A Selfie Do Self - Sobre A Manifestação Egoica Nas Mídias Sociais

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COM HABILITAÇÃO EM JORNALISMO

ALEXANDRE KENJI FERNANDES ANZOU

A SELFIE DO SELF SOBRE A MANIFESTAÇÃO EGOICA NAS MÍDIAS SOCIAIS

Campo Grande JUNHO / 2018


A SELFIE DO SELF: SOBRE A MANIFESTAÇÃO EGOICA NAS MÍDIAS SOCIAIS ALEXANDRE KENJI FERNANDES ANZOU

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para a obtenção de grau de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

Orientador: Prof. Dr. Marcos Paulo da Silva



AGRADECIMENTOS Pela profunda compreensão e carinho que tive no período de imersão para a produção dessa monografia, agradeço a minha mãe Keyla e a meu padrasto Alex pelo amor e segurança que me proporcionam. Pelas conversas dinâmicas, o apoio incansável e aquele que acreditou em meus pensamentos abstratos e me ofereceu respaldo para transformar em linguagem acadêmica, o meu profundo respeito e admiração ao meu orientador, Professor Marcos Paulo da Silva. Pela paciência e consideração, ao meu irmão Vinícius. Às amizades que puderam me levantar nas horas que me encontrei esmorecido. Obrigado por estarem comigo e, por me compreenderem, Stephanie, Jimmy, Digo, Iago e Malu. Ao meu pai Gilberto, que me proporcionou ser a pessoa que sou hoje. Pela companhia na caminhada espiritual, à Ayahuasca. Aos amigos de outras jornadas que me fizeram relembrar do caminho do “eu interior”, gratidão Cibele, Youssef e Cleverson. Para todos aqueles que trabalham sem o reconhecimento devido e que continuam a fazer muito pelo País.


RESUMO

O presente trabalho monográfico tem como objetivo compreender o fenômeno da selfie para além da atividade autorretratística individual que ocorre nas plataformas de mídia. O trabalho estrutura-se na pesquisa bibliográfica, compreendendo várias áreas do conhecimento que, como fio condutor, embasam a construção de uma hipótese: a selfie como manifestação egoica. A hipótese encontra respaldo no fenômeno contemporâneo da interação, compreendo-o como um conjunto de fatores de expressões individuais nas plataformas de mídia, nas quais o autorretrato remete a uma gama de possibilidades de exibição que permitem esboçar o indivíduo em sua rede. A pesquisa compreende também um breve estudo de terminologias na Sociologia e na Psicologia a respeito do conceito de self, o que possibilitou investigar a lógica da fotografia de “si mesmo” como construção de um projeto simbólico do indivíduo a partir da própria representação no cenário de sociabilidade. Palavras-chave: Comunicação Social; Selfie; Self; Interação; Redes Sociais.

ABSTRACT

This dissertation aims to understand the selfie as a manifestation beyond the individual self-portrait on media platforms. The text is based on bibliographic research of several areas of knowledge that support the construction of a hypothesis: selfie as an egoic manifestation. The hypothesis finds support in the contemporary idea of interaction, understood as a set of factors of individual expressions on the media platforms, in which the self-portrait refers to a range of possibilities of exhibition that allow to draw the individual in his network. The research also includes a study of the self as terminology in Sociology and Psychology, which allowed to investigate the logic of "itself” photography as a construction of an individual symbolic project from the itself representation itself. Key-words: Social Communication; Selfie; Self; Interaction; Social Networks.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES E TABELAS

Figura 1 - Jan van Eyck, Portrait of a man (1433). Óleo sobre tela. 25,5cm x 19cm. National Gallery, Londres. Fote: site da National Gallery. ..............................................15 Figura 2 - Jan van Eyck. O casal Arnolfini (1434). Óleo sobre tela. 82cm x 60cm. National Gallery, Londres. Fonte: Tudo Sobre Arte (2001) ............................................16 Figura 3 - El Greco. Recorte do quadro "O enterro do conde de Orgaz" (1858). Óleo sobre tela. 4,60m x 3,60m. Igreja de São Tomé, Toledo, Espanha. Fonte: Tudo Sobre Arte (2001) .....................................................................................................................18 Figura 4 - Diego Velázquez. As Meninas (1656). Óleo sobre tela. 3,20m x 2,76m. Museu do Prado, Madri, Espanha. Fonte: Tudo Sobre Arte (2001) ...........................................20 Figura 5 - Rembrandt Harmensz. van Rijn. Self-portrait at the age of 34 (1640). Óleo sobre tela. 91cm x 75cm. National Gallery. Fonte: Tudo Sobre Arte (2001) ..................21 Figura 6 - Eugène Delacroix. Liberdade guiando o povo (1830). Óleo sobre tela. 2,60m x 3,25m. Museu do Louvre, Paris, França. Fonte: Tudo Sobre Arte (2001) ...................24 Figura 7 - Francisco de Goya. Self-portrait (1815). Óleo sobre tela. Museo del Prado, Madri, Espanha. Fonte: site do Museo del Prado ...........................................................25 Figura 8 - Gustave Courbet. O desespero (1845). Óleo sobre tela. 4,60m x 3,60m. Coleção particular. Fonte: Pinterest (site) ......................................................................26 Figura 9 - Vincent van Gogh. Autorretrato com a Orelha Enfaixada (1888). Óleo sobre tela. 60cm x 49cm. The Courtauld Institute Galleris, Londres. Fonte: Wikipedia............30 Figura 10 - Robert Cornelius. Autorretrato (1840). Fonte: Wikipedia. ............................31 Figura 11 - Hipollyte Bayard. Autorretrato afogado (1841). Fonte: site Incinerrante ......32 Figura 12 - Marcel Duchamp. 5 way self-portrait (1917). Fonte: Internet .......................33 Figura 13 - Cindy Sherman. Filme imóvel sem título n°7 (1978). MoMA, Nova York, EUA. Fonte: Tudo Sobre Arte (2001) .............................................................................34 Figura 14 - Fotografia da grã-duquesa Anastasia Nikolaevna (1914). Fonte: Revista Veja, on-line. ..................................................................................................................36 Figura 15 - Ilse Bing, self-portrait with Leica (1931). MoMA, Nova York, EUA. Fonte: Art Gallery NSW (site) ..........................................................................................................36 Figura 16 - Vivian Maier. Autorretrato (1956). Fonte: www.vivianmaier.com..................37


Figura 17 - Andy Warhol. Autorretratos (1967). MoMA, Nova York, EUA. Fonte: www.moma.org ..............................................................................................................38 Figura 18 – Ellen Degeneres, Selfie Oscar 2014. Fonte: Internet ..................................41 Figura 19 - Estudo das redes de Paul Baran apud Franco (2009). ................................52

LISTA DE TABELAS Tabela 1 – O self nas abordagens da Psicologia e da Sociologia........................................................................................................................49 Tabela 2 – Características da sociedade altamente conectada (conceitos e definições).......................................................................................................................53


SUMÁRIO

Introdução......................................................................................................... ...........08 1. Capítulo 1 - O percurso histórico do autorretrato...................................................11 1.1. A produção autorretratística do Romantismo ao Pósimpressionismo...............................................................................................22 1.2. O enquadramento fotográfico nas produções artísticas impressionistas e pós -impressionistas...........................................................27 1.3. Os primeiros autorretratos na história da Fotografia.......................................30 1.4. A ressignificação do autorretrato: das Artes Visuais à Fotografia ..................32 1.5. O autorretrato e sua massificação..................................................................35 1.6. Da tradição autorretratística nas Artes Visuais ao padrão narrativo contemporâneo da Fotografia ........................................................................38 2.

Capítulo 2 – O Self: dos conceitos fundantes na Psicologia e na Sociologia às plataformas de mídias sociais ............................................. ...........43 2.1. Os estudos do self na Psicologia e na Sociologia...........................................44 2.2. O conceito de self para John B. Thompson em um mundo mediado..........................................................................................................48 2.3. O self contemporâneo na sociedade da alta interatividade: os novos fenômenos de interação nas redes sociais.....................................................50

3.

Capítulo 3 – A manifestação egoica na representação do self pela selfie.......................................................................................................................59 3.1. Conceito de “manifestação egoica”.................................................................59 3.2. A ressignificação do orgulho: da Antiguidade Clássica à contemporaneidade.... ....................................................................................62 3.3. A noção de autonomia e o projeto de felicidade... ..........................................64 3.4. Autoafirmação e satisfação pessoal: os imperativos da manifestação egoica na construção do self como projeto simbólico.................... ....................................................................................69 3.5. A ansiedade contemporânea: a busca pela representação da individualidade no cenário social.. ..................................................................72

Considerações finais ........................................................................................ ...........82 Referências ...................................................................................................... ...........85


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INTRODUÇÃO

Nessas paragens desoladas, onde O silêncio campeia soberano Morreram notas do bulício humano, Nem vibra a corda que a saudade esconde. (Trecho da poesia Anseio, de Augusto dos Anjos, 1912)

Provavelmente o indivíduo contemporâneo não experimentaria o silêncio nem a saudade se vivenciasse tal poesia escrita pelo poeta pré-modernista Augusto dos Anjos. Ao invés da saudade e da presente solidão poética, uma “selfie” seria o bastante para expor tais sentimentos nas plataformas de mídias sociais do momento. Este mesmo enredo contemporâneo, marcado pela liquidez – termo que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) utiliza em suas obras em contraponto ao termo pós-modernidade –, pontua o compasso da interação da sociedade individualizada que espetaculariza suas angústias e ansiedades no contexto tecnológico da socialização. O número crescente de usuários que se utilizam das chamadas selfies contribuiu para o advento desse fenômeno comunicacional, levando o termo a ser eleito pela Oxford English Dictionary (OED)1, em 2013, como “a palavra do ano”. A selfie, que não remete a um movimento singular na história humana, uma vez que encontra expressão na prática histórica do autorretrato, constitui, porém, uma nova abordagem pela produção instantânea. Registrado nas Artes desde os primórdios artísticos do homem paleolítico, o autorretrato foi ressignificado de maneira massiva por intermédio de dispositivos móveis para executar a ação de representar a si mesmo. Nessas questões, o trabalho possui como foco o estudo da construção do self individual por intermédio das interações sociais midiatizadas e como o uso das selfies está atrelado aos conceitos da autoafirmação na modernidade líquida 2. As novas mídias e a forma como as pessoas utilizam-se das mesmas para ancorar suas percepções de realidade, as trocas de vivências com outros indivíduos e a apropriação de “estar

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http://blog. oxforddictionaries.com/2013/11/word-ofthe- year-2013-winner/. > Acesso em: 25.abr.2018.


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presente” em um mundo que converge para o ambiente digital constituem as bases para este estudo bibliográfico. Ancorado em seu próprio título “A selfie do self – sobre a manifestação egoica nas mídias sociais”, este trabalho apresenta uma revisão bibliográfica holística das questões que envolvem o fenômeno da selfie, na qual se enquadram: 1 - a ressignificação do autorretrato ao longo da história ocidental; 2 - as influências que o fenômeno selfie constitui na construção identitária do self; 3 - a ressignificação dos conceitos de individualidade e sociabilidade contemporânea na modernidade líquida e quais imperativos possivelmente englobam as ações de expressão individual para o cenário social de interação. Por opção metodológica, a monografia estrutura-se em três capítulos de forma a melhor contemplar a bibliografia que estrutura a hipótese central do trabalho: a selfie como manifestação egoica. O Capítulo 1 – “O percurso histórico do autorretrato” – explora o processo de ressignificação da expressão artística de si na História da Arte, voltando-se dos movimentos artísticos europeus ao surgimento da Fotografia, cuja “tensão” na esfera das Artes Visuais possibilitou ascensão de novos formatos de se autorretratar. O Capítulo 2 – “O Self: dos conceitos fundantes na Psicologia e na Sociologia às plataformas de mídias sociais” – procura estudar os diferentes conceitos de self e problematizar qual definição melhor se enquadra no estudo da selfie no registro do indivíduo e em sua construção identitária na interação midiatizada. O capítulo procura respaldo bibliográfico em autores como Erving Goffman, John B. Thompson, Zygmunt Bauman, Raquel Recuero, Augusto de Franco e Luiz Paulo Gringberg. Todo o conjunto de reflexões encontra-se conectado no Capítulo 3 – “A manifestação egoica na representação do self pela selfie”. O encerramento amarra os conceitos elencados nos dois primeiros capítulos na construção da hipótese da manifestação egoica ser representada pela selfie, bem como nas reflexões a respeito da construção da individualidade por intermédio da interatividade no ambiente digital. Desse modo, o capítulo parte para uma visão holística com base na Sociologia, na Filosofia e na História, ampliando a definição da selfie adiante daquela caracterizada apenas como um fenômeno autorretratístico nas plataformas de mídia. Ao percorrer 2

O conceito de “modernidade líquida” será trabalhado e explicado no decorrer do Capítulo 2.


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uma gama de artigos acadêmicos, monografias, teses, programas de televisão, literatura sociológica, filosófica, comunicacional, histórica e das artes visuais, o trabalho procura aportar em um panorama possível de analisar e interpretar o fenômeno da selfie para além de um simples produto da era da interação midiatizada, mas como um processo mais amplo de ressignificação da construção individual. O pano de fundo que permeia o trabalho vincula-se a uma hipotética interligação entre a manifestação egoica pela espetacularização da selfie e a fragilidade contemporânea das relações humanas. Encontram-se abertas a partir dos capítulos que se seguem novas maneiras de explorar o território dos conceitos do self na modernidade líquida, cujo caráter da selfie vai além de uma exposição narcísica, mas de sobrevivência individual em uma sociedade altamente conectada.


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CAPÍTULO 1: O percurso histórico do autorretrato Com base no pressuposto de que o fenômeno da selfie constitui uma ressignificação da ideia de autorretrato, mostramos neste capítulo os contextos nos quais as representações artísticas de si estiveram inseridas ao longo da história das artes visuais antes de se aportarem na atual modalidade de representação como formato de comunicação nas novas mídias por intermédio dos autorretratos instantâneos. Antes da ressignificação do autorretrato no contexto das mídias sociais, o seu uso como representação artística passou por profundas transformações de acordo com os contextos históricos, padrões culturais de diferentes épocas e o modo de como os artistas passaram a se observar durante os períodos estilísticos. Porém, diferentemente de conjunturas anteriores, ao invés de o próprio indivíduo valer-se de técnicas oriundas de movimentos artísticos para o desenvolvimento de uma autorrepresentação, ou mesmo necessitar ser representado por outro artista como forma de obter seu retrato, a ressignificação do conceito de autorretrato na contemporaneidade passa por um movimento de aparente autonomia individual que permite o registro da própria imagem de maneira instantânea. Para definir o modo como a concepção de “selfie” chegou a tal desenvolvimento e se tornou um fenômeno na interação mediada, mostra-se necessário traçar um percurso histórico para entender as origens do autorretrato e como o estilo de se autorretratar influenciou não apenas o modo de expressão dos movimentos artísticos europeus, mas a noção de autonomia do próprio indivíduo de retratar a expressão representativa do Eu no cenário cotidiano. No que tange a apropriação da arte e, consequentemente, do autorretrato artístico, pode-se remeter à distinção estabelecida por Benjamin (2012) em relação às ideias de “valor de culto” e de “valor de exposição” como os dois polos no interior da própria obra de arte.

A produção artística começa com imagens que servem ao culto. Nessas circunstâncias, devemos admitir que a existência dessas imagens era mais importante do que a possibilidade de serem vistas. O alce desenhado na caverna pelos homens da Idade da Pedra era um instrumento mágico. Os homens contemporâneos podiam vê-lo, sem dúvida, mas ele se destinava, antes de tudo, aos espíritos. Hoje, parece que é justamente o valor de culto,


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como tal, que exorta a que se mantenha em segredo a obra de arte: certas estátuas divinas só são acessíveis aos sacerdotes na cella; algumas madonas permanecem cobertas durante quase o ano inteiro; outras estátuas em catedrais medievais não são visíveis aos observadores que se encontrem no piso térreo. Na medida em que as obras de arte se emancipam do uso ritual, aumentam as possibilidades de sua exposição. (BENJAMIN, 2012, p. 18)

Em uma interpretação da obra “Histoire de moi – histoire des autoportraits” (Thalia Edition, 2006) de Yves Calméjane, a artista plástica Mazé Leite (2016) ressalta que uma das características da pintura do autorretrato é a de ser uma prática cultural. Nesse sentido, mostra-se salutar a compreensão de que não se encontram autorretratos no mundo hebraico, árabe e indiano, por ser uma prática do mundo ocidental, advinda da cultura greco-romana (CALMÉJANE apud LEITE, 2016). A identificação daquele que seria o primeiro autorretrato na história da arte ocidental varia dependendo da linha de pesquisa dos autores que se voltam ao tema. Calméjane (apud LEITE, 2016) faz uma analogia ao “útero da arte” quando situa as primeiras representações do homem na arte rupestre. No dia 12 de setembro de 1940, quatro garotos descobriram inscrições que datam mais de 17 mil anos na caverna de Lascaux, “considerada por Henri Breuil, grande arqueologista e especialista em Pré-história -, a ‘Capela Sistina’ do paleolítico superior” (CALMÉJANE apud LEITE, 2016)

Os diferentes métodos de reprodução técnica da obra de arte multiplicaram de forma tão notável as possibilidades de exposição da obra, que o deslocamento quantitativo entre seus dois polos de valor provocou uma mudança qualitativa em sua natureza, semelhante àquela experimentada em tempos primitivos. Assim como naquela época a obra de arte sobretudo um instrumento da magia, dado peso absoluto do seu valor de culto, e só mais tarde foi reconhecida como obra de arte, hoje, graças ao peso absoluto do seu valor de exposição, ela adquire funções inteiramente novas, das quais a função artística, a única da qual temos consciência, talvez se revele adiante como uma função secundária. A fotografia e, melhor ainda, o cinema fornecem os fundamentos mais úteis para o estudo em questão. (BENJAMIN, 2012, p. 19)


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A concepção denominada por Benjamin como “valor de exposição” – que condiz com a percepção de que o Cinema fixou na sociedade novas percepções da vida cotidiana – pode ser identificada inicialmente na Antiguidade Clássica na tentativa da reprodução autorretratística. Segundo Leite (2016), ao discutir a obra de Calméjane (2006), o primeiro autorretrato foi produzido na Antiguidade Clássica pelo escultor Fídias (480 a.C. – 430 a.C.) na obra de Atena Partenos, em Atenas, sendo que o mesmo artista foi preso no período por “graves crimes” com o intuito de “macular a idoneidade de Péricles com a sua imagem de estadista perfeito e incorruptível” (FERREIRA, 2012, p. 231 apud LEITE, 2016). Os trabalhos de Fídias suscitaram inveja por cinzelar o combate contra as Amazonas, uma vez que gravou a sua própria figura no escudo “como um velho calvo que levantava uma pedra com ambas as mãos, e incluiu também um retrato de Péricles em luta contra as Amazonas” (PLUTARCO, 2013, p. 125). Fídias – um dos maiores escultores conhecidos da antiguidade realiza o primeiro autorretrato, e pagou um alto preço por isso, pois os gregos, seus contemporâneos, consideravam isso uma superestimação de si mesmo. (CALMÉJANE apud LEITE, 2016)

A superestimação de si mesmo era vista de forma negativa na Antiguidade, pois consideravam uma hybris (desequilíbrio, desmedida), sendo que os homens não poderiam se comparar aos deuses, pois estes se encontram superiores aos seres humanos. Fídias foi condenado pelo estado grego pelo fato de “usar recursos destinados aos deuses com a finalidade de honrar a figura humana” (CALMÉJANE apud LEITE, 2016) 3. Dessa forma, na interpretação de Leite (2016), entende-se que o nascimento do autorretrato aconteceu na antiguidade clássica, na mesma época de Péricles e Sócrates, período que ficou conhecido como a Era de Ouro da Grécia (CALMÉJANE apud LEITE, 2016). Por outro lado, de acordo com Gombrich (2012), o primeiro autorretrato da história data-se do final do século XIV, com o artista “Peter Parler – o Moço”, tendo 3

A questão da hybris como desequilíbrio humano em sua superexposição será revista no Capítulo 3 na comparação do que era considerado crime para a Antiguidade passar a se ressignificar na contemporaneidade como estímulo à manutenção da autoestima individual pela exposição da selfie nas mídias sociais.


