Livro Doce Sobrevida

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JĂşlia Beatriz Oliveira de Freitas

DOCE SOBREVIDA A apicultura como alternativa no assentamento Taquaral, em CorumbĂĄ (MS)


Júlia Beatriz Oliveira de Freitas Copyright 2017 Júlia Beatriz Oliveira de Freitas Todos os direitos reservados.

Fotografia Júlia Beatriz Oliveira de Freitas Orientação Prof. Dr. Marcelo Vicente Câncio Soares Projeto Gráfico Augusto Dieguez

Projeto Experimental do Curso de Comunicação Social Habilitação em Jornalismo 2017

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul


Agradecimentos Ao meu pai, Rômulo, que chorou de orgulho quando eu, criança, perdi um campeonato de tão feliz por eu não conseguir bater em ninguém. Isso diz muito sobre o coração do homem mais bondoso que conheço; À minha mãe, Rosângela, que interpreta meu mapa astral, o meu ano da numerologia e o animal que tiro em um jogo de cartas todo ano para clarear os poucos planos que tenho. Mulher forte que me faz manter a fé viva; Aos meus irmãos, Mari, Ana e Guto, meus melhores amigos, que constroem minha vida comigo. Devo tudo o que decido, faço e sou a cada um deles; Ao meu companheiro, Everson, que foi minha principal sustentação durante toda a minha jornada acadêmica; Ao meu orientador, Marcelo Câncio, que acreditou na minha ideia e guiou meus passos; À professora Katarini Miguel, que me fez acreditar no jornalismo; A João Marcelo Kassar, que me introduziu ao mágico mundo das abelhas; A todas as minhas fontes, almas deste trabalho. Este livro é dedicado, em especial, a todas as famílias sem-terra do Brasil. Que a resistência nunca acabe.



SUMÁRIO

Apresentação

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1 Mato Grosso do Sul: terra (só)

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A luta pela terra

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de soja, milho e boi

2 Taquaral: do sonho à desesperança Em busca de um pedaço de terra Família Conceição: uma voz por todas as outras

3 A apicultura como opção As abelhas estão sumindo Na contramão do agronegócio A atividade no assentamento Do primeiro curso à associação

4 Histórias de vida

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Valdinei Adilson e Maria “Seu” Zé Gaúcho Armin

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Últimas impressões

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Referências bibliográficas

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Entrevistas realizadas

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Índice de imagens

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Apresentação A escolha de abordar o tema da apicultura em meu Projeto Experimental não se deu por acaso. Meu interesse pelo mundo das abelhas e o impacto de suas ações em nosso mundo na vida me fascina desde que tive meu primeiro contato com a meliponicultura, a criação de abelhas nativas sem ferrão. Adquirir a compreensão de que estes seres nos ajudam a sobrevivermos me fez enxergar a vida por um viés mais cósmico, com a percepção de que tudo o que vive ou deixa de viver sob a face da Terra está inevitavelmente interligado. Este entendimento é ainda mais aprofundado quando o trabalho da apicultura, uma prática essencialmente ecológica e benéfica a todos os seres vivos, é praticada dentro de um assentamento rural. Nada conhecia sobre a questão agrária do Brasil ou de Mato Grosso do Sul antes de começar o processo de escrita deste livro. Durante o curso de Jornalismo, não houve a oportunidade de aprofundamento dos tão complicados aspectos que cercam esta questão, apesar dela ser vital para todo o entendimento do que é o Mato Grosso do Sul. Foi com uma sensação mista de surpresa, tristeza e admiração quando li sobre a trajetória de milhares de brasileiros, estes tão perto de mim, fisicamente, e ainda tão distantes... Foi ao conhecer o assentamento Taquaral que entendi a importância da luta pela terra e também nutri reverência pela constante vontade destes assentados na busca por novas formas de (sobre)viver em meio à situações conflituosas. Ao falar da apicultura como uma das tantas formas de resistência dentro de um assentamento, senti que fiz a união de dois aspectos da vida humana e ambos de grande relevância em tempos de desaparecimento de abelhas pelas mãos dos homens e também do antigo e intenso processo de marginalização de famílias trabalhadoras, afastadas de seus lares, terras, famílias e afazeres.

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Nada deve ser considerado impossível de mudar. Em meio à tantas manchetes desesperadoras, que denunciam o total descaso do ser humano com o próximo, com os seres que nos circundam e com o planeta em que vivemos, tive a vontade de mostrar não apenas a escancarada situação à qual muitos de nós insistimos em ignorar, seja dos pequenos proprietários rurais, das matas ou dos animais que nos mantém vivos. Quis também mostrar que existe saída. Dentro de cada contexto à primeira vista desanimador, se encontram pessoas dispostas a mudarem a situação em que vivem e que vão na contramão de muitos dos grandes possuidores de bens materiais, dedicando trabalho e esforço em uma revolução nascida no ventre do simples, do pequeno, do interno, dos excluídos. Espero que um dia esta pequena revolução cotidiana realizada conscientemente ou não por tantos brasileiros à margem da sociedade tenha um impacto significativo no status quo e na lógica dominante que infelizmente ainda nos rege. Este livro, portanto, tem o intuito de oferecer ao leitor um tanto de realidade quanto de esperança na expansão da consciência humana. Um provérbio africano já dizia, “muita gente pequena, em lugares pequenos, fazendo coisas pequenas, transformará a face da Terra”. É isto que me move.

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Mato Grosso do Sul: terra (só) de soja, milho e boi

As condições agrárias em Mato Grosso do Sul nunca foram favoráveis aos pequenos proprietários rurais. O que era tradição e sobrevivência virava negócio – o agronegócio. Mato Grosso do Sul, impulsionado pela política brasileira, deu início a um intenso processo de concentração de terra em poucas mãos e consequente expulsão de trabalhadores rurais de seus lugares. Os acordos e as políticas brasileiras em relação à terra sempre serviram só a alguns senhores – os endinheirados. Mas esta história começou bem antes. A questão agrária brasileira remonta a mais de 55 mil anos atrás. As populações que habitavam o que hoje é nosso território viviam em agrupamentos sociais, famílias e clãs. Dedicavam-se à agricultura de subsistência, pesca, caça e extração de frutas até o ano de 1500. Eram adeptas do “comunismo primitivo”, onde todos os bens da natureza do território brasileiro eram de posse e uso coletivo, usados com a finalidade única de atender às necessidades de sobrevivência social de 13


cada grupo. De acordo com estudos realizados pelo antropólogo Darcy Ribeiro (1995), estima-se que quando os colonizadores europeus chegaram no Brasil havia mais de 300 etnias indígenas ocupando o território brasileiro, num total de 5 milhões de pessoas. Desde então, muita coisa mudou para estes indígenas e na forma de organização espacial do território de nosso país. Após a chegada dos europeus, que à princípio buscavam ouro e pedras preciosas nas terras recém descobertas, o território foi organizado para produzir produtos agrícolas tropicais para o mercado europeu. Foi feito pela Monarquia, o monopólio da propriedade de todo o território brasileiro. Desde esta época, mesmo sem a posterior definição de propriedade privada, o modelo adotado incentivava capitalistas a investirem na produção das mercadorias e a Coroa Portuguesa realizava a concessão de uso, com direito à herança, de grandes extensões de terra a estes capitalistas-colonizadores. O critério para esta seleção era, em suma, a disponibilidade de capital e compromisso de produzir na colônia mercadorias que seriam posteriormente exportadas para a Europa. Em 1850, dá-se a primeira lei de terras do país, a Lei nº 601, considerada um marco para a adequação do sistema econômico em vista a inevitável abolição da escravatura. Esta lei implanta no Brasil a propriedade privada de terras e transforma oficialmente o que antes da chegada dos europeus era de posse de todos e exclusivo para a sobrevivência dos povos, em mercadoria e objeto de negócio. A lei permitia que os antigos capitalistas com concessão de uso pudessem transformar a concessão em propriedade privada mediante um pagamento à Coroa. O principal objetivo desta medida foi evitar que futuros antigos escravos pudessem se transformar em donos de terra. Assim, mesmo após a promulgação da Lei Áurea, em 1888, os trabalhadores viviam sujeitos às demandas dos novos grandes proprietários de terra, agora como assalariados. Após 1888, abatidos pela falta de mão de obra com a abolição da escravatura, os colonizadores também passaram a buscar camponeses pobres da Europa para vir ao Brasil e trabalhar como 14


assalariados, quando grande parte dos antigos escravos passaram a buscar sobrevivência em cidades portuárias ou em regiões íngremes como morros e manguezais - hoje, o que conhecemos como favelas. Com os imigrantes europeus, deu-se início ao regime de colonato. Neste regime, os camponeses provenientes da Europa recebiam uma casa para moradia e o direito de usar uma área de aproximadamente dois hectares por família para o cultivo de produtos de subsistência, além da criação de alguns animais. As famílias manejavam as plantações de café, em alta à época, e recebiam ao final da colheita o pagamento em produto. Em 1914, após o fim da Primeira Guerra Mundial, o uso de navios para transporte dos migrantes foi interrompido e também o regime de colonato. É dentro deste contexto que surge o campesinato. A primeira vertente deste modelo é realizada com os imigrantes europeus, a segunda, com os mestiços brasileiros. Trabalhando como posseiros e arrendatários de terras pertecentes à grandes proprietários, os camponeses realizavam intensas migrações pelo interior do país, à procura de trabalho. Para piorar a situação, surgem as máquinas. Junto com elas, as indústrias produtoras de insumos agrícolas, ferramentas, máquinas e adubos químicos que hoje dominam o mercado do agronegócio. De acordo com o economista João Pedro Stédile, começa então a modernização da exploração agrícola por parte das oligarquias rurais, que ainda detém a posse das terras brasileiras, amparadas agora pela burguesia industrial, que controla o poder político no país. O mesmo autor afirma que também houve também um intenso processo de grilagem de terra, com a falsificação de documentos, subornos dos responsáveis pela regularização fundiária e também assassinatos de trabalhadores, que se negavam a deixar a fazenda. Em geral, os camponeses eram contratados para a derrubada das matas e, em seguida, expropriados da nova fazenda. As maiores vítimas deste processo foram mais uma vez os mesmos marginalizados durante toda a história da posse de terras do 15


Brasil desde 1500, os indígenas e os camponeses, antigos escravos e até então arrendatários que cediam mão de obra aos grandes donos de terra. Mato Grosso do Sul é o estado conhecido como terra de boi, mas nem todo mundo sabe que é terra só para boi e seus ricos donos. De acordo com a professora de Sociologia da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Alzira Menegat, no Mato Grosso do Sul este processo de expropriação foi intensificado a partir da década de 1970, quando fazendeiros da região Sul e Sudeste migram para o estado, atraídos pelos incentivos do Governo do Estado e pelas facilidades na obtenção de linhas de crédito nos bancos. A agricultura passa a se tornar um grande negócio financiado pelo próprio Estado através dos incentivos fiscais e financiamentos. Em consequência deste processo, deu-se a expropriação de pequenos proprietários que desenvolviam a agricultura de subsistência, que migraram para as cidades como assalariados ou ainda buscaram no Paraguai a oportunidade de ainda desenvolver o trabalho com a terra. Neste processo, os pequenos produtores rurais passaram a sofrer pressão de grandes proprietários de terra para a venda de suas propriedades. Desde então, a monocultura da soja e a criação de gado em larga escala são os pilares que sustentam a economia do Estado. Dados do Censo Agropecuário de 1995/1996 apontam que, em 1995, a concentração de terra nas mãos de poucos já era gigante no estado. A pesquisa mostrou que 4.763 estabelecimentos ocupavam somente 25.467 hectares da área com menos de 10 hectares. No grupo de 10 a 100 hectares, 15.857 estabelecimentos ocupavam apenas 573.155 hectares. Já nas terras de 100 a 1.000 hectares, 14.138 estabelecimentos ocupavam um total de 5.559.013 hectares. No grupo de terras de 1.000 a 10.0000 hectares, a ocupação era de 6.194 estabelecimentos num total de 15.983.013 hectares. Em fazendas de 10.000 hectares até 100.000 hectares, somente 400 estabelecimentos ocupavam um total de 7.166.021 hectares. Apenas um hectare mede 10.000 m², o equivalente a aproximadamente um campo de futebol. 16


Enquanto na televisão vê-se propagandas de grandes produtores rurais, que afirmam serem os responsáveis pela comida no prato do dia a dia dos brasileiros, é difícil imaginar o impacto que esta concentração fundiária teve na vida de milhares de trabalhadores rurais. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 1992, a população rural, que totalizava 55% da população do estado em 1970, a 21% no ano de 2000, enquanto a população urbana subiu de 45% para 79% no mesmo período. Tais dados caracterizam o processo intensificado de êxodo rural no estado, que acarretou em favelização das cidades de Mato Grosso do Sul e aumento no número de famílias sem-terra e desempregadas. Após o fim da ditadura, que deu tantos incentivos à posse da terra de poucos proprietários, muitas das famílias que foram ao Paraguai em busca de melhores oportunidades neste período acabaram voltando ao Brasil, esperançosas com a possibilidade da tão esperada reforma agrária. Com a dificuldade em desapropriação de terras visto o fortalecimento e empecilhos impostos pelos grandes produtores rurais, o sonho foi mais uma vez adiado. - Essas famílias voltam e ficam acampadas em cidades como Mundo Novo, Eldorado e daí são transferidas para esse acampamento muito grande, o Santo Inácio, porque os prefeitos das cidades acabavam dizendo que havia uma confusão, enfeiava as praças centrais, porque as famílias ocupavam as praças centrais, que era onde elas expunham exatamente a sua condição, ou na beira da estrada. Esse lugar entre a estrada e a fazenda que é uma área do Estado, e aí dá para ser um corredor de visibilidade dessa condição, explica a professora Menegat. A luta pela terra no estado toma maiores proporções, impulsionadas pelo anseio das famílias camponesas por estabilidade em meados da década de 1980. Um dos grandes acontecimentos que serviram de exemplo aos acampados foi a ocupação da fazenda “Gleba” Santa Idalina, no município de Ivinhema, pertencente à Sociedade de Melhoramentos e Colonização (Someco), onde mais de mil famílias de trabalhadores do sul do estado, que, à época foram despejados, ocupam o local em protesto. Em 1986, após forte pressão popular, a 17


área foi desapropriada e se tornou um dos maiores assentamentos do Estado, com mais de 800 famílias que retornavam do Paraguai. Em situação parecida, antigos arrendatários de terras no Mato Grosso do Sul e no Paraguai passam, a partir de então, a reivindicar os projetos de assentamento e para isso, utilizam-se de acampamentos em cidades e em beiras de estradas como modo de sobreviver provisório e também como ferramenta para captar a atenção das autoridades para que alguma solução fosse tomada. Em 1978, Governo do Estado cria o acampamento Santo Inácio, em Dois Irmãos do Buriti, como resposta ao problema apresentado pelos prefeitos destes municípios onde as famílias aguardavam pela reforma agrária.. Mais de 800 famílias que se encontravam acampadas em diferentes lugares pelo estado foram realocadas até que se encontrasse uma solução definitiva. É também em meados da década de 70 que surge o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MTST), que passa a articular em nível nacional uma política de resistência destas famílias pela reforma agrária.

