um viés idealista.


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Pouco estudo preliminar do público-alvo.

Estabelecer com precisão o público-alvo.

Generalização dos aspectos sociais e Respeitar o pluralismo e particularidades mensagens que não se enquadram ao sociais e adequar a mensagem ao público-alvo.

público-alvo.

Sensacionalismo20 midiático.

Ausência

de

elementos

do

sensacionalismo.

Baixa

checagem/apuração

de Checagem/Apuração

cuidadosa

informações e fatos.

obrigatória.

Pouca preparação preliminar.

Preparação para todas as matérias.

Poucas fontes.

Utilização de fontes diversificadas.

Ausência

de

dados

estatísticos

e

e Dados estatísticos e de pesquisas de

pesquisas de confirmação.

confirmação.

Baixa checagem de informação.

Checagem total e indispensável de todas as informações.

Desconsiderada a inserção dos direitos Citar os direitos sociais à saúde, sempre sociais à saúde.

que cabível.

Revisão simplista ou ausente do material.

Revisão detalhada do material.

Basear-se em parâmetros que podem parecer simples e evidentes, como os expostos por essa tabela, é tentar de alguma maneira não repetir os erros diários do 20

Entende-se, aqui, o termo sensacionalismo em seu sentido pejorativo e de desvalorização do conteúdo educativo, a utilização de sensações, metáforas e maneiras de adequar o conteúdo para que fique mais harmonioso é adequada.


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entendimento de saúde veiculado por mídias das mais diversas, em todos os suportes.

Falar de saúde na mídia é também falar de uma profunda desigualdade nos acessos aos meios de comunicação e, por consequência, de iniquidade em saúde. A razão disso é que, por um lado, percebemos que os esforços das áreas e atores da comunicação em saúde, não têm abrangência nem grande repercussão social e, por outro lado, as diversas mídias apropriam-se de muitos modos (a maioria deles em franca contradição com os conceitos da OMS e proposições do SUS) do termo “saúde” (XAVIER, 2006, p.45).

A apropriação da temática saúde pelas mídias é necessária, mas com o entendimento completo da complexidade do tema e a maturidade, para adquirir a percepção de que existem discursos oficiais institucionalizados com fórmulas rígidas, que devem ser compreendidas e adequadas pelo jornalismo de saúde que inclui a pluralidade de vozes e problemáticas balizadoras, como a democratização da saúde em todo seu âmbito. Caco Xavier (2006, p.50) estabelece três sentidos de apropriação do conceito de saúde pelas mídias, com foco na televisão. É interessante averiguar que cada um desses perfis, reflete um tipo de enfoque incorreto que normalmente é visto. No primeiro sentido, a saúde seria entendida na imprensa como mercadoria. A temática é utilizada, nesse entendimento, a partir do potencial de comercialização que a saúde possibilita. Nesse âmbito, relaciona-se normalmente à conexão da saúde em abordagens conectadas a beleza, esporte e alimentação. Vincular a estética à saúde em geral é uma conotação perigosa, principalmente se utilizada com fins publicitários de venda de medicamentos e produtos, porém embutidos de forma subliminar em materiais jornalísticos, fato completamente antiético. Apesar de não ser um fator de descrédito imediato, a abordagem relacionada à beleza, esporte e alimentação em temáticas de saúde deve ser precedida por um cuidado de adequação do viés educacional. Em segundo ponto a saúde é definida pela cura, ou seja, remete-se ao conceito errado e negativo de que saúde é a ausência de doenças, e está inserida normalmente

em

temáticas

com

dicotomias,

comparando

saúde/doença,

velhice/juventude, dor/prazer. Objetivam a passagem de um estado para outro,


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através de substâncias ou ações pontuais. São matérias com enfoque muito específico e que não consideram a complexidade do conceito. Uma última perspectiva retrata concepção de que saúde é tecnologia. Nesse viés os veículos utilizam da novidade sempre conectada com descobertas científicas na área da saúde, para noticiar descobertas como novos medicamentos, novos equipamentos e técnicas que de alguma forma atuem na melhoria da saúde. Essa é também uma abordagem perigosa, pois a ciência não é exata, trata-se de um processo complexo e mutável e a eficácia da novidade sempre é exata. É importante a veiculação das atualidades sobre saúde, mas deve-se ater a tênue linha do sensacionalismo. Para garantir a qualidade de pautas de saúde, Godoi (2006, p.67) estabelece que “matérias explicativas, com mais fontes, dados estatísticos contextualizando o problema e as legislações que trazem o marco legal da questão são mais raras e fazem falta quando queremos agendar com qualidade as pautas de saúde.” Ainda no sentido de aferir qualidade, Godoi (2006) aponta que a inserção de artigos opinativos, ou com novos formatos e ideia, seriam benéficos ao jornalismo de saúde e à evolução da área: Por outro lado, também não são comuns os textos que arriscam a propor novas configurações para as questões que estão sendo abordadas e menos ainda aqueles que buscam avaliar (de maneira opinativa) as temáticas em pauta. Ainda que esses dois formatos não possam ser o centro da atividade jornalística, eles são relevantes para fomentar e estimular o debate (GODOI, 2006, p.67).