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esculpido seu autorretrato na Catedral de Praga, entre os anos de 1379 e 1386, no período artístico na Europa denominado Gótico Internacional (DOUBT, 2001) ou Arte Internacional (GOMBRICH, 2012). Frisa-se que o termo “Arte Internacional” também é usado como expressão da arquitetura racionalista-funcionalista dos anos de 1930 a 1950 no mundo ocidental (FRAMPTON, 1996). Na Europa, no século XV, no período artístico denominado de Gótico Flamengo (1400-1515),

as

obras

de

arte

produzidas

na

região

de

Flandres

(hoje

aproximadamente as regiões da Bélgica e Luxemburgo) começam a ter ênfase e em “rejeitar a elegância cortês e os movimentos do gótico internacional em favor de um novo realismo” (ZACZEK, 2001, p. 140). Dessa maneira, os trabalhos artísticos do gótico flamengo substituíram as extravagâncias do gótico internacional pelos retratos da vida doméstica, “nos quais a espiritualidade e a realidade eram dispostas lado a lado” (ZACZEK, 2001, p. 140). Uma das primeiras formas de conquistas da autonomia dos artistas foi a assinatura das obras, uma vez que na Idade Média a ação de colocar o próprio nome na obra não era bem vista. "Eram requeridas determinadas circunstâncias sociais e intelectuais para os artistas fazerem declarações acerca de si próprios nas assinaturas” (REBEL apud BETTIOL, 2017, p. 22). Não apenas as assinaturas eram controladas pela Igreja. No período que compreendeu a queda do Império Romano do Ocidente (476) e a tomada de Constantinopla pelos turcos (1453), a Idade Média se encontrou em um rígido sistema cujas manifestações sociais foram reprimidas e onde o corpo fora considerado “prisão” e “veneno da alma” e o culto ao corpo da Antiguidade foi associado ao pecado (LE GOFF; TRUONG, 2014, p. 37 apud DARÉ, 2015, p. 19). Em 1433, o artista Jan van Eyck (1390-1441) – um dos nomes mais influentes do movimento Gótico Flamengo – pintou o que se considera o primeiro autorretrato autônomo na arte europeia (BETTIOL, 2017, p. 22) como uma forma de expressar o desejo de se tornar reconhecido pelo trabalho realizado. No quadro, em sua moldura original, havia a inscrição em grego, "tão bem como posso".


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Figura 1 - Jan van Eyck, Portrait of a man (1433). Óleo sobre tela. 25,5cm x 19cm. National Gallery, Londres. Fote: site da National Gallery.

O mesmo ocorre na obra “O casal Arnolfini” (Figura 2), no qual Eyck assina a obra acima do espelho convexo localizado no centro do quadro onde reflete a imagem de dois homens, sendo um deles, provavelmente, o próprio artista. Acima do espelho convexo está inscrito em latim “Jan van Eyck esteve aqui, 1434” (ZACZEK, 2001, p. 145). Na obra, a percepção de autorretrato não diz respeito à representação do Eu, mas na identificação de uma assinatura do artista como “floreio decorativo” (ZACZEK, 2001, p.145), porém, pode ser visto também como forma de expressão da autonomia do registro do artista sobre a obra.


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Figura 2 - Jan van Eyck. O casal Arnolfini (1434). Óleo sobre tela. 82cm x 60cm. National Gallery, Londres. Fonte: Tudo Sobre Arte (2001)

Durante a Renascença Italiana, a arte alcançou novo patamar de exploração artística que marcou a transição do fim da Idade Média para o início da Idade Moderna. O século XV fez com que o desejo de reconhecimento do artista no âmbito social e profissional ganhasse ainda mais notoriedade pela “liberdade de pensar por si e se autorrepresentar” (REBEL apud BETTIOL, 2017, p. 22). Neste sentido, “o autorretrato pôde ascender à categoria de manifesto de autoconhecimento humano geral, e até à autorreflexão cultural” (REBEL apud BETTIOL, 2017, p. 23). A redescoberta do mundo clássico alterou radicalmente a pintura, a escultura e a arquitetura da Itália. A história e a mitologia romanas eram exploradas como temas artísticos. A arte devocional – plana e linear na Idade Média – se tornou mais naturalista, refletindo uma observação mais cuidadosa da forma humana e da natureza, e também no desenvolvimento de técnicas artísticas como a perspectiva. (GWYNNE, 2001, p.150)


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Um exemplo da exploração do autorretrato na escultura na época renascentista é do artista Lorenzo Ghiberti (1380-1455) na composição de um par de portas em bronze para a Guilda Calimala denominada “Portas do Paraíso”, composta por 10 cenas do Antigo Testamento, cujas imagens agrupadas com sutis variações das profundidades dos relevos faz com que a obra pareça tridimensional (GWYNNE, 2001, p. 155). Ao redor dos painéis que compõem as cenas descritas do Antigo Testamento em ambas as portas, há a presença de retratos em medalhões sendo que o próprio artista está representado em um deles como forma de assinatura da obra. Na Alta Renascença, o estudo geométrico na composição dos quadros e nos esboços anatômicos de Leonardo da Vinci, principalmente pelo desenho Proporções da imagem do homem (Segundo Vetruvius), comumente chamado de O Homem Vitruviano (GWYNNE, 2001, p. 173), marcaram o momento histórico e artístico de valorização do homem como centro de todas as coisas. Nesse período, houve maior desenvolvimento da difusão retratística que acompanhava os anseios da corte e da burguesia urbana de projetar suas imagens na vida pública e privada (ITAÚ CULTURAL, 2017). Com isso, os próprios pintores começaram a se autorretratar em obras encomendadas como forma de igualar o poder do artista com as classes elitizadas. Um exemplo dessa representação está na obra “Teto da Capela Sistina” (1508-1512), onde Michelangelo (1475-1564) se autorretratou como o profeta Jeremias, do Antigo Testamento, como um homem de pensamentos profundos (GWYNNE, 2001, p.179).

No Renascimento, a difusão de retratos e autorretratos supriu os anseios da corte e da burguesia urbana. Tais necessidades consistiam, segundo Botti (2005), em lançar suas imagens como um símbolo de poder, já que a confecção de um retrato custava um valor alto. Por isso, os artistas eram contratados para pintar as pessoas ilustres de sua época, sendo o autorretrato produzido nos momentos em que o artista não tivesse modelos para retratar, com a finalidade de mostrar sua habilidade artística aos possíveis clientes. Além disso, o ato de retratar-se concede ao artista, antes mero artesão, certo status social, já que passa a figurar ao lado de pessoas importantes, a partir do momento em que ambos são retratados por meio da pintura. (PEREZ, 2008, p. 1772)

Em reação ao naturalismo utilizado nas obras da Alta Renascença, surge o movimento Maneirista (1510-1620), cujo termo vem da palavra italiana para estilo (no


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sentido de elegância): maniera (KAY, 2001). Assim como movimentos artísticos posteriores, como o romantismo e o impressionismo, o maneirismo foi um movimento com ideias centrais que uniu um grupo de artistas de outro modo dispersos (KAY, 2001, p. 203). Nesse período, o pintor El Greco, nascido em Creta (atual Veneza), pintou o quadro “O enterro do conde de Orgaz” (Figura 3), “uma lenda popular local, sob encomenda do padre da paróquia do artista (Andrés Nuñez) da cidade espanhola de Toledo para a Igreja de São Tomé” (KAY, 2001). Na pintura, El Greco se autorretratou acima da cabeça de Santo Estevão. No quadro, El Greco olha para fora da tela, o que mostra que esta é uma obra pessoal para ele. A cena se passa no século XIV, mas El Greco pintou os ilustres personagens da tela com roupas do século XVI, o que torna a história mais impressionante para os espectadores de seu tempo. (KAY, 2001, p. 209)

Figura 3 - El Greco. Recorte do quadro "O enterro do conde de Orgaz" (1858). Óleo sobre tela. 4,60m x 3,60m. Igreja de São Tomé, Toledo, Espanha. Fonte: Tudo Sobre Arte (2001)

No século XVII, o autorretrato teve grande repercussão em obras de artistas. O Barroco (1610 – 1725) surgiu no movimento da Contrarreforma que enfatizava a divulgação dos ideais religiosos por meio das imagens, com mais exatidão na representação de narrativas bíblicas e com obras que podiam despertar um fervor religioso renovado (BRAINE, 2001).


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Politicamente, o período testemunhou a ascensão de líderes e governantes autocráticos dispostos a se vangloriar de sua imensa riqueza: cálices com joias incrustadas, tapeçarias com fios de ouro e espirais arquitetônicas são característicos dessa extravagância. Ao mesmo tempo, as obras de Newton e Galileu produziram inovações históricas no mundo da ciência, enquanto a filosofia de Descartes transformou a ideia do lugar que o homem ocupava no mundo. A maior revolução, contudo, aconteceu na religião, com a liderança dos papas em Roma sendo questionada pela Reforma Protestante. (BRAINE, 2001, p. 212)

O autorretrato no Barroco teve como um dos destaques o artista Diego Velázquez (1599-1660) na obra “As meninas” (1656), ambientado no Palácio Alcazar, em Sevilha, Espanha. A tela tem atenção especial no autorretrato do artista, chamando atenção não apenas pela participação do mesmo na cena, mas pelo valor simbólico de mostrar-se tão importante quanto as figuras da nobreza do reinado espanhol.

A

complexidade do quadro também está no modo como a realeza foi retratada na obra, sendo que o artista olha fixamente para fora da tela, com o olhar direcionado ao rei Felipe IV e a rainha Mariana, posicionados no mesmo lugar que o observador. A imagem da realeza se encontra ao fundo do quadro, no reflexo do espelho direcionado ao lugar onde se encontra também o observador. No quadro, o artista está em posição de destaque, posicionado no canto esquerdo, onde aparece “realisticamente descrito num ousado autorretrato” (BRAINE 2001, p. 221). A representação da “Cruz Vermelha” no peito do artista indica a condição de Cavaleiro da Ordem de Santiago, honra concedida em 1659. Porém, um exame mais atento mostra que a cruz foi acrescida depois de concluída a pintura, sendo que alguns acreditam que o rei Felipe IV a pintou enquanto Velásquez “agonizava no leito de morte, mas é mais provável que o próprio artista a tenha acrescentado depois de consagrado cavaleiro” (BRAINE, 2001, p. 221)


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Figura 4 - Diego Velázquez. As Meninas (1656). Óleo sobre tela. 3,20m x 2,76m. Museu do Prado, Madri, Espanha. Fonte: Tudo Sobre Arte (2001)

Durante a Idade de Ouro Holandesa (1614–1665), movimento artístico que compreendeu a República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos (hoje compreende Holanda, Bélgica e Luxemburgo), foram produzidas mais de cinco milhões de pinturas na região. Elas foram encomendadas por uma classe média emergente próspera, que substituiu o mecenato da Igreja e da nobreza (BRAINE, 2001). Diferenciar as escolas artísticas neste período é difícil pela grandiosa produção artística. No entanto, os artistas da Idade de Ouro holandesa podem ser reunidos segundo o tema escolhido, como naturezas-mortas, retratos, paisagens e cenas domésticas, contradizendo as imagens sacras e bíblicas do movimento barroquista (BRAINE, 2001). Nesse período, surge o artista Rembrandt Harmenszoon van Rijn (1606-1669), cujos autorretratos fizeram parte de mais de oitenta e seis quadros do autor.


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Os questionamentos existenciais em torno dos autorretratos fazem de Rembrandt um artista introspectivo e dedicado a entender a própria presença no mundo. "Rembrandt registrou diferentes fases da vida em diferentes emoções, expressões e sensibilidades em pinturas e desenhos como Autorretrato de boca aberta, Autorretrato de olhos esbugalhados, Autorretrato de testa franzida, ou ainda o Autorretrato com barba." (CANTON apud BETTIOL, 2017, p. 25)

Rembrandt pintou a si mesmo ao longo de toda a carreira e em vários estilos diferentes, totalizando oitenta e seis autorretratos que eram formas de criar um diário visual do artista da juventude à velhice (BRAINE, 2001). O quadro “Self-portrait at the age of 34” (1640) possui uma referência ao autorretrato de Albrecht Dürer (1471-1528) pintado em 1498 e que mostra o artista usando roupas nobres (BRAINE, 2001). O “sucesso de Rembrandt o estimulou a produzir autorretratos, que eram colecionados pelos ‘connaisseurs’ e que o ajudaram, posteriormente, a estabelecer a sua reputação” (BRAINE, 2001, p. 227).

Figura 5 - Rembrandt Harmensz. van Rijn. Self-portrait at the age of 34 (1640). Óleo sobre tela. 91cm x 75cm. National Gallery. Fonte: Tudo Sobre Arte (2001)

No quadro “A ronda noturna” (1642), encomendado por um grupo da guarda civil, também há o autorretrato do artista ao fundo da cena, “sendo possível reconhecer o


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artista por seu nariz proeminente e por estar usando sua tradicional boina” (BRAINE, 2001, p.227). Rembrandt parece estar espiando a cena, como se estivesse olhando pelo buraco de uma fechadura (BRAINE, 2001, p. 227). Nos quadros finais da vida do artista, devido a uma forte crise pessoal, ocupam lugar de destaque também as obras Self Portrait at the Age of 63 (Autorretrato com a idade de 63 anos), pertencente a The National Gallery em Londres, e Self Portrait in the 1669 (Autorretrato em 1669), pertencente ao Mauritshuis, Haia (ITAU CULTURAL, 2017). No século XVII, os movimentos

humanistas impulsionaram

os

artistas

a

fazerem “interpretações

psicológicas experimentais” (REBEL apud BETTIOL, 2017, p. 25). Vale ressaltar que muitos artistas utilizavam o autorretrato como uma forma de exercício prático, já que modelos eram muito caros e dessa forma eles poderiam reduzir os custos. Nesta época, os pintores já dividiam seus trabalhos de acordo com suas especialidades, alguns pintavam natureza morta, outros paisagens, grupos e retratos. Porém, todos produziam autorretratos. (BETTIOL, 2017, p.24)

Neste período que compreende o Barroco e a Idade de Ouro Holandesa, como maiores expoentes do autorretrato, os artistas pintavam a si próprios “frequentemente nos seus estúdios, porque só podiam combinar ações alegóricas, um ambiente familiar, um cenário significativo e aspectos dissimulados”. Também se retratavam sempre em frente de um espelho. “O espelho é a autoridade visualmente indispensável sobre a verdade de todos os movimentos de transformações”. (REBEL apud BETTIOL, 2017, p. 24-25).

1.1.

A produção autorretratística do Romantismo ao Pós-impressionismo As artes na chamada Era das Revoluções (1778-1919) tiveram como pano de

fundo a queda de regimes monárquicos na Europa e o surgimento de novos movimentos artísticos como o Romantismo, Realismo, o Impressionismo e o advento da invenção da fotografia, que tensionou movimentos artísticos anteriores sobre o modo de “registrar o momento”.

A ressignificação do autorretrato desde o momento da

autonomia artística de assinar as próprias obras e se autorrepresentar na tela – como foi o caso de Jan van Eyck – e as influências de Rembrandt na Era de Ouro Holandesa


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– como forma de registrar um diário de sua aparência física –, mostra que a exposição do artista nos autorretratos passou para outros aspectos de narrar o próprio indivíduo em uma sociedade. Essa mudança fez com que os movimentos artísticos posteriores ao Romantismo também interpretassem e ressignificassem de outras maneiras as próprias representações de si nas obras. O Romantismo (1779 – 1782) foi o movimento que “galvanizou a arte, a literatura e a música ocidentais de fins do século XVII a meados do XVIII” (HAWKSLEY & KAY, 2001, p. 266). Surgiu quando as áreas da Filosofia, Política, Social e Artística trouxeram para o primeiro plano a imaginação individual e a criatividade (HAWKSLEY & KAY, 2001). Foi o período marcado pela Revolução Industrial europeia tendo como marco a construção da primeira ponte de ferro do mundo em Coalbrookdale (FARTHING, 2001, p. 266), na Inglaterra, em 1779. Nesse sentido, houve um “período de crise social e sentimento de impotência diante das forças antinaturais da mecanização” (HAWKSLEY & KAY, 2001, p. 268). A ansiedade do período moderno levou ao Romantismo conferir nas obras de arte o “extravasamento das emoções exasperadas e dos poderosos sentimentos e forças que a natureza pode suscitar”. O movimento também surge como reação ao racionalismo iluminista do século XVIII, onde os pensadores do Iluminismo buscavam uma ordem racional que substituísse as superstições e os ideais religiosos pelo mundo do pensamento inteligente (HAWKSLEY & KAY, 2001, p. 267). O controle da imprevisibilidade da natureza através dos sistemas de “calculabilidade” (leitura dos acontecimentos do mundo) e a “responsabilidade” do indivíduo no decorrer desses acontecimentos foram alavancados com o discurso da ciência, o que levou ao aumento significativo do poder dos homens sobre a natureza (BIRMAN, 2010, p. 33). Porém, a ansiedade do homem em um mundo que viu as violências das guerras oriundas da Revolução Francesa (1789) e da Revolução Americana (1775-1783), fez com que houvesse uma desilusão dessa racionalidade decorrente da “não concretização desse mundo melhor e da persistência do caos e das guerras” (HAWKSLEY & KAY, 2001, p. 267), fomentando ainda mais a produção no Romantismo. O movimento teve como um dos principais expoentes o artista francês Eugène Delacroix (1798–1863), que utilizou-se do autorretrato como manifestação da imagem do “herói solitário romântico”, segundo alguns defensores da ideia de que há


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seu registro na obra “Liberdade guiando o povo” (1830), “um dos mais famosos símbolos da insurreição na história da arte” (KAY, 2001, p.272).

Figura 6 - Eugène Delacroix. Liberdade guiando o povo (1830). Óleo sobre tela. 2,60m x 3,25m. Museu do Louvre, Paris, França. Fonte: Tudo Sobre Arte (2001)

Nota-se a hipotética representação retratística de Delacroix como “o burguês de cartola ao lado dos operários, soldados e estudantes” (KAY, 2001. p. 272). Mesmo dividindo opiniões quanto a sua aparição no quadro, Eugene Delacroix também produziu seu autorretrato em 1837, aos 39 anos, tendo semelhança com a estética do autorretrato de Rembrandt (1640) aos 34 anos. Outro artista que marcou também o período romântico foi o espanhol Francisco de Goya (1746-1828). O pintor produziu mais de 150 retratos (autorretratos, retratos de familiares, amigos, etc.) em sua carreira e ficou amplamente conhecido pela obra “Três de maio de 1808” (1814).


