Velhas Histórias

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE JORNALISMO

VELHAS HISTÓRIAS LIVRO-REPORTAGEM DE PERFIL DE IDOSOS DO ASILO SÃO JOÃO BOSCO

LUANA DE PAULA AFONSO

Campo Grande MARÇO / 2017

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VELHAS HISTÓRIAS LIVRO-REPORTAGEM DE PERFIL DE IDOSOS DO ASILO SÃO JOÃO BOSCO LUANA DE PAULA AFONSO

Relatório apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina Projetos Experimentais do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

Orientador(a): Profa. Dra. Rose Mara Pinheiro

UFMS Campo Grande MARÇO – 2017 2


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SUMÁRIO Resumo

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Introdução

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1. Atividades desenvolvidas

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1.1 Execução

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1.2 Dificuldades encontradas

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1.3 Objetivos alcançados

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2. Suportes teóricos adotados

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Considerações finais

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Referências

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Anexos

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RESUMO: A população mundial está cada vez mais velha e países como o Brasil não sabem como amparar, em alguns setores, os idosos. Este trabalho objetiva a criação de um livroreportagem com histórias de vida de idosos que residem no Asilo São João Bosco em Campo Grande. O gênero escolhido para escrita dos textos é o Perfil, porque permite uma criação mais humanizada dos relatos. Através de entrevistas e convívio no local, as reportagens trarão o perfil destes personagens com histórias de vida e vivência em um abrigo permanente para idosos.

PALAVRAS-CHAVE: Comunicação; Livro-reportagem; Perfis; Idosos; Asilo.

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INTRODUÇÃO

De acordo com o censo de 2010 do IBGE, são mais de 20 milhões de idosos (pessoas com mais de 60/65 anos) no Brasil, mais de 200 mil em Mato Grosso do Sul, mais de 70 mil em Campo Grande e 77 desses idosos residem no asilo São João Bosco. No início da produção do trabalho eram 85 idosos, que acabaram falecendo no decorrer dos quase 5 meses de visitas. Apesar da importância desses dados, esses idosos não são e não deveriam ser tratados apenas como números. Afinal, quem são as pessoas que residem no asilo São João Bosco? Quais histórias elas viveram? A ideia principal deste livro-reportagem é desenvolver perfis de idosos que moram no asilo São João Bosco e mostrar, além de histórias, a vivência e rotina na casa de repouso. A escolha do asilo se deu, principalmente, pela tradição desse lar, que data sua fundação em 1923, sendo o mais antigo asilo em Campo Grande. A Capital, segundo o Conselho Municipal do Idoso (CMI), conta atualmente com três instituições de longa permanência que acolhem e cuidam de idosos e são conveniadas com o Governo: asilo São João Bosco, Associação dos Amigos da Casa de Abraão e Sirpha Lar do Idoso. Não há como contabilizar o restante dos asilos, principalmente por existirem até instituições clandestinas. Além da tradição, o asilo São João Bosco é um abrigo que recebe fundos municipais e de cunho filantrópico, atendendo até mesmo famílias de baixa renda. O asilo São João Bosco tem capacidade para abrigar até 100 idosos, em dois blocos com 50 dormitórios femininos e 50 masculinos. Hoje residem na instituição 49 homens e 36 mulheres e são 85 funcionários divididos em diversas funções, como assistente social, financeiro e enfermeiros. A quantidade de funcionários não é suficiente e isso é mensurável através da quantidade de idosos com dependência grau 3 (totalmente dependentes) que já somam 60; e apenas 5 idosos com dependência grau 1 (independentes). Apesar do auxílio governamental e das doações externas, o asilo São João Bosco precisa de ajuda financeira para conseguir pagar os gastos dos idosos e os funcionários.

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A importância de estudar e abordar o tema idoso se dá pelo fato de que a população mundial está cada vez mais velha, de acordo com dados sobre o envelhecimento no Brasil, as pessoas acima de 60 anos representam 12% da população, sendo um aumento de 55% em 10 anos (observar tabela número 2, no anexo). Esse aumento de idosos traz o questionamento: há o preparo ou há instituições suficientes para atender essa demanda? Portanto, é necessário que se entenda a realidade da população e compreenda de que forma é possível adaptar-se à nova conjuntura. O formato livro-reportagem unido ao gênero perfil, permitem um texto mais humanizado que será redigido a partir de entrevistas e conversas feitas em visitas e convivência no asilo São João Bosco. Os personagens foram escolhidos por critério de lucidez e o livro é feito com eles, para eles, ou seja, o formato grande, com letras e espaçamento maiores é pensado, justamente, para ser mais inclusivo.