A luta pela terra Existem variadas formas de luta que constroem o cotidiano da cidade, do bairro, de casa. Só quem nasceu em condições pouco favoráveis materialmente sabe que a luta começa ainda no ventre da mãe, e que em um mundo pertencente à poucos, comida, cama e viver de verdade só se consegue com muito suor, lágrima, com luta. Quem tudo nos dá é a terra e, se é necessário lutar por ela, deve-se lutar também por todo o resto. A luta pela terra é isso. É igualada à luta pelo direito de sobreviver destas famílias, que correspondem à grande parte da população brasileira. Por isso, mesmo que aparentemente a maioria dos brasileiros não seja atingida por este processo exploratório que se dá nos campos, estamos diretamente ligados através do nosso diário consumo de alimentos. 18


Durante todo este processo de expropriação de milhares de famílias de suas terras, existiu resistência. Nas últimas décadas os milhares de trabalhadores rurais brasileiros, expulsos das terras pelo processo de modernização agrícola, em todo o Brasil passam a se organizar através de movimentos sociais na busca pelos seus direitos. Os conhecemos muitas vezes por meio das manchetes dos jornais, que denunciam mais uma “invasão” de trabalhadores sem-terra. Há uma grande confusão de informações quando, eventualmente, debatemos este assunto em conversas, reuniões, no espaço acadêmico e no trabalho. Sempre existe quem defenda, com unhas e dentes, o direito supostamente meritocrático e conquistado pelo trabalho dos grandes donos de terra. Enquanto isso, famílias e famílias expulsas das terras pelas quais doaram seu sangue e suor são ignoradas aos olhos mesmo da história que nos é ensinada. Não apenas a reforma agrária, com a criação de assentamentos rurais, mas também todas as políticas públicas até então implantadas no Brasil em favor da agricultura familiar e do pequeno produtor rural, sejam estes sem-terra ou não, foram possíveis apenas através da pressão exercida por estes movimentos mobilizadores. Muito se caminhou, mas muito há ainda de se caminhar neste caminho sem fim à vista. A criminalização de movimentos sociais pela terra como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MTST) ainda é comum no discurso do cidadão brasileiro, mesmo que este não tenha nenhum vínculo com as propriedades ocupadas pelo movimento e não venham a ganhar nada com a defesa dos grandes capitalistas possuidores de terras. A coordenadora do Laboratório de Estudos sobre Assentamentos Rurais (LEAR), Patrícia Alves Ramiro, afirma que tal percepção da sociedade brasileira em relação aos trabalhadores rurais é contraditória com a própria reivindicação pela cidadania, tão aclamada pela maioria. Considerando cidadania um conceito vinculado aos valores democráticos em que a sociedade em questão vive, esta garantiria, além dos direitos civil, a igualdade de acesso aos direitos sociais da cidadania, como moradia, assistência médica, 19


alimentação, educação e lazer. Portanto, é injustificável a negação de direitos básicos a qualquer família. Uma das conquistas destes movimentos organizados pelos próprios trabalhadores foi a Lei nº 8213, de 1991, que garantiu aos trabalhadores rurais os benefícios da Previdência Social, que incluem auxílio-doença, pensão por morte, salário-maternidade, aposentadoria rural ou por invalidez, e auxílio-reclusão, no valor de um salário mínimo por mês, desde que comprovado o exercício da atividade rural de acordo com a carência do benefício requerido. A chave é o exercício de nossa cidadania, o exercício da empatia. Ramiro (2013) afirma que a questão principal para a criação de uma “nova cultura” democrática está na maneira como elaboramos nossa concepção de mundo, que deve deixar o âmbito do senso comum e atingir o bom senso. Por isso, existe a importância do restante da sociedade brasileira enquanto possibilitadora de maiores conquistas sociais e democráticas para os trabalhadores rurais sem terra. Na segunda metade do século XX foi quando se deu o processo de organização política do campesinato. O surgimento das Ligas Camponesas, em 1945, dependentes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), existiam em quase todos os estados como forma de resistência contra a expropriação e expulsão da terra. Em seguida, muitos outros movimentos surgiram, brutalmente silenciados com o Golpe Militar de 1964, quando os militares no poder formaram aliança política com diferentes setores da burguesia, entre estes, os latifundiários. O governo militar, à época, subsidiou os grandes produtores rurais, incentivou as indústrias agrícolas e facilitou o processo de despejo das famílias arrendatárias e posseiras. Foi neste contexto que nasceu o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MTST), o mais amplo movimento camponês da história do Brasil. Até hoje, com o apoio de outras organizações provenientes da Igreja Católica, como a Comissão Pastoral da Terra, dos Sindicados de Trabalhadores Rurais e mesmo de partidos políticos, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MTST) foi a organização que mais 20


pressionou o poder hegemônico e garantiu direitos fundamentais à vida de milhares de trabalhadores rurais. O mesmo aconteceu no Mato Grosso do Sul. Apenas em meados da década de 1980 e início da década de 1990 o processo de criação de assentamentos em Mato Grosso do Sul, através Programa Regional de Reforma Agrária (PRRA), se intensifica e passa a realocar famílias que passavam ano após ano sobrevivendo sob precárias condições de vida em acampamentos em beiras de estradas, sem saneamento, alimentos, educação e fonte de renda fixa. Em 1989, as famílias acampadas no Santo Inácio têm a opção de ir para outros assentamentos. Entre eles, o Taquaral.

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Taquaral: Do sonho à desesperança As estradas que percorrem e ligam os 394 sítios do assentamento Taquaral não passam a mesma tranquilidade dos caminhos de paralelepípedos que circundam as casas descascadas de estilo europeu onde os corumbaenses se reúnem ao fim da tarde para tomar tereré ou cerveja – qualquer bebida que afugente o calor, às vezes insuportável. O silêncio de lugar abandonado é interrompido pelo mototaxista que me carrega. - Aqui antes a estrada não era assim, agora que tá boa. Antes, era barro e não era larga a passagem, comenta. Ele, de nome Francinei, veio do assentamento também. Mora na cidade, mas visitaria seus pais que lá ficaram – era dia de vacinação do gado e ia para ajudá-los. - Eu não gostava de estudar, né? Aí eu ajudava meu pai quando moleque. Eu e ele andava isso tudo de bike, todo dia!, me conta no caminho. A estrada segue. Avisto a primeira casa, distante do portão de 23


arame farpado e tocos de madeira. Cerca de duzentos metros à frente, a segunda – esta menor, também distante de uma porteira que não parece proteger nem de animais intrusos. Mais estrada, desta vez rondados novamente pela flora verde que não tenta esconder sua diversidade com diferentes espessuras, tamanhos, formatos de folhas, troncos e flores. O primeiro sinal da existência de contato entre estas famílias aparece. Passamos por uma borracharia - ao lado, um bar vazio estampado de propagandas de cerveja e uma caixa d’água de aparência suja. Decidimos parar no sítio de Francinei para perguntar as direções para o meu destino. Chegamos lá e vejo uma senhora, Dona Maria, de vestido florado, brincando com uma menininha de três anos na varanda. Não demora muito a começar a me contar do destino dos filhos, dos netos, da bisneta que hoje tem em seus cuidados. Se interrompe quando percebe uma movimentação no curral, que fica bem ao lado da casa. - Chico, Chico! – grita - aquela vaca vermelha brava vai fugir! Seu marido, que arrumava um cômodo que parecia ser um depósito ao lado da casa, não demora a ir controlar a vaca fujona. Minutos depois, me instrui com seu sotaque nordestino. - Ahh, você vai no Cabeção! Pega ali aquela caixa d’água e vira pra direita, depois vira na direita da travessa de novo, o sítio dele é um dos primeiro. Após uma despedida calorosa, seguimos suas orientações. Percebo que chegamos no local certo quando vejo uma casa branca em frente à uma residência grande – era a Casa do Mel. Sou recebida com um tanto de timidez por Luíz da Conceição. Logo, conheço sua esposa, “dona” Edna e seu filho, Valdinei. Primeiro, um café passado na hora, em seguida, a história. Antes dela, entretanto, é necessário entender a situação que levou a família e tantas outras a trabalhar e viver em um dos principais assentamentos da região pantaneira do Mato Grosso do Sul. 24


Estrada na Agrovila 1

Em busca por um pedaço de terra Pra cada braço uma força De força não geme uma nota A lata só cerca, não leva A água na estrada morta E a força nunca seca Pra água que é tão pouca (A força que nunca seca - Chico César/Vanessa da Mata)

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O assentamento começou em 1989, mas a trajetória das famílias que foram despejadas no que hoje é a abandonada Estação Ferroviária da cidade de Corumbá teve início muito antes. A desgastada linha ferroviária que hoje só simboliza a nostalgia de uma época de fartura aos corumbaenses tem um significado um tanto mais melancólico para os assentados do Taquaral despejados lá com seus poucos bens materiais, movidos pela esperança e exaustos de tanta espera e mudanças. Não tinham ideia dos desafios que as aguardavam quando finalmente tiveram seus lotes sorteados. O assentamento Taquaral foi instalado em uma área de 10.426,85 hectares, dividida em 394 lotes, a cerca de 13 quilômetros da cidade de Corumbá, um dos principais municípios de Mato Grosso do Sul e localizado em região considerada o coração do Pantanal. O que não contaram para as pessoas que depositaram suas esperanças no processo da reforma agrária da época e aguardavam por um espaço onde pudessem trabalhar e viver é que iam ter de sustentar seus filhos pequenos de um modo um tanto diferente do que estavam acostumados. Considerado até impossível. Até hoje, lotes do assentamento são vendidos irregularmente por valores baixíssimos. Maria de Jesus, uma das assentadas que está desde o início no lugar, conta: - Já vi trocarem lote até por moto aqui – suspira. Localizada em uma área considerada Santuário Ecológico, a região é imprópria para a prática agrícola. O Governo do Estado sabia disso, visto que o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA) já havia, à época, entendido que as terras do Pantanal eram inadequadas para a instalação de famílias, já que é uma área de preservação ambiental e de condições climáticas específicas, que impediam ou limitavam o cultivo agrícola. Tal fato, entretanto, foi constatado pelos assentados apenas após dias e dias amanhecidos com nada além de plantações inférteis. As famílias que hoje se encontram no local se dividiam em dois grupos quando colocaram seus pés no novo assentamento. Um deles 26


era constituído pelos chamados brasiguaios, que eram brasileiros que saíram do Brasil nas décadas de 1960 e 1970 e foram ao Paraguai em busca de alternativas enquanto os donos da terra brasileiros substituíam mão de obra humana por máquinas. Grande parte destas famílias também buscou no Paraguai um refúgio após dificuldades com a plantação de café no Paraná. Um frio intenso, conhecido como Geada Negra, foi a gota d’água para que centenas de famílias arrendatárias e posseiras acabassem falindo no lugar. A geada aconteceu no dia 18 de julho de 1975, durante o sono dos trabalhadores. Ao amanhecer, se depararam com as folhas queimadas da planta que os sustentavam. Dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) estimam que os termômetros chegaram a registrar -3,5 ºC graus no abrigo e até -9 ºC graus na relva. Na época, o café era o principal produto do estado, que era responsável por cerca de 50% da produção nacional do produto. O prejuízo foi tanto que fez a maior parte das famílias desistir das plantações, arrumar as malas e partir em viagem para o país vizinho. Com dificuldades no Paraguai na década de 1980 por conta do regime militar do país e das dificuldades financeiras, estas famílias decidiram tentar a sorte novamente no Brasil, motivadas pela sinalização da implantação de um projeto de reforma agrária. O Estatuto da Terra, como é chamada a Lei nº 4.504, foi uma reformulação da Lei de Terras de 1850, e teve sua implantação ainda no início da ditadura militar brasileira, em novembro de 1964. O projeto previa, entre outras questões relativas às apropriações da terra, o acesso igualitário à terra. Apesar disso, apenas na década de 1980, os assentamentos começaram a ser criados. Além dos brasiguaios, havia o grupo denominado Brasil Unido, composto por arrendatários de terras no Mato Grosso do Sul ou até mesmo de estados nordestinos e sulistas, também “substituídos” pela modernização da agricultura e que acabaram expulsos do espaço que ocupavam. Uma parcela pequena do grupo, que correspondia a cerca de 80 famílias, era da região de Corumbá. 27


A socióloga Alzira Menegat, também autora do livro “No Coração No Pantanal”, realizou pesquisas no local para identificar como se deu o processo de migração das famílias realocadas até o assentamento em questão. Mato Grosso do Sul, explica, por fazer divisa com o Paraguai, é o lugar que estas famílias de “brasiguaios” encontraramm para ficar. - Então, chegam no Paraguai e encontram condição de se estabelecer e até de adquirir terras. Pagam, mas não recebem a titularidade da terra, né? É uma relação bem provisória. Na década de 80, quando há toda uma mudança política na própria condição do governo paraguaio e a nível brasileiro há uma abertura política que sinalizava para a reforma agrária e essas famílias começam a retornar ao Brasil – diz.

Família Conceição: uma voz por todas as outras Das mais de 800 famílias acampadas no Santo Inácio, cerca de 300 foram para o assentamento Taquaral. Diferentemente da história de outros assentamentos, o Taquaral não foi resultante de um processo de conflito entre as famílias e os proprietários da fazenda. A área era de posse da família Chama, que à época acabava de desistir do negócio siderúrgico, e foi desapropriada após negociação entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e os proprietários da então Fazenda Taquaral. Ao chegarem lá, em 1989, estas famílias se depararam com o verde exuberante, natural do Pantanal em determinadas épocas do ano. O mesmo verde que me recebe quando chego ao local, semelhante às fotos de cartões postais internacionais, que atraem tanta gente a conhecer um bioma único no planeta. O que se apresentava como solução de todos os problemas destas famílias acabou por se tornar uma jornada repleta de pedras no caminho. Pedras, barro, mosquitos 28


que parecem se esconder do local durante o outono e a primavera, falta de água no “encharcado” Pantanal... - Foi uma época muito difícil - resume Edna Conceição, uma mineira de 54 anos. Seus olhos pequenos e pele morena, com poucas rugas, denunciam a sua ascendência, mesmo que distante, de indígenas. Fala alto, e desde o momento que a conheci, noto que quase não fica parada no mesmo lugar. Dá a impressão de ser o tipo de pessoa que sempre está trabalhando. Ora, preparando o almoço, ora limpando alguma coisa ou fazendo café. Tem uma energia aparentemente inesgotável. Penso que talvez foi esta energia que a fez capaz de insistir em uma terra tão difícil. Chegou ao assentamento junto do marido paranaense e de seus três filhos pequenos. A família, que passara anos vivendo no Paraguai após o incidente da Geada Negra, acabou voltando para o Brasil em 1987, em busca de terra própria e independência de grandes fazendeiros. Passaram pela cidade de Eldorado antes de se estabilizarem no acampamento Santo Inácio, onde ficaram por cerca de um ano. Entre os acampados de Santo Inácio, um grupo decidiu ir para região de Aquidauana e o outro, para Corumbá. - Veio um pessoal de lá para cá visitar e eles ficaram encantados, com a natureza e tudo, acharam que era o paraíso – conta Valdinei, o mais velho dos três e também o único que ainda vive no assentamento, junto de seus pais. Com as expectativas altas, escolheram para onde iam e embarcaram no trem. - A gente foi despejado ali mesmo na estação, um tanto de família. Imagina, um monte de gente lá com porco, galinha, só o gado que veio depois. Difícil... – relembra Edna, enquanto balança a cabeça e desvia o olhar para o chão, como quem busca dentro de si mesma as memórias que moldam sua realidade atual. Como se não bastassem as dificuldades impostas pela situação provisória em uma cidade desconhecida, um dos filhos de Edna quebrou o braço no primeiro dia de acampamento, como que em um 29


presságio de que as coisas não iriam de fato melhorar como a família esperava. À espera do sorteio dos lotes, as famílias se agruparam em mais um acampamento, mais um... A estadia provisória próximo à Corumbá durou dois anos e a professora Alzira Menegat, que à época residia na cidade, lembra que as famílias periodicamente realizavam ocupações e protestos na cidade, amparadas por agentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Foi aí que começou a verdadeira luta destas famílias pelo pedaço de terra designado a elas como de direito. Enquanto me conta sobre os protestos realizados pelos assentados, imagino as ruas da cidade que eu há pouco tinha visitado pela primeira vez e conhecido seu povo, tão acolhedor. Os paralelepípedos, em minha mente, pouco aparecem em meio à multidão de famílias, mal vestidas e mal alimentadas, que escolhiam o recolher do sol para levantar a voz, gritar e bater panela. Chamavam a atenção e a caminhada tranquila dos moradores nas iluminadas avenidas principais das cidades eram temporariamente suspensas para dar lugar à voz de quem não tinha voz na hora da organização da terra, nem lugar para morar. Imagino as mulheres, alicerces das famílias, que durante o dia, faziam parte da cidade, das feiras, das conversas e prosas corumbaenses, e, durante à noite, era hora de pedir o que se era de direito. O que pensavam os cidadãos corumbaenses, quando ouviam os gritos das mulheres que até há pouco lhes vendiam hortaliças e recomendavam receitas caseiras? Isto pouco importa - o alvoroço tinha motivo, um bom - não lhes deram o que foi antes prometido e tantas vezes sonhado. Alzira conta que o Ministério Público de Mato Grosso do Sul , em 1979, resistia e pressionava com uma ação pública contra a instalação do assentamento com o argumento de que aquela área deveria ser destinada à preservação ambiental. Mesmo após o Incra autorizar a transferência das 305 famílias provenientes de Santo Inácio, a Justiça Federal deu ganho de causa ao Ministério Público e as famílias inicialmente foram despejadas do local. 30