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Figura 7 - Francisco de Goya. Selfportrait (1815). Óleo sobre tela. Museo del Prado, Madri, Espanha. Fonte: site do Museo del Prado

Seu autorretrato de 1815 (Figura 7), aos 69 anos, carrega em sua expressão uma espécie de “confissão pessoal”, uma visão melancólica e sem indulgência que transmite seu estado de espírito de meditação e crise interior (MARTINS, 2017), o que pode traçar um paralelo com a ansiedade e a angústia do homem moderno perante a “turbulência da psicologia humana” (HAWKSLEY & KAY, 2001, p.267). Tensionando o movimento romântico das artes, o Realismo foi marcado pelo afastamento formal e estilístico das cenas idealizadas e da pintura histórica da arte acadêmica do começo do século XIX (DOUBT, 2001), destacando artistas como Edouard Manet (1832-1883), Adolph Menzel (1815-1905) e Jean-François Millet (18141875), apresentando como liderança do movimento o artista Gustave Courbet (18191877). Com o desprezo pelo Romantismo, os artistas optaram em captar o retrato de pessoas e acontecimentos comuns, quase fotográficos, baseando-se na observação cuidadosa (DOUBT, 2001, p.300). O crescimento rápido da população, sucessivas quebras de safra e a industrialização acelerada causaram privação e miséria aos pobres das áreas urbanas e rurais. Isso gerou uma instabilidade


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considerável, que culminou com a Revolução de fevereiro de 1848, depois da qual o governo provisório garantiu o voto universal aos homens e deu aos cidadãos o ‘direito ao trabalho’. (DOUBT, 2001, p. 300).

Neste momento histórico das artes, os pintores realistas reagiram às transformações sociais e políticas rebelando-se contra as autoridades artísticas. Gustave Courbet (1819-1877), líder do movimento realista, registrou dezenas de autorretratos na década de 1840 expressando diversos estados psicológicos, sendo uma de suas obras mais conhecidas o autorretrato “O desespero” (1845), que mostra o artista em um momento de crise identitária, o qual enfrentava em momentos depressivos. Porém, outros autorretratos mostram estados melancólicos, como “Autorretrato em Sainte Pelagie” (1873), ou de certa arrogância artística e intelectual, como “Homem com cachimbo” (1849).

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Figura 8 - Gustave Courbet. O desespero (1845). Óleo sobre tela. 4,60m x 3,60m. Coleção particular. Fonte: Pinterest (site)

Já na obra O Ateliê do Artista (1854-1855), Courbet declara seus princípios políticos ridicularizando a postura idealizada da arte acadêmica francesa, cuja pintura histórica de temas bíblicos e clássicos tinha status mais alto, “respeitando uma rigorosa hierarquia de temas aceitáveis como o retrato e as naturezas-mortas” (HODGE, 2001). Assim como Courbet, pintores como Edouard Manet (1832-1883) e Jean-François Millet


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(1814-1875) desejavam se libertar da arte acadêmica tanto na questão técnica quanto na abordagem temática (DOUBT, 2001). Nas obras de Manet, cenas cotidianas “mostravam mendigos e pessoas comuns em cafés e tabernas” (DOUBT, 2001, p. 302), defendendo a ideia de que a arte pode retratar a vida cotidiana de forma direta. O Realismo também foi marcado pela Escola de Barbizon, movimento fundado por Millet, que empenhou na retratação do naturalismo nas obras do período, o que desempenhava rigorosa atenção aos detalhes e temáticas mais simples, como uma forma de tensionar a arte romântica que se encontrava em pleno movimento (DOUBT, 2001, p. 305). Em meados da segunda metade do século XIX ocorreram embates que foram travados entre os artistas vinculados ao Realismo e os defensores da fotografia, tendo essas duas tipologias documentais a intenção de reproduzir a “imagem fiel” do mundo visível (PELEGRINI, 2013). O impacto ocasionado pela fotografia nas artes tiveram efeitos significativos tanto nas “representações pictóricas dos artistas empenhados em reproduzir a imagem ‘fiel’ do mundo visível (realistas), quanto na captação dos fenômenos fugidios do meio natural (os impressionistas)” (PELEGRINI, 2013, p. 18). 1.2.

O enquadramento fotográfico nas produções artísticas impressionistas e pós-impressionistas No mesmo período em que Henry Talbot (1800-1877), na Inglaterra, e Louis

Daguerre (1787-1851), na França, surgem com a invenção da Fotografia, ocorriam os movimentos realistas e impressionistas nas artes visuais. Em 1835, Talbot publicou um artigo documentando como conseguir fixar imagens utilizando papel tratado com cloreto de prata que, mergulhado em uma solução de sal, obtia resultado negativo, ou seja, que poderia ser copiado diversas vezes (GODINHO, 2011). Surgiu, então, a influência da fotografia na composição dinâmica dos quadros que registravam cenas da vida cotidiana de maneira descentralizada, como realizada nas obras de Edgar Degas (1834-1917), cuja inspiração foram as imagens congeladas das fotografias de Eadweard Muybridge (1830-1904). A primeira fotografia reconhecida mundialmente foi realizada pelo francês Joseph Nicéphore Niépce, em 1826. Antes do surgimento da fotografia, as imagens eram feitas


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por meio de câmeras escuras, sendo que as mesmas não resistiam à luz e ao tempo, possuindo baixa fixação e durabilidade após a revelação (BETTIOL, 2017, p. 32). “A consolidação do registro de uma imagem nítida realizada pelo daguerreotipo fez com que seu processo de produção simples se tornasse acessível, permitindo a popularização do equipamento” (BETTIOL, 2017, p. 32). Anos depois, na segunda metade do século XIX, artistas como Claude Monet (1840-1926) – também no interior desse movimento de efervescência e tensionamento de linguagens – rebelaram-se contra os temas históricos e refinados da arte acadêmica francesa (WELTON, 2001) que era produto da Academia de Belas-Artes, que instituíam, avaliavam e representavam as artes no mundo Europeu. As pinturas impressionistas foram recebidas “com escárnio em sua primeira exposição em Paris na década de 1870” pelas pinceladas soltas e o uso de cores intensas (WELTON, 2001, p. 316).O termo “impressionista” foi cunhado como um insulto do crítico de arte Louis Leroy (1812-1885) que escreveu no artigo intitulado “A exposição dos impressionistas” que “Impressão...qualquer papel de parede é mais bem-acabado do que esta marinha!” (WELTON, 2001), com relação à obra Impressão sol nascente de Claude Monet (18401926). A influência fotográfica no período está na captação de cenas da vida cotidiana “em

cores

vivas

e

ousadas,

traçados

simples

e

composições

dinâmicas

descentralizadas, onde figuras avultadas em primeiro plano podiam estar cortadas pela borda do quadro” (WELTON, 2001, p. 317), como foi o caso da tela “Aula de Dança” (1873-1875), de Edgar Degas (1834-1917). Na obra, Degas possui influências diretas do enquadramento fotográfico. A obra tem uma característica íntima e informal, cuja estrutura assimétrica da obra – “o ponto de vista inusitado e as figuras cortadas trazidas da influência fotográfica” (WELTON, 2001, p. 321) –, passa a expressão de espontaneidade e da observação momentânea. A aula de dança é um quadro caracteristicamente íntimo e informal – mostrando detalhes como a jovem dançarina coçando as costas. “Para mim”, escreveu Degas, “as bailarinas são um pretexto para pintar belas texturas e expressar o movimento”. Nesta composição descentralizada, as bailarinas e suas mães se agrupam ao redor do professor Jules Perrot. A estrutura assimétrica, o ponto de vista inusitado e as figuras cortadas traem a influência da fotografia e


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das gravuras japonesas (WELTON, 2001, p. 321)

Contemporâneo

ao

surgimento

da

ukiyoye

fotografia,

que

o

Degas

movimento

colecionava.

do

Pós-

Impressionismo, o qual remete às obras de Georges-Pierre Seurat (1859-1891), Paul Gauguin (1839-1906) e Henri de Toulouse-Lautrec (1864-1901), possui enfoque revolucionário à arte francesa, com novas maneiras de retratar o mundo físico na tela e o afastamento do naturalismo do movimento impressionista (ZACZEK, 2001, p. 329). A expressão de Toulouse-Lautrec, um dos mais animados artistas pós-impressionistas, demonstrava em suas obras a captura do movimento espontâneo das pessoas e, no autorretrato, mostrava a expressão de si como ressignificação dos problemas como forma de se impor contra as mazelas da vida. O período denominado “pósimpressionista” se refere “à obra de vários artistas pioneiros que se seguiram ao surgimento do impressionismo” (ZACZEK, 2001, p. 329). O termo é utilizado para se referir especificamente a quatro artistas desse período: Paul Cézanne (1839-1906) na estrutura pictórica; Georges-Pierre Seurat (1859-1891) no caráter científico da cor; Vincent van Gogh (1853-1890) em sua intensidade emocional; e Paul Gauguin (18481903) no uso simbólico da cor e do traço (ZACZEK, 2001, p. 329). O autorretrato, portanto, passou a ser influenciado com o advento da fotografia, onde a investigação da criação da representação de “si mesmo” teve importância em reproduzir a imagem em outros contextos, modificando o significado das imagens (PEREZ, 2008). Os modos de produção artística, as modificações sociais e tecnológicas que ocorreram na metade do século XIX, ressignificou o modo de como o indivíduo passou a visualizar o mundo e a si mesmo (PEREZ, 2008, p.3786). A questão do autorretrato, tanto no período realista quanto no impressionista, entre o século XIX e o século XX, possui a visão do artista sobre si próprio de maneira sombria, angustiada e até mesmo cruel, quando se evidenciam defeitos físicos ou mutilações. O exemplo mais célebre nessa direção é o Autorretrato com Orelha Enfaixada, do período pós-impressionista pintado por Vincent van Gogh (1853-1890), em 1888, após uma crise que o leva a cortar o lóbulo da orelha esquerda (ITAÚ CULTURAL, 2017).


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Figura 9 - Vincent van Gogh. Autorretrato com a Orelha Enfaixada (1888). Óleo sobre tela. 60cm x 49cm. The Courtauld Institute Galleris, Londres. Fonte: Wikipedia.

Van Gogh produziu mais de 43 autorretratos ao longo de dez anos. A própria carta que o artista redigiu para a irmã descreve sua busca: “uma semelhança mais profunda do que a obtida por um fotógrafo” (ZACZEK, 2001). Nesse sentido, na ressignificação de valores, símbolos e técnicas artísticas ao longo da história da arte, onde movimentos surgiam para tensionar outros, a fotografia emerge influenciando os modos de expressão no início do século XIX (mesmo período que foi aceita como expressão artística). 1.3.

Os primeiros autorretratos na história da Fotografia O autorretrato, como visto na história das artes visuais, teve seu valor simbólico

ressignificado durante os movimentos artísticos influenciados pelo momento político, econômico e social de cada época. Com o surgimento da fotografia, o autorretrato passou a outro patamar de registro individual, como uma nova forma de expressão da autoimagem através do uso da técnica de captação e percepção da realidade, sendo que “pela primeira vez no processo de reprodução da imagem, a mão foi liberada das


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responsabilidades artísticas mais importantes, que agora cabem unicamente ao olho” (BENJAMIN, 1955, p.1). O registro fotográfico possui a capacidade de reproduzir com exatidão o que é visto a olho nu, transformando operar alterações na imagem registrada dos outros e de si mesmo (PEREZ, 2008).

O surgimento dessa nova expressão

tecnológica abriu novos caminhos para as vanguardas modernas na produção de inúmeros autorretratos que afastavam da realidade física o registro da foto para a expressividade e a singularidade do artista na arte moderna (PEREZ, 2008, p. 3786). A reprodução das imagens, portanto, foi acelerada devido à experiência fotográfica, tendo a mesma velocidade de reprodução das imagens em comparação com a palavra oral (BENJAMIN, 1955). Em 1839, foi realizado pelo químico alemão Robert Cornelius (1808-1893) – imigrado para a Filadélfia, nos Estados Unidos –, o primeiro autorretrato da história da fotografia, no qual o Cornelius desenvolve um “daguerreotipo de si próprio”.

Figura 10 - Robert Cornelius. Autorretrato (1840). Fonte: Wikipedia.

Um ano após o primeiro autorretrato fotográfico, Hipollyte Bayard (1801-1887), um dos pioneiros da fotografia, desenvolve um processo fotográfico para a “obtenção de ‘desenhos’ sobre papel”. Pelo fato de não ter obtido reconhecimento governamental e público sobre o processo de criação, Bayard criou uma cena inusitada, como forma


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de protesto (RIBEIRO, 2013). O corpo do artista ocupa a área central da imagem. A imagem caracteriza Bayard com os olhos fechados e o corpo imóvel, envolto em um lençol branco ao lado de um chapéu. O título que Bayard deu à imagem define o sentido da cena: "Autoportrait en noyé", "Autorretrato afogado" (RIBEIRO, 2013). Tal criação foi considerada também como a primeira fotomontagem da história.

Figura 11 - Hipollyte Bayard. Autorretrato afogado (1841). Fonte: site Incinerrante

A partir de 1900, a fotografia se tornou mais acessível com o surgimento da primeira Kodak Brownie, uma câmera simples em formato de caixa, o que permitiu que os fotógrafos fossem mais espontâneos. O contexto levou Henri Cartier-Bresson (19082004) a registrar o instante em imagens como Atrás da estação (KING, 2001). 1.4.

A ressignificação do autorretrato: das artes visuais à fotografia No ensaio “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, o filósofo e

sociólogo alemão Walter Benjamin (1892-1940) promove uma reflexão em torno de temas como a “autenticidade”, a “reprodução técnica”, a “aura” e os valores “de culto” e “de exposição”, concepções que se relacionam com o tensionamento da invenção fotográfica ao longo da história da arte.


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Após a Primeira Guerra Mundial, surge o movimento artístico do Dadaísmo, contrapondo as produções fotográficas do século XX, onde “menosprezaram a ênfase tradicional posta na estética pictórica e na expressividade e santidade da própria obra de arte” (MCGINITY, 2001, p. 410). Representante do Dadaísmo em Nova York, o francês Marcel Duchamp (1887-1968) ressignificou o autorretrato na obra 5 Way SelfPortrait (1919), no qual demonstra a fragmentação do Eu e as possíveis interpretações e ângulos com uma imagem fotográfica e como as pessoas representam a si mesmas em uma fotografia e na vida cotidiana. A performance de Duchamp em 5 way selfportrait oferece uma maneira de situar a fotografia como “forma de burlar a lógica da verossimilhança, a prática do autorretrato fotográfico aproximou-se muito do teatro, ao incorporar a simulação e a mise-em-scéne para manipular a imagem do eu” (FALCÃO & HARTMANN, 2008, p. 1771). A construção de universos fantásticos ou lúdicos, como nas representações identitárias ou fictícias, marca a exposição dos artistas na fotografia performática de representar não só as máscaras sociais em um cenário social (GOFFMAN, 1985), como de costume no enquadramento autorretratístico das artes visuais, mas na exposição individual de suas imagens recriadas de maneira artística.

Figura 12 - Marcel Duchamp. 5 way self-portrait (1917). Fonte: Internet

Após a Segunda Guerra Mundial, já no início da década de 1960, os artistas começaram a misturar a fotografia com outros materiais. Utilizando-se do autorretrato, ou das “selfies”, a artista norte americana Cindy Sherman (nascida em 1954) iniciou a


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série Bastidores quando tinha 23 anos e, com o uso da fotografia, ressaltou a construção da imagem do Eu como performance. Tendo como exemplo o registro de Duchamp, o autorretrato passou a ser visto não somente como a representação do self, mas também como a construção de um personagem (FALCÃO & HARTMANN, 2008, p. 1772). Com isso, surge a encenação do self como uma representação do Eu – na concepção de Goffman (1985) – para o cenário fotográfico, em que o ator social é registrado no momento de sua performance.

Diante de uma câmera, imediatamente encenamos uma ação, construindo uma imagem de nós mesmos. Conscientes desse processo, autorretratos fotográficos possibilitam trabalhar novas estratégias de representação da identidade, que visam subverter, por meio do “disfarce”, a lógica do espelho. (FALCÃO & HARTMANN, 2008, p.1772).

A série de fotografias registradas por Sherman apresenta apenas imagens de mulheres, inspirada incialmente na representação feminina nos filmes americanos do pós-guerra e nas fanzines, mas Sherman “se distancia do rótulo de feminista” (KING, 2001, p. 495). A artista iniciou a série com a ideia de “documentar a vida de uma atriz em diversos momentos de sua carreira, desde encarnação de uma ‘menina ingênua’ até o momento em que está mais ‘gasta’, pagando o preço do sucesso” (KING, 2001, p. 495).

Figura 13 - Cindy Sherman. Filme imóvel sem título n°7 (1978). MoMA, Nova York, EUA. Fonte: Tudo Sobre Arte (2001)


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Após o registro da série como forma de representar a vida de uma estrela em ascensão em Hollywood, Sherman logo “buscou encenar os estereótipos femininos na sociedade americana do pós-guerra como donas de casa, adolescentes, prostitutas, professoras, dançarinas” (BETTIOL, 2017, p. 39). A artista também passou a usar maquiagem e figurinos para se transformar na protagonista das fotos, “fazendo uma paródia e, ao mesmo tempo, subvertendo as noções do retrato e de celebridades” (KING, 2001, p. 495). 1.5.

O autorretrato e sua massificação A partir de 1900, “a fotografia se torna acessível a todos com o surgimento da

primeira Kodak Brownie, uma câmera simples em formato de caixa” (FARTHING, 2001, p. 356). As duas fotografias elencadas anteriormente como as “primeiras selfies da história” permitem um paralelo com o fenômeno autorretratístico das mídias sociais da contemporaneidade. Entretanto, devido o termo selfie ter sido cunhado nos anos 2000, faz-se necessário compreender que os autorretratos foram ressignificados dentro da própria fotografia no sentido da expressão individual antes de chegar à utilização das plataformas digitais de interação mediada. Após as duas experiências fotográficas mencionadas, localiza-se o caso de Anastásia Nikolaevna, filha do czar Nicolau II da Rússia, que em 1914 “posou em frente a um espelho e tirou uma foto dela mesma” (BETTIOL, 2017, p. 36). Segundo o jornal Daily Mail, a duquesa enviou a foto em uma carta logo após o registro da fotografia endereçada a uma amiga, dizendo: “Eu tirei essa foto de mim mesma olhando para o espelho. Foi muito difícil, pois minhas mãos tremiam”. “Na foto, a jovem aparece em cima da cadeira e ao lado percebe-se um desfoque, ocasionado pelas mãos trêmulas de Anastásia” (BETTIOL, 2017, p. 37).


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Figura 14 - Fotografia da grã-duquesa Anastasia Nikolaevna (1914). Fonte: Revista Veja, on-line.

De acordo com a Art Gallery of New South Wales, quase duas décadas depois da foto da duquesa diante os espelhos (Figura 14), a alemã Ilse Bing se fotografou diante de espelhos, em 1931, intitulada de “Autorretrato com Leica” (BETTIOL, 2017, p.38). Especula-se que seus autorretratos eram uma forma de praticar e estudar as teorias fotográficas. (BETTIOL, 2017, p. 38)

Figura 15 - Ilse Bing, self-portrait with Leica (1931). MoMA, Nova York, EUA. Fonte: Art Gallery NSW (site)


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Vivian Maier (1926-2009) foi reconhecida postumamente pelas fotografias realizadas em Nova Iorque entre as décadas de 50 a 70. Durante seu expediente como babá, tinha como hobby o registro do cotidiano nova-iorquino e de tirar autorretratos em vitrines de lojas de departamento, supermercados, espelhos e sua sombra em diversas paisagens. “De acordo com o documentário ‘Finding Vivian Maier’ (2014), dirigido por John Maloo, a fotógrafa morreu em abril de 2009 antes de ser descoberta e reconhecida por seu trabalho” (BETTIOL, 2017, p.38). Seus registros focavam nas paisagens urbanas e em pessoas desconhecidas nas ruas, mostrando diferentes estados de espírito: “vulneráveis, nobres, derrotadas, orgulhosas, frágeis, ternas e, não raro, bem cômicas” (DUNLAP, 2011, The New York Times apud FRAIA, 2014, Folha de São Paulo).