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1- ATIVIDADES DESENVOLVIDAS 1.1 Execução: A ideia do tema surgiu por interesse e curiosidade em conhecer um pouco mais a vida de idosos que residem em um abrigo de longa permanência. Desde a dificuldade proporcionada pela idade, até a rotina em um asilo. Além disso, conhecer a vida dessas pessoas e mostrar que há muita história interessante já vivida e muitos locutores para contarem. A linguagem e formato foram escolhidos por identificação pessoal pela escrita de textos literários. Assim que o tema foi escolhido, começam as visitas à instituição para conversar e definir parâmetros para a execução do trabalho. Ao todo foram 3 reuniões com a assistente social do asilo São João Bosco para coleta de informações e dados e entrega do projeto para análise e aceitação da instituição. Após coletar dados da instituição de pesquisa definida e ter autorização do asilo para realização do trabalho, houve uma pausa nas visitas e atividades práticas, para fazer a pesquisa teórica. Esta etapa constituiu-se em leitura de bibliografias relacionadas aos temas: instituições de longa permanência (asilos), idosos, gênero perfil, narrativas jornalísticas, reportagem, livro-reportagem, trabalhos acadêmicos com assuntos semelhantes e algumas reportagens gerais. Com a pesquisa teórica concluída e revisada pela orientadora, retomou-se a visitação ao asilo. Em um primeiro momento foi feita a ambientação do local para conhecer cada detalhe da estrutura. Em uma espécie de tour acompanhado pela assistente social, os blocos são apresentados para, posteriormente, também traçar um perfil da instituição. Após conhecer o local, foram feitas as visitas para entrevistar os idosos. Foram seis entrevistas, ou seja, seis personagens, sugeridos pela assistente social como sendo os mais lúcidos. Desses, cinco textos foram selecionados para composição do livro. Uma das entrevistas foi excluída por não ter rendido suficiente, em vez de contar histórias, o idoso ficou apenas falando sobre religião e sequer respondia as perguntas corretamente, impossibilitando até de falar sobre jeitos físicos e características de personalidade. 8


A primeira entrevista foi com José Crispim de Miranda. Sentamos na varanda do bloco masculino, o gravador ligado e começam as perguntas sobre a vida dele. A conversa durou quase duas horas e depois andamos pelo asilo juntos e ele mostrou os pontos que mais gosta do local. Retornei outras vezes e Crispim me recepcionou com um grande sorriso e contou sobre o dia que passou. A segunda entrevista foi feita com a Maria José do Nascimento, Zezinha. Sentamos na varanda do bloco feminino, o gravador ligado e começamos a conversar. Diferente de Crispim, dona Zezinha fala menos e a entrevista foi mais curta, em torno de 40 minutos. Depois ela me mostrou o quarto em que dorme e nos despedimos. Ela é um pouco menos sorridente que o primeiro personagem, mas, ainda assim, cheia de histórias. A terceira entrevista foi feita com o Jorge Ayrolla. Sentamos em uma mesa na parte externa da ala masculina e passamos uma tarde conversando. Jorge fala muito, é sorridente e aparenta ser o mais saudável e lúcido por aqui. Diferente dos outros, ele teve mais formação acadêmica e parece ter tido outras oportunidades, como viajar por outros países. Quase não foi preciso direcionar a entrevista, porque ele deu sequência em vários assuntos. A quarta entrevista foi com José Sebastião de Brito, o Zé Pretin. Também sentamos na área externa para conversar. Ele é tímido, demorou para conseguir contar histórias, restringiu-se a respostas curtas no começo. Mas depois de um tempo conversando ele se abriu e mostrou-se uma pessoa engraçada e com histórias diferentes do convencional, como ter sido preso, por exemplo. Jorge e Zé Pretin dividem o quarto e jogam baralho todos os dias a tarde. Se consideram bons parceiros. A quinta entrevista foi feita com o Antônio Ribeiro, ele pediu que a entrevista fosse feita no quarto dele para que ninguém ouvisse. Ele começou dizendo que namorou muitas mulheres casadas, que a vida foi uma festa e depois ligou a televisão em um canal religioso e disparou a falar sobre bênçãos que viu na TV, sobre milagres e sobre missas. Por acreditar que ele não tenha sido verdadeiro e por não conseguir entender e sentir a personalidade dele, não foi feito texto sobre este personagem. A sexta e última entrevista foi feita com Ana Maria Dias Batista. Conversamos no quarto dela, por ser o lugar mais confortável para a personagem. Ela é muito risonha, 9


mas pela tanta idade, tem dificuldade em entender as perguntas e conseguir responder com precisão. Ela é muito carinhosa e atenciosa. Para a edição do livro-reportagem, a escolha priorizou o idela de um formato inclusivo com letras (Garamond, 16) e espaçamento entrelinhas (21,5) maiores para que idosos consigam ler mais facilmente. A presença de fotos foi definida como fonte ilustrativa dos textos. Uma possível próxima edição ou alteração nesta versão, permite ainda a realização de um áudio livro ou versão online para que mais pessoas possam ter acesso.

