Kaiowa: Mulheres Sem Medo

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO - FAALC CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – HABILITAÇÃO EM JORNALISMO

“KAIOWÁ: MULHERES SEM MEDO” NARRATIVA LONGFORM SOBRE INDÍGENAS NA LUTA PELO TERRITÓRIO

MYLENA GARCETE ROCHA NAYLA BRISOTI BARBETA

Campo Grande, MS NOV /2017


“KAIOWÁ: MULHERES SEM MEDO” NARRATIVA LONGFORM SOBRE INDÍGENAS NA LUTA PELO TERRITÓRIO

MYLENA GARCETE ROCHA NAYLA BRISOTI BARBETA

Relatório apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina Projetos Experimentais do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

Orientador (a): Prof.ª Dr.ª Katarini Giroldo Miguel

UFMS Campo Grande, MS NOV / 2017


SUMÁRIO Resumo

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Introdução

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1. Atividades desenvolvidas

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1.1 Execução

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1.2 Dificuldades encontradas

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1.3 Objetivos alcançados

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2. Suportes teóricos adotados

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2.1 Mulheres Kaiowá e a luta pelo território

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2.2 Narrativa longform

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3. Considerações finais

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3. Referências

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4. Apêndices

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4.2 Roteiros de perguntas

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4.3 Transcrições de entrevistas

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RESUMO: “Kaiowá: mulheres sem medo” é uma narrativa longform para a web sobre a luta das mulheres Guarani Kaiowá pelo seu território de origem, o tekoha. Localizadas no Cone Sul de Mato Grosso do Sul, as Kaiowá resistem dia após dia, não só para retomar suas terras, como pela própria sobrevivência. A narrativa longform utiliza as tipologias narrativa e descritiva e diversos recursos multimídia como áudios, fotos, mapas e vídeos. O trabalho está dividido em cinco capítulos, sendo um deles com base na “Kuñangue Aty Guasu- Assembleia das Mulheres Guarani e Kaiowá” que aconteceu do dia 18 a 20 de setembro de 2017, no tekoha Kurusu Amba II, em Coronel Sapucaia. Os demais capítulos retratam perfis de quatro mulheres Kaiowá que se destacam no contexto, sendo elas: Adelaide Sanábria, Clara Barbosa, Damiana Cavanha e Helena Gonçalves. Elas moram nos territórios Apyka’í, Laranjeira Ñanderu, Limão Verde e Tayassu Ygua, nos respectivos municípios de Dourados, Rio Brilhante, Amambai e Douradina. A plataforma está disponível no link: www.kaiowamulheressemmedo.com.br

PALAVRAS- CHAVE: Jornalismo; Guarani e Kaiowá; Mulheres indígenas; Narrativa longform; Reportagem multimídia; Mato Grosso do Sul.


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INTRODUÇÃO A narrativa longform “Kaiowá: mulheres sem medo” é uma grande reportagem para a web e tem como tema central a resistência das mulheres indígenas da etnia Guarani Kaiowá na luta pelo tekoha. Os Guarani Kaiowá são grupos que tradicionalmente habitam o sul de Mato Grosso do Sul, estado com uma grande diversidade demográfica e que, neste contexto, apresenta uma significativa população indígena, estimada em 73.295 mil pessoas, segundo censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010. Guarani Kaiowá é a segunda etnia mais populosa do Brasil, são mais de 43 mil pessoas no país (IBGE, 2010). No Mato Grosso do Sul, a etnia é uma das mais expressivas, com cerca de 30 mil indígenas (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL). A narrativa retrata essa luta sob a ótica da mulher indígena, por meio de histórias de mulheres Guarani Kaiowá que se dedicam dia a dia para reaver seu território de origem, seu tekoha, em Mato Grosso do Sul. Segundo Pereira (2016), o tekoha é o sistema social Kaiowá formado pela reunião de um grupo de famílias extensas, é o local onde se vive de acordo com sua organização social e cultural. De acordo com o autor, o grupo das famílias extensas ou grupos locais de parentesco são denominados parentelas e compõem a estrutura social dos Kaiowá. “[O tekoha] constitui um grupo de parentelas relacionadas por cooperação política, ritual e trocas matrimoniais. Combina elementos do parentesco com fenômenos pertencentes ao campo político-religioso” (PEREIRA, 2016, p. 47). Para Cavalcante (2013), com o avanço da colonização em Mato Grosso do Sul entre as décadas de 1940 e 1990, os Guarani Kaiowá foram expulsos de suas terras tradicionais e obrigados a viver em limitadas reservas indígenas ou em precários assentamentos. Entre as modalidades de assentamento, Lutti (2009) destaca a de “corredor”, utilizado pelos pesquisadores Levi Marques Pereira e Jorge Eremites de Oliveira ao terem os primeiros contatos com os acampamentos em margens de rodovia. Esses acampamentos de corredor configuram uma modalidade de assentamento não permanente, mas estratégica e provisória, como uma forma de se reaproximar dos antigos tekoha. Assim, os indígenas se posicionam entre a cerca das fazendas e a rodovia, entre os limites do espaço público e do privado. Já as reservas são para os indígenas lugares inapropriados para se viver devido a conflitos, disputas de lideranças, disputas por recursos, falta de espaço,


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falta de comida e falta de afinidade entre os moradores, segundo Crespe (2015). É comum ouvir os indígenas dizendo que as reservas são como chiqueiros, pois todos são “postos” no local apertado e sem estrutura, além de ser uma terra que não lhes pertence.

O tempo da reserva, por sua vez, é um tempo ruim. É tempo da perambulação forçada, da não acomodação, do esfacelamento das parentelas, da instituição do capitão, da escassez de alimentos, da dependência de agências externas, dos conflitos e brigas. Os Kaiowá e Guarani que querem voltar para o tekoha fazem isso motivados pela lembrança de um tempo anterior à chegada da colonização. (CRESPE, 2015, p. 294)

A autora ressalta também que o aumento da população nas reservas se deu a partir da década de 1980, com a intensificação das expulsões dos indígenas de suas terras. Até então, eles ainda viviam dentro de seus tekoha, mesmo tendo sido titulados e transformados em fazendas. Muitos já trabalhavam para os titulares da terra, mas a partir da década de 1980 passaram a ser expulsos. A demarcação das reservas serviu para confinar os povos indígenas em pequenos pedaços de terra, de modo a liberar o território para a colonização, além de inviabilizar sua economia e autonomia. Os que não foram expulsos, foram assassinados ou até mesmo mortos por epidemias. As vegetações nativas dos territórios indígenas foram destruídas no período da colonização, lavouras e pastagens começaram a ser cultivadas. De acordo com Casanova (2006) apud Cavalcante (2013), os indígenas também têm restrições políticas no Estado, pois não participam de altos cargos políticos locais e quando participam estão subrepresentados.

Atualmente, os Guarani e Kaiowá são grupos que habitam minúsculas frações de seu território tradicional localizado no sul de Mato Grosso do Sul, sem uma forma própria de governo e sem o uso exclusivo do território, estão em extrema desigualdade em relação às elites dominantes nacionais. (CASANOVA, 2006, p. 396 apud CAVALCANTE, 2013, p. 26)

Segundo Crespe (2015), os Kaiowá lutam pela terra, pelo seu lugar no mundo, pelo direito de viver perto dos antepassados, pela saúde, pela alegria e pela vida. Para eles a terra é vida e o despejo é morte. Na narrativa do projeto


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experimental tentamos responder a pergunta: por que essas comunidades, e principalmente as mulheres, insistem em lutar pela terra apesar de toda a violência sofrida durante décadas? A resposta foi estruturada pelas perspectivas dos próprios indígenas, em especial, das mulheres Kaiowá entrevistadas para a reportagem: Adelaide Sanábria, Clara Barbosa, Damiana Cavanha e Helena Gonçalves. Desenvolvemos a narrativa a partir de relatos de quatro mulheres Guarani Kaiowá na retomada de suas terras, para compreender e retratar o papel feminino na sociedade indígena e a vulnerabilidade social a que estão sujeitas. A luta dos Guarani Kaiowá para reaver seu território tradicional é um tema rico para narrativas. Retratar a participação das mulheres indígenas na retomada de território é uma abordagem jornalística pouco explorada pela imprensa no Mato Grosso do Sul e merece atenção. O estado é o segundo do país com a maior população nativa e ainda assim se recusa a enxergar essa realidade. De acordo com Monteiro (2017), isto se deve ao fato de a imprensa se utilizar do senso comum, o que pode interferir nas narrativas jornalísticas ao ponto de destituí-las de sua função inicial, que é informar.

As notícias relacionadas às comunidades indígenas nos cibermeios de Mato Grosso do Sul demonstram uma abordagem superficial. Embora os conflitos de terras indígenas sejam noticiados constantemente, os relatos não discorrem de maneira aprofundada, nem demonstram os diversos fatores que o fato engloba. Por isso, compreender as mudanças estabelecidas pela prática do jornalismo no âmbito digital, refletir sobre os fatores envolventes na construção de uma notícia e observar como as representações e o senso comum existentes interferem na percepção dos fatos são essenciais para observar as múltiplas vertentes que envolvem o assunto. (MONTEIRO, 2017, p. 54)

Para dar visibilidade a essas comunidades, a reportagem permite a imersão do leitor na realidade do povo Kaiowá e utiliza a narrativa longform para a web. Nela, foram usadas diversas mídias, como texto, áudio, foto, vídeo e mapas, para trazer uma experiência das retomadas indígenas do sul do estado. “Uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo” (JENKINS, 2009, p. 138). Para contar a história da luta dessas mulheres com maior riqueza de detalhes, desenvolvemos a narrativa com foco na reportagem narrativa e descritiva.


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Segundo Oswaldo Coimbra (1993), o gênero narrativo recria a realidade para o leitor e eterniza o acontecer.

A estrutura do texto da reportagem narrativa não se apoia num raciocínio expresso. Sua característica fundamental é o de conter os fatos organizados dentro de uma relação de anterioridade ou de posterioridade, mostrando mudanças progressivas de estado nas pessoas ou nas coisas. (COIMBRA, 1993, p. 44)

Dividimos a reportagem em cinco capítulos, que são apresentados da seguinte maneira: um deles com o evento “Kuñangue Aty Guasu - Assembleia das Mulheres Guarani e Kaiowá” como plano de fundo para contextualizar a situação das Kaiowá e apresentar as personagens da narrativa. “Mbarete: Símbolo de luta e vulnerabilidade às margens da BR” que conta a história de Damiana Cavanha, um símbolo da resistência dos Kaiowá em Mato Grosso do Sul. Damiana resiste, há anos, na beira da estrada, à espera da demarcação de sua terra, junto com os poucos familiares que sobraram. O capítulo “Ñembo’e: Com o mbaraka em punho não há o que temer” relata a trajetória de Helena Gonçalves, moradora da aldeia Limão Verde, localizada a mais de 100 km de seu território de origem, o Mbarakay. “Ñombogueta: 55 anos, uma vida de espera pelo tekoha” é sobre Adelaide Sanábria, liderança do território Tayassu-Ygua, localizado em Douradina. E por fim, “Arandu: Luta que se faz pelo estudo” um capítulo sobre Clara Barbosa, que está na luta pela demarcação de Laranjeira Ñanderu, localizada no município de Rio Brilhante. Uma das formas de resistência de Clara é o estudo, ela é mestranda em Sociologia na Universidade Federal de Integração Latino- Americana (UNILA), em Foz do Iguaçu.


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1. ATIVIDADES DESENVOLVIDAS 1.1 Execução:

A princípio, realizamos um levantamento bibliográfico sobre o papel da mulher nas sociedades indígenas e acerca da luta dos Guarani Kaiowá pela retomada de seu território. Além disso, o material bibliográfico utilizado nos deu suporte sobre a história desta etnia indígena no Mato Grosso do Sul e sobre seus direitos. Também fizemos leituras sobre as narrativas longform e transmídia e sobre a construção da narrativa da reportagem, a fim de usá-las como base teórica no trabalho. Após o levantamento bibliográfico, no dia 10 de agosto de 2017 fizemos uma visita in loco em uma reunião de mulheres Guarani Kaiowá gestantes, na aldeia Te’y Kuê, localizada no município de Caarapó, a caráter de reconhecimento da temática. Na visita à comunidade estávamos acompanhadas do professor de Ciências Sociais da UFMS, Antônio Hilário Aguilera Urquiza e nos reunimos com funcionários do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) Indígena da cidade para discutir o conceito de território dos Guarani Kaiowá. Nesse dia, pudemos entender a relação afetiva e concreta que os Kaiowá têm com o território, e o professor Antônio Hilário nos propôs o exercício de desconstruir a concepção que temos da terra, para nos aproximarmos do que os indígenas entendem por tekoha. Nessa reunião, compreendemos também que o território para os Kaiowá nunca é somente a terra, mas o jeito que eles vivem, que se relacionam com a natureza e com a sobrenatureza, a espiritualidade. Posterior à visita, elaboramos pautas sobre as prováveis fontes escolhidas para a narrativa, com alguns detalhes de suas histórias e um roteiro de perguntas para cada uma. Neste roteiro, consideramos perguntas gerais para entender melhor o contexto em que vivem, como: “Qual a importância do tekoha?”, “Por que lutar pela terra?” e “Qual o papel da mulher Kaiowá na retomada do território?”. O roteiro elaborado serviu como uma base de perguntas para todas as personagens da narrativa. Os roteiros seguem no apêndice 5.1, na página 34. Durante a segunda viagem, feita nos dias 2 e 3 de setembro de 2017, coletamos depoimentos de duas das mulheres indígenas escolhidas como fontes: Dona Damiana e Dona Helena. Damiana Cavanha é uma liderança Kaiowá do


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tekoha Apyka’í, localizado em Dourados; e Helena Gonçalves é moradora da reserva indígena Limão Verde, em Amambai, e aguarda a demarcação de seu tekoha Mbarakay, localizado no município de Iguatemi. Ambas foram bastante receptivas e permitiram que gravássemos os depoimentos em áudio e vídeo. As entrevistas foram captadas por uma câmera DSLR, de modo a compreender os sentimentos que elas transmitem em suas falas. Nesta visita pudemos conhecer suas casas e suas famílias e captar diversas imagens em foto e vídeo para que o leitor possa compreender o contexto em que essas mulheres vivem. Realizamos a terceira viagem nos dias 19 e 20 de setembro de 2017, rumo à Kuñangue Aty Guasu- Assembleia das Mulheres Guarani e Kaiowá, que aconteceu de 18 a 22 de setembro no tekoha Kurusu Amba II, em Coronel Sapucaia. A Aty Kuña é uma assembleia organizada por mulheres Guarani e Kaiowá com o principal objetivo de discutir os direitos das mulheres indígenas do Cone Sul de Mato Grosso do Sul. No encontro, foram levantadas também temáticas presentes em aldeias de todo o estado, como saúde, educação e demarcação de suas terras. O evento, que não ocorria desde 2014, foi uma oportunidade ímpar para conhecermos diversas mulheres que lutam dia a dia pela retomada de seu território. Entrevistamos cinco mulheres Guarani e Kaiowá, entre elas Alda Silva, que foi a idealizadora da assembleia, além de outras mulheres, como Clara Barbosa, de Laranjeira Ñanderu, Helena Gonçalves, da reserva Limão Verde, Leila Rocha, de Yvy Katu e Adelaide Sanábria, do território Tayassu- Ygua. Participar da Aty Kuña foi uma oportunidade única, no evento pudemos também presenciar a atuação de Damiana e Helena na discussão

e

ainda

conhecer

autoridades,

missionários

e

estudiosos

que

acompanham a luta dos Guarani e Kaiowá há anos. A quarta e última viagem ocorreu nos dias 10 e 11 de outubro de 2017. No primeiro dia, visitamos Adelaide Sanábria em Tayassu- Ygua, retomada próxima ao município de Douradina. Além da gravação da entrevista e fotos de Adelaide, pudemos registrar também fotos e vídeos de apresentações realizadas pela família de Adelaide, que representam a cultura de seu povo, como a demonstração de luta dos guerreiros e as dança das mulheres e crianças. No dia seguinte, visitamos Helena Gonçalves em Limão Verde, no município de Amambai, Damiana Cavanha no Apyka’í, em Dourados e Clara Barbosa em Laranjeira Ñanderu, retomada próxima a Rio Brilhante. Em todas essas visitas fizemos fotos e vídeos das personagens e de seus familiares.