Figura 16 - Vivian Maier. Autorretrato (1956). Fonte: www.vivianmaier.com

Devido à expansão dos registros fotográficos e autorretratísticos, Andy Warhol (1928-1987) criou como uma de suas propostas vincular o autorretrato na produção artística, diferente da realizada na arte performática de Duchamp e Sherman. “Ele transformou a estética do consumo e foi o primeiro a enxergar arte comercial como uma arte séria, e a arte séria como arte comercial, e fez todo o mundo da arte de Nova York enxergar assim também” (INGRAM apud BETTIOL, 2017, p. 31). A massificação do uso


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da fotografia fez com que Warhol percebesse a influência de famosos na vida das pessoas comuns, o que potencializou o trabalho na comercialização de sua arte, tendo em vista o consumismo midiático como parte fundamental dos trabalhos do artista.

Figura 17 - Andy Warhol. Autorretratos (1967). MoMA, Nova York, EUA. Fonte: www.moma.org

1.6.

Da tradição autorretratística nas artes visuais ao padrão narrativo contemporâneo da fotografia A tradição autorretratística na história da arte ocidental – da Antiguidade Clássica

aos movimentos artísticos europeus do século XVIII ao século XX – passou por ressignificações nas representações artísticas do autorretrato nas expressões sociais existentes em cada momento. Nos principais períodos históricos, a forma de percepção das coletividades humanas se correlaciona e transforma o modo de existência de uma sociedade (BENJAMIN, 1955). No caso da sociedade massiva, na qual a realidade é orientada através das massas e as massas em função da realidade, o processo de percepção sofre transformações tanto no pensamento como na intuição (BENJAMIN, 1955). Na história das formas de expressão, a ressignificação do autorretrato em diferentes períodos e recortes geográficos – tal como ocorre no terreno da literatura –


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pode ser interpretada a partir da “ressonância em elementos extralinguísticos presentes na vida privada e na vida cotidiana” (SILVA, 2017, p.210). Ancora-se, por conseguinte, na hipótese de que tais ressignificações respaldam (e são respaldadas) por padrões culturais que se disseminam socialmente no plano do cotidiano. Assim, reinterpretando para o campo do autorretrato a hipótese teórico-metodológica dos estudos de Franco Moretti (2003) sobre a organização e a disseminação da narrativa literária (em especial, dos romances europeus no século XIX), pode-se entender que as transformações na linguagem autorretratística das artes visuais à utilização da selfie contemporânea nas mídias sociais dizem respeito a alterações mais profundas em padrões culturais que passaram a respaldar padrões narrativos. Nesse contexto, a questão da produção de autorretratos de maneira expansiva após o surgimento da fotografia se relaciona com a ideia de que “quando uma novidade tão prosaica e modesta consegue difundir-se por toda a parte, deve haver algo na cultura circunstante que se encontra em profunda sintonia com ela” (MORETTI, 2013, p.15). Moretti utiliza esta premissa para estudar especificamente a “modalidade do romance europeu novecentista” (SILVA, 2017, p. 210). Porém, na observação que esta monografia faz do autorretrato dentro das artes visuais e na massificação do mesmo com a utilização da fotografia nas mídias sociais contemporâneas, projeta-se similar perspectiva: um padrão estético-expressivo apenas se dissemina socialmente quando encontra respaldo em padrões culturais mais amplos pavimentados nos universos da vida privada e da vida cotidiana. Bauman (2008) oferece uma contribuição interpretativa para o fenômeno:

Seria um erro grave, contudo, supor que o impulso que leva à exibição pública do “eu interior” e a disposição de satisfazer esse impulso sejam manifestações de um vício/anseio singular, puramente geracional e relacionado aos adolescentes por natureza ávidos, como tendem a ser, para colocar um pé na “rede” (termo que está rapidamente substituindo “sociedade”, tanto no discurso das ciências sociais quanto na linguagem popular) e lá permanecer, embora sem muita certeza quanto à melhor maneira de atingir tal objetivo. (BAUMAN, 2008, p. 9)


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O autorretrato, como expressão divulgada amplamente pelos movimentos artísticos ao longo da história ocidental, possui relação com os questionamentos a respeito da autorrepresentação do artista, o que proporcionou a autonomia de sua imagem como “manifestação egoica” – que será abordada no Capítulo 3. Porém, é ressignificado ao longo da história no modo de expressão dessa manifestação inerente à vida humana e à representação dela no cotidiano social. Bettiol (2017) utiliza a abordagem do artista plástico Ernst Rebel a respeito da criação dos autorretratos que relacionam a arte com o ego do artista na criação das obras. Os autorretratos são testemunhos em que o ego do artista como seu modelo e motivo se relaciona simultaneamente com outras pessoas. Os artistas representam-se a si próprios como querem ser vistos pelos outros, mas também porque querem distinguir-se deles. (REBEL apud BETTIOL, 2017, p.22 )

O autorretrato na contemporaneidade está fundamentado no compartilhamento de conversas e postagens nas mídias sociais, cuja representação do self, hipoteticamente, surge como uma necessidade da autoafirmação pessoal na exposição da selfie nas plataformas digitais. A terminologia selfie foi utilizada pela primeira vez em setembro de 2002, por um jovem australiano, Nathan Hopey, que postou uma fotografia em um fórum do site ABC. Seu uso passou a se intensificar com o surgimento de novas plataformas de mídias, tendo o termo sido eleito em 2013 pelo Oxford English Dictionary como a palavra do ano. Segundo os editores do dicionário, o uso da palavra aumentou 17.000% desde 2012. A palavra foi popularizada nas mídias pelo uso intensificado por personalidades consideradas celebridades, que passaram a fazer uso constantes das selfies.

Seguindo a ideia de identidade de autores como David Harvey (1994) e Stuart Hall (2005), pode-se dizer que o autorretrato não se configura apenas como uma representação narcísica, mas como uma forma de representação da própria identidade, incluído aí o estranhamento característico do homem contemporâneo. Pode-se perceber que esse cenário está representado na produção recente do autorretrato, quando, na captação de autoimagens, investiga-se a busca de sentido em meio à fragmentação do indivíduo. (FALCÃO & HARTMANN, 2008, p. 1770).


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O argumento utilizado por Falcão & Hartmann, permite complementar neste trabalho que o autorretrato, hoje no fenômeno selfie, ressignificou seu uso além das representações pessoais da identidade nas mídias sociais, como também a construção da identidade em respaldo às imagens inseridas no contexto midiatizado. Como o autorretrato teve diversas formas de expressão durante os períodos históricos artísticos, a selfie tem como finalidade o registro e a divulgação da imagem idealizada de si, que permite respaldar em um padrão cultural a identidade do indivíduo que trabalha para permanecer no cenário social de interação. De certa forma, a selfie se tornou um padrão narrativo de expressões que exaltam critérios como o “projeto de felicidade”, que estão em convergência para as plataformas de mídias.

Figura 18 – Ellen Degeneres, Selfie Oscar 2014. Fonte: Internet

Perceber o histórico do autorretrato permite reconhecer que o fenômeno selfie não é algo exclusivo da contemporaneidade. Elencou-se no capítulo algumas formas nas quais o autorretrato foi utilizado em diferentes períodos da arte e da expressão. Os próximos capítulos buscam abordar a valorização da individualidade em uma época em que o autorretrato deixa de ser a manifestação fiel do retratado e passa a ser uma performance das representações do self pelas selfies contemporâneas. Para se autoafirmar nas mídias sociais, o projeto da construção individual passa a ser influenciado pela imagem com que é representado o self nas plataformas de


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interação como forma de “confissão pública”4 (BAUMAN, 2008). Observado que o autorretrato teve diversas reconfigurações no uso da expressão artística para o registro de si mesmo, a selfie representa uma das formas de reconfigurações existentes na história do autorretrato. Na conjuntura da utilização da selfie, possibilita-se analisar – como pretendido nos próximos capítulos – como as formas de expressão manifestadas pelo indivíduo no cenário social midiatizado relacionam-se com suas redes de interação. Porém, o termo pode ser utilizado de maneira mais ampla do que o próprio fenômeno autorretratístico em si.

Bauman, na Introdução do livro Vida Para Consumo (Zahar, 2008), diz que o “impulso que leva à exibição pública do ‘eu interior’ e a disposição de satisfazer esse impulso” (p.9, 2008) não se relaciona apenas aos adolescentes, como mero anseio geracional. Os mecanismos tecnológicos apenas potencializaram tais fatores na sociedade como um todo, no anseio de se manifestarem no cenário social com a utilização de “confessionários públicos portáteis” como ferramentas de comunicação desse anseio que acompanha a evolução tecnológica de cada período humano. 4


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CAPÍTULO 2 – O Self: dos conceitos fundantes na Psicologia e na Sociologia às plataformas de mídias sociais

A fotografia de si mesmo não somente foi ressignificada da produção dos autorretratos das Artes Visuais para as plataformas de postagens instantâneas de fotografias, como também influencia na formação do self em um mundo midiatizado. Diversas correntes de pesquisa da Sociologia, da Psicologia e de literaturas ligadas à autoajuda e à espiritualidade expressam o self com finalidades e interpretações diferentes, o que impossibilita um conceito único do termo nas diversas correntes de abordagem. A exemplo do próprio título da monografia – “A selfie do self” –, pretendese mostrar neste capítulo à qual concepção de self nos referimos quando voltamos o olhar para as postagens autorretratísticas nas plataformas de mídias sociais e como este termo possui um histórico de impressões desde o final do século XIX, sobretudo a partir da Psicologia. Faz-se interessante constatar que no Brasil não há tradução específica para o termo, uma vez que nas diversas obras traduzidas da Sociologia, da Psicologia e da Comunicação utilizam-se o termo para designar o “Eu”. Já nas traduções de obras da Psicologia publicadas em Portugal, segundo Souza & Gomes (2005), é possível encontrar o termo self como consciência (ECCLES, 2000), Eu (BERMÚDEZ, 2000) e Si (DAMÁSIO, 2003), como versões traduzidas dos próprios autores5. Para efeitos desta pesquisa identificam-se diversas interpretações e linhas de estudo a respeito do self e da relação da construção do indivíduo no meio social desde o nascimento, a inserção cultural e as representações na vida cotidiana como “atores sociais”, tal como tratado por Goffman (1985) e Recuero (2009). Para levar adiante a reflexão sobre “self” na Comunicação e como a selfie o ressignificou no ambiente de interação social nas plataformas de mídias, mostra-se preciso estabelecer uma breve compreensão do que se propõe em algumas áreas da Psicologia e da Sociologia a 5

Os autores citados são referentes à pesquisa realizada por Souza & Gomes na tese de Doutorado em Psicologia intitulado “Self semiótico e self dialógico”, no Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


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respeito da terminologia e, a partir disso, mostrar como o seu uso foi reformulado no mundo mediado pelas novas tecnologias de interação social.

2.1. Os estudos do self na Psicologia e na Sociologia O surgimento do termo self é compreendido na Psicologia a partir dos estudos realizados por William James (1842-1910) no livro “The Principles of Psychology”, publicado em 1890, no qual o autor aborda questões sobre a construção do self no capítulo The consciousness of self. No estudo, James identifica dois tipos de self: sujeito e objeto. O self como sujeito está relacionado ao “eu que pensa”, também elencado como “ego puro”, e é responsável pela construção do self como objeto, que reúne o conhecimento sobre si mesmo, o que implica na soma de tudo aquilo que uma pessoa pode chamar de seu (MENDES et.al. 2012). Em decorrência do self como objeto, James traçou três tipos diferentes de self: material (pertences materiais, corpo, tudo aquilo que implica como partes de si mesmo), social (características do self reconhecidas pelo meio social) e espiritual (pensamentos, emoções, sentimentos), sendo que tais conceitos pertencem a uma relação hierárquica na formação do indivíduo (MENDES, et.al. 2012). O self espiritual ocuparia o topo da hierarquia, por ser considerado o mais importante; o self social ocuparia a parte intermediária, porque a preocupação com o próximo deve ser maior que a que tenha pelo próprio corpo ou saúde; e o self material ocuparia a base da hierarquia, por ser a parte básica de todos os self. (MENDES et,al. 2012, p.3)

Na definição da obra de James, de acordo com Gõni e Fernández (apud MENDES et.al., 2012), o self social é de suma importância para o desenvolvimento do “autoconceito”. Essa formação social diz respeito à pessoa ter inúmeros self sociais de acordo com as interações na vida cotidiana, o que faz com que a imagem que os outros tenham do indivíduo incorporem no desenvolvimento do autoconceito (apud MENDES et.al., 2012). Em consequência dessa interação social, há a distinção entre o “eupercebido” e o “eu-ideal” na obra de James, sendo que tais questões podem ser traçadas como paralelo como um dos objetivos da selfie dos usuários e a representação


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de suas imagens nas mídias sociais. Esse paralelo trata a respeito do “êxito percebido” do autoconceito. O autoconceito é produto da fração entre o êxito percebido e as suas pretensões. Assim, o autoconceito é reforçado quando o êxito percebido é igual ou maior que as aspirações, e o autoconceito baixa quando as aspirações são maiores que o sucesso obtido. (GOÑI E FERNÁNDEZ apud MENDES et.al. 2012 p.3)

Nessa questão, pode-se relacionar o processo da selfie como ferramenta em que o indivíduo consegue representar sua autoimagem em uma mídia social que lhe dê respaldo para obter sucesso do seu autoconceito nas aspirações e no sucesso obtido por algum fator individual de expressão de si. Neste caso, o autoconceito, como produto do self social, necessita de que as manifestações pessoais possam ter visibilidade nas mídias sociais, em aplicativos como Instagram e Facebook, para tal utilidade. Outra visão que diz respeito à construção do self como “espelho social” está relacionada à abordagem da Sociologia das relações humanas denominada Interacionismo Simbólico, originada na Escola de Chicago (1920), tendo como expoentes os teóricos sociais6 Charles Horton Cooley - na produção de obras como Human Nature and social order (1902) - e George Mead - sobre a formação da personalidade -, que defenderam a ideia do self como espelho do ambiente social na formação individual (MENDES et.al. 2012). Outras abordagens acadêmicas7, segundo MENDES et.al (2012) foram relacionadas ao self no decorrer do século XX, como os estudos de Burns (1979), que dizem respeito ao autoconceito ser um dos pontos fundamentais do bem-estar individual; Roger (1951), sobre o self se desenvolver na autoimagem por intermédio de interação social; e nos estudos de Coopersmith (1967 e 1977) a respeito da influência das condições e experiências ambientais na formação do self – tendo sido ainda o mesmo termo relacionado à estrutura cognitiva que “pode integrar e modificar as

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Os teóricos sociais elencados foram citados no artigo produzido por Mendes, Dohms, Lettnin, Zacharias, Mosquera e Stobaus denominado “Autoimagem, autoestima e autoconceito: contribuições pessoais e profissionais na docência”. In: Anais do IX Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, Caxias do Sul, 2012. Ver “Autoimagem, autoestima e autoconceito: contribuições pessoais e profissionais na docência”, página 5. (Mendes et.al.2012). 7


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funções das pessoas” na abordagem da Psicologia Cognitiva. (MENDES et.al. 2012, p. 5). A abordagem também se encontra presente na Psicologia Analítica nas obras de Carl Gustav Jung (1875-1961). Segundo a interpretação de Gringberg das obras de Jung, o self é o arquétipo que representa a unidade dos sistemas consciente e inconsciente, funcionando ao mesmo tempo como centro regulador da totalidade da personalidade (GRINGBERG, 2003). Na interpretação de Gringberg dos estudos de Jung, a vivência do self no mundo externo é possível através do ego, que ajusta os símbolos da vida cotidiana para adequar o próprio self em uma vivência social. Nesse caso, o ego utiliza-se de outro arquétipo para desempenhar os papeis sociais – o arquétipo da Persona:

Arquétipo que se refere à máscara que utilizamos para nos apresentarmos ao mundo e aos outros. Ao longo de nossas vidas empregamos vários tipos de máscaras, de acordo com o momento existencial e o nosso desenvolvimento. A persona varia conforme a cultura. É um canal de expressão de nossa individualidade, sendo extremamente útil à adaptação coletiva no relacionamento com outras pessoas. Torna-se inadequada quando, para esconder nossa Sombra, a empregamos de forma unilateral e rígida. (GRINGBERG, 2003, p.229)

Em paralelo às interpretações de Gringberg dos estudos de Jung sobre persona e à ideia de self social discutido por Goñi e Fernández (apud MENDES et.al. 2012) da obra de James (1890), o cientista social, antropólogo e sociólogo canadense Erving Goffman exemplifica em seus estudos o uso da terminologia “máscaras sociais”, utilizadas pelos indivíduos para se representarem de acordo com o “cenário social” em que estiverem inseridos no momento. O autor na obra A Representação do Eu na Vida Cotidiana (1985) trata de questões sociais comparadas a encenações teatrais, elencando termos como “atores”, “representações” e “cenários”, sendo tal escopo abordado como o espaço de interação social: Se tomarmos o termo “cenário” como referente às partes cênicas de equipamento expressivo, podemos tomar o termo “fachada pessoal” como relativo aos outros itens de equipamento expressivo, aqueles que de modo mais íntimo identificamos com o


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próprio ator, e que naturalmente esperamos que o sigam onde quer que vá. Entre as partes da fachada pessoal podemos incluir os distintivos da função ou da categoria (profissão e classe social), vestuário, sexo, idade e características raciais, altura e aparência, atitude, padrões de linguagem, expressões faciais, gestos corporais e coisas semelhantes. (GOFFMAN, 1985, p.30)

Tais questões elencadas por Goffman traçam paralelo também com as diferentes composições, elencadas por James, sobre o self. A “fachada pessoal” de Goffman é uma possibilidade de interpretação do self material para uma linguagem mais resumida, no que diz respeito aos aspectos físicos e a definição de individualidade na vida cotidiana. Venho usando o termo “representação” para me referir a toda atividade de um indivíduo que se passa num período caracterizado por sua presença contínua de um grupo particular de observadores e que tem sobre estes alguma influência. Será conveniente denominar de fachada à parte do desempenho do indivíduo que funciona regularmente de forma geral e fixa com o fim de definir a situação para os que observam a representação. Fachada, portanto, é o equipamento expressivo de tipo padronizado intencional ou inconscientemente empregado pelo indivíduo durante sua representação. (GOFFMAN, 1985, p.29)

Assim como o self social de James, Goffman também interpreta a representação do indivíduo no cenário social, cujo desempenho poderá incorporar e exemplificar valores oficialmente reconhecidos pela sociedade e até realmente “mais do que o comportamento do indivíduo como um todo” (GOFFMAN, 1985, p. 40). No entanto, o indivíduo passa a exercer seu papel como “ator social” dentro do “cenário” agindo de maneira que possa representar, naquele momento, não o que realmente gostaria de expressar, mas de como “atuar” perante as situações cotidianas dentro de um “cenário social”. O self social de James, a persona desenvolvida por Jung e a “máscara social” utilizada para definir os indivíduos como “atores” no cenário social de Goffman traçam um perfil da construção do indivíduo para a sua representação na vida cotidiana, tendo como influência o ambiente social que dá respaldo à constituição do self em uma sociedade. No entanto, o teórico social John B. Thompson sugere uma percepção do self em um mundo mediado pelas novas tecnologias da informação.


