Doce Sobrevida

Page 1

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COM HABILITAÇÃO EM JORNALISMO

LIVRO-REPORTAGEM “DOCE SOBREVIDA”

JÚLIA BEATRIZ OLIVEIRA DE FREITAS

Campo Grande JULHO // 2017


LIVRO-REPORTAGEM “DOCE SOBREVIDA” – A APICULTURA COMO ALTERNATIVA NO ASSENTAMENTO TAQUARAL, EM CORUMBÁ (MS)

JÚLIA BEATRIZ OLIVEIRA DE FREITAS

Relatório apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina Projetos Experimentais do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

Orientador: Prof. Dr. Marcelo Vicente Câncio Soares

UFMS Campo Grande JULHO // 2017



SUMÁRIO

Sumário INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 4 1 - ATIVIDADES DESENVOLVIDAS ......................................................................................... 6 1.1 Execução ................................................................................................................................ 6 1.2 Dificuldades Encontradas ...................................................................................................... 7 1.3 Objetivos Alcançados ............................................................................................................ 7 2 - SUPORTES TEÓRICOS ADOTADOS .................................................................................... 9 2.1 Questão Agrária ..................................................................................................................... 9 2.2 Apicultura ............................................................................................................................ 12 2.3 Livro-reportagem ................................................................................................................. 15 2.4 Jornalismo Ambiental .......................................................................................................... 17 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 19 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 20 APÊNDICE ................................................................................................................................... 23 Decupagens ................................................................................................................................ 23 Entrevista Valdinei da Conceição e Edna da Conceição ....................................................... 23 Entrevista Armin Beh ............................................................................................................ 32 Entrevista Adilson de Jesus Vieira ........................................................................................ 38 Entrevista José Maria Melo ................................................................................................... 43 Entrevista Valdomiro Santos ................................................................................................. 48 Entrevista Vanderlei Reis ...................................................................................................... 52 Entrevista Gustavo Bijos ....................................................................................................... 55 Entrevista Alzira Menegat ..................................................................................................... 62


RESUMO: Este livro-reportagem visou explorar de forma mais aprofundada a introdução da atividade apícola no assentamento Taquaral, localizado na cidade de Corumbá, em Mato Grosso do Sul. O trabalho aborda a questão rural brasileira, as contradições do espaço agrário no Brasil e também no estado, para uma maior compreensão do contexto em que se formou o assentamento em questão. Com muitas dificuldades na prática agrícola, estas famílias tiveram de buscar a readaptação de suas atividades e tradições para a sua sobrevivência. Entre estas atividades, que teve seu maior destaque com a criação de gado leiteiro, a apicultura despontou como uma alternativa ecológica rentável e possível dentro do assentamento. Apesar do ainda escasso número de apicultores, a prática se mostra com grande potencial, excedendo em benefícios a venda do leite, já que o espaço agora conta com um entreposto e uma associação, a Associação dos Apicultores da Agricultura Familiar de Corumbá (AAAFC). O livro conta histórias de alguns dos assentados associados e de suas experiências, que os levaram a buscar na apicultura uma complementação de renda e também uma forma de resistir dentro do assentamento, que ainda apresenta muitas dificuldades por conta das condições da região pantaneira. A atividade apícola também se mostra como essencial no combate ao uso intensivo de agrotóxicos, promovidos pelo agronegócio no estado. PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo Rural; Jornalismo Ambiental; Livro-reportagem; Reforma Agrária; Apicultura; Assentamentos Rurais


4

INTRODUÇÃO Este livro-reportagem tem como principal objetivo de mostrar novas facetas de uma das diferentes situações em que vivem alguns dos assentados rurais pelo Brasil. Colocados à margem da sociedade há gerações, os assentados rurais buscam, em meio à falta de investimentos e apoio governamental suficiente, novas formas de sobreviverem com relativa qualidade de vida dentro dos assentamentos rurais brasileiros. Ao analisarmos a questão agrária brasileira, é possível fazer o leitor refletir sobre os privilégios concedidos aos grandes proprietários de terra que tiveram seus interesses atendidos mesmo em governos que se diziam aliados dos pequenos trabalhadores rurais e da agricultura familiar. Escolhi o assentamento Taquaral por ser único no Estado que possui uma associação voltada especificamente para a atividade apícola. A apicultura é uma atividade que é utilizada como “salva vidas” há tempos em regiões do semiárido nordestino, onde a produção agrícola é escassa e a falta de água supera praticamente toda e qualquer eventual sucesso na criação de animais ou plantação de sementes, e tem dado resultados satisfatórios nestas regiões. Esta atividade vem sendo gradualmente implantada no assentamento Taquaral desde os primeiros anos do assentamento, que foi criado em 1989. Alguns dos assentados avançaram consideravelmente como associação para que a atividade passasse a dar resultados e se consolidasse como fonte de renda complementar e alternativa à da criação de gado leiteiro, hoje a principal atividade do assentamento. O tema escolhido também foi resultado de minha motivação enquanto acadêmica de tratar de uma questão socioambiental. Ao ter contato com o desaparecimento das abelhas e com a atividade apícola em um assentamento rural, vi a oportunidade de unir os dois aspectos – social e ambiental – em minha pesquisa e mostrar a ligação destas duas temáticas. Percebi em minha pesquisa realizada anteriormente às entrevistas, que são poucas as menções à atividade no local, geralmente realizada pela assessoria de imprensa de órgãos governamentais – em especial, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), sem a perspectiva do apicultor assentado e sem contextualização para um entendimento mais humano do que os levou até este caminho. Além disso, foi constatado em sucessivos estudos iniciados nos Estados Unidos1 que as abelhas estão em processo de desaparecimento, vítimas do uso intensivo de agrotóxicos e do

1

Os pioneiros foram verificações da Pennsylvania State University, em parceria com o laboratório Agricultural Marketing Service.


5

desmatamento, principais ferramentas utilizadas pelo agronegócio. Assim, o objetivo foi salientar a capacidade de adaptação dos assentamentos rurais de modo benéfico não apenas economicamente, mas também com impacto ambiental positivo, haja vista a necessidade humana pela polinização realizada pelas abelhas. Foram realizadas entrevistas com assentados do local e especialistas de áreas diversas como sociologia, apicultura e saúde pública para que pudesse se contextualizar de maneira adequada os contextos em que o assentamento desenvolveu a atividade apícola. Ao fim das entrevistas, o livro foi organizado em quatro capítulos – o primeiro trata da questão agrária no Brasil e no estado, o segundo conta a história do assentamento, o terceiro aborda um panorama geral da apicultura e também discute o Transtorno do Colapso das Colônias e, por último, o quarto capítulo traz histórias de vida dos assentados entrevistados no Taquaral. O nome do livro-reportagem, “Doce Sobrevida”, foi escolhido pela necessidade de demonstrar a criação de abelhas para a extração do mel, que é doce, como forma de “sobreviver” e como alternativa capaz de dar um novo fôlego aos assentados em questão.


6

1 - ATIVIDADES DESENVOLVIDAS - Escolha do tema - Participação no II Seminário de Apicultura do Cerrado - Levantamento bibliográfico - Elaboração do pré-projeto - Entrega do pré-projeto - Ida ao assentamento Taquaral - Realização das entrevistas com as fontes selecionadas - Decupagem das entrevistas - Redação do trabalho - Organização dos capítulos do livro-reportagem - Revisão textual - Diagramação - Impressão - Elaboração do Relatório Final - Entrega 1.1 Execução O primeiro passo foi a ida a um Seminário de Apicultura, na cidade de Bonito, para coleta de informações acerca da situação das abelhas no Brasil e no estado. Após o evento, através da recomendação do então presidente da Federação de Apicultores e Meliponicultores de Mato Grosso do Sul (FEAMS), Gustavo Bijos, realizei o contato com um dos apicultores pioneiros do trabalho no assentamento Taquaral, Valdinei da Conceição. Paralelemente, realizei pesquisas sobre a importância da apicultura e sobre o desaparecimento das abelhas e os perigos desta ocorrência. Após a chegada em Corumbá para a realização de entrevistas, o associado Valdinei da Conceição apresentou-me para as outras fontes utilizadas na produção do livro-reportagem. Estas fontes foram selecionadas por Valdinei, que considerou a participação dos assentados nas atividades da associação como fator mais importante para então me apresentá-los. Além dos assentados rurais, foram entrevistados também o responsável pelo setor de apicultura da Embrapa Pantanal, Vanderlei Reis. Após as entrevistas em Corumbá, em Campo Grande realizei entrevista


7

com o ex-presidente da Federação de Apicultores e Meliponicultores de Mato Grosso do Sul (FEAMS) e apicultor Gustavo Bijos. Em Dourados, realizei uma entrevista com a socióloga e pesquisadora Alzira Menegat, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Por último, foram realizadas entrevistas com médica veterinária da Agência Estadual de Vigilância Sanitária Animal e Vegetal (Iagro), Noirce Lopes e com a pesquisadora da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), Fernanda Savicki. A partir de então, dei início à decupagem das entrevistas e a coleta de dados acerca da questão rural do Brasil e do estado, os impactos ambientais do agronegócio, a atividade apícola e o desaparecimento das abelhas. Em seguida, foi dado início à redação e edição do trabalho. 1.2 Dificuldades Encontradas A maior dificuldade encontrada durante o processo de realização deste trabalho foi um acidente que resultou em um pé torcido durante a curta viagem de quatro dias à Corumbá para a coleta das entrevistas com as fontes. A dificuldade em mobilidade me limitou e não pude conhecer os apiários do assentamento. Além disso, também houve dificuldade na busca por material com informações precisas sobre a atividade apícola no Brasil e no estado. As fontes também não souberam especificar alguns dados acerca da rentabilidade e de custos da atividade no assentamento, o que pode ter prejudicado o desenvolvimento do trabalho. Como explicitado no livro-reportagem por algumas das fontes, a coleta de dados acerca da relação entre a mortandade das abelhas e os agrotóxicos também são dificultosos de serem encontrados, haja vista as os entreves na realização de pesquisas conclusivas neste sentido por conta da pressão exercida pelas empresas dos defensivos agrícolas. 1.3 Objetivos Alcançados Acredito que, apesar das dificuldades impostas pela locomoção até Corumbá e pela falta de mobilidade na viagem realizada à cidade, os objetivos do trabalho foram satisfatórios. Realizei uma contextualização fundamental sobre o assentamento e as histórias de vidas dos assentados utilizadas no livro-reportagem, tais histórias cumprem a função de ambientar o leitor através de um jornalismo menos dependente da assessoria de imprensa de órgãos governamentais para a documentação de conquistas importantes dentro dos beneficiados pela reforma agrária. Também cumpri o objetivo de abordar a questão do desaparecimento e mortandade das abelhas,


8

vítimas do uso intensivo de agrotóxicos promovido pelo agronegócio, também responsável pela expropriação dessas famílias sem-terra ao longo de gerações na história do Brasil.


9

2 - SUPORTES TEÓRICOS ADOTADOS Para a realização deste trabalho, foi necessária a contextualização de alguns aspectos que rondam o principal objeto do tema - a atividade apícola dos assentados rurais no Taquaral. Entre estes, o entendimento da questão agrária e da apicultura em nível nacional e estadual foi necessário para a compreensão adequada do tema proposto. 2.1 Questão Agrária Para falar sobre a reforma agrária no Brasil, antes de tudo, deve-se entender o contexto marcado por disputas de espaço que até hoje determina o cotidiano de milhares de pequenos produtores rurais em todo o país. Para isso, utilizou-se conhecimento da história do espaço agrário brasileiro, haja vista que a perpetuação do processo de marginalização de famílias agriculturas persiste e, por vezes, é acentuada através de medidas antipopulares realizadas por diferentes governos. Fernandes (2015) afirma que, apesar da continuidade de um modelo que prioriza os interesses dos grandes capitalistas, a luta pela terra sempre existiu e as formas de resistência dos camponeses não deixaram de cessar, até hoje. A reivindicação pela reforma agrária é apenas uma consequência deste processo, que se deu muito antes. A diferenciação da luta pela terra da luta pela reforma agrária é fundamental, porque a primeira acontece independentemente da segunda. Todavia as duas são interativas. Durante séculos, os camponeses desenvolveram a luta pela terra sem a existência de projeto de reforma agrária. O primeiro projeto de reforma agrária do Brasil é da década de sessenta - o Estatuto da Terra, elaborado no início da ditadura militar e que nunca foi implantado. A luta pela reforma agrária é uma luta mais ampla, que envolve toda a sociedade. A luta pela terra é mais específica, desenvolvida pelos sujeitos interessados. A luta pela reforma agrária contém a luta pela terra. A luta pela terra promove a luta pela reforma agrária. (FERNANDES, 2015, p. 1).

A reforma agrária pauta a situação em que vivem os assentados rurais. Após anos de migrações, vivendo em acampamentos, algumas famílias tiveram a oportunidade de ganhar um pedaço de terra e garantir a sobrevivência. Tal processo teve impulso na década de 1990, após o início do processo de redemocratização do país. Fernandes afirma que isto só foi possível após a organização dos movimentos camponeses em suas reivindicações, com o apoio de partidos políticos, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB), setores progressistas da Igreja Católica e


10

outras organizações independentes. Estas organizações foram impulsionadas ainda durante o período da ditadura militar, quando os interesses capitalistas eram mais priorizados do que nunca. No campo, o avanço do capitalismo fez aumentar a miséria, a acumulação e a a concentração da riqueza. Esse processo transformou o meio rural com a mecanização e a industrialização, simultaneamente a modernização tecnológica de alguns setores da agricultura. Também expropriou, expulsou da terra os trabalhadores rurais, causando o crescimento do trabalho assalariado e produzindo um novo personagem da luta pela terra e na luta pela reforma agrária: o bóia fria. (FERNANDES, 2015, p.2).

Como mostra Menegat, é dentro deste contexto que as famílias hoje assentadas no assentamento Taquaral surgem como beneficiadas da reforma agrária. Antes do sorteio, realizado apenas em 1991, as 394 famílias passam por processos migratórios decorrentes da presença industrial no meio rural, que as fez serem expulsas das terras que antes arrendavam ou eram posseiras. Algumas destas vêm ainda do Paraguai, os chamados “brasiguaios”, que buscaram melhores condições no país vizinho e voltam ao Brasil com a promessa de redemocratização e consequente reforma agrária. De acordo com Oliveira, os primeiros acampamentos dos chamados “brasiguaios” surgiram em julho de 1985, com cerca de 940 famílias acampadas em Mundo Novo, 147 em Sete Quedas e 78 em Naviraí. Deu-se início, então, o processo de luta por meio dos acampamentos e também a perspectiva de retorno para outros colonos no Paraguai. De um lado, o prefeito municipal de Mundo Novo passa a proibir os acampamentos no município. Para isto, a Polícia Militar de Mato Grosso do Sul passa a reprimir e desmontar tentativas de acampamentos em Mundo Novo. De outro lado, estava a polícia paraguaia a pressionar e ameaçar os colonos que pretendiam retornar. Aliados com a polícia brasileira, os policiais paraguaios passaram a controlar drasticamente a fronteira, cobrando taxas absurdas dos que pretendiam sair e até proibindo sumariamente a saída. (OLIVEIRA, 1998, p. 74).

Oliveira afirma que, apesar disso, este processo só é realizado com maior intensidade em meados da década de 1980 e 1990, após a pressão e fortalecimento dos movimentos sociais pela terra, que utilizavam dos acampamentos como estratégia. De acordo com o autor, em 1989 já haviam sido assentados todos os acampamentos existentes no estado de Mato Grosso do Sul, mas a situação dos assentamentos era. Um destes assentamentos foi justamente o Taquaral. O assentamento Taquaral foi criado no ano de 1989, 10.426,85 hectares, dividida em 394 lotes, a cerca de 13 quilômetros da cidade de Corumbá, um dos principais municípios de Mato Grosso do Sul e localizado em região


11

considerada o "coração" do Pantanal. Cerca de 300 famílias transferidas estavam instaladas no acampamento provisório Santo Inácio, em Dois Irmãos do Buriti, criado em 1987. O assentamento Taquaral se mostra como um caso excepcional a ser analisado. A terra separada para o assentamento é considerada imprópria para a prática agrícola e a maior parte das famílias tinham o costume de lidar com lavouras e plantações. Este é o principal empecilho que se apresenta aos assentados, além da falta de água e da organização espacial desacordada com a vontade dos trabalhadores. O assentamento foi organizado em três agrovilas, que dividiam a área em lotes de moradia e produção para economia na distribuição de água e energia. Os assentados, entretanto, não se ativeram ao plano do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e foram morar nos lotes de produção. O assentamento em Corumbá parecia, em princípio, solucionar o problema dos vários anos de acampamento (média de seis a oito anos vividos em inúmeros acampamentos); contudo, de início, começaram a aparecer as contradições, especialmente duas dela: a primeira refere-se à organização do espaço, em especial à exigência da moradia nas agrovilas, num modelo que fez emergir discussões; a segunda diz respeito ao assentamento de famílias com práticas de cultivo agrícola, em solo impróprio para o desenvolvimento desta atividade. (MENEGAT, 2007, p. 127).