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A fim de obter mais informações sobre as personagens, entrevistamos alguns pesquisadores que já acompanham a temática indigenista há anos. A princípio, conversamos com Priscila Anzoategui, mestre em Antropologia. Sua dissertação de mestrado trata justamente das mulheres Guarani e Kaiowá e a retomada de território, fato que descobrimos já no desenvolvimento de nosso trabalho. A dissertação traz como fonte Helena Gonçalves e Clara Barbosa, duas das nossas personagens. Entrevistamos o professor da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Tiago Resende Botelho, advogado e indigenista, ele é amigo pessoal de Damiana, e pôde nos fornecer mais informações sobre ela e sobre a situação legal de Apyka’í. Depois, entrevistamos o antropólogo do Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul (MPF/MS), Marcos Homero Lima, sobre a situação da demarcação dos territórios: Apyka’í, Laranjeira Ñanderu e Mbarakay. Mesmo durante o período de entrevistas, foi possível transcrever e decupar todo o material recolhido de modo a ter conhecimento de tudo que havia sido captado e do que ainda seria necessário pesquisar. Encerradas as entrevistas, começamos a estruturar o roteiro. Desenvolvemos a reportagem em cinco capítulos, sendo um deles, o “Aty Kuña- Assembleia das Mulheres Guarani e Kaiowá”. Neste capítulo, usamos o evento como plano de fundo, para apresentar todas as mulheres que entrevistamos, a cerimônia serve para contextualizar o leitor na luta dessas indígenas. Nos demais capítulos da reportagem nos aprofundamos na história das personagens selecionadas. “Mbarete: Símbolo de luta e vulnerabilidade às margens da BR” fala sobre Damiana Cavanha, liderança de Apyka’í, assentamento indígena às margens da BR-463, no município de Dourados. Damiana e a família foram expulsos de suas terras ainda na década de 1980, já passaram por algumas reservas indígenas, porém desde 1999 tentam regressar ao seu tekoha. Para isso, vivem na beira da estrada, o mais próximo que podem chegar de seu território de origem. Desde então, o grupo passou por ataques de pistoleiros, queimadas, mortes por atropelamento e envenenamento. “Ñembo’e: Com o mbaraka em punho não há o que temer” traz relatos de Helena Gonçalves, liderança do tekoha Mbarakay, localizado em Iguatemi. Diferente de Damiana, Helena não mora nem ao menos próximo de seu território de origem. Após anos de luta, habita a reserva indígena Limão Verde, em Amambai, enquanto aguarda a demarcação de sua terra.


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“Ñombogueta: 55 anos, uma vida de espera pelo tekoha” conta a história de Adelaide Sanábria, do tekoha Tayassu-Ygua, em Douradina. Adelaide se difere das outras personagens porque habita em seu território. À espera da demarcação, ela nunca se viu obrigada a sair do lugar de onde nasceu. A situação, porém, não impede que seja ameaçada dia após dia, assim como Damiana e Helena. E por fim, “Arandu: Luta que se faz pelo estudo” é sobre Clara Barbosa. Ela luta pela demarcação de Laranjeira Ñanderu, localizada na Fazenda Santo Antônio da Boa Esperança, no município de Rio Brilhante. Antes da retomada, Clara e outras famílias ficaram por dois anos às margens da BR- 163. Ela luta pelo seu território de uma maneira diferente das outras mulheres representadas na reportagem: a partir do estudo. Clara é mestranda em Sociologia na Universidade Federal de Integração Latino- Americana (UNILA), em Foz do Iguaçu. Ela faz o curso pelo seu povo e pela sua família. Sua pesquisa é sobre a luta das mulheres indígenas, sem-terra e quilombolas na recuperação de seus territórios. Uma das pretensões de Clara a partir do estudo, é construir uma escola indígena em seu tekoha. Apesar das diferenças, essas mulheres carregam marcas muito similares, lutam incessantemente pelo seu território, todas elas sofreram ou sofrem ameaças de fazendeiros e já tiveram filhos, maridos ou irmãos mortos em nome do latifúndio. A narrativa relata e descreve as personagens e seus sentimentos. Nossa tentativa foi estruturar a narrativa de forma não linear para refletir a temporalidade indígena, observada nas entrevistas. Por isso, os capítulos são independentes entre si. A plataforma do longform proporcionou que utilizássemos recursos como o menu circular na página inicial e o desordenado no interior da reportagem e hiperlinks para desconstruir a hierarquização de uma história sobre a outra, sendo assim, até mesmo a estrutura do site favorece uma leitura não linear. Os áudios também tentaram transmitir a temporalidade indígena, nas técnicas jornalísticas aprendidas na universidade, alguns áudios podem ser considerados como longos, mas não quisemos interferir no ritmo de fala das entrevistadas. Os capítulos sobre Adelaide, Damiana, Clara e Helena foram construídos em forma de perfil, para que a história de luta dos Kaiowá seja contada por meio dos relatos das mulheres, em conjunto eles criam um panorama do drama vivido pelas indígenas. Realizamos a reportagem com o software Adobe Muse e estruturamos uma página de apresentação e uma página para cada capítulo. A separação da narrativa em partes é uma estratégia para que não haja uma barra de rolagem


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infinita e também para despertar o interesse do leitor a respeito das outras histórias. A paleta de cores foi inspirada nas pinturas corporais das Kaiowá. Produzimos o texto a partir das tipologias narrativa e descritiva, de modo a aproximar o leitor do contexto e das personagens apresentadas. O tamanho de cada capítulo tem cerca de duas mil palavras, o que se enquadra diretamente no conceito longform de Longhi (2014). De acordo com a autora, uma grande reportagem nesse formato tem entre dez e 20 mil palavras. Em meio a narrativa, inserimos vídeos e áudios em ícones que apresentam seu conteúdo quando clicados e têm função complementar à reportagem. Os vídeos não foram inseridos no meio dos textos para não interromper a narrativa, fica a critério do leitor vê-los ou não. Algumas fotos foram cedidas pelo Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul (MPF/MS) e pela simpatizante da causa das mulheres Kaiowá, Nathaly Munarini. Estas fotos têm a função de enriquecer a reportagem e dar maior contextualização para os acontecimentos descritos. Buscamos também explorar recursos de hiperlinks para conteúdos externos ao texto e para outros capítulos da reportagem, como tentativa de proporcionar uma leitura não linear dentro da plataforma. Na página de apresentação e nos menus, as telas aparecem com o nome das mulheres de forma a dar protagonismo a elas, mas os títulos de cada capítulo são interpretações da personalidade dessas mulheres. Damiana representa a resistência (Mbarete), Helena a reza (Ñembo’e), Clara o conhecimento (Arandu) e Adelaide a estratégia (Ñombogueta). Os termos foram traduzidos no guarani indígena, como uma forma de reverenciar a língua dos Kaiowá. A foto de cada capítulo também tentou expressar a essência de cada mulher. Damiana como uma mulher muito sofrida, Helena como mulher alegre, Clara como uma mulher calma e Adelaide como pensativa. O menu na tela principal é apresentado de forma circular para que a escolha de qual capítulo será lido seja inteiramente do leitor. Nos outros capítulos o menu é apresentado de forma vertical, mas desordenado, cada página apresenta uma ordem diferente, justamente para dar a ideia de rotatividade e não linearidade.

1.2 Dificuldades Encontradas


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A primeira dificuldade encontrada foi ainda no levantamento bibliográfico. A falta de materiais para estudo sobre o papel da mulher nas sociedades Kaiowá serviu como um obstáculo no início do desenvolvimento do trabalho. Apesar de muitos artigos e teses sobre o tema da violência contra os Guarani e Kaiowá, são poucos os trabalhos que abordam a resistência das mulheres e a luta pelo tekoha. Outra dificuldade foi a distância em que esses tekoha se encontram. Foi difícil contatar as mulheres por telefone, algumas delas não têm celular ou quando têm, o sinal atrapalha a comunicação. Tivemos também dificuldades em encontrar algumas casas. Além disso, os gastos de deslocamento para as comunidades exigiram um planejamento financeiro e se mostraram acima do que o planejado. Quanto à aproximação com as fontes, não houve empecilhos, porém o perigo dos locais aos quais visitamos esteve sempre presente. Diversas vezes fomos orientadas a tomar cuidado e a evitar certos locais por conta da violência dos ruralistas. A situação é bastante visível no local em que Damiana mora. Quando a visitamos pela primeira vez, ela nos perguntou se gostaríamos de visitar o cemitério de seus parentes. Apesar de importante para a narrativa, fomos orientadas a não aceitar o convite, devido aos seguranças da fazenda vizinha. Já na visita à Aty Kuña, também fomos avisadas de que o local do evento não seria seguro para pernoitar, portanto tivemos que retornar à cidade antes do entardecer. Outra dificuldade encontrada foi o cruzamento de informações sobre as histórias das mulheres, pois elas não têm uma narrativa linear e os dados oficiais são difíceis de ser encontrados ou não são completamente fiéis às histórias que elas contam. Problemas técnicos se deram por causa do software Adobe Muse que muitas vezes apresenta erros ao exportar as páginas. Nem sempre o que é executado na plataforma aparece de maneira fiel na página da web.


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1.3 Objetivos Alcançados Todos os objetivos foram alcançados, sendo eles: Realizar pesquisa bibliográfica sobre o formato longform e sua utilização no Jornalismo; sobre os Guarani Kaiowá e o histórico de violência vivido por esta etnia; e sobre o papel da mulher nas retomadas territoriais indígenas. Entrevistar e consultar especialistas sobre a luta das mulheres Kaiowá pelo território. Entrevistar e acompanhar mulheres Guarani Kaiowá que lutam para retomar seu tekoha e entender seu papel como liderança, além de compreender a relação entre elas e a terra. Registrar através de fotografias e vídeos as comunidades e a situação em que vivem essas mulheres. Esboçar um desenho da narrativa e elaborar um protótipo, de modo a visualizar como seriam estruturados os capítulos. Escrever os acontecimentos da Aty Kuña e a história das quatro mulheres, a fim de retratar as vulnerabilidades que estão sujeitas. Desenvolver a narrativa longform no software Adobe Muse, com a utilização de fotos, vídeos, áudios e mapas para contextualizar a realidade dessas mulheres. Finalizar o relatório de projeto experimental. Publicar a reportagem na plataforma Business Catalyst da Adobe.


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2. SUPORTES TEÓRICOS ADOTADOS 2.1 Mulheres Kaiowá e a luta pelo território Para os indígenas da etnia Guarani Kaiowá, o seu tekoha significa mais do que apenas um território. Em guarani, a palavra “tekoha” quer dizer “o lugar onde somos o que somos”. Pereira (2016) define o tekoha como “o lugar (território), no qual uma comunidade Kaiowá (grupo social composto por certo número de parentelas relacionadas) vive de acordo com sua organização social e seu sistema cultural (cultura)” (PEREIRA, 2016, p. 41). Entender a relação desses povos com seu lugar de origem é essencial para compreender o histórico de luta dos Guarani Kaiowá pela sua terra, apesar de toda a violência sofrida. Para Chamorro (2008) apud Cavalcante (2013), ao se realizar a identificação e delimitação de uma terra indígena é necessário avaliar a relevância do território para cultura, religião e organização social dos Kaiowá, não apenas fatores como reprodução econômica e habitação do povo.

Não se pode, pois, falar da terra Guarani como um dado fixo e imutável; ela nasce, vive e morre como os próprios indígenas, que nela entram, a ocupam e a trabalham. A terra origina ciclos que não são simplesmente econômicos, mas sócio-políticos e religiosos. (CHAMORRO, 2008, p. 42 apud CAVALCANTE, 2013, p. 61)

O estado de Mato Grosso do Sul apresenta uma significativa população indígena, a segunda maior do país, estimada em 73.295 mil pessoas (IBGE, 2010). Destes, os Guarani Kaiowá são os mais representativos com mais de 30 mil habitantes, segundo o Instituto Socioambiental. Apesar de serem em grande número, a população dessa etnia não ocupa grandes espaços de terra, como afirma Vieira (2016, p. 60).

No estado, os Kaiowá e os Guarani encontram-se distribuídos em oito reservas e outras áreas retomadas a partir dos anos 1980, totalizando 22 terras indígenas. Desse grupo merece destaque, na região do Mato Grosso do Sul as Terras Indígenas de Dourados, Amambai e Caarapó que juntas atingem a maior densidade demográfica por hectares.

Para Cavalcante (2013), o Brasil possui uma legislação indigenista bastante avançada, mas ainda hoje os indígenas enfrentam dificuldades para a


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efetivação de seus direitos territoriais. Segundo o autor, os poderes constituídos no Brasil têm dominância da ideologia ruralista e isso impede que os Guarani e Kaiowá tenham seus direitos territoriais respeitados. Ainda para Cavalcante, o território tradicional dos Guarani Kaiowá era bastante amplo, porém com o avanço das frentes colonizadoras entre as décadas de 1940 e 1990, a maioria das famílias Guarani e Kaiowá foi expulsa de suas terras de ocupação tradicional, sendo obrigada a viver nas superpopulosas reservas indígenas ou em outros precários assentamentos genericamente denominados acampamentos. Atualmente, os Guarani Kaiowá são grupos que habitam pequenas frações de seu território tradicional, localizado no sul de Mato Grosso do Sul. Seraguza (2013) afirma que as mulheres indígenas têm participação importante na retomada das terras Kaiowá, pois elas são responsáveis pela manutenção do fogo doméstico e a ele está associado o poder de unir e alimentar os membros da família.

A participação das mulheres indígenas na luta pela demarcação nas terras indígenas em Mato Grosso do Sul, onde o conflito agrário se estende, intensivamente, desde o início do século passado, com a chegada das frentes de expansão agropastoril, é notório no movimento indígena Kaiowá e Guarani. A perda do território incide no cotidiano destas mulheres, na produção de alimentos, do corpo e na manutenção do “fogo doméstico”, gestado pela mulher. (SERAGUZA, 2013, p. 73)

O cenário em que essas mulheres indígenas estão inseridas é de miséria e invisibilidade social. De acordo com Souza e Ferreira (2016), hoje os Guarani Kaiowá são mais conhecidos pela luta que têm empreendido bravamente com fazendeiros e com o governo estadual pela demarcação de suas terras. São também conhecidos

pelas

evidências

manifestas

na

situação

de

miséria

que

a

desterritorialização de povos de essência rural acarreta, ou seja, desnutrição das crianças, marginalidade e revolta. Para Vieira (2016), em Mato Grosso do Sul os Kaiowá e os Guarani, também denominados Ñandeva, encontram-se distribuídos em oito reservas históricas e áreas retomadas a partir dos anos 1980, totalizando 22 terras indígenas. Segundo Cavalcante (2013), as oito reservas foram criadas pelo Serviço de Proteção ao Índio, entre os anos de 1915 e 1928, e são elas: Amambai, Dourados, Caarapó, Porto Lindo, Taquaperi, Sassoró, Limão Verde e Pirajuí. A aldeia é um


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espaço para a continuidade do modo de ser da comunidade indígena, mas, atualmente não oferece as condições necessárias para a reprodução das relações sociais Kaiowá e essas desorganizações internas devem-se à ocupação do território indígena pelos colonizadores. Para Vieira (2016), a problemática vai além das dificuldades internas, muitos dos Kaiowá enfrentam a violência até hoje.

Nos últimos anos temos constatado o aumento da violência física e simbólica ao redor da posse da terra, entre indígenas e proprietários rurais, inclusive com morte dos primeiros como ocorreu em 2015 e recentemente em 2016, na retomada Yvu, no município de Caarapó. (...) Nesses últimos anos, os proprietários rurais, conforme informações veiculadas pela imprensa regional, têm radicalizado suas posições, inclusive com a realização de leilões para a instalação de grupos armados, com o argumento de que seriam para a defesa de seus direitos, tendo em vista a ausência do Estado. Por outro lado, também o movimento indígena, cansado de esperar soluções viáveis, aumentaram as atividades de retomadas de seus territórios tradicionais, aumentando ainda mais os conflitos na região do sul do Mato Grosso do Sul. (VIEIRA, 2016, p. 62)

A retomada do território Yvu, citada pelo autor, foi veiculada não só na imprensa regional, como na mídia nacional. O conflito na região é um exemplo de como se dão as relações entre proprietários rurais e os indígenas no estado. A matéria publicada no jornal online El País Brasil, “Foi uma guerra, um massacre”, relata a violência sofrida pelos indígenas ao tentar reaver seu território tradicional, através da ocupação de cinco fazendas, quando um jovem Guarani Kaiowá foi morto. Os conflitos de terra entre indígenas e fazendeiros são uma realidade em Mato Grosso do Sul e a atuação das mulheres na retomada pelo território não pode ser ignorada. Damiana Cavanha, uma das personagens da nossa narrativa, é um exemplo da representação feminina nas retomadas. Em matéria publicada no webjornal local Campo Grande News, “Sob ameaça de despejo, símbolo da resistência é Damiana e seus 70 anos”, ela é citada como um símbolo da resistência indígena, ao persistir em Apyka’í, terra indígena localizada em Dourados, em terra arrendada para a usina São Fernando.