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2.2. O conceito de self para John B. Thompson em um mundo mediado Diante as definições de self para as diversas correntes de estudo da Psicologia e da Sociologia, o teórico John B. Thompson (1998) traça uma percepção divergente dos teóricos da tradição estruturalista - cujo respaldo era encontrado em um período “sólido”, com padrões, códigos e regras mais rígidas na sociedade (BAUMAN apud KARNAL, 2018) -, que dizia a respeito da formação do self observado apenas como um “produto ou idealização de sistemas simbólicos que o precedem” (THOMPSON, 1998, p 183), no qual o próprio autor cita como uma “concepção empobrecida do self”. Thompson amplia a definição tendo como afinidade os trabalhos desenvolvidos pelos interacionistas simbólicos da Escola de Chicago, como elencado anteriormente. O self não é visto nem como produto de um sistema simbólico externo, nem como uma entidade fixa que o indivíduo pode imediatamente e diretamente apanhar; muito mais do que isto, self é um projeto simbólico que o indivíduo constrói ativamente. É um projeto que o indivíduo constrói com os materiais simbólicos que lhe são disponíveis, materiais com que ele vai tecendo uma narrativa coerente da própria identidade. (THOMPSON, 1998, p.183, grifos nossos)

Tal definição de self defendida por Thompson faz mais sentido em uma modernidade cuja terminologia elencada pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) diz respeito ao termo “liquidez”, desenvolvido como uma alternativa ao termo “pós-modernidade”. Bauman utiliza dos termos “liquidez” ou “fluidez” em suas obras como metáforas adequadas para “captar a natureza da presente fase - nova de muitas maneiras - na história da modernidade” (BAUMAN, 2001, p.9).

Os líquidos, uma variedade de fluidos, devem essas notáveis qualidades ao fato de que suas “moléculas são mantidas num arranjo ordenado que atingem apenas poucos diâmetros moleculares”, enquanto a “variedade de comportamentos exibidos pelos sólidos é um resultado direto do tipo de liga que une seus átomos e dos arranjos estruturais destes”. (BAUMAN, 2001, p.8)

Nesse sentido, a terminologia do self como projeto simbólico construído ativamente pelo indivíduo faz com que a visão de Thompson se adeque à modernidade


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líquida – sem formas ou fronteiras definidas –, em um período em que as novas experiências entram em cena e gradualmente redefinem a identidade no curso da trajetória dos indivíduos (THOMPSON, 1998, p. 183). Ou seja, ao invés de um caráter sólido e definido do self quanto à constituição do indivíduo em sociedade, o self na modernidade líquida e na visão de Thompson tem caráter reflexivo e aberto, obtendo constantes ressignificações individuais por intermédio dos conteúdos simbólicos transmitidos nas plataformas de mídias sociais. TABELA I – O self nas abordagens da Psicologia e da Sociologia AUTOR Cooley (1902)

Mead (1943)

Burns (1979) Rogers (1951) Coopersmith (1967)

Coopersmith (1977) Thompson (2004)

CONTRIBUIÇÃO

LINHA TEÓRICA

Acrescentou a ideia de self-reflexo, a partir da noção dos outros servindo como espelho social. O conceito que uma pessoa faz do seu self ocorre na interação com os outros. Também envolve os múltiplos papéis que a pessoa desempenha. O autoconceito como fundamental para o bem-estar e estabilidade do sujeito. A autoimagem se desenvolve na interação social. Conceito de si mesmo. Influência das condições e experiências ambientais na formação.

Interacionismo simbólico

Self como estrutura cognitiva que pode integrar e modificar as funções da pessoa. O self, diferente dos conceitos estruturalistas, é um projeto simbólico que o indivíduo constrói ativamente em um mundo mediado pelas informações advindas dos meios técnicos de reprodução de conteúdos midiáticos.

Interacionismo simbólico

Fenomenológica Humanismo

Psicologia Social

Psicologia Cognitiva Sociologia da Comunicação / Teoria Social

Fonte: Mendes, Dohms, Lettnin, Zacharias, Mosquera e Stobäus (2012) / Thompson (2004)


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Para além dos autores estudados por Mendes, Dohms, Lettinin, Zacharias, Mosquera e Stobäus (2012), bem como do conceito de Thompson (2004) a respeito do self, outras linhas de pesquisa referem-se a diferentes concepções não elencadas no presente trabalho por opção teórico-metodológica. Vale-se aqui das ideias de Thompson para recontextualizar o self na sua interação nas plataformas de mídias sociais. “Recontextualizar” porque a abordagem de Thompson dentro da Sociologia da Comunicação – mesmo demonstrando que sua obra é um estudo de Teoria Social e não exclusivamente no campo da Comunicação –, possui terminologias que foram ressignificadas nos últimos anos com o advento de novas tecnologias de interação e das plataformas de mídias sociais, o que de fato interferiu em novos fenômenos comunicacionais.

Hoje devemos reinventar a ideia de público de modo a refletir as complexas interdependências do mundo moderno e a reconhecer a crescente importância das formas de comunicação e interação que perderam o caráter imediato do face a face. (THOMPSON, 1998, p. 15)

Thompson previa mudanças drásticas na interação humana com o advento dos meios de comunicação, porém, sua obra é anterior ao surgimento das plataformas de mídias sociais e à ideia dos novos estudos das redes, cujos significados estão contemporaneamente ligados à utilização das plataformas e às interações sociais digitais com o advento das novas tecnologias de interação. 2.3. O self contemporâneo na sociedade da alta interatividade: os novos fenômenos de interação nas redes sociais

Anterior ao desenvolvimento midiático, os valores simbólicos empregados pelos indivíduos na formação do self eram adquiridos em contextos de interação face a face, ligando a questão da autoformação aos locais em que havia interação em um conhecimento local, transmitido entre gerações por intermédio da comunicação oral e adaptado às práticas da vida cotidiana (THOMPSON, 1998). Com o avanço das tecnologias e a convergência dos meios sociais para as plataformas digitais, os


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fenômenos de interação passaram a se recontextualizar nos estudos sobre redes sociais. A definição de rede social vincula-se a um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos) e suas conexões sociais (WASSERMAN & FAUST; DEGENNE & FORSE apud RECUERO, 2009, p. 24), utilizando como metáfora para observar padrões de conexão de um grupo social a partir de interfaces estabelecidas entre os atores. Neste ponto, os estudos da Sociologia encontram paralelo no estudo das redes de Recuero (2009), quanto ao cenário social de interação e às representações dos atores no ambiente das plataformas de mídia nas redes sociais. Os atores são o primeiro elemento da rede social, representados pelos nós (ou nodos). Trata-se das pessoas envolvidas na rede que se analisa. Como partes do sistema, os atores atuam de forma a moldar as estruturas sociais, através da interação e da constituição de laços sociais. (RECUERO, 2009, p. 25).

Thompson utiliza-se dos termos “campos de interação” e “meios-técnicos” que oferecem o respaldo teórico na ressignificação da interação individual com o uso das plataformas de interação. As expressões individuais em um campo de interação têm como ponto de partida para Thompson as ideias de John Langshaw Austin (1962) de que “proferir uma expressão é executar uma ação e não apenas relatar ou descrever um estado de coisas” (AUSTIN apud THOMPSON, 1998), o que torna o indivíduo sensível ao fato de que “falar uma linguagem é uma atividade através da qual os indivíduos estabelecem e renovam as relações uns com os outros” (THOMPSON, 1998). Considerado o self como projeto simbólico de construção ativa do indivíduo e a potencialização da interação em um mundo

midiatizado marcado pela alta

interatividade, constitui-se a base de um novo fenômeno social no modo de interação nas relações humanas, corroborando a expressão “mundos altamente conectados” (FRANCO, 2015). Segundo Franco, o conjunto com que essa interação ocorre entre as pessoas e as mudanças nos padrões de interação entre elas oferecem um fluxo interativo da convivência social, que diz respeito à transição do “mundo da participação” – regras definidas antes da interação entre os indivíduos – para o “mundo da interação” (FRANCO, 2009), que passa a ser construído ao mesmo tempo em que é vivenciado


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pelo indivíduo. Nesse sentido, o mundo contemporâneo vivencia um quadro de transição da ideia de rede “descentralizada” para a de rede “distribuída”, a exemplo do diagrama feito por Paul Baran (1926-2011) a respeito da interação das redes (1964):

Figura 19 - Estudo das redes de Paul Baran apud Franco (2009).

O diagrama (topologia da rede) é resultado dos laços invisíveis das conexões ocultas que ligam os indivíduos no ambiente em que convivem compartilhando “capital social”. Para descrever como as estações de comunicação estadunidenses deveriam estar organizadas para sobreviverem a uma catástrofe nuclear – preocupação latente no período da Guerra Fria (1947-1991) – foram elencadas por Paul Baran três formas de redes: centralizada, descentralizada e distribuída. Centralizada, onde os pontos denominados de “nodos” estão ligados por arestas, conexões ou caminhos a um centro; descentralizada, onde a rede se encontra com pontos multicentralizados, tendo vários centros conectados entre si, tendo com a representação desses “centros” instituições como sindicatos, governos, organizações não governamentais, igrejas, empresas gerenciadoras de plataformas de mídias sociais e entre outros; a distribuída significa que todas as relações são vinculadas de maneira direta, sem a interlocução de um indivíduo para reunir outros dois integrantes para uma interação. Sendo assim, Baran


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demonstrou em seu diagrama três diferentes tipos de interações sociais com os mesmos indivíduos anexados a ela (figura 19). Ocorre então na sociedade contemporânea a locomoção da interação dos indivíduos de rede descentralizada para a rede distribuída, mais conectada e com maior grau de interatividade entre eles. Tais mudanças na interação humana fizeram com que surgissem quatro definições que marcam as características da sociedade altamente conectada, independente da vontade, pois funcionam dependendo do grau de interatividade

dos

indivíduos

nas

redes:

clustering

(aglomeração),

swarming

(enxameando), cloning (clonando) e crunching (amassando). TABELA II: CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE ALTAMENTE CONECTADA – CONCEITOS

Clustering (aglomeração)

Swarming (enxameamento)

Cloning (clonando)

Crunching (amassando)

Fonte: Franco (2009)

DEFINIÇÕES

Aglomerados sociais que formam um complexo de redes também denominado de social cluster, tendo como grau de comparação astronômica os superaglomerados que envolvem várias constelações. Denominado como “swarming intelligence” (inteligência de enxame) cuja dinâmica não necessita de um gerenciador para as atividades envolvidas no âmbito social, swarming civil. Derivam outros termos advindos de temas relacionados à natureza animal, como o flocking (voar em bando), shoaling (nadar em cardume) e murmuration (barulho das asas de milhares de pássaros). Diz respeito ao modo de aprendizagem do ser humano como uma cópia ou “clone” das ações pavimentadas na interação dentro da sociedade. Tem por definição o termo “small world phenomenal" que diz: quanto maior a distribuição em rede, maior a interatividade dos indivíduos.


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Com as definições de Franco (2015) a respeito dos quatro conceitos de interatividade que se fortalecem na transição da rede descentralizada para a rede distribuída, entende-se que os indivíduos passam a se conectar uns aos outros diluindo as fronteiras espaço-temporais, ressignificando as relações da interação humana nos padrões sociais de comunicação. Utilizando como respaldo teórico os exemplos dos estudos de Goffman (1985) e de Thompson (1998), possibilita-se analisar a fase de transição atual de redes descentralizadas para distribuídas por intermédio da recontextualização das abordagens teóricas a respeito dessa nova etapa de interação midiatizada. Nos eventos contemporâneos, os “campos de interação” (BOURDIEU, 1989 apud THOMPSON, 2004) hoje possuem em sua extensão as “plataformas de mídias sociais”. Para Thompson, isso faz com que a interação social seja estendida para além dos limites físicos, naquilo que o autor considera o conceito de “disjunção espaço-tempo”:

A disjunção entre o espaço e o tempo preparou o caminho para uma outra transformação, estreitamente relacionada com o desenvolvimento da telecomunicação: a descoberta da simultaneidade não espacial. Em períodos históricos mais antigos a experiência da simultaneidade – isto é, de eventos que ocorrem “ao mesmo tempo” – pressupunha uma localização específica onde os eventos simultâneos podiam ser experimentados. Simultaneidade pressupunha localidade: “o mesmo tempo” exigia “o mesmo lugar”. Com o advento da disjunção entre espaço e tempo trazida pela telecomunicação, a experiência de simultaneidade separou-se de seu condicionamento espacial. (THOMPSON, 1998, p. 37)

Com o acesso às plataformas de mídia, a disjunção espaço-temporal implica no distanciamento espacial – tanto na experiência do indivíduo nas interações com o mundo quanto nos encontros pessoais no cotidiano – enquanto a demora temporal foi sendo digitalmente eliminada. Em complemento aos argumentos de Thompson, tornase possível dialogar tais questões com o estudo de Recuero (2009) a respeito do “distanciamento entre os envolvidos na interação social” nas redes sociais na Internet. A noção de “atores sociais”, no entanto, é recontextualizada na representação dos indivíduos nas plataformas de mídias.


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Inicialmente, não são atores sociais, mas representações dos atores sociais. São espaços de interação, lugares de fala, construídos pelos atores de forma a expressar elementos de sua personalidade ou individualidade. Assim, um primeiro aspecto relevante para este estudo é a característica da expressão pessoal ou pessoalizada na Internet. Autores como Sibilia (2003 e 2004) e Lemos (2002), por exemplo, demonstraram como alguns weblogs trabalham aspectos da “construção de si” e da “narração do eu”. A percepção de um weblog como uma narrativa, através de uma personalização do Outro, é essencial para que o processo comunicativo seja estabelecido. Aquele é um espaço do outro no ciberespaço. Esta percepção dá-se através da construção do site, sempre através de elementos identitários e de apresentação de si. (RECUERO, 2009, p. 26)

Como complementariedade da concepção de “self” para Thompson, Recuero, baseando-se nos estudos de Döring (2002), esboça conceitos tais como “identidade cultural”, “identidade narrativa”, “self múltiplo”, “self dinâmico” e “self dialógico” com o “foco da construtividade, mudança e diversidade” regularmente atualizada para refletir as últimas configurações do self (DÖRING apud RECUERO, 2009). Essas apropriações funcionam como uma presença do “eu” no ciberespaço, um espaço privado e, ao mesmo tempo, público. Essa individualização dessa expressão, de alguém “que fala” através desse espaço é que permite que as redes sociais sejam expressas na Internet. (RECUERO, 2009, p. 27)

A interação dos indivíduos com as suas respectivas representações como “atores sociais” e suas expressões tornam essencial para compreender a construção individual dentro dos espaços de conexões, sustentando na percepção do “outro” (DONATH apud RECUERO, 2009) as individualidades e manifestações nas mídias sociais e o conhecimento dos fenômenos que acontecem em consequência dessas interações. Para que o indivíduo possa manifestar o self nas representações nas plataformas de mídia, é necessário ter acesso às próprias plataformas e usufruir de suas ferramentas, o que leva a ser necessário o acesso a um dispositivo móvel ou desktop para ingressar em campos de socialização que empregam o meio-técnico como “substrato material das formas simbólicas” (THOMPSON, 1998, p.26). Dessa maneira, os usos das plataformas de mídia variam de acordo com a formação e as condições


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sociais de cada um (THOMPSON, 1998, p. 42), influenciando na compreensão de mensagens em diversos sentidos a depender do nicho social nos quais os indivíduos se encontram inseridos e na construção do self a partir desse cenário de interação personalizado pelos algoritmos de navegação de cada usuário das plataformas. Considerando os avanços da utilização dos meios-técnicos de interação e a convergência do convívio social para as plataformas de mídia, os novos fenômenos de interação social elencados neste tópico remetem à reconfiguração de padrões culturais para o cenário social digital na interação entre os indivíduos em uma rede descentralizada. Todavia, com empresas ocupando o poder de gerenciamento das plataformas, a questão da autonomia individual dentro delas é questionável, pois funcionam a partir do armazenamento de algoritmos que dizem respeito à maneira como os usuários das plataformas se manifestam e quais interesses mapeiam o perfil para que o conteúdo seja selecionado e filtrado de maneira personalizada. Utilizando um exemplo elencado pelo ativista político e co-fundador da “Avaaz.org”, Eli Pariser8 (TedTalks, 2011), para a explicação anterior, a pesquisa de dois usuários na mesma plataforma de busca, sobre o mesmo assunto, poderá apresentar de maneira diferenciada os resultados a partir do algoritmo de buscas e interesses que filtram os resultados das pesquisas individuais. Ocorre assim a existência de “bolhas” nas quais os indivíduos estão inseridos dentro cenário de interação nas redes. Na observação de Geertz em The Interpretation of Cultures (1973), citado por Thompson, o homem é comparado a um animal suspenso em teias de significado que ele mesmo teceu. Dessa maneira, os meios de comunicação são comparados a “rodas de fiar no mundo moderno, ao utilizar de tais meios, os seres humanos fabricam teias de significação para si mesmos” (THOMPSON, 1998, p. 20). O exemplo metafórico de “rodas de fiar no mundo moderno” se reconfigura para com o uso que os indivíduos fazem das plataformas de mídias sociais e os meios-técnicos de interação que influenciam na construção simbólica do self e em quais “bolhas” ou nichos de interação fazem parte.

Palestra de Eli Pariser sobre os “filtro-bolha” disponível em < https://www.ted.com/talks/eli_pariser_beware_online_filter_bubbles?language=pt-BR > 8


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O exercício do poder, nesse caso, está presente nos indivíduos no que diz respeito ao modo de “como” realizar a interação, o uso dos meios técnicos e a relação individual no cenário social de interação nas plataformas digitais. Tal como observado por Thompson, o funcionamento desse poder se encontra como fenômeno social característico de diferentes tipos de ação de encontro, “desde ações reconhecidamente políticas dos funcionários públicos até os encontros mais prosaicos entre indivíduos na rua”, e na contemporaneidade, na interação social nas plataformas de mídia. Como complemento da questão anterior, Thompson sugere que a maioria dos indivíduos compreende o produto simbólico no “processo de codificação”9 sem a necessidade de conhecer a produção em si, o que torna também possível relacionar que grande parte dos usuários das plataformas de mídia não possui conhecimento sobre algoritmos ou o funcionamento dos mesmos. As interações e recepções simbólicas, porém, se desenvolvem a partir do armazenamento do histórico de navegação individual, criando nichos interacionais que compõem a rede na qual o indivíduo constrói o self a partir de uma “bolha” criada por algoritmos, denominada por Eli Pariser no livro “The filter bubble” (2012) como “filtro bolha”. O termo se refere a uma espécie de “curadoria” feita por algoritmos a respeito do conteúdo que os indivíduos acessam, de acordo com os dados armazenados do registro de navegação nas redes. A “bolha” – elencada para fins analíticos – serve para exemplificar o cenário de interação no qual os indivíduos encontram respaldo em suas relações de representatividade pessoal, também denominados de “nichos”. As “bolhas” ou “nichos” de interação reduzem o indivíduo a um espaço de representatividade que permitem a potencialização das representações elencadas por Goffman sobre o “Eu” recontextualizados no cenário social digital das plataformas. A partir disso, surge à possibilidade de um termo que expressa à representação do self nos novos fenômenos de interação nas plataformas de mídia, cujo capital simbólico de prestígio é reforçado por intermédio deste possível conceito: a “manifestação egoica”. Atenta-se dessa maneira ao fato de que as plataformas de mídia compõem uma “redoma informacional” no self, que limita as interações e a recepção de

“Implica o uso de um conjunto de regras e procedimentos de codificação e decodificação da informação ou do conteúdo simbólico”. (Thompson, 2004, p. 25, ver “A mídia e modernidade”). 9


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conteúdos por intermédio do armazenamento dos dados de navegação – o que permite o debate em outras esferas, como a questão da autonomia, da liberdade e da segurança nas redes sociais e o uso delas nas construções das relações humanas.