Como define Menegat, tais dificuldades levaram a saídas ainda não ideais para os assentados, como é o caso da criação de gado leiteiro, hoje a principal atividade no assentamento. O descuido, propiciado pelo caráter emergencial dos primeiros projetos implantados, teve como resultado o insucesso agrícola, fazendo com que as pessoas beneficiadas nessas áreas se voltassem para atividades ligadas à pecuária, uma maneira possível de sobreviver no lote. A substituição da lavoura pela pecuária em lotes de assentamento trouxe à tona um novo problema - o tamanho dos lotes. Os lotes dos projetos possuem, em geral, uma área média de 18 hectares, tamanho que não atende à criação de gado, que exige um espaço maior para seu pleno desenvolvimento, considerada a tradição de pecuária extensiva existente na região (MENEGAT, 2014, p. 25).

Esses problemas ainda levam muitas das famílias a desistirem do local. As que persistem buscam até hoje novas formas de sobreviverem em meio ao clima e vegetação peculiares do bioma pantaneiro. Uma das opções foi o surgimento da atividade apícola, ainda com pequena quantidade de assentados, mas que lutam para que a apicultura se desenvolva ainda mais no assentamento e se transforme em uma fonte de renda principal para muito deles.


12

2.2 Apicultura A apicultura é o manejo técnico das abelhas para a produção de produtos apícolas como mel, pólen, geleia real e cera. A atividade teve início no Brasil em 1839, quando um padre português trouxe uma espécie europeia para a produção de cera, matéria-prima das velas. (SEBRAE, 2011). Esta atividade é conhecida por ter maior acessibilidade a pequenos produtores rurais, que também podem conciliar a apicultura com plantações e criação de gado. Dentro da reforma agrária é possível que cada vez mais esta atividade seja incentivada como modo de proporcionar melhor qualidade de vida aos assentados. Em assentamentos de reforma agrária, a apicultura, se comparada às atividades agropecuárias, apresenta-se como uma alternativa com grande potencial, pois possibilita geração de renda com baixo investimento e retorno mais rápido, requer menor tempo de dedicação, além de contar com o apoio técnico, financeiro e político de ONGs e órgãos oficiais. (MARACAJÁ, 2015, p. 3).

Em meio à expropriação de terras promovida pelo agronegócio, que prioriza a manutenção de grandes lavouras de monocultura e pastagens para gado de corte, a apicultura desponta como uma alternativa, que, além de economicamente viável, tem em sua base a sustentabilidade do ecossistema. O setor agropecuário familiar faz parte da história do Brasil e da própria humanidade, assim a delimitação do espaço ocupado por este setor dentro do amplo contexto da economia brasileira pode auxiliar a criação de alternativas que visem à manutenção, ou mesmo, a melhoria da feição familiar, buscando a tão alvejada sustentabilidade. Nessa luta pela sustentabilidade as comunidades tradicionais que vivem em áreas de assentamentos agrários, destaca-se a apicultura, pois a maioria dos assentamentos tem em seu contexto, um solo exaurido impróprio para a agricultura e criação de animais de médio e grande porte, porém, essas áreas contam com pequenas reservas florestais nativas com grande capacidade florísticas que podem ser utilizadas para a criação de abelhas de forma racional. (JESUS, 2012, p.48).

Conceição (2016) afirma que o aspecto que visa à preservação ambiental é também um dos pontos cruciais dentro do Taquaral, já que o mesmo está localizado no Pantanal sul-matogrossense, área de preservação ambiental reconhecida pelo Instituto Brasileiro de Proteção ao Meio Ambiente (Ibama) desde a década de 1970 e também, Patrimônio Natural da Humanidade, por ter biodiversidade única no mundo. A utilização de gado leiteiro, alternativa encontrada pelos assentados, pode ser danosa ambientalmente, diferentemente da atividade apícola.


13

Nos primeiros dez anos de ocupação, a cobertura vegetal foi sendo vorazmente devorada para conceder espaços às roças ou as pastagens. Desta forma, a mata foi posta ao chão com auxílio de trator esteira. Madeira como a aroeira, sucupira, entre outras foram transformadas em postes e mourões para serem utilizados na confecção de cercas para os sítios. Neste momento, a comercialização da madeira foi facultativa, sendo realizada por alguns camponeses que aproveitaram a abundância e comercializaram para custear o plantio de lavoura e ampliar a derrubada. Outra parte desta madeira foi transformada em lenha de toco, lenha de metro ou carvão. (CONCEIÇÃO, 2016, p.100).

Assim, o trabalho realizado no assentamento com a apicultura, que culminou na criação da Associação dos Apicultores da Agricultura Familiar de Corumbá (AAAFC), é um exemplo de ação de resistência destes assentados para persistirem no assentamento, abandonado por muitos, de forma mais apropriada e benéfica ao ecossistema no qual está inserido. (CONCEIÇÃO, 2016). De acordo com um relatório divulgado pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), em 2009, o Brasil era o nono país na lista de maiores produtores de mel do mundo. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, em inglês), a produção era de 38.764 toneladas produzidas naquele ano. O primeiro lugar na mesma lista é ocupado pela China, com 367.219 mil toneladas. Em 2009, o Brasil gerou mais de US$ 65 milhões com as exportações de mel, de acordo com dados da organização. A apicultura também se apresenta como uma atividade ecológica, que naturalmente combate algumas das ferramentas utilizadas pelo agronegócio para a expansão do mercado e consequente degradação ambiental. Isto se deve ao fato de que as abelhas, para produzirem, necessitam da biodiversidade da flora para uma dieta rica em proteínas e vitaminas. Além disso, um dos grandes problemas dos apicultores hoje em dia é o desaparecimento das abelhas por conta do desmatamento e do uso intensivo de agrotóxicos. O Distúrbio do Colapso das Colônias, nome deste acontecimento (CCD, em inglês) foi verificado no inverno de 2006 para 2007 nos Estados Unidos, quando colônias entravam em colapso sem causa aparente. Desde então, sucessivos estudos passaram a apontar diversas causas para tamanha tragédia. Entre elas, a hipótese mais salientada foi o uso de agrotóxicos. Pesquisas da Pennsylvania State University, em parceria com o laboratório Agricultural Marketing Service, contataram que as abelhas têm baixo número de enzimas desintoxicantes, o que as torna vulneráveis ao uso de agrotóxicos.


14

Jong (2010), no trabalho "Situação da sanidade das abelhas no Brasil”, constatou que no Brasil foram detectados a presença de inseticidas do tipo fipronil, que assim como os neonicotinoides, deixam doses sub-letais no pólen das plantas.


15

2.3 Livro-reportagem Foi escolhido o livro-reportagem para a produção deste trabalho pela capacidade deste de aprofundamento na questão em foco, implicações e que tratam as reportagens em grau de amplitude maior ao tratamento cotidiano dos meios de comunicação jornalística. (LIMA, 2011). Além disso, o livro-reportagem tem o potencial de oferecer ao profissional o aprofundamento de possibilidades, não apenas através do jornalismo, mas também com a ajuda da literatura. A satisfação pelo uso de todo o seu potencial de talento, pelo desafio da comunicação de amplitude, é um fator motivador que impulsiona alguns dos profissionais da imprensa a procurar, no livro-reportagem, a medida exata para exigir ao máximo suas habilidades de comunicador do real. (LIMA, 2011, p.34).

Como também define Lima (2011), o livro também não é limitado ao atual, trabalhando temas mais distantes no tempo, de modo que seja possível trazer explicações para as origens, no passado, das realidades contemporâneas, como é o caso deste trabalho. Como define Medina (2003), o uso de diferentes narrativas, que se distinguem das técnicas utilizadas pelo jornalismo hardnews, é necessário para que o ser humano se expresse e se afrime perante o que a autora define como desorganização e inviabilidades da vida. Enunciar um texto que espelhe o dramático presente da história é, a princípio, um exercício doloro de inserção no tempo da cidadania e da construção de oportunidades democráticas. Ao dizer, o autor se assina como humano com personalidade; ao desejar contar a história social da atualidade, o jornalista cria uma marca mediadora que articula as histórias fragmentas; ao traçar a poética intimista, que aflora do seu e do inconsciente dos contemporâneos, o artista conta a história dos desejos. (MEDINA, 2003, p. 48).

A autora também define que, atualmente, o discurso cientificista da objetividade e da busca da verdade serve de escudo para a defesa de práticas jornalísticas reducionistas. Esta redução limita o jornalismo e a comunicação tem papel essencial na luta pela cidadania e partilha desses poderes a favor das minorias. Para além da divulgação autorizada das fontes científicas, os comunicadores captam, nos diferentes segmentos sociais, as necessidades humanas. Assim, produtores-criadores da ciência, da filosofia, da arte, do cotidiano, das sabedorias intuitivas e transcendentes entrelaçam, com protagonismo, os significados da contemporaneidade. (MEDINA, 2003, p. 96).


16

Em consonância com os estudos de Medina, Marcondes Filho afirma que houve uma perda na capacidade de reproduzir na comunicação a vivência das pessoas e verbalizar experiências, surgindo uma atrofiação da capacidade narrativa. A história do contar e do ouvir acompanhou a civilização pelo menos até o advento dos impressos em massa. Com a inovação tecnológica do século 19, a humanidade se viu diante de uma objetivação do relato, de uma despersonalização na narrativa e da subsequente subtração do agente humano no processo de transmissão de saberes. Livros, jornais e revistas tornaram-se os recicladores do conhecimento, que, assim, deixou de lado todos os componentes subjetivos da transmissão, tanto seus erros e imperfeições quando seu toque individual, particular, humano. Com isso, como relata Benjamin, a capacidade de ouvir atentamente foi se perdendo e perde-se também a comunidade dos que escutam. (MARCONDES FILHO, 2004, p. 2).

Lima (2011) propõe algumas classificações de livro-reportagem, que dividiu em diferentes grupos. A utilizada durante o processo de escrita foi o “Livro-reportagem-retrato”, que como define o autor: Exerce papel parecido, em princípio, ao do livro-perfil. Mas, ao contrário deste, não focaliza uma figura humana, mas sim uma região geográfica, um setor da sociedade, um segmento da atividade econômica, procurando traçar o retrato do objeto em questão [...] por isso, trabalha a meta linguagem, na troca em miúdos de campo específico do saber para o grande público não especializado. (LIMA, 2011, p. 53).

Utilizei como recurso para atingir os objetivos propostos as histórias de vida, buscando realçar o aspecto da humanização que se procura na grande parte das reportagens em profundidade. Lima (2011) ressalta que as histórias de vida como fonte complementar no levantamento de um tema também usufruem a liberdade, forma e espacial do livro-reportagem. Outros recursos também foram utilizados, como a observação participante, mas em menor escala. Além disso, o trabalho também utilizou do recurso que Lima (2011) denominou como “ponto de vista onisciente e intruso”, em que o narrador realiza comentários em meio à narrativa, realizada em terceira pessoa. O autor também define a narrativa jornalística como aparato ótico que “penetra na contemporaneidade para desnudá-la, mostrá-la ao leitor, como se fosse uma extensão dos próprios olhos dele, leitor, naquela realidade que está sendo desvendada” (LIMA, 2011, p. 68). Dentro desta concepção, o ponto de vista é classificado por Lima como o narrador que assume, em relação à narrativa, os recursos que extrai dos personagens e do ambiente e dos quais se utiliza para comunicar o relato – palavras, pensamentos, percepções, sentimentos e ações – e a distância que estabelece entre o relato e o leitor.


17

2.4 Jornalismo Ambiental O trabalho teve como princípio a busca de uma perspectiva multidisciplinar do Jornalismo Ambiental. De acordo com Bueno (2007), a temática requer o olhar de diversas disciplinas e competências e não se reduz a uma perspectiva meramente técnica ou científica, abrangendo o contexto sociocultural e político para uma elaboração mais precisa do tema escolhido. Bueno também define o conceito de meio ambiente como o complexo de relações, condições e influências que permitem a criação e a sustentação da vida em todas as suas formas. Assim, ele não se limita ao meio físico e biológico, inclui também interações sociais, cultura e manifestações que garantem a sobrevivência da natureza humana. Com esta interpretação, pode-se afirmar que o jornalismo rural está incluído dentro da gama de disciplinas e conhecimentos abrangidos pelo jornalismo ambiental. Na prática, a despolitização da cobertura tenta estigmatizar os que declaradamente apoiam a causa ambiental (considerados radicais), acomodando-se ao discurso que se vale de informações, dados e estatísticas supostamente acima de qualquer suspeita, para fazer prevalecer uma perspectiva comprometida com interesses econômico-financeiros. Ela tenta consolidar o caráter pretensamente neutro da ciência e da tecnologia, o que é nocivo e contraproducente quando se examina a temática ambiental. (BUENO, 2010, p.54).

Mesmo que, à primeira vista, a temática do livro-reportagem escolhida não pareça ser conflitante com os interesses descritos pelo autor acima, devemos relembrar a extensão do agronegócio e a falta de voz nas mídias locais dos assentados rurais. Tais mídias, quando abordam a temática, não saem do contexto exposto por Bueno, de reduzir a situação da fonte de renda em assentamentos rurais a uma questão técnico-científica e priorizar, quando não exclusivamente, a fala de autoridades de instituições governamentais que atuam nestes locais. Bueno afirma que, para cumprir suas funções, expostas anteriormente, o jornalismo ambiental deve incorporar uma visão inter e multidisciplinar que não se limite à fragmentação imposta pelo sistema de produção jornalística e que fragiliza a cobertura de temas ambientais. Esta especialidade do jornalismo deve construir o seu próprio ethos, ainda que compartilhe parcela significativa de seu DNA com todos os jornalismos (especializados ou não) que se praticam por aí. Simplesmente porque comprometido com a qualidade de vida e com o efetivo exercício da cidadania, ele não pode reduzir-se à sedução do progresso tecnológico, do esforço quase sempre socialmente injusto pelo aumento do PIB e da produção de grãos, ou


18

espelhar-se no egoísmo desmobilizado da intelectualidade brasileira. (BUENO, 2010, p.56).

Assim, utilizou-se do apoio de outras disciplinas, como economia e história, essenciais para a realização do trabalho de modo a atingir o objetivo de cumprir as funções do gênero propostas pelo autor. Para ele, são três estas funções essenciais: a informativa, a pedagógica e a política. A função informativa seria a de preencher a necessidade dos cidadãos de se atualizarem sobre temas que abrangem a questão ambiental. A função pedagógica seria a explicitação das causas e soluções para possíveis problemas ambientais e indicação de caminhos para a superação destes. E, por fim, a função política, que seria a de mobilizar os cidadãos para a reivindicação de interesses que condicionam o agravamento da questão ambiental. Para ele “incluem-se entre estes interesses, a ação de determinadas empresas e setores que têm penalizado o meio ambiente para favorecer os seus negócios” (BUENO, 2010, p.13).


19

CONSIDERAÇÕES FINAIS Consegui colocar em prática neste Projeto Experimental o que foi aprendido sobre livro-reportagem, jornalismo de imersão e literário durante os quatro anos do curso de graduação. Acredito que o tema do livro-reportagem envolveu um número de questões além da capacidade de realizar em tão pouco tempo. Tanto a questão agrária do Brasil e do Mato Grosso do Sul, quanto à questão ambiental, que envolve o tema da apicultura, são questões demasiado complexas e com tanto conteúdo e aspectos a serem trabalhados, que foi difícil fazer o recorte apropriado para que fossem atingidos os objetivos do trabalho. Pelas possibilidades de tempo e recursos para a realização do trabalho, o livroreportagem supriu as próprias expectativas de apresentar ao leitor uma versão diferenciada da ótica reproduzida pelo jornalismo hardnews, que não tem condições de abarcar as complexidades que envolvem a situação dos assentados e a busca por novas formas de sobreviver destes e das famílias agricultoras sem-terra. Ao buscar matérias sobre o assentamento Taquaral e as atividades lá desenvolvidas, encontrei releases de órgãos governamentais, destacando as ações do órgão em questão. Há uma falta de material direcionado à população fora da academia sobre a história dos assentados e as condições impostas pelo governo nesses assentamentos da reforma agrária. Neste sentido, o livroreportagem cumpre a função de atingir as pessoas, circular a informação e propagar novas formas de conhecimento. Apesar das dificuldades encontradas já expostas neste relatório, como a falta de precisão e consenso das pesquisas científicas em relação a alguns dados importantes para o trabalho, como em relação à mortandade e o desaparecimento das abelhas, que pautaram um dos principais enfoques do livro-reportagem, cumpriu-se o objetivo de colaborar para a conscientização do tema. Também busquei explicitar para o leitor, através de entrevistas com fontes especializadas, as dificuldades que impedem a concretude destas pesquisas científicas. O assunto abordado envolve, em suma, duas questões – a ambiental e a social, ambas interligadas com personagens vítimas do mesmo processo de exploração da terra e de seres humanos, promovido amplamente pelo agronegócio no Mato Grosso do Sul. Assim, acredito que foi conseguido unir os aspectos e, dentro dos limites acima explicitados, realizar um trabalho jornalístico importante em tempos de cada vez mais intenso descuidado com os trabalhadores rurais e com os recursos naturais.