Cacique, filha de líder indígena e rezador, Damiana Cavanha é miúda em tamanho, mas firme nas palavras e na postura que adota. Tem força no sangue vermelho e nos olhos, o brilho de quem já chorou a morte do pai, do marido, de um filho e um neto, além da tia,


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vítima da primeira retomada. São 25 anos morando ali, ora na terra, ora beirando a rodovia. Os últimos quatro, dentro do "tekohá" (terra onde se é), da tradução do guarani. 1

Damiana também é uma das protagonistas do documentário “Martírio”, de Vincent Carrelli, que retrata a luta dos Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul e cujo financiamento contou com cerca de 85 mil reais doados por mais de mil pessoas via crowdfunding, contribuição financeira colaborativa geralmente realizada via internet. A vida à beira da estrada foi o que restou para que Damiana e sua família pudessem ficar o mais próximo possível do tekoha. Aline Lutti (2009) descreve este tipo de acampamento como “corredor”, no qual os indígenas se posicionam entre as cercas das fazendas e a rodovia, configurando uma modalidade de assentamento temporário, como estratégia para uma futura ocupação. Tanto os acampamentos e ocupações são estratégias de reaproximação dos antigos tekoha. Por isso o local escolhido, mesmo que seja entre as margens das estradas e as cercas das fazendas, são áreas que o grupo identifica como sendo parte do antigo tekoha ocupado por seus antepassados. Assim, no acampamento em margens de estradas, para se reaproximarem do tekoha eles se organizam em um território de fronteira entre a estrada, espaço público, e a fazenda, espaço privado onde situa-se os antigos sítios de ocupação tradicional. Neste território de transição entre o público e o privado, entre as cercas das fazendas e a estrada, os indígenas conseguem permanecer próximos ao tekoha reivindicado, fortalecendo o vínculo com o território e exercendo sobre ele uma espécie de domínio sem confrontar diretamente o proprietário da fazenda. (LUTTI, 2009, p. 45)

Ainda segundo a autora, o Apyka’í se difere por ser uma comunidade com poucas famílias e composta majoritariamente por mulheres e crianças. Isso se deve ao fato de Damiana ter perdido quase todos os homens da família por atropelamento, a maioria entre os anos 2009 e 2013. Além disso, também morreu a tia de Damiana, por envenenamento, ao consumir água contaminada por agrotóxicos. Deste modo, Damiana, que havia perdido o marido atropelado em 2004, perdeu o filho Sidnei Cario de Souza, de 26 anos, no dia 28 de junho de 2011. Ele foi atropelado por um ônibus próximo ao trevo que dá acesso ao município de Laguna Carapã. Segundo os moradores do Apyka’y o ônibus era de transporte de trabalhadores 1

Disponível em: <https://www.campograndenews.com.br/lado-b/comportamento-23-08-2011-08/sobameaca-de-despejo-simbolo-da-resistencia-e-damiana-e-seus-70-anos>. Acesso em: 11 maio 2017.


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da usina de cana e o motorista não parou para prestar socorro. Depois de Sidnei morreu Valdicrei Marta Sanabri, com 18 anos, no dia 30 de novembro de 2011. Cerca de um semestre após a morte de Valdicrei, no dia 16 de junho de 2012, morreu atropelado Aginaldo Cário de Souza, de 19 anos, neto de Dona Damiana. No dia 26 de junho de 2012, apenas dez dias após a morte de Aginaldo, faleceu Magno Freitas dos Santos. Ele tinha cerca de 16 anos e também foi atropelado na BR 463. No dia 22 de março de 2013 morreu atropelado Gabriel Lopes Cavalheiro, neto de Damiana, de apenas quatro anos. Após o atropelamento o motorista fugiu sem prestar socorro e até hoje não foi identificado. Em 2014 ocorreram mais duas mortes por atropelamento, de Adeci Lopes, 17 anos, atropelada no dia 08 de fevereiro de 2014 e de Ramão Araújo, 64 anos, atropelado no dia 14 de março de 2014. (CRESPE, 2015, p. 258)

Damiana não é a única mulher indígena que enfrenta a truculência dos fazendeiros e o descaso do Estado em defesa de seu território. Anzoategui (2017) afirma que a mulher se destina a cuidar da família, organizar a parentela, educar os filhos, alimentá-los e é ela quem fica no tekoha enquanto os homens trabalham fora. Por este motivo, são as mulheres quem enfrentam os momentos mais difíceis.

Numa conjuntura atual, podemos dizer que é ela quem enfrenta também os ataques das milícias armadas, a fome, as ordens judiciais de reintegração de posse, as violências do dia-a-dia, sem o mínimo de acesso a direitos fundamentais, como saúde, educação e dignidade humana. Sem contar com a violência doméstica, bem como a violência de gênero (estupros, lesões corporais por parte dos pistoleiros, feminicídios) que podem vir a sofrer, cujas pesquisas ainda são incipientes. (ANZOATEGUI, 2017, p. 106)

Assim como Damiana, Clara Barbosa também está na liderança. Ela luta pela demarcação de Laranjeira Ñanderu, acampamento localizado no município de Rio Brilhante. Clara, que era professora em Jaguapiru, reserva de Dourados, nos relatou nas entrevistas que realizamos para o projeto experimental, que foi motivada a deixar a vida estável e assumir a luta pelo seu território depois que seu irmão Zézinho, que era a liderança do acampamento, foi atropelado. Antes da retomada, Clara e outras famílias ficaram por dois anos às margens da BR-163 em situação de vulnerabilidade e sofrendo ameaças. Hoje ela e cerca de 150 Guarani Kaiowá moram em seu território, no meio de uma área de proteção ambiental, na fazenda Santo Antônio da Boa Esperança. Priscila Anzoategui (2017) ressalta que embora a área já esteja retomada, ainda há um longo processo para a demarcação, pois “o


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estudo de identificação e delimitação da terra indígena foi autorizado em 2013, porém, o relatório ainda não foi publicado” (ANZOATEGUI, 2017, p. 72). Atualmente, Clara não mora somente em Laranjeira Ñanderu, ela é mestranda em Sociologia pela Universidade Federal de Integração LatinoAmericana, em Foz do Iguaçu. De acordo com Priscila Anzoategui (2017), não é fácil para Clara ver o que acontece com o seu povo a quilômetros de distância, mas a luta pelo tekoha a partir do estudo é o que motiva ela a continuar na universidade. Sofre por não estar presente corporalmente. Mas essa dor é o que a encoraja a continuar estudando, porque tem consciência que essa vivência acadêmica com os karaí servirá para realizar o sonho do seu finado irmão Zézinho: construir uma escola indígena no tekoha, transformando-o em tekoharã. E então a experimentando com sentidos outros que não sob a tutela do nosso famigerado sistema escolar. (ANZOATEGUI, 2017, p. 140)

Helena Gonçalves é outra mulher que já sofreu ameaças e violência por defender seu tekoha, o Mbarakay, e ela é a protagonista do capítulo “Ñembo’e: Com o mbaraka em punho não há o que temer”. Há dois anos, ela e um pequeno grupo de pessoas decidiram retornar ao seu tekoha, não para fazer uma nova retomada, a intenção era simplesmente fazer uma reza. Segundo relatos de Anzoategui (2017), o grupo posteriormente foi atacado por pistoleiros. (...) primeiro foram surpreendidos com tiros de revólver, saíram correndo pela mata, quando sofreram uma emboscada e foram pegos, golpeados com coronhas de armas e agredidos com socos e pontapés. Uma jovem teve seu cabelo cortado, alguns idosos tiveram seus tornozelos quebrados, devido às coronhadas. Dona Helena também sofreu lesões embaixo do pescoço, perto dos seios, tendo seu neto sido atingido na cabeça. Ela fez o exame de corpo delito, prestou depoimento, mas não tem notícias da investigação do MPF, não sabendo sequer se alguém foi indiciado. (ANZOATEGUI, 2017, p. 50)

Atualmente, ela vive na aldeia Limão Verde, em Amambai, junto com outros indígenas que também foram desalojados de seu território de origem. A convivência entre os moradores da Limão Verde não é pacífica. Aline Crespe (2015) afirma que os conflitos se devem às disputas para ocupar o cargo de capitão da aldeia. Logo, a reserva não é um lugar confortável para os indígenas e a vontade de voltar para o tekoha está sempre presente.


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Assim, para alguns índios, a aldeia é um lugar ruim porque tem conflitos, disputas de lideranças, disputas por recursos, falta de espaço, falta de comida, muita fofoca, fuxico, no tekoha tudo isso deve ser diferente. Assim, os dois lugares, a aldeia e o tekoha são dois espaços que se opõem na narrativa das pessoas que estão lutando para voltar ao território. (CRESPE, 2015, p. 289)

Para uma rezadeira como Helena, morar na Limão Verde é angustiante, pois não há ao menos espaço para suas plantas medicinais. Por não se adaptarem, Helena e sua família já se mudaram diversas vezes, muitas delas como uma tentativa para retomar o Mbarakay. Dona Helena me contou que a primeira reocupação de sua terra tradicional que participou foi em 2003. Depois foi forçada a sair porque teve “despejo” (não me especificando se devido à ordem judicial e/ou expulsão por agentes externos). Voltou para Limão Verde, depois se mudou para Yvy Katu (retomada em Iguatemi/MS, ao lado da reserva Porto Lindo). Nessa houve despejo, motivo pelo qual foi para Jaguapiré (Tacuru/MS). Depois voltou para Pyelito Kue/Mbarakay onde permaneceu por dois anos. Devido ao ataque de pistoleiros, as lideranças da Aty Guasu, Otoniel, Tonico e Elizeu, acharam melhor Dona Helena morar na reserva Limão Verde em Amambai, onde está até hoje. (ANZOATEGUI, 2017, p. 49)

Viver na reserva, para os Kaiowá, não é considerado como algo bom, a reserva é o lugar da doença, da desnutrição, da violência, da não liberdade e do sufocamento. Crespe (2015) afirma que, para eles, é necessário produzir um mundo novo, mas um mundo novo inspirado nos velhos modos de vida. Surge então, a importância do termo tekoharã. Segundo a autora, tekoharã aponta para o futuro de um tekoha que deve renascer, é um mecanismo para reverter a situação histórica das remoções forçadas para as reservas. Tekoharã é o tekoha que vai nascer de novo. No tekoha também viviam os seres espirituais que foram expulsos na medida em que o sul de Mato Grosso do Sul foi gradativamente desmatado. O processo de desmatamento tirou os índios dos lugares onde estavam, espantou e destruiu espécies vegetais e espantou os seres sagrados que tiveram que subir para o céu. No tekoharã os seres espirituais precisam ser convidados a retornar, os jára das plantas, os jára dos bichos precisam voltar para que as plantas voltem a nascer no tekoha e os bichos também retornem para viver nas matas. (CRESPE, 2015, p. 374)


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Com o conceito de tekoharã podemos entender a temporalidade dos Kaiowá. A ideia de que o tekoha deve nascer de novo e de que no futuro, tudo será como antes remete a uma lógica de tempo cíclica, diferente da nossa, capitalista e ocidental. De acordo com Martín-Barbero (2003), o tempo cíclico tem como eixo a festa, não como uma oposição à cotidianidade, mas aquilo que renova seu sentido, “como se a cotidianidade o desgastasse e periodicamente a festa viesse a recarregá-lo novamente no sentido de pertencimento à comunidade” (MARTÍNBARBERO, 2003, p. 142). Para os Kaiowá, o tekoharã é a festa, um acontecimento que trará toda a paz de volta. Apesar de toda a violência sofrida, por eles e pela terra, o tekoha deve renascer e tudo voltará a ser como era antes. Para o autor, nosso tempo é diferente, é linear - introduzido pela invenção do relógio. O tempo linear é uma característica do mundo ocidental, regido pela produção e trabalho enquanto tempo irreversível e homogêneo. Abstrato, o tempo da produção desvaloriza socialmente o tempo dos sujeitos – individuais ou coletivos – e constitui um tempo único e homogêneo – o dos objetivos – fragmentável mecanicamente, tempo puro. E irreversível, pois se produz como “tempo geral da sociedade” e da história, uma história cujo segredo está na dinâmica da acumulação indefinida e cuja razão suprime toda alteridade ou a torna anacrônica. (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 144)

Segundo Jesús Martín-Barbero (2003), com o tempo linear, também ocorre uma mudança nos modos de transmissão do saber. O que antes se aprendia pela imitação de gestos e através de iniciações rituais, como acontece nas culturas indígenas, passa a se tornar uma educação desvalorizada, significando o atrasado e o vulgar. Assim, hoje os indígenas são vistos como retrógrados e até preguiçosos, porque o tempo e a educação são diferentes. Dessa forma tentamos não impor nossa cultura ocidental sobre a cultura dos indígenas na reportagem do projeto experimental. Respeitamos o tempo cíclico e sem hierarquia das pessoas da etnia e o refletimos nos menus e na forma como a narrativa foi estruturada. Além disso, preservamos a língua guarani nos títulos A própria plataforma e as características do webjornalismo- que serão discutidas no item a seguir- possibilitaram a construção de um conteúdo não linear. O conceito de tekoharã está muito associado às lideranças. Percebemos que, geralmente, são homens ou mulheres idosas que estão à frente de sua


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comunidade. Segundo Aline Crespe (2015), isso se deve porque a volta para o território de origem depende de que alguém detenha o saber de um tempo passado, que será revivido, daí vêm a importância dos rezadores e idosos. Ainda segundo a autora, a espiritualidade e a terra estão interligados e nos ajudam a entender porque estas famílias lutam tanto e por tanto tempo. Os indígenas querem permanecer no tekoha porque dele são feitos, sua cor é a mesma e precisam comer apenas o que ele produz. Para os Kaiowá, a reza foi uma escolha feita no tempo antigo enquanto os brancos optaram pelas armas e pelo dinheiro. Assim, o branco tem dinheiro e poder, mas não tem a reza. Por esta razão, o futuro não pode estar do lado deles. A crença de muitos Kaiowá e Guarani no futuro é um elemento importante para compreendermos a persistência de muitas famílias que permanecem lutando após incontáveis perdas, como é o caso do grupo de Dona Damiana. (CRESPE, 2015, p. 387)

Quanto à questão de gênero, as mulheres Kaiowá na liderança, geralmente são idosas e acompanhadas de seus maridos. Para Priscila Anzoategui (2017), os papéis de gênero são complementares, porém isso não quer dizer que não há hierarquia nas comunidades indígenas. A existência de uma relação de hierarquia nas aldeias “não quer dizer que esse papel do mburuvicha [rezador] se sobrepõe ao papel do tendotá, ou seja, das mulheres que puxaram a fila para realizar a retomada” (ANZOATEGUI, 2017, p. 141). Priscila Anzoategui (2017) explica que os homens tiveram seu papel público/político inflado e por isso a organização das mulheres indígenas ainda caminha a passos lentos, diferente de outros movimentos de mulheres, mas isso não quer dizer que elas não estejam se organizando. Para a autora, o sentido de ser mulher Kaiowá é a luta. “Lutar pelo seu tekoha, pela demarcação do seu território, esperando anos e anos embaixo de uma lona, alimentando a parentela do jeito que é possível, não faz dessas mulheres vítimas, elas são agentes de sua própria história” (ANZOATEGUI, 2017, p. 139). Apesar do protagonismo das mulheres no papel político ainda ser tímida, a Aty Kuña Guasu mostra que as mulheres indígenas têm se organizado. Aty Kuña Guasu é uma assembleia de mulheres Guarani e Kaiowá, em que se discute assuntos presentes nas vidas das aldeias, como a educação e saúde precárias, sustentabilidade, segurança e a incerteza quanto à demarcação de terras. Demandas que se referem somente às mulheres também são discutidas na Aty


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Kuña, como a violência doméstica. Essa reunião de mulheres é a oportunidade que elas têm de se expressar publicamente. Diferente da Aty Guasu, assembleia dos homens, ali, todos podem discursar, tanto homens quanto mulheres. O evento já ocorreu seis vezes, sendo a última realizada no território Kususu Amba II, em Coronel Sapucaia, entre os dias 18 e 22 de setembro de 2017. Nós participamos desta edição da assembleia e compusemos para a reportagem do projeto experimental o capítulo “Aty Kuña- Assembleia das Mulheres Guarani e Kaiowá”. O evento que começou em 2006, em Ñanderu Marangatu, após o despejo de 2005, ficou sem ser realizado até o ano de 2012. Alguns dos motivos pela não sequencialidade na realização do evento foram a falta de recursos financeiros, pouco interesse das entidades indigenistas tradicionais e o fato de que algumas mulheres já se sentiam representadas pela Aty Guasu. Seraguza (2015) conta como a ideia de realizar a Aty Kuña surgiu após anos parada. Segundo ela, a iniciativa ocorreu em 2011, quando uma liderança tomou o microfone de seu marido na Aty Guasu de Arroyo Kora e sugeriu a todas as mulheres presentes que fizessem um movimento só delas. Eis que uma delas sugeriu a retomada da Aty Kuña, parada desde 2006 quando ocorreu em Ñanderu Marangatu, se dirigiram em grupo até o microfone e anunciaram a decisão: que uma nova Aty Kuña aconteceria naquele mesmo ano. E assim o foi. Se organizaram em um Conselho de Mulheres, rezadoras, professoras, agentes de saúde, parteiras, artesãs e demais lideranças de diversas áreas Kaiowá e Guarani e assumiram a reestruturação da Aty Kuña (SERAGUZA, 2015, p. 11)