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CAPÍTULO 3 – A MANIFESTAÇÃO EGOICA NA REPRESENTAÇÃO DO SELF PELA SELFIE Como mostrado no final do capítulo anterior, as “bolhas” das quais os indivíduos fazem parte, por intermédio de algoritmos que registram as interações dos mesmos nas plataformas de interação midiatizadas, exercem papel fundamental na limitação expositiva do self como a representação do “ator social” no cenário da interação cotidiana. Ainda assim, “autoafirmação”, “imperativo” e “satisfação individual” são os tópicos nos quais está atrelado o complexo enredo contemporâneo da construção do self que passa a ser representado pela selfie nas mídias sociais. A ideia de autoafirmação constitui-se um imperativo contemporâneo vinculado a dois projetos – que se funde em uma só percepção – voltados à busca pela satisfação pessoal e o projeto de felicidade. No contexto desta monografia, o conceito de manifestação egoica será utilizado para elencar as concepções esboçadas no Capítulo 2 sob a junção das ideias de autores referentes à externalização do self por intermédio do “ator social”: Goffman (1985), Jung (GRINGBERG, 2003), Thompson (1998) e Recuero (2009). Nesse contexto, será necessário explicitar o motivo da escolha do termo “egoico” para demonstrar tal manifestação no cenário social das plataformas de mídia. 3.1. Conceito de “manifestação egoica” De acordo com a interpretação de Gringberg (2003) da obra de Jung, o conceito de “ego”, compreendido como o “centro da consciência”, tem como função “responder e intermediar as solicitações do mundo exterior e do self”. Para se expressar no cenário social, o ego utiliza-se para a representação o arquétipo da persona, ideia também desenvolvida por Jung, a respeito das “máscaras” que os indivíduos se valem para apresentação aos outros (GRINGBERG, 2003), como também estudado por Goffman (1985) no âmbito da Sociologia. Porém, como o presente trabalho estuda a interação social no cenário de representação nas plataformas de mídia, os “atores” passam a exibir uma visão diferenciada – mediada pela linguagem das redes – para as ocorrências da vida cotidiana, como elencado por Recuero (2009):


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Por causa do distanciamento entre os envolvidos na interação social, principal característica da comunicação mediada por computador, os atores não são imediatamente discerníveis. Assim, neste caso, trabalha-se com representações dos atores sociais, ou com construções identitárias do ciberespaço. Um ator, assim, pode ser representado por um weblog, por um fotolog, por um twitter ou mesmo por um perfil no Orkut. E, mesmo assim, essas ferramentas podem apresentar um único nó (como um weblog, por exemplo), que é mantido por vários atores (um grupo de autores do mesmo blog coletivo) (RECUERO, 2009, p. 25)

A pesquisa bibliográfica realizada até aqui com discussões nos campos da Psicologia, da Sociologia e da Teoria Social faz referência a conceitos como “representações”, “atores”, “máscaras” e “persona”. Todavia, opta-se neste trabalho pela utilização de um termo que permite resumir tais conjuntos em uma única expressão, transmitindo a ideia de representação individual que adequa ao cenário das plataformas de mídia social: a manifestação egoica. Restringir-se à ideia de “atores” nas plataformas de mídia não possibilita atingir a complexidade das relações humanas no ambiente de interação. Portanto, para que a Teoria Social possua aproximação com os estudos das redes sociais na Internet, será necessário recontextualizar suas terminologias, não alterando o sentido primário que é a própria representação de si no cenário da interação. A opção também possibilita dar complementariedade ao estudo de Recuero (2009) no que ela delimitou como “redes ego” e “redes inteiras” nas interações em redes descentralizadas no ciberespaço.

A abordagem centrada no ego (ou rede pessoal) é aquela que parte de um nó determinado e, a partir das conexões deste, em um determinado grau de separação, a rede é traçada. É, assim, um conjunto de nós definidos a partir de um ator central. A abordagem de rede inteira trabalha com uma população limitada ou finita, onde investigam-se as relações dentro do grupo. A rede inteira, portanto, constitui-se naquela abordagem centrada em uma rede e suas relações, enquanto a ego é centrada em um indivíduo e suas relações. (RECUERO, 2009, p. 70).

A “rede ego” pode ser exemplificada como os perfis existentes nas plataformas de mídia como Facebook, Instagram, Twitter e outros. A criação de um perfil, a exemplo do Facebook, não representa o self em si, mas a convergência da imagem da representação do ator social na vida cotidiana para as plataformas de mídia. Como o


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termo possui camadas de entendimentos para associa-lo a um todo da representação individual (imagem, representação, ator social, vida cotidiana), a “manifestação egoica” engloba os conceitos em um termo mais abrangente para elencar esses viéses de representação individual nas bolhas de interação criadas em seus perfis para as plataformas de mídia. Enquanto a rede inteira se encontra em clustering (aglomerando, ver Capítulo 2, tabela II, p. 54) no fenômeno da alta interatividade, a “rede ego” se une à “rede inteira” a partir da personalização que o indivíduo faz com base em seu convívio social. Complementando essa visão, a manifestação egoica é a hipotética forma de representação do indivíduo a partir do perfil nas plataformas de mídia (rede egoica) para a rede inteira. Portanto, os algoritmos dos registros de navegação dos usuários fazem uma espécie de “recorte” da rede inteira e oferecem um pequeno circuito de interação que passa a conviver com o indivíduo. O termo “ego” é entendido neste trabalho como o “envoltório” com que o self é revestido para a vida social, associando-se à ideia de Jung. Tal posicionamento possibilita a abordagem interpretativa da concepção de “egoico” como algo complexo e diferente de uma mera expressão pejorativa referente à exacerbação de si, ao orgulho, à vaidade ou à inflação da personalidade. Ampliando um pouco o pensamento a respeito de tal negativa, propõe-se uma abordagem retrospectiva das diferentes significações do orgulho e da vaidade no mundo ocidental. Uma vez que a selfie pressupõe uma imagem de si para o cenário social, permite-se intuir que a imagem deve valer-se de aspectos que se enquadrem aos julgamentos estéticos, dependendo do contexto social, para compor a representação do indivíduo ao meio e ser aprovado por isso. Ou seja, a autoestima está ligada ao julgamento externo sobre a própria imagem transmitida para os meios de interação digital. A manifestação egoica, como um conjunto de representações individuais na representação de si para as plataformas de mídia, possui como pretexto a ressignificação do “orgulho” e da “vaidade” como potencialização da autoestima. Utilizase “ressignificação”, pois tais motivações que há muito eram consideradas de caráter negativo, hoje se encontram como respaldo para a satisfação pessoal.


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3.2. A ressignificação do orgulho: da Antiguidade Clássica à contemporaneidade Como visto em tópicos anteriores (ver tópico 3.1. Conceito de “manifestação egoica” p. 61) e expressa a escolha do termo para a hipótese levantada na monografia, os conceitos que antes se caracterizavam como aspectos negativos na vivência do homem ocidental, hoje se expressam de maneira diferente na formação do próprio self. As questões do orgulho e da vaidade, ressignificadas ao longo da história, possuem raízes desde a Antiguidade Clássica e são retomadas na tradição judaicocristã. Citar o âmbito religioso e mitológico a respeito das mesmas é uma maneira de mostrar seus quadros de ressignificação que acompanharam o desenvolvimento humano e suas concepções de “pecado” e “prazer” ao longo da histórica ocidental. Na Antiguidade Clássica, a “superestimação de si” se relacionava à ideia da Hybris, um desequilíbrio, sendo que “os homens não poderiam se comparar aos deuses, pois os deuses se encontravam superiores” (KARNAL, 2013). Considerada como “crime”, levou Fídias no século V a.C. a ser condenado e preso pelo crime da hybris por se autorrepresentar no escudo de Atena Partenos como um guerreiro, como visto no Capítulo 1 (p. 13). Porém, a vaidade também atingia os deuses da mitologia greco-romana. O mito de Aracne, cujo quadro foi representado por Velásquez, em 1657, no período Barroco, representa um episódio de “hybris”. Aracne, uma tecelã, competiu com Palas Atena para demonstrar quem das duas possuía maiores dotes na arte da tecelagem. Palas Atena vendo a obra impecável produzida por Aracne, a transformou em aranha, como alegoria da demonstração da Hybris como um desequilíbrio das virtudes humanas cedidas pelos deuses. A ideia, sob temática da hybris, está também intrinsicamente marcada no mito de Narciso. Ressignificado para a interpretação de estudo na psicanálise freudiana, o termo “narcisismo” remete àquele que supervaloriza suas ações ou tem a “personalidade inflada”, como observado por Jung (GRINGBERG, 2003), e explicita a ressignificação de valores no decorrer da história ocidental. “Narciso não poderia olhar sua imagem no lago, e quando olhou pela primeira vez, se apaixonou por si, não conseguindo se afastar de sua própria imagem, morre seduzido por ela” (KARNAL, 2013).


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Na tradição judaico-cristã da Gênesis do Antigo Testamento, o orgulho e a vaidade são tratados como “pecado”, tendo representação na ideia de Lúcifer e a sua ambição em se assemelhar “ao Altíssimo”, em que trabalhou a ideia primeira do “Eu em detrimento de nós”. Lúcifer ao se encontrar individualizado frente a todos os seres da criação – em que tudo era conhecido como “Nós” – “se tornou tão pesado que caiu, segundo a tradição, no Golfo de Nápoles” (KARNAL, 2013). As ideias judaicas, cristãs e islâmicas de pecado embasam quase todo comportamento moderno, inclusive dos não religiosos. O perdão jurídico, as propostas de juntas conciliadoras, a prescrição de delitos e outros traços do Ocidente nascem e crescem à sombra de estruturas religiosas. O pensamento religioso segue vigoroso no chamado mundo líquido moderno. Talvez até tenha crescido por causa dessa liquidez. (KARNAL, 2014, p. 7)

Segundo a tradição da Gênesis, o combate entre o “príncipe dos demônios” com os dois terços dos anjos que restaram fieis a Deus, liderados por Miguel, fizeram da vaidade de Lúcifer a própria derrocada. Na ideia do poeta inglês John Milton (16081674), no poema épico “Paraíso Perdido” (1667), Lúcifer, ao se encontrar vencido, indaga que prefere ser “senhor do inferno a escravo do céu” (MILTON apud KARNAL, 2013), cuja máxima de sua expressão, a vaidade, desempenha a sua vontade de superioridade aos outros seres da criação. De acordo com essa tradição, vaidade é um desvio comportamental condenatório em que há mais amor e valorização do ser criado, o próprio Eu, do que o próprio “Criador”. Ao vincularem-se à hybris grega e ao pecado judaico-cristã, as ideias de supervalorização, superexposição ou orgulho de si mesmo – que remetem à característica da vaidade – foram consideradas um desvio moral. A superação dos valores condenatórios impostos pela religião encontra-se a partir do Iluminismo (séc. XVIII), onde o pensamento racional permitiu espaço para o surgimento de estudos científicos que “associavam a religião com Inquisição, repressão, censura e atraso” (KARNAL, 2014, p. 10). Grande parte desse otimismo racional continuou pelo século XIX. Muitos liberais e filósofos proclamaram a “morte de Deus” e o fim das igrejas. A ciência era Darwin, e a religião, o conto de fadas criacionista. A ciência era Pasteur, e a religião, o atraso de tudo. A


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experiência do século XX marcou uma virada. A ciência tinha criado a metralhadora, as armas com gás, o tanque e o avião. Veio 1914. Depois, veio 1939. Os números de mortos das duas guerras mundiais levavam ao tom espantado do pensador e poeta Paul Valéry, na França: “Nós, civilizações, sabemos agora que somos mortais.” Os horrores de Auschwitz lançaram medo sobre a racionalidade a serviço da morte. Se a Espanha ultracatólica matou milhares em nome de Deus na Idade Moderna; a União Soviética e a China de Mao mataram milhões em nome da racionalidade ateia e “científica”, ateus e religiosos já não podiam se apresentar para o debate de mãos limpas. (KARNAL, 2014,

p.10) Aquilo que outrora era designado “hybris” ou “pecado” se ressignificou a partir do século XVIII com o surgimento da autonomia individual e da ideia de autoafirmação na valorização de si. Surge então o projeto que implica no desenvolvimento pessoal sob as projeções daquilo que pode considerar “qualidade de vida” ou “satisfação pessoal”: a felicidade. 3.3. A noção de autonomia e o projeto de felicidade O sentido da autoafirmação não acompanhou o indivíduo desde sempre nas sociedades. Na Antiguidade Clássica, por exemplo, onde o Estado e a religião apoiavam-se mutuamente como a “formação de um só corpo” (COULANGES, 2002), estabeleceu-se a onipotência e o domínio absoluto sobre os indivíduos, cujas ideias de liberdade individual e autoafirmação não existiam. Os antigos, portanto, não conheciam a liberdade nem da vida privada, nem de educação, nem a liberdade religiosa. A pessoa humana tinha pouco valor, perante esta autoridade santa e quase divina que se chamava pátria ou Estado. O Estado não tinha somente, como nas sociedades modernas, direito de justiça sobre aos cidadãos. Podia punir sem que o homem tivesse culpa, e apenas por estar em jogo o interesse do Estado. Aristides não cometera crime algum, nem sequer era suspeito; mas a cidade tinha o direito de expulsá-lo do seu território apenas porque, pelas suas virtudes, adquirira tão grande influência que poderia, se o quisesse, tornar-se perigoso. (COULANGES, 2002, p. 252)

O Estado interferia não apenas nas decisões sobre a vida da população das cidades-Estados, mas também na vida privada dos mesmos, resultando na onipotência estatal, a exemplo das cidades gregas, onde era proibido ao homem o celibato. Em


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Esparta havia punição “não somente quem não se casasse, mas também quem só se casasse tardiamente. O sentido de autonomia, no qual elenca o poder do indivíduo e a sua liberdade para vivenciar e autoafirmar a sua própria existência, sem as intermitências do Estado, se difundiu após o início das revoluções10 no século 7 a. C., ocasionadas pelas revoltas da aristocracia contra a autoridade política dos reis.

Enfraquecidas as crenças sobre as quais se fundava esse regime social, e quando o interesse da maioria dos homens entrou em conflito com o regime, forçosamente este teve que desaparecer. Nenhuma cidade escapou a essa lei transformadora, nem Esparta, nem Atenas, nem Roma ou Grécia. (...) todas as cidades sofreram iguais revoluções. (COULANGES, 2002, p. 254)

Com o fim do poderio do Estado em controlar a vida privada da população, o indivíduo se viu fortalecido para exercer sua própria autonomia e buscar a satisfação pessoal. Contudo, a autoafirmação não é específica da modernidade contemporânea, muito menos advento e do enraizamento da internet no cotidiano. “Narcisismo”, “culto ao indivíduo”, “sociedade individualizada” e a procura do meio externo para afirmar a própria representação social foram apenas potencializadas com a interação nas plataformas de mídia. Os impactos das tecnologias e o desenvolvimento e a criação de dispositivos móveis fizeram com que os imperativos de felicidade na modernidade fossem redirecionados para a construção do senso de sobrevivência da identidade pessoal, pela autorrealização e autoafirmação em um cenário dentro das plataformas, inseridas em complexos sistemas de redes descentralizadas. Contudo, conforme relativiza Birman (2010), os agentes sociais que se inscrevem nesse projeto estão geralmente relacionados às classes médias e elites, os mesmos que se inscrevem no projeto de autoafirmação, não incluídas as classes

Fustel de Coulanges em “A Cidade Antiga” esboça no capítulo IV intitulado “Revoluções” sobre a deposição da autoridade política dos reis da Antiguidade, precisamente em Roma, Atenas e Esparta, pelas revoluções. Teve como início por parte da aristocracia e, depois, pelo povo contra o domínio do poder aristocrata, que assumiu o poder após a derrocada dos reis tiranos. Tais revoluções tiveram como contexto “que a velha organização começou a ser discutida e atacada, quase em toda parte, a partir do sétimo século antes da nossa era. A partir desse tempo, essa sociedade se manteve com dificuldade e por uma mistura mais ou menos engenhosa de resistências e de concessões. Com isso, se debateu, durante vários séculos, no meio de lutas constantes, até que desapareceu” (p. 253). Anterior às revoluções, “quanto mais remontamos a história da Grécia e da Itália, tanto mais se evidencia a distinção 10


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populares, pois essas, a priori, não estão devidamente habilitadas pela sociedade de consumo a inscreverem-se no projeto de felicidade, no hedonismo contemporâneo. Ademais, no que tange ainda a noção de felicidade e de satisfação na sociedade de consumo em relação a outros períodos da história ocidental, constata-se que a busca na Antiguidade clássica por tais experiências esteve ligada à ideia de atingir a divindade (BIRMAN, 2010), como o cultivo da alma por intermédio da purificação da carne.

Com o cristianismo, no entanto, pelo trabalho da ascese o indivíduo buscaria a comunhão com Deus, que seria agora e neste contexto o signo por excelência do bem supremo. Além disso, é preciso ainda destacar que, com Santo Agostinho, tal enunciado teria também consequências políticas, na medida em que a cidade terrena estaria subsumida aos desígnios da cidade de Deus (Browm, 1971), Nesta perspectiva, as práticas de si, realizadas pelos indivíduos, implicariam a purificação da carne, mediante a qual a felicidade poderia ser efetivamente alcançada pela salvação da alma (Foucault, 1999). (BIRMAN, 2010, p. 31)

Definida na Antiguidade como ocasionada pelos deuses pagãos, e no Cristianismo, pelo Deus cristão, a ideia de felicidade na modernidade passa a remeter ao hedonismo como forma de alcançar a satisfação pela busca do prazer e bem-estar. Emerge, então, outra forma de relacionamento com o mundo: o racionalismo e o desencantamento (WEBER apud BIRMAN, 2010). A racionalização burocrática e científica do período moderno, fez com que o discurso da ciência conseguisse calcular os acontecimentos do mundo, anteriormente colocada como a imprevisibilidade do acaso, a providência divina, o mistério (BIRMAN, 2010). Em contrapartida, as responsabilidades do indivíduo no engendramento das ações e dos acontecimentos no mundo fizeram com que o imprevisível fosse racionalizado, denotando a felicidade como uma perspectiva de análise científica e quantitativa do Universo. Nesse cenário, houve um aumento significativo do poder do homem sobre a natureza.

Porém, se os discursos da estratégia e da calculabilidade se enunciaram originariamente nos campos da política e da gestão do poder, o discurso da ciência teve um efeito multiplicador sobre o discurso da estratégia e do cálculo, possibilitando a construção e a separação das classes: prova cabal de que a desigualdade não se formou com o tempo, mas existiu desde o princípio sendo, portanto, contemporânea do nascimento das cidades” (p. 254).