20

REFERÊNCIAS AVELINO JR., Francisco José. A geografia dos conflitos pela terra em Mato Grosso do Sul. In: ALMEIDA, Rosemeire Aparecida de (org.). A Questão Agrária de Mato Grosso do Sul: Uma Visão Multidisciplinar. Campo Grande, MS. Editora UFMS, 2007. BARROS, Lenir Pedroso de; REIS, Vanderlei Doniseti Acassio dos. Apicultura e Bovinocultura de Corte: Comparativo Econômico da Implantação Hipotética dessas atividades no Pantanal. Corumbá, MS, Embrapa Pantanal, 2006. BOVI, Thaís de Souza. Toxicidade de Inseticidas para Abelhas Apis Mellifera L. Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Medicina Veterinária. Botucatu, São Paulo. 2013. Disponível em (repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/104999/bovi_ts_me_botfmvz.pdf?sequence=1). Acesso em 14 de maio de 2017. BRASIL. Produção de Mel do Brasil em 2010. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2011/03/2/producao-de-mel-cresce-30-em-2010. Acesso em 9 de Junho de 2017. BUENO, Wilson da Costa. Jornalismo ambiental: explorando além do conceito. In: GIRARDI, Ilza Maria Tourinho; SCHWAAB, Reges Toni (org.). Jornalismo ambiental: desafios e reflexões. Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Editora Dom Quixote, 2008. CONCEIÇÃO, Cristiano Almeida de. A agroecologia como estratégia de desenvolvimento territorial em áreas de fronteira, O caso dos Assentamentos Rurais de Corumbá e Ladário MS. Universidade Federal da Fronteira Sul. Campus Laranjeiras do Sul, Programa de PósGraduação em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável. Laranjeiras do Sul, MS, 2016. FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Rio de janeiro, RJ. Editora Zahar, 1973. LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas Ampliadas - O livro reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. 4 Edição. Barueri, SP. 2009. MARCONDES FILHO, Ciro. Violência. In: Pensar Pulsar: cultura comunicacional, tecnologias, velocidade. São Paulo, SP. 2001. MARACAJÁ, Patrício Borges; OLIVEIRA, Alan Martins de; MARTINS, Jacqueline Cunha de Vasconcelos. Apicultura e inclusão social em assentamentos de reforma agrária no município de Apodi - RN. IN: XLV Congresso da Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural, "Questões Agrária, Educação no Campo e Desenvolvimento. Fortaleza - RN. 2006.


21

MEDINA, Cremilda. A arte de tecer o presente: narrativa e cotidiano. 1 Edição, São Paulo, SP. 2003. MENEGAT, Alzira Salete. No coração do Pantanal: assentados na lama e na areia: as contradições entre os projetos do Estado e dos assentados no assentamento Taquaral - MS. Dourados, MS. Editora UFGD. 2014. MENEGAT, Alzira Salete. Mulheres Assentadas e suas Lutas. In: ALMEIDA, Rosemeire Aparecida de (org.). A Questão Agrária em Mato Grosso do Sul: Uma Visão Multidisciplinar. Campo Grande, MS. Editora UFMS, 2007. RAMIRO, Patrícia Alves. O Estigma de Assentados Rurais: A difícil trajetória de sem terra à cidadãos. In: PEREIRA, Verônica Aparecida; MENEGAT, Alzira Salet (org.) Movimentos sociais em redes de diálogo: Assentamentos Rurais, Educação e Direitos Humanos. Dourados, MS. Editora UFGD, 2013. REIS, Vanderlei Doniseti Acassio dos. Pré-diagnóstico da Cadeia de Produtos Apícolas de Mato Grosso do Sul. Corumbá, MS, Embrapa Pantanal, 2003. RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido de Brasil. 2ª ed. São Paulo, SP. Companhia das Letras, 1995. SEBRAE Nacional. A história da apicultura no Brasil. 2011. SEBRAE. Boletim de Apicultura. Disponível em https://www.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/Anexos/boletim-apicultura.pdf . Acesso em 11 de junho de 2017. STÉDILE. João Pedro. A Questão Agrária no Brasil. São Paulo, SP. Editora Atual, 1997. JESUS, Sidnei Esteves de Oliveira. A territorialização dos camponeses no projeto de assentamento amigos da terra e a atividade econômica da apicultura: Uma alternativa para a conservação do cerrado local. Revista Tocantinense de Geografia, Araguaína (TO), Ano 01, n.2, p. 48-59, 2012. JONG, David de. TEIXEIRA, Érica. MESSAGE, Dejair. Situação da sanidade das abelhas no Brasil. Disponível em: http://www.semabelhasemalimento.com.br/wpcontent/uploads/2015/02/2012-Situacao-da-sanidade-das-abelhas-no-Brasil_-In-Polinizadoresdo-Brasil.doc. Acesso em 3 de junho de 2017. FAO (Food and Agriculture Organization). Faostat Database. 2008. Disponível em: http://www.faostat.fao.org. Acesso em 10 de junho de 2017. FERNANDES, Bernardo Mançano. Brasil: 500 anos de luta pela terra, Revista de Cultura Vozes, São Paulo, 2001. Disponível em www.culturavozes.com.br/revistas/0293.html. Acesso em 9 de maio de 2017.


22

PIRES, Carmen Sílvia Soares; PEREIRA, Fábia de Mello; LOPES, Maria do Rêgo; NOCELLI, Roberta Cornélio Ferreira; MALASPINA, Osmar; PETTIS, Jeffery Stuart; TEIXEIRA, Érica Einstein. Enfraquecimento e perda de colônias de abelhas no Brasil: há casos de CCD?. Pesquisa Agropecuária Brasileira (Online), v. 51, p. 422-442, 2016. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/pab/v51n5/1678-3921-pab-51-05-00422.pdf. Acesso em 10 de maio de 2017. Disponível em IBGE. Censo Agropecuário de Mato Grosso do Sul - 1995/1996. Disponível em www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/2006/defaulttab_censoagro. shtm. Acesso em 15 de maio de 2017. Organização Não Governamental Bee Or Not to Bee. Campanha “Sem Abelha, Sem Alimento”. Disponível em http://www.semabelhasemalimento.com.br/. Acesso em 18 de maio de 2017 OLIVEIRA, Ariovaldo. A Geografia das Lutas no Campo. Editora da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 1998. OLIVEIRA, Rogério Rodrigues. Gestão da Apicultura no Distrito Federal. IN: Universidade de Brasília, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade. Brasília, DF. 2011. Disponível em (http://bdm.unb.br/bitstream/10483/2880/1/2011_RogerioRodriguesdeOliveira.pdf). Acesso em 14 de maio de 2017.


23

APÊNDICE Nesta seção, estão anexadas as decupagens das entrevistas realizadas com as fontes utilizadas no livro-reportagem. Decupagens Entrevista Valdinei da Conceição e Edna da Conceição J.F.: Como você e sua família chegaram ao Assentamento Taquaral? V.C.: Nossa, é uma história bem complicada. A gente morava no Paraguai, eu nasci lá. Em 1986 viemos acampar em Eldorado, aí de lá, viemos para Dois Irmãos do Buriti e em 1989 viemos para cá. Ficou um povo assentado lá aí veio um grupo ver a terra aqui e gostaram muito. Eles vieram em fevereiro, e viram tudo verde, acharam que tinham chegado no paraíso, aqui é terra bonita também. Aí viram e lá a terra era meio mista, meio fraca... E. C.: É, a gente tinha a escolha, ou vinha pra cá ou ia pra outra terra ali perto de Aquidauana. Mas como era gente, tinha que dividir. V.C.: Aí a gente veio pra cá. Chegamos aqui em uma viagem cansativa, de trem Jogou o pessoal lá na estação antiga – ficou todo mundo despejado lá. Imagina só a situação, as famílias com galinha, com porco, só o gado que veio depois. J.F. : Você tinha quantos anos? V.C.: Nessa época eu tinha uns 7 anos, sou de 1981. Aí chegamos aqui, ficamo acampado lá num paredão de rocha no morro e o caminhão foi carregando as malas pro campo. Pensa numa situação, chegamo aqui e era só mosquito, não tinha água, sem um barraco pra ficar, sem alimentação, sem nada. Nesse dia ainda meu irmão quebrou a perna, caiu (ele tinha 3 anos). A gente buscava água de bicicleta, num galãozinho. J.F.: Tinha quantas pessoas nessa época?


24

V.C.: Tinha muita gente, era 384 lotes, tinha um pessoal de Corumbá também, tinha umas 20 família de Corumbá também. Veio gente do Paraguais, veio gente de Paranhos, de Dourados, aí misturou todo mundo. Aí criou grupo, o grupo dos Brasil Unido, o grupo dos brasiguaio, a gente tava nos brasiguaio. Aí tinha o pessoal de Jateí, tinha as liderança. Aí em 1991 saiu o sorteio dos lotes, nessa época eu tava estudando no Paraguai, com meus avôs. J.F.: A família dos seus pais vêm de lá? V.C.: Não, minha mãe é mineira e meu pai veio do Paraná. AÍ a gente morava no Paraná Edna: Meu marido era de Terra Roxa, nos encontremo lá e nos casemo lá. Aí se conheceram lá e viemoem busca de um pedacinho de terra porque lá a gente não tinha terra, era muito complicado. Aí surgiu essa oportunidade de ter a própria terra, ter independência, aí viemo pra cá. Se a gente tivesse pegado um sítio na agrovila 1, que enche tudo na época de cheia, acho que a gente não teria ficado por aqui não, né mãe? E.C.: Acho que não, a maioria do pessoal que pegou pra lá desistiu. Era muito difícil, não tinha água, não tinha estrada, acostumado a plantar no lugar que morava antes e a gente plantou algodão, que deu bastante praga e também não foi pra frente. A gente era acostumado a plantar milho – lá no Paraguai dava bastante – e aqui nada. E tinha muito bicho, tinha que ficar no meio da roça tocando periquito pra não comer. Também dava a seca e a lavoura perde né? Aqui é muito seco, quando chove, chove muito mas quando é seco, é seco Começou a cultivar mas não produzia e lá às vezes dava bastante coisa, crescia as coisas mas não tinha preço, né? Não tinha exportação, era difícil de vender e aí a gente acostumado com lá, viemo pra cá e pensamo que era assim, aí não era, né? Aí a gente começou a mexer com pasto, né? Com gado. Mas até pra formar pasto era difícil, não era fácil não. A gente fazia tudo assim no manual, colocando toco no enxadão, fazendo coivara. V.C.: Hoje não tem mosquito, mas quando a gente chegou aqui nosso jeito de ir buscar água era um carroção de boi, a gente ia lá na caixa dágua e a gente tinha que ir em duas. Um descarregava água e o outro ficava tocando as mutuca dos pé do boi, era muita mutuca. Quando a gente chegou aqui, a casa da gente era pra lá do sítio, a gente fez uma passagem no meio do lote do vizinho.


25

J.F.: Qual o tamanho do sítio? V.C.: Esse nosso aqui é de 15 hectares, mas tem sítio de 11,12 hectares, tem sítio de 21 hectares também, é nessa faixa. J.F.: Então vocês começaram a criar gado? V.C.: É, porque a roça não dava... E.C.: Sim, aí no começo as mulheres começou a ir pra cidade pra trabalhar, começou a fazer faxina, lavar roupa, pra sustentar a casa, porque não tinha como né. V.C.: Meu pai trabalhou numa transportadora de descarregar geladeira, móvel, pensa numa vida, e minha mãe trabalhava numa casa de uma dona, era faxineira. E.C.: Era um dia lavando, um dia passando, em corumbá. Ia de manhã e voltava à tarde, enquanto os filhos tavam na escola. O outro irmão dele mais pequeno ia comigo pro serviço. Aí esse aí (Valdinei) estudava em Corumbá, e tinha uma dona lá que ofereceu a casa dela pra ele pousar, aí ele ia de tardezinha, estudava, dormia lá e cedinho ele vinha pra ajudar o pai dele a tirar leite. Aí o pai dele ia e levava o leite pra cidade pra vender, era assim. Foi muito sofrido, muito muito. J.F.: aí seu pai continua fazendo isso? V.C.: sim, ele continua tirando leite, eles fizeram um laticínio lá no urucum, mas não funciona acho que só pra lavar dinheiro, até esse prefeito que tá hoje ele inaugurou no último mandado passado, passou pelo outro e tá voltando pra ele de novo J.F.: Depois de se formar você fez o que? V.C.: Fui pra marinha, fiquei um ano servindo, eu tinha uns 18 anos, aí meus irmãos fizeram técnico agrícola na Uefa em Campo Grande, aí quando apareceu pra mim fazer eu já tava no ensino médio,


26

eu não tive essa oportunidade. Aí em 2008 eu entrei na faculdade, aí eu trabalhava como agente de saúde por dez anos. J.F.: Por que você escolheu fazer biologia? V.C.: Ah, eu queria fazer veterinária, gosto muito da área, de mexer com animal, sempre gostei de mexer com planta. Já tinha uma conexão com esse ambiente, aí fui fazer biologia e gosto muito, adoro, tudo voltado pra natureza, né? J.F.: Qual foi seu primeiro contato com a apicultura? V.C.: Foi ali por 97, quando o pessoal da CPT eles pagaram um curso pro pessoal daqui mexer com abelha e eu fui um dos que participei. Nessa época acho que formou 15 pessoas, e assim que a gente se formou eu me encantei com a atividade, meu pai se animou e já fez um projeto no banco, comprou umas 10 caixas, comprou uma centrífuga também. Até essa pessoa que deu o curso era de uma associação, ele era militar da reserva, aí ele chamou a gente, todo mundo ficou animado né? Pensaram “vamo ativar a associação de novo”, teve gente que comprou 20, 25 caixas, foi muita caixa mesmo, aí depois que a reativou a associação (APAN) e parecia que ia andar a coisa legal e acabou não andando, o indivíduo só vinha na época que precisava de renovar e vinha com promessa mas não fazia, aí teve um monte de gente que fez o curso. Fazer o curso é uma coisa, a prática é outra, né. Você ir lá manter uma rotina, tirar uma abelha do chão é tranquilo, agora derruba um pau e vai tirar pra vc vê, já tomei carrerão de abelha. Teve um pessoal que começou a criar e tinha umas colmeia que teve que se esconder dentro da casa, teve que queimar a caixa, até pararam de mexer depois disso. Ó pra você vê, você faz o curso, tem uma associação que diz que vai ajudar, organizar, estruturar a cadeia e nada. J.F.: e a CPT? V.C.: A CPT foi a que mais ajudou a gente, que trouxe pra gente, teve muita coisa boa, deles a gente não pode reclamar. Eles foram o que sempre incentivaram, desde a época do acampamento, sempre tá ajudando, inclusive em 2011 furaram um poço de 206 metros pro pessoal lá, faziam compra, palestra referente em educação.