- Lá sempre teve muitas contradições, primeiro porque eles ficaram dois anos acampados e o promotor dizia que lá não era lugar de agricultura. Mesmo que se não usasse veneno, ia interferir com o ecossistema pantaneiro porque ia mexer no solo, produzindo terra para lugares que deveria ir. Isso criou uma discussão dentro da comunidade corumbaense, porque essas famílias eram muitas e elas fechavam as ruas, batiam panela e trouxeram uma discussão para dentro de um contexto urbano, conta a socióloga. Após dois anos de acampamento e idas e vindas pelas decisões deferidas e indeferidas pela Justiça, com o tão esperado sorteio veio também conquista de um pedaço de terra de 15 hectares para a família Conceição, o suficiente para trazer a comida ao prato e criar os três meninos com segurança e tranquilidade. Pelo menos era isso que pensaram quando saiu o resultado. Hoje, é com melancolia que Edna afirma que sua família foi uma das poucas que não desistiram do local. -Água é vida, se não tem água, não tem vida – resume, seguida de um silêncio um tanto impactante. Com o acesso precário à água no local, a situação se agravava com a quantidade torturante de mosquitos da região. Quando começam a me contar, imagino que faziam referência aos poucos mosquitos que já me incomodavam tanto desde que cheguei no assentamento. Percebo, depois, que a situação era muito pior do que eu imaginava. Valdinei relembra de algumas das dificuldades que passavam no início com os mosquitos. - Hoje isso aqui quase nem tem mosquito, mas quando a gente chegou, nosso jeito de ir buscar água era usando um carroção de boi. A gente ia lá na caixa d’água em duas pessoas. Enquanto um descarregava a água, o outro tinha que ficar tocando as mutucas que iam nos pés dos bois, se não eles iam quebrar a caixa. Também não foi apenas uma vez que os filhos de “seu” Luiz, ainda crianças, o acompanhavam de bicicleta por mais de 10 quilômetros em estrada de barro, para trazer água para casa. E os desafios não paravam por aí. Edna ainda conta que a maior parte das 31


famílias era acostumada a plantar. Eram famílias agricultoras, pais e mães de crianças que aprenderam a manejar o solo ainda com seus pais, estes, que aprenderam com seus avôs. Somente após um tanto significativo de suor, lágrima e frustração é que perceberam que o local era impróprio para a prática agrícola. O revezamento de períodos de seca e de chuva, típicos do bioma, não deixavam nenhuma plantação suceder. - Não tinha água, não tinha estrada. A gente tava acostumado a plantar no lugar que a gente morava antes, a gente chegou aqui e plantou algodão, mas daí deu praga e não foi pra frente. A gente era acostumado a plantar milho, porque lá no Paraguai dava bastante, e aqui nada. Tinha muito bicho que atrapalhava, tinha que ficar no meio da roça tocando periquito pra não comer o milho. Aí tinha a seca e a lavoura perde, né? Aqui é muito seco, quando chove, chove muito, mas quando é seco, é seco mesmo – conta Valdinei. Pouco a pouco, as famílias iam embora, desesperançadas com tamanha falta de perspectiva para a sobrevivência. Vendiam seus lotes e os moradores que ficavam assistiam com tristeza os caminhões de mudança voltarem ao assentamento pouco tempo depois do sorteio dos lotes. - A gente tentou cultivar, mas não produzia e lá no Paraguai dava bastante coisa... crescia as coisas, mas não tinha preço, né? Não tinha exportação, era difícil de vender, por isso saímos de lá. Mas quando a gente veio pra cá, pensamo que era assim, e não era. Aí a gente começou a mexer com pasto, com gado. Mas até pra formar pasto era difícil. A gente fazia tudo no manual – explica a mãe de Valdinei. O assentamento é dividido em três áreas: a Agrovila 1, 2 e 3. A primeira, na realidade é a última, a mais distante da cidade. Também é o lugar de mais difícil acesso, em todos os sentidos. As matas são mais fechadas e as estradas alagam em maior quantidade nas épocas de cheia. Quando cheguei ao local, levei um susto com a área completamente alagada após apenas uma noite de chuva. Os 32


alagamentos em épocas de cheia ainda hoje dificultam a locomoção dos assentados de lá. Em contrapartida, em épocas de seca, a busca pela água exigia tamanho esforço que fez grande parte das famílias desistir do local. -Se a gente tivesse saído na Agrovila 1, a gente nem tinha ficado também, né, mãe? – questiona Valdinei, durante a entrevista, à sua mãe, que reveza seu tempo entre cuidar do feijão na cozinha e conversar comigo na varanda da casa. - Acho que não, acho que não – responde a senhora. A família teve a sorte de receber o lote na área da Agrovila 2. A professora Menegat explica o projeto falho do Estado em organizar o assentamento nas chamadas “agrovilas”. O projeto do Estado previa que famílias não morassem nos lotes de produção e sim nas chamadas agrovilas, lugares destinados aos lotes de moradia. As três agrovilas do projeto eram cercadas dos lotes de produção, onde os assentados trabalhariam.

Mapa 1 – Loteamento. (Fonte: Arquivo UFGD)

- Alguns lotes ficavam muito longe da agrovila e, além disso, esta não é uma prática das famílias, elas gostam de viver no lugar que 33


elas produzem. As agrovilas foram pensadas pelo Incra porque assim haveria uma racionalidade dos recursos. Ao invés de rede de energia ao longo do assentamento, apenas nas agrovilas, aí distribui mais fácil, escola nas agrovilas, água nas agrovilas, que é um grande problema do Taquaral. Então, com isso, ele viabilizaria melhor essa infraestrutura. O projeto acabou sendo aceito, no papel, pelas famílias, que buscavam com ansiedade resolver a situação provisória de acampamentos e a divisão da terra. Após a entrega dos lotes, entretanto, se organizaram no local da forma que melhor convinha: moravam em seus lotes de produção. Na Agrovila 3, hoje se encontra um centro de pesquisa e de convivência. Na 1, poucas famílias ligadas à trabalhos religiosos residem no local e na 2 é onde há o maior fluxo de movimento dos assentados, com o posto de saúde, a escola rural e famílias dos assentados dos lotes, que foram crescendo e necessitando de maior espaço. O sofrimento faz nascer mais luta, desta vez na forma da busca de formas de sobreviver dentro do espaço conquistado. Para os assentados do Taquaral, esta luta foi e ainda é a mais dolorosa. Com o fracasso das plantações, os assentados não desistentes tiveram de buscar soluções e alternativas para a sobrevivência no local. Cavaram poços, onde a terra permitia, em busca de um melhor acesso à água. - Além de caro, os poços têm alguns lugares que não dá pra fazer. Você cava e dá um tanto de metro e já tem uma camada dura, que não penetra – explica Luís, marido de Edna, que tentou a operação em seu lote sem sucesso. Outros foram bem-sucedidos, mas o investimento também ainda é grande e pouco acessível para a maioria dos assentados. Enquanto isso, Edna se juntou a muitas das mulheres do assentamento que passaram a ir à cidade, em busca de um trabalho assalariado. Mesmo depois de abolida a escravidão, negra é a mão de quem faz a limpeza, lavando a roupa encardida e esfregando o chão, já cantou 34


Gilberto Gil. Trabalhavam como diaristas, faxineiras, lavadeiras o que custasse para sustentar a família na área rural. Isto começou ainda antes do sorteio dos lotes, na condição de acampados e, para a tristeza das famílias, continuou por muito tempo. Muitas das mulheres também passaram a trabalhar como feirantes após o sorteio dos lotes, comercializando a pequena produção que conseguiam obter no local, como mandioca e hortaliças. Em seu artigo intitulado “Mulheres em Assentamentos”, a pesquisadora afirma que neste momento houve uma inversão dos papéis tradicionais que colocavam o homem à frente do sustento na família. Assim, as mulheres passavam a conciliar duplas ou triplas jornadas de trabalho, em espaços diferentes: em casas de mulheres abastadas da cidade de Corumbá, na roça plantando o que a terra permitia e na feira, espaço onde vendiam o pouco que produziam no assentamento. - Comecei a trabalhar lá na cidade, todo mundo começou, né? Aí era um dia lavando roupa, outro dia fazendo faxina, cada dia uma coisa – conta a assentada. Na feira, Alzira afirma que o trabalho das mulheres acabou tomando novos significados. - As mulheres gostavam de falar na minha pesquisa que elas acabam tendo maior receptividade para a venda dos produtos do que os homens. Elas faziam da feira um lugar de lazer, de ver o amigo, de saber quem ficou doente, de ouvir receita de remédio caseiro. Então, elas acabavam cativando uma clientela pela sociabilidade que elas estabeleciam, até hoje há grande parte dessas mulheres comercializando os produtos lá nas feiras. Para garantir a renda utilizando o espaço do assentamento, o gado surgiu como uma atividade que hoje sustenta a maior parte das famílias que se encontram lá. Antes disso, o endividamento das famílias que depositaram fé na agricultura junto ao programa de crédito rural do Governo Federal, o Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária (Procera), impediu grande parte das famílias de realizarem 35


novos empréstimos junto ao posterior programa de crédito rural, o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). O maior desafio dos assentados do Taquaral foi a readaptação de atividades, ainda mais árdua a dificuldadedo acesso à água. Menegat conta que, ao demarcar o assentamento, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) já havia constatado, através do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), as características impróprias do solo do local para a prática agrícola. Tal documento era necessário para a determinação do tamanho dos lotes dos assentamentos da reforma agrária. A empresa contratada havia, inclusive, recomendado que os lotes do Assentamento Taquaral fossem maiores, porém, com o grande número de famílias, os lotes se ativeram à média de 11 a 20 hectares. - Eles tiveram que aprender a lidar com o gado. A grande maioria chegou ali querendo plantar, mas não conseguiu essa façanha. Hoje, poucas famílias ainda mantém o plantio. Na Agrovila 3, onde há uma menor incidência de pedras e uma característica de solo mais favorável ao plantio ainda se encontra, mas na Agrovila 1 e na Agrovila 2 é pasto, então quem mora nestes outros lugares teve que aprender. Viraram pastores e isso foi um desafio que essas famílias tiveram de enfrentar e parte delas saíram por isso – explica a professora. As famílias continuaram, mesmo após o sorteio, com membros em trabalhos assalariados e também vendendo produtos em feira. Aos poucos, juntavam seu próprio dinheiro e passaram a investir no gado para a produção de leite. Mesmo com a descoberta de uma renda que pudesse mantê-los no assentamento, os assentados hoje encaram muitos desafios na área de produção de leite. O tamanho dos lotes é considerado impróprio para a criação por ser pouco pasto e não render o suficiente, além da falta de apoio de políticas públicas que implementem um laticínio no local e facilitem a regularização do leite comercializado pelos assentados, hoje vendido irregularmente no mercado de Corumbá. “Seu” Luíz, marido de Dona Edna, é um dos que se diz cansado 36


da atividade. Acorda todo dia antes do sol e além de realizar a retirada do leite, tem de carregá-lo na garupa de sua moto e ir vendendo, de porta em porta, o leite envasado em sacos. A média do preço é de dois a três reais o litro, enquanto no mercado o leite em caixinha ronda o valor de quatro reais. O trabalho, de acordo com o assentado, é exaustivo. - Ainda mais pra minha idade – lamenta o tímido paranaense. Com o rosto enrugado e com um sorriso marcante, Luiz afirma que quer parar de produzir leite. Sua esposa, Edna, quer ir morar na cidade. - Eu quero ir porque gosto muito de trabalhar, mas com a idade não posso trabalhar muito, aí fico ruim – diz a assentada. Trabalhar com a terra foi algo que a mineira sempre fez, desde criança, e sempre amou. A tristeza em sentir que seu corpo físico já não acompanha o ritmo de sua vontade e paixão a faz desejar ir morar na cidade e ter uma vida mais tranquila junto ao seu marido, também cansado da atividade que exige idas e vindas diárias do lote onde construíram sua primeira e segunda casa, até a cidade de onde vem o dinheiro que os mantém. O filho do casal, Valdinei, diferente dos pais, não tem planos de sair do assentamento. Encontrou na apicultura, junto de outros assentados, uma forma de complementação de renda com capacidade de garantir uma boa qualidade de vida na região, não exigindo mão de obra exaustiva como a criação de gado e sendo uma atividade essencial para a conservação do bioma do local.

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A apicultura como opção

São conhecidas por suas picadas e pelo seu mais precioso produto, o doce mel. Aprendemos um pouco sobre polinização no ensino fundamental, mas no fim acabamos nos esquecendo do trabalho que estes pequeninos seres realizam diariamente até que seus produtos cheguem à nossa mesa. As pequenas operárias obedecem à rainha, saem em busca de alimento, constroem, medem, separam favos de cria e favos de mel, comunicam-se entre si, estabelecem padrões. Criam o necessário, destroem o que não tem mais valor. Percorrem quilômetros, se organizam de maneira exemplar e dão a vida pela sobrevivência das outras. Se observarmos a organização de um enxame, percebemos o tanto que podemos aprender com elas. A prática de criar abelhas para a produção de mel e produtos apícolas é antiquíssima. Acredita-se que as abelhas surgiram há cerca de cem milhões de anos e o uso de colmeias silvestres teve início há dez mil anos a.C.. Durante o período pré-histórico, o alimento ingerido era uma mistura de mel, pólen e cera e foi aproximadamente em 400 a.C que se deu o início do armazenamento dos produtos em potes através 39


dos egípcios. No Brasil, a atividade apícola passou a ser implantada apenas em 1839, quando o padre português Antônio Carneiro importou 100 colônias da espécie Apis Mellifera europeia para a produção de cera no Brasil. À época, se utilizava de cera de colmeias de abelhas para a produção de velas. Apenas sete colônias sobreviveram ao transporte e foram instaladas no Rio de Janeiro. Desta época até a década de 1950, a produtividade do manejo dessas abelhas era baixa, dada as condições climáticas do país, às quais a espécie não se adaptou bem. Foi em 1956 que o professor e pesquisador Warwich Estevan Kerr trouxe para o país rainhas de abelhas de uma espécie africana com o apoio do Ministério da Agricultura, com o objetivo de realizar estudos comparativos para avaliação da produtividade e resistência da espécie mais adequada às condições brasileiras. Em um incidente de trabalho, cerca de 26 enxames da abelha africana fugiram dos laboratórios e acabaram por cruzar com a espécie europeia que até então era a única usada para apicultura no país. Hoje, esta espécie híbrida e exótica é a principal em nosso país e considerada a "salvadora" da atividade apícola brasileira. Esta espécie com ferrão, de nome Apis Mellifera L e popularmente chamada de abelha africanizada, é mais produtiva e resistente do que a espécie europeia até então utilizada. Apesar da existência milenar também de abelhas nativas sem ferrão em regiões subtropicais que incluem o Brasil, é comum conhecermos apenas a Apis Mellifera L, chamada popularmente de abelha africanizada. No Brasil foram catalogadas cerca de 400 espécies de abelhas nativas sem ferrão, as chamadas meliponíneos, que etnias indígenas brasileiras tinham o costume de manejar para o consumo de seus produtos. Estima-se, entretanto, que o país tenha mais de 3 mil espécies variadas de abelhas. Ainda assim, quando falamos de abelha, raramente se desvincula a imagem deste inseto com a espécie de listras amarelas 40


e negras e que ferroam. Tal fato se deve à sua capacidade maior de produção de mel, sendo a espécie mais multiplicada pelos apicultores brasileiros. Isto por conta de motivos comerciais. Desde então, a atividade passou a um novo nível em terras brasileiras. De acordo com um relatório divulgado pela Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), em 2009, o Brasil era o nono país na lista de maiores produtores de mel do mundo. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, em inglês), a produção era de 38.764 toneladas produzidas naquele ano. Em 2009, o Brasil gerou mais de US$ 65 milhões com as exportações de mel, de acordo com dados da organização. O consumo per capita de mel no exterior excede significativamente o consumo brasileiro do mesmo produto. Desde 2008, com o fim do embargo para o mel brasileiro pela Comunidade Europeia, a produção brasileira no setor também alavancou com a exportação para países europeus. Um dos principais diferenciais do mel brasileiro é que é feito por esta espécie híbrida, que é mais resistente a doenças, tornando desnecessária a utilização de defensivos, antibióticos a acaricidas em seu manejo. Até hoje este é o principal atrativo do mel brasileiro, que faz com que as possibilidades comerciais se ampliem e criem novas oportunidades no ramo. De acordo com dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequena Empresas (Sebrae), em 2009 o Brasil atingiu o nono lugar na lista de maiores produtores de mel do mundo. Segundo o mesmo levantamento, os estados com maior produção são Rio Grande do Sul, Paraná e Ceará. Dados divulgados Embrapa Pantanal apontam que, atualmente, no Brasil há aproximadamente 300 mil apicultores com uma produção anual estimada de 30.000 a 40.000 toneladas de mel. Segundo um estudo realizado pelo mesmo órgão, o Pantanal hoje é considerado a região de maior potencial apícola do Mato Grosso do Sul por conta de sua cobertura vegetal natural com flora abundante e rica.