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não apenas de novos instrumentos para a ação do príncipe, como também um aumento significativo do poder dos homens sobre a natureza. Em relação a isso é preciso evocar que tanto Bacon (GAUKROGER, 2006), quanto Descartes (1949) enunciaram como a constituição da razão científica, na leitura sobre as coisas e a natureza, teria a potência de incrementar o poder dos indivíduos sobre a natureza e o mundo. Além disso, não se pode esquecer que a razão científica em questão estaria sendo formulada em termos de calculabilidade e de estratégia. (BIRMAN, 2010, p. 33)

Na aurora da modernidade no período do Iluminismo, a felicidade inscreveu-se como projeto filosófico, ético e político que pudesse ser vivenciado no espaço social, considerado o século XVIII como o “século da felicidade” (BIRMAN, 2010). Na França, às vésperas da revolução, o país enfrentava uma crise generalizada, de ordem política, econômica, social e cultural, dando sinais que um processo de ruptura estava em andamento (BRAICK & MOTA, 2006). Ante às ideias racionais advindas do movimento Iluminista, a concepção do exercício do poder em nome do povo implicou em teorias racionalistas de reconstrução da passagem do estado da natureza ao estado da sociedade civil, das quais se dedicaram os filósofos na compreensão dessa reconstrução de poder (EPSTEIN, 1993). O que possibilitou que o projeto fosse idealizado efetivamente no contexto europeu foi através da Revolução Francesa, onde o “povo” passou a fundar a soberania política, podendo então delinear os destinos da nação (BIRMAN, 2010).

Em decorrência disso, o projeto de construção da felicidade começou a se caracterizar, desde então, pelo culto do indivíduo, que passou a ser considerado como valor, em si e para si. Além disso, o liberalismo nos registros político e econômico, que disseminou no século XIX, foi a contrapartida do individualismo triunfante e do projeto de felicidade que este condensava. Enfim, nas linhas de força da sociedade civil se inscreveria, agora, a realização do projeto de felicidade que foi decisivamente anunciado. (BIRMAN, 2010, p. 35).

A Revolução passou a idealizar uma “refundação” da sociedade com base nos princípios da “liberdade, igualdade e fraternidade”, tendo o discurso do “individualismo” como valor no contexto histórico e social. Porém, o liberalismo que se disseminou no século XIX foi em contrapartida do individualismo triunfante e do projeto de felicidade (BIRMAN, 2010), pois, naquele momento, começou a se evidenciar a existência de


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fortes diferenças entre as necessidades das camadas mais pobres e os interesses da burguesia liberal (BRAICK & MOTA, 2006). O ideário da Revolução Francesa, contudo, passou a ser mais utilizado como “possibilidade” do que uma realidade de fato.

A baixa produção agrícola, o ritmo desordenado da produção industrial, o pequeno mercado consumidor interno e o desemprego repercutiam nos salários e no custo de vida. Insatisfeitos com suas precárias condições de vida, muitos trabalhadores pobres engajaram-se na luta pela instauração de repúblicas democráticas, que lhes permitiriam mais participação no poder e, portanto, nas decisões governamentais (BRAICK & MOTA, 2006, p. 130).

Com o início das revoluções sociais e a não resolução dos problemas da desigualdade social que ainda perpetuava, o projeto socialista surge a fim de materializar o estatuto da igualdade. Com a vitória da Revolução Russa, em 1917, seguida pela Revolução Chinesa, em 1949, os projetos revolucionários do período se voltaram para a realização efetiva do igualitarismo (BIRMAN, 2010). A queda do projeto do socialismo real no século XX fez com que o ocidente retomasse com ênfase a ordem liberal, sendo nomeada de “neoliberalismo”. Neste período, o Estado perdeu a função reguladora e mediadora do espaço social para o mercado, possibilitando a fragmentação individual e o culto ao indivíduo (BIRMAN, 2010).

[...] O projeto do socialismo real foi derrotado e foi para o espaço com a queda da União Soviética. Com isso, a ordem liberal foi retomada no Ocidente, com a constituição do neoliberalismo desde os anos 1980. Se o Estado ocupava uma posição importante na ordem social e política na sociedade do bem-estar social com o Estado-previdência, foi sua estrutura que passou a ser o objeto sistemático de críticas e de desmobilização com a nova ordem neoliberal. (BIRMAN, 2010, p. 36)

Sem a proteção do Estado, houve o início da “guerra de todos contra todos”, instituída pela perda do ideal da totalidade (BIRMAN, 2010), típico sentimento nacionalista de pertencimento da consciência coletiva a uma nação (BRAICK & MOTA, 2006). Com isso, o Estado perdeu o papel como regulador e mediador do espaço social para o mercado, fragmentando o espaço social num conjunto de indivíduos. Consequentemente, sem a proteção estatal, a “ideia de pertencimento a uma totalidade


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se perdera inteiramente” (BIRMAN, 2010, p. 36), dando início aos imperativos de felicidade na modernidade liquida como o “culto ao indivíduo” (BIRMAN, 2010) e a valorização da autoestima, ressignificados dentro dos conceitos de “vaidade” e “orgulho” para a satisfação pessoal contemporânea. 3.4. Autoafirmação e satisfação pessoal: os imperativos da manifestação egoica na construção do self como projeto simbólico A definição de autoafirmação no dicionário Michaelis (2007) diz “necessidade íntima do indivíduo de ser aceito pelas outras pessoas” (MICHAELIS, 2007, p. 86). Segundo o dicionário Houaiss (2009), o termo elenca à “tentativa ou fato de se impor à aceitação do meio e demonstração de independência” (HOUAISS, 2009. p. 77). Ambas as definições expõem a necessidade de terceiros para a recepção e a percepção do self a partir da manifestação egoica individual no cenário social. Os projetos contemporâneos que dizem respeito à “felicidade”, “satisfação pessoal” e os imperativos que induzem a tais expressões convergiram ao ciberespaço naquilo que começou a se padronizar de maneira ampla nas interações humanas, recorrendo neste capítulo a um pressuposto trabalhado por Moretti (ver Capítulo 1, p.40): um padrão narrativo somente se dissemina socialmente se encontrar respaldo em padrões culturais mais amplos pavimentados na vida cotidiana (SILVA, 2017). Reconhecendo o contexto original dos estudos de Moretti como a literatura novecentista europeia, coube aqui recontextualizar a premissa de forma a reconhecer a selfie como um padrão narrativo e cultural de expressão nas plataformas de mídia. A necessidade da autoafirmação contemporânea – no sentido de a satisfação pessoal se constituir num imperativo de felicidade – encontra-se fundamentada no feedback social das representações individuais. O significado que o

termo

“necessidade” possui no dicionário Houaiss como “aquilo que não se pode evitar; o que é útil ou inevitável; compulsão física, psicológica ou moral; exigência; pobreza e miséria; o oposto de riqueza” (HOUAISS, 2009, p. 525) pode-se enquadrar no presente trabalho na ideia da “compulsão” para constituir um “projeto de engenharia individual” (FREIRE FILHO, 2010). Tal compulsão foi potencializada com o surgimento de novos meios


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tecnológicos e das plataformas midiatizadas de interação que permitiram a convulsão de produções fotográficas autorretratísticas no fenômeno da selfie. A definição de fotografia não possui os mesmos significados de décadas anteriores. A velocidade das informações e a evolução dos dispositivos móveis tornou a vida cotidiana mais agitada. O homem, desde o início da modernidade, corre sem saber para onde ir, como um dos sinônimos da vida contemporânea relacionada aos novos padrões de interação. Valendo-se das reflexões filosóficas de Tomás de Aquino, Dallari (2005) chama atenção para a incapacidade humana de escapar dos laços sociais, constituindo-se o envolvimento em redes sociais um fator natural de sobrevivência humana – o que, na contemporaneidade, mostra-se cada vez mais potencializada em um padrão cultural de interação midiatizada.

Assim como Aristóteles dissera que só os indivíduos de natureza vil ou superior procuram viver isolados, São Tomás de Aquino afirma que a vida solitária é exceção, que pode ser enquadrada numa de três hipóteses: excellentia naturae, quando se tratar de indivíduo notavelmente virtuoso, que vive em comunhão com a própria divindade, como ocorria com os santos eremitas; corruptio naturae, referente aos casos de anomalia mental; mala fortuna, quando só por acidente, como no caso de naufrágio ou de alguém que se perdesse numa floresta, o indivíduo passa a viver em isolamento. (DALLARI, 2005, p.10)

Tal como as definições de Dallari a respeito das afirmações de Tomás de Aquino, o projeto contemporâneo de felicidade, em conjunto com a ideia de autoestima, traça o surgimento de novos imperativos de qualidade de vida, desde condições para uma boa saúde ao lazer, de modo a promover além dos cuidados corporais e estéticos na busca pela satisfação plena (BIRMAN, 2010). Surgem, assim, os novos “corruptio naturae”, ou os “novos anormais”: aqueles que não fazem parte do projeto contemporâneo de felicidade e os que se encontram excluídos das redes de interação tecnológica das plataformas de mídia. Delineia-se, assim, o campo para a produção dos novos anormais, isto é, constituem-se desta maneira as condições concretas de possibilidade para o remanejamento do campo da anormalidade. Digo remanejamento e não engendramento porque, rigorosamente


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falando, o campo da anormalidade foi constituído no século XIX, na tradição ocidental, pelos discursos da medicina (Foucault, 1963) e da psiquiatria (Foucault, 1999), que promoveram a medicalização e a psquiatrização do espaço social, respectivamente, na modernidade. (BIRMAN, 2010, p. 40).

Para problematizar a ideia de “necessidades humanas”, Hesketh & Costa (1980) valem-se da teoria de Maslow, definindo-as de acordo com o grau de importância, desde os dispositivos básicos da sobrevivência até as condições mais superficiais de representação de necessidade para um indivíduo viver em sociedade.

As necessidades humanas, segundo Maslow, estão arranjadas numa hierarquia que ele denominou de hierarquia dos motivos humanos. Conforme o seu conceito de premência relativa, uma necessidade é substituída pela seguinte mais forte na hierarquia, na medida em que começa a ser satisfeita. Assim, por ordem decrescente de premência, as necessidades estão classificadas em: fisiológicas, segurança, afiliação, autoestima e autorrealização. A necessidade fisiológica é, portanto, mais forte, a mais básica e essencial, enquanto a necessidade de autorrealização é a mais fraca na hierarquia de premência. (HESKETH & COSTA, 1980, p.59)

Para Hesketh & Costa (1980), Maslow define que o estado de inquietação e desconforto no organismo são indícios dos estados de motivação para a procura de mecanismos para suprir os elementos que são categorizados como necessidades (HESKETH & COSTA, 1980). Porém, a realidade atual coloca em xeque a teoria de Maslow no que reside na privação de necessidades consideradas ‘superiores’, como a autorrealização, das quais não produzem uma reação de emergência ou desespero, como acontece na privação de necessidades vistas como básicas, ou, inferiores na hierarquia das necessidades (HESKETH & COSTA, 1980). Cada período histórico possui suas necessidades conforme os avanços da maneira de viver a vida cotidiana, o surgimento de novas doenças, síndromes e fobias que se desenvolvem no período contemporâneo em consequência do rápido desenvolvimento tecnológico; da enchente de informações advindas da democratização da internet para um espaço aberto que permite ao indivíduo se afogar em informações, não se atentando a nenhuma delas de maneira profunda.


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Porém, com tais adventos da modernidade e o surgimento de novos desafios para a comunicação e os estudos da Sociologia e da Psicologia, o self que se desenvolve em um projeto simbólico construído ativamente pelo indivíduo permite que consiga desenvolver suas potencialidades de interação em um ambiente que de início se manifesta de maneira caótica. Há preocupação, contudo, com o que se denomina de “ansiedade contemporânea”, ou seja, a ansiedade do indivíduo de situar, na sua autorrepresentação, a conquista da felicidade e a individualidade de sua manifestação em um cenário social midiatizado.

3.5. A ansiedade contemporânea: a busca pela representação da individualidade no cenário social “Dispor os membros como indivíduos é a marca registrada da sociedade moderna” (BAUMAN, 2009, p. 62). A forma com que a individualidade é vista e revista na modernidade líquida, como a frase tratada no livro “A sociedade individualizada” (Zahar, 2009), refere-se ao conceito de “indivíduo” que se altera em ressignificações constantes na interação social que passa a modela-los para a convivência. Nesse aspecto, falar de “autonomia” e “autoafirmação” contemporânea relaciona-se a uma sociedade dependente da tecnologia para a expressão, transformando pessoas em exibições nas vitrines simbólicas dos “perfis”, que utilizam de certa “reciprocidade” ou “moeda de troca” (curtida, comentário, compartilhamento) para se autoafirmarem no ambiente social. Sabendo que a “sociedade” não é apenas um conjunto de indivíduos, mas o modo de interação entre eles, a obra de Norbert Elias, citada por Bauman, “alcança o âmago do problema que tem perseguido a teoria social desde o começo”, que é a própria concepção de reciprocidade. Tal conceito diz respeito ao fato de a sociedade moldar a individualidade dos membros participativos enquanto os mesmos perseguem “estratégias plausíveis e exequíveis dentro da rede socialmente tecida de suas dependências” (BAUMAN, 2009, p. 62). A sociedade moderna existe em sua atividade de “individualizar”, assim como as atividades dos indivíduos consistem na remodelação e renegociação, dia a dia, da rede de seus


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emaranhados mútuos chamada “sociedade”. Nenhum dos dois sócios fica parado por muito tempo. E assim o significado da “individualização” continua mudando e sempre assume novas formas – do mesmo modo que os resultados acumulados de sua história passada estabelecem sempre novas regras e fabricam novas apostas para o jogo. A “individualização” agora significa algo muito diferente do que significou 100 anos atrás e do que transmitia nos primeiros tempos da era moderna – os tempos da louvada “emancipação” dos humanos da rede fortemente costurada de dependência, vigilância e imposição comunais. (BAUMAN, 2009, p. 62) Os estudos de Norbert Elias (1991) e Ulrich Beck (1992) utilizados por Bauman

se adequam ao fenômeno da selfie como manifestação egoica na expressão individual no cenário social. A dependência das tecnologias de interação fez com que a autoafirmação fosse como uma tentativa “desesperada” de se mostrar em um cenário social “cheio de indivíduos”. De acordo com Bauman, os estudos de Beck, a partir de Elias, narra o aspecto contínuo, compulsivo e obsessivo de apresentação e reapresentação do indivíduo no cenário social, o que cabe interligar a ideia do self como um projeto simbólico construído de maneira ativa. A exemplo da premissa abordada no tópico anterior quanto ao uso da terminologia “manifestação egoica”, a expressão “selfie” pode ter compreensão maior do que o próprio fenômeno autorretratístico. Apresenta-se aqui a selfie como toda e qualquer forma de expressão nas plataformas de mídia produzida pela “rede ego” (RECUERO, 2009), que possibilita representar o indivíduo nas redes de interação. Dessa forma, a manifestação egoica é o próprio fenômeno selfie no exercício da construção do self simbólico e no “aspecto contínuo, compulsivo e obsessivo” (ELIAS apud BAUMAN, 2009) de reapresentação do indivíduo no cenário social. Tendo a selfie como objeto de estudo relacionado à própria manifestação egoica, o autorretrato passa a representar uma das formas possíveis de exibição individual, como um todo, no fenômeno comunicativo. Estamos na era da indústria do entretenimento e, paradoxalmente, na era do tédio. É muito triste descobrir que grande parte dos seres humanos de todas as nações não sabe ficar só, se interiorizar, refletir sobre as nuances da existência, se curtir, ter um autodiálogo. Essas pessoas conhecem muitos nas redes sociais,


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mas raramente conhecem alguém a fundo e, o que é pior, raramente conhece a si mesmas. (CURY, 2017, p. 13)

A questão abordada por Cury a respeito das pessoas conhecerem-se a si mesmas é antiga. A inscrição Gnothi Seauton (“Conhece-te a ti mesmo”), destacada acima da entrada do templo de Apolo em Delfos, remetia à mesma questão do “olhar para dentro”, como metáfora que corresponde hoje com os enunciados que o projeto simbólico do self carrega na própria construção identitária. Nos emaranhados das redes de

interação,

organizados

em

plataformas

de

mídia,

potencializam-se

os

questionamentos a respeito do que é genuíno do indivíduo e o que foi construído para a representação no cenário social. Por isso, importa muito a posição que nela [sociedade] ocupamos; as relações que mantemos com os demais agentes o que pensam de nós; que valor nos atribuem em circunstâncias diversas; que tratamento nos dispensam; que necessidade terão de nos alegrar; que discursos enunciam a nosso respeito; que recursos temos para interagir; que temos para oferecer; como tornarmo-nos interessantes aos que nos interessam; por que precisarão de nós, e muito mais. (BARROS FILHO & MEUCCI, p. 170)

Dessa maneira, a importância da representação e a valorização do status pessoal - baseado na identificação do indivíduo quanto as suas ocupações diárias na vida cotidiana e suas representações - tem como sobrecarga na construção do self a continua ressignificação individual para a sobrevivência do indivíduo nas plataformas de interação, o que potencializa a ansiedade contemporânea de se renovar o tempo inteiro dentro de um cenário social midiatizado. Visto a partir da perspectiva patológica, o começo do século XXI não é definido como bacteriológico nem viral, mas neuronal. Doenças neuronais como a depressão, transtorno de déficit de atenção com síndrome de hiperatividade (Tdah), Transtorno de personalidade limítrofe (TPL) ou a Síndrome de Burnout (SB) determinam a lógica do século XXI. Não são infecções, mas enfartos, provocados não pela negatividade de algo imunologicamente diverso, mas pelo excesso de positividade. Assim, eles escapam a qualquer técnica imunológica, que tem a função de afastar a negatividade daquilo que é estranho. (HAN, 2015, p. 7)


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Se não fizer parte do meio, terá sérios riscos de ameaças contra a própria existência, ou seja, de ser alvo dos predadores da modernidade líquida: a exclusão social (BAUMAN, 2009), a depressão, a síndrome do pânico (BIRMAN, 2010), a síndrome do pensamento acelerado (CURY, 2017), e a mais nova da categoria, denominada F.O.M.O. (Fear of Missing Out – “o medo de estar por fora”), ainda que não seja categorizada como doença, porém, com potencial desenvolvimento para tal. Em uma matéria publicada na revista Época Negócios11, pesquisadores da Universidade Nottigham Trent, no Reino Unido, em parceria com a Escola de Administração de Thiagarajar, na Índia, fizeram um estudo a respeito do hábito frequente de postagens de selfies como potencialização de distúrbios mentais nos indivíduos. O hábito contínuo e compulsivo de tirar fotos de si mesmo foi batizado de 'selfitis' em meados de 2014, quando alguns veículos de comunicação começaram a retratar o fenômeno. "Na época, algumas pessoas acreditavam que selfitis deveria ser classificada como uma desordem mental pela Associação Americana de Psiquiatria", declarou um dos autores do estudo, o professor Mark Griffiths, do Departamento de Psicologia da Universidade de Nottingham. "Agora, nós confirmamos a existência do selfitis e desenvolvemos a primeira Escala do Comportamento Selfitis do mundo, usada para avaliar a gravidade da condição", explicou ele ao The Telegraph. (ÉPOCA NEGÓCIOS, 2017, on-line)

A pesquisa teve como foco a Índia (seiscentos voluntários), por decorrência do número de mortes resultantes na tentativa de tirar selfies em locais perigosos do país. A descoberta dos pesquisadores Janarthanan Balakrishnan e Mark D. Grifiths, publicada no Journal of Mental Health and Addiction 12, apontaram três níveis com que a doença selfite pode ser avaliada: borderline (limítrofe - tirar fotos de si mesmo pelo menos três vezes por dia, mas não publicá-las nas plataformas de mídia); acute (aguda – tirar fotos de si mesmo pelo menos três vezes por dia e postar parte delas nas mídias sociais) e

Ver “Compulsão por selfie pode ser um distúrbio mental, diz estudo” disponível <https://epocanegocios.globo.com/Tecnologia/noticia/2017/12/compulsao-por-selfie-pode-ser-umdisturbio-mental-diz-estudo.html >. Acesso em 21 mai. 2018. 11

em

Artigo escrito pelos pesquisadores Janarthanan Balakrishnan e Mark D. Grifiths , “An Exploratory Study of Selfitis’ and the Development of the Selfitis Behavior Scale. Disponível em <https://link.springer.com/article/10.1007/s11469-017-9844-x > Acesso em 21 mai. 2018. 12


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chronic (crônico – impulso incontrolável de tirar fotos de si mesmo e postar nas mídias mais de seis vezes por dia).