O debate é suscitado a partir da percepção de que os direitos não estão sendo cumpridos. Tratar das políticas públicas sucateadas como temática das matérias de saúde, gera um descontentamento necessário e a inserção de matérias opinativas em seus espaços destinados é interessante e representa uma ferramenta de movimentação social do tema. Em síntese, a definição do veículo, do formato, do público-alvo é importante, mas o mais representativo é o objetivo apresentado pelo conselho editorial e pelo jornalista e equipe, já que a escolha de utilizar ou não uma pluralidade de vozes, de ser ou não sensacionalista e utilizar uma contextualização, é marcada antes de tudo pelo objetivo do que se figura e do que e de qual maneira se pretende alcançá-lo.


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4. JORNALISMO DE SAÚDE, CRIANÇAS E ADOLESCENTES O jornalismo de saúde possibilita duas maneiras de relação com crianças e adolescentes. Em um lado, e mais comum, as temáticas diversas de crianças e adolescentes como pauta de matérias em saúde, tratando de questões polêmicas como obesidade, desnutrição infantil, gestação, vacinação, e diversos outros viés do cotidiano que possibilitam a inserção de tal grupo no agendamento midiático. Em outra perspectiva, já menos estudada, há também o jornalismo de saúde que tem como público-alvo, ou seja, como receptor prioritário, crianças e em especial adolescentes (de doze a dezoito anos). Dentro de outra análise dessas duas perspectivas de utilização da criança e do adolescente, enquanto pauta e enquanto público-alvo é apresentado aqui, com o estabelecimento de parâmetros normativos, formas de se manter a qualidade no material informativo que, agora dá ênfase ao jornalismo de saúde segmentado em e para esse público.

4.1 Crianças e adolescentes enquanto pauta de saúde Enfermidades que corriqueiramente atingem crianças e adolescentes, cuidados com a gestação, amamentação, hábitos adequados e maneiras de possibilitar o bem estar e desenvolvimento saudável, essas são algumas das temáticas abordadas no jornalismo de saúde que utiliza como pauta as questões relacionadas à faixa etária de zero a dezoito anos. A saúde atrelada a infância e juventude tem um espaço privilegiado nos veículos midiáticos. Segundo pesquisa da ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância, “a saúde é o terceiro tema mais abordado pelos diários latinoamericanos” (ANDI, 2009, p.42), quando retratadas temáticas relativas à criança e ao adolescente, perdendo apenas para pautas de educação e de violência.

A mídia cobre preferencialmente as doenças que afetam a população infanto-juvenil e as formas de superá-las. Não há, na mesma proporção, uma cobertura que privilegie a qualidade de vida, a prevenção a esses males, isto é, uma cobertura mais pró-ativa, mais contextualiza e, logo, mais completa (GODOI, 2006, p.61).


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O jornalismo de saúde que utiliza a criança e o adolescente como pauta, pode estabelecer como público-alvo receptor tanto o próprio grupo jovem, quanto adultos que agem e influenciam sobre a saúde dos menores. São pais, mães professores e educadores em geral, que cotidianamente recebem informações sobre saúde que podem influir na maneira com que cuidam de sua própria saúde e daqueles com quem convivem em seus círculos sociais. Quanto menor a idade, maior a influência dos responsáveis na saúde da criança. Nesse sentido há que se preocupar com alguns mitos estabelecidos que se manifestam socialmente, prejudiciais à saúde e que podem ser quebrados através do jornalismo. Como exemplo prático pode-se citar a obesidade infantil. Culturalmente se estabeleceu o conceito de que quanto mais peso o bebê aparentasse, maior o índice de qualidade de vida, mito quebrado cientificamente e problemática social evidente com o aumento da obesidade infantil no país, que paradoxalmente sofre com a desnutrição infantil. Verifica-se a construção social de ambas problemáticas que servem como exemplificação para importância do jornalismo em ater-se a certos paradigmas. A desnutrição infantil é regionalmente mapeada em maioria na região Norte do Brasil, estabelecendo relação direta com a baixa renda aferida à localidade. Esse é um fator social estatisticamente comprovado e que influi claramente na qualidade de vida e saúde da população local.