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As abelhas estão sumindo... ... e a culpa é dos agrotóxicos. Existe um sério problema à vista neste cenário promissor para a apicultura. As abelhas não sobrevivem em ambientes infestados por agrotóxicos e de baixa diversidade floral. Como aponta a pesquisadora Thais Bovi, em seu artigo “Toxicidade de Inseticidas para Abelhas”, a monocultura, altamente praticada no Estado, é nociva às abelhas. Isto porque a dieta destes insetos inclui plantas dos mais diversos grupos. Com isso, garantem uma alimentação balanceada, compensando a deficiência de nutrientes de algumas espécies de plantas. A falta de algum deles pode acarretar na baixa imunidade e consequente enfraquecimento da colônia. Mas a história não acaba aí. A presença das abelhas tem sido gradativamente diminuída através do chamado Distúrbio do Colapso das Colônias, causado pela redução das áreas ocupadas pela cobertura vegetal original e também pelo uso indiscriminado de pesticidas em lavouras. O Distúrbio do Colapso das Colônias (CCD, em inglês) foi verificado no inverno de 2006 para 2007 nos Estados Unidos, quando colônias entravam em colapso sem causa aparente. As abelhas sumiam e as colônias, em consequência, enfraqueciam. Ao fim, não resistiam e morriam. Os sintomas dos desaparecimentos ainda continuam abatendo apicultores no mundo todo. Desde então, sucessivos estudos passaram a apontar diversas causas para tamanha tragédia. Entre elas, a mais salientada foi o uso de agrotóxicos. Pesquisas da Pennsylvania State University, em parceria com o laboratório Agricultural Marketing Service, contataram que as abelhas têm baixo número de enzimas desintoxicantes, o que as torna vulneráveis ao uso de agrotóxicos. A grande maioria destes inseticidas, em especial os neonicotinoides, uma classe de pesticidas derivada da nicotina, são neurotóxicos e danificam o sistema nervoso central das abelhas quando estas realizam a colheita do néctar e do pólen nas flores das plantas com 42


insumos. É por este motivo se chama “desaparecimento” das abelhas e não “morte”. Primeiro, desaparecem após a perda da capacidade de voltar para casa com os danos em seus neurotransmissores, só depois, dependentes da colmeia, as abelhas morrem, solitárias, sem direção. O motivo para a denominação do problema dá um tom ainda mais melancólico para a situação. O pesquisador David de Jong, em seu trabalho "Situação da sanidade das abelhas no Brasil", afirma que em estudos no país foram detectados a presença de inseticidas do tipo fipronil, que assim como os neonicotinoides, deixam doses sub-letais no pólen das plantas. No início de 2017, a Organização Não Governamental Greenpeace divulgou um relatório que aponta outros malefícios causados pelos neonicotinoides. Foi constatado que existe risco de exposição do pólen e néctar de plantas tratadas pelos pesticidas causando letalidade em abelhas adultas, além da contaminação de solos agrícolas, morte de insetos aquáticos e ligações com a menor incidência de borboletas e pássaros insetívoros na área afetada. Há ainda o risco de exposição e absorção destes pesticidas, a partir da propagação de sementes tratadas e pela poeira. Baseada neste relatório, a organização em defesa do meio ambiente solicitou a proibição completa destas substâncias na Europa. Em 2013, a União Europeia proibiu parcialmente a sua aplicação nas lavouras, após estudos indicarem a conexão entre o uso dos neonicotinoides e o desaparecimento das abelhas. Apesar dos avanços na proibição desta classe de pesticidas ao redor do mundo, no Brasil a situação ainda é precária. A pesquisadora em saúde pública da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) e membro da Comissão de Combate ao Impacto dos Agrotóxicos do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), Fernanda Savicki, afirma que uma das principais dificuldades no desenvolvimento de políticas públicas que favoreçam o combate ao uso intensivo de agrotóxicos são os entraves na realização de pesquisas que comprovem o impacto causado. - Em um paper, ninguém consegue dizer “esse número de pessoas 43


aqui que morreram é realmente decorrente do uso de agrotóxicos”, isso por uma série de fatores que a gente teria que rever em como a gente identifica estes problemas. Na parte humana, no caso, as notificações sobre contaminações por agrotóxicos no SUS elas são notificadas à parte, tem uma notificação especial, e ela implica em responder uma série de perguntas, e esse formulário nunca é preenchido corretamente. Então todos os dados que a gente tem e que relacionam problemas de agrotóxicos são subnotificados, é um número muito menor do que a realidade apresenta. A pesquisadora afirma que os agrotóxicos já foram relacionados a diferentes doenças humanas, como problemas na pele, câncer, contaminações e problemas neurológicos, que além de deficiências cognitivas, também causam danos psicológicos. As deduções que apontam a relação entre agrotóxicos ambientais na saúde humana são feitas após a análise de diferentes trabalhos que apontam resultados como o aumento do número de suicídios ou até mesmo a diminuição do número de borboletas em regiões de uso intensivo de inseticidas. - Você percebe esta relação se analisar uma série de estudos, mas como não se pode comprovar isso, o lobby das indústrias desses agrotóxicos se aproveita e fala “não, isso aqui não são dados reais” – diz Savicki. Com as abelhas, a situação não muda. As empresas de agrotóxicos negam a relação entre o uso do produto e a mortandade dos enxames e algumas chegam a “culpar” a incidência de um ácaro parasita que ataca as colmeias. -Também tem um ácaro que ataca as colmeias, só que também pode-se comprovar e se começa a perceber que tem uma outra discussão, porque coincidentemente ou não, os locais onde não são aplicados tais agrotóxicos, não se tem essa mortandade das abelhas nem por esse ácaro. Ninguém consegue dizer que é exatamente por causa dos agrotóxicos, mas não dá pra dizer que não é, não dá pra ignorar. Aí também entra a questão política, o envolvimento dessas corporações, que financiam grande parte das campanhas políticas – afirma a pesquisadora. No Brasil, o controle e regulamentação dos agrotóxicos é 44


realizado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Cada um destes órgãos realiza uma avaliação para que determinado produto seja legalizado. A primeira, explica Savicki, é realizada para comprovar a eficácia do produto no combate à determinada praga, já a do Ibama e a da Anvisa, respectivamente, analisam o impacto ambiental e o risco do agrotóxico para a saúde humana e segurança. Ainda assim, no Brasil, a classe de agrotóxicos neonicotinoides ainda é utilizada sem restrições. Savicki afirma que isto se dá porque estas duas últimas avaliações são atualmente realizadas de forma branda e algumas vezes, ineficaz. A situação, de acordo com a pesquisadora, ainda há de piorar com o Projeto de Lei 6299/2002, que trâmita no Senado. Conhecido como “PL do Veneno”, o projeto de lei é de autoria do atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi, e prevê a criação da Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CTNFito), que retira do Ibama e da Anvisa a responsabilidade de realizar o processo de avaliação dos produtos, facilitando o processo de regulamentação e, consequentemente, aumentando a disponibilidade de uma maior gama de agrotóxicos no mercado brasileiro. O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos em todo o mundo. De acordo com dados divulgados pelo Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva (Inca) e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, o consumo de agrotóxicos do país ultrapassou em 2009, 1 milhão de toneladas por ano, o equivalente a um consumo médio de 5,2 quilos de agrotóxicos por habitante. Dados da Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal (Iagro), divulgados na cartilha “Abelhas X Agrotóxicos” apontam que o consumo de agrotóxicos no país teve um aumento de 700% nos últimos 40 anos. Outra grande dificuldade para a realização de pesquisas em relação ao desaparecimento das abelhas, e consequente o desenvolvimento de políticas públicas neste sentido, é a falta de registros sobre os 45


casos. O artigo “Enfraquecimento das abelhas: há casos de CDD no Brasil? ”, publicado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), constata que, até o início dos anos 2000, não havia registros sobre a perda de colônias da abelha africanizada em grande escala. Em 2007, entretanto, o número de apicultores constatando o desaparecimento em seus apiários têm aumentado. Ainda assim, os registros destas ocorrências, em sua maioria das vezes, não são formalizados, dificultando a obtenção de dados exatos que determinem a gravidade e o alcance do problema. O Distúrbio do Colapso das Colônias faz referência ao desaparecimento das abelhas, que saem à campo e não retornam à colônia, mas há também inúmeros casos que relacionam a morte de enxames inteiros dentro das próprias colmeias com os agrotóxicos. Visando solucionar a questão, a organização Bee Or Not To Be lançou o aplicativo “Bee Alert”, uma plataforma que possibilita que apicultores, meliponicultores e a comunidade científica registrem ocorrências de desaparecimento e morte de abelhas. O principal objetivo do aplicativo é que as ocorrências contribuam para a melhor identificação das causas e formação de um senso após estudos. Em três anos, de 2013 a 2016, foram registrados 247 casos de desaparecimento ou mortandade de abelhas no país através da ferramenta. No Mato Grosso do Sul, sete casos de mortandade já foram registrados pela Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal (Iagro). Os apicultores perderam, em média, 10 colmeias em cada um dos casos. Cada colmeia possui cerca de 50 mil abelhas. Para a coordenadora do Programa de Sanidade Apícola (PNSAP) da Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal (Iagro) e médica veterinária Noirce Lopes, o grande problema na questão estadual é que, por fazer fronteira com a Bolívia e o Paraguai, é facilitado o tráfico de produtos não regulamentados no Brasil. Os produtores rurais também muitas vezes não seguem as instruções determinadas por lei quando se trata da pulverização destes produtos químicos. 46


O Ministério da Agricultura da Pecuária e Abastecimento (MAPA) estabelece que as empresas de aviação agrícola adotem alguns parâmetros de segurança durante a pulverização aérea. De modo geral, os produtores devem respeitar a temperatura máxima de 30 ºC, umidade relativa de 50% e a velocidade do vento máxima em 10km/h. A pulverização aérea, por exemplo, é uma pratica corriqueira nas lavouras brasileiras e é também considerada um tanto perigosa. O relatório “Perigos do Neonicotinoides”, divulgado pela Organização Não Governamental Greenpeace estima que os agrotóxicos se espalhem além da lavoura-alvo, causando um desperdício de ao menos 30%, que pode chegar a 70% em alguns casos. É a chamada “deriva” da pulverização. O recomendado pela Iagro é que se instale o apiário com ao menos 5 quilômetros de distância da área de lavoura. Lopes conta que muitas vezes os apicultores nem sabem da existência da lavoura próxima ou não imaginam os perigos do uso dos agrotóxicos para as abelhas. - Quando a pessoa está desesperada para salvar a lavoura, ele não quer nem saber da umidade do ar, mas tem como a gente provar em alguns casos a irregularidade. Essas medidas são eficazes para evitar uma quantidade maior do que se deseja na lavoura. Agora, os que estão muito próximos da lavoura nem isso adianta – afirma a médica veterinária. No início de 2017, a Iagro criou o Comitê Interdisciplinar para a Gestão de Denúncias com Agrotóxicos (CIGED), com o objetivo de verificar as denúncias de irregularidades com produtos químicos utilizados na área rural do Estado. De acordo com a fiscal estadual agropecuária do órgão, Glaucy Ortiz, essas denúncias atingem diversos setores – há casos de animais e até pessoas intoxicadas por estes agroquímicos liberados pelo avião. O maior empecilho para uma fiscalização mais eficaz dos agrotóxicos no Estado, de acordo com Glaucy, é a falta de estrutura 47


para a análise dos dados. A médica veterinária Noirce Lopes concorda com a colega, e diz que o ideal seria ter um centro com laboratório oficial, que a entidade ainda não possui. - O trabalho tem que ser de conscientização, porque chega na hora que a gente vai colher o material e não tem um laboratório oficial que possa fazer a análise, é uma lacuna também. Qualquer doença, para ser comunicada, a gente tem que enviar o laudo credenciado para que ele seja considerado e neste momento nós não temos este laudo – diz, e completa afirmando que, por enquanto, os laudos são informais e analisados em laboratórios particulares. Lopes também afirma que grande parte dos apicultores do Estado de fora praticam a atividade informalmente dentro de fazendas de produtores rurais do Estado, que a profissional classificou como “manancial da apicultura migratória”. Isto também impede que muitos dos apicultores denunciem os casos às entidades responsáveis, dificultando a coleta de dados para a busca de soluções definitivas. - Quando se comunica formalmente, a gente tem que ir até a propriedade em questão e falar com as pessoas desta propriedade. Aí eles pensam “ah, se é pra me incomodar, eu não vou deixar esses apicultores entrarem”, e esses apicultores não querem perder o negócio, então não denunciam – explica Lopes, que também afirma que os produtores rurais do Brasil ainda não adquiriram a compreensão de que a apicultura pode aumentar a produtividade de suas plantações.

Na contramão do agronegócio Além da necessidade das árvores intactas para uma devida produção de mel, a presença de colmeias em qualquer bioma promove a manutenção da polinização, processo essencial para a manutenção da biodiversidade da flora e também essencial para nossa própria sobrevivência. Dependemos delas para sobrevivermos, dependemos 48


da polinização. Enquanto os agrotóxicos são responsáveis por tantas mortes, a polinização é responsável por toda a vida. Em resumo, a polinização é a transferência de células reprodutivas masculinas, localizadas no pólen, para o receptor feminino. O processo garante a fecundação de plantas e, assim, a reprodução de importantes espécies da flora. De acordo com dados da campanha Sem Abelha Sem Alimento, da Organização Não Governamental (ONG) Bee or Not to Be, cerca de 1/3 de todos os alimentos em nossa mesa se devem a este processo, que também é realizado por outros agentes, mas a abelha é considerada a principal. Segundo a mesma organização, 85% das plantas com flores presentes nas matas e florestas, dependem, em algum momento, de polinizadores para a reprodução e 70% de todas as culturas agrícolas do mundo também dependem dos agentes. De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), das 141 espécies de plantas cultivadas no país para alimentação, produção animal, biodiesel e fibras, 60% dependem da polinização animal.