Os pesquisadores descobriram que os típicos ‘selfitis’ são escravos da atenção das pessoas, muitas vezes carentes de autoconfiança, esperam melhorar sua posição social e pertencer a um grupo publicando constantemente selfies. Além disso, podem apresentar sintomas semelhantes a outros comportamentos viciantes, como alterações de humor e até abstinência. (ÉPOCA NEGÓCIOS, 2017, on-line).

O indivíduo contemporâneo vive ansioso. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), 1,4 bilhão de pessoas, cedo ou tarde, desenvolverão o último estágio da dor humana, que corresponde a 20% do planeta (CURY, 2017, p.17). A dor citada é a depressão, que se caracteriza de maneira abrangente como a perda da autoestima que expressa o signo da infelicidade na modernidade líquida. A presente questão envolve o conceito de signos de infelicidade, que trata explicitamente do indivíduo que não consegue exercer a sua autonomia, cuja imagem de autorrealização passa a ser a necessidade primeira do século XXI. A definição de felicidade, na contemporaneidade, está voltada para os imperativos que a ela correspondam como necessários para o empreendimento do projeto de ser feliz. Alguns desses imperativos, como a autoafirmação e a autoimagem, induzem os indivíduos a estabelecerem, através de status social, as definições de felicidade na manifestação egoica por intermédio das selfies postadas. Portanto, o indivíduo constrói e ressignifica a todo instante a sua representatividade e definição de self tendo como construção o seu autoconceito.

O autoconceito faz referência à ideia que cada pessoa tem de si mesma, enquanto que a autoestima alude ao apreço (estima, amor) que cada qual sente por si mesmo; o primeiro termo faz referência à dimensão cognitiva ou perceptiva e o segundo a vertente avaliativa ou afetiva. (GONI & FERNÁNDEZ, apud MENDES et.al., 2012, p. 6)

A relação pessoal com as mídias moldou não só o ritmo da vida cotidiana, mas o tratamento das informações e o modo como os indivíduos acessam, de maneira rápida,


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constante, com produtos transmidiáticos, em uma época de convergência midiática de “velhas ferramentas” para as novas tecnologias.

Qualquer que seja sua relação com as mídias, certamente você percebeu que ela mudou muito nos últimos anos. A força desta ou de qualquer outra relação é determinada pelo modo como as partes envolvidas lidam com as mudanças. E, neste exato momento, há uma multiplicidade de mudanças em curso. (JENKINS, 2009, p. 9)

Conceitos como identidade, autoafirmação e autoconceito se reconfiguram a todo o momento em um contexto sem formas, fluido, plasmático, onde as certezas se esvaem no mar de informações no qual a civilização atual se vê inundada diante a expansão tecnológica e midiatizada. Fragilidades que há muito se viam escondidas na era da reprodutibilidade científica emergem para a camada de civilidade onde as noções do self como projeto simbólico que o indivíduo constrói ativamente e a felicidade são definidos em uma “constante mudança de forma quando submetidos à tensão de uma força tangencial ou deformante quando imóveis” (BAUMAN, 2001, p.7). Em consequência, a felicidade é formatada constantemente pela sociedade, permitindo que o indivíduo, na construção do self, reconfigure a todo instante a busca pela felicidade, cuja dimensão coletiva dos ideais se converteu numa questão individual, “marcada pela urgência, ela se torna também um problema e uma construção de cada um” (FRANÇA, 2010, p.217). Como consequência, contribui para que a sociedade desenvolva um “estado crônico de angústia” (FRANÇA, 2010), possuindo incitações permanentes do que pode conduzir a felicidade, acarretando uma autocobrança para ter o projeto de satisfação pessoal construído na vida ativa como parte da construção da identidade modelada pela liquidez das relações. A autoafirmação e a satisfação pessoal, recontextualizadas de acordo com o período social de interação em cada época, hoje se reconfigura de maneira padronizada na questão das selfies provindas das “redes ego”. O cenário midiatizado apenas reproduz a angústia da contemporaneidade em um território individualizado, mantendo uns aos outros conectados como moeda de troca dos valores que cada indivíduo enseja por representar e encontrar respaldo para suas ações serem validadas como “felizes”.


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Sem perceber, a sociedade moderna – consumista, rápida e estressante – alterou algo que deveria ser inviolável, o ritmo de construção de pensamentos, gerando consequências seríssimas para a saúde emocional, o prazer de viver, o desenvolvimento da inteligência, a criatividade e a sustentabilidade das relações sociais. Adoecemos coletivamente. Este é um grito de alerta. (CURY, 2017, p.17)

Em uma sociedade onde indivíduos passam a desenvolver na manifestação egoica a forma de fazer com que o ambiente externo perceba a sua interação, permite com que a construção do self se perca na definição de si ao invés de olhar nas posições externas a ele. Ao retirar um autorretrato em um ambiente cuja paisagem remeta ao indivíduo questões como “belo”, “prazeroso”, “aventureiro”, “conquistador”, faz com que o mesmo deixe de perceber a paisagem ao redor, e passe a focar em si mesmo a posição de status que enseja demonstrar para o meio social. Não obstante as atividades que envolvam viagens e paisagens exóticas, as atividades rotineiras também ganharam espaço na autorretratação dessas vivências. O registro da rotina também não é novidade contemporânea. Os retratos produzidos no Realismo no século XIX, a exemplo da obra de Jean-François Millet (1814-1875) em “Os catadores” (1857) e de Adolph Menzel (1815-1905) em “Moinho de ferro” (1875), tinham como objetivo captar a aura e a movimentação com que ocorria no cotidiano, o teor do progresso tecnológico e rápida industrialização em contrastes com a vida bucólica nos pequenos vilarejos da Europa. Em contraposição a tais produções artísticas na reprodução do cotidiano do século XIX, o indivíduo passou a registrar o momento de maneira obsessiva e massiva nas plataformas, sem ter contextualização ou motivações maiores do que a expressão de estar vivendo para o meio social. Expressões compartilhadas com uso de hashtags para angariar números maiores de curtidas, comentários e autoafirmação pelas visualizações que proporciona ao indivíduo incrementar na construção de si os valores dos outros sobre ele, faz com que a manifestação egoica tenha possível alerta nessas atividades de expressão. Bauman (2009, p. 189) dizia que o “controle sobre o presente, a confiança de estar no controle de seu próprio destino, é o que mais falta às pessoas que vivem em nosso tipo de sociedade”, o que possibilita elencar que a manifestação egoica nas


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plataformas – a selfie – mostra aquilo que o indivíduo em si não vivencia em sua potencialidade, mas apenas na reprodução fotográfica daquilo que anseia por viver.

Se você não pode, ou não acredita que possa fazer o que de fato importa, você se volta para coisas que importem menos, ou talvez nada, mas que você pode fazer ou acredita que possa; e ao colocar sua atenção e energia em coisas assim, você pode até fazer com que elas importem, ao menos por um tempo. (BAUMAN, 2009, p. 190)

“Ao menos um tempo”, transpondo para o cenário das plataformas de mídia, as fotografias e postagens nas ferramentas como status no Whatsapp ou o Stories do Instagram, permitem com que o compartilhamento dos conteúdos tenha vida útil de 24 horas, necessitando novas postagens para o “diário” da vida dos indivíduos. Não apenas no cenário das plataformas ocorre tal anseio de suprir a ansiedade e angústia da modernidade líquida em se expressar, mas na busca incessante da felicidade em projetos que possam ajudar a autoestima na vivência cotidiana.

Não tendo esperança de melhorar suas vidas em qualquer um dos aspectos relevantes, as pessoas se convencem de que o mais importante é a auto-melhoria psíquica; entrar em contato com seus sentimentos, comer comida saudável, ter aulas de balé ou dança do ventre, imergir na sabedoria oriental, correr, aprender a “se relacionar”, vencer o “medo do prazer”. Inofensivas em si mesmas, essas buscas, elevadas à categoria de programa e envolvidas na retórica da autenticidade e da consciência, significam uma retirada da política de vida. (LASCH apud BAUMAN, 2009, p. 191)

A manifestação egoica, portanto, pode ser expressa além do cenário midiatizado, nas próprias relações diárias no contexto social fora do âmbito digital. Expressa aqui a possibilidade de novos trabalhos que possa mostrar que tipo de angústia circunda a sociedade individualizada de hoje que tanto anseia por mostrar a si mesma e a felicidade que demonstram nas plataformas. A angústia de se autorretratar, presente nas obras de Rembrandt (ver Capítulo 1) em perceber as mudanças físicas com o passar dos anos, ou na obra de Courbet ou Van Gogh (ver Capítulo 1) em expressar o “estado de espírito” do momento, potencializaram tais angústias em uma sociedade em alta conectividade. Porém, com a


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massificação das mesmas, perdeu-se o envoltório artístico, e passa a ter um significado “vazio” pela ampla exposição de si pela própria exposição no cenário social midiatizado, no qual o indivíduo se encontra sozinho, tecendo a própria teia de significado. Remetendo novamente ao mito clássico grego, onde Ninfa – apaixonada por Narciso – ao perceber que o mesmo se encantou com a própria imagem refletida chamou-o pelo nome três vezes, ouvindo apenas a sua própria voz, tornando-se a Ninfa Ecos, aquela que recebeu a própria voz chamando a atenção do outro. O termo “narcisismo” está presente na manifestação egoica das redes individuais no emaranhado de aglomerações de indivíduos conectados entre si, porém, vai além do que o termo oferece. Os indivíduos encontram-se divididos entre “Narciso” e “Ninfa Ecos”, cuja beleza própria não quer dizer para si, mas para os outros, e a Ninfa Ecos exemplifica como potencial desenvolvimento de percepções a respeito da opinião do outro a partir do “eco” que se reproduziu para a construção simbólica do self pela exposição que produziu. Preocupa-se, nesse sentido, nos diversos campos de estudos, a formação com que o self se constrói em um mundo altamente conectado, cujas relações humanas passam por um período de “preocupações de identidade”. Termos como fatiamento, atomização e a privatização das lutas da vida, auto-impulsionadas e autoperpetuadas no pano de fundo da ação coletiva (BAUMAN, 2009, p. 190), carregam novos elementos no cenário social que fragmenta a sociedade em indivíduos. A manifestação egoica, como qualquer representação de si nas plataformas de mídia, tem como premissa a neutralidade de sua terminologia, por desempenhar apenas uma ação de representação do ator social já existente para um reflexo de si para as plataformas de mídia. O termo condensa tal complexidade de entendimento, e permite analisar melhor as “redes ego” a partir de tal manifestação. Porém, permite assim acentuar que o projeto de felicidade hoje se encontra de maneira vasta, ampla, diversificada, pela massificação de produtos impostos nos meios de comunicação, que se apropriam do uso das plataformas, para vender possíveis atenuantes do anseio de recuperar o senso de felicidade na modernidade líquida. Os indivíduos maquiam a felicidade em seus perfis como forma de comunicação, respaldada como um padrão


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cultural que se enraizou na vida cotidiana. O padrão narrativo da selfie possibilitou que o fenômeno desenvolvesse de tal forma, que surgissem doenças e estudos a respeito do uso excessivo das mesmas na interação nas plataformas. O self como projeto simbólico, desenvolvido por Thompson, traça paralelo com as questões que dizem respeito a “passatempo substituto”, como forma de remanejar a “auto-identidade”, cujos esforços levam à frustração com muita frequência para que o medo de um fracasso definitivo envenene a alegria de triunfos temporários (BAUMAN, 2009, p. 191). Por isso, a manifestação egoica ocorre como fenômeno das “redes ego” na alta reprodutibilidade dos autorretratos. A proliferação de conteúdos postados em páginas de relacionamentos e a produção intensa dos mesmos, permitiu que o hábito de se expor não seja apenas “narcísico”, mas como sobrevivência a um espaço social de interação midiatizada que obriga tais fluxos de informação e produção de si para os outros. A angústia e a ansiedade com que os fenômenos nas plataformas potencializaram podem servir de estudos futuros mais profundos a respeito do porque de tais necessidades de autoafirmação tornarem-se tão vigentes em um mundo líquido. A perda de referências para si pode ser o início desse processo, onde todos querem construir a própria narrativa de felicidade. Porém, é fato que fora das mídias a vida idealizada seja vista como fantasia ou algo longe de ser alcançado, e que não ter “passatempos” com que se preocupar possa mostrar a nudez da interação humana, cuja fragilidade de lidar com a própria existência se tornou mais delicada em um mundo altamente conectado, potencializando na manifestação egoica como padrão cultural e narrativo da expressão de si como valor pessoal pavimentado na vida cotidiana nas interações sociais.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Passados três capítulos de pesquisa bibliográfica e construção de argumentos, permite-se concluir que o desenvolvimento do conceito de “manifestação egoica” pode abranger de maneira ordenada o fenômeno da representação do ator social que utiliza da imagem da própria exposição na criação do perfil identitário nas plataformas de mídia na “rede ego” (RECUERO, 2009). O self em questão, como projeto simbólico, constitui-se de uma série de quesitos para se enquadrar nas narrativas das plataformas de interação midiatizada. Estas recontextualizam projetos de definição do autoconceito, do que é ser feliz e de como demonstrar tal felicidade “de si” para as plataformas. O autorretrato, ressignificado ao longo da história, permitiu rever que a angústia e a ansiedade de se autorretratar não provém apenas da contemporaneidade. Rembrandt, Van Gogh, Courbet, Sherman, Van Eyck, utilizaram de formas diferentes a questão autorretratística. Adequar a terminologia “selfie” para além da fotografia de si mesmo enriquece a análise de um todo comportamental de expressão midiatizada por indivíduos em suas redes ego de interação. A selfie é a própria manifestação egoica nas plataformas de mídia, pois é a expressão de caráter reflexivo do self que pretende se construir e reconstruir ativamente a sua imagem de acordo com as respostas externas a ele. É possível dizer que a construção identitária hoje se encontra fragilizada, o que demonstra a própria fragilização nas relações humanas e no caráter líquido com que se manifestam em suas relações. Doenças psíquicas e a potencialização de fatores que levam à ansiedade, à angústia e a uma sociedade dependente dos mecanismos digitais de interação para o provimento de suas imagens e status sociais de felicidade permitem compreender que a manifestação egoica passa por um período de fragilidade, em uma época de incertezas sobre a possibilidade de se constituir uma autoimagem formada sem a opinião externa. “Como preservar a nossa individualidade na era digital?” foi uma das perguntas que motivaram o estudo e a pesquisa do presente trabalho. Porém, a questão que acabou se desenvolvendo foi “como se preservar na era digital?”. A individualidade como centralidade social está presente desde o século XVIII. O caráter da construção


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da autonomia e o projeto de felicidade potencializado pelo neoliberalismo, todavia, transformaram o indivíduo responsável pela própria motivação de viver em uma sociedade cada vez mais individualizada, o que potencializou tais processos de manifestação egoica nos fenômenos interativos da comunicação. As bolhas de interação, marcadas pela presença de algoritmos, caracterizam cada registro individual nas redes e como tais definições percorrem a construção de uma rede de interação personalizada. A problemática dessa questão envolve não apenas a construção do self de maneira massiva, intensa e ativa, mas também o que tange selecionar quais tipos de conteúdos e pessoas fazem parte dessa construção, potencializando assim uma espécie de “eco”, não havendo troca de informações, debates e o caráter crítico do discernimento do que realmente existe fora da bolha de interação de pessoas que compartilham das mesmas ideias, conteúdos, mensagens e representações. A sociedade individualizada, caracterizada ao mesmo tempo na espetacularização de si – como na obra de Guy Debord, A sociedade do espetáculo –, na qual o “espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre as pessoas mediada por imagens”,

permite

enraizar

ainda

mais

tal

afirmativa.

As

relações

sociais

contemporâneas não só remetem às interações pelas imagens dos outros como também se espelham, se constroem e se limitam a tais interações. O sentido de “cenário social” real e digital deixa de ter um caráter de separação e passa a conviver como um só cenário, onde o digital passou a ser apenas a extensão das relações humanas para o circuito em rede descentralizada. Compreende-se, assim, a “manifestação egoica” presente em todos os âmbitos de relações humanas, cujo projeto de individualização pela conquista de ideias de felicidade, bem-estar, autonomia e qualidade de vida passa a não ser compartilhada, mas insinuada para os outros em uma espécie de competição para ver quem possui a melhor vida, e expressa, pela massificação da selfie, a infelicidade com que as pessoas vivem, tendo como necessidade mostrar a contradição, o quão felizes são expressando que estão bem. Como hipótese, entende-se que o aumento do registro das fotografias de si mesmo não registra a felicidade ou o senso estético para si, senão o próprio sentido do autorretrato nas plataformas não faria sentido. Porém, mostra que quanto mais fotos


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compartilhadas, mais indivíduos se escondem da própria vida que não vivenciam. Registrar o momento presente permite destruir a própria aura do instante, entrando no paradoxo das plataformas de postagens instantâneas de um momento que não é aproveitado em seu potencial, pois a fotografia exige o tempo para a postagem de algo que foi representado e não vivido. Claro que tal conclusão é abrangente e não generalizável, não permitindo que todos os usuários sejam interpretados no interior de uma mesma cena de manifestação egoica, de expressão de uma vida representada, mas não vivida. Caracteriza-se, porém, como um fenômeno bastante vasto no qual se permite perceber tais interações de maneira massificada nas plataformas de mídias digitais. O self em plena construção é a chave para interpretar tais fenômenos da representação de si nas redes ego, e a manifestação egoica permite complementar a ideia de Recuero sobre as próprias representações nas plataformas. As ideias de “ator”, “máscara”, “cenário”, “persona” e “self”, de autores da Psicologia, da Teoria Social e da Sociologia, devem ser recontextualizadas para as plataformas de interação, porém, necessitando de uma reconfiguração de sentidos. Defende-se aqui a hipótese de que a manifestação egoica transpassa sobremaneira o caráter das exposições de si nas plataformas digitais de interação. Todavia, novas pesquisas e trabalhos podem surgir de maneira a aprofundar tais motivos de interação. Traduz-se no final de todo o percurso realizado no trabalho que o desenvolvimento de um “novo indivíduo” surge dentro dessas interações, no fenômeno da alta interatividade das redes descentralizadas. Contudo, novos questionamentos apresentam-se ao debate: até que ponto um indivíduo é autônomo e livre para se expressar dentro de uma redoma ou bolha interacional que o mesmo ajudou a confeccionar com o registro dos algoritmos de interação? Como a construção do self pode ter relevância quando não confrontada em sua “zona de conforto” interacional? Que tipo de indivíduos irão surgir com a manifestação egoica centrada apenas nos interesses que lhes surgem no meio social? Essas e outras indagações são possíveis após compreender que a selfie não representa apenas um novo fenômeno autorretratístico, mas um novo formato de construção do self em um cenário social midiatizado.


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