O excesso de peso e a obesidade são encontrados com grande frequência, a partir de 5 anos de idade, em todos os grupos de renda e em todas as regiões brasileiras. Já o déficit de altura nos primeiros anos de vida (um importante indicador da desnutrição infantil) está concentrado em famílias com menor renda e, do ponto de vista geográfico, na região Norte (IBGE, 2010).

A comunicação deve quebrar certos tabus construídos socialmente, com matérias de qualidade que integrem a complexidade conceitual da área. Para tal parte-se da intencionalidade do emissor, antes ainda da produção concreta da mensagem a ser destinada. O conceito a ser mudado está no objetivo comunicacional estabelecido pelo jornalista, que se sistematicamente alterado pode interferir de forma significativa na codificação, conteúdo e tratamento do produto final, alterando a prática da


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construção do mesmo, se atendo a não repetição de discursos pré-estabelecidos e desconexos com a realidade. Esse entendimento da complexidade da área deve considerar também a quebra do sensacionalismo atrelado à saúde enquanto temática balizadora de parâmetros de noticiabilidade, por sua alta repercussão, sem centrar a produção jornalística na ética, responsabilidade social e profissional. Para aferir a qualidade do material jornalístico com pautas sobre crianças e adolescentes, a ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância criou parâmetros de pesquisa, estabelecendo-os com pontos de avaliação do conteúdo de matérias, onde a inserção de certas características atreladas a elementos de contextualização inseridos nas matérias conferiam certo nível de qualidade àquele produto. Os pontos estruturados para a avaliação foram sistematizados em cinco grupos ou características: “referências à legislação, alusão às políticas públicas, utilização de estatísticas, diversidade de fontes, enfoque de busca de soluções” (ANDI, 2009, p. 47). Esse estudo demonstra um entendimento de que uma boa notícia de saúde que englobe crianças e adolescentes devem conter tais parâmetros em maior ou menor índice de aparecimento e com combinações diversas. Tais ações estruturais são positivas no estabelecimento de certas regras de conduta para adequar a mensagem na busca de um jornalismo de qualidade. A alusão às políticas públicas evidencia a sugestão do uso de legislações e regulamentações de políticas públicas já consolidadas como fontes documentais, um dos marcos legislatórios nacionais que pode servir de instrumento é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1988. Há que se considerar que, apesar do discurso muitas vezes reducionista expostos pelas instituições de saúde, por exemplo, em propagandas e campanhas sanitaristas, a legislação em saúde do Brasil é muito bem estruturada e recente. Assim como o ECA é indispensável para abordagens específicas de temáticas que se relacionem com a criança e o adolescente, a Lei Orgânica da Saúde, a Constituição Federal e demais legislações em saúde são documentos indispensáveis, seja na utilização direta em textos jornalísticos ou embutidos de maneira mais subjetiva, no entendimento que o jornalista estabelece sobre a área, e de que forma essas significações são retradadas em seu trabalho.


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A utilização de estatísticas de órgãos oficias e de pesquisas atuam também como uma boa fonte documental que dá credibilidade e embasamento às pautas. Sugere-se que no momento de pesquisa prévia sobre a temática, para preparação para matérias, sejam utilizadas fontes documentais credenciadas. Frente a uma boa investigação inicial, a construção da mensagem deve considerar a inserção de fontes diversas para garantir a pluralidade de vozes. É aconselhável que se sejam utilizadas como fontes as próprias crianças e adolescentes envolvidas nas problemáticas que se vai tratar. Em relação a fontes oficiais a ANDI, por exemplo, oferece em sua página virtual21 um espaço onde é possível verificar fontes apropriadas para tratar de temáticas relacionadas à infância e a juventude.

São poucos os materiais que dão voz à população (crianças, adolescentes, familiares e pessoas em geral), interessada última nas discussões sobre saúde. Não são poucos os textos jornalísticos que apresentam mais de uma fonte de informação, contudo, é muito pequeno o número daqueles que apresentam opiniões divergentes (GODOI, 2006, p.65).

Em perspectivas finais, para fechamento da matéria valoriza-se a busca de soluções quando pautada e evidenciada alguma problemática social no material informativo construído. Se na matéria se evidencia, por exemplo, um direito negligenciado deve-se demonstrar a importância de cobrar do poder público certas medidas de compromisso para melhoria, ou ainda mostrando ao receptor possibilidades de atitude que podem promover mudança, apontando caminhos e não meramente ilustrando o problema.

Entender a saúde como uma política pública parece ser o caminho natural da cobertura sobre a temática, entretanto não é isso o que ocorre em boa parte do trabalho jornalístico da mídia impressa brasileira. As histórias individualizadas e os trabalhos científicos (para ficarmos em dois outros enquadramentos possíveis) têm espaço cativo nas páginas dos jornais e, não raro, superam a abordagem da saúde como uma política pública que deveria ser universal e proporcionada a toda população (GODOI, 2006, p.64).