27

E.C.: Acho que o maior problema do assentamento mesmo foi a água, não tinha, ainda mais pro pessoal lá do fundo lá, e só água salobra... era uma tristeza. A água quando ferve fica cinzenta. J.F.: E hoje vocês ainda têm problema com água? V.C.: Ainda temos sim, eu fui tentar abrir um poço no meu lote e acabou chovendo bastante, desbarrancou e eu não consegui tirar a bomba, continua sem água lá. Aí em 2011 a gente criou a associação, através do grupo JUMAT, que era um grupo que a gente tinha criado antes também J.F.: Tinha quantas pessoas nesse grupo? V.C.: Tinha umas 50 pessoas, tinha jovem do Paiolzinho, do Tamarineiro... aí começamos a fazer a primeira freira, uma vez por sinal, lá na praça da independência, depois esse grupo deu uma parada e do pessoal que ainda tava criamo a associação. La a outra já tinha captado recurso, eles tinham a casa do mel lá em Ladário, veio todos equipamentos, veio um cilindro que custa 7 mil, veio tudo tudo. O que a gente ganhou mesmo foi em 2013, que a gente começou a participar desse curso técnico e esse recurso foi realocado para comprar equipamento, aí compraram a máquina de sachê, a centrífuga elétrica..a gente abdicou da outra associação.Esse ano em 2011 que a gente criou, a gente conseguiu participar e 20 mil de uma ação de participação social da Vale, também conseguimos comprar macacão, fumegador, cera. Também começamos o projeto com o pessoal da escola Monte Azul.. Mas é complicado o trabalho coletivo com o pessoal, é difícil, mas tem que tentar levar, incentivar, conscientizar. J.F.: Como vocês conseguiram essa capacitação? V.C.: Então, a gente pediu o curso, que ia dar até pro pessoal da escola, aí o Gustavo veio e ofereceu o curso técnico em Campo Grande, aí eu fui participar em 2012 ou 2013. Eu tava até desanimado na época, minhas caixas tavam meio parada, eu era um meleiro, na época. Porque vem a divulgação, uma falação de “vamo ajudar vcs a desenvolver e tal” aí esse cara presidente da associação chegou aqui falando que ia procurar onde ia ser o local da Casa do Mel e tal, aí chegou na hora o cara falou que se o dinheiro não fosse investido do jeito que ele queria, ele ia retirar.Aí a gente abandonou


28

aquela associação, aí fiquei nervoso, pensei que ia morrer a apicultura aqui, mas aí começamo a reunir com o pessoal da CPT de novo, teve um projeto de um grupo italiano aqui que financiou 5 caixas novas, faziam visita, incentivavam. Aí a gente pegou essas colmeias e começamos a tocar, aí fui fazer esse curso, quando cheguei lá e vi aqueles caras falando de técnica de manejo, aquelas coisas todas, e eu pensei que nosso trabalho tava bem pra trás. Até a embrapa veio e tirou foto das minhas caixas, falando mal do serviço de meleiro, mas nunca vinham e davam um tanto de cera pra fazer pupas, nem 1 quilo de açúcar, nada. Aí fui lá, comprei mais caixa, três caixa ninho, aprendi a fazer divisão em 15 minutos, sem precisar ficar dentro do macacão suando e se matando, aí começamo a dar esses cursos aqui. Aí o sebrae contratou o Gustavo pra fazer esse acompanhamento o ano todo, aí nesse acompanhamento o Vanderlei vinha e pregava a faixa de “dia de campo da embrapa”, pô, sacanagem, o cara não tava fazendo nada e vinha pegar lista de presença como se tivesse fazendo atividade. Aí meu irmão tava fazendo residência agrária lá em Dourados, na UFGD, e no TCC dele ele voltou pra apicultura e ele ganhava 4 mil pra investir no lote dele, aí uma colega dele também pegou 4 mil dela e os dois juntaram e arrumaram 8 mil pra construir a Casa do Mel aqui. O primeiro projeto era fazer uma salinha só pra fazer a extração, mas aí pensei “nossa vai ficar um espacinho só, vai ser mesma coisa que chover no molhado”, aí começamo a construir a casa pra não perder os equipamentos também. Aí os 8 mil não dava pra tudo e eu comecei a investir dinheiro do meu bolso mesmo, mas ainda espero que eles vão pagar ainda, até hoje não terminamo ainda, falta acabar o banheiro, precisamos terminar a fossa. J.F.: Vocês chegaram a tentar pedir apoio de alguma outra entidade pra construção desse local? V.C.: Sim, tentamos sim, mas a gente não conseguiu, a única coisa que a gente conseguiu da prefeitura agora foi o SIM, que eu ia fazer até pra mim no meu nome, mas aí falei “não, se não for pra associação não vou querer”, aí veio o veterinário fez a vistoria e liberou, aí ano passado com uma parceria com a UCDB conseguimo veterinário que ta pagando pra gente. Aí começou a aumentar a produção, a gente produzia 200 quilos e ano passado a gente colheu uns 4 mil quilos, que até hoje tá guardado. J.F.: Desde que você fez aquele curso, lá em 1997, você já pensou que seguiria a apicultura como profissão?


29

V.C.: Olha, acho que sim. Sempre tive uma vontade, aí fui até fazer um curso de cosmetologia, aprendi a fazer sabonete, xarope, aprendi tudo. Quero mexer com os produtos derivados da abelha, isso aí dá dinheiro. Mas falta o material ainda. Morar fora de um grande como Campo Grande é difícil, lá em Campo Grande você acha álcool 70 por exemplo, aqui um vidrinho custa 15 reais ou mais até e pra fazer esses produtos vc precisa de tambor de 15, 20 litros, então dependo disso, tenho que encomendar, até chegar e tudo mais. Vou mexer ainda mas é mais pra frente, mas é complicado. Teve um trator uma época que era pra vir mas não deixaram vir pro assentamento o trator. Queriam que a gente disputasse com outra associação, acabou que nenhuma das duas ficou com o trator. J.F.: E a AGRAER teve alguma participação positiva em algum sentido? V.C.: Na época da festa do mel eles ajudaram a gente, pq aí já mudou de gerência, com todas as limitações dela ela até ajuda, mas o outro não. J.F.: Quais são as maiores dificuldades hoje em dia da associação? V.C.: Bom, a dificuldade é manter um veterinário que é caro. A gente conseguiu pagando um salário mínimo pra ele, mas é mais. Aí esse veterinário tá como responsável pela casa. Na verdade, acho até que essa lei é meio atrasada, eu sou biólogo e apicultor eu deveria poder assinar por isso. Diz o Gustavo que tem um zootecnista que entrou na justiça e conseguiu, porque essa lei é acho de 1940, é bem atrasada. Vai também dos gestores públicos, da boa vontade.Outra dificuldade é os equipamentos que tudo muito caro. Aí trabalhar com a apicultura sem o conhecimento adequado vai perder o enxame, vai perder a cera. Acho que a Agraer teria que fazer esse trabalho de orientação, fazer essa capacitação com esses apicultores, você fazer um curso é uma coisa, você chegar lá e derrubar, é outra, cada enxame é diferente. J.F.: Você acha que com mais investimento e até apoio de entidades governamentais, a apicultura como fonte de renda principal aqui no assentamento?


30

V.C.: Com certeza, o que falta é isso, investimento, acompanhamento técnico, se tivesse isso... Olha essa natureza nossa, que local do Brasil tem toda essa vegetação silvestre que pode tá produzindo mel de qualidade, com um sabor único no país? J.F.: Você acredita que tem chances de uma implementação do selo de IG, Mel do Pantanal? V.C.: Olha, a gente ouve falar muito nesse mel do pantanal, muita propaganda e até hoje não vi nada, é uma coisa que não sei se vai sair, se a gente vai conseguir algum dia ser beneficiado com essa certificação, eu acho que é muita barreira sendo criada também, mas não to acompanhando muito de perto isso. J.F.: Há uma demanda pelo mel em Corumbá e região? V.C.: Eu vejo muito mel de fora aqui mas ainda não fizemos uma pesquisa de mercado pra verificar isso. Mas creio eu que o pessoal consome muito sim. Eu vi até um dia desses um senhor com um balde de alumínio, na frente do Banco do Brasil, com um favo dentro de mel e o pessoal comprando. Um dia até ri que ouvi até o cara falar “ah esse mel mesmo, ó o favo lá”, sendo que o cara pode por xarope, colocar um favo que ele tirou de uma colmeia do mato e vender como mel. É um negócio cultural, o cara acha que mel mesmo é aquele que o cara espreme na mão, dentro de um balde, sem cuidado, com suor, óleo de corrente de moto serra, sujeita..O meleiro não tá preocupado com a qualidade, ele quer pegar e vender, ele é igual o urso. J.F.: Tem bastante gente que faz isso aqui no assentamento? V.C.: Ah, tem muito, no pantanal tem muito e aqui também tem. J.F.: Existe incidência de desaparecimento de abelhas na região? V.C.: Aqui não temos muito esse problema porque não é área agrícola, não tem agrotóxico, nem monocultura. Acho que também tem a ver com os transgênicos, o milho por exemplo, o milho transgênico é modificado pra lagarta do cartucho, a abelha em período de larva é uma lagarta, aí a abelha pega e coleta o pólen pra alimentar a cria, que é uma larva, e acaba morrendo. Sem contar


31

que isso também tá agredindo a gente também, não só a natureza. E também tem a monocultura, eu acredito cque com a escassez de pólen, que alimenta a cria, vai afetando, se não tem pólen de qualidade, vai eliminando, seria tipo uma seleção genética forçada pelo homem. O trabalho aqui acaba sendo bem importante mas também desafiador. Se você trabalha no sul, chega aqui com 200 colmeias e desiste da atividade, aqui a flora é atípica, o clima é diferente, não é fácil, é desafiador, eu to aprendendo aqui na prática, pode até produzir menos mel mas pra entrar aqui tem que ter uma boa noção do clima, da região...até porque acaba secando o néctar.


32

Entrevista Armin Beh J.F.: O que te fez vir pro Brasil e como se deu este processo? A.B.: Isso começou em 1995 já, naquela época eu estava estudando na faculdade na Alemanha e eles ofereceram um curso de Português para os engenheiros florestais. Era uma brasileira casada com um alemão que dava o curso e eu participei. Me formei em 1996 e em 1997, em janeiro, o exprofessor ligou para as pessoas que participaram do curso e ofereceu uma vaga para um trabalho no Brasil, mais especificamente no Rio Grande do Sul, em São Francisco de Paula. Era um projeto de reflorestamento. J.F.: Quanto tempo você ficou por lá? A.B.: Foram seis meses que fiquei lá. Eu gostei muito da experiência e depois ainda quis voltar para o Brasil, de preferência fazer um trabalho aqui. Eu sabia que uma mulher da minha cidade morava no Brasil há mais de 30 anos. Eu não conhecia a mulher, mas conhecia os irmãos dela, então contatei eles e mandei uma carta pra ela. Isso foi em 1998, acho. Naquela época não tinha email ainda. Mandei a carta pra ela e por coincidência, ela fundou uma ONG no Mato Grosso, em Cláudia, perto de Sinop, chamada GAPA, que significa Grupo Agroflorestal de Proteção Ambiental. Em 1999 queimou a reserva florestal de Cláudia e esse GAPA quis reflorestar a reserva, e foi nesse mesmo momento que chegou minha carta e ela respondeu “Sim, pode vir, não posso pagar nada pra você mas você pode ficar na minha casa e vai ter comida e cama, e se quiser nos ajudar é bem vindo”, e assim, no 1 de janeiro de 2000, entrei no avião e fui pra Mato Grosso. Fiquei 4 semanas lá e fizemos este serviço e gostei muito de lá, é bem diferente. No outro ano pensei “vou voltar”. Voltei de novo em janeiro e já comecei a mexer com uma oficina de adubo orgânico. Em 2005 surgiu um projeto de reflorestamento que começou em 2006 pra ficar em Mato Grosso. Trabalhei três anos neste projeto e depois do vencimento do contrato eu já tinha contatos lá e me ofereceram uma vaga na ICV (instituto centro de vida) e trabalhei pra eles. Fiquei morando em Cláudia e trabalhava em Alta Floresta. Trabalhei mais três anos nessa ONG e depois que venceu aquele contrato também, eles ainda queriam que eu ficasse e havia um projeto lá com os madeireiros de Porto Iguaçu mas eu não gostei da ideia de trabalhar com os madeireiros e em 2008 mandaram alguém mandar entrar na minha casa e me ameaçaram de morte.


33

J.F.: Ameaçaram por que você trabalhava para esta ONG? A.B.: É. Naquela época havia uma operação da Polícia Federal em Cláudia, que ficaram lá por um tempo, e eles acharam que eu fosse o dedo-duro do Ibama, não sei, um absurdo. Foi um tempo meio difícil, mas não saí. Pensei “eles querem que eu saia, então vou ficar”. Me mudei pra Sinop, em 2010 e elaboramos um projeto de reflorestamento em grande escala. Compramos sementes dos assentados e jogamos dentro de uma máquina de plantar milho e plantamos assim no campo, em larga escala. Gostei muito desse trabalho. Enquanto isso, a Verônica passou num concurso aqui e falou que ia para Corumbá. A.B : Você conheceu ela lá? A.B.: Não, conheci ela em São Paulo, em 2007. E ela saiu de lá em 2011, Pedro tinha 8 ou 9 meses quando ela saiu e eu fiquei em Sinop com o Pedro e ela veio pra cá. No outro ano eu vim pra cá, olhamos aquele sítio no Taquaral e escolhemos aquele sítio e então me mudei pra cá. Em junho de 2012 fizemos a mudança, com caminhão, com toda aquela esperança, chegamos aqui com 15 cabras. J.F.: Como vocês ficaram sabendo do assentamento Taquaral? A.B.: Como a Verônica morava aqui na cidade na casa de um velhinho, e um cara do taquaral vendia pão e ele vendeu pão pra aquele velhinho que sabia que a Verônica tava procurando um sítio e conversou com esse cara e perguntou se ele não sabia se havia algum lote para vender. Assim, ele fez o contato e a Verônica foi até lá e depois ela me chamou, na páscoa de 2012, eu vim pra cá, eu mesmo gostei, apesar de que eu não gostava tanto de Corumbá, pois já conheci a cidade antes. Não gostei muito da região, gostava mais da Amazonia mesmo, mas qualquer canto pode-se ajeitar. Então eu falei com ela “Se você quiser que eu more aqui, a gente tem que morar num sítio”. O começo era meio difícil porque a gente não conhecia ninguém aqui mas devagar fizemos os contatos. Chegamos lá e o Taquaral tem um problema com água e nós entramos naquela casa e no outro dia já não tinha água. O lote tinha dois poços mas um deles tinha a fossa do esgoto perto, então a Verônica não quis usar aquela água. E eu tinha que carregar a água do vizinho no carro. E


34

a água de lá é salobre e a água doce tem que trazer da cidade. No fim do primeiro ano quebrou o carro, a gente ficou sem carro e sem água. Era muito difícil. Em Sinop eu mexia com um viveiro, com 5 mil mudas, e eu trouxe muitas frutíferas, mas o caminhão da mudança quebrou no caminho e ficamos três dias na estrada, quando cheguei aqui, de 300 mudas que eu trazia, só tinha 100 vivas e quando chegamos aqui não tinha água pra molhar muda e elas morreram. No outro ano quis plantar milho, plantamos e logo veio uma lagarta e comeu, perdi o milho também. J.F.: Quando vocês chegaram no sítio, você tinha alguma ideia do que ia fazer como atividade no lugar? A.B.: Eu queria fazer um viveiro de novo, e quando eu vi que não dava, fiquei meio desesperado, pensei em ir embora. Depois a gente quis por 220v na casa, que era 110v, e nós chamamos um eletricista e ele não quis subir na casa, eu subi e fiz o serviço, Aí até fiz um curso de eletricista porque pensei “quem sabe posso trabalhar como eletricista, pelo jeito existe uma falta aqui na cidade”. Fiz aquele curso mas era difícil de divulgar e com os anos, comecei a fazer linguiça, trouxe um moedor de carne de Sinop e comecei a fazer a linguiça, com uma receita alemã, é tipo uma salame. Eu comprava carne de porco e bovina. Fiz ela e no começo não vendia nada, passávamos casa por casa e nada. Na Alemanha, saía e em uma hora tinha vendido mais de 10 quilos. Só depois de um tempinho surgiu a Feira do Produtor, que eu participei e assim começou o contato com o pessoal da Valdinei. Eu comprava leite no vizinho e começou a faltar leite lá, então fui comprar leite na casa do Valdinei, do pai dele, e eu sabia que ele mexia com abelha mas como o Pedro tava pequeno e eu tinha que cuidar dele, eu falei que não ia participar. Mais de um ano depois que eu cheguei, eles me chamaram pra uma reunião e falaram que estavam abrindo para novos sócios e eu falei “posso até participar mas sem mexer com abelha”. Fizemos aquela reunião e só depois não chamaram, e nas eleições de 201 eles chamaram e precisavam de um comitê eleitoral, que eu fiz parte. Eu era secretário do comitê. Quando eu cheguei lá, o Pedro falou que tava faltando diretor de marketing e perguntou se eu não queria participar. Naquele dia entrei na associação. J.F.: Este foi seu primeiro contato com a apicultura ou você já tinha tido uma experiência na área anteriormente?


