Pelas Ruas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - HABILITAÇÃO EM JORNALISMO

PELAS RUAS PERFIS DE QUEM FAZ ARTE DE/NA/PELA RUA

GABRIELA DE OLIVEIRA ZALESKI

Campo Grande 2015/2


PELAS RUAS PERFIS DE QUEM FAZ ARTE DE/NA/PELA RUA

GABRIELA DE OLIVEIRA ZALESKI

Relatório apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina Projetos Experimentais do Curso de Comunicação Social / Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. (para produtos)

Orientador(a): Profa. Dra. Fernanda Ribeiro Salvo

UFMS Campo Grande 2015/2




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SUMÁRIO

Resumo ...................................................................................... 5

1 - Alterações no plano de trabalho ........................................... 6

2 - Atividades desenvolvidas ...................................................... 7

3 - Suportes teóricos adotados ................................................... 10

4 - Objetivos alcançados ............................................................. 17

5 - Dificuldades encontradas ....................................................... 18

6 - Despesas (orçamento) ........................................................... 19

7 - Conclusões ............................................................................ 20


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RESUMO: O presente trabalho busca destacar o perfil como gênero jornalístico confrontante ao jornalismo vigente, possibilitando práticas textuais mais sensíveis, que capta minúcias e consolida-se na mídia retratando desde grandes personalidades da sociedade até o homem comum. Neste contexto, este experimento busca utilizar-se desta tessitura narrativa humanizada para traçar os perfis dos artistas de rua de Campo Grande, conhecendo suas histórias de vida e propiciando visibilidade a esta categoria por vezes esquecida pela sociedade.

PALAVRAS-CHAVE: Comunicação; Gêneros Jornalísticos; Perfis; Arte de Rua.


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1- ALTERAÇÕES DO PLANO DE TRABALHO O plano de trabalho teve alterações na classificação do produto a ser apresentado para avaliação. A priori, um livro-reportagem sobre os artistas de rua de Campo Grande foi escolhido como produto final, porém, em reunião com a orientadora, notou-se que o mesmo não atendia às aspirações de focalizar em momentos e histórias dos personagens, e de comum acordo, optamos por denominar o projeto experimental como um livro de perfis, vertente jornalística pouco debatida e teorizada, mas de grande importância como enfrentamento à um jornalismo cada vez mais regrado e menos criativo. Outra alteração encontra-se na metodologia do trabalho. Antes, um questionário reunia perguntas pré-estabelecidas a serem utilizadas no processo de entrevista dos personagens, entretanto, um aprofundamento teórico alertou para a desconstrução de determinados padrões jornalísticos, como a preparação de interpelações e cenários prévios à entrevista. Logo, optou-se pela observação direta e contato sem premeditações, possibilitando uma aproximação maior e mais amistosa com os personagens que ilustram o livro. O cronograma também teve mudanças uma vez deflagrada a greve da UFMS. Os encontros de orientação do projeto foram suspensos e devido ao fechamento da Biblioteca Central, a pesquisa bibliográfica foi prejudicada e paralisada até a volta às aulas. Os últimos ajustes quanto a redação e a diagramação do livro, previstas para acontecerem entre novembro e dezembro, foram transferidas para janeiro e fevereiro, bem como a impressão dos exemplares. A defesa deste livro de perfis está programada para o dia 1 de abril, às 14h.


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2- ATIVIDADES DESENVOLVIDAS

2.1 Período Preparatório:

O desejo de realizar um trabalho que permitisse dar voz e visibilidade a pessoas, histórias e detalhes ignorados pela sociedade, advém de um olhar sempre atento, apaixonado pela beleza que se encontra à margem, curioso para desvendar o que se esconde por trás de cada nome, quais ideologias e sonhos habitam em cada corpo que se movimenta pelas ruas. As ideias do trabalho só começaram a ser delineadas em março, sob a orientação da professora doutora Fernanda Salvo, que, ciente de minha ambição em retratar os artistas marginais, porém ainda sem um foco, sugeriu inúmeras bibliografias, apontando os caminhos que deveriam ser seguidos para a elaboração de uma primeira revisão teórica sobre o assunto. Com a deflagração da greve em junho, o trabalho estagnou-se, mas, com a retomada das atividades acadêmicas, seguiu-se a busca por referências bibliográficas relacionadas ao tema, uma vez que tanto o produto escolhido (livro de perfis) quanto o tema (artistas de rua) possuem bibliografias escassas e iniciou-se a busca pelos personagens que comporiam o livro. A parte este processo, foram realizados encontros semanais a fim de situar a orientadora com relação ao desenvolvimento do trabalho.


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2.2 Execução:

Todos os encontros com os personagens que compõe este projeto, exceto com o Teatral Grupo de Risco que já havia uma apresentação programada, ocorreram de maneira ocasional. Como geralmente não possuem local fixo para se apresentarem, busquei a lógica de encontrá-los em ruas e avenidas de grande movimento, em horários de pico como o horário de almoço ou fim de expediente. Foram feitas algumas tentativas de agendamento de entrevistas com alguns personagens específicos, como foi o caso do “Paulinho do Radinho”, que há quase vinte anos, na companhia de um rádio de pilhas, dança na Avenida Afonso Pena. Quatro encontros foram marcados e desmarcados, devido a problemas de saúde que Paulo vem enfrentando. Como aguardar um momento mais propício atrasaria o processo de produção do livro, embora seja uma figura de suma importância, abdiquei da ideia de torna-lo um dos perfilados que compõe o livro. Além disso, algumas descobertas foram essenciais para o desenvolvimento do trabalho, como constatar a existência de uma espécie de república, aonde vários destes personagens, em geral vindos de outras localidades, abriga-se. A Casa dos Artistas é uma pequena vila composta por quartos, localizada próxima à Praça das Araras, onde por uma diária de R$20, os artistas nômades tem acesso à cama, ventilador, banheiro e cozinha e utensílios comunitários. Além disso, foi possível encontrá-los em momentos de lazer em locais de livre acesso, como a Estação Urbana, feira alternativa realizada às quartas-feiras na Orla Morena. Embora pouco mais de dez artistas tenham sido abordados, algumas entrevistas não renderam tanto quanto o esperado. Desta maneira, os perfilados do livro foram escolhidos devido à relevância de nossos encontros e suas histórias. Redigir estes perfis necessitaria ir além do conteúdo. Seria preciso criatividade e atentar-se para a construção dos capítulos, possibilitando uma leitura linear e prazerosa.


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A Prefeitura Municipal de Campo Grande assim como a Fundação Municipal de Cultura foram contactadas na esperança de dados específicos sobre a classe artística autônoma da cidade, mas além de demonstrar desinteresse em ajudar acadêmicos, não conta com dados relevantes sobre o assunto. As únicas informações obtidas foram que atualmente, cerca de 200 trabalhadores possuem a licença para trabalharem nas ruas da capital. Não há confirmações sobre o número e nenhum dos artistas entrevistados possui o registro. Há diversas reclamações acerca do tratamento dispensado à classe, que sofre com ações truculentas da Polícia Militar e da Guarda Municipal.

2.3 Revisão Bibliográfica:

2.3.1 Livros

BELO, E. Livro-reportagem. São Paulo, Contexto, 2006 BRUM, Eliane. Olho Da Rua, O. Globo Livros, 2008. GUIMARÃES, Felipe Flávio Fonseca. Contracultura nos Estados Unidos e contracultura no Brasil: um estudo comparado. Unimontes, 2012. KELLNER, Douglas. A cultura da mídia: estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno. EDUSC, 2001. KEROUAC, Jack. On the road: pé na estrada. L&PM, 2012. KOTSCHO, Ricardo. A prática da reportagem. São Paulo, Ática, 1995. LIMA, E.P. Páginas ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. São Paulo, Manole, 2003.


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MACIEL, Luiz Carlos. O tao da contracultura. In: ALMEIDA, Maria Isabel Mendes de (Org.); NAVES, Santuza Cambraia (Org.). “Porque não?”: rupturas e continuidades da contracultura. Rio de Janeiro, 7 Letras, 2007.

MEDINA, C. Ciência e Jornalismo: da herança positivista ao diálogo dos afetos. São Paulo, Summus, 2008.

MEDINA, C. Entrevista: o díálogo possível. São Paulo, Ática, 1991.

MELO, Fred Paiva. Bandido Raça Pura. Porto Alegre, Arquipélago, 2014.

PENA, F. Jornalismo Literário. São Paulo, Editora Contexto, 2006. PIZA, Daniel. Jornalismo Cultural. São Paulo, Editora Contexto, 2006. PIZA, Daniel. Perfis e Entrevistas. São Paulo, Editora Contexto. 2004. PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. O que é contracultura. Brasiliense, 1983. SANTOS, Richard. Aspectos Fundamentais do Malabarismo. São Paulo, Edit. do Autor, 2012. SILVA, Erminia. Arte na rua–produção do público no espaço público. Anjos do Picadeiro, Rio de Janeiro, v. 6, p. 27-49, 2007. VILAS BOAS, Sergio. Perfis e como escrevê-los, São Paulo, Summus. 2003, 2003. VERGARA, Camila. Arte, Contracultura e Nomadismo: O Corpo em Movimento Contra a Autoridade. Pelotas, 2013.


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YÚDICE, George. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Ed. UFMG, 2006


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3- SUPORTES TEÓRICOS ADOTADOS Na tentativa de se desvencilhar do jornalismo tradicional, padronizado e ancorado em técnicas de redação limitadas, surge o almejo de desenvolver um projeto experimental baseado em um gênero jornalístico pouco estudado e discutido no âmbito da comunicação: o perfil.

A escassez de tempo aliada ao excesso de trabalho e a métrica pré-estabelecida pelos meios de comunicação, dificultam o emprego de vertentes jornalísticas que contemplem a construção de conteúdos mais extensos, com traços mais detalhados e humanizados.

Nesse contexto, o jornalismo cada vez mais engessado, se desfaz da possibilidade de retratar histórias de vida, cotidianas, que passam absortas aos olhares desatentos e que despertam a empatia e a identificação do leitor com as vivências do outro.

Gêneros como os perfis, consolidam-se na mídia através dos anseios de um público leitor interessado em expressões jornalísticas dissonantes da linearidade atual. Os cadernos culturais encarregam-se de abrir espaço para este jornalismo minucioso, respeitoso e dotado de afeto.

Embora pouco debatido nas aulas dos cursos de Comunicação, os perfis são uma possibilidade de enfrentamento à homogeneização do jornalismo. Livros como Perfis e como escrevê-los (2003), de Sérgio Vilas Boas; Perfis e Entrevistas (2004), de Daniel Piza, Bandido Raça Pura (2014), de Fred Melo Paiva e o livro digital A vida é perto – Perfis de quem passa na calçada (2015), publicado pelo jornal Gazeta do Povo,


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evidenciam que é factível utilizar-se do gênero, especialmente para retratar histórias de homens e mulheres comuns, artistas sociais e marginais, como é o caso deste projeto experimental.

A escolha dos artistas de rua de Campo Grande como os personagens que emprestarão suas experiências à este livro de perfis é dar voz à estes indivíduos, por vezes discriminados e ignorados pela sociedade, resistindo com sua arte em meio ao cotidiano da cidade, encontrando maneiras alternativas de sobrevivência num coletivo capitalista.

As inquietações acerca dos caminhos trilhados por esse jornalismo vigente, cada vez mais enclausurado dentro de regras e restrições, motivam a construção deste livro de perfis como projeto experimental, verificando a viabilidade da utilização do gênero perfil como modalidade textual pelo profissional jornalista, corroborando com práticas jornalísticas mais independentes e humanizadas.


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Perfil: gênero jornalístico

Contrariando a sinteticidade do jornalismo padrão que impossibilita a amplitude criativa do jornalista, os perfis podem ser definidos como textos que reconstroem episódios e circunstâncias importantes atribuídos a um personagem, convergindo fatos específicos de uma história de vida à momentos do presente.

Ao contrário das biografias, os perfis evidenciam apenas alguns momentos da vida de um personagem, utilizando-se de um texto mais conciso, de curta validade, rico em detalhes e que dá destaque à pessoa, buscando descobrir e enfocar seus ideais, habilidades, talentos e quaisquer outros traços que possam colaborar para a construção do texto.

Datam-se da década de 30 os primeiros perfis jornalísticos a serem publicados. A revista The New Yorker foi precursora do gênero e perfilou personalidades como Margareth Thatcher, Charles Chaplin e Ernest Hemingway. No Brasil, o gênero consagrou-se na década de 60, através de periódicos como O Cruzeiro e Realidade, que tornavam o jornalista tanto autor quanto personagem da matéria, enfatizando detalhes, estimulando debates e distanciando-se de estatísticas ou referências enciclopédicas.

Para PIZA (2006) os perfis propiciam uma leitura saborosa, que conta passagens relevantes da vida ou carreira do entrevistado, capta suas opiniões a respeito de algum tema importante, mostra o que o indivíduo faz e como ele faz. Porém, destaca algumas incorreções cometidas por jornalistas, enquanto autores de perfis.


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Em geral, no jornalismo brasileiro, os perfis terminam sempre glamourizando o personagem (detalhando alguns de seus gestos elogiáveis, por exemplo) ou desancando-o (dando corda para seus detratores), dois erros semelhantes pelo fato de que põem o autor à frente da obra. O bom perfil nunca esquece que aquele criador está em destaque pelo que fez. É intimista, sem ser invasivo; e interpretativo sem ser analítico. (PIZA, 2006, pg. 84)

A objetividade e a impessoalidade inexistem no processo de produção de um perfil. Neste gênero, a aproximação do repórter com o personagem é imprescindível para que o resultado final seja satisfatório e permita que o leitor sinta-se próximo e empático às questões do outro.

Os perfis cumprem um papel importante que é exatamente gerar empatias. Empatia é a preocupação com a experiência do outro, a tendência a tentar sentir o que sentiria se estivesse nas mesmas situações e circunstâncias experimentadas pelo personagem. Significa compartilhar as alegrias e tristezas de seu semelhante, imaginar situações do ponto de vista do interlocutor. (VILAS BOAS, 2003, p.14)

Em entrevista intitulada “Menos perguntas, mais observação”, Anne Hull destaca a importância da observação, do ouvido para o diálogo, da atenção aos pequenos sinais e do silenciamento do repórter para que não se interrompa o fluxo dos acontecimentos com intervenções. São pequenos cuidados esquecidos pelos jornalistas, visto o tempo escasso e às regras estabelecidas pelas redações mundo afora, porém, essenciais para o desenvolvimento dos perfis.

Nosso impulso natural é sempre fazer perguntas, mas isso às vezes é errado: isso torna o centro das atenções em


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lugar do seu personagem. Na quietude vem a humildade. Isso honra a pessoa que você está tentando observar. As perguntas também são uma forma de controle. É uma maneira de ser o contra-regra. É claro que jornalistas devem fazer pergunta. Observar, no entanto, significa segurar suas curiosidades e deixar o assunto simplesmente viver. Silêncio e liberdade são essenciais. Assim como o melhor repórter fotográfico, você deve olhar para o que está fora das atenções. Quando isso acontece, você enxerga, ouve e sente o cheiro dos elementos que pergunta alguma poderia conseguir.

Em um perfil, cada encontro com um personagem é único e cheio de significações. Embora a preparação de perguntas e cenários prévios a uma entrevista possa tornar o momento superficial, é importante que o repórter esteja munido de informações relevantes sobre o assunto a ser abordado para que se alcancem níveis profundos da vida e da história de uma pessoa.

Os perfis elucidam, indagam, apreciam a vida apenas em um dado instante e podem provocar reflexões acerca de aspectos objetivos e subjetivos comuns a todos. Segundo VILAS BOAS (2003), são essas reflexões que podem ser realmente conservadas na memória e garantem ao perfil um caráter jornalístico.

Serelle (2009, p.33 citado por DIONÍZIO, 2014, p.71) atenta para a emergência de narrativas jornalísticas contemporâneas que recuperem o eu narrado, fabricando um efeito de verdade via um testemunho subjetivo-afetivo, que seja capaz de revelar filigranas do outro que normalmente escapam a uma percepção objetiva.

Estes pormenores que só podem ser capturados mediante a um olhar mais demorado e atento, tornam o encontro entre repórter e entrevistado mais humano, possibilitando que, por mais distinto que seja de seu personagem, o profissional


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responsável por traçar o perfil, consiga colocar-se no lugar do outro, ainda que não compreenda suas motivações.

A estrutura de um perfil conta com um texto descritivo, que esmiúça em detalhes o que faz e como faz uma pessoa, além de elementos que aproximem o leitor o tanto mais próximo do cenário da entrevista, sejam eles particularidades do clima no dia do encontro, das cores das vestimentas dos personagens e quaisquer outras informações visuais, olfativas ou sensoriais que singularizem o momento.

A descrição é de suma importância para o gênero perfil uma vez que este, necessita de uma série de recursos que expressem a realidade sob perspectivas variadas, tanto para manter o texto interessante, quanto para prender a atenção do leitor. Além do domínio narrativo, é necessário fundamentar os perfis com diálogos e a descrição, como afirma LIMA (2005):

A descrição é como um corte na dinâmica narrativa. Em lugar de focar a ação, interrompe-a momentaneamente pra ilustrar características físicas e particulares de pessoas, ambientes e objetos. Serve ao propósito de iluminar os personagens de um acontecimento, o lugar onde se dá, os artefatos ali presentes. Como o nome sugere, é um lançar de luzes que amplia a nossa percepção, emoldurando o melhor acontecimento do qual trata a matéria. (LIMA, 2005)

A capacidade de observação aliada ao conhecimento e à utilização de técnicas literárias, garantem o alcance de resultados satisfatórios na redação de um perfil. Logo, é importante que o jornalista dedique-se às teorias literárias, que são base para a


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construção do perfil e estimule constantemente seu olhar observador, crítico e criativo, como sugere LIMA (2005):

O excesso de ênfase dos cursos de jornalismo, sobre a ação, condicionando os futuros profissionais a encontrar sempre a ação principal de um acontecimento, na prisão perceptiva reducionista aos elementos “o que, quem, quando, como e onde”, principalmente, atrofia o olhar criativo e diferenciado. O profissional em formação parte para a rua em busca rápida desses elementos, não sendo estimulado a descobrir toda a riqueza que envolve a ação. O olhar pouco adestrado à imaginação não procura os elementos que fogem ao padrão comum. Não enxerga o mundo com perspectivas diferenciadas. (LIMA, 2005)

Sendo assim, exercitar a criatividade e principalmente o olhar afetuoso diante das pequenezas da vida, como o artista que trabalha nos semáforos ou a mãe solitária, que atravessa a rua com o filho deficiente nos braços, permitem que o jornalismo fuja das amarras das redações e dos textos reprimidos.

Comunicando ao invés de apenas informar, o gênero perfil permite um jornalismo mais humano, mesclando objetividade e subjetividade, construindo retratos sociais, enriquecendo a cultura reproduzida nos meios de comunicação, produzindo novos e bons produtos jornalísticos.


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A arte de rua

No início da década de 60, mobilizações de jovens de todo o mundo contestaram a sociedade e modificaram a cultura drasticamente. O termo contracultura passou a ser utilizado pela grande mídia como um conjunto de hábitos libertários e alternativos, focados em novos pensamentos, novas formas de expressão e diferentes maneiras de encarar e se relacionar com o mundo e as pessoas.

PEREIRA (1983) apresenta as primeiras impressões acerca deste novo paralelo de significações e valores, dotados de regras próprias, tão conflitantes com os padrões seguidos pela classe média conservadora.

Começavam a se delinear, assim, os contornos de um movimento social de caráter fortemente libertário, com enorme apelo junto a uma juventude de camadas médias urbanas e com uma prática e um ideário que colocavam em xeque, frontalmente, alguns valores centrais da cultura ocidental, especialmente certos aspectos essenciais da racionalidade veiculada e privilegiada por esta mesma cultura. (PEREIRA, 1983, pg. 3).

A contracultura desponta ainda nos anos 50, quando o movimento intitulado Beat Generation surge nos Estados Unidos. Em um cenário positivista pós-guerra, os EUA destacavam-se como uma próspera nação, disseminando seu way of life pelo mundo, fortalecendo sua hegemonia e o capitalismo. Neste âmbito, uma geração de artistas e escritores, refutava a ausência de pensamento crítico e o consumismo desenfreado, buscando uma concórdia entre a vida e suas obras artísticas.


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No Brasil, o movimento da contracultura advém da quase nula liberdade de expressão resultante da ditadura militar implantada no ano de 1964. Jovens artistas foram torturados e exilados ao criticarem o governo e o modelo social que se instaurava no país.

Muito embora a música tenha sido um dos principais sustentáculos do movimento contracultural brasileiro, fosse pelo rock’n’roll da Jovem Guarda ou pela revolução colorida da Tropicália de Gilberto Gil e Caetano Veloso, outras expressões artísticas destacaram-se nesse período, como as pinturas e performances de Hélio Oiticica, a poesia de Leminski, o cinema de Glauber Rocha e outras.

Segundo

GUIMARÃES

(2012),

contracultura

brasileira

e

contracultura

estadunidense possuem características consonantes, “porém entendemos que pode ser caracterizada como tal, por ter função crítica, contestadora e impulsionadora de ações que potencializam os ideais da juventude.” (GUIMARÃES, 2012, pg. 10).

Aproximando a contracultura do nosso cenário atual, devemos pensá-la como forma de liberdade e resistência. Porém, essa questão libertária, deve ser analisada sob o viés do indivíduo que está inserido neste movimento. Segundo MACIEL (2007):

Como a experiência concreta do real estabelecia a necessidade da liberdade individual, de que cada indivíduo vivesse a sua própria liberdade, isso, naturalmente, para o sistema, para a sociedade organizada, para as regras estabelecidas, parece transgressão; é um desaforo. Então a transgressão passa a ser considerada uma característica essencial da contracultura, mas isso é para os outros, para os que vêem de fora a contracultura, eles é que acham que é transgressão; para quem vive a contracultura, não é transgressão nenhuma. É uma coisa natural, uma questão


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só de viver livre, de viver a própria liberdade. (MACIEL, 2007, pg. 65)

Atualmente, o termo contracultura pode ser definido como o que está restrito à cultura alternativa, aquela que opõe-se ao mainstream da cultura ostensiva abrigada em suntuosos teatros, museus, cinemas e outros. Neste domínio, estão presentes artistas que buscam produções de baixo ou nenhum custo, isentos de obstáculos impostos por teatros, galerias de arte, editoras, produtores e outros.

A arte que ocupa os espaços públicos, especialmente as ruas, é um sinônimo da contracultura e da resistência. Na contramão de grandes expoentes culturais, a arte de rua esgueira-se do senso comum e sobrevive em meio ao caos rotineiro das cidades e o preconceito por ser considerada uma arte marginalizada.

Distante dos holofotes da cultura de mídia que KELLNER (2001, pg. 212) descreve como força dominante de socialização, expondo modelos comportamentais sobre o que é certo e errado através de imagens, sons e estilos culturais, a arte marginal se firma objetivando dissuadir as pessoas do senso comum e sensibilizá-las para manifestações artísticas num contexto informal.

Para KELLNER (2001, pg. 204), “a expressão cultural tem sempre sido uma maneira de resistir à opressão e de expressar experiências de resistência e luta”. Apesar de ainda ser considerada marginalizada, especialmente pelos poderes públicos, a arte e os artistas de rua tornam-se cada vez mais imprescindíveis para a humanização das cidades, provocando as mais diversas reações e reflexões.


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Verifica-se a utilização de espaços públicos para apresentação das mais diversas expressões artísticas desde o século XVII, na Europa, onde a necessidade de alavancar o comércio incentivou aglomerados urbanos a criarem as feiras livres. Logo, estes locais tornaram-se favoráveis para que os mais diversos artistas mostrassem seu trabalho ao público.

Malabaristas, equilibristas, dançarinos, adestradores de animais, titereiros e outros artistas que ao lado de comerciantes vendiam seus espetáculos, foram denominados saltimbancos. A mobilidade era característica destes artistas desde aquela época. Segundo SILVA (2007), o nomadismo e o intercâmbio entre os espaços de trabalho e os gêneros artísticos em várias feiras periódicas, aconteciam em cidades como Paris, Veneza e França.

Chegando à América Latina, os saltimbancos encontraram um cenário muito diferente do até então conhecido. Ainda que em processo de formação, as cidades já eram suficientes para que apresentassem sua arte. Esses artistas, além de seus saberes empíricos, trouxeram também conhecimentos acerca da censura e controle sobre seu trabalho, que com a intensificação da atividade tornou-se uma preocupação, uma vez que o governo passou a exercer maior controle sobre os espaços públicos, exigindo condutas adequadas e proibindo diversas apresentações.

Estes artistas de rua tem uma função considerável em nossa sociedade, pois, embora sejam segregados e não recebam a devida importância, são eles que promovem a quebra desta quarta parede (divisão fictícia que isola o palco da plateia), desatando quaisquer amarras entre artista e público.


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Uma vez nas ruas, todo público é alvo e neste grande palco a céu aberto, as apresentações tendem a ser mais interativas. Ali, o artista encontra-se no papel de comunicador, expressando suas emoções. Por meio da arte, é possível dialogar com o mundo em que se vive, transmitindo este conhecimento ao público.

Cada apresentação artística conta com dois elementos que se complementam: forma e conteúdo. A forma é representada pela estética do trabalho e o conteúdo, é o ser, o que dá valor e sentido às ações. Qualquer atividade humana pode ser considerada arte.

Ainda que limite-se apenas aos malabaristas, os ideais teóricos apresentados por Richard Santos em “Aspectos Fundamentais do Malabarismo” consegue dialogar e se enquadrar com qualquer categoria de artistas de rua. Para o autor, o malabarismo, por exemplo, nada mais é que um ato representado. Sozinho, os malabares, as argolas, as bolas de contato, os diabolos, nada mais são que meros instrumentos. Entretanto, se um artista manuseia estes instrumentos e encara isso como arte, a combinação de todos estes elementos resulta, de fato, em arte.

A concepção de arte apresentada por SANTOS (2012) encaixe-se aos personagens de “Pelas Ruas”. As sapatilhas não dançam por si só, necessitam do corpo e dos conhecimentos da bailarina para se transformar em dança, assim como as bijuterias fabricadas pelo artesão, que recebem seu valor devido ao trabalho manual despendido sob elas ou o texto de uma peça teatral, que se não trabalhado e ensaiado pelos atores, não alcançará o patamar de arte.


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4- OBJETIVOS ALCANÇADOS Apesar de algumas modificações no decorrer do processo, é possível afirmar que a escolha do produto final em consonância com o embasamento teórico e o tema definido, o projeto experimental logrou-se com êxito. Os sete personagens perfilados neste livro, foram abordados e entrevistados respeitosamente, seguindo os preceitos teóricos estudados durante o processo de execução do trabalho e apresentados neste relatório. Se a priori, o objetivo era retratar em um livro-reportagem as histórias de vida dos artistas de rua da cidade, focando na arte e resistência destes personagens, posteriormente, o presente experimento ganhou fundamentações mais voltadas para o âmbito da comunicação, utilizando-se do gênero jornalístico perfil que, ao narrar momentos destes artistas urbanos, viabilizaram a construção de uma narrativa humanizada. Além da utilização de teorias específicas para a produção de um livro de perfis, foram colocados em prática diversos ensinamentos adquiridos no decorrer da graduação, desde a escolha do tema, a pesquisa jornalística que precedeu o trabalho de campo, as entrevista, a redação dos perfis, as fotografias e a construção do planejamento gráfico do livro, constatando a importância de diversas disciplinas vigentes na grade do curso, que outrora, pudessem ser consideradas irrelevantes.


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5- DIFICULDADES ENCONTRADAS As principais dificuldades encontradas durante a execução deste projeto, dizem respeito à concepção prévia do fazer jornalístico. Trabalhar com fontes nômades, que não possuem residência fixa e estão quase sempre de passagem, impedem que sejam utilizadas ferramentas cotidianas e tradicionais ao jornalismo convencional, como o agendamento de uma entrevista com a fonte.

Sendo assim, fez-se necessário ir à procura destes personagens, o que demandava além do tempo gasto, a possibilidade de não encontra-los ou, por medo das fiscalizações e represálias, optarem por não conceder entrevistas. Outras questões também atravancavam a produção, como as condições climáticas, que por vezes, impossibilitam os artistas de realizaram suas apresentações a céu aberto ou, como encontrar algum personagem interessante ao acaso, mas não estar preparado com a câmera fotográfica ou com tempo disponível para entrevista-lo.

Com o que se refere à pesquisa bibliográfica, também foram enfrentadas dificuldades, uma vez que é escassa a publicação de livros e artigos referentes tanto aos perfis jornalísticos como sobre os artistas de rua. O material encontrado é raso e nota-se a falta de pesquisa sobre ambos os temas. Com a deflagração da greve, tornou-se impossível a consulta e retirada de livros da Biblioteca Central da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sendo necessários outros meios para a obtenção de boa parte dos exemplares que compõe as referências bibliográficas deste projeto.


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6- DESPESAS (ORÇAMENTO) Livro Perfis e Entrevistas – Daniel Piza – R$15 Livro Perfis e Como Escrevê-los – Sérgio Vilas Boas – R$21,63 Livro Bandido Raça Pura – Fred Melo Paiva – R$35,37 Livro Jornalismo Literário – Felipe Pena – R$28,37 Livro Jornalismo Cultural – Daniel Piza – R$25,90 Diagramação – R$500 Impressão (Relatório + 3 cópias do livro) – R$220


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7- CONCLUSÕES O jornalista José Carlos Fernandes afirma na introdução de A vida é perto que “se um bom papo vale uma vida, um bom retrato, seguido de um perfil bem temperado, vale uma eternidade”. Certa do papel social do jornalismo como transformador da sociedade e de sua validade enquanto herança cultural, busquei neste projeto experimental eternizar e humanizar, não apenas o trabalho destes artistas que seguem quase invisíveis em meio ao caos urbano, mas também despertar para uma possibilidade de jornalismo que fuja dos tradicionais leads, pirâmides invertidas e outros artifícios que acabem por engessar a profissão. Estereotipar a arte de rua como pouco valorizada é lugar-comum em nossa sociedade, mas durante a execução deste trabalho, nota-se que desvalorizada ou esquecida, é a figura do artista que está na rua, muitas vezes colocado no mesmo papel que um morador de rua ou criminoso. Para todos os artistas, a rua é uma escolha. Palco de arte e cultura tanto quanto um grandioso teatro ou uma galeria de arte. Promover a aproximação do leitor com a narrativa e o personagem, fazer com que se identifique com estes homens e mulheres comuns, construir perfis baseados na observação direta e atenta aos detalhes, valendo-se de todo conhecimento teórico previamente adquirido e da aproximação com os personagens e suas histórias, são os objetivos traçados para a realização deste projeto experimental. O espírito leve e aventureiro do malabarista Paco, a resistência do Teatral Grupo de Risco, que leva a alegria e a beleza do teatro a espaços públicos, o jovem Jonathan, que encontrou nas artes uma redenção para as tormentas da vida, a doçura e a força de Flávia, que sobrevive dos encantos da dança, a sabedoria de Raphael, um filósofo artesão, vagando pela cidade, a leveza da arte de Esteban, o simpático rapaz chileno, as cores que vão além das rosas vendidas pelos floristas. Foi tanto envolvimento, tantas experiências trocadas, tantos conhecimentos colocados em prática, que concluo este projeto, com algo além da sensação de dever cumprido, mas a também, a certeza


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de um crescimento pessoal e profissional que me será extremamente útil na profissão de jornalista.


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