21

Essa ferramenta de banco de dados, inserida no portal da ANDI – Agência de Notícia da Criança e do Adolescente é atualizada constantemente. Disponível em: <http://www.andi.org.br/andi_sources_search>.


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O sensacionalismo (em seu sentido pejorativo) é um caminho facilitador, principalmente quando toca em temáticas de mobilização social como a saúde de crianças e jovens. O apelo à tragédia e a utilização da imagem da criança para adquirir repercussão é inaceitável e desvia a atenção da importância da temática. É necessário que matérias jornalísticas que pautem a saúde de crianças e adolescentes sejam estruturadas de maneira a colaborar na garantia da eficácia das políticas públicas e na manutenção, disseminação e elaboração dos direitos sociais à cidadania desse grupo em particular.

4.2 Crianças e adolescentes enquanto público-alvo O jornalismo vinculado à criança e ao adolescente remete a diversos estudos de análise dos produtos midiáticos, que avaliam a maneira como a criança e o adolescente estão sendo utilizados enquanto pauta. Pouco se fala, porém, sobre a construção do jornalismo, aqui especificamente de saúde, voltado à criança e ao adolescente, que os visualize como público-alvo. É necessário entender quais elementos devem ser utilizados no jornalismo de saúde para crianças e adolescentes, de que forma se deve construir a matéria jornalística, com técnicas e processos próprios do jornalismo, mas que seja sensível às particularidades desse grupo, que compreenda as adequações primordiais. Conforme padrões já consolidados do que se considera adequado na produção jornalística, conforme os parâmetros normativos de jornalismo de saúde estabelecidos nesta pesquisa e conforme as particularidades da vida social da criança e do adolescente, é que se pode fazer tal análise para demonstrar quais fatores especiais esse tipo de jornalismo deve considerar. Foca-se, aqui, na análise do jornalismo de saúde voltado em especial ao adolescente, pois na adolescência já se demonstra maior entendimento sobre os cuidados com o próprio corpo decorrente da faixa etária superior (12 a 18 anos), além de maior entendimento do formato jornalístico. Para construir um jornalismo de saúde adequado a esse grupo e que atue de forma educativa a esse segmento, é necessário inicialmente compreender o que é a adolescência. Uma das perspectivas analíticas que traz esse entendimento do significado é a compreensão da adolescência relacionada à convivência social: “a adolescência enquanto resultado de uma construção social, ou seja, dependente


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das relações sociais estabelecidas durante o processo de socialização, estando susceptíveis a influências econômicas, sociais, políticas, educacionais e culturais” (ANDI, 2010, p. 12). Estar susceptível a influências das instituições sociais que os permeiam, sendo considerado grupo em vulnerabilidade social, ou seja, que correm riscos provenientes de tais influências é um dos fatores de importância que demonstram as particularidades da construção desse tipo de jornalismo que engloba questões de tratamento delicado. Por outro viés, o processo de socialização do adolescente, quando mediado pelo jornalismo de saúde que integra em seu material uma mensagem educativa de qualidade, é adequado e positivo, pois o receptor está mais apto a mudanças de comportamentos para hábitos saudáveis e para estabelecer livre de preconceitos e com menor limitação, um entendimento sobre seu corpo e seu bem-estar.

Como qualquer outra instituição de socialização, a mídia não pode ser analisada isoladamente. Suas eventuais consequências para o desenvolvimento de crianças e adolescentes são resultado da ação estabelecida em conjunto com todo o amplo contexto social no qual a criança está inserida – família, escola, sistema de saúde, religião, etc. (ANDI, 2010, p. 17).

Além da socialização através da mídia a criança e o adolescente coexistem em um sistema social complexo e com diversas fontes informativas e educativas. O ideal é então se ater à qualidade de todo jornalismo de saúde, pois as mensagens de saúde são transmitidas às crianças e adolescentes através da mídia e através de outros atores da socialização, como os pais e professores, que também são receptores das mensagens jornalísticas de saúde e constroem sentidos com as mesmas. Alguns fatores mais técnicos, também se relacionam a construção de material jornalístico para crianças adolescentes, como por exemplo, a regulamentação de obras audiovisuais com a inserção da classificação indicativa de conteúdos e o chamado “horário de proteção da criança”22, quando não é indicada veiculação de certos tipos de conteúdo.

22

O Ministério da Justiça através da portaria nº 1.220, de 11 de julho de 2007, dispõe: “Art. 13. Os programas televisivos sujeitos à classificação indicativa serão regularmente monitorados pelo DEJUS/SJN no horário de proteção à criança e ao adolescente. Parágrafo único. Entende-se como


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O Ministério da Justiça é o responsável por classificar, produzir informação pública sobre o conteúdo dos produtos audiovisuais, exigir das emissoras de TV a veiculação da classificação e a não exibição de programas em horários inapropriados para a faixa etária indicada. Os fundamentos legais para essa atividade serão os artigos 21, XVI, 220,§3, II e 221 da Constituição Federal, bem como os artigos 74 a 76 do Estatuto da Criança e do Adolescente (MARISCAL; LEITE, 2013, p.12).