Segundo Priscila Anzoategui (2017), mesmo com a ausência das realizações da Aty Kuña, as mulheres continuaram participando das decisões políticas nos espaços que ocupam. Para a autora, a reunião das mulheres não foi criada com o intuito de sobrepor as decisões tomadas pelos homens na Aty Guasu, mas sim como uma forma de complementaridade para o movimento. Portanto, quando as mulheres Guarani e Kaiowá resolvem articular uma assembleia só delas, mas com a participação de todos, inclusive de seus maridos, destina-se a complementar o movimento indígena geral, como a Aty Guasu. Não existe uma disputa de querer se sobrepor às decisões dos homens (que estão inseridos em maioria no Conselho da Aty Guasu), as decisões do Conselho da Aty Kuña se propõe a “garantir a perspectiva da mulher sobre os problemas coletivos da comunidade. (ANZOATEGUI, 2017, p. 131)


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A Aty Kuña reforça a importância de tratar da luta pelo território na ótica das mulheres. Além de serem aquelas que cuidam do território enquanto os homens saem para trabalhar, elas estão cada vez mais se organizando politicamente em busca de seus direitos como mulheres e como indígenas. 2.2 Narrativa longform O produto escolhido para este projeto experimental foi a narrativa longform. Este formato explora o espaço ilimitado da web e permite utilizar diferentes formatos jornalísticos como os vídeos, áudios, textos, fotografias, infográficos e mapas, para que o leitor seja inserido na narrativa. É interessante ressaltar, que todos estes potenciais do ambiente virtual para a construção de uma reportagem mais rica só são integrados ao jornalismo contemporâneo graças à evolução e ao próprio funcionamento da internet. Na produção jornalística, dentre as características mais inovadoras do século XXI, estão os conteúdos jornalísticos e audiovisuais online, eles emergem com design e estruturas diferentes e renovam a forma como as notícias são apresentadas no ambiente virtual. Segundo Santana (2008) apud Winques (2016), é com o advento dessa nova estruturação do conteúdo e dos novos recursos que podem ser explorados, que possibilidades de transformar a construção de uma reportagem começam a surgir e ser utilizadas.

A grande reportagem que os leitores estavam acostumados a consumir no jornal impresso está revelando sua presença no ambiente online. Santana (2008) afirma que os gêneros jornalísticos encontram na web um conjunto de recursos expressivos que podem modificá-los, enriquecê-los e até mesmo, transformá-los. (WINQUES, 2016, p.23)

O ambiente do jornalismo digital, habituado aos formatos de notícia fragmentados, facilitados pelas possibilidades do uso de links da linguagem hipertextual e hipermidiática, há alguns anos vem sendo ocupado por textos jornalísticos mais longos e aprofundados, o longform. O termo já era utilizado para definir o tratamento mais longo e aprofundado de um tema e foi revisitado. O longform é definido como um ramo do jornalismo dedicado a artigos longos com muito conteúdo, seu tamanho pode situar-se entre o de um artigo comum e um


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romance. Longhi (2014), caracteriza como longform matérias com mais de quatro mil palavras e grandes reportagens contendo de dez a 20 mil palavras. De acordo com Canavilhas (2014), a narrativa longform traz vantagens, na medida que antes o jornalista preocupava-se com a seleção da informação, já com o surgimento de novas narrativas para a web, não há limite de espaço. Para o autor, o segredo da história está na qualidade e em saber identificar como usar as diversas plataformas de mídia. “O sucesso do webjornalismo depende da qualidade dos conteúdos, sendo obrigatório que estes tirem o máximo partido das diversas caraterísticas do meio” (CANAVILHAS, 2014, p. 22). As características do webjornalismo oferecem diversas opções a serem exploradas em uma reportagem longform. Canavilhas (2014) cita sete delas: hipertextualidade,

multimedialidade,

interatividade,

memória,

instantaneidade,

personalização e ubiquidade. Destas características, as que exploramos com mais profundidade foram a multimedialidade e a hipertextualidade. A multimedialidade nos permite explorar a fotografia, o vídeo, o áudio e os infográficos sem limites de espaço. Diferente do jornalismo tradicional, o webjornalismo é liberto de limitações espaciais, “as publicações da internet não têm fronteiras para a fotografia, seja em termos de número, dimensão ou formato” (SALAVERRÍA, 2014, p. 34). Para Salaverría (2014), é necessário que os elementos multimídias estejam interligados, de modo que a informação seja atrativa e inteligível. Para o autor, “os “ingredientes multimédia” devem estar interligados no sentido de evitar a competição entre eles e de, por outro lado, oferecer um resultado positivo e coordenado” (SALAVERRÍA, 2014, p. 40). Segundo Salaverría (2014), o uso da hipermídia como linguagem serve como renovação dos gêneros tradicionais, devido ao surgimento de formatos jornalísticos específicos para a web, como os especiais multimídia, a infografia interativa e o audioslideshow. “Assim, o webjornalismo audiovisual, ainda que não seja a forma mais habitual e predominante de consumir notícias, representa o que de mais interessante e inovador é produzido nos webjornais” (SALAVERRÍA, 2014, p. 148). A hipertextualidade favorece contar a narrativa de forma não linear- como a cultura indígena-, pois torna possível abandonar a pirâmide invertida, usada por muito tempo na construção do conteúdo jornalístico analógico. Segundo Canavilhas (2014), o hipertexto é “um conjunto de palavras ou frases organizadas segundo um


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conjunto de regras preestabelecidas, o texto transforma-se numa tessitura informativa formada por um conjunto de blocos informativos ligados através de hiperligações (links), ou seja, num hipertexto” (CANAVILHAS, 2014, p. 4). Na web não há limitações espaciais para a informação e o jornalista não possui a necessidade de cortar trechos, podendo manter tudo aquilo que considera essencial para o leitor. Canavilhas (2014) propõe o modelo da pirâmide deitada, que permite que a narrativa seja organizada por níveis de informação ligados por hiperligações. O modelo possibilita ao leitor “seguir diferentes percursos de leitura que respondam ao seu interesse particular. O modelo mantém uma hierarquização de importância, oferecendo simultaneamente um relativo grau de liberdade ao leitor” (CANAVILHAS, 2014, p. 13). Longhi e Winques (2015) ressaltam que o jornalismo longform institui uma narrativa com dois padrões de leitura: o horizontal e o vertical. Considera-se vertical a narrativa em que a leitura se dá pela barra de rolagem e horizontal quando a leitura pode ser feita por capítulos, geralmente organizada em mais de uma página. A narrativa verticalizada pode sugerir, a princípio, menos “interação” com o conteúdo, uma vez que apresenta-se com a opção de rolagem pelo scrolling da página, em maior medida do que por menu de opções. Assim mesmo, entendemos que outros recursos, como elementos multimídia constantes desses produtos, que requerem ações de clique do usuário, como slideshows, vídeos e newsgames, denotam possibilidades de interação. (LONGHI; WINQUES, 2015, p. 15)

O formato escolhido permite descrever com muitos detalhes os ambientes e as pessoas entrevistadas, não só por meio da escrita, mas utilizando também os recursos de vídeo e áudio. Assim como Longhi e Winques (2015) afirmam, utilizamos a narrativa horizontal, permitindo que o leitor defina seu próprio fluxo de leitura como uma forma de interação, já que por sua vez, este tipo de leitura obriga o leitor a ler o conteúdo a partir de diversos níveis e unidades de informação, que são acessadas através dos hiperlinks. Essa forma de navegação e interação com o conteúdo conduz o leitor à níveis de profundidade variados. O texto longo e aprofundado, indispensável em narrativas longform, o qual trabalhamos em nossa reportagem, necessita de um leitor disposto a dedicar uma parte de seu tempo para a leitura do conteúdo, além de sugerir uma leitura mais oportuna para o usuário.


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Nesse sentido, fizemos uso dos recursos estilísticos das grandes reportagens e nos aprofundamos nas suas diferentes tipologias, conforme Coimbra (1993). As mulheres e suas histórias são as vozes principais da reportagem, escrita a partir do narrador testemunha – 1º pessoa –, em que a personagem do narrador é secundária e testemunha os fatos da periferia dos acontecimentos, a partir das informações que viu, ouviu e colheu. Além do uso do modo dramático – 3º pessoa-, responsável por informar o que os personagens falam e fazem (COIMBRA, 1993). O texto neste caso, é composto por uma sucessão de cenas. Usamos o plano de tempo físico - que é o tempo da natureza, em que o presente é percebido a partir do passado e do futuro, sem a preocupação com a cronologia do relógio-, e retardações através de evocações de momentos anteriores, projeções do mundo interior das personagens e micronarrativas, com o intuito de aprofundar na vida e nos relatos dessas mulheres Guarani Kaiowá a partir de suas lembranças, pensamentos, angústias e dos fatos mais marcantes de suas trajetórias, considerando também que seus relatos durante as entrevistas não atendiam uma lógica cronológica ou exata, como pregam as técnicas jornalísticas convencionais. A ambientação franca também foi utilizada, a partir da introdução da descrição do ambiente pelo narrador. As personagens que só existem dentro das palavras, foram representadas, conforme classificação de Coimbra (1993) como anáforas – que só são compreendidas dentro do texto - e redondas, com sua complexidade, traumas e obsessões. Além da tipologia narrativa, a reportagem também se atenta aos elementos descritivos, responsáveis pelo detalhamento dos fatos – que causa o “efeito de real” -, com o objetivo de atribuir traços da esfera psicológica e física das personagens, suas qualidades e características, e dos ambientes que integram a história. Os capítulos focados nas mulheres Guarani Kaiowá trazem perfis de cada uma delas, com o intuito de retratar a vida e os sentimentos de cada mulher apresentada na reportagem. A caracterização dessas personagens é feita de forma direta, a partir da heterocaracterização- quando o narrador atribui características no personagem em um fragmento reservado para isso-, e indireta, a partir das palavras pronunciadas pelo personagem e seus atos (COIMBRA, 1933). Traços do espaço onde vivem essas mulheres e de seus psicológicos também são abordados na reportagem. A opção de mesclar as duas tipologias surgiu da necessidade de apresentar elementos que aprofundem na compreensão de quem são as mulheres


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Guarani Kaiowá que lutam para reaver seus territórios, sem exceder nas descrições para não correr o risco de tornar a reportagem extremamente fria, como aponta Oswaldo Coimbra (1993) sobre narrativas totalmente descritivas.


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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Desenvolver um trabalho sobre as Guarani Kaiowá nos possibilitou conhecer melhor a realidade dessas mulheres, pouco retratadas nos noticiários e em trabalhos acadêmicos sobre a etnia. Reconhecer suas lutas e a resistência que possuem para a demarcação de seus tekoha, se mostra necessário no momento em que elas estão se mobilizando cada vez mais. Esse protagonismo é visível no capítulo “Aty Kuña Guasu- Assembleia das Mulheres Guarani e Kaiowá”, que fala sobre a assembleia das mulheres Guarani Ñandeva e Kaiowá, realizada em Coronel Sapucaia, onde cerca de 500 pessoas, entre elas autoridades, se reuniram para ouvir as reinvindicações das indígenas. Conhecer Adelaide, Clara, Damiana e Helena e presenciar as vulnerabilidades as quais estão sujeitas em seus cotidianos, vítimas da violência e da negação de seus direitos fundamentais, fez com que refletíssemos sobre a importância da força feminina na luta pelas retomadas territoriais. A reportagem mostrou que o feminismo está presente até nos lugares mais afastados e é exercido por pessoas que muitas vezes não sabem ler, ou têm conhecimento do que a palavra feminismo representa. Os homens das comunidades também entendiam a importância dessas mulheres. Eles respeitaram a escolha de entrevistarmos as Kaiowá e não tentaram sobrepor suas vozes às delas, ao contrário de relatos encontrados em artigos e trabalhos acadêmicos sobre a temática. Instruídas de que as mulheres Kaiowá são pessoas muito fechadas e que falam pouco, no processo de produção da reportagem percebemos uma situação diferente. Abertas à entrevistas desde o primeiro contato, elas reconheciam a necessidade de divulgar suas histórias e denunciar suas vidas esquecidas pelo Estado, apesar da dificuldade em se expressarem, já que algumas delas misturavam nas falas o guarani carregado com a língua portuguesa. No processo das entrevistas foi possível perceber a falta de cronologia no relato das histórias. As mulheres não sabiam dizer ao certo em que ano cada coisa aconteceu e uma delas não sabia ao menos sua idade. O que não quer dizer que estavam confusas ou tinham se esquecido. Elas sabiam exatamente tudo o que haviam sofrido e todos os parentes que tinham perdido na luta pela terra. Além disso, cada uma contava o que queria independente da pergunta, o que se mostrou um desafio para acadêmicas formadas em técnicas jornalísticas pragmáticas. O


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roteiro foi praticamente igual para todas, mas as entrevistas são completamente diferentes porque as respostas sempre se encaminhavam de acordo com as preferências de cada uma. O que parecia uma dificuldade, se mostrou como oportunidade, pois foi possível produzir um trabalho que representasse a personalidade de cada mulher. As entrevistas se mostraram ora um diálogo, ora um exercício de observação e escuta apenas. Produzir uma reportagem longform foi um desafio, por causa do programa Adobe Muse. O longform se mostrou como a narrativa mais adequada para contar a história, a plataforma proporcionou que pudéssemos utilizar recursos que não estão presentes em outros veículos jornalísticos. As fotos, os vídeos e os áudios asseguram uma verossimilhança para que o leitor possa conhecer melhor essas mulheres, como a personalidade delas, o jeito que falam, agem e vivem. Além disso, também pudemos inserir o recurso do Google Maps. As aldeias visitadas são lugares afastados das cidades e durante as visitas salvamos exatamente as coordenadas de cada comunidade, para que o leitor possa se localizar. Os lugares não são de difícil acesso, mas não possuem uma referência para se chegar até eles, por isso nós os sinalizamos na reportagem. O trabalho nos possibilitou um crescimento pessoal e profissional. Pudemos conhecer melhor o estado de Mato Grosso do Sul através das viagens e o contexto em que essas mulheres vivem. A reportagem ofereceu diversos desafios, mas o resultado é gratificante, porque pudemos aprimorar o fazer jornalístico em todas as etapas do processo. Conhecemos mulheres que serviram de inspiração para nosso amadurecimento pessoal. Estar diante de seus sofrimentos, nos mostrou quão pequenos são nossos dilemas diários e a força que elas possuem para não desistir.


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4. REFERÊNCIAS ANZOATEGUI, P. S. “Somos Todas Guarani-Kaiowá”: Entre narrativas (d)e retomadas agenciadas por mulheres Guarani e Kaiowá sul-mato-grossenses. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – PPGANT/UFGD. Dourados/MS, 2017 BEDINELLI, T. “Foi uma guerra, um massacre”. El País, Mato Grosso do Sul, 5 set. 2015. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2015/09/05/politica/144146 7261_989526.html>. Acesso em: 15 jun. 2017. CANAVILHAS, J. Hipertextualidade: novas arquiteturas noticiosas. In: CANAVILHAS, J. (org). Webjornalismo: 7 características que marcam a diferença. Covilhã, Pt: Livros Labcom, 2014, p. 1-24. Disponível em: <http://www.livroslabcom.ubi.pt/book/12>. Acesso em: 3 jun. 2017. CAVALCANTE, T. L. V. Colonialismo, Território e Territorialidade: a luta pela terra dos Guarani e Kaiowá em Mato Grosso do Sul. Tese (Doutorado em História) – FCLAS/ UNESP. Assis/SP, 2013. COIMBRA, O. O texto da reportagem impressa: um curso sobre sua estrutura. São Paulo, SP. 1993. 183 p. CRESPE, A. C. Mobilidade e temporalidade Kaiowá: do tekoha à reserva, do tekoharã ao tekoha. Tese (Doutorado em História) – PPGH/UFGD. Dourados/MS, 2015. JENKINS, H. A cultura da convergência. 2 ed. São Paulo, SP. 2009. 432 p. LONGHI, R. O turning point da grande reportagem multimídia In: Revista Famecos. Porto Alegre, v.21, n.3, setembro-dezembro 2014. p. 911. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/18660/1 2569 > Acesso em: 26 de jun. de 2017. LONGHI, R. H; WINQUES, K. O lugar do longform no jornalismo online. Qualidade versus quantidade e algumas considerações sobre o consumo. In: Estudos de Jornalismo do XXIV Encontro Anual da Compós. Universidade de Brasília: Brasília, 2015. Disponível em: <http://www.compos.org.br/biblioteca/ compos-2015-3c242f70-9168-4dfd-ba4c-0b444ac7347b_2852.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2017. LUTTI, A. C. C. Acampamentos indígenas e ocupações: novas modalidades de organização e territorialização entre os Guarani e Kaiowa no município de Dourados - MS: (1990-2009). Dissertação (Mestrado em História) – PPGH/UFGD. Dourados/MS, 2009. MACIULEVICIUS, P. Sob ameaça de despejo, símbolo da resistência é Damiana e seus 70 anos. Campo Grande News, Campo Grande, 15 jun. 2016. Disponível em: <https://www.campograndenews.com.br/lado-b/comportamento-23-08-2011-08/sobameaca-de-despejo-simbolo-da-resistencia-e-damiana-e-seus-70-anos>. Acesso em: 11 maio 2017.