35

A.B.: Em Mato Grosso, eu trabalhei muito com pequenos produtores rurais e assentados, e já organizei um curso de apicultura. Nesses projetos eles mexiam com apicultura também. Eu, pessoalmente, já me interessei com apicultura e já até li um livro sobre, mas na Alemanha nunca mexi com abelha. J.F.: Qual é a relação do florestamento com a apicultura? A.B.: Olha, nesses projetos eles sempre falavam que o maior protetor da floresta é o apicultor porque ele tem o interesse de manter a floresta em pé e intacta pra ter a flor pra produzir o mel. E realmente é isso. O apicultor tem muito interesse de preservar a floresta e ele vive da floresta. Só que em Mato Grosso essa relação era maior. Aqui, tem uns que até derrubam a floresta. Talvez porque aqui tem uma reserva. Lá tinha uma preocupação maior. J.F.: Qual a diferença entre a apicultura praticada no Brasil e na Alemanha? A.B.: Olha, a maior diferença é que lá eles mexem com a abelha europa e aqui é a africanizada. Aqui no Brasil, pelo desempenho, você tira mais ou menos a mesma quantia. Na Alemanha, a dificuldade é que tem certas pragas e no Brasil ainda não tem. Por exemplo, a varoa, que destrói enxames e a africanizada consegue combate-lá. Mas a africanizada é mais agressiva e o veneno é mais forte. Ainda há uns anos a Alemanha era o maior comprador de mel aqui no Brasil, pra beneficiar o mel e revender para outros países da Europa e dava certo. Reparei aqui que o produtor do Brasil quer produzir e vender o mel, mas não se preocupa tanto com a venda. Lá na Alemanha vendem melhor. O alemão também come mais mel. J.F.: Você acha que a apicultura tem a capacidade de ser a fonte de renda principal para os assentados? A.B.: Olha, eu acho que o grande problema no Brasil, em todos os assentamentos que andei, é que o assentado não consegue trabalhar numa cooperativa ou numa associação. O brasileiro não tem esse costume, eles preferem trabalhar individualmente. A maioria das cooperativas vêm do Sul do Brasil, porque tem raízes nos apicultores alemãos, porque o alemão tem esse sentido de trabalhar em conjunto. Também estou vendo este problema na nossa associação. Acredito que a apicultura


36

pode virar uma renda principal para o pequeno produtor mas ele tem que aprender a trabalhar mais em conjunto. Também não adianta criar uma associação sem saber o que significa uma associação. Talvez a melhor forma para o apicultor é criar uma cooperativa, só entregar o mel e a cooperativa faz toda a venda do mel, porque um apicultor sozinho não pode nem trabalhar, já que o manejo um tem que fazer fumaça e o outro maneja. Ele tem que aprender a trabalhar com um núcleo pra beneficiar o mel, e o apicultor entrega o mel lá e só se preocupa com a produção. Se fosse assim, ia dar mais certo. J.F.: Você tem esperança de que isso ainda aconteça? A.B.: Isso acho que vai ser bem difícil. Porque você pega essas pessoas e poucas trabalham e a diretoria tem que ser forte. Acho que é difícil... J.F.: As entidades governamentais cumprem o papel de ajudar estes assentados neste caminho? A.B.: Você olha por exemplo a Agraer, ela tá atrapalhando, não tá ajudando. Ano passado tinha essa Rota de Desenvolvimento do Governo e um braço dessa rota era a apicultura. Eles fizeram um evento e a gente ganhou duas peneiras. Isso foi o que eles nos deram. E eu até acho que o caminho errado é de dar uma peneira, ou alguma coisa, pra associação. A associação precisa de projetos para trazer recursos e até mesmo empréstimos, com juros baixos, para comprar as coisas porque muitos apicultores não têm condições de comprar caixas. Eu acho que dá tudo de “casa” não resolve, porque o cara que recebe não dá valor. Então dá duas peneiras não resolve nada. O certo é ajuda a apicultor a aprender a caminhar, caminhar sozinho. E isso eu não tô vendo. O que eles gostam de fazer aqui é fazer alguma oficina e repetem muita coisa que o apicultor já sabe, tiram foto, passam uma lista de presença para justificar a verba que eles mesmos receberam, e eles não se preocupam com o apicultor. J.F.: E a fiscalização da Iagro, tem surtido efeitos benéficos? A.B.: Eles já vieram algumas vezes e perguntaram quem tinha abelha para fazer o registro, mas fora disso eles não apareceram mais. Mas eu também não vi eles ajudarem. J.F.: O que significa a apicultura pra você?


37

A.B.: Significa aprender com o bichinho como se vive numa sociedade. J.F.: Por que você decidiu sair do sítio e voltar pra cidade? A.B.: Um amigo meu uma vez me falou “Atrás dos grandes mistérios da vida, tem uma mulher”. Na verdade, a Verônica nunca gostou do sítio e eu sabia que eu ia ter que me despedir de lá. Tínhamos vários motivos é que é assentamento e eu sou alemão, não posso ter terra no Brasil, e a Verônica é concursada e também não pode. Quando fosse vir uma fiscalização a gente provavelmente ia “rodar”. Geralmente no natal eu viajo e no último e enquanto isso o vizinho pegou umas cabras que a gente tinha pra comer e quando eu cheguei tive a tristeza de perder umas 30 cabras. Assim eu fiquei meio desanimado e a Verônica tinha que pegar ônibus todo dia. J.F.: Você pretender continuar trabalhando com a apicultura? A.B.: Pra falar a verdade, sair do assentamento, morar na cidade e mexer com as abelhas não vai dar certo. Só peguei a vice-presidência porque não tinha ninguém, aí eu tava pensando em fazer outro papel na cidade, mas mexer com as abelhas não. Acho que vou dar as caixas para o presidente.


38

Entrevista Adilson de Jesus Vieira

J.F.: Como você chegou ao assentamento? A.V.: Nós somos paranaense, né? Eu sou de Maringá e ela (Maria) de Assis, Paraná. Aí nós fomo pro Paraguai, aquele tempo no Paraguai, e nós trabalhava assim de arrendatário, da terra dos outros. Aí surgiu aquela época do falaram que ia cortar terra no Brasil, aí meu pai já saimo de lá do paraguai e fomos diretos pra uma fazenda e com 6 meses fiquemo em Eldorado, fiquemo numa base de um ano e três meses, até 86. Aí de lá nós viemo lá pro Santo Inácio, assentamento ali perto de dois irmão. Lá fiquemo mais um ano e seis meses mais ou meno. Aí quando foi 89 pra 90 nós veio direto pra cá, aí nois tá aqui até hoje. J.F.: Quais foram os principais impactos que vocês sentiram quando chegaram? A.V.: O clima e a plantação, a plantação de lá é diferente, a terra é diferente, a terra aqui é muito boa mas a gente depende de chuva e sol, muita chuva estraga e muito sol também, aí tem que ser controlado. Aqui nós apanhou muito porque não tinha água e a época da seca aqui, principalmente cheiro verde essas coisas, aguado deu bem bom, e aqui é bom que não usamo inseticida essas coisas. Então tudo nós estranhamo nessas coisas aqui, aí a gente veio de lá que dava bastante milho e não deu certo porque o algodão dava também só que o problema pessoal de campo grande e dourados ia vir aqui e pagar bem barato, e pagar frete é mt longe pra levar, né? Aí nós paremo com essa agricultura grande, de soja, feijão, essas coisas. Aí nós fiquemo mais com produto de feira, horta, aí graças a Deus compramo umas vaquinha leiteira, aí depois comecemo a ir pra feira' e comecemo a ver o foco do outro lado. Aqui é agua salobra mas a gente aguando verdura dá bem bom, de qualidade, e não precisa a gente passar veneno, né? nós aqui é acostumado a chamar de veneno.. então aqui tudo é natural, aí a gente agora comecemo também com essa associação que o amigo trouxe pra cá e nós já ta no ramo da apicultura também J.F.: Qual foi seu primeiro contato com a apicultura? A.V.: Através do Valdinei, né? Ele começou a estudar nas escola e querer ir pra lá e ele sempre via sinal de umas pessoas falando da apicultura, aí tem um aqui que já mexe comigo, aí conversamo


39

com ele também. Aí através que ele foi apresentando os amigo dele já veio esse foco da apicultura.. Começou devagarzinho e Graças a Deus vai dar certo! J.F.: Você fez o curso que a CPT realizou em 97? A.V.: Eu fiz um curso com o pessoal da CPT, o primeiro curso. Curso brutal mesmo, tirava abelha no meio do mato, mas não pra matar né? Já tinha um preparo já. Aí o dineizinho meio que me chamou, ele foi pra Goiás, pra Guia Lopes e ele já tem um curso mais avançado, ele já fez pra fazer enxame mas ele já me ensinou também. Então eu to com o curso antigo e tá dando certo, graças a Deus. J.F.: E você gosta de trabalhar com isso? A.V.: Gosto mesmo, iih! É uma coisa que tem saída, entendeu? Aqui tem saída. A gente começa que nem nós tem os nossos freguês assim, que nem essa época do frio, é só por uma banquinha lá, tem vez que vende umas 10 embalagem, 5 embalagem. Quanto mais vem o frio bravo, os corumbaense já dá gripe, aí já toma com mel e limão, e dá certo. E vai dar certo mais ainda porque nós temo o certificado agora. Agora é partir pra arriba. A turma ta desacreditada né? pessoal acha que mel dá muito trabalho.. mas não dá não, não dá não. tem que pegar e experimentar pra ver. Eu experimentei, gostei e nóis tá aí. Meu filho trabalha no quartel e já teve pedido, ja mandei mel pra lá. E nós tá começando mas agora que vai ser alavancado, agora vou focar só no mel e nas vacas. Vamo partir, fazer mais enxame, porque aqui tem bastante, né? J.F.: Quanto mel você tira por caixa? A.V.: Numa caixa só de melgueira nós fez uns 380 reais, ela deu 20 quilo, aí a gente vende J.F.: Você acredita que o assentamento pode ter mais apicultores? A.V. : É porque a turma não tá acreditando muito, né? Teve gente que ficou entrando e saindo da associação. Mas eles queriam ver dinheiro rápido, tinha gente que entrava e não tinha ponto na feira, não tinha lugar pra vender, e pra entregar tinha que ter o SIM, aí não tinha como levar, mas agora com o SIM que saiu aí é certeza que o mercado vai abrir as portas, e eu tenho meus pontos na feira, aí nós começa a fazer propaganda, né? minha parte já tá feita né, meu mel particular já até acabou, já to pegando do dinei pra passar pra frente.


40

J.F.: Você tem quantas caixas? A.V.: Olha, eu tinha que ter 12 caixas, nós até registrou no Iagro, tudo registradinho também. Só que eu descuidei né? Eu fui lá, bobeira minha, produziu muito mel e eu pus uma melgueira em cima, aí eles ficaram mt acesso, aí foi embora, uns 3 enxame. Aí fui lá mas vou recuperar pra nós fazer enxame, vou fazer cera e nós vai começar. Hoje eu tenho 8 enxames. Tá chegando um friozinho vou ter que tratar dela né? Tem que controlar, eu vou partir pra arriba. J.F.: E apoio de órgão governamental tem sido suficiente? A.V.: Isso aí pra nós falta né? Ele mesmo conseguiu o SIM e demorou uns 4 anos, é! Foi sufoco, eles que correram atrás, ainda bem que cumpriu agora. J.F.: Você fez parte da APAN? A.V.: Ah, não, lá tinha que dar um dinheiro adiantado. Aí o dinei começou a falar sobre abelha, aí teve um amigo meu que tinha umas caixa e ele foi embora, aí ele veio aqui e fez a oferta, de três caixa, macacão, luva..ele veio e falou "eu vendo pra voce, rapaz, vou embora, nao vou mexer com isso mais'', aí eu fui perguntei pro dinei e ele falou que é bom, aí eu falei: bom, já sei um pouquinho né, fiz o curso, vou tentar pegar, aí consegui, peguei os três enxame, aí comecei com esses enxame, depois entrei na associação, aí aprendi um monte de tipo de coisa, agora é partir pra arriba, agora é só produzir enxame, não vamo mais pegar no brutal. J.F.: Você acha que a apicultura pode vir a se tornar uma atividade principal? A.V.: Vai ser! A renda principal nossa vai chegar uma época vai ser abelha e criação de leite, vaca leiteira, porque aqui pra começar já não pode trazer inseticida né? Aí as plantação aqui pra produzir tem que ter ne, então a turma tá concentrando no gado e na plantação de mandioca, que nao vai inseticida. Pras abelha isso tudo esses mato aqui dá flor, pro gado também vamo partir pro selo, aí vamo ficar com esses dois produtos, né? Já ta sendo assim já J.F.: Quanto de gado você tem? A.V.: Vaca mesmo nós tem umas 63, vaca leitera mesmo deve ter umas 18, porque eu selecionei, daqui uns 3 anos vou ficar só aquelas mesmo que é de qualidade. É isso, tá dando resultado, a gente


41

ta tirando uns 80 litro de leite, mas porque a de raça mesmo só tenho três, dessas três é 10 litros. Nosso leite lá é 2,50 o litro. J.F.: E você gosta de morar aqui? A.V.: Ah, daqui eu só saio pra dar uma passeado e voltar rapidão, graças a Deus, hoje aqui é nosso lugar, tem uns 8 anos, mas no tempo antigo, nós plantava algodão, Os cara vinha comprava algodão, não pagava, aí nos plantemo milho mas não deu certo. M. V: Temo até hoje divida que não conseguimo pagar... A.V.: Nós não é rico aqui, aqui não tem nenhum rico, graças a Deus, mas tudo montado numa situação que não sofre, não passa apuro, né? mas porque a gente comecemo a ver o que corumbá consome e o que o pessoal produz. Ainda tem gente que sofre ainda, tem gente que tem sítio mas não produz nada, porque não pegou o caminho de corumbá e daqui, já foi embora já. Meus parente foi tudo pra Campo Grande, e eles falam pra mim "vende o lote e vem aqui" e eu falei "tá bom, vou vender, cê fica esperando sentado aí". Mas agora nós tem tudopra dar certo M.V: teve um menino até que trocou um lote por uma moto, uma fan, e foi embora A.V.: mas é que nem eu falei procê, eles não aguentou também, nós tem que dar parabéns pra nós mesmo né dinei? que nós aguentou, era pernilongo, essa turma que tá aqui é só gente raçudo que aguentou, não tinha água, a gente furou um poço aqui. Nós que furemo poço logo no começo e não se arrependeu não. Eu paguei dentro de três meses, custou 18 mil, graças a Deus Deus também entrou na nossa vida, deu esse foco, veio o irmão dele que trabalha na CPT já mexendo com projeto e eu comecei a mexer com horta, aí foi sombrite, uma caixa, as mangueirinha, com seis meses cê começa a pagar, aí eu parti pra arriba, eu comecei a plantar, fiquei 7 anos mexendo, mas aí eu parei por causa do inseticida, agora o ultimo projeto nosso é a abelha J.F.: Por que você parou com o inseticida? A.V.: Ah, um pouco a idade, né? E as abelha também, de manhã cedo as bichinha tudo produzindo mel e eu ia passar inseticida e ficava com dó, e eu ia salvar as pranta mas acabava matando as bichinha ainda, aí eu parei... escolhi saúde e as abelhinha, Graças a deus agora a abelha é um foco


42

e que dá certo, nós já tá no ramo já, vamo criar umas galinha também, vai ter saude pra nós e produz aqui, o mel mesmo eu tiro hoje quando é amanhã já vendo, num dá muito trabalho não


43

Entrevista José Maria Melo

J.F.: Como você chegou aqui e de onde você é? J.M.: A gente veio de Três Lagoa, só que antes de eu chegar aqui ficamo em Dois Irmãos dois anos, daí a gente veio pra cá pro Taquaral, aí foi em novembro de 89 a gente chegou aqui, daí ficamo mais inda um tempo, mais dois anos aguardando a definição dos lotes, né? Aí em 91, em setembro, foi o sorteio, aí cada um foi pros seus lotes batalhar. Uns levou melhor sorte, tinha melhores condições e tal, desenvolveu mais, e outros que com menos condições ainda tá patinando, mas insistindo e não pode desistir não, tem que insistir até o dia de dar certo J.F..: Veio você sua esposa e filhos? J.M.: Sim, agora tô na minha segunda esposa. Os filho tão lá em Sidrolândia. Não guentaram mosquito e foram. J.F.: Quantos filhos o senhor tem? J.M.: Cinco. J.F.: Quais foram as principais dificuldades que você encontrou quando chegou aqui? J.M.: Na verdade, foi tudo. Não tem como especificar. A gente não tinha condições de comprar nada, não tinha locomoção, não tinha nada, só as pessoas no meio do mato assim, sem nada. J.F.: Qual foi seu primeiro contato com a apicultura? J.M.: Meu primeiro contato foi em 2005. Veio o Gustavo e o Pedro falou pra mim ir fazer o curso. Pensei "Olha, a gente já tentou tanta coisa, não custa tentar mais uma né?", aí fiz o curso em 2005. Passou oito anos, em 2013, ele retornou e a gente deu continuidade. Fiz mais dois cursos ainda com ele. J.F.: E você gostou?