Seguir as regulações estabelecidas é crucial para um jornalismo ético e dentro das normas vigentes. A adequação da linguagem também é essencial; há que se utilizar palavras de uso cotidiano, evitar a linguagem formal, evitar o uso de termos técnicos e adaptar através de metáforas ou aproximações coerentes. O uso de metáforas e aproximações deve ser cuidadoso, já que o universo de conhecimento enciclopédico do adolescente é diferente ao do jornalista. As comparações devem utilizar elementos da vida social do adolescente, mas sem perder o significado principal que o termo técnico, formal ou científico traria. A checagem da informação é ainda mais importante na mensagem destinada ao jovem, devido à influência negativa que uma informação de saúde incorreta pode acarretar. Quando utilizados dados de pesquisa, há que se tomar o cuidado de buscar em fontes de credibilidade, checar em outras bases de dados credenciadas. Quando utilizadas informações sobre crianças e adolescente confrontar com informações de instituições especializadas como a ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância, UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância, Observatório Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, entre outras. Como prioridade, o papel educativo no jornalismo de saúde para a criança e para o adolescente é essencial. O jornalista que se coloca no processo da educação popular através das mídias, deve utilizar de todos seus recursos, cuidados e possibilidades quando têm o adolescente como receptor, pois além das particularidades, a infância e a juventude são períodos de absorção máxima de informações de diversas fontes, quando a promoção à saúde através do jornalismo se torna indispensável.

horário de proteção à criança e ao adolescente o período compreendido entre 6 (seis) e 23 (vinte e três) horas” (BRASIL, 2007).


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4.3 Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) Assim como as diretrizes do Sistema Único de Saúde dão um norte ao tipo de tratamento que as temáticas em saúde devem seguir no material jornalístico de saúde veiculado nas mídias, o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre os direitos fundamentais específicos aos cidadãos brasileiros de faixa etária entre zero e dezoito anos, estabelece certos parâmetros imprescindíveis ao jornalismo de saúde voltado a tal público ou que os utilize como pauta. Há que se considerar inicialmente que o ECA em seu artigo 2º considera criança os cidadãos brasileiros de zero a onze anos de idade e adolescentes aqueles a partir de doze até dezoito anos. Esse já é um fator importante ao estabelecer o público-alvo ou quando abordada a temática, para que não haja confusões na utilização das terminologias. Voltado à saúde, de fato o estatuto estabelece diversos direitos e deveres em seu capítulo I que dispõe sobre o direito à vida e à saúde tais como: assegurar os cuidados à mãe e ao bebê durante a gestação, vacinação necessária de acordo com cada faixa etária, assistência médica e odontológica promovida pelo SUS e também concepções de saúde que integram problemáticas sociais. (BRASIL, 1990) Tais problemáticas são inscritas pelo artigo 13 do ECA que estabelece que “os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais” (BRASIL, 1990). O caso de maus tratos à criança ou ao adolescente, remonta com clareza às concepções plenas de saúde que o ECA utiliza, já que a saúde engloba os fatores sociais, psíquicos e físicos do indivíduo. Mal tratar alguém remete diretamente a afetar de alguma forma o bem-estar social, psíquico e físico dessa pessoa, é possível então relacionar a saúde a um, dois ou aos três fatores conjuntamente. Essa base ampla do entendimento de saúde utilizada para construção do ECA há que ser refletida na construção do jornalismo de saúde. Em outras situações o estatuto expõe esse entendimento da construção social da saúde, como no artigo 17 quando estabelece que “o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente” (BRASIL, 1990).