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MARTÍN-BARBERO, J. O longo processo de enculturação. In: Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2003, p. 139-153. MONTEIRO, E. U. Os cibermeios e a representação dos povos indígenas Kaiowá e Guarani em Mato Grosso do Sul: Estudo de caso da retomada do território Yvu Katu. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – CCHS/ UFMS. Campo Grande/MS, 2017 PEREIRA, L. M. Antropologia e Parentesco. In: URQUIZA, A.H.A. (Org). Antropologia e História dos Povos Indígenas em Mato Grosso do Sul. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2016. p. 35- 50. SALAVERRÍA, R. Multimedialidade: informar para cinco sentidos. In: CANAVILHAS, J. (org). Webjornalismo: 7 características que marcam a diferença. Covilhã, Pt: Livros Labcom, 2014, p. 1-24. Disponível em: <http://www.livroslabcom.ubi.pt/ book/12>. Acesso em: 3 jun. 2017. SERAGUZA, L. Aty Kuña Guasu – sexualidade e relações de gênero entre os Kaiowa e Guarani. Dourados, 2015. III CIAEE. SERAGUZA, L. Cosmos, Corpos e Mulheres Kaiowá e Guarani de Anã à Kunã. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – PPGANT/ UFGD. Dourados/MS, 2013. INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Guarani Kaiowá. Disponível em: <https://pib.socioambiental.org/pt/povo/guarani-kaiowa>. Acesso em: 25 jun. 2017 SOUZA, I; FERREIRA, R. V. Breve reflexão sobre a diversidade linguística e os povos indígenas em MS. In: URQUIZA, A.H.A (Org). Antropologia e História dos Povos Indígenas em Mato Grosso do Sul. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2016. p. 85- 113. VIEIRA, C. M.N. Elementos Acerca da Sociodiversidade dos Povos Indígenas no Brasil e em MS. In: URQUIZA, A.H. A. (org). Antropologia e História dos Povos Indígenas em Mato Grosso do Sul. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2016. p. 5381. WINQUES, K. “Tem que ler até o fim?” O consumo da grande reportagem multimídia pelas gerações X, Y e Z nas multitelas. Dissertação (mestrado em Jornalismo) – PosJor/ UFSC. Florianópolis/ SC, 2016.

5. APÊNDICES


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5.1 Roteiros de perguntas Roteiro de perguntas para Dona Damiana Cavanha: 1. Idade? 2. Quantos filhos teve? Quantos filhos perdeu na luta pela terra? E como foram essas mortes? 3. O que é tekoha? 4. O que significa Apyka’í? 5. Por que é importante ficar perto do cemitério? 6. Há quanto tempo luta pelo tekoha? 7. Como você imagina seu tekoha depois da retomada? 8. De onde você veio? Você nasceu no tekoha? 9. Como fazem a retomada? 10. Existe algum ritual? 11. Qual a importância da reza nas retomadas de território? 12. Quantas pessoas é preciso para fazer uma retomada? 13. Você se sente sozinha? 14. O que a senhora espera do poder público? Só demarcar a terra? 15. Como se alimentam? Apenas de doação? Quem doa? 16. Como vão ao médico? 17. As crianças estudam? 18. Foi despejada sete vezes? A polícia veio em todas ou o despejo foi feito pelos seguranças? 19. Contar sobre último despejo: onde estavam, como foi a abordagem da polícia, como se sentiram. 20. Qual a importância do seu tekoha? 21. Por que lutar por tanto tempo? Já pensou em desistir? 22. Como é viver na beira da estrada? Quantas pessoas vivem com você agora? 23. Quais as dificuldades enfrentadas na retomada de território? 24. Como é a relação com o território vizinho (Usina São Fernando)? Sofre ameaças? 25. O que pretende fazer para retomar seu território?

Roteiro de perguntas para Dona Helena Gonçalves:


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1. Qual a importância do seu tekoha para você e para o seu povo? 2. Qual a sua relação com o seu tekoha? 3. Como era quando você vivia no seu território? 4. Como foi a fase da retomada? Sofreram violência? 5. O que vocês pretendem fazer depois que recuperarem o tekoha? 6. Quais as dificuldades enfrentadas na demarcação do território? 7. Já pensou em desistir? O que te motiva a continuar? 8. O que é tekoha? 9. Quantos anos tem? 10. Quantos filhos teve? 11. Quantos parentes perdeu na luta pelo tekoha? E como foram essas perdas? 12. Como é feita a retomada? Há algum ritual? 13. Qual a importância da reza nas retomadas? 14. Em 2003, 100 pistoleiros atacaram indígenas de Mbarakay e um jovem foi morto. Confirmar informação, era filho de Helena? 15. Se a Funai já reconheceu que a terra era ocupada pelos Guarani Kaiowá antes da colonização, o que falta para demarcar? 16. A última ocupação foi em 2015? Como foi o despejo? 17. Como vieram para Limão Verde?

Roteiro de perguntas para Clara Barbosa: 1. Idade? E onde nasceu? 2. Qual a fonte de renda das famílias de Laranjeira Ñanderu? 3. Recebem algum apoio do governo (Bolsa Família, cesta básica, etc) e de órgãos indigenistas? 4. O que esperam do poder público? Apenas a demarcação? 5. Há quanto tempo estão morando neste local? E como foi feita a retomada? 6. Quanto tempo lutaram pela terra? 7. O que falta para a demarcação? 8. As crianças vão para a escola? 9. Como vão ao médico? 10. Tem água encanada, energia elétrica? 11. Contar sobre trajetória acadêmica: onde estudou, que graduação fez, que dificuldades enfrentou.


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12. Qual era a relação com seu irmão? Como ele te motivou a continuar na luta? 13. Como era morar na beira da estrada? Quais as dificuldades enfrentadas? 14. Quantos Guarani e Kaiowá residem hoje na terra? 15. Quais medidas vocês estão tomando para conquistar melhorias em Laranjeira Ñanderu? 16. Por que decidiu fazer mestrado em Sociologia? 17. Você estuda sobre mulheres que lutam para reaver seus territórios? Por que a escolha desse tema? Ele te dá esperança na retomada? 18. Como é ficar longe do seu tekoha? Isso dificulta a sua participação na luta pela demarcação de Laranjeira Ñanderu? 19. Acredita que os estudos podem ajudar seu povo? Como é lutar pelo seu território e pelo seu povo a partir do estudo? 20. Além do estudo, quais as outras formas que você luta pela demarcação de seu território? 21. Qual o papel da mulher nos dias atuais na luta por mais direitos como: o tekoha, moradia, saúde, transporte e educação para seu povo? 22. Por que lutar pelo seu tekoha? Hoje é difícil viver nele? O que mudou desde a expulsão do seu povo de lá?

Roteiro de perguntas para Dona Adelaide Sanábria: 1. Idade? 2. O que é o tekoha para você? 3. Por que é importante estar na terra onde nasceu? 4. Quantos filhos teve? Perdeu algum na luta pela terra? 5. Sua área está demarcada? O que falta? 6. Sofre ameaças ainda hoje? 7. O que espera do poder público? O que quer? 8. Desde quando estão neste local? Como fizeram a retomada? Em que ano? 9. Como fazem a retomada? Existe algum ritual? 10. Recebem algum apoio do governo (Bolsa Família, cesta básica)? 11. Qual a fonte de renda das famílias? Trabalham? 12. Plantam? O que comem? Recebem doações? De quem? Roteiro de perguntas para o advogado e indigenista, Tiago Resende Botelho:


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1. Descreva a cronologia dos acontecimentos: quando foi que dona Damiana foi despejada? Quando voltou? 2. Por que a terra de dona Damiana tem diversos nomes como Jukery, Apyka’í, Curral do Arame? 3. Que propriedades abrangem o Apyka’í? 4. Sobre a ação civil pública do MPF, a justiça determinou a compra de 30 hectares para dona Damiana. O que aconteceu? 5. Quantas vezes a comunidade se mudou do território? 6. Damiana teve dois maridos? 7. Qual assassinato deixou dona Damiana mais abalada? 8. Esclarecer últimos acontecimentos: soterramento do cemitério do pai de Damiana.

Roteiro de perguntas para o antropólogo do Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul (MPF/MS), Marcos Homero Lima: 1. Quais são os passos para a demarcação de um território? 2. Quantos habitantes há em Laranjeira Ñanderu, Lagoa Rica, Apyka’í e Pyelito Kue/ Mbarakay? 3. Os atropelamentos de indígenas são investigados? E são considerados como suspeitos?

5.2 Transcrições de entrevistas Entrevista em vídeo de Damiana Cavanha (2/09/2017) 01:40 "Querem despejar nós aqui. Despeja de lá pra ficar aqui, 'nós vai te levar pra Bodoquena'. Bodoquena é em outro país, nós estamos em Mato Grosso do Sul, em Dourados. Querem levar nós para Bodoquena, vamos lutar de novo (...) Vamos entrar de novo, fazendeiro sabe bem que o cemitério está lá, casa de alojamento. Aqui a casa dele vai ficar de galinheiro pra mim. Eu sou mulher guerreira, meu marido morreu por terra, por causa do Apyka'í também, para quê? Por que eu vou deixar meu marido aqui? Junto com meu pai, está lá no cemitério, por quê? Eu não vou abaixar minha cabeça, queremos ter apoio".


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03:08 "Nove pessoas já é muito pra mim. Nunca fazendeiro vai pagar tudo para nós. Tem que entregar para nós a terra Apyka'í. Apyka'í antigamente era nosso tekoha. Agora aqui, eu morava no acampamento de rodovia, perigoso. Quando saí aqui, meus cachorros morreram tudo. Tudo, cachorro, cadelinha também. O que vai acontecer pra nós? Eu falei para o guarda, que matou uma pessoa também, que eu não vou enterrar mais aqui, eu vou enterrar lá na usina. Porque a usina antigamente botaram o cemitério lá e querem levantar a usina de lá. Aqui nosso tekoha Apyka'í, não é muito grande. É um pedacinho, não pode brigar muito não. Se quiser me tirar daqui, o governo, eu não vou pra Bodoquena, não vou não. Você quer me levar lá? Vamos juntar nossa comunidade e ocupar nosso tekoha. Vamos recuperar". 04:37 " Derrubou minha casa, entupiu meu poço, galinhas, 48 galinhas, 48 patos, porco ficou 4 porcos. Gatinho e cachorro, ficou tudo lá, vendeu tudo. É bom que fazendeiro, as coisas estão lá, tem que tirar tudo lá (...) Índio Guarani Kaiowá sabe onde enterrou o pai, onde enterrou comunidade, onde enterrou vô, tataravô. Porque qualquer hora vamos pular lá. Eu não tenho medo não. Pra que que eu vou no Bororó, Amambai, Jaguapiru? Não, pra isso nós têm tekoha. Vamos ocupar nosso tekoha. Quando morava no tekoha, eu sou viúva, plantava bastante. Tem mandioca, batata doce, milho, amendoim, quiabo, abobrinha, melancia. Quando ia incomodar lá na Funai? Só por causa de lona. Mas agora estou morando aqui, nós triste. Acabou comida, dormi sem janta. Tem que pedir na rua, pão de ontem, comida de ontem, água é difícil também. Quando choveu um dia, o rio ficou vermelho. A gente cozinha e fica igual tomate, mas agora os fazendeiros vem plantar soja aqui, lá também, aqui também. Vai plantar, veneno também, passou no rio. Tem que apoiar eu também, vocês vêm de longe, menino vem de longe também". 07:19 Eu tô pedindo (...) que polícia federal, tem que olhar lá, pra isso a Procuradoria Federal tem que olhar lá. Só eu, não deixa fazendeiro não. Então, leva minha mensagem. Minha palavra é muito pesada, qualquer hora vamos ocupar nosso tekoha". 07:55 Você não sabe, mas aqui em Mato Grosso do Sul, Nísio Gomes morreu por causa da terra. Ambrósio também morreu. Tudo liderança, fazendeiro só matou líder. Agora sou eu que estou aqui, mulher, e líder mulher. Não tem medo, guerreira é guerreira, por isso tô virando líder. Leva mensagem pro mundo inteiro.


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Não vou abaixar minha cabeça, nós vamos entrar. Vamos ocupar nosso tekoha, por que vou ficar aqui igual cachorro? Pra isso índio Kaiowá tem tekoha". 09:23 "Fazendeiro sabe bem, antigamente nosso tekoha tem cemitério, tem cemitério lá, um pouquinho de terra. Aqui em casa tem só alojamento. Sábado e domingo pistoleiro está lá, armado. Eu não tô mentindo pra senhora. Pra não levar, pegar (...) lá, chegou os pistoleiros de lá todos armados. Eu vi tudo a arma deles. De dia deixa tudo na casa dele, mas de noite pega tudo. Sábado e domingo dão tiros em cima do barraco do guri lá". 10:21 "Eu não tenho medo lá. Nós vamos entrar pra morrer mesmo, eu vou entregar meu corpo e nós vamos entrar. Não põe hora, é qualquer hora. Não tem medo não, qualquer hora vamos entrar. Pode por articulação, da Procuradoria Federal também, às vezes vem, às vezes não vem". 11:03 "Sete vezes despejo. Só que agora eu vou entrar lá e vou entregar meu corpo lá. Pode matar. Vai ficar junto de meu pai. Só que não vou deixar meu pai sozinho lá, meu marido também. Tem que ficar junto". 11:36 "Pra retomar tekoha tem que brigar. Tem que ser moribundo”. 13:51 "No despejo 70 policiais entraram lá, aí corremos lá. Quando saiu (...) camionete marrom. Pá! Peguei o bebê e caí num buraco. Quando passou aqui no rio, Tiago ligou pra mim 'pode vir Damiana, eu tô aqui na frente'. Aí rezou, só que policial tava lá, correu tudo de lá". 16:00 "Pra ficar mulher líder, tem que ter coragem. Tem que ter coragem e encarar mesmo qualquer coisa. Eu não tenho medo não, medo não. Líder mulher é pra perder a vida por causa da terra. Não tenho medo mesmo". 17:34 "Agora vai ficar melhor porque vai ficar só mulher. Acho que homem só vai atrás de mulher, não foi pelo serviço dele, só foi atrás de mulher. Mulher não, mulher foi no serviço de terra (...) Homem eu não respeito não, só foi atrás de mulher. Mulher trabalha pela terra, pra acompanhar outro do país inteiro". 19:10 "Meu filho tem só três, um morreu. Três, a mãe dele, cinco pessoas morando na casa de ternite. Aquela velhinha mora aqui, ela e o marido dela. Aqui mora eu e Sandriel, só isso". 19:51 "Por que a gente vai procurar outra reserva? Ninguém vai aceitar eu não. Líder não pode aceitar não, sabe por quê? Na luta briga muito. Briga sim, a gente ganha terra e a reserva não aceita eu não. Por isso tô aqui".


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20:15 "Pessoal de Amambai levou tudo a minha mudança lá. Chegou camionete, com fogão, não sei. 'Sobe, sobe aqui, vamos pra Amambai'”. “'Está sonhando motorista? Não vou Amambai não, deixa eu ficar aqui'. Aí chamou o Kunumim lá, meu filho. 'Amambai? Amambai não. Vamos fazer o barraco aqui na beira da estrada, mamãe'. Vamos, então vamos. Aí levou tudo a mudança na carreta. Aí meia hora ligou 'Por que mandou tudo para aqui Damiana?'. Eu não, fazendeiro que mandou levar tudo lá. Aí ficou lá na chuva, Tiago também, Natali também, chegou motorista aqui".