Variedade de alimentos com abelhas (esq.) e sem abelhas (dir.) (Fotografia: Whole Foods Market)

A pesquisadora Fernanda Savicki comenta que o impacto na diversidade da alimentação seria imenso sem as abelhas. - Nossa alimentação mundial já está cada dia mais padronizada. É a monocultura da alimentação. Se a gente pensar que 200 anos atrás a gente se alimentava em média de 300 alimentos diferentes e hoje em dia a base da alimentação mundial está restrita a 30 alimentos, e destes, toda a população mundial se alimenta de apenas seis cereais, 49


que compõem a alimentação de todo o ser humano, e ainda a gente começa a diminuir a diversidade com a perda das abelhas, então a gente vai restringir cada vez mais a variedade alimentar – lamenta. E sem variedade alimentar, conclui a pesquisadora, o resultado é desnutrição. A apicultura é uma atividade essencialmente ecológica, diferentemente da pecuária extensiva e das grandes lavouras promovidas pelo agronegócio. A criação de abelhas depende da flora, assim, o desmatamento, o uso intensivo de agrotóxicos e a implantação de grandes campos de monocultura são fatores maléficos não apenas ambientalmente, mas também economicamente para atividade do apicultor. Em terras de agronegócio, a preservação da flora, fauna e biodiversidade dos biomas ficam em segundo plano e a apicultura aparece como atividade naturalmente defensora do sistema na qual está inserida. Caso o apicultor descuide do equilíbrio ecológico do ambiente em que se encontra, não há produção de mel. - O apicultor é um defensor da natureza por interesse próprio, porque ele precisa da vegetação, das árvores, para as abelhas produzirem – resume o engenheiro florestal Armin Beh. Assim, a atividade e negócio apícola passam a se caracterizar como uma rede de economia solidária, onde o impacto ambiental do ser humano ao extrair algum produto é mínimo e, por vezes, benéfico. O Pantanal, área imprópria para o cultivo agrícola e de clima e condições peculiares, é resguardado dos agrotóxicos que matam mais do que os fungos nas lavouras que ocupam a maior parte do Mato Grosso do Sul. Por isso, o que antes era uma dor de cabeça aos assentados rurais do Taquaral, se torna uma vantagem em relação às outras regiões do Estado. A apicultura desponta como opção econômica e como forma de preservação do meio ambiente e do Pantanal. O Pantanal é considerado a maior área contínua inundável do planeta e é formado por uma planície localizada no centro da América do Sul, com aproximadamente 200.000 km². 85% desta planície está 50


localizada na região Centro-Oeste do Brasil - Mato Grosso do Sul, com 65% e Mato Grosso, com 35%. Algumas áreas menores da Bolívia e do Paraguai também incluem o Pantanal. A maior parte da área é ocupada por propriedades particulares através da pecuária de corte, atividade exercida há 200 anos no sistema extensivo de produção. Nos últimos anos, entretanto, têm crescido as pressões por aumento de produtividade dentro destes locais pela criação de bovinos exclusivamente no pasto, além da utilização de mais insumos. Esta necessidade não pode ser suprida dentro do ecossistema pantaneiro por conta de suas restrições climáticas e ambientais. Estes também acarretam em mais custos com mão de obra e inacessíveis aos pequenos produtores rurais. Como constata o pesquisador da Embrapa Pantanal, Vanderlei Reis, o Pantanal é considerado um lugar resguardado das lavouras e, portanto, dos inseticidas e da baixa diversidade de flora, tornando-se uma região propícia, comercial e ambientalmente, para a implantação da atividade apícola em maior escala. Além disso, a apicultura é um empreendimento que pode ser desenvolvido a partir de baixos investimentos e custos operacionais e permite a realização da atividade em consonância com atividades agrícolas e pastoreio, como é o caso do assentamento Taquaral. Atualmente, há 19 apicultores cadastrados junto à Iagro no município de Corumbá. Destes, dez são do assentamento Taquaral.

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A atividade no assentamento O apicultor Gustavo Bijos foi um dos profissionais que ajudou os assentados a alavancarem a atividade apícola no local. Bijos é direto ao demonstrar sua confiança de que a apicultura é uma atividade que tem tudo para servir como alternativa de fonte de renda em situações de reforma agrária por ser economicamente viável e pela existência de uma crescente demanda por produtos apícolas no Brasil e no restante do mundo. Para ele, a apicultura no Mato Grosso do Sul tem um potencial maior do que muitos dos estados brasileiros. Entre os motivos, cita o fato de ser um estado de grande extensão e pouco populoso, com apenas 79 municípios, incluir três biomas - Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica -, fazer fronteira com outros dois países e ter acesso a estados do Sul e do Sudeste do Brasil. A profissionalização da atividade, contudo, é uma conquista recente no estado, explica. O apicultor afirma que após visitar o trabalho de outros apicultores no sul do Brasil, anos atrás, percebeu que a atividade tinha muito a evoluir em manejo nas terras sul-matogrossenses. - Infelizmente, nós temos poucos apicultores no estado, não chegam a 800, então a produção total também é pequena e o que a gente tem que fazer daqui pra frente é aumentar a produção de mel. Se quadruplicasse a nossa produção, que é de aproximadamente 800 toneladas por ano, se fosse para 3200 toneladas ano, ainda não atenderia o mercado. Nos próximos 25 anos, já tem estudo de mercado no Brasil na apicultura que mostra que a demanda por mel vai triplicar também, ou seja, a gente não tá atendendo nem agora e em 25 anos ela vai triplicar. Ou seja, nós não teremos mais mel suficiente pra atender esta demanda, então são 25 anos de pleno mercado pra todo mundo: entrepostos, produtores, enfim, todo mundo. O que você produzir de abelha tem venda – diz. Um dos grandes problemas identificados dentro do 52


assentamento é a atividade dos chamados “meleiros”. A atividade consiste em recolher o mel de enxames da natureza e não criados em caixa. É considerada uma atividade predatória pois faz as abelhas abandonarem suas colmeias e migrarem para outras áreas, afetando o sistema de polinização da região. Um dos meleiros, que não quis ser identificado, ao ser questionado sobre o porquê de não buscar o manejo racional das abelhas, afirmou que o maior empecilho são os custos. Sua esposa, responsável por vender o produto em Corumbá, entretanto, conta que o lucro é certo e o trabalho é menor. - A gente chegou a vender por 40 reais o quilo desse mel já, e o pessoal gosta mais porque acha que é mais natural – diz. Os impactos da atividade já foram sentidos até mesmo pelos próprios meleiros. A mesma fonte afirmou que o trabalho tem ficado cada vez mais difícil já que o número de enxames tem diminuído. - Antes a gente achava aqui por todo o lugar, agora não mais – afirma. A atividade pode, de acordo com comunicado da Embrapa Pantanal, causar incêndios e eliminar enxames inteiros durante o processo de retirada do produto, além de ser considerado perigoso para a pessoa envolvida. Esta prática, entretanto, tem sido desestimulada pelos próprios assentados que buscaram a profissionalização da atividade na apicultura, uma maneira sustentável de extrair o mel das abelhas da região. A fiscal estadual agropecuária da Iagro, Noirce Lopes, afirma que os apicultores com mel certificado devem fazer um trabalho mais intensivo de marketing para “desbancar” este mel clandestino. - É uma tarefa do apicultor acabar com este mel irregular. afirma.

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Do primeiro curso à associação Foi no ano de 1997 quando a Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade católica historicamente ligada à luta pela terra, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) deu o primeiro curso básico de capacitação em apicultura no assentamento Taquaral. Um grupo de cerca de 15 pessoas participou do curso. Depois disso, muito se passou até que o trabalho com a apicultura se fortalecesse e chamasse a atenção no assentamento. Com o fim do curso, os assentados buscaram financiamento do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) para a aquisição de equipamentos - colmeias, fumegador, cera, faca, balde, vestimenta e outros. Equipamentos básicos da apicultura Colmeia: É a caixa de madeira onde são instaladas as abelhas. Fumegador: Utensílio que permite a aplicação de fumaça nas abelhas como forma de diminuir a agressividade do enxame e realizar o manejo. Centrífuga: Equipamento de metal responsável pela extração do mel. Cera: Material produzido pelas abelhas e utilizado no manejo para aumento da produtividade. Vestimenta: Serve de proteção ao apicultor contra possíveis ferroadas. Faca: Utilizada para destampar os favos e retirar o mel. O curso, disponibilizado pela CPT, era feito pela Associação de Apicultores do Pantanal (APAN). O ministrante, um oficial da reserva militar, logo convidou os assentados a se juntarem à associação para reativá-la, visto que se encontrava parada. - Pessoal se animou, parecia que ia andar a coisa legal e acabou não andando. O indivíduo só vinha com promessa, mas não fazia – 54


conta Valdinei, um dos participantes da capacitação. Com a falta de retorno financeiro imediato, boa parte do grupo acabou desanimando com a atividade apícola. Não foi o caso de Valdinei, de 37 anos, que desde que fez o curso, com apenas 17 anos, já sabia que trabalharia com isso. - Fazer o curso é uma coisa, a prática é outra – afirma. O assentado constata que havia e ainda há a necessidade de um acompanhamento técnico rotineiro junto aos apicultores assentados para que estes aprendam a tornar o manejo mais produtivo. Mais uma vez, o ânimo dos assentados se esvaiu, dando lugar à insegurança e à decepção. Enquanto isso, a Associação de Apicultores do Pantanal (APAN) ia de vento em pompa, de acordo com Valdinei. Já tinham captado recursos e já construído um entreposto em Ladário com todos equipamentos necessários. Somente cerca de 15 anos depois, os assentados do Taquaral conseguiriam o mesmo. - Você faz o curso, aí tem uma associação que diz que vai ajudar, organizar e estruturar e cadeia de produção, mas nada disso acontece – lamenta Valdinei. Apesar disso, a instituição pioneira na implantação da atividade na região, a CPT, ainda apoiou o grupo. Questionado sobre a atuação do órgão junto à atividade dos assentados, Valdinei não hesita em responder: - A CPT foi a que mais ajudou a gente, que trouxe muita coisa, deles a gente não pode reclamar. Eles foram os que sempre incentivaram a gente, desde a época do assentamento, e sempre tão ajudando. Inclusive, em 2011, furaram um poço de 206 metros pro pessoal, faziam compra, palestra referente à educação e saúde no campo pros assentados – diz. Algum tempo depois, em 2002, os jovens dos assentamentos rurais de Corumbá - Taquaral, Paiolzinho e Tamarineiro - se uniram e criaram o grupo “Jovens Unidos Pela Mãe Terra”. O nome já dizia muito sobre o grupo, que tinha como objetivo organizar a juventude do local para encontrar formas de impulsionar as atividades desenvolvidas 55


pelos assentados como fonte de renda – entre elas, a atividade apícola. Ao todo, somavam cerca de 50 integrantes que buscavam também incentivar a permanência dos jovens nos assentamentos da região. Com o trabalho, o grupo identificou que um dos fatores que mais influenciava na saída da juventude do assentamento era a deficiência na fonte de renda. Neste contexto, criaram uma feira para comercialização dos produtos provenientes do assentamento. A feira acontecia duas vezes por semestre na Praça da Independência, na cidade de Corumbá. Com dificuldades para a captação de recursos e necessidade de uma maior organização através de uma pessoa jurídica, em 2011, os jovens do grupo decidiram fundar a Associação dos Apicultores da Agricultura Familiar de Corumbá (AAAFC). As associações são organizações sociais que desenvolvem atividades econômicas tendo como princípio a gestão democrática das organizações como objetivo a cooperação mútua dos associados para o aumento do leque de possibilidades econômicas para o ramo. No caso da AAAFC, o associativismo permitiu uma melhor e mais eficiente organização do grupo de apicultores amadores para a implementação de um trabalho que pudesse vir a se tornar uma fonte de renda significativa dentro do contexto no qual os assentados em questão estão inseridos. Em 2013, a associação submeteu um projeto para captar recursos de uma ação de participação social da mineradora Vale e captou 20 mil reais para a aquisição de equipamentos. No mesmo ano, um novo curso na área foi realizado no assentamento através do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e a Secretaria de Produção Rural de Corumbá com o objetivo de atrair novos interessados. Em 2014, se deu o início da construção da Casa do Mel, hoje o primeiro entreposto certificado do município de Corumbá. A obra foi realizada por meio m de uma parceria com a Universidade Federal de Dourados (UFGD) após Vanderlei da Conceição, irmão de Valdinei, realizar um projeto de Residência Agrária que previa a utilização de recursos da universidade para uma ação na área rural. O restante da obra foi subsidiado com recursos dos próprios apicultores, já que não 56


conseguiram apoio com outras entidades. Em 2015, um projeto financiado pelo Governo do Estado com apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas e Micro Empresas (Sebrae), o chamado Arranjo Produtivo Local (APL), permitiu a realização de um acompanhamento técnico ministrado pelo apicultor Gustavo Bijos, então presidente da Federação de Apicultores e Meliponicultores de Mato Grosso do Sul (FEAMS), e realizado durante o período de um ano no assentamento. Atualmente, a associação conta com o Selo de Inspeção Municipal (SIM), considerado pelos associados uma grande conquista. É um avanço do produto em relação ao leite in natura comercializado por grande parte dos assentados, que não possui um laticínio, e é vendido irregularmente na cidade de Corumbá. De porta em porta, como faz Luíz, pais de Valdinei A associação também promove o transporte, classificação, envasamento e comercialização dos produtos de forma individual e coletiva. O grupo possui oito caixas coletivas e na soma dos associados, que hoje são quinze, o número ultrapassa as 100 caixas. Apenas no ano passado, a entidade produziu mais de 4 mil quilos de mel. Apesar dos avanços, não são poucas as dificuldades que os assentados ainda passam. Praticamente todo o mel retirado no ano passado está ainda guardado em uma salinha no entreposto. Para o tesoureiro e um dos pioneiros da associação, Valdinei, as maiores dificuldades são em viabilizar recursos para a entidade ir para frente. A manutenção de um veterinário, por exemplo, só foi possível graças a uma parceria com a Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), que disponibilizou um profissional e possibilitou a obtenção do Selo Municipal de Inspeção (SIM). O selo determina a obrigatoriedade de ao menos um profissional de veterinária junto à equipe de inspeção, que deve realizar visitas periódicas ao local. - Inclusive, acho até que essa lei é meio atrasada, eu sou biólogo e apicultor e deveria poder assinar por isso – diz Valdinei, que afirma que acha que os órgãos governamentais deveriam dar uma maior 57


assistência à trabalhos como o da associação, visto o custo alto de equipamentos da atividade e a manutenção de profissionais como médico veterinário para a obtenção do selo. - O que falta é isso, investimento, acompanhamento técnico, se tivesse isso...olha essa natureza nossa, que local do Brasil tem toda essa vegetação silvestre que pode tá produzindo mel de qualidade, com um sabor único no país? – completa. Gustavo Bijos reforça a opinião de Valdinei. Para o apicultor, o ideal seria a existência de um programa fixo, que não mudasse a cada governo, de acompanhamento técnico dos assentados rurais não apenas na apicultura, mas também em outras atividades com capacidade de vir a se tornar uma fonte de renda dentro do assentamento. - O que a gente tem hoje são programas de um ano ou no máximo três anos de atendimento, e esse programa então é encerrado e você não tem condições mais de poder continuar a fornecer uma assistência para eles. Essa assistência que tem que ser constante e não é em três anos que você muda uma realidade dentro da apicultura porque ela sofre influência, assim como a agricultura, do clima – afirma. Bijos explica que as variáveis do clima produzem um efeito direto na produção agrícola e apícola e, por este motivo, é necessária a orientação constante destes assentados para se adaptarem da melhor forma possível nos períodos de safra e entressafra. - Essa descontinuidade, essa mudança do pessoal que tá liderando o processo, às vezes a cada seis meses muda o coordenador de um programa, tem prejudicado muito esse desenvolvimento e principalmente pra esse pessoal porque quem tem condições vai, faz um curso, estuda pela internet, mas e quem não tem acesso a essas informações? Hoje, a associação conta com a assistência esporádica de organizações governamentais e depende muitas vezes da elaboração de projetos para captação de recursos específicos, às vezes negado, como no caso do entreposto. O engenheiro agrônomo e responsável pelo setor de apicultura 58