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Sobre o direito à educação, que envolve o papel de educador do jornalista, o estatuto afirma no artigo 53 que “a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1990), englobando, portanto, o dever do exercício do jornalista, sob o entendimento de que o comunicador atua com a educação não formal do indivíduo. Além da responsabilidade da educação não formal atrelada ao jornalista, a utilização dos veículos midiáticos para promoverem a fiscalização de políticas públicas vigentes e o levantamento de problemáticas para a construção de novas, pode ser remetida ao artigo 7º do ECA, que versa justamente sobre a necessidade da efetivação de tais políticas na manutenção direito à saúde. De forma completa o artigo 7º diz que “a criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência” (BRASIL, 1990). Além de formatar parâmetros regulamentatórios para atuação do jornalista que utiliza como pauta e como público-alvo a crianças e o adolescentes, o ECA é uma fonte inesgotável de possibilidades de pautas relacionadas à saúde e à cidadania que devem ser consideradas pelo jornalista. Toma-se como exemplo uma pauta atual e recorrente como o bullying nas escolas, que afeta a condição social da criança que consequentemente não está na plenitude de seu bem estar e, portanto, não pode ser considerada saudável no entendimento completo do termo. O artigo 18 atribui que “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” (BRASIL, 1990). Se o jornalista estabelece em uma matéria de certo aspecto o vínculo com o artigo 18, cumpre seu papel especificado pelo artigo que é o de velar pela dignidade da criança, cumpre o papel de disseminar os direitos vigentes, para que passe a ser do conhecimento de todos, cumpre com seu dever ético de divulgar os fatos e as informações de interesse público e de defender os direitos do cidadão e contribuir para a promoção das garantias individuais e coletivas em especial as das crianças. Versando sobre as adequações do jornalismo de saúde, o ECA estrutura também atribuições do direito à informação e deveres dos veículos de comunicação.


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A informação é estipulada como direito no artigo 71 junto aos direitos à cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos que respeitem a condição de pessoas em desenvolvimento, característica da criança e o adolescente (BRASIL, 1990). Tal respeito é demonstrado, por exemplo, com a aplicação do artigo 76 que legaliza nos horários recomendados para o público infanto-juvenil apenas programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, veiculados em emissoras de rádio de televisão (BRASIL, 1990). Sob um aspecto ainda mais específico, o artigo 79 relaciona alguns pontos da propaganda atrelados ao jornalismo e em geral a qualquer publicação midiática:

Art. 79. As revistas e publicações destinadas ao público infantojuvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, e deverão respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família (BRASIL, 1990).

Esse é um artigo com uma colocação abertamente normativa que regulamenta ações pontuais, mas que compactua também com a idealização da qualidade do jornalismo de saúde para crianças e adolescentes, de maneira que exclui, através de preceitos legais, ações dissonantes da educação pelas mídias. São publicidades de hábitos e fatores que se inseridos na mensagem jornalística embutiriam uma carga negativa aos cuidados com a saúde como incitar o uso drogas lícitas, álcool e tabaco. A interpretação do Estatuto da Criança e do Adolescente gera debates a cerca de certos pontos que devem ser considerados em um jornalismo de responsabilidade social, ético, completo e coeso em suas objetivações, que utiliza como pauta ou como público-alvo crianças e jovens.

Essa perspectiva de sujeitos de direitos, implementada pela Constituição Federal de 1988 e consolidada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, é central para compreendermos as políticas públicas, no caso a de saúde, como algo além do atendimento direto, como algo além de “favores” do Estado (GODOI, 2006, p.63).

A saúde não pode ser interpretada apenas como uma ferramenta a ser utilizada pelo governo e pela mídia, a saúde é um direito em sua integridade que deve ser exigido de acordo com todas suas regulamentações e no caso da criança e do adolescente a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente.


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Conectar o jornalismo de saúde para e sobre crianças e adolescentes com o ECA é um caminho para, de uma maneira eficaz, adequar as matérias jornalísticas com a compreensão da complexidade da saúde que é de forma mais sintética, exposta através de regulamentações e diretrizes que facilitam o entendimento, sistematizando. Assim como a Lei Orgânica da Saúde é documento obrigatório para embasar o profissional da comunicação que trabalha com a temática de saúde, o ECA é fundamental na disseminação de informações e discursos relacionados a criança e ao adolescente.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar de a perspectiva normativa estabelecer parâmetros idealizados, que sob muitos olhares podem parecem inalcançáveis, o que não se pode abrir mão é da busca constante pelo melhor, para que em algum momento o jornalismo de saúde de qualidade seja recorrente, e aqueles que não cumprirem em nenhum quesito com o que se espera de um bom produto midiático, seja facilmente perceptível em contraste

com

uma

maioria

que

constrói

o

jornalismo

de

saúde

com

responsabilidade ética e social. Deve-se atentar ao fato de que muito do que costumeiramente se chama de “idealizado” são parâmetros e conceitos que abordam temáticas simples, mas que afetam diretamente a intencionalidade do jornalista. São

questões

éticas

muitas

vezes

esquecidas,

direitos

vigentes

abandonados, mas que existem por debates anteriores, são necessidades latentes constantemente repetidas nos discursos de cidadania. As mídias sendo usadas com um intuito educativo em relação à saúde é uma dessas necessidades latentes, pois o jornalismo que é construído para educação é um jornalismo que agrega necessariamente qualidade e colocar o jornalista inserido nesse processo é de suma importância.