Entrevista em áudio de Helena Gonçalves (1/09/2017) 00:01 “Agora quase não respeita mais também o branco, porque o branco não respeita o Kaiowá Guarani, o Kaiowá Guarani quase não respeita mais, já está enfrentando já, pra usar pra tekoha”. 00:46 “A nossa Kaiowá Guarani para ocupar nosso tekoha, por exemplo agora, nós conversamos eu, minha irmã, meu irmão, outro minha tia de como que está nosso tekoha. Ai eu fui lá em Brasília, perguntei e ele falou pra mim, agora tá parado, eu não sei porque que tá parado (...) Nós tá esperando ainda. Porque que a lei mudou, mudou, mudou, mudou para não entrar mesmo Kaiowá Guarani no lugar dele. Quase cada seis meses mudou aí Funai, ele não gosta mais Funai, por causa e a Funai é a nossa defesa”. 02:22 “Aqui não tinha nada pra plantar, só areião. Onde que meu pai finado plantava moranga, batata, abóbora, milho. Pra nós não falta nada. Criava galinha, criava um porco na chiqueiro. Aí de repente chegou pra nós tirar tudo de lá (...) Nós carregamos, levaram tudo, deixamos Sossoró”. 03:23 “Porque eu venho morar aqui, porque me tiramos lá. Nós abandonou tudo, a nossa tekoha, abandonou tudo, porque fazendeiro comprou tudo”. A senhora gosta de morar aqui? 03:40 “Não. Não. Nós não gosta, porque aqui não tem pra viver, nós sempre nós falamos, nós fazemos reunião aqui. Aqui é muito perigoso, aqui não acaba problema. Aqui perigo mata. Por que que mataram meu filho aqui? Mataram meu filho aqui. E depois nós foi entrar lá no tekoha do Mbarakay, depois nós voltamos (...) É assim que tá acontecendo pra nós. Nós queremos sair daqui, nós queremos voltar nosso tekoha. Esse aqui é nosso pensamento, não é só eu (...) O povo do tekoha do Mbarakay tem muito, tem Sossoró, tem no Amambaí, tem Taquaperi, mais tem no Sossoró”.


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E vocês pensam em voltar para o tekoha de vocês? 05:20 “Eu penso, mais não é só eu, é nós tudo. Nós pensamos. Não é pensar, vai retornar de novo, qualquer dia. Porque aqui não dá mais, nós não temo nada, nós aqui estamos perseguidos. E pra mim já veio, já veio aqui três vezes, me bateram aqui dentro da minha casa, queria me matar, mais não me mataram. Isso aí que nós ficamos preocupados. Eu falei, eu vou mudar, eu vou morrer onde tá o cemitério do meu avô (...) Morreu lá, ele criou lá, morreu lá e enterrou lá mesmo”. 07:05 “Por que que não tem aqui (casa de reza)? Porque aqui não ajuda, não ajuda, nem liderança dá conta aqui não”. 07:20 “ Ah! Com água aqui vem um dia vem, um dia só, no outro dia já não vem mais água (...) Quando vem água tem que já cair com tudo pra não faltar pra nós. No outro dia vem de novo, assim que nós tá aqui”. (A água é encanada) 08:03 “ Ih, alimentação não tem, nós nem recebemos nem cesta, nem governo, nós não tá recebendo”. ? 08:30 “Nós já pensamos família daqui pra fazer aqui uma escolinha. Tem muito, você viu aqui, tem muita criançada. Criancinha de dois anos, três anos” (A escola das crianças fica a 1 km da aldeia). 09:06 “Mas graças a Deus aqui é tem tudo família. Quem não tem arroz, quem não tem nada, quem tem ele deu um pouco pro outro. Assim que nós vivemos. Aí você vê aqui, não tem mais pra plantar aqui. Não tem mais pra plantar aqui arroz, feijão. Mas como que vamos plantar aqui? Já tentamos plantar aqui, não saiu arroz, nem feijão”. 10:00 “Se mulher mesmo ajudar, nós vai lá (...) Mulher é forte (...) Eu já fui lá duas vezes já. Já pistoleiro me pegaram tudo, me machucaram tudo, pistoleiro. E aquele Ministério Público? Veio aqui, fez levantamento. Cadê resultado? Cadê?”. 11:18 “Primeira foi com o final do Adélio, né? Além do Mbarakay. Aí 2015 nós fomos de novo. Não, não. Não vai desistir, porque isso aí é nosso, porque nós nascemos lá, nós nascemos tudo lá. Por que que daqui da Limão Verde a pessoa daqui da Limão Verde não gosta de nós? Porque nós não somos daqui, nós somos de lá do Mbarakay”. 15:12 “Então é isso que é minha preocupação, minha tekoha, minha tekoha. Algum de lá fazendeiro falou que é dele, mentira. Não é dele, mentira. Aquele tekoha é meu. Aquele que fazendeiro morava lá, compraram, venderam, ele que não é dono, porque ele vem fora, fora do país, ele vem, comprou lá o nosso tekoha. Por isso que eu


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não tenho medo (...) Trocou tudo o nome dele, mas nós sabe, antigamente nós sabe tudo”. 20:30 “Isso que é meu fala. Eu sempre pensava, aqui não dá mais pra rezar. Sabe porque que nós, pra rezar mesmo nós tem que sair daqui, é perigoso aqui. Eu lembro quando tava em Pyelito Kue. Eh! mas lá eu tava feliz. Nesta hora eu já tava meio que parando pra rezar de novo. E agora (...) um ano nós não tamo rezando, nós ficamos parado. Agora pra esse 2018 tem que sair, porque aqui pra rezar é muito perigoso. Porque aqui é perigoso pra rezar, pra morar”.

Entrevista em vídeo de Helena Gonçalves (1/09/2017) 00:23 “Nós vivia bem lá, agora não (...) Nós vivemos a nossa tekoha do Mbarakay, ela nós vivia bem, não é agora que nós vivia. Nós rezamos, tinha bastante plantação, mas agora não tinha mais nada. Nós lembrava sempre a nossa tekoha. Nós não sabemos que dia que vai resolver pra nós, nós lembrava. Não esquece nosso tekoha. Porque nós somos de lá mesmo. Nós nascemos lá mesmo, meu irmão, minha irmã. Nós sabemos tudo aquele tekoha (...) Nós entramos aqui e nós saímos tudo de lá. Até eu lembrei. Pra nós tirar de lá levaram pra nós uma lona, fazer pra nós um barraco, amontoaram tudo lá. Metade levaram para o Sassoró, levaram tudo meu tio, meu tia, tiraram tudo de lá do Mbarakay. Aí nós levamos tudo e depois finado meu pai trouxemos tudo de volta lá de novo. Aí nós morava lá de novo, muito tempo. Lá em 1960 já começaram a derrubar o mato. Lá tinha mato, a nossa fruta lá tem jabuticaba, guavira, tinha bastante, mas agora não tem mais, acabou, derrubaram tudo (...) Mas depois tiraram tudo de lá, falaram que não é o tekoha. Cada ano batizava batata, milho, mandioca, antigamente não comia assim. Tem que batizar pra comer e não fazer mal”. 07:54 “O que nós tinha, minha riqueza acabou, derrubaram tudo. Até remédio acabou. A nossa remédio. Eu sei tudo o remédio do mato, de tudo. Porque eu segurei o meu remédio caseiro, pra mim valeu e pra você também valeu. Reza também vale para o branco, não é só para Kaiowá Guarani (...) Fazendeiro chegou lá, mas o fazendeiro não gosta índio, Kaiowá Guarani, eu sempre falo assim. Por que que o Kaiowá Guarani valeu pra tudo? Não valeu só pra Kaiowá Guarani, valeu pro branco, pro preto, pro paraguaio, pra tudo. E mesma assim aquele que não gosta índio perseguiu, queria matar. Matar para Kaiowá Guarani não é fácil, porque


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nós tem reza. Por isso que eu falei, eu não tenho medo pra falar, porque eu tenho reza. Aquele que não tem reza ele fica com medo”. 13:09 “Um dia fazendeiro parou pra matar, deixa matar dois, três. Aí depois Kaiowá Guarani vai rezar pra ele, vai voltar tudo pra ele. É assim que Kaiowá Guarani faz. É assim que Kaiowá Guarani ele sabe reza. Sabe reza, mas alguém não sabe. Algum pessoa entra no tekoha e não acontece nada, não acontece nada porque ele entra pela reza”.

Entrevista em vídeo de Helena Gonçalves na Aty Kuña (20/09/2017) Importância da mulher na discussão da Aty Kunã? 00:13 "Pra nós ajuda, né? Nós tem mais força, pra falar de luta, aqui chega tudo né? Aqui acontece, aqui aparece tudo. Não é só um kuña que chegou aqui. Cada tekoha né? Cada tekoha da aldeia, de tudo, vem. Pra saber, ela queria saber sobre saúde, sobre educação, sobre domicílio. Semana passada eu tava lá na reunião. Eu escutei mas eu não fala. Eu escutei que tava falando, o que dificuldade nós tem. Nós tem muita dificuldade, por exemplo eu, eu tenho muita preocupação no meu tekoha. Você viu meu tekoha na Limão Verde, aquele que o capitão emprestou pra mim. Esse não é meu tekoha, ele emprestou pra mim até resolver o tekoha do Mbarakay". 02:39 "Antigamente o meu pai me tratava, ele não compra nada, ele mesmo planta, ele mesmo trabalha, ele mesmo planta feijão, arroz, milho pra sustentar nós quando criança. Agora não, não tem mais como. Isso que nós levamos a preocupação, cada uma que eu escutei, reclamou. Eu mesmo trouxe muita preocupação". 04:25 "Uma vez eu passei lá [Mbarakay], mudou tudo, meu tekoha não mudou. Queria acabar, mas pra mim não acabou. Aquele tinha um cerradão, lugar de remédio, cai tudo e mesmo assim, não esconde". 05:54 Já pensei mesmo em levar a perícia lá, pra acreditar onde está meu tekoha. O cemitério do meu parente, minha tia, meu vô, pra saber. Eu sei". Por que tem que batizar a terra na retomada? 09:41 "Tem que batizar. É espiritual, é espiritual mesmo. Eu vou rezar 3, 4 dias, dia e noite, até amanhecer. Aí mostra, pra mim, mostra o que aconteceu, o que vai acontecer, mostra pra mim. Ninguém vai acreditar, porque o meu tekoha tá na frente. Tá em primeiro lugar, mas o fazendeiro não quer dar. Nós Kaiowá e Guarani respeita o fazendeiro, e o fazendeiro não respeita nós".


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Entrevista em vídeo de Helena Gonçalves (11/10/2017) 08:44 "O branco eu vi falarem assim: 'aquela época o índio não existia'. Mentira. O branco que não existia. Primeiro existe o Kaiowá Guarani aqui no Mato Grosso do Sul. É assim que eu vi. Eu vou falar a verdade, não tô mentindo. O meu parente mataram dele, irmão dele mataram lá no tekoha. Meu tio mataram lá, de 12 anos, mataram". Quantos parentes morreram? 10:27 "Já morreu muito, muito. 2003 nós entramos lá, perdeu um de 12 anos. Fomos de novo, em 2015, perdeu dois, foi três. Perdeu mais, mas o fazendeiro negou. Foi com pistoleiro. Mataram com arma de fogo, por isso que nós sabemos. Antigamente vivia bem lá, não tinha nada, tudo livre assim". 12:11 "Muitas pessoas perguntou: ‘por que tem muito homicídio Kaiowá Guarani?’ Porque de tristeza. Porque não tava no lugar dele, não tá no tekoha dele. Aqui, meu filho mataram aqui porque ele não gosta. Mataram aqui. Agora já fez quase 11, 12 anos, mataram em 2005 aqui. Por causa do meu tekoha". Ritual de retomada? 22:02 "Entra no território, tem que fazer jeroky? Tem que fazer reza, bastante. Pra entrar, reza mesmo. Tem também a reza pra proteger nós. Por isso que índio Kaiowá Guarani tem mais poder, tem reza pra entrar. Por exemplo, nós pra entrar daqui pra nossa tekoha, tem que rezar 30 dias. Tem que rezar bastante, bastante. Tem que rezar uma hora, às vezes até amanhecer. Assim que Kaiowá Guarani rezava pra entrar no tekoha. Agora tem muito pistoleiro. Tem reza pra não estourar aquela bala (...) É perigoso pro pistoleiro também, essa reza. De ver que ele atirou em nós, ela voltou pra ele. Aquela bala voltou pra ele. Assim que tem reza pra isso aí. Por isso o branco tem que respeitar indígena, porque Kaiowá Guarani tem muita reza". Último despejo 25:56 "Nós entramos onde era casa da minha tia. Era lá que nós entramos, era casa da Manoela. Eu sei tudo as pessoas de lá, eu sei tudo. Eu sei tudo o nome das pessoas lá. Ele juntou pistoleiro lá. Primeiro foi a polícia, me enganaram. Nós estava dentro do mato, dia 2 de outubro nós estava lá. Ele perguntou, meu cunhado falaram 'Ah pistoleiro já pegaram nós'. Aí falou pra minha irmã, pode ficar atento. Pistoleiro já vem com espingarda grande, nós tava dentro do mato. Quem está com ele? O peão da fazenda. Aí por isso que eu falei 'Deus não deixa, não deixa. Se deus deixa, morre, né?'. Pra nós não aconteceu isso aí. O


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pistoleiro chegou ali na pista, tudo arrastaram assim. Saiu na frente da polícia, ele falou pra nós chegar lá na fazenda pra conversar. Minha irmã falou pra mim 'Não, nós estamos em bastante pessoa'. Tava escondido tudo no mato né. Aí nós fomos, não tem medo pra chegar lá. Nós fomos onde era a casa do meu irmão. Cinco horas já juntaram os pistoleiros, aí nós rezamos, rezamos, rezamos. Por que pegaram tudo nós? Meu guri correu, ele viu os outros correndo tudo e correu atrás deles. Aí eu corri atrás pra pegar, pra não perder esse meu guri. Minha irmã tinha corrido já, fomos tudo lá aí pegaram nós. Bem terrível, um tiroteio em cima de nós". 32:41 "Eu sempre falo, aqui nós queria plantar, nós queria criar galinha, porco, mas aqui não dá. Você viu aquele meu pomar? Quando eu esperava o tekoha resolver, eu fiz aqui uma hortinha, aqui no meio. Eu tinha muita aqui, as mudas. Demorou, demorou, demorou o tekoha, aí eu distribuí, eu dei. O resto plantei esse aqui, pra não perder tudo. Eu faz tudo aqui, plantei remédio, aquele que presta pra mim. Eu planto. Se alguma pessoa falar 'ô Dona Helena você não tem aquele remédio?'. Tem, tem remédio. Eu já dei".

Entrevista em áudio de Helena Gonçalves (11/10/2017) 01:09” Agora tô esperando. Agora tô esperando. Eu não quero esperar mais. Mais 10 anos, não quero mais esperar (…) O futuro pra mim é essa, a mãe, e essa terra é a mãe pra mim. Por que é a mãe pra mim? O meu tekoha. Por isso do nosso tekoha, nós nascemos lá. Nós nascemos lá, não esquece. Deixa, me leva lá qualquer lugar, num vai esquecer o nosso tekoha, num vai esquecer. Tem muito lá produto pra mim, aqui não tem. Por isso que nós lutamos. Alguma pessoa chega pra mim ‘Oh, Dona Helena, fica atento, num fica sozinha, porque você ameaça’. Não pode, pode. Eu não tenho medo, eu falei. Por que que não tem medo? A hora que pistoleiro me mataram, vão morrer também. Vai perder também a vida, vai perder também por causa do dinheiro, mas eu não. A minha vida vai perder por causa da minha terra, por causa da minha tekoha e pra mim é triste. Cada pai, cada mãe ele ama filho, ele ama filho. Assim que nós também, eu amo meu filho, mais tarde eu vou ficar mais velha, eu vou ficar igual a minha mãe, vai prestar pro meu filho. Vai valer pro meu filho, por isso que aqui nós tamo, aqui sofremos, aqui que mais judiado. Você olha do Ramão, eu acho que fez 8 meses ele veio tirou aqui a sangue dele, um rapaz chegou 3 horas por aí, eles bateram Ramão. Ramão não tá bêbado, nós tomamos tereré aqui. Ele queria me pegar, me judiaram, ele não deixa me


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judiar. Assim que nós tamos aqui. Eu não quero judiar ninguém, mas se Deus deixa, vai acontecer. Mas não vai deixar”. 7:14 “É, agora falta pra mim é demarcar e entrar, ocupar de novo lá. Ele (Funai) que já reconheceram, mas não reconheceram tudo. Aí a Funai falou pra mim, eu fui em Brasília, conversei lá na Brasília, ai ele falou: ‘E fazendeiro divulgou, não é da reserva’. Assim que ele falou pra mim e a Funai. Ai eu falei: ‘Não, isso aí é nosso mesmo. Isso aí é nosso tekoha mesmo’, mas naquela época o fazendeiro é pouco, mas agora eu vi, 2015 eu passei lá, eu foi com Federal lá, modificou tudo. Mas eu falei, eu falei Ministério Público, porque que já sabia aquele não é tekoha, por que que aumentou mais fazenda? por que que fez mais?”. 8:36 “Ah, nós viemos primeiro foi no Sossoró, nós levamos Sossoró, aí nós levamos tudo Sossoró, quem morava lá no Mbarakay levaram tudo no Sossoró, é o irmão dele, o pai dele, levaram tudo lá. Aí nós voltou tudo de novo lá, no Mbarakay (…) Aí nós fomos lá de novo, nós vimos ali no Mbarakay, era também o telona de Jaguari, tinha muito também gente, por isso que eu vi falar o branco não existia índio, mentira, existia, existia índio, porque índio nasceu aqui no tekoha”. 11:00 “Igual pintinho, esporraram tudo. Por isso que nós fomos, aí já tem o dono. Diz que já tem o dono, o fazendeiro. E o branco diz que já colocou tudo o nome da fazenda de tudo, mas deixa, deixa, pode colocar o nome, mas nós sabemos tudo o nome da tekoha, nós sabe, deixa trocar tudo o nome, nós sabe tudo o nome do tekoha de lá do Mbarakay. Pelo menos eu, nós tamos aqui, nós sabemos tudo, nós conhecemos tudo dentro do tekoha, dentro da aldeia”.