da Empresa Brasileira de Agropecuária do Pantanal (Embrapa Pantanal), Vanderlei Reis, afirma que a atuação do órgão se deu dentro do limite do possível. Periodicamente, uma equipe da instituição faz visitas aos assentamentos e propões algumas ações na área de apicultura. - Fizemos projetos, várias ações da capacitação em paralelo com os cursos de formação deles. Também colaboramos com a elaboração de projetos para captação de recursos, afirma. Para o engenheiro, a maior dificuldade em manter uma atuação mais satisfatória dentro do assentamento é a mobilidade dos funcionários, visto que os membros da instituição, de acordo com Vanderlei, se mudam com grande frequência. - Mas de toda maneira, sinceramente, vários colegas aqui vêem a apicultura como exemplo de sucesso. A questão é que as demandas lá são muito maiores do que a Embrapa Pantanal pode atender e aí eu posso estender a outras instituições. A questão é que o montante de recursos é limitado mas óbvio que muitas coisas vão sendo melhoradas ao longo do tempo, diz. Vanderlei também afirma que mesmo não sendo o ideal, o trabalho da Embrapa é de grande valia, ainda que alguns dos assentados não o reconheçam. - Às vezes o resultado ali não é tangível, não é “ah coloquei cem reais e esse dinheiro vai possibilitar tal coisa”, é a capacitação, o conhecimento técnico, que são bens intangíveis e não são bem reconhecidos. O que é palpável é que dão mais valor - conclui. Uma das esperanças do grupo técnico da apicultura da Embrapa é a implantação do recém-criado selo de Identificação Geográfica, o “Mel do Pantanal”. O Mel do Pantanal é o primeiro selo de mel com indicação geográfica do mundo. O certificado é registrado e emitido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) desde 2015 e para consegui-lo, o apicultor deve passar por uma série de protocolos que ainda estão 59


sendo definidos. Bijos, que foi presidente da FEAMS, afirma que o grupo tem se reunido e logo darão início aos procedimentos que permitam o recebimento do selo pelos apicultores sul-mato-grossenses. Ele afirma que, por conta da inexperiência com selos de identificação geográfica, houve uma grande dificuldade para definir os critérios adotados que irão barrar as falsas indicações de origem e de qualidade inferior. O apicultor afirma que o Governo do Estado irá suprir com um acompanhamento inicial para que os cadastros sejam feitos de maneira correta. Para ele, a ideia é que um dia a AAAFC tenha condições de se enquadrar nos protocolos exigidos para a obtenção do selo. Com isso, a valorização do mel do grupo atingirá um novo patamar. Bijos afirma, entretanto, que é importante ressaltar que o selo foi criado com o principal objetivo de ser uma ação pela preservação do Pantanal. A valorização comercial de tais produtos é apenas uma consequência benéfica. Por enquanto, Valdinei ainda não conta com a obtenção do selo para associação. - A gente ouve muito falar, mas só isso, sabe? - diz Valdinei, como quem busca não levantar suas próprias expectativas e se decepcionar, mais uma vez. Hoje em dia, os assentados do Taquaral vendem o mel da associação por 30 reais o quilo. Não vendem o mel por atacado e também não têm pretensão de realizar a apicultura migratória, onde as colmeias são transferidas para diferentes locais e floradas do Estado. - A gente não sabe direito o impacto disso para o ecossistema, tem que ter cuidado – afirma Valdinei. Atualmente, a associação conta com quinze associados, e a maioria utiliza a apicultura como fonte de renda complementar.

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Histórias de vida

Muitas são as histórias dos assentados que em dado momento optaram pela criação de abelhas para complementar a renda ou mesmo sobreviver dela em meio à tantas dificuldades impostas pela localização do Taquaral. Alguns dos assentados desistiram da atividade pela falta imediata de retorno financeiro. Alguns, voltaram após a constituição da associação, que oferece significativo suporte material para a prática. Outros, insistem na produção de mel como meio de vida desde o primeiro curso de apicultura dentro do assentamento, em 1997. Hoje, a atividade apícola vem se consolidando de maneira significativa dentro do assentamento, que tem sido usada como exemplo para outros assentamentos rurais. O trabalho para se chegar aos resultados satisfatórios, entretanto, não foi pouco. Qualquer atividade que se inicie sem ou com insignificante apoio governamental, em que a busca por instruções, 63


conhecimento e para adquirir técnica dependa essencialmente dos próprios assentados conta com suas dificuldades e anda a passos mais lentos do que uma atividade iniciada por um fazendeiro com grandes posses de terra. Contarei aqui algumas das variadas histórias de habitantes de um dos assentamentos brasileiros, que são tão dificilmente conquistados por seus assentados. São histórias de trabalhadores que não desistiram do assentamento ou o escolheram, mesmo após verificadas as dificuldades de se viver em um lugar sem condições de trabalho agrícola, com lotes menores do que o necessário e sem acesso à água. A apicultura é uma atividade exercida, em grande maioria, por homens. No assentamento, a situação é a mesma, com algumas poucas exceções. É importante ressaltar, entretanto, que as mulheres das famílias são essenciais no apoio de todas as atividades do assentamento, tomando conta da casa, plantando e sendo as responsáveis pelas vendas dos produtos. Mesmo que se dê maior ênfase ao relato dos homens apicultores neste trabalho, reconheço que estas histórias são das famílias e as mulheres tem um papel tão significativo quanto os homens, que vão à campo na apicultura, para que o negócio dê frutos.

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Valdinei

Valdinei, e seus pais, Edna e Luíz

"Sabe, prum bom viajante nada é distante Prum bom companheiro Não conto dinheiro Existe uma vida Uma vida vivida Sentida e sofrida De vez por inteiro E esse é o preço pra eu ser brasileiro" (Peão/Almir Sater)

Valdinei da Conceição, filho de Edna e de Luiz, consta nos documentos como ocupante do cargo de tesoureiro da diretoria da Associação de Apicultores da Agricultura Familiar de Corumbá 65


(AAAFC). Na prática, entretanto, suas atividades excedem e muito o tratamento das finanças do grupo. Se enxergarmos a organização como um corpo humano, Valdinei seria o coração. De 36 anos, estatura baixa e corpo magro, herdou a disposição invejável para trabalhar dos pais e, como eles, aparenta menos idade. Me recebe de bom grado, como quem está contente por contar a história da associação pela qual lutou e ainda batalha tanto para dar frutos. Enquanto percorre comigo as estradas do assentamento em uma moto, me conta com familiaridade de quem cresceu no lugar, algumas das histórias dos sítios pelos quais passamos no caminho. - Esse aqui, o dono foi embora faz uns dois anos, até chegou a comprar uma caixa de abelha, mas não trabalhou com isso não – conta, apontando com a cabeça para um casebre com aparência de abandono ao fundo de um sítio no caminho. Durante as viagens de moto, enquanto me leva aos sítios de outros apicultores, também relembra algumas histórias antigas da fazenda que virou o assentamento no qual cresceu. Em alguns momentos, é difícil acreditar que ainda estamos dentro do assentamento - as casas se escondem nos fundos dos sítios, o mato toma conta da vista e as estradas vão ficando cada vez mais difíceis de passar com a moto. Uma chuva da noite interior tomou o espaço dos carros e carroças na área do assentamento mais afastada da cidade, a Agrovila 1. A água é tanta no caminho que quase não acredito que a moto pode passar. Mas Valdinei conhece, e minimaniza a questão. - Em época de cheia, a água aqui fica corrente – diz, entretido com meu espanto. Em todo o trajeto, acena e cumprimenta os assentados que aproveitam o domingo sentados em frente às casas dos sítios. Conhece todos e também suas histórias. Chegou ao assentamento novo, com apenas 8 anos. Nasceu no Paraguai, na época que seus pais foram trabalhar no país, e relembra do local com nostalgia e saudade. Mesmo novo, percebera que a terra era diferente no novo assentamento: não lembrava em nada a fartura 66


de frutos e verduras que viu seu pai cultivar no país vizinho. Viu sua mãe ter de trabalhar como diarista na cidade e seu pai como mão de obra em uma transportadora, desistir do cultivo e comprar suas primeiras cabeças de gado para garantir o sustento da família. Teve a oportunidade de sair do assentamento, por diversas vezes, mas sua conexão com o meio ambiente e o anseio por trabalhar com os reinos que dividem o planeta com a humanidade eram mais fortes. Participou do curso de apicultura em 1997, com 16 anos, e desde então, a vontade de trabalhar com as abelhas persiste. Após se formar no Ensino Médio, serviu um ano na Marinha. Ao retornar, cursou biologia na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), campus de Corumbá, e trabalhou por dez anos como agente de saúde do posto de saúde do assentamento, enquanto organizava, junto aos outros jovens e interessados, a associação e a atividade apícola no local. Mesmo com as ondas de desânimo que atingiam os iniciantes da atividade, nunca deixou de dedicar parte de seu tempo às abelhas. Para isso, contou com todo o apoio de sua família. - Meu pai ficou animado na época do curso, fez um projeto no banco, comprou dez caixas e uma centrífuga – conta. A centrífuga é o equipamento mais essencial na produção do mel, já que é responsável por “sugar” o produto dos favos. Hoje, o entreposto, lugar de extração e envase do produto, fica em frente à residência da família, na Agrovila 2, mas esta conquista foi feita apenas um bom tempo depois. Desde a criação da associação, em 2011, muitos projetos foram elaborados, alguns negados, outros não, até a chegada do mel certificado com o nome da associação nas casas da cidade de Corumbá. Após a primeira capacitação, Valdinei iniciou suas aventuras no mundo das abelhas, e adverte que simples não foi e ainda não é. Começou a atividade no “brutal”, como chama, pegando mel de tronco em árvore – era meleiro, como muitos outros assentados. Com a busca por conhecimento na área, após muita ferroada de abelha e vários outros cursos de capacitação, hoje tem 60 caixas, que representam grande parte da produção da associação. Mas ainda define o caminho como longo e diz, sobre a profissão de apicultor: 67


- Sempre tive uma vontade. Fui até fazer um curso de cosmetologia, aprendi a fazer sabonete, tudo isso. Quero mexer com os produtos derivados da abelha, que dá dinheiro, mas falta material ainda...morar fora de um grande centro é difícil, lá em Campo Grande, por exemplo, você acha álcool 70 fácil, aqui um vidrinho custa 15 reais e pra fazer esses produtos precisa de tambor de 15, 20 litros, então dependo dessas coisas – comenta. Entusiasmado com a atividade desde o início, foi de seu bolso que saiu parte do dinheiro que construiu o entreposto também. Além do financiamento dos projetos de seu irmão, que somaram 8 mil, o restante da construção foi bancado por Valdinei. - Esse menino trabalha demais, é muito gasto mexer com essas coisas também – diz sua mãe, Edna em dado momento, com um tom de indignação, mas também de orgulho. Em 2013, deu um impulso maior à atividade. Gustavo Bijos, à época presidente da Federação de Apicultores e Meliponicultores do Mato Grosso do Sul (FEAMS), o convidou para participar de um curso técnico em Campo Grande. - Fui fazer o curso e quando cheguei lá vi aqueles caras falando de técnica de manejo, aquelas coisas todas e eu pensei que nosso trabalho tava bem para trás – conta Valdinei, que também critica um trabalho realizado pela Embrapa Pantanal, que visava avaliar os impactos negativos dos meleiros e atividade apícola sem manejo racional. - Mas nunca vinham e davam um tanto de cera para fazer pupa (abelha em fase larval), nem um quilo de açúcar, nada – diz. Hoje, Valdinei segue animado com a atividade e quer expandir ainda mais seu negócio. Atualmente concilia seu trabalho como professor em um projeto de ecologia e educação ambiental em uma escola da Rede Estadual, em Corumbá. Busca, através das abelhas, despertar a consciência ambiental dos alunos. Tem planos de levar toda a sua turma para seu sítio no Taquaral em uma aula sobre as abelhas nativas sem ferrão. Lá, possui cerca de dez caixas destas, que são de 68


fácil manejo e não apresentam riscos de picadas nos jovens. Apesar de dedicar boa parte de seu tempo ao projeto, garante que não deve ficar mais de um ano, já que quer se dedicar exclusivamente à apicultura, sua maior paixão. Como biólogo e amante da natureza, reconhece a atividade como de grande importância para o planeta. Também questiona os incentivos da Embrapa na implantação da apicultura migratória, por não ainda saber o impacto ambiental de tal atividade – tanto na flora quanto para as abelhas nativas da região em questão. Por conta do clima impróprio da região para a prática agrícola, a região pantaneira acabou se tornando um local preservado para as abelhas, já que não possui uso intensivo de agrotóxicos e monocultura. Valdinei afirma que também acredita que os transgênicos têm uma ligação direta com o desaparecimento das abelhas. De acordo com o biólogo, o milho transgênico, por exemplo, é modificado para combater a lagarta do cartucho e este pólen acaba sendo alimentação da abelha em fase larval, levando-a à morte. - Também tem a monocultura, eu acredito que com a escassez de pólen, que alimenta a cria, vai afetando. Se não tem pólen de qualidade, vai eliminando, seria tipo uma seleção genética forçada pelo homem. Por tais motivos, a atividade apícola no Pantanal se mostra, para Valdinei, como um trabalho de extrema importância para a manutenção da vida das abelhas e preservação do bioma como um todo. - O trabalho aqui acaba sendo bem importante, mas também desafiador. Se você trabalha no Sul e chega aqui com 200 colmeias, desiste da atividade. Aqui a flora é atípica, o clima é diferente, não é fácil, é desafiador, eu tô aprendendo aqui na prática. Pode até produzir menos mel, mas pra entrar aqui tem que ter uma boa noção do clima, da região – diz. Hoje, Valdinei segue seu trabalho com as abelhas, incentivando outros assentados apicultores e acreditando que, em pouco tempo, 69


todo seu investimento financeiro e energético valerá a pena. Enquanto não tem todos os resultados que ainda busca, tenta ensinar o que sabe sobre ecossistemas, meio ambiente e a importância da preservação da vida, seja ela humana ou não, aos estudantes de Corumbá. Mesmo quando o desânimo bate, Valdinei não considera a opção de desistir de plantar sementes que germinarão em consciências, capazes de tornar o mundo mais cooperativo. Faz isso tanto em seu trabalho no assentamento quanto em seu trabalho na cidade.