1.2 Dificuldades Encontradas Ao pesquisar sobre o gênero perfil, definiu-se em um primeiro momento que as entrevistas seriam feitas sem direcionamento, ou seja, não precisariam de roteiro porque o entrevistado falaria sem que precisasse ser questionado. Mas nas entrevistas feitas, ficou aparente que não seria possível atuar desta forma, porque os personagens precisaram ser direcionados. Fizemos então entrevistas semiestruturadas, com perguntas simples e diretas para conseguir informações principais e depois conversas descontraídas, com fim de sentir detalhes da personalidade de cada um. Alguns idosos têm dificuldade e pouca clareza na fala o que torna mais difícil a compreensão momentânea de algumas respostas. Além da fala, a lembrança também fica dificultada com o passar dos anos e nem todos os itens conseguem ser respondidos pelos entrevistados. A diagramação do livro-reportagem foi uma dificuldade também inesperada. Imaginei que seria fácil, mas demorei três dias utilizando os programas PageMaker e CorelDraw e contando com auxílio do professor Márcio Licerre para que a produção do projeto saísse conforme o imaginado.

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1.3 Objetivos Alcançados A pesquisa teórica foi extremamente enriquecedora. Os conteúdos explicados de forma clara, confirmaram a importância do tema e auxiliaram na hora de realizar a parte prática. Bibliografias com fácil acesso pela biblioteca da UFMS e disponíveis na internet. A visitação ao asilo e as conversas com os personagens foram tão fundamentais para a produção do livro, quanto para realização pessoal. Foi extremamente gratificante conhecer histórias, conversar, receber carinho, rir, me emocionar e criar laços com pessoas tão cheias de vivências. Um dos principais objetivos é que a linguagem das reportagens fosse feita de forma livre e humanizada, fugindo dos padrões do jornalismo diário e convencional, acredito que tenha se cumprido. A diagramação do livro seguiu um projeto que prioriza a acessibilidade para os idosos, com letras maiores e um formato também maior, que facilita a leitura.

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2 – SUPORTES TEÓRICOS ADOTADOS: A autora Eliane Brum (2008) escreveu a reportagem A Casa de Velhos, no livro O Olho da Rua. Nessa reportagem ela conta a história de alguns idosos dentro de um asilo no Rio. Discorre sobre quem são, quais suas histórias e o que fazem na casa de repouso. Para fazer essa reportagem, Brum (2008) se mudou por uma semana para o Asilo, a fim de poder caracterizar melhor o ambiente e os personagens. É uma leitura fundamental para a elaboração desse trabalho, principalmente por colaborar com um texto humanizado e com a exposição de dificuldades encontradas pela autora, para elaboração de um trabalho semelhante a este produto. Na monografia Perfil dos Idosos em Instituições Asilares de Tres Municipios do Sul de Minas Gerais, a autora Luisa Barbosa Messora (2006), pesquisa qual o perfil dos idosos que residem em três asilos no interior de Minas Gerais, mas, o trabalho dela foi voltado à saúde desses idosos e a gostarem ou não dos asilos. No Projeto experimental de livro-reportagem Eu Sei da Minha História: Uma Concepção Sobre Memórias de Idosos, a autora Thalita de Oliveira Fernandes Pinto (2014) discorre sobre as impressões dela ao permanecer uma semana em um asilo também no interior de Minas Gerais, de alguns personagens e da ambientação do local. Os idosos são parte grande da população e, para a autora Camarano (2007), a sociedade brasileira diminuiu a taxa de fecundidade e mortalidade, ocasionando uma população cada vez mais velha. Isso, por si só, não é o problema, mas sim a união de: mudança nos casamentos tradicionais que vai desde aumento de separações até pessoas que não se casam mais, aumento de escolaridade feminina ligado a inserção das mulheres no mercado de trabalho. Tanta mudança sugere um aumento na qualidade de saúde desses idosos, mas a autora explica que, ainda assim, essas pessoas mais velhas são mais frágeis física e mentalmente, necessitando de cuidados especiais. Além de mais numerosa, essa nova coorte será composta por mulheres com um perfil diferenciado das atuais idosas. Serão mais escolarizadas, mais engajadas no mercado de trabalho e com menor numero de filhos, características compatíveis com o fato de fazerem parte da coorte que participou da revolução sexual e familiar ocorrida a partir de meados da década de 1960. Em síntese, espera-se que aumente o numero de idosos dependentes de cuidados e que a oferta de cuidadores familiares se reduza. (CAMARANO, 2007, p. 170)