Entrevista em vídeo de Clara Barbosa na Aty Kuña (19/09/2017) Por que lutar pelo tekoha? 00:16 "Um tekoha eu luto por que é muito importante pra nós, uma terra sagrada, onde tem a nossa história, onde começa nossos ancestrais estão lá. Eu luto pelo tekoha não só pela demarcação da terra, luto pela educação, pela saúde e, principalmente, pra melhoria". O que motivou a se tornar liderança? 01:02 "O que me motivou pra ser lutadora do meu tekoha é essa questão de ver meus parentes sofrendo muito. Eu não posso ficar de braços cruzados, vendo os parentes morrendo, vendo meus parentes sendo maltratados, vendo meus próprios irmãos mortos. O que me motivou muito é a luta do meu irmão, em memória dele eu resolvi ser lutadora. Não só por Laranjeira Ñanderu, pelo nosso tekoha. O que me motiva hoje é que eu quero


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debater, os fazendeiros, ruralistas, esse bancada evangélica, que estão em Brasília. Eu quero ser a voz da minha comunidade, principalmente dos meus parentes que não tem voz pra chegar lá em Brasília, pedir um pouco de paz, um pouco de espaço pra nós, isso me motivou a ser essa pessoa, a voz da comunidade". Como o estudo pode ajudar? 03:05 "O estudo pra mim não é obrigado, a escola pra nós, no passado, não teve importância. O nossos ancestrais nunca estudou, nunca se formou doutor, não é mestre, nunca foi professor. Mas com o passar do tempo, a escola virou necessidade pra gente, pra gente falar português, pra gente se comunicar com as pessoas que estão lá em cima, os poderosos eu diria. Hoje o estudo pra nós é obrigação, é essencial. Pra gente querer, não competir emprego, renda. Hoje eu vejo assim, a escola se tornou necessário para os povos indígenas. Isso me chamou pra enfrentar mestrado. Não porque eu quero ser pessoa acima de tudo. Estudo pra mim foi uma grande ponte de conhecimento, então eu diria assim, o estudo me acordou pra realidade. Eu diria assim pra vocês, o mestrado muitas vezes não te dá a receita de como você vai ser no futuro, ele apenas te acorda pra realidade do mundo indígena e não indígena". A importância da Aty Kuña? 05:33 "Aty Kuña pra mim é uma grande honra, a voz das meninas, a voz das mulheres, a voz feminina hoje tem mais força. O Aty Kuña é assembleia que a gente tem direito de discutir o que é violência, o que é os nossos direitos como mulher. No Aty Kuña muitas vezes a gente consegue resolver sobre o território também. Como mulher, as mulheres enxergam mais o problema de que tá faltando espaço para os filhos delas, então Aty Kuña também é pra igualar a voz do homem. Não é que queremos competir a inteligência com homens, nós também temos o nosso diferencial. Mundo feminino é diferente do mundo masculino, o gênero não combina. No Aty Kuña a gente deixa muito mais forte, se identifica mais quem é você, depois desse encontro vão falar 'nossa como nós somos importantes'. Aty Kuña pra mim foi uma grande assembleia que tem o objetivo de caminhar e ter sua voz própria, sua organização própria. Muitas vezes querem resolver alguma coisa no Aty Guasu geral e a gente não consegue. Mulheres indígenas são muito tímidas, quase não tem voz, muitas vezes as mulheres não consegue falar. O Aty Kuña é a voz das mulheres indígenas que não falam". Qual o papel da mulher na retomada? 08:34 "É ter companhia, ser parceira dos homens. Hoje nós somos parceiras, nós não somos mais a mulher que


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só fica dentro de casa, só cuidando dos filhos, só cuidando da roça. Hoje as mulheres também são um papel muito importante na retomada. As mulheres rezam, as mulheres ficam na base, os homens saem. Os homens ficam, as mulheres saem. Isso tem um papel muito importante, são parcerias. Hoje nós somos parceiras dos homens na área retomada".

Entrevista em áudio de Clara Barbosa na Aty Kuña (19/09/2017) 00:30 “Morar na beira da estrada já é um sacrifício e mora pra ter família fica mais difícil ainda, porque muitas vezes a gente não tem as coisas adequadas e a gente tem muito medo dos caminhões, dos carros, assaltantes. Malandragem que muitas vezes os não indígenas fazem. Quantas vezes nós recebemos tiros em cima dos barracos e o pior de tudo morar na beira da Br é acidente, perde os parentes. Muito triste você ver os seus parentes morrendo na beira da Br, sendo que nós temos nossos espaços, temos nossos lugares, temos o nosso tekoha. Infelizmente hoje a maioria não é porque a gente quer voltar, muitas vezes a gente sente que é a única maneira morar na beira de um asfalto, de uma beira de Br quando você leva um despejo. Em Laranjeira Ñanderu quando nós fomos despejados moramos um ano na beira da Br, perdemos 7 pessoas de acidente. A gente tomava água suja, quando chovia enchia a barraca, um ano assim. Pior que animais a gente morava dentro das barracas, mas era a única maneira. A gente volta na aldeia hoje a gente saímos é necessário porque lá é o nosso espaço, lá é o nosso lugar (...) Tinha pernilongo, tinha chupão, tinha um monte de bichos desconhecidos lá, escorpião. A gente tinha que enfrentar. Morar na beira de uma Br pra mim era humilhante, sem coração, muitas vezes olha pra essas pessoas e acha que nós não somos humanos. Nosso sonho não é isso, nosso sonho se chama tekoha, onde é o nosso espaço tradicional, nossos ancestrais, onde a nossa história que tá enterrada, isso é pra mim que é morar. Eu sei que morar dignamente no nosso espaço não vai ter, porque os indígenas são sempre assim, até pro não indígena isso é pobreza, é miséria e não é isso. Não temos essa ganância, não somos ambiciosos. Então tudo o que a gente tem a gente pega tudo da natureza”. 9:13 “Por mais que nós não temos mais árvores, não temos nada nada na terra, é onde a gente fomos um dia feliz, que pertenceu nossos ancestrais, a nossa história está lá enterrada, não importa se é apenas campo, apenas braquiária, tem coisas que não são nossas. Tudo o que a gente reivindica hoje é a demarcação, ou


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diria também, não é a demarcação, é devolver as nossas terras que um dia foi tirado de nós”. 13:52 “Laranjeira Ñanderu nós retomamos só uma vez, em 2008, 27 de março. A retomada fomos assim, primeiro a gente sabia que lá começou, que lá é o berço da aldeia, da Lagoa Rica, Panambi, Dourados, Caarapó. Os meus ancestrais moraram lá, a gente não queria mais que os fazendeiros derrubassem mais árvores, desmatamentos fizeram lá sem a nossa permissão. Então nós resolvemos entrar. Aquela terra por mais que eles achem que não é nosso, sempre foi nosso”. 31:03 “O português está no começo da estrada e ele monitora a gente 24 horas, quem sai, quem entra (...) Só quem entra lá é só Funai. A gente sofre muito ameaça pelo lado dele. Ele tem muito aliado. Não é ele que vai matar alguém, vai matar. Meu irmão, eu, já somos perseguidos por ele (...) Meu irmão foi assim, foi morto por acidente de carro, foi pago. A nossa vida a gente corre risco de várias maneiras tanto na escola, no trabalho, na estrada, de vez em quando nós vamos no rio pescar (...) A morte na retomada é nossa aliada (...) Morar na área retomada 24 horas é morar com a morte”.

Entrevista em vídeo de Clara Barbosa (11/10/2017) 00:50 "A minha trajetória na universidade começou no Ará Verá, que é um projeto que é o começo de faculdade, o que me motivou a fazer o caminho acadêmico é os problemas que os latifundiário, agronegócio, que estão fazendo o possível para o extermínio dos nossos povos Kaiowá Guarani. Eu resolvi entrar no curso pra ter mais uma ponte do conhecimento e tentar conseguir solução para os meus povos guarani Kaiowá. Então, através da universidade talvez eu posso achar o caminho por onde eu posso levar meus parentes para reconquistar de novo o território dos Guarani, principalmente o território tradicional. Aí eu resolvi voltar na universidade em busca desse objetivo, pra ajudar e abrir os olhos dos meus parentes de por que nós estamos assim, nessa situação hoje, sofrendo, morrendo na mão de latifundiário, agronegócio querendo nos exterminar. Hoje eu vejo que o acadêmico muitas vezes não tem tanto esse espaço pra se manifestar. Eu tô tendo muita dificuldade por ser indígena, ainda mais por ser mulher na universidade. Eu vejo assim, estamos sofrendo muito preconceito, como mulheres, pior ainda quando você é mulher indígena na universidade. Mesmo assim eu superei, eu fiz esse trajetória por questão, querendo que eu consiga uma solução. Não é possível não haver solução pra esse sofrimento que a


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gente está passando, essa necessidade que a gente está passando hoje. A gente não tendo espaço, não tendo o nosso próprio agricultura, nossos próprios alimentos. Então, eu decidi fazer por isso, voltar a estudar, pra ter essa ponte do conhecimento sobre a universidade e o mundo indígena. Hoje eu vejo assim que, através da universidade muitas coisas eu já consegui, então, como a vida acadêmica, não foi em vão. Muitas coisas boas, eu estou tendo uma boa resultado, principalmente com a luta das mulheres. Eu admiro muito a coragem das mulheres, principalmente as mulheres idosas, as mulheres mãe guerreira, mãe que está grávida, mãe com os filhos na área retomada. Tudo isso me dá força pra continuar estudando, sempre vou em busca do novo conhecimento, pra ter esses bons resultados, como eu posso conseguir ao menos amenizar os problemas nas áreas retomada, principalmente com a mulher indígena". 05:59 "Com esse degrau que tô tendo, posso ser a voz da minha comunidade, principalmente as mulheres que não conseguem falar, entender o que está passando. Meu objetivo é isso, ter a voz das pessoas que não conseguem, passar, repassar, mostrar o nosso sofrimento". 06:50 "Meu objetivo ano que vem, seja o que Deus quiser, nós queremos trazer sala de aula pra esse tekoha porque no momento as crianças estão sofrendo muito os preconceitos da cidade. Estão sofrendo muito agressão física e moral por ser indígena, pior de tudo, por ser as pessoas que estão morando aqui. Pra eles nós somos invasores, com essa imagem, as crianças estão sofrendo muito na sala de aula. O meu objetivo é trazer a sala, nem que seja o primeiro e o prézinho, já que estão sofrendo muito por não ser falante no idioma português, porque as crianças falam mais o idioma Guarani Kaiowá, com isso muitas vezes os professores não entendem, estão sofrendo muito preconceito na sala de aula".

Entrevista em áudio de Clara Barbosa (11/10/2017)

1:37 “Nós não fizemos (retomada), nós apenas voltamos porque esse aqui era o nosso espaço, então apenas nós voltamos e é aqui que nós vamos ficar”. 2:13 “Assistência os municípios vem terça a tarde e a Cesar vem de 15 em 15 dias nos atender”. 2:31 “A gente não tem nada, então por isso que eu falo, os poder público, em vez de a gente fazer esse manutenção pra nós não tão nem aí, então nós somos povos invisíveis, então a nossa luta não é só a demarcação, tudo, tudo o que a gente tem direito é a nossa luta”.


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3:02 “Nós viemos aqui porque aqui, esse lugar Laranjeira Ñanderu é o berço da aldeia de Lagoa Rica, de Dourados, de Caarapó, então nós já temos esses, porque os nossos ancestrais morou aqui, então a herança que nossos ancestrais deixou a gente voltou. Nós saímos daqui porque os farrapos expulsou nós bem no começou do século, houve uma tragédia, a maioria que estiveram aqui foram todos mortos, foram todos queimados vivos e os corpos que restaram jogaram no rio. Então pra não deixar pistas jogaram todos os corpos que os farrapos deixaram e nos expulsaram. Então tudo o que a gente hoje voltamos é porque nós fomos expulso e hoje nós voltamos apenas porque sabemos que esse é o nosso espaço, aqui é o começo, aqui é o que vai continuar, aqui é o nosso espaço sagrado, porque aqui que começa nossa história do povo Kaiowá”. 4:45 “A minha tema de dissertação é a luta das mulheres 45 anos sobre a conquista do território, então eu escolhi essa tema porque tem tudo a ver com as mulheres guerreiras, então por isso que eu resolvi fazer essa tema”. 5:21 “Pretendemos melhorias não pra mim, nem pra comunidades, nós queremos mais melhorias pra novas geração, as pessoas que estão crescendo, as pessoas que vão nascer, principalmente as nossas criança. Então tudo o que. A gente estamos conquistando hoje vai servir pro amanhã, a escola, saúde, infraestrutura, então tudo o que a gente hoje estamos lutando é pra eles, pra crianças que vão um dia eles vão reconhecer que alguém lutou pra ter esses casas, isso vai servir pra eles, principalmente escola, posto de saúde e as coisas que nós estamos lutando em prol das crianças, então não importa se vai demorar 40 anos, 50 anos a luta sobre a educação, saúde, nós vamos conseguir, porque não é pra nós, é pra crianças dos Guarani Kaiowá”. 6:43 “Então, as crianças que estão estudando estão recebendo Bolsa Família, então é o que eu sempre digo, a escola no passado não é a nossa cultura, mas como se tornou necessidade é hoje obrigação, a obrigação hoje deixou as crianças muitas vezes até obrigação deles estar na sala de aula. Então muitas vezes as crianças vão bem cedo pra escola, com 4 anos já é pré-escolar só que na nossa cultura nunca a gente dependeu da educação, mas como virou a necessidade e hoje a maioria das crianças fica na escola, se a criança não for pra escola a bolsa é bloqueado, é cortado. Então é obrigação as crianças estudar e a mãe muitas vezes é obrigada a cumprir tudo o que esta no Bolsa Família, então virou a necessidade obrigatória hoje a escola”.


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8:35 “É o que eu sempre digo, pra ser sincero eu já não gosto da cidade, porque da cidade quando você já fala da cidade já vem na memória que você precisa de dinheiro, se você não tiver dinheiro como é que você vai viver na cidade? Porque na cidade é tudo pago. Então eu vejo assim, onde eu estou muitas vezes não é o meu lugar, quando eu estou no meio da sociedade que não é minha comunidade eu me sinto assim forte, porque sou eu que tô lá, onde eu vou o meu lema é esse, não ter vergonha de mim, porque eu sou Kaiowá, sou falante, eu tenho meu nome próprio que é Mbo’y Jeguá. Lutar onde não é o meu espaço é um grande risco, é um grande risco que eu corro, muitas vezes já posso ser pego porque ruralista está em cima de mim, porque agronegócios não quer saber hoje de gente que está estudando, então quer apagar logo essas pessoas que estão em busca do conhecimento, sabe que alguém vai descobrir como é que eles foram destruir as pessoas que muitas já não estão aqui, são primitivos, são os verdadeiros dono da terra. Então quando eu estou na universidade também eu falo sobre a demarcação, sobre o nosso direto e eu não tenho vergonha, onde eu estou, onde eu está, que o meu lema é lutar pela minha comunidade, então não importa se eu tô aqui, eu tô longe, sei que não é fácil, mas também com isso eu tô tendo grande risco de vida, mas isso é de menos, o que eu quero mesmo é falar e deixar essa mensagem pra todos, que eu tô na universidade, mas não é pra me exibir, talvez até pra ocupar a vaga de outra pessoa, é porque eu tô querendo um novo conhecimento e esse é o meu objetivo por onde eu esteja, por onde eu estou”.