Para a área da Comunicação, o reconhecimento do caráter pedagógico de suas práticas significa assumir efetivamente sua função e sua responsabilidade social, que passa, necessariamente, por um repensar de sua prática nas instituições públicas de saúde. “Comunicação pedagógica” deve assim ser entendida como conceito novo e operacional, e não como mera adjetivação do processo comunicativo (XAVIER, 2006, p.54).

Mais do que influir como ação educativa, o jornalismo possibilita a alteração das agendas políticas. “O poder da imprensa é um poder simbólico, que advém de sua capacidade de agendar os temas, enquadrá-los, colocando-os publicamente” (SOARES, 2009, p.65). Há que se considerar que os contextos sociais são distintos e mutáveis, tornando complicada a utilização de um modelo, uma mensagem única, mas ante a isso não é a mensagem padronizada que deve imperar se não a intencionalidade do jornalista perante a mesma.


60

O entendimento dessa complexidade social pode mudar o processo comunicacional em saúde como um todo. “As incorporações não são imediatas, portanto, nem as mediações são mecânicas. Ao contrário, são construídas, dependem da ação, do trabalho, das opções e da consciência humana” (PERROTTI, 2009, p. 13). É compreendendo a abstração da mediação e da recepção, que para evitar um entendimento incoerente o jornalista a partir de sua intencionalidade, tem que se ancorar na ética e na responsabilidade social ao optar pelos elementos e estruturação de sua mensagem. Há que levar em conta, sim, os mecanismos de mediação e apropriação simbólica, mas sem perder o cuidado na construção, para isso serve o modelo normativo, demonstrar os elementos necessários na construção jornalística de saúde, que podem ser aderidos na busca pela melhoria. Marteleto (2009, p. 60) afirma que o conhecimento oficial em saúde e informações na área são diversificados, porém, se orientam de acordo com a lógica universalista e positivista do conhecimento científico, sendo onipotente com uma crença resolutiva e simplista das questões sociais, sem conexão com a “ação social”, a construção real da saúde em sociedade. É nesse sentido que a capacitação dos profissionais de jornalismo em saúde se evidencia como importante medida, para que em um espaço de interação e de construção compartilhada do conhecimento se estabeleçam estratégias para facilitar a apropriação social do conceito de saúde em sua integralidade. A adequação do jornalismo de saúde a diferentes contextos sociais é importante para que a partir do entendimento do pluralismo social se faça a aproximação da ciência com o cotidiano vivido pelas pessoas e o paralelo com o jornalismo e suas articulações educativas. Perceber o jornalismo de saúde através de uma vertente normativa, com o estabelecimento de parâmetros para um jornalismo de saúde adequado, acaba por trazer a tona uma demanda essencial para a busca pela aproximação desses padrões, na capacitação do jornalista em formação e do jornalista em atuação para as demandas aqui estipuladas. Diante desse quadro sugere-se a criação de disciplinas optativas ou obrigatórias que contemplem a área da Comunicação e Saúde e do Jornalismo de Saúde nos cursos de jornalismo para que insiram a bagagem teórica da


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complexidade dos conceitos de saúde, do entendimento do discurso oficial, institucional de saúde que é oferecido no Brasil para a não repetição do mesmo. A complexidade do conceito da saúde, repetida diversas vezes nesse estudo, é um ponto-chave para compreensão do jornalista que aborda temáticas da área. Sair do entendimento de senso comum23 que visualiza apenas os aspectos biológicos do ser humano, onde ter saúde é na verdade apenas “aparentar saúde” fisicamente.

O conceito que se deve postular é o de promoção da saúde que, fundamentalmente, resgata as interações entre saúde, cultura, economia, meio ambiente e sociedade e que não dá margem às investidas, seja do chamado capitalismo médico, seja do charlatanismo de profissionais e entidades que apenas vislumbram a saúde (ou a doença) como mercadoria (BUENO, 2006, p.73).

A saúde tem um sentido compartilhado socialmente que é simplista, biologicista, atrelado a cura e a dualidade saúde/doença. Estabilizado dessa maneira no cotidiano é um senso comum que atua de certa forma negativamente para o entendimento da saúde, formulado por “imagens de fácil trânsito comunicativo – traduzidas em opinião” (SODRÉ, 2009, p.45). Essa opinião compartilhada que permeia o entendimento de saúde em um viés de entendimento cotidiano reducionista, muito tem a ver com o discurso de saúde estabelecido e disseminado pelo poder público e consequentemente o histórico de comunicação e saúde no Brasil e a forma como as instituições oficiais de saúde se relacionam com essas questões. O jornalismo em contraponto a esse “senso comum” de compartilhamento de um sentido reducionista da saúde deve o compreender e considerar, mas atuar através do jornalismo como educador para o compartilhamento do de um novo sentido, o da saúde construída socialmente e que integre toda a complexidade do tema. É um pouco conflituoso pensar nesse sentido, porque em resumo, sair desse entendimento comum compartilhado socialmente é justamente compreender a

23

Sendo aqui estabelecido senso comum no sentido de uma opinião majoritária, ideias que pautam a vida cotidiana, um senso de saúde compartilhado que privilegia um viés reduzido ao biologicismo e que muitas vezes é refletido no jornalismo sem a percepção da real complexidade do conceito de saúde.