44

J.M.: Foi bom. É bom porque é uma renda. O pessoal fala que é complementação de renda, eu não vejo assim como simplesmente complementação não, eu vejo como renda mesmo. Fonte de renda. Não vai complementar nada. J.F.: Antes de o senhor vir pra cá que atividade exercia? J.M.: Eu cultivava, primeiro plantio que a gente tentou aqui foi algodão. Algodão, milho, mamona, mandioca. Essas coisas. No primeiro ano produziu uma quantia de algodão que ninguém jamais tinha visto em outros lugares, aí o povo pensou "aqui que é o lugar", aí a partir do segundo ano, nada. E o pior de tudo, o Banco do Brasil quando viu aquilo abriu o cofre, jogou as chave no mato e mandou a turma entrar. Mas meu Deus do céu, a gente entrou com tudo, aí negativou tudo também, tem neguinho enterrado até aqui e nunca mais vai sair dessa dívida. Entraram e entraram valendo, esses morrem ele, os filho, neto, bisneto vai morrer tudo e a dívida vai ficar, não vai pagar. Foi complicado, viu? O começo foi muito sofrido. A sorte era pouca, pequena, mas mesmo assim eu suava ralando aí consegui, sair. Falei, ó não quero mais, ralei muito, chega. Aí veio Pronaf, pessoal se animou, eu olhei e falei "Gente to com o lombo ardendo até agora, não não não. Fico sem nada, mas também não fico devendo pra ninguém, eliminei aquela dívida, não quero mais não". É difícil, muito difícil por que às vezes não alcança aquilo que a gente pensou, às vezes a gente não chega naquilo, aí complica, complica mesmo. A pessoa fica sem ter como fazer nada. J.F.: Depois que não deu certo o algodão, o que o senhor pensou em fazer? J.M.: Mamona. Aí apareceu um conhecido de Cassilândia, se instalou aqui em Corumbá, aí veio com essa história de semente de mamona e eu fui lá e peguei as sementes dele. Não deu nada, crescia um pouco assim, dava uns cacho tudo grande, mas era só um cacho cada pé, pegava as frutinha assim tava tudo xoxa, tinha nada. Aí pensei "Meu deus, o que será?"', ai era enxadão, bati o enxadão e arranquei tudo. A gente ralou muito aqui e tá ralando ainda. Tem que ralar. Ralar é bom. Ruim é sofrer, sofrer é ruim, mas ralar é coisa normal da vida. Tem que ralar, todo mundo tem que ralar. J.F.: E depois da mamona? J.M.: Aí tentei o feijão, também não deu. Tem partes ali na morraria, outros lugares pra lá que produz, mas aqui, nesse trecho aqui, não produz feijão, não produz milho... Algumas coisinha


45

pouca assim, mas produção da gente olhar e falar "aqui produz", não, então não compensa. Aí tem que ser capim e criação. Se tiver condições de comprar criação, aí põe capim e cria, porque é a única coisa aqui dessa região nossa aqui, é complicado. J.F.: Aí então você foi lidar com gado? J.M.: Não, não quis, porque na época não dava. Eu sozinho tava mal de saúde também. Parei e deixei quieto, aí depois recuperei da saúde, mas foi uns 6 ou 8 anos depois. J.F.: O que o senhor tinha? J.M.: Ih, era tanta coisa. Tava bombardeado. Pensei "não vou dar conta". Ano passado até pensei em entrar no Pronaf, mas aí só com esse pedacinho de pastinho que tem aqui esse trem não dá. Eu tenho que fazer mais pasto pra daí entrar no Pronaf, porque aí com a criação, pega leite, faz queijo, vende queijo, produz bezerro e vai vendendo, aí consegue, mas assim do jeito que tá aqui só esse pedacinho, não vai dar certo. "Eu vou ficar enrolado aí, não vou conseguir pagar as parcela quando vence e aí vai remontando uma em cima da outra, aí vou ficar igual muitos que têm aí, vão morrer sem pagar a dívida, porque o Pronaf não sai das contas". Mas é, a gente observando, tem hora que eu num consigo imaginar, como eu to aqui ainda, a maioria das pessoas que vieram pra cá, retornaram, desistiram, foram pro Sul, Paraná, Goiás, voltaram pras suas origens. Das 305 famílias de fora que vieram pra cá, se contar 50 já acho muito. J.F.: O senhor já pensou em desistir? J.M.: Desistir não. Vou até eu chego onde eu penso, se não der também é aqui mesmo, não desisto não. Eu gosto daqui, com todas as dificuldades, eu gosto daqui, é o lugar que eu fico tranquilo, respirando um ar bom, o melhor ar do mundo e sem tormento na cabeça, então pra que que eu vou sair daqui? Sair daqui pra onde? Fazer o que e aonde? se eu sair daqui vou ter que ir pra cidade, e lá na cidade o que que eu vou fazer? será que vou sair com dinheiro pra comprar pelo menos uma casa? Muito difícil acontecer isso, e aí? Ficar lá, catando bituca na rua? Não, não, aí não pode. Prefiro ficar aqui, aqui pra mim é bom, muito bom. J.F.: O que significa a apicultura pra você?


46

J.M.: É fonte de renda. Depois a gente viu que não é só complementação não, produz, a produção é boa. A gente ralou aí uns dois anos, parece que não ia dar certo, mas também foi no Estado inteiro, no Brasil inteiro, não foi só aqui não, então a gente produziu pouco. Mas no ano passado a produção foi máxima. J.F.: Você acha a atividade cansativa? J.M.: Não. Cansaço dá sim, mas é aquele cansaço momentâneo, a gente chega, faz o que tem que fazer, retorna e vai descansar. Não é o tempo todo, o dia todo, é 3, 4 horas de serviço no máximo. Mas é um cansaço gostoso que vai batendo, mas aí cê vê aquela quantidade de mel descendo assim, o cara tá cansadinho lá assim mas dá um gosto de ver, bom demais. 2012 e 2013 foi o máximo que conseguimo foi 500 quilos, aí depois a gente foi ver que ninguém no Estado conseguiu colher nada, então não foi só nós não. J.F.: A formação técnica ajudou neste período? J.M.: Ah sim, depois vamo melhorando né? Sempre vamo melhorar, vamo tentando coisa, vai dando certo e vai rendendo cada vez mais, muito bom. Antes a gente pegava mel no mato, Agora Tem um punhado de enxame no mato, deixa lá. Deixa lá produzindo, nós não mexe mais com isso, não. A gente faz divisão de enxame e com as trocas de rainhas que a gente aprendeu, isso aí desenvolve muito, o enxame tá sempre possante, com rainha nova e produzindo cada vez mais. A gente escapou daquela, a gente não sabia dessa, né? A rainha velha, morria, os enxame ficava sem rainha, ia embora... J.F.: Qual é a sua impressão sobre a atuação de órgãos governamentais como a Embrapa na atividade apícola no assentamento? J.M.: A Embrapa, por exemplo, tem coisa que a gente peleja pra entender o que que eles querem fazer, o que que tão fazendo. Partes da Embrapa é boa, mas.... À respeito do solo, em examinar, por exemplo, em 2006 que eles vieram fazer isso, a gente pediu isso em 1991 e agora em 2016, 2017 que veio a sair o resultado. J.F.: e o setor da apicultura da embrapa?


47

J.M.: Acredito que é um setor falho, no meu ponto de vista é. Eu não vi ainda um trabalho perfeito do funcionário da embrapa que vem dizendo que vai trabalhar e mostrar a apicultura, fazer isso, fazer aquilo, eu não vi, o que eu ouvi dele é umas coisa que não interessou nada, nada que pudesse tirar de proveito. Vi fazer matéria para enriquecer a dele lá com a Embrapa mas pra gente aqui não vi nada. Não trouxe benefício.


48

Entrevista Valdomiro Santos J.F.: Como você veio parar aqui no Taquaral? V.S.: Eu vim pra cá em 1998, pro assentamento, eu já tava em Corumbá desde 1986. Eu vim pra Corumbá em 76, fiquei seis meses aqui, conheci e gostei, aí tive a oportunidade de vir pra cá e não tive dúvida de que era o melhor lugar. Acabei vindo pra cá, eu fiquei no comércio durante 12 anos aproximadamente. J.F.: Você trabalhava em comércio de quê? V.S.: Olha, eu fiz um pouco de tudo. Eu fui doceiro, fazia doce e vendia, também revendia lote. Tive comércio também, só que eu não fui muito feliz, não tive muito sucesso. Aí eu tive que voltar pra roça, como dizem. Acho que eu peguei uma época ruim, era a época do Plano Real, então o sistema que a gente usava na época era diferente do que teve que ser usado depois. Como eu não me preparei pra enfrentar a nova situação, acabei ficando pelo caminho... Até hoje, se você não se preparar, você fica pelo caminho né, foi o que aconteceu comigo. Ai eu sempre tive vontade de ir pro sítio, aí procurei o caminho e acabei encontrando Graças a Deus. Então eu fiz um negócio com um cara que tava querendo ir embora, aí eu fiquei com lote dele, paguei a passagem dele, paguei as despesas da viagem, comprei alguma coisa que ele não tinha, aí fiquei com o lote, claro que com o consentimento do Incra. Era um sonho que eu tinha, aí realizei esse sonho. J.F.: E quando você veio quais eram as principais dificuldades que você tinha? V.S.: Muitas dificuldades. A primeira dificuldade maior era a falta de preparo, acho que hoje em dia a maior dificuldade das pessoas é o conhecimento. A pessoa tenta fazer por necessidade mas sem o preparo necessário e isso acaba implicando no sucesso do empreendimento que a pessoa quer desenvolver. Porque se a pessoa fosse fazer alguma coisa que já tivesse habilitado pra aquilo seria muito mais fácil, como a gente não tinha esse preparo tornou muito difícil. J.F.: Você já tinha tido alguma experiência com campo?


49

V.S.: Já sim, eu fui criado praticamente na fazenda, então a gente tinha experiência, só que nas épocas antigas, nada do que se tem que fazer hoje pra que se tenha sucesso, né. Acredito que hoje tem que tá preparado pra ter sucesso. Se você quer criar gado ou plantar roça, ou qualquer coisa que você queira fazer, no sistema antigo você nunca vai ter sucesso, você tem que se atualizar, tem que procurar se modernizar, enfim, né. E a gente não tinha esse preparo, então as coisas foram difíceis, mas como era uma coisa que eu fazia com prazer então eu superei todas as dificuldades e sobrevivi, né? Não posso dizer que tive sucesso mas sobrevivi, e isso já é interessante né. Pra mim pelo menos é interessante. E tô aí, levando em frente. J.F.: Você começou já com o gado ou tentou alguma coisa antes? V.S.: Comecei com gado, comecei a adquirir as primeiras vacas quando eu cheguei aqui, mas é claro que isso ainda não me dava condições de me sustentar, né. Eu tinha que fazer outras coisas, além de abrir o lote e formar, eu tinha que ganhar o sustento do dia a dia. Aí eu fiz um monte de coisa, eu levava o pessoal pra feira, eu levantava uma hora da manhã, buscava o pessoal na roça, buscava 18, 20 sacos de mandioca, botava na caminhonete e levava o pessoal lá.. largava eles na feira, que tinha que entrar antes das 6 da manhã, então tinha que sair uma hora da manhã, ir na roça, pegar os sacos de mandioca levar e descarregar lá dentro.. Aí eu também empacotava carvão e vendia na Bolívia, então eu vinha depois da feira, carregava esse carvão e meio dia eu tinha que tá lá de volta pra carregar esse pessoal de volta pra trazer. Então era puxado, mas eu consegui sobreviver, e depois que eu entregava o pessoal aqui eu tinha que ir atrás.. ou buscar carvão ou empacotar pra viagem do outro dia, às vezes eu ficava até 9, 10 horas da noite trabalhando pra levantar no outro dia uma hora da manhã, mas na época eu ainda aguentava né, hoje eu não aguentaria mais. J.F.: Em determinado ponto então você conseguiu ficar só com as vacas então? V.S.: É, hoje, como eu não posso fazer outros serviços porque eu tenho problema cardíaco, então comecei a mexer com vaca, leite, serviço pesado nem pensar. Eu faço doce também, faço doce de leite, queijo, participo em feira da universidade e isso aí ajuda, fora isso aí levo o leite pra cidade terça quinta e sábado. Nos outros dias, eu preparo o que tenho que levar. É assim, corrido ainda,


50

nem os domingos eu folgo, no domingo acho que é o dia mais puxado porque tem que organizar aquilo pra não deixar atrasar no dia, e é o que a gente vem fazendo aí. J.F.: Qual foi seu primeiro contato com a apicultura? V.S.: Olha, foi através do Valdinei, do Pedro, a gente sempre que se encontrava eles falavam de apicultura e eu sempre tive vontade, aí surgiu a oportunidade de eu vir a me associar e participar. Faz uns três, quatro anos. AÍ eu fiz vários cursos. Eu gostei, era uma vontade minha, acompanhei o treinamento com o Gustavo todo mês por um ano. Fora isso aí uma vez por semana a gente se reunia pra fazer o trabalho, e eu consegui, felizmente, concluir esse períódo aí eu tinha minhas abelhas mas acabei perdendo a empolgação porque fico isolado, é bem distante, o pessoal a maioria fica pra lá pra baixo. Então quando eu tenho que desenvolver alguma coisa tem que ser lá e isso acabou me tirando um pouco do incentivo porque eu precisaria desenvolver aqui também, né. Tudo o que a gente faz se não tiver algo estimulando não vai adiante. Sozinho na apicultura é muito difícil, sempre precisa de alguém pra auxiliar, é até perigoso, e eu aqui fiquei um tanto isolado. J.F.: Você tem alguma caixa? V.S.: Tenho sim, tenho algumas caixas no mato mas faz tempo que não visito elas, aí eu não sei como tá. Preciso arrumar um dia pra ir lá ver a situação e tal. Mas não é falta de conhecimento, conhecimento eu tenho, o que falta é uma parceria pra tocar isso aí. Eu tentei trazer meu irmão de Ponta Porã pra ficar comigo e me ajudar com isso aí também mas ele não quer se desgrudar de lá e então fica aí, enquanto isso estamos dando uma folga. J.F.: Você acha que a apicultura tem a capacidade de se tornar uma fonte de renda? V.S.: Talvez principal não, mas que ajudaria bastante sim. Porque pra ela precisa uma principal você precisaria ter mais colmeia, a partir de 50, pra ter uma independência, até mesmo porque o mel hoje é bem valorizado, acho que compensaria, só que não pode ser muito pouco, tem que ser uma certa quantia pra compensar, a pessoa tem que dedicar a ela, mas não é difícil, tudo é possível. Mas a pessoa tem que se preparar, no meu caso eu teria que arrumar alguém que ficasse aqui comigo, só isso. A minha região é muito boa, eu tenho próximo aqui cerca de 3hectares alagada,


51

que tem muitas vantagens, porque tem florada na maior parte do ano, diferente das partes altas e secas. Tem muita trepadeira, várias espécies de coqueiro que florescem o ano inteiro. J.F.: O senhor já pensou em sair daqui? V.S.: A minha ideia é sair daqui e ir pro cemitério, antes disso não. Eu não estou aqui por acaso, escolhi isso aí à dedo, meu lote era lá embaixo e de lá eu saí porque não tava satisfeito, água lá era muito difícil, e aqui tem poço. É um lugarzinho escondido também, pra quem gosta de sossego, se esconder dos credor, a gente fica aí, então, saí daqui mesmo só pro cemitério.