Entrevista em vídeo de Adelaide Sanábria na Aty Kuña (19/09/2017) Como é morar na beira da estrada? 00:09 "Pra mim, enfrentar lá é pra demarcação da nossa terra. Nós precisamos muito a demarcação pra plantar mandioca, batata e tudo para plantar pra nossos netos, nossos filhos, para nós se alimentar. O branco já plantaram soja, milho no cemitério antigo do tataravô. Eles já tiraram muito lucro, eles já têm dinheiro no banco, eles já têm carro, já têm trator, já têm todo o maquinário, eles já tá rico. E nós? Nós que é dono de terra. Por isso que nós ocupamos aquela área para nós aumentar aquela terra pra nossa família morar, plantar alguma coisa". 01:24 "Nós temos bastante terra, o branco que não quer dar para nós. É por isso que a gente tem que sofrer. Nós estamos sofrendo mesmo lá na nossa


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terra. Eu não vou desanimar não, eu vou continuar sempre a luta ainda. A gente pra desanimar não dá, tem que continuar sempre a luta". Como é ser liderança mulher? 02:03 "A liderança das mulher é assim, eu sou já mãe e vó, eu tenho experiência com as famílias, eu tenho experiência com a neta, eu não quero que minha neta vá morar na terra dos outros, vai procurar por Dourados. A gente precisa mesmo, queremos chegar lá, presidente da Funai, precisamos de aliados, tudo, presidente da Funai e governador. A gente precisa chegar lá, a gente quer mesmo aquela terra, aquela é nossa mesmo, não é do branco. Aquela é nossa terra, a gente já dava muito tempo pro branco ocupar aquela nossa área, mas ele não devolve. Por bem pra nós, a gente tem que ocupar, eles têm que entregar de novo a terra pra nós". O que falta para demarcação? 03:31 "O processo tava parado lá. A gente foi pra lá e pra reforçar a demarcação da terra (...) Nós estamos ocupando, fazer força, fazendo pressão pra demarcar mesmo. Assim a gente vai ganhar, se a criança não chora, não mama né? A gente tem que chorar mesmo, para ganhar as coisas". Recursos? 04:24 "Onde estou não tem escola não, a criança estuda lá no município Douradina. O escolar pega 6h lá e leva estudar em Douradina. Nós queremos que tenha escola mais tarde, nós precisa de demarcação primeiro, depois queremos escola. Depois queremos posto de saúde lá. Agora mesmo, agente de saúde que sempre foi fazer consulta lá, agora faz 120 dias que não foi mais fazer consulta lá. Não sei porque, a gente precisa, ali tem mulher gestante, criança pequena, tem idosa, tem medicamento que toma, por isso fiquei muito preocupada. A doença a gente não espera, né?". É difícil viver no tekoha? 06:43 "Pra mim é bom, sabe por quê? Eu gosto de viver no tekoha. No tekoha, a gente planta tudo, tem espaço pra plantar. Aquele que deu um pedacinho, nós ficamos lá, tem 150 hectares, é um pedacinho mas tem bastante morador, nós não queremos um pedacinho só. Só ali não dá pra nós morar, nós queremos tudo, aquela é nossa aldeia. O brasileiro que mora lá, não é fazendeiro, tudo arrendatário. Aquilo que nós queremos, eles ocupou nossa área. A gente pra ficar igual uma sardinha, não dá, né? Tem que ficar, fazer casa, criar galinha, porco, principalmente, porque a gente tem que criar as coisas pra comer. Só 450 hectares tem mato, o resto não tem mais mato. Os ruralista terminaram com tudo. Agora aqueles 150 hectares eles tão querendo também derrubar de novo, mas


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a gente não vai deixar derrubar aquele mato. No mato tem tatu, tem anta, capivara, vários bichos. A gente vai ocupar mesmo aquela área". 09:24 "A gente não tem medo não, o agricultor, arrendatário plantava soja, o milho, plantava dentro do cemitério da nossa avó. A gente sentia isso, nossa vó, tataravó já deixou a terra pra nós. O fazendeiro falou 'essa é minha área'. Dono de área é nós. Nós indígena em MS, nós, principalmente eu, não queremos [o estado] inteiro, só pedacinho, só. Pra gente viver lá". Sofreu violência? Ameaça? 10:15 "Muita, muita. A gente tem que pintar o rosto, lá ameaça dia e noite. Ele quer achar nós na estrada e levar acidente com carro e a gente morrer. Ele vai falar 'o índio que passou na frente do carro e morreu'. Não, ele mesmo mataram a minha filha, não sei se você viu na internet, na televisão. Foi agricultor de Douradina, mataram minha filha Alessandra Sanábria, lá no ponte, bem assim lá no ponte (...) Ele veio aqui na pista da bicicleta e vem por aqui, carro vem atrás e levou pro acidente, ela morreu lá. Isso foi em abril, dia 10 de abril. Morreu lá. Desse ano mesmo. Ela morreu ali, tinha 4 filhos, 2 jovens e 2 filhas casadas. Ela morreu lá, morreu feio mesmo, até hoje o filho não pegou nem óbito (...) Por isso eu me sentia muito triste, sentia muita falta, porque ele sofria, quando a gente fica retomada, ela tava junto com nós, ela pensava que ela vai ganhar um pedaço de terra pra morar e plantar todas as coisas. Eu sentia quando lembrava dela, era minha filha. Eu tinha 10 crianças, tudo casados. A gente sofria quando ocupava aquela área, ruralista, fazendeiro, agricultor, foi lá, ele queria tiroteio, eles queria jogar veneno em cima de nós. A gente ligava para o Ministério Público, ele não conseguiu. Depois ele começou a colocar pistoleiro lá no mato, quando a gente foi buscar lenha, pistoleiro começava a atirar na gente, ainda não acertou. A gente ia correndo, correndo e não acertou. Depois a gente ligava pro MPF, foi, chamaram ele, e tiraram. Agora não tem mais nada, graças a Deus não tem mais nada". 14:37 "Quando a gente vê o carro, o carro sempre dirige atrás da gente mesmo, por isso a gente tem medo lá. Mesmo a gente passando medo, mesmo passando dificuldade, mesmo passando necessidade, a gente fica ali mesmo. Onde a gente vai? É nossa terra. Por isso tô falando, nós precisamos do seu apoio, sua ajuda, às vezes você publica ali, pra ele ver a nossa liderança maior, o presidente da Funai, o presidente, não sei se agora é Michel Temer ainda, não sei bem ainda. Queremos a demarcação da nossa área, 12.196 hectares. Pra nós ficar contente, quero que fazendeiro também fica contente. A gente vai falar que queremos que a


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terra, aqui em MS, a demarcação, porque o fazendeiro ficava de olho assim, pensava que vai tirar tudo, ou a terra daquele lá. A gente quer pedacinho".

Entrevista em vídeo de Adelaide Sanábria (10/10/2017) Já sofreu ameaça? 02:22 "Eu já. Eu sofria, só que eu não desanima não. Eu sempre fico aqui, até chegar a demarcação. Uma vez eu fui pescar lá pertinho do rio, ali tem bastante peixe. Eu e todos os meus netos, que foi pra lá. Quando chegava lá, pegava bastante peixe, escutei o barulho do tiro. Atiraram de bem longe, a bala passou bem em cima. A companheira ficava doida, falava 'nós vamos correr, mãe'. Eu não vou correr não, vamos ficar aqui mesmo. Até que ele atirou três tiros e depois sentou, eu vi que aquele homem tava bêbado. Aí nós pegou bastante peixe e viemos pra cá. Mesmo que ele atira, nós não desanima não, porque lá tem bastante peixe pra trazer pra nossa família aqui". 03:37 "Lá é a nossa aldeia, aquela mata, nosso rio... é". 03:59 "Nós estamos esperando só vir o ministro dar essa terra pra nós. Ministro, presidente da Funai e também estamos esperando o presidente do estadual (governador) assinar pra demarcar essa terra pra nós. Porque nós é aqui mesmo, nós vamos ficar aqui mesmo". 04:48 "Aqui nós estamos em 176 pessoas, nós ocupamos e ainda nem chegou todo o pessoal. Tem bastante pessoa aqui. Vai chegar ainda, um por um. Porque nós ocupar essa área pra ser demarcação. Por que aqui estamos em Lagoa Rica, assentado antigo (...) Lutava pra demarcar a Lagoa Rica, Panambi. Agora nós Tayassu lutamos também para a demarcação da Lagoa Rica, município Douradina. 12.175 hectares. Mesmo que nós levamos ameaça, mesmo que nós levamos tiroteio do pistoleiro, mesmo que o fazendeiro atropelava, a mulher matava, ninguém vai desistir. Vai ficar aqui. Eu tenho foto aqui, daquela pessoa que atropelaram, ele morreu aqui BR 163. Essa pessoa morreu bem ali, atropelaram, chama Gilvane. E desse aqui, minha filha Alessandra Sanábria. Deixou 4 filhos, 2 filha, 2 filho, ficou marido viúvo. Até agora ele não recebeu aquele que chama DPVAT. Recebeu só 3 mil reais. Foi dia 10 de abril, morreu bem ali, lá na ponte, pertinho". 07:30 "Alessandra Sanábria é minha filha. Fazendeiro matou ela por causa da terra, foi enterrada aqui mesmo, por isso ninguém vai sair daqui. Já tá ganho pra nós esta terra. O filho do fazendeiro matou ela, o povo de Douradina mesmo, matou. Até ele agora não pegaram, pra ele. Ele já foi matado, enterrado, a


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criança ficar chorando, sofrendo, tudo ficar desesperado, chorando, mas agora o filho do fazendeiro não chora, tá vivo ainda".

Entrevista em áudio de Adelaide Sanábria (10/10/2017) 1:25 "Desse Tayassu nós ocupamos aqui 150 hectares, aqui em Tayassu. Tayassu tá ocupando 25 hectares. Essa demarcação, essa área. Agora Lagoa Rica uns 300 hectares, assentado antiga”. 2:18 “Não, aqui ninguém não recebe cesta do governo. Só a Funai a hora tiver ele traz pra gente, senão também fica sem. Só aquele que a gente pega Bolsa Família compra alguma coisa. Depende de pessoa Bolsa Família. Eu ajudei que aquele pessoa não tem, aquele Bolsa Família não tem, eu ajudei pra ele. Eu sempre pegava, eu fui receber o dinheiro, sempre dia 2, dia primeiro. Quando recebe dinheiro eu compra muito arroz, um fardo de arroz. Eu compra uma caixa de óleo, um saco de sal, eu compra e uma caixa de sabão pra distribuir com aquele pessoal que não pegaram a Bolsa Família, porque eu tenho que ajudar aquele pessoa que está aqui. Nós tamo sofrendo assim, sofrendo muito mesmo. Eu falei na Kuña Aty Guasu, eu plantava mandioca, batata, plantava milho, a banana, a gente plantava. Plantava também feijão. Plantava isso, mas falta pra nós o sabão, o arroz, o sal e o óleo. A gente não planta esse dai, tem que comprar, né!". 4:16 “Aqui ninguém não sai, porque tem medo de sair, porque o fazendeiro ameaça a gente. Por isso ninguém sai. Fica todo mundo aqui”. 4:33 "Aqui vem médico, mas agora não vem mais. Quase 250 dias que não vem mais médico aqui fazer consulta. A primeira vem, mas agora não vem mais, não sei porque. Falam que falta o carro pra vim aqui fazer consulta nós, porque a gente precisava, bastante criança, tem criança pequena, tem mulher gestante também, tem bebezinho. Tem que vir fazer consulta, cada 15 e 15 dia fazer consulta pra nós aqui”. Açude contaminado? 6:00 “Isso é verdade, contaminado causa veneno. Passava bem ali o veneno. Até agora que parou de cheirar aquele cheiro do veneno, por causa aquela mulher que tinha bebê no colo, por causa veneno, ele mora bem pertinho ali, ele passava bem perto da casa dela. Ai de manhã saiu aquela doença aqui no nariz e no rosto também. Por causa do veneno”. 8:06 “O ônibus veio aqui, BR-163 e pegava bem ali no Torre Tim, porque nós precisamos o ônibus vim pegar aqui mesmo, aqui dentro nossa aldeia, porque o


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ônibus é pequeno, van grande. Estrada tem ali. Nós queremos que ônibus passa bem ali, aí ele foi embora para Douradina. É! Porque tinha mais criança pequeno, igual aquele lá, prézinho, jardim, porque lá na BR é muito perigoso. Criança não sabe, muitas vezes pode ir pra beira da pista, né!”. 9:11 “A doação nunca, nunca nos chega aqui. Nem nada. Eu nunca não peguei, desde 2015 nós tamo aqui e pegava nada. A doação não chega aqui. Só a Funai que trouxe cesta da Funai. Se tiver também lá na Funai, se não tiver a gente fica esperando. É! Só isso só”. 9:50 “Tem que ir de carro mesmo, de bicicleta é muito perigoso. Por causa da bicicleta aconteceu isso, levou acidente. Tem que sair de carro. Eu tenho carro velho. De carro e de moto. Alguém tem moto vai de moto, alguém tem carro vai de carro. Alguém não tem fica assim. De a pé, aqui mesmo, Rio Brilhante muito longe. Aqui Douradina muito longe. Pra lá tem Cruzaltina muito longe e Bocajá. Bocajá não tem pra comprar nada, porque a cidade é muito pequena, tem duas mercadinho lá, num tem nem resto pra comprar. Mais grande só Douradina. É muito longe pra gente ir de a pé, de bicicleta, porque a gente tem medo também de fazendeiro e arrendatário. Aqui não tem nem mais fazendeiro, aqui tem só arrendatário (…) É tudo arrendatário, por isso que nós queremos que eles desocupar, pra nós ocupar nossa área toda, pra plantar, pra gente ficar contente lá, né!”. 11:30 “É, quando eu sou jovem é mais difícil, porque a gente mora em Lagoa Rica, Lagoa Rica assentamento antigo, porque lá é igual sardinha. Pra plantar alguma coisa não dá pra plantar, aí a gente casa, começa a aumentar a população. Aí nossa avó, bisavô começou a conversar, falava pra nós que lá nossa aldeia, o branco não quer dar. Aí a gente ficava ocupando essa área. Nós tamo aqui agora”. 12:44 “Antes tem, a gente come rato, a gente come perereca, a gente come também lagarta pra poder crescer, porque não tem mistura. Lá em Lagoa Rica não tem nem mato, nem nada. Não tem nem peixe, acabou, porque lá a gente planta, tem que plantar, tem uma terrinha igual essa daqui. A gente planta batata pequena, mandioca, o cana, acabou a área (…) Porque lá a gente sofre muito, aqui mais melhor um pouco, porque a gente já planta tudo a coisa aqui, por isso eu gostei muito daqui. Não vai sair mais, vai ficar aqui mesmo”. 15:19 “Aquele casa é maior respeito, a gente ocupa a área tem que fazer casa da bem grande, oca, pra ser respeitado, pra não fazer tiroteio. O branco tem


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que respeitar, porque usar aquela oca é diferente, não dá nem pra judiar com aquela oca. Os índios antigamente tem casa só oca. Só oca grande, porque o vento também chegava bem forte e mesmo assim, ele sempre falava, cantava, rezava dentro do oca mesmo”. 17:30 “Nós temo medo mesmo, nós temo medo por causa que aquela pessoa que levava ameaça de nós. E o resto a gente não fica com medo não, tem que enfrentar mesmo. É!”. Entrevista em áudio de Alda Silva na Aty Kuña (20/09/2017) 1:25 “Nós mulher é do tempo que a gente lutava na Aty Guasu dos homens desde o começo e a gente ficava lá no meio dos homens. Aí veio um tempo atrás, veio um sonho pra mim aí já marcaram com o meu pessoal pra ir pro San Marangatu, aí no San Marangatu eu falei assim pro pessoal ‘amanhã depois nós vamos lá no San Marangatu’” 2:22 “Esse sonho que eu tive, uma mulher veio no sonho, com roupa toda branca. Aí falou pra mim assim, quando chegou me chamou de Rachã, Rachã na nossa língua é como se fosse a primeira filha. Ai eu perguntei quem era ela e ela disse que era Euchari. Aí ela falou pra mim, olha, agora está na hora pra vocês passar a mensagem pro teu povo, essa mensagem não pode ficar pra você só, falou da minha língua. Ai eu pensei, o que eu vou fazer? Como eu vou fazer? Então junta o teu pessoal e passa essa palavra pra ele (...) Você vai contribuir com o teu pessoal. Então aquela mulher falou como eu faço? Junta pra fazer reunião, reunião é Kuñague Aty Guasu”. 4:53 “Nós acompanhemos muito as Aty Guasu, as mulher, não deixavam a gente falar, jovem não falava, ninguém não falava”.


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