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construção social da saúde e das relações que ela estabelece com outras instituições sociais. O jornalista deve compreender esse senso comum com conotação negativa do entendimento de saúde e em seus produtos reaproximar a saúde das outras instituições sociais que a significam, compartilhando o entendimento de um sentido mais complexo de saúde, na tentativa de criar socialmente, através do jornalismo, um novo senso comum, onde a saúde seja embutida em suas relações sociais naturalmente. Sair

desse

senso

comum

de

percepção

da

saúde

representa

necessariamente o entendimento de questões como o de promoção a saúde, que estão evidentes nas legislações e direitos assegurados. Mais do que saúde, compreender a qualidade de vida e os vínculos sociais que esse conceito determina, auxilia na construção de um jornalismo de saúde qualificado. Para Wilson Bueno (2006, p. 80), “o vínculo indissolúvel entre qualidade de vida, saúde e cidadania exige de todos um compromisso com a informação qualificada, com a livre expressão, com a ética e a transparência”. A qualidade de vida, no seu sentido mais amplo, e, portanto, a saúde, são direitos dos cidadãos e, quando entendidas e divulgadas nessa perspectiva, tenderão a formar cidadãos (e eleitores) mais críticos e conscientes daquilo que podem cobrar ativamente do Estado (GODOI, 2006, p.63).

Influir nas políticas públicas para o jornalismo de saúde é demonstrar a cada pauta os direitos implícitos em todas as temáticas de saúde. A complexidade da área não pode ser negada pelos profissionais de comunicação, mas também não deve estabelecer um afastamento ou atuar como desculpa para a falta de qualidade do material de saúde. Compreender a complexidade que o conceito de saúde demonstra, é apenas inserir a temática na construção social coletiva que a permeia e não cair na dualidade saúde/doença como balizadora, entender que a saúde não se resume ao tratamento de enfermidades corriqueiras e que todo elemento que influa no bemestar de um cidadão, constitui o conceito de saúde. Um jornalista que compreende a complexidade do conceito de saúde consegue interpretar que um cidadão que cumpre com seus deveres e recebe um salário abaixo do piso salarial de sua categoria tem também uma problemática de


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saúde que está sendo negligenciada mediante seus direitos garantidos pelo Estado em Constituição.

Tal complexidade deve ser vista, portanto, como um elemento que traz dificuldades para a cobertura jornalística acerca desta seara. O reconhecimento da existência de tais dificuldades não tem por objetivo servir como álibi para os deslizes de qualidade encontrados nessa cobertura com alguma frequência. Ao contrário, nossa proposta é que somente tendo consciência do caráter multifacetado das questões que se encontram dentro desta grande rubrica da saúde é que os meios de comunicação conseguirão avançar consistentemente na cobertura que fazem do tema (GODOI, 2006, p.58).

Um aspecto positivo a ser considerado é a alta inserção de temáticas relacionadas à saúde em mídia nacional, e grande parte privilegiando temáticas que relacionam crianças e adolescentes, talvez pela popularidade das problemáticas que envolvem a área. Mas há que se postular uma abordagem correta e demonstrar a necessidade da qualidade no jornalismo especializado no tema. A despeito do crescimento quantitativo da cobertura de saúde sobre infância e adolescência e dos prováveis impactos dessa cobertura no agendamento das ações públicas nos últimos anos, há ainda muito por se fazer no sentido de aprofundar a consistência qualitativa dessa cobertura (GODOI, 2006, p.68).

Por fim, o jornalismo de saúde em e para crianças e adolescentes se beneficiaria muito com a adesão aos padrões normativos aqui propostos somados aos cuidados especiais necessários a um jornalismo que percebe e dá relevância ao grupo de alcance pretendido por uma mensagem ou àqueles que utilizam como fonte. A ética jornalística deve superar as forças exteriores que interferem na produção jornalística e os direitos sociais de cidadania devem ser considerados na construção de um jornalismo de saúde de qualidade que cumpre com seu papel educativo e de promoção à saúde. Dessa forma é estruturado um jornalismo que corresponde com seu papel de educação popular e que pode influir beneficamente no desenvolvimento sadio da criança e do adolescente em situação de vulnerabilidade. Ocultar as tensões das influências sociais na área da saúde é a intenção do discurso dominante estabelecido e evidenciar tais influências é o papel do jornalismo.


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