52

Entrevista Vanderlei Reis J.F.: Após a realização de uma pesquisa, foi constatado o assentamento taquaral como referência na atividade apícola em assentamentos no Estado, até por estrutura que eles hoje possuem e número de apicultores... V.R.: Sim, a Embrapa Pantanal colaborou em várias ações. Produção de mudas, tecnologia. Boa parte destes resultados atuamos juntos com eles. Em 2014, ministramos uma sequência de cursos o ano todo. A gente também trabalha até além deles, com um apicultor no Tamarineiro, mas a mobilidade nos assentamentos é muito grande e não é estático como grandes produtores. Os assentados têm uma mobilidade maior, às vezes tem que sair mesmo porque constatamos até que é inviável. J.F.: Sim, uma das questões que percebi após a pesquisa é justamente a readaptação dos assentados do Taquaral em atividades após a chegada no assentamento. Você poderia falar algo sobre isso? V.R.: É, a pecuária tem maior aptidão e a apicultura pode ser encaixada dependendo da área, e teve algumas áreas que teve regeneração vegetal que pode ajudar até como pasto apícola, então é bastante interessante. J.F.: Conversando com os assentamos, notei um certo desânimo em relação à atuação das entidades neste sentido. Você poderia explicar isso? V.R.: Fizemos dois projetos, várias ações de capacitação, ou seja, em paralelo com os cursos de formação deles e também informações para subsidiar. Colaborei com eles na elaboração de projetos para captação de recursos, como a da Vale, a Agraer também dá muito subsídio a eles. Uma dificuldade é que é uma região de fronteira e a mobilidade tem nos membros das instituições também. A maioria dos pesquisadores da Embrapa são de outras cidades e acabam se mudando também. A própria Agraer tinha dois técnicos com formação em apicultura e hoje não tem mais, então você vê que é dinâmico, né? Outras instituições tem colaborado com ele também, como a Prefeitura Municipal. É aquela história, você pode questionar “é o ideal? É no momento, né?. A primeira estação meterológica foi instalada em um lote lá e esse tipo de informação é fundamental


53

para qualquer atividade, seja da apicultura ou não. Uma dificuldade que também tem é a questão de fomento, às vezes é muito difícil, aí vem a Pronaf, nesse ponto a Agraer é mais treinada e capacitada. Mas de toda madeira, sinceramente, vários colegas aqui vêem a apicultura como exemplo de sucesso. É a Embrapa e parceiros como Senar, sindicato rural, então não há esse conflito. A questão é que as demandas lá são muito maiores do que a Embrapa Pantanal pode atender e aí eu posso estender a outras instituições. A questão é que o montante de recursos é limitado mas óbvio que muitas coisas vão sendo melhoradas ao longo do tempo. J.F.: Você percebeu resultados impactantes durante este tempo? V.R.: Sim, eles por exemplo receberam um entreposto, que é algo muito importante e óbvio isso aí tudo é subsídios. O que às vezes o resultado ali não é tangível, não é “ah coloquei cem reais e esse dinheiro vai possibilitar tal coisa”, é a capacitação, o conhecimento técnico, que são bens intangíveis e às vezes não são bem reconhecidos. É o que é palpável que dão mais valor. J.F.: Você acredita que a apicultura pode vir a se tornar uma das principais fontes de renda no Taquaral? V.R.: Lá é uma região muito boa para a produção de mel e em algumas áreas, pólen, mas o mel é bastante interessante. O que pode ser é que se as pessoas se especializarem e ganharem escala também pode vir a ser interessante. Outra coisa que poderia ocorrer é eles começarem a praticar apicultura migratória fora do assentamento. Eles poderiam agrupar e fazer um deslocamento para regiões próximas aqui do Pantanal, mas aí precisa de escala. Eles mesmo sendo pequenos podem em forma de associação, juntar 100 colmeias e viabilizar uma apicultura migratória. Não poderia ser fixista, num período de escassez aqui poderia levar as abelhas para o lugar. Mas tudo isso é uma questão técnica e melhorar os dados e a organização social deles. J.F.: Em relação aos outros assentamentos que realizam essa atividade, o Taquaral se destaca em que sentido? V.R.: Aqui na região ele é o mais relevante. Isso desde a época do diagnóstico e evoluiu bastante, e há 15 anos eu acompanho essa evolução. Não é o ideal ainda mas eles tem potencial para crescer muito, mas eles já tão agregando valor e saíram da clandestinidade, que é um ganho fantástico.


54

Diferente do leite que tá em praticamente todos os lotes e é clandestino ainda. São coisas que são pouco tangíveis e pouco vistas. É momento e muitas das instituições, a Agraer também estão vinculada a projetos. Às vezes não temos os meios, por isso é interessante eles se aperfeiçoarem e tirarem a maior produtividade com a estrutura que eles possuem agora, muitas vezes são coisas pequenas mas que melhoram muito, principalmente qualitativamente.


55

Entrevista Gustavo Bijos J.F.: Você pode dar um panorama geral da apicultura no Brasil neste ano? G.B.: Olha, eu tenho 20 anos como apicultor, então desde que eu comecei a trabalhar com a atividade eu no início via que aqui a gente trabalhava já com os conhecimentos básicos, que aquilo era de fato apicultura e não tinha mais o que aprender, mas em seguida eu fui fazer estágio em Santa Catarina e foi um choque pra mim, porque eu achava que a gente sabia aqui o que tinha pra aprender em apicultura e chegando lá o básico deles era muito mais avançado do que nós aqui e analisando hoje, lá de trás, naquela época o pessoal tava no básico, que era super avançado mas hoje a gente sabe que aquilo era só o básico. Naquela época era o que tinha de mais avançado, com técnicas que a gente nem recomenda mais fazer, pessoal utilizava como algo moderno, então a apicultura veio evoluindo de fato nesses últimos anos. Em 2004 eu conheci a apicultura em outros estados, fui ao Piauí através de um programa do Sebrae, logo depois fui pra Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná, mas resumindo a apicultura brasileira ainda está num estado amador, do meu ponto de vista. Está num ponto de amadorismo, de hobbie, de lazer, ou da pessoa que quer trabalhar com poucas colmeias e já quer colocar seu produto no mercado sem qualquer tipo de qualificação, de gestão de marketing, etc. Então assim, eu ainda vejo a apicultura no Brasil como uma atividade extremamente amadora ainda em que os papeis não estão muito bem definidos. Por exemplo, em outros países o apicultor sabe que ele é produtor de mel, não é vendedor de mel, não é empresário de mel, ele não tem entreposto, ele só tem uma unidade de extração onde ele extrai o mel, coloca nos seus tambores e vende pra entrepostos, então o papel dele é produzir e o papel do empresário é vender esse mel como uma marca, que pode ser uma empresa privada ou uma cooperativa. Então ainda no Brasil a gente não tem isso muito bem definido mas tem evoluído agora com algumas palestras de alguns que começaram a enxergar desta forma, que a gente precisa deixar estes papéis bem definidos, pra que cada um cumpra sua tarefa da melhor maneira possível. Mas no que vejo a gente ainda trabalha dentro de um amadorismo que faz com que esse largo desenvolvimento e rápido ainda fique emperrado. J.F.: Você acha que pode causar confusão essa fusão de funções?


56

G.B.: Com certeza. Por exemplo, o apicultor que faz curso comigo por exemplo, ele acha que se ele fabricar as colmeias ele vai estar barateando muito o investimento e na verdade alguns que conheço inclusive tiveram acidentes já, perderam dedos, ficaram cegos, que foram porque não tomaram a segurança necessária nem tinham o conhecimento necessário nem básico de marcenaria pra poder montar uma caixa com segurança e que ficasse dentro de um padrão que nós recomendamos. Uma colmeia tem um padrão que tem que ser seguido milimetricamente, aí se uma pessoa faz fora, um alimentador por exemplo que é fabricado em uma empresa disso não vai caber nessa colmeia talvez, ou vai ficar muito folgado, enfim, você não consegue fazer manejo adequado e até a extração mesmo do mel porque os equipamentos mundialmente fabricados para a extração de mel e envase são feitos para equipamentos padronizados, então muitas vezes o apicultor ainda não tem essa visão de gestão então ele acha que ele mesmo fazendo as colmeias vai ficar mais barato, que ele vender o mel fracionado vai ganhar mais dinheiro do que se fosse vender pra um entreposto, que ele enxerga como um atravessador, um vilão, mas que na verdade é um baita de um parceiro. Então essa definição de papéis daqui pra frente é essencial. Aqui no Mato Grosso do Sul a gente já alcançou uma profissionalização. O grande lance mesmo na apicultura é essa definição pra que a pessoa entre no setor apícola já sabendo onde ela quer trabalhar, se é na confecção de caixas, na produção de rainhas, se é montando um entreposto de fato pra vender o mel. Muitos que montaram um entreposto, como o pessoal da associação, tão sentindo que na verdade tinha que ter um volume maior pra viabilizar o empreendimento. Hoje o pessoal tá se dando conta que este empresário, dono de entreposto, não era tão vilão não, que ele precisa de um giro de produção pra manter o empreendimento economicamente viável, então o pessoal tá acordando também pra isso. O apicultor que gostava muito de ficar no campo agora tá tendo que ficar mais na indústria, o que tá deixando alguns até meio infelizes, porque o que ele gostava mesmo era de ficar com as abelhas, então vai demorar um tempo ainda eu acho pra definir isso bem mas é uma tendência. J.F.: No Mato Grosso do Sul especificamente, qual o maior potencial do Estado no setor apícola? G.B.: Olha, o Mato Grosso do Sul, modéstia à parte, tá numa posição muito favorável pra apicultura. Primeiro porque nós somos 79 municípios apenas, no sexto maior estado da Federação, ou seja, nós temos uma área de expansão fabulosa, de norte a sul, leste a oeste, pantanal, lavoura, eucalipto. Lavoura com certo cuidado por causa da questão dos defensivos mas também quem


57

trabalha corretamente e de acordo com o agricultor, em consonância, você tem uma baita de uma área para a produção também. Existe um pouco desse medo, desse receio dos defensivos que é também uma conversa bem polêmica mas é um pasto apícola interessante. Mato Grosso do Sul então tem todas essas questões. Tem três biomas - cerrado, pantanal e Mata Atlântica. A gente tem dois países que fazem fronteira, o clima espetacular para a abelha africanizada e acesso à mercados aí como o sul do Brasil, que é um mercado altamente consumidor, no qual a produção é comercializada com entrepostos do Sul, e aqui São Paulo, Minas Gerais e Goiás que são compradores de produtos nossos à granel também. Então o potencial de Mato Grosso do Sul é fabuloso. Infelizmente nós temos poucos apicultores no Estado, não chega a 800, então a produção total também é pequena e na verdade o que a gente tem que fazer daqui pra frente é aumentar a produção de mel, não necessariamente o número de apicultores, mas a produção se faz extremamente necessária. Se quadruplicasse a nossa produção, que é de aproximadamente 800 toneladas por ano, se fosse pra 32000 toneladas ano, ainda não atenderia o mercado sulmatogrossense. Tem muita demanda, nos próximos 25 anos já tem estudo de mercado no Brasil na apicultura que mostra que a demanda por mel vai triplicar também, ou seja, a gente não tá atendendo nem agora, em 25 anos a demanda vai triplicar ou seja nós não teremos mais mel suficiente pra atender esta demanda, então são 25 anos de pleno mercado pra todo mundo: entrepostos, produtores, enfim, todo mundo. O que você produzir de abelha tem venda. J.F.: Como se deu seu contato com o trabalho no assentamento? G.B.: A primeira vez que tive contato com o assentamento foi com um curso do Senar. Não me lembro o ano mas acredito que foi 2006, 2007, que dei o primeiro curso lá no assentamento. Daquele momento o grupo iniciou a implantação da associação, começaram a produzir, mas sem a assistência técnica adequada. Em 2014 surgiu um programa do Sebrae que é o Arranjo Produtivo Local (APL) e veio um recurso pra poder dar essa consultoria técnica à campo e nós escolhemos o grupo do Taquaral pra poder dar essa assistência , então ensinamos como aumentar a produtividade das colmeias, a trocar rainha, todos os manejos necessários pra aumentar e o grupo pegou isso muito bem, ficaram tão animados que felizmente construiram a unidade lá, praticamente sozinhos, sendo um exemplo pra muitas associações aí do Brasil afora que ficam esperando alguma coisa acontecer, alguém ajudar. Eles não, foram em frente, trabalharam, construíram e agora conseguiram o Serviço de Inspeção e tão sempre evoluindo. Tão produzindo muito bem, uma


58

quantidade boa por colmeia, que viabiliza tanto a atividade quanto o entreposto deles. Esse foi meu contato e deixei esse legado mas gostaria de trabalhar ainda pra dar mais apoio. É uma satisfação pessoal minha ter implantado esse núcleo lá. J.F.: Quais foram os principais avanços em relação ao manejo no trabalho da associação? G.B.: Primeiro, assim, o pessoal não trocava a cera ou trocava de forma inadequada, ou não trocava a rainha, não se falava em alimentação artificial, que ainda é uma polêmica porque depende do produto que você tá usando se vai utilizar uma farinha de soja, por exemplo, há uma questão em relação aos transgênicos, que pode contaminar a abelha. Em relação a alimentação artificial ela é extremamente importante porque a gente tá trabalhando com uma abelha exótica, ela não é daqui, então em um determinado momento do ano ela precisa ser alimentada pra que manter o enxame grande volumoso e entre na florada produzindo muito mel, mais do que se deixasse ela por natureza cuidar. Houve uma queda drástica na perda de enxames por ano com o manejo, além de aumentar a produção de cera, que sempre era um problema e agora com os equipamentos que eles tem lá eles podem fazer todo o processo da confeccção da cera, até a extração, beneficiamente e envase do mel, até em sache porque eles tem a máquina. A diferença foi realmente de uma apicultura extremamente amadora, que ia lá colhia o mel e deixava as abelhas abandonadas nos apiários para uma apicultura de fato profissional onde se tem manejo de alta produtividade implantado e até um cobrando o outro lá pra poder ter uma produção adequada. J.F.: Você acredita que os assentamentos rurais, no geral, com sua estrutura diferenciada de organização, a apicultura é uma atividade viável de ser implantada em maior escala? G.B.: Não tenha dúvida. A gente já tem excelentes modelos de exemplo, de apicultores de assentamentos rurais que se tornou a principal renda. É extremamente viável e é muito mais fácil inclusive trabalhar com a apicultura do que o próprio leite, que demanda muito trabalho e muito custo, às vezes o pessoal consegue um valor muito baixo no litro de leite, com o mel não, você tem uma venda garantida, quase em todos os municípios tem associações de apicultores que podem envasar esse mel com serviço de inspeção e você dessa maneira pode agregar valor, ou sair vendendo e até mesmo entrar em programas de compras públicas, de merenda escolar, tem a Ponab, que pode também adquirir essa produção por preços melhores que os entrepostos particulares


59

pagam. É completamente viável e mais do que provado. Mas tem um detalhe muito importante nisso, é essencial fazer o curso primeiro ou acompanhar um apicultor pra que ele veja se tem vocação. Apicultura é vocação. É uma atividade extremamente interessante do ponto de vista financeiro mas se o produtor não tem vocação pra lidar com abelha é uma atividade que pode vir dar prejuízo, como qualquer atividade, mas quem realmente gosta da atividade procura se reciclar sempre é sucesso garantido, sem ter que destruir, queimar, o apicultor acaba sendo um ecologista por natureza.No nordeste isso ficou bem provado, em áreas de miséria a apicultura entrou e salvou vidas lá, começou a gerar renda em um lugar onde se produzia absolutamente nada. O pessoal, alguns sem perspectivas, por diversos fatores como falta de assistência técnica adequada, deixando o pessoal à sorte e a apicultura ela vem e ocupa esse espaço e as associações, nossa federação, ajudou a preencher essas lacunas, na questão da assistência técnica, orientação de mercado e a gente vê agora muitos produtores com muita segurança em investir na atividade. A gente tem uma apicultura caracterizada de pequena escala de produção no Brasil, ao contrário de outros países. No Brasil com 30 colmeias você pode sustentar uma família se esse produtor for bem orientado e que ele possa comercializar esse produto dentro da lei e tenha o amparo de como vender, pra quem vender e tudo mais. J.F.: Como você vê a atuação dos órgãos governamentais neste tipo de projeto? G.B.: Até onde eu sei, a Embrapa por exemplo, cumpriu um papel, que era ministrar alguns cursos e etc.Tem alguns equipamentos que estão disponíveis para qualquer apicultor utilizar desde que seja seguida algumas regras mas como toda a atividade no meio rural, principalmente para produtores de pequena escala de produção como a apicultura, o que a gente realmente sente é a falta de uma assistência técnica especializada e constante. O que a gente tem hoje são programas, por exemplo dos que eu participei, de um ano ou no máximo três anos de atendimento, e esse programa então é encerrado e você não tem condições mais de poder continuar a fornecer uma assistência pra eles que tem que ser constante e não é em três anos que você muda uma realidade dentro da apicultura porque ela sofre influência, assim como a agricultura, do clima. Então um ano é mais frio, um ano é mais quente, outro é mais chuvoso, outro ano é mais seco, você tem toda essa mudança que influencia diretamente nas colmeias e que às vezes em três anos de consultoria você não pegou aquele momento e que tem reflexo direto na produção de mel que muitas vezes a gente não sabe ainda qual vai ser, mas estando no campo e tendo essa informação a gente poderia estar


60

levando pra esse pessoal, e isso sempre é cortado, então o que a gente tinha que ter era um programa assim nacional ou estadual independente de quem esteja no governo, um programa, por exemplo, da Agraer, um programa da Secretaria de Produção, que não acabasse se mudasse o governo por exemplo. Essa descontinuidade, essa mudança do pessoal que tá liderando o processo, às vezes a cada seis meses muda o coordenador de um programa tem prejudicado muito esse desenvolvimento e principalmente pra esse pessoal porque quem tem condições vai, faz um curso, estuda pela internet, mas e quem não tem acesso a essas informações? fica aguardando e às vezes quebra, tem lugar que fui um ano e pude retornar três anos depois e via que o trabalho foi todo perdido. A minha crítica ao poder público é essa, que nós tínhamos que de fato ter uma assistência técnica continuada e programas continuados, sem interrupção, que fossem criados com prazos pra terminar determinadas ações mas não o programa em si, porque tudo vai evoluindo, então, como evoluiu bastante a apicultura, a gente não pode ter uma ação de dez anos atrás sendo realizada agora, mas o programa estaria aí continuando com ações e se adaptando. Infelizmente nós não temos isso, até hoje desconheço no Brasil um estado que tenha algo parecido. No Sul a situação é um pouco melhor porque você tem alguns programas mais continuados. Se nós tivéssemos isso, garanto pra você que estaríamos também num outro patamar. P: Você acha que há a possibilidade da implementação do selo do Mel do Pantanal pra estes assentados? R: Com certeza. O atraso se deu por inúmeros outras razões, mas principalmente por uma falta de experiência nossa em relação a como conduzir essa identificação geográfica, um selo de tamanha importância e como garantir de fato uma idonedade, uma qualidade, evitar fraude. Isso deixou a gente com receio e uma certa dificuldade de implantar, mas tivemos uma reunião agora e vamos começar, a partir do dia 20 de maio, o cadastramento de apicultores interessados. Criamos um mecanismo de segurança em relação a essa produção, conversando com um órgão estadual, que vai fazer uma auditoria pra gente nos primeiros anos, a gente não sabia nem como íamos arcar com essa auditoria. Os apicultores do pantanal ainda são os apicultores com menos condições financeiras de manter algo ou de pagar pelo selo. Conseguimos aí então uma parceria com um órgão estadual que vai fazer essa auditoria em cima dos interessados que estão querendo trabalhar. A gente criou o selo do Mel do Pantanal pensando na preservação do Pantanal, a agregação de valor ficou em sexto plano, porque a ideia é ajudar o Pantanal que é judiado até hoje e infelizmente


61

não tem parado o desmatamento, então a ideia do selo é que a gente pudesse apresentar uma nova opção pros proprietários de fazendas que fosse economicamente boa e assim ajudasse a preservar o bioma.