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Assim, a autora questiona a quem caberia a responsabilidade e o cuidado sobre o idoso se há, então, a diminuição de membros familiares. Para ela, ainda há um tabu sobre as residências permanentes de idosos porque não é uma escolha comum em países do hemisfério sul. A sociedade enxerga no asilo um lugar de abandono e para a família sobra o sentimento de culpa pela decisão pelo abrigo. A autora reafirma que parte desse preconceito é fortalecido pela legislação, que determina que a família seja responsável pelo idoso, mesmo que essa “guarda” não seja a mais apropriada para o sexagenário. Isto está expresso na Constituição Federal de 1988 e foi reforçado na Política Nacional do Idoso, de 1994, e no Estatuto do Idoso, de 2003. Essa legislação é resultado dos valores e dos preconceitos dominantes quanto ao cuidado institucional e os reforça. (...) Além disso, há que se reconhecer a existência de pessoas que envelhecem sem familiares próximos. (CAMARANO, 2007, p. 170)

Ainda conforme a autora, essa teoria de que o melhor lugar para o idoso residir é a casa de familiares é, basicamente, uma idealização de bom lar. Há altos índices que comprovam a realidade ruim da violência doméstica, ou seja, os conflitos familiares existem. Enquanto isso, alguns idosos sozinhos buscam e conseguem as seguranças e amparos necessários em asilos. Além de todas essas pontuações, há também a representação do asilo na opinião dos idosos. Camarano explica que há não só uma ruptura com o laço familiar, mas também a dificuldade em adaptar a uma nova rotina com pessoas desconhecidas e regras já preestabelecidas. Esse trabalho objetiva abordar o tema de idosos em asilo a partir de um livroreportagem. Para Belo (2006), a maior parte dos livros-reportagens existentes no Brasil são biografias. A explicação é simples: a população tem curiosidade pela vida de pessoas públicas, o que esses personagens fizeram para alcançar o sucesso ou, até mesmo, sabe a opinião dessas figuras públicas sobre determinados assuntos. Mesmo com essa preferência pelas biografias, há espaço para incontáveis subgêneros nos livrosreportagens. (...) bastidores da política e da economia, importantes relatos de feitos esportivos, perfis, livros com entrevistas, historia da música e narrativas históricas sobre agremiações esportivas ou de crimes de toda natureza

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etc. A variedade permite concluir que o universo de gêneros abordados pelo livro-reportagem é tão extenso quanto os assuntos passíveis de uma reportagem. Tende ao infinito. E há mercado para tudo que atice a curiosidade humana. (BELO, 2006, p. 63)

Como a base desse trabalho é o jornalismo, é importante a retomada desse assunto, relacionada ao formato reportagem. Para Lage (2001), o início do jornalismo era, na verdade, feito a partir da opinião dos responsáveis pelo jornal, que o autor denomina como “publicista”, na época com tendências políticas. Essa prática é comum até os dias de hoje, porém, divididas por gêneros como colunas, crônicas ou outras formas textuais em que o autor tem liberdade de emitir opinião. Apesar de similar aos dias de hoje, essa prática perdeu espaço na época da revolução industrial, em que a população não aceitava mais imposições de cunho político. Foi necessário mudar progressivamente o estilo das matérias que os jornais publicavam. A retórica do jornalismo publicista era impenetrável para os novos leitores, herdeiros de uma tradição de cultura popular muito mais objetiva. Além disso, a guerra de opiniões perdia interesse porque não havia, como antes, aristocracia poderosa para se opor ao pensamento burguês e a organização dos operários para a ação política contínua sempre esbarrou em grandes obstáculos – quando não a repressão policial, a repressão econômica. (LAGE, 2001, p. 13)

Desde o surgimento do jornalismo, já se pensava na melhor forma de produzir o texto. É preciso se atentar ao formato tanto visando o público, quanto a mensagem. Conforme Lage (2001, p. 15), “o paradigma para isso era a literatura novelesca: o sentimentalismo, para as moças; a aventura, para os jovens; o exótico e o incomum, para toda a gente.” Com a opinião do público cada vez mais necessária para o sustento dos jornais, o mercado exigiu profissionalização e, então, surgiu um conjunto de técnicas, como, por exemplo, o lead – informações essenciais da notícia logo no começo do texto. Ainda conforme o autor, no início do século XX houve uma mudança nas redações, antes cada profissional exercia apenas uma função estabelecida, agora exigise pró-atividade, o repórter, por exemplo, além de apurar as informações é responsável por redigir o texto e por parte da edição da matéria. Lage (2001, p. 21) classifica