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Adilson e Maria

Adilson, Maria e o filho, Ismael

"Quando eu morrer, que me enterrem na beira do chapadão -- contente com minha terra cansado de tanta guerra crescido de coração." (Guimarães Rosa)

Na varanda da casa verde onde moram, duas caixas de abelha jataí denunciam um dos trabalhos realizados por Adilson de Jesus Vieira e por sua esposa, Maria Vieira. As caixas sujas de “Jateí”, como são chamadas pelo assentado, são circuladas pelas abelhinhas que de manhã realizam seu trabalho diário de buscar pólen e néctar para sobreviver. Móveis e roupas se encontram espalhados pela varanda. É dia de arrumação da casa. Um poço d'água sombreado por um telhado ao lado da casa é 71


símbolo da resistência às dificuldades que a família passou. Água, no assentamento, é privilégio. Antes de iniciar a entrevista, os dois se desculpam pela “bagunça” da casa e me oferecem a única cadeira com encosto do local para sentar. Maria, dois minutos depois de minha chegada, aparece na varanda onde converso com seu marido, com copos para todos de suco de limão natural. - Pra aliviar um pouco do calor – diz, enquanto me oferece o suco. Atenciosa como o esposo, começam a me contar a história da família. Os dois paranaenses, apesar de nascidos no mesmo Estado, só vieram a se conhecer no antigo acampamento de Santo Inácio, já no Mato Grosso do Sul. Antes disso, a família de Adilson foi para o Paraguai, onde seu pai trabalhava como arrendatário de terras. - Falaram que ia cortá terra no Brasil, aí já saímo de lá do Paraguai. Fiquemo primeiro em Eldorado, numa base de um ano e três meses, até 1986. Aí de lá nós viemos pro Santo Inácio, onde fiquemo por mais um ano e seis meses, por aí. Aí quando foi 89 pra 90 nós veio direto pra cá, aí nós tá aqui até hoje - conta Adilson, um homem alto de 44 anos e de braços largos, resultado do trabalho braçal na terra. À época, Maria, com 14 anos e Adilson, com 17 anos. - A família teve até que assinar uma autorização pra eu vir com ele - conta Maria, rindo com a lembrança. Ainda no acampamento, resolvera se separar da família e seguir o amado para o Taquaral. Hoje, após 27 anos de luta e construção da vida em seu sítio, localizado na Agrovila 3, Maria ri e concorda quando o marido diz, enfático: - Daqui, só saio pra passear e voltar rapidão! Tiveram três filhos. Um foi para o cartel, outro foi estudar. Apenas o mais novo, Ismael, continua no sítio dos pais. Para sustentar a família no local, tiveram de reconstruir o modo de vida que seus pais os ensinaram. De família agricultora, Adilson conta das dificuldades de plantio com um tom pouco melancólico, mas otimista por ter encontrado 72


soluções, persistido e dado conta de enfrentar as tantas dificuldades. Ao contar, busca, mesmo que inconscientemente, intercalar o relato de momentos difíceis com algum lado positivo da situação. - A plantação de lá era diferente, a terra é diferente. A terra aqui é muito boa, mas a gente depende de chuva e sol, muita chuva estraga e muito sol também, aí tem que ser controlado. Aqui nós apanhou muito porque não tinha água na época da seca aqui, e principalmente “cheiro verde”, essas coisas de hortaliça... aguado que dá bom. Então tudo nós estranhamos aqui – conta o assentado. Após a tentativa de plantar algodão, como fazia sua família no Sul, veio desistência por conta do preço barato que pagavam. Adilson conta que o valor do transporte para região de Campo Grande e Dourados, onde havia compradores, era alto e não compensava. Milho, feijão, soja... tudo foi se mostrando inapto à Adilson para a plantação no local – as secas e chuvas não deixavam. O assentado procurou soluções, e encontrou. - Aí nós ficamos com produto de feira, de horta. Graças a Deus também compramo uma vaquinha leiteira e depois comecemo a ir pra feira, a ver o foco do outro lado. Aqui é água salobra mas a gente aguando verdura dava bem bom, de qualidade, e não precisa a gente passar veneno, né? Nós aqui é acostumado a chamar de veneno – diz, referindo-se aos agrotóxicos. Água salobra é água doce misturada com água salgada, proveniente dos aquíferos do assentamento. É imprópria para o consumo humano, podendo causar doenças por conta do sal presente na água. O assentado foi um dos cerca de 15 participantes do primeiro curso de apicultura no assentamento, realizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Com o incentivo de Valdinei, retomou o contato com a atividade após um período de afastamento e hoje já a considera a principal de seu sítio, aliada à criação de vacas para produção leite. O assentado explica como encontrou na cidade de Corumbá, com bancas nas feiras, um modo de sobrevivência. Primeiro, com as hortaliças. Hoje, com o leite e o mel. 73


- O mel é uma coisa que tem saída. A gente tem nossos freguês assim e na época do frio, é só por uma banquinha lá e tem vez que vende umas 10 embalagem. Ainda mais quando vem o frio bravo, os corumbaense já dá gripe e aí toma mel com limão, e dá certo – conta rindo. Sempre, ao mencionar alguma conquista sua e de sua família, Adilson também credita seu sucesso à Deus. Para ele, a solução das dificuldades é encontrada experimentando, testando novas oportunidades. Assim foi que a apicultura ganhou espaço em seu sítio. No processo, ainda tomou gosto pela atividade. Diz que gosta, que não dá muito trabalho e afirma ter a certeza de que a atividade vai ganhar dimensões ainda maiores no assentamento. - A turma não tá acreditando muito, né? Teve gente que ficou entrando e saindo da associação, mas tem um pessoal que queria ver dinheiro rápido, tinha gente que entrava e não tinha ponto na feira, não tinha lugar pra vender... Agora a gente tem até o certificado, com certeza o mercado vai abrir as portas. Agora, é partir pra arriba! – afirma, entusiasmado. Adilson relembra também que optou pela apicultura como forma de manter uma melhor qualidade de vida. Após começar a manejar abelhas, parou de utilizar inseticida que costumava usar em algumas plantas da horta como tomate, abóbora e melão. Ao perceber que as abelhas poderiam morrer, parou de cultivar os alimentos que exigiam agrotóxicos para crescerem no clima pantaneiro. - Escolhi saúde e as abelhinhas também – diz, contente. Hoje, tem convicção de que o leite, principal fonte de renda da maior parte dos assentados do Taquaral, irá dividir espaço com o mel. E também não deixa de lembrar: - Aqui não tem rico, graças a Deus! Mas a abelha é um foco que já tá dando certo, graças a Deus também! Até mesmo o mel da jataí, espécie de abelha nativa sem ferrão que produz em menor quantidade, pensa em um dia comercializar. - Por que não? – é o que pergunta, sempre que surgem 74


oportunidades para uma maior qualidade de vida no sítio que tanto amam. Diferentemente da maioria das famílias que trabalham com a apicultura, atividade comumente praticada por homens, sua esposa hoje é sua maior parceira na colheita e manejo das colmeias que os dois possuem. Maria, sempre tão sorridente como o marido, afirma que também adora o trabalho mesmo nos dias quentes e abafados pelo macacão de apicultor. - Gosto muito, muito mesmo! – conta. Também comenta que já chegou a ganhar R$340 só em uma colmeia, que em média dá 20 quilos de mel por mês. Os dois construíram a própria casa e hoje são orgulhosos dos resultados de suas trajetórias de vida, inclusive na criação dos filhos. - Tem um até pensando em voltar pra cá – comenta Maria, ao fim da entrevista, entusiasmada.

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Seu Zé

José e a esposa, Nair

"Sou viramundo virado na roda das maravilhas Cortando à faca e facão os desatinos d:a vida Gritando pra assustar a coragem da inimiga pulando pra não ser preso pelas cadeias da intriga Prefiro ter toda a vida a vida como inimiga a ter na sorte da vida minha sorte decidida” (Viramundo/Gilberto Gil)

José Maria Melo, mais conhecido como “seu Zé”, é um senhor reservado. Seus cabelos grisalhos e olhos de entorno enrugado, postura um pouco curvada denunciam mais vivência do que sua idade, 74 anos. 76


Não gosta de falar muito do passado, evita entrar em detalhes sobre sua origem ou sobre sua família, mas mesmo assim, acha importante falar sobre sua trajetória e de seus vizinhos dentro do assentamento. Lembra perfeitamente do número de famílias que chegou ao assentamento e detalhes de sua chegada ao local. - É bom falar que se não depois o povo esquece – diz. Sua casa, branca de pintura gasta, é modesta. Pequena, de apenas uma porta na entrada e uma ao fundo, onde se senta para fumar seu cigarro de frente para o mato após o trabalho. Divide moradia com a tímida esposa Nair, sua segunda companheira desde que chegou ao local, na Agrovila 1, a área mais desafiadora de todo o assentamento. Apenas alguns quilômetros distantes das outras, as estradas do local são as primeiras a reterem a água, que, dependendo da chuva, passa como um riacho em frente aos lotes. Lembro do que Valdinei me contou: até peixe às vezes dava nos riachos formados nas estradas em épocas de cheia. O número de mosquitos também triplica em relação às outras agrovilas e a mata ao redor passa a impressão de ser mais fechada. Seu Zé, após contar sobre suas tentativas de plantação no local, olha para baixo e gagueja, pensativo: - `É, às vezes não consigo imaginar, como que eu posso tá aqui ainda? A maioria das pessoas que vieram pra cá, voltaram, desistiram – reflete, olhando para o chão, curvando o corpo, como quem tem um pouco de vergonha do que fala. Zé está no assentamento desde o início, em 1989. Veio de Três Lagoas, passou pelo acampamento em Santo Inácio e finalmente plantou raízes em seu sítio no Taquaral. Mesmo com as dificuldades, assim que pôs o pé na terra até agora - 27 anos depois - afirma que nunca pensou em desistir. Hoje, o que importa para ele é o ar que respira, o “melhor ar do mundo”, como define, e viver sua vida tranquilamente. Para “seu” Zé, a vida tem de ser tranquila, mas passar por dificuldades também é necessário. - Ralar é bom, faz parte da vida. Sofrer que é ruim, mas ralar é 77


bom sim. No início, conta, tentara de tudo: algodão, milho, assim como os outros. O algodão chegou a dar bons resultados no primeiro ano, mas só. Os anos seguintes chegaram como repetitivos baldes de água fria para as famílias que, esperançosas, acreditavam que iam prosperar com a agricultura. Em seguida, apostou na plantação de mamona, incentivado por um “conhecido” da cidade, que o vendera um punhado de sementes. Também não deu certo. Após a mamona, o feijão... e a lista segue. - Muita gente se animou e tá com dívida até hoje, vai morrer sem pagar a dívida. Eu suei ralando mas paguei, posso até ficar sem nada, mas também não fico devendo nada pra ninguém – conta, se referindo aos empréstimos que os assentados realizaram ainda no início junto ao Pronaf. Após “passar enxadão” em grande parte das suas plantas que amanheciam murchas e sem vida, percebeu que o local só servia para gado. À princípio, por problemas de saúde, não quis ter criação. Agora, considera a opção, mas para o futuro, já que não acredita que seu pasto é grande o suficiente para dar bons resultados. Resolveu investir primeiro nas abelhas. - O pessoal fala que é renda complementar. Eu não acho que é complementação não, é fonte de renda mesmo. – Hoje, além da apicultura ainda dando seus primeiros passos, o assentado sobrevive apenas da aposentadoria. É um dos únicos associados que tem a atividade como principal em seu sítio. Seu primeiro contato com a apicultura foi apenas em 2005. Convidado por Gustavo Bijos, chegou a fazer três cursos voltado à atividade e desde então não parou. No dia a dia, o cansaço que abate seu corpo após algumas horas na atividade é recompensado pela visão do mel escorrendo entre as melgueiras. Além de considerar um cansaço bom, Zé afirma que é um trabalho compensador, visto que o grupo nunca passa mais de quatro horas por dia dentro dos quentes macacões. 78


Em 2013 e 2014, conta, os resultados com a safra de mel não foram tão satisfatórios. De acordo com Zé, a colheita da associação atingiu no máximo 500 quilos. Logo em seguida, porém, com melhoras nas técnicas de manejo e passada a “crise” de escassez que atingiu o setor apícola de todo o Brasil, a quantidade de mel extrapolou as expectativas. Hoje em dia é comum a associação imediata de pessoas jovens quando o assunto é inovação. “Seu” Zé, com 54 anos, prova tal erro - é o primeiro a incentivar a utilização de novas técnicas e maneiras capazes de aumentar a produção. Foi pela tentativa e erro que o levaram a encontrar na apicultura uma alternativa de renda e assim também é para aumentar a produção na atividade. Assim como Valdinei e Adilson, José também começou pegando mel dos enxames no mato. Hoje, sua consciência em relação a isso é outra. - Tem um punhado de enxame no mato, deixa lá. Deixa lá produzindo, nós não mexe mais com isso, não – diz. Para o idoso, apesar dos avanços em técnicas de manejo adotados pela associação, o apoio de entidades governamentais como a Embrapa Pantanal deixa a desejar. Sobre o setor de apicultura do órgão, considera um trabalho falho. - Tem funcionário que vem dizendo que vai trabalhar e mostrar a apicultura, fazer isso, fazer aquilo, e eu não vi nada disso, nada que pudesse tirar de proveito. O responsável pelo setor de apicultura da Embrapa Pantanal, Vanderlei Reis, afirma que este descontentamento com o trabalho da entidade é porque o órgão realizou feitios de resultados “pouco tangíveis”, como a ajuda na elaboração de projetos para financiamento, mas que as ações tiveram um papel fundamental para o desenvolvimento da atividade apícola no assentamento.

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Gaúcho

Valdomiro, conhecido como "Gaúcho"

"Plantar o trigo e refazer o pão de cada dia Beber o vinho e renascer na luz de todo dia A fé, a fé, paixão e fé, a fé, faca amolada O chão, o chão, o sal da terra, o chão, faca amolada" (Fé Cega, Faca Amolada/Milton Nascimento

Valdomiro dos Santos, apesar do apelido de "Gaúcho", veio de Guia Lopes da Laguna. É um dos assentados que não conseguiram manter a atividade com a apicultura ativa dentro de seus sítios. Por ser uma atividade trabalhosa, se recomenda que os trabalhos de campo sejam realizados pelo menos por duas pessoas. A apicultura, por essência, demanda trabalho coletivo. Todo o processo de produção do mel, apesar de satisfatório é dividido em etapas precisas: a colheita, o envase, as vendas...tudo exige trabalho braçal e logística. Por morar afastado do restante dos apicultores do assentamento, deixou a 80


atividade de lado. Não por falta de vontade. Gosta tanto da atividade que me leva para conhecer uma árvore de espécie ainda desconhecida por ele que já estava florando, em pleno outono, e comenta, animado: - Isso aqui é ótimo pra ter mel! Os troncos enrugados e galhos compridos que carregam singelas flores brancas da árvore de copa protetora é símbolo da diversidade que a região pantaneira carrega. Hoje, com 64 anos, não foi designado como tantos outros a viver no assentamento e está em seu sítio, localizado na região da Agrovila 3, desde 1998. Mora sozinho, em uma casa maior do que a média das avistadas no assentamento. Logo ao chegar, sou recebida por seus cachorros, que parecem surpresos pela visita – latem, mas em seguida, pedem carinho insistentemente. Veio após os repetidos fracassos em encontrar no comércio uma fonte de renda viável. Escolheu o assentamento, mas as dificuldades que tanto abatiam os assentados do início do local também não o pouparam. - "Vou ter que voltar pra roça", pensei na época - diz. Apesar de parecer última opção, confessa que sempre teve vontade de trabalhar em um lugar mais tranquilo do que cercado pela agitação da cidade. Valdomiro afirma que seu maior problema foi não se adaptar às novidades que trazia junto do mercado o Plano Real. Para ele, qualquer negócio para dar certo precisa de constante readaptação, o que ele não fez. Foi se estabilizar já depois dos 50 anos, após negociar um lote do Assentamento Taquaral com um assentado que queria ir embora. - Fiquei com lote dele, paguei a passagem dele, paguei as despesas da viagem, comprei alguma coisa que ele não tinha, aí fiquei com o lote, claro que com o consentimento do Incra. Era um sonho que eu tinha, aí realizei esse sonho - diz. Mesmo ciente das dificuldades já encontradas pelos assentados sorteados em 1989, quis tentar a sorte. Sabia que a agricultura não era a melhor opção. Se mudou e 81


já comprou algumas cabeças de gado para a comercialização do leite. No entanto, conta, no início isso não era o suficiente. Para garantir seu sustento, arrumava "bicos" dentro do próprio assentamento. Com sua caminhonete, levava os assentados para as feiras da cidade e os trazia de volta. O que parece simples, entretanto, era mais cansativo do que ele esperava à época. - Eu levantava uma hora da manhã, buscava o pessoal na roça, buscava 18, 20 sacos de mandioca, botava na caminhonete e levava o pessoal lá, largava eles na feira, que tinha que entrar antes das 6 da manhã. Então eu tinha que sair uma hora da manhã, ir na roça, pegar os sacos de mandioca levar e descarregar lá dentro – lembra. Além disso, empacotava carvão para vender na Bolívia. Às vezes chegava a ir dormir 10 horas da noite, após ficar a noite inteira preparando os pacotes, para acordar uma da manhã e começar tudo de novo. Hoje, Valdomiro afirma que não aguentaria mais um trabalho como o da época. O assentado atualmente se sustenta como tantos outros do assentamento, pela venda de leite. Também faz doce de leite e queijo para incrementar sua renda. Conheceu a apicultura dois anos depois do início da associação, através de Valdinei. O assentado afirma que sempre tivera vontade de trabalhar com a apicultura e por isso se associou e deu início ao manejo das abelhas em seu sítio. Hoje, entretanto, o trabalho com a apicultura de Valdomiro anda devagar. Apesar da vontade, o guialopense de cabelos encaracolados, afirma que a distância de seu lote dos sítios dos outros associados dificulta o trabalho. - Fico isolado, é bem distante, o pessoal a maioria fica lá pra baixo, nas outras agrovilas. Então quando eu tenho que desenvolver alguma coisa tem que ser lá e isso acabou me tirando um pouco do incentivo porque eu precisaria desenvolver aqui também, né. Tudo o que a gente faz se não tiver algo estimulando não vai adiante. Sozinho na apicultura é muito difícil, sempre precisa de alguém pra auxiliar, é até 82


perigoso, e eu aqui fiquei um tanto isolado. O caminho do entreposto até a casa do assentado é de aproximadamente 5 quilômetros, o equivalente a 15 minutos de moto, Valdomiro possui algumas caixas, mas não há o manejo constante necessário por conta do peso das caixas, recomendável mais de uma pessoa auxiliando o processo. Por isso, tentou até convencer seu irmão, que mora em Ponta Porã, a se mudar para o sítio e “tocar o trabalho”, que considera tão prazeroso. Tem esperanças de que um dia vai aparecer alguém para ajudá-lo e para viver em seu sítio, isolado, porém tranquilo, como repete algumas vezes durante a entrevista. - A minha região é muito boa, eu tenho próximo aqui cerca de três hectares de terra alagada, que tem muitas vantagens, porque tem florada na maior parte do ano, diferente das partes altas e secas. Tem muita trepadeira, várias espécies de coqueiro que florescem o ano inteiro – afirma, entusiasmado.