62

Entrevista Alzira Menegat J.F.: Você poderia explicar como seu deu o processo de imigração dos chamados brasiguaios? A.M.: O Paraguai aparece ali na década de 70, mas é preciso ver os diferentes grupos que foram para o Paraguai. Se buscarmos os grupos ali do estado do Paraná, há um grupo muito grande que trabalhava com o café na década de 70 e aí houve duas questões. A quebra de preço do café e uma grande geada, chamada de Geada Negra, que foi um frio intenso que matou assim, de um dia para o outro, e deixou o café preto, morto. Matou até na raiz. Essa Geada Negra também dá o tiro de morte pra quem já tava de certa forma quebrado dentro do Estado do Paraná. Então há uma grande leva de pessoas que vão do Paraná para o Paraguai, mas que também não eram pessoas do Paraná, tem muito nordestino que tava ali e já vinha num processo de migração e que tava trabalhando como parceleiro, como arrendatário, como posseiro, uma série de categorias, e aí se vê sem eira nem beira e vai para o Paraguai como alternativa, era um momento propício do país. Então chegam no Paraguai e encontram condição de se estabelecer e até de adquirir terras, mas assim, pagam mas não recebem a titularidade da terra, né? Então é uma relação bem provisória. Na década de 80, quando há toda uma mudança política na própria condição do governo paraguaio e a nível brasileiro há uma abertura política que sinalizava para a Reforma Agrária, essas famílias começam a retornar ao Brasil, aí você vai encontrar muita gente do Taquaral que veio nessa leva. J.F.: E eles vêm ao Mato Grosso do Sul pela questão fronteiriça mesmo? A.M.: É, pela porta de entrada, né? O Mato Grosso do Sul é uma porta de retorno ao Brasil, aí eles vão e ficam acampados ali em Mundo Novo, Eldorado e daí são transferidos para esse acampamento muito grande, porque os prefeitos das cidades acabavam dizendo que havia uma confusão, enfeiava as praças centrais, porque as famílias ocupavam as praças centrais porque era onde elas expunham exatamente a sua condição, ou a beira da estrada. Esse lugar entre a estrada e a fazenda que é uma área do Estado, e aí dá pra ser um corredor de visibilidade dessa condição. Aí são transferidas para o Santo Inácio. J.F.: Quantas famílias foram transferidas para esse acampamento?


63

A.M.: Mais de 800 famílias. É um dos grandes acampamentos. E que perdurou muitos anos, muitos anos mesmo. Daí é que as famílias depois foram convidadas a ir para áreas. Eles foram levados para o Taquaral, para Casa Verde e para o Manjolinho, eram três áreas em que eles poderiam escolher uma delas, mas as três eram áreas com problemas na qualidade do solo, para o desenvolvimento da atividade agrícola, contrariando a forma como eles já vinham trabalhando no Paraguai, onde as terras eram boas. J.F.: Quando eles chegaram ao assentamento eles não sabiam dessa condição? A.M.: No Taquaral eles chegaram em um período em que tava tudo muito verde, o que indicava algo muito próspero, eu lembro do Vitor dizendo que foi para Casa Verde e lá viu que o capim ficava dançando ao vento e ele pensou "nossa, muita areia, o capim fica dançando, então aqui nem pasto dá pra plantar". Aí eles desistiram da Casa Verde, lá tem lotes que extrapolam as dimensões dos outros assentamentos, são lotes de oitenta, noventa hectares, fica em Nova Andradina. Então isso extrapola os lotes da Reforma Agrária que não passam de 25 hectares os antigos, os atuais assentamentos são 5, 6 hectares por lote. Porque o Incra sabia que a qualidade da terra de lá era precária e aí os lotes maiores indicava que o plantio deveria ser pastagem e para pastagem tem que ser uma área maior. Aí eles escolheram o Taquaral com essa expectativa, de plantar, como eles já vinham fazendo no Paraguai. Tanto é que quando eles chegaram lá e receberam seus lotes, começaram a plantar algodão, feijão, culturas que eles já vinham desenvolvendo em outras terras. Mas aí não tiveram sucesso não, aliás, acumularam dívida. Pegaram o Procera, que foi o primeiro financiamento subdisiado pelo Governo Federal e muitos ainda devem pra esse programa. Tanto é que depois não conseguiram acessar o Pronaf porque havia débitos anteriores, e o Procera era diferente, os juros eram mais subdisiado do que o Pronaf, um tempo maior pra pagamento, mas mesmo assim as famílias foram perdendo porque a grande maioria foi apostando no algodão. Aí deu um tal de bicudo do algodão, que é uma praga, e eles não colheram nada nem pra pagar o banco. Quebrou muita gente. Por conta disso, até havia um estudo sobre as terras do Taquaral. O Incra naquele momento, quando desapropriavam um determinado lugar eles tinham que fazer um levantamento socioambiental, antes mesmo de dividir os lotes. O tamanho de cada lote era decorrente deste levantamento. A empresa contratada então indicava pelas características do solo o tamanho que deveria ser o lote. Tanto é que as terras do Taquaral, a empresa apontou que deveriam ser lotes maiores, mas aí como havia essa grande quantidade de pessoas a serem


64

assentadas aí os lotes ficaram num tamanho menor do que o indicado no documento Rima, que era feito em todos os assentamentos. J.F.: Quem criou este acampamento Santo Inácio foi o Governo do Estado? A.M.: Quem criou aquele acampamento que hoje é o assentamento Marcos Freire foi o Governo do Estado, foi um lugar onde ele conseguiu acomodar todo mundo ali e não ter nenhum prefeito de nenhum lugar reclamando pelos acampamentos ao longo do estado de Mato Grosso do Sul e foi por isso que a gente fala que foi mais ou menos uma forma de limpar as cidades dos conflitos e dos dilemas urbanos, foi uma maneira que o próprio governo encontrou de atender os reclames de cada município. J.F.: Após o Incra ter feito estes estudos sobre a qualidade do solo, mas eles não chegaram a avisar que tipo de prática eles poderiam desenvolver lá? A.M.: Nesse relatório apontava, porque o assentamento Taquaral foi projetado, contrário à vontade das famílias, em agrovilas, lá tem três, e à princípio o projeto do Estado era que as famílias não morassem nos lotes de produção, então lá existem lotes de produção e lotes de moradia. Então cada assentado tem um lote em uma das agrovilas, um lote menor, que era destinado à moradia da família. Então ela deveria morar na agrovila e trabalhar no lote de produção, que é esse lote maior. Mas alguns ficam muito longe da agrovila e além disso essa não é uma prática das famílias, elas gostam de viver no lugar que elas produzem. Mas acabaram aceitando o projeto das agrovilas e as agrovilas foram pensados pelo Incra porque assim haveria uma racionalidade dos recursos. Ao invés de rede de energia ao longo do assentamento, apenas nas agrovilas, aí distribui mais fácil, escola nas agrovilas, água nas agrovilas, que é um grande problema do Taquaral. Então com isso ele viabilizaria melhor essa infraestrutura. Aí as famílias concordaram, tanto é que elas assinaram pelo projeto do Incra, mas no momento da entrega dos lotes, eles nem deram a mínima para as agrovilas. Cada um foi se estruturando dentro do seu lote. Poucas famílias ficaram nas agrovilas. Lá na agrovila 1, que é um lugar onde determinados lotes ficam alagados então as famílias que pegaram os lotes nessa região eles ocuparam a agrovila durante um bom tempo. Hoje acho que não tem mais ninguém morando lá na agrovila. A agrovila 3 virou um centro de pesquisa, a agrovila 1 tinha duas ou três famílias, famílias que trabalham mais com a religiosidade, e na agrovila 2 que


65

tem um grupo maior por conta dela congregar todo mundo com o posto de saúde, a escola, então há uma infraestrutura ali, mas não que sejam proprietários de lotes, são filhos de proprietários que acabaram constituindo família que ali se encontram ou pessoas que vieram de fora para colocar algum comércio. Não se encontra ali também pessoas que detém a posse de lotes maiores, estes estão dentro de seus lotes de produção. O projeto das agrovilas não era um projeto deles, era um projeto do Estado. Mas assim, pra encerrar a discussão e viabilizar o corte da área, eles aceitaram o projeto do Estado só que não assumiram. J.F.: Essa questão de a criação de gado ser a mais viável no local também estava nesse projeto? A.M.: Tava no Rima mas não tava no projeto das famílias. Elas tiveram que aprender a lidar com o gado. Tem um momento em meu trabalho que eu digo que o maior desafio deles foi passar de agricultores para pastores. Eles tiveram que aprender a lidar com o gado. A grande maioria que chegou ali chegou querendo plantar mas não conseguiu essa façanha, então hoje acho que poucas famílias ainda mantém o plantio. Na Agrovila 3, onde há uma menor incidência de pedras e uma características de solo mais favorável ao plantio ainda se encontra, mas na Agrovila 1 e na Agrovila 2 é pasto, então quem mora nestes outros lugares tiveram que aprender. Viraram pastores. E isso foi até um desafio que essas famílias tiveram de enfrentar e parte delas saíram. Eu lembro de um senhor que eu entrevistei, e ele tava rememorando e ele disse assim "olha, não é problema das pessoas, aqui pelo menos 100 famílias foram embora, mas não foi má vontade delas, foi o lugar que colocou elas pra fora". Aí ele dizia que ele sentou na frente da casa no começo ele só via mudança entrando e depois ele só via mudança saindo, mas ele fazia um lamento dizendo que era o lugar que tava botando a pessoa pra ir embora, não é a vontade da pessoa, mas as características do lugar. Aí as pessoas vão em busca do seu projeto, aí lá de 390, lá permaneceram 250, 260 famílias, que refizeram seu projeto, então foi uma permanência de muitas famílias ainda que mesmo com um descontentamento permaneceram nesse lugar e hoje é só pasto. J.F.: Quando eles começaram essa readaptação, houve algum apoio do Estado? A.M.: Alguns haviam financiado na época do Procera custeio e investimento. 'Parte do recurso do procera era para custeio e parte era pra investimento, então alguns já tinham comprado algumas cabeças de gado, mas mais pensando no leite no abastecimento para a própria família, aí elas foram


66

ampliando por conta própria. Incentivo do Estado talvez houve um pouco com a assistência técnica, mesmo que de forma precária, o que hoje é a agraer, que na época era a Empaer, atendia, minimamente mas atendia, quando era chamada pra atender algum problema principalmente. Mas assim, havia essa assistência técnica de uma forma sazonal. Mas isso foi por conta das próprias famílias, algumas conseguiram acessar outros recursos mas poucas. Havia o FCO, depois foi criado o PRONAF, mas o FCO com juros mais elevados. O Pronaf poucas famílias tiveram acesso por conta dos débitos anteriores. O que aconteceu é que alguns filhos foram saindo para trabalhar fora e aí criou-se um fundo para investimento nos lotes. Também teve o trabalho das mulheres, nas feiras, no trabalho assalariado. No princípio do assentamento, no período do acampamento, porque quando as famílias chegam no Taquaral elas não vão direto para o lote porque o Pantanal havia uma série de restrições na formação de assentamentos no Pantanal. Quando instalado o Taquaral já havia sido instalado lá outros três assentamentos, o Urucum e o Tamarineiro, que foram criados antes do projeto de Reforma Agrária, que foi criado em 1985. Essas famílias foram desalojadas das margens do Rio Paraná e foram transferidas para Corumbá. As mulheres do Taquaral trabalhavam muito nas casas, por conta do acampamento elas vendiam a força de trabalho, trabalhavam nas casas de família como diaristas. Quando eles receberam os lotes, boa parte dessas mulheres também continuam como diarista nas casas de família. AÍ à medida que aelas foram produzindo nos lotes elas passam a vender nas feiras, as mulheres gostavam de falar e acabam tendo maior receptividade para a venda dos produtos do que os homens. Elas faziam da feira um lugar de lazer, de ver o amigo, de saber quem ficou doente, de ouvir receita de remédio caseiro, então elas acabavam cativando uma clientela pela sociabilidade que elas estabeleciam, até hoje grande parte dessas mulheres comercializando os produtos lá nas feiras. Mas que não é um trabalho, elas falam que é serviço. Para elas, serviço é algo leve, mas não é leve, porque elas paravam no ponto de ônibus e iam até a feira tinham que carregar aquele monte de saco de mandioca, mas lá elas faziam do trabalho um entretenimento. O fato de sairem de casa, de verem mais pessoas, rirem, o trabalho ficava leve e virava serviço. J.F.: Por que você escolheu o assentamento Taquaral como objeto de estudo? A.M.: Na época que eu fiz o doutorado era um dos maiores assentamentos de Corumbá, não tinha o Tamarineiro II ainda, que é resultado dos filhos da Reforma Agrária. Desde o início sempre me chamou atenção a história do Taquaral porque lá sempre teve muitas contradições, primeiro porque


67

eles ficaram dois anos acampados e o promotor dizia que lá não era lugar de agricultura familiar porque isso interferiria com a prática na agricultura, mesmo que se não usasse veneno, ia interferir com o ecossistema pantaneiro porque ia mexer no solo, produzindo terra para lugares que deveria ir, então foram dois anos de acampados lá até que fosse liberado. Isso criou uma discussão dentro da comunidade corumbaense danada, porque essas famílias eram muitas, elas fechavam as ruas, batiam panela e trouxeram uma discussão pra dentro de um contexto urbano fantástica, nesse período eu era técnica ainda, então eu vivenciava ainda, então a gente ouvia um barulho e sabia que era o Padre Paschoal. O Padre Paschoal colocava todo mundo em cima do caminhão e levava todo mundo pra dentro da cidade, aí eles mudavam de rua, aí a polícia ia lá e eles iam pra outra, eles fechavam o Incra, fechavam o Banco do Brasil, fechavam as ruas, faziam muita manifestação porque havia um problema que era de alimento, né? não tinha alimento, eles ficaram dois anos sem poder providenciar comida, quase 300 famílias acampadas. Aí me chamou a atenção de como esse grupo mudou a concepção do lugar, diferente dos outros assentamentos que eles chegavam e iam pros seus lugares e permaneciam como que invisibilizados, as famílias no Taquaral não, fizeram muito barulho em todos os sentidos. Elas reivindicavam essas terras, a rádio noticiava, o comércio às vezes fechava as portas, então foi um período bem tenso.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.