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Armin

Armin e o filho, Pedro

“Das ruínas um novo povo vai surgir E vai cantar afinal As pragas e as ervas daninhas As armas e os homens de mal Vão desaparecer nas cinzas de um carnaval” (A força da natureza - João Nogueira)

Armin representa um olhar de fora da associação e sua história se distingue dos relatos do assentamento. Alemão, com formação em Engenharia Florestal, foi há 11 anos que pousou seus pés no Brasil pela primeira vez. Ainda na faculdade, fez um curso de português com uma brasileira, na Alemanha, e tempos depois foi chamado, junto com o restante dos participantes, a participar de um projeto de agrofloresta no Brasil. Não imaginava que alguns anos depois dessas aulas de português, estaria morando ilegalmente em um assentamento rural da 84


região pantaneira do país tropical. Hoje, é quem vende, com seu sotaque instigador aos moradores da cidade, o mel do grupo nas feiras da cidade. Junto aos moradores do assentamento, de longe se percebe que sua origem não é a mesma dos companheiros de trabalho. Alto, magro e de cabelos loiros claros, não tem nem o porte físico geralmente atribuído aos trabalhadores da roça, que fortalecem os braços nas lavouras e máquinas pesadas. É forte, entretanto, quando o assunto são as negociações de preço do produto que vende pela associação. - Se não quer, não leva - afirma a quem tenta barganhar. Mas antes de chegar aonde chegou, passou por muita estrada, literalmente. Veio para o Brasil e trabalhou em São Francisco de Paula, no Rio Grande do Sul, por seis meses. Após voltar para Alemanha, sentiu vontade de retornar ao Brasil. E voltou. Veio e trabalhou na Organização Não Governamental (ONG) Grupo Agroflorestal de Proteção Ambiental (Gapa), na cidade de Cláudia, no Mato Grosso. Durante o tempo que viveu lá, chegou a ser ameaçado de morte por madeireiros da cidade. - Naquela época havia uma operação da Polícia Federal em Cláudia, que ficaram lá por um tempo, e eles acharam que eu fosse o dedo-duro do Ibama, não sei, um absurdo. Foi um tempo meio difícil, mas não saí. Pensei “eles querem que eu saia, então vou ficar”. Conheceu sua atual esposa, Verônica, em São Paulo, e com ela teve seu filho Pedro, atualmente com seis anos. Após Verônica passar em um concurso para ser bibliotecária do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS) em Corumbá, Armin deu uma condição para também se mudar para a cidade. Tinha que morar em um sítio. Se mudou na páscoa de 2012, depois da esposa localizar um lote à venda no Taquaral. Foi um impacto quando Armin percebeu que não teria seu viveiro de plantas, como tinha nas outras cidades. - Eu trouxe muitas frutíferas, mas o caminhão da mudança quebrou no caminho e ficamos três dias na estrada, quando cheguei aqui, de 300 mudas que eu trazia, só tinham 100 vivas e quando 85


chegamos aqui não tinha água pra molhar muda e elas morreram. No outro ano quis plantar milho, plantamos e logo veio uma lagarta e comeu, perdi o milho também - relembra de um jeito risonho, apesar do relato triste. Como alternativa, começou a fazer linguiça, uma receita alemã. No início, não vendia nada, mas com a descoberta das feiras, o lucro melhorou. Descobriu o trabalho da associação quase que por acaso - um dia foi comprar leite de Seu Luís, pai de Valdinei, que chamou Armin para participar da atividade. Como cuida de Pedro enquanto Verônica vai trabalhar, não entrou para ser apicultor, mas aos poucos foi se envolvendo com a associação. Primeiro, como diretor de marketing, hoje como vice-presidente da entidade. Armin conta que em todos os projetos socioambientais que participou no Mato Grosso havia a presença da apicultura. - Eles falavam que o maior protetor da floresta é o apicultor porque ele tem o interesse de manter a floresta em pé e intacta pra ter a flor pra produzir o mel. E realmente é isso. O apicultor tem muito interesse de preservar a floresta, ele vive da floresta - diz. Apesar disso, Armin conta que notou que no Mato Grosso esta consciência é maior do que aqui. Havia uma preocupação maior com as abelhas. O engenheiro também afirma que existe uma grande dificuldade dos moradores dos assentamentos rurais, que já visitou no Brasil, de trabalhar em conjunto, seja em cooperativas ou associações. Essa habilidade, para Armin, é crucial para o desenvolvimento da apicultura. - Acredito que a apicultura pode virar uma renda principal para o pequeno produtor, mas ele tem que aprender a trabalhar mais em conjunto. Também não adianta criar uma associação sem saber o que significa uma associação. Talvez a melhor forma para o apicultor é criar uma cooperativa, só entregar o mel e a cooperativa faz toda a venda do mel, porque um apicultor sozinho não pode nem trabalhar, já que um tem que fazer fumaça e o outro manejar. Ele tem que aprender a trabalhar com um núcleo para beneficiar o mel, e o apicultor entrega o mel lá e só se preocupa com a produção. Se fosse assim, ia dar mais certo. 86


Armin também foi um dos principais organizadores da Festa do Mel, realizada em 2015. O evento, de acordo com o alemão, foi um prato cheio de desafios para a associação no quesito organização. Com ideias inspiradas nos eventos realizados na Alemanha, Armin foi “vetado” em quase todos seus planos para a festa por questões de discordância e organização mal planejada. O alemão conta que falta o pensamento estratégico e melhor acompanhamento financeiro para que eventos do tipo deem um lucro substancial, o que não aconteceu na ocasião. Também critica a atuação dos órgãos governamentais no Taquaral. - O certo é ajudar o apicultor a aprender a caminhar sozinho. E isso eu não tô vendo. O que eles gostam de fazer aqui é alguma oficina e repetem muita coisa que o apicultor já sabe, tiram foto, passam uma lista de presença para justificar a verba que eles mesmos receberam, e eles não se preocupam com o apicultor – afirma, após citar o caso da Rota do Desenvolvimento, programa do Governo do Estado, que também tinha como um dos focos a atividade apícola e entregou duas peneiras para a associação. - A associação precisa de projetos para trazer recursos e até mesmo empréstimos, com juros baixos, para comprar as coisas porque muitos apicultores não têm condições de comprar caixas – afirma. Hoje, Armin e sua família deixaram o assentamento e moram na cidade em busca de melhor qualidade de vista, visto os desafios da área rural. Também optaram por se manterem regularizados na cidade, não inseguros no sítio, já que a venda dos lotes do assentamento é ilegal. O alemão planeja doar suas caixas e investir em um negócio de cerveja artesanal. Apesar das mudanças, continuará apoiando a associação e vendendo o mel nas feiras. Com longas respostas ao longo de toda entrevista, é sucinto e certeiro ao ser questionado sobre o que significa a apicultura para ele. - É aprender com pequenos bichinhos como viver em sociedade – afirma, rindo, sem acrescentar mais nada.

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Últimas impressões A minha visita ao assentamento Taquaral me trouxe uma boa dose de reflexão em relação a tantos aspectos da minha vida, da vida dos outros e da vida em si. Foi um choque de realidade. Quando cheguei ao local, não imaginava nem uma pequena parte de tudo o que aquelas famílias passaram para chegar aonde estão. Percebi que, quando leio sobre a história de negros, indígenas, trabalhadores rurais e famílias, mesmo na universidade, por mais solidarizada que posso me sentir com situações tão distintas da minha realidade entre tantas, o impacto de ouvir pessoalmente os relatos de algumas destas pessoas é um tanto mais grandioso e significativo para a minha construção de visão do mundo, um tanto mais real e importante para a conscientização de outras pessoas que assim como eu, disfrutam de privilégios tão valiosos, quando em perspectiva com a realidade dos que não têm. Só após conhecer os diferentes gêneros jornalísticos e trabalhos inspiradores de jornalistas que retratam realidades de modo impactante, percebi o grande poder que o jornalismo possui de sensibilizar e unir pessoas através do texto. Hoje, no jornalismo apressado que conhecemos, pouco achamos de material neste sentido mas acredito que, com o advento das novas tecnologias e formas de distribuição de conteúdo, a pressa dará lugar à profundidade para o jornalismo mostrar histórias de pessoas, lugares e de outros tantos aspectos que moldam nossa sociedade. 88


Creio que novas formas de conectar as pessoas a causas importantes, como ambiental e social, que são complementares uma à outra, devem ser desenvolvidas para o envolvimento de um número cada vez maior número de pessoas com as ações reivindicatórias - o jornalismo aprofundado é uma delas. O assentamento Taquaral me ensinou a aprofundar meu olhar ao meu próprio entorno, conectar pontos invisíveis e compreender melhor as relações do ser humano entre si e com os outros reinos - mineral, vegetal e animal. Dentro de um contexto preocupante, milhares de famílias resistem, lutam pela vida - creio que o jornalismo deve servir à elas.

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Referências Bibliográficas AVELINO JR., Francisco José. A geografia dos conflitos pela Terra em Mato Grosso do Sul. In: ALMEIDA, Rosemeire Aparecida de. A Questão Agrária em Mato Grosso do Sul: Uma Visão Multidisciplinar. Editora UFMS, 2007. BARROS, Lenir Pedroso de; REIS, Vanderlei Doniseti Acassio dos. Apicultura e Bovinocultura de Corte: Comparativo Econômico da Implantação Hipotética dessas atividades no Pantanal. Corumbá, MS, Embrapa Pantanal, 2006. BOVI, Thaís de Souza. Toxicidade de Inseticidas para Abelhas Apis Mellifera L. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/bitstream/ handle/11449/104999/bovi_ts_me_botfmvz.pdf?sequence=1. Acesso em 11 de junho de 2017. BRASIL. Produção de Mel do Brasil em 2010. Disponível em: http:// www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2011/03/2/producao-de-melcresce-30-em-2010. Acesso em 9 de junho de 2017. CONCEIÇÃO, Cristiano Almeida de. A agroecologia como estratégia de desenvolvimento territorial em áreas de fronteira, O caso dos Assentamentos Rurais de Corumbá e Ladário - MS. Universidade Federal da Fronteira Sul. Campus Laranjeiras do Sul, Programa de PósGraduação em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, 2016. FAO (Food and Agriculture Organization) Faostat Database. 2008. Disponível em: http://www.faostat.fao.org. Acesso em 10 de junho de 2017.

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FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Rio de janeiro. Editora Zahar, 1973. GREENPEACE. Riscos dos pesticidas neonicotinoides. Disponível em: http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/Agrotoxico-ameacavida-das-abelhas-e-de-outros-animais/. Acesso em 20 de maio de 2017. IBGE. Censo Agropecuário 1995/1996. Disponível em: http:// biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-catalogo?id=748&view=detalhes. Acesso em 12 de maio de 2017. JONG, David de. TEIXEIRA, Érica. MESSAGE, Dejair. Situação da sanidade das abelhas no Brasil. Disponível em: http://www. semabelhasemalimento.com.br/wp-content/uploads/2015/02/2012Situacao-da-sanidade-das-abelhas-no-Brasil_-In-Polinizadores-doBrasil.doc. Acesso em 3 de junho de 2017. MENEGAT, Alzira Salete. No coração do Pantanal: assentados na lama e na areia: as contradições entre os projetos do Estado e dos assentados no assentamento Taquaral - MS. Dourados, Mato Grosso do Sul. Editora UFGD. 2014. MENEGAT, Alzira Salete. Mulheres Assentadas e suas Lutas. IN: Questão Agrária de Mato Grosso do Sul. In: ALMEIDA, Rosemeire Aparecida de. A Questão Agrária em Mato Grosso do Sul: Uma Visão Multidisciplinar. Editora UFMS, 2007. PIRES, Carmen Sílvia Soares; PEREIRA, Fábia de Mello; LOPES, Maria do Rêgo; NOCELLI, Roberta Cornélio Ferreira; MALASPINA, Osmar; PETTIS, Jeffery Stuart; TEIXEIRA, Érica Einstein . Enfraquecimento e perda de colônias de abelhas no Brasil: há casos de CCD?. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pab/v51n5/1678-3921-pab-51-05-00422. 91


pdf. Acesso em 23 de maio de 2017. RAMIRO, Patrícia Alves. O Estigma de Assentados Rurais: A difícil trajetória de sem terra à cidadãos. In: PEREIRA, Verônica Aparecida; MENEGAT, Alzira Salet (org.) Movimentos sociais em redes de diálogo: Assentamentos Rurais, Educação e Direitos Humanos. Dourados, Mato Grosso do Sul. Editora UFGD, 2013. RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido de Brasil. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. SEBRAE. Boletim de Apicultura. Disponível em https://www.sebrae. com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/Anexos/boletim-apicultura.pdf Acesso em 11 de junho de 2017. SEBRAE. Histórico da Apicultura no Brasil. Disponível em: https:// www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/conheca-o-historicoda-apicultura-no-brasil,c078fa2da4c72410VgnVCM100000b272010a RCRD. Acesso em 15 de maio de 2017. STÉDILE. João Pedro. A Questão Agrária no Brasil. São Paulo. Editora Atual, 1997.

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Entrevistas realizadas BEH, Armin. Entrevista pessoal gravada com o engenheiro florestal em Corumbá no dia 5 de maio de 2017. CONCEIÇÃO, Edna. Entrevista pessoal gravada com a assentada rural no assentamento Taquaral no dia 5 de maio de 2017. CONCEIÇÃO, Valdinei Almeida de. Entrevista pessoal gravada com o apicultor no assentamento Taquaral no dia 5 de maio de 2017. LOPES, Noirce. Entrevista pessoal gravada com a médica veterinária na sede da Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal (IAGRO), no dia 26 de junho de 2017. MELO, José Maria. Entrevista pessoal gravada com o apicultor no assentamento Taquaral no dia 6 de maio de 2017. MENEGAT, Alzira. Entrevista pessoal gravada com a professora na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) no dia 19 de maio de 2017. REIS, Vanderlei Donizetti. Entrevista pessoal gravada com o funcionário público em Corumbá no dia 7 de maio de 2017. SANTOS, Valdomiro. Entrevista pessoal gravada com o apicultor no assentamento Taquaral no dia 6 de maio de 2017. SAVICKI, Fernanda. Entrevista pessoal gravada com a pesquisadora na sede da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) em Campo Grande no dia 7 de julho de 2017. VIEIRA, Adilson de Jesus. Entrevista pessoal gravada com o apicultor no assentamento Taquaral no dia 5 de maio de 2017. 93


Índice de imagens Mapa 1 – Loteamento do assentamento Fotografia 1 - Estrada Alagada Fotografia 2 – Polinização Fotografia 3 – Família Conceição Fotografia 4 – Família Vieira Fotografia 5 – José e Nair Fotografia 6 – Valdomiro Fotografia 7 – Armin e Pedro Ilustração 1 – Agronegócio Ilustração 2 – Assentamento Taquaral Ilustração 3 – Apicultura Ilustração 4 – Histórias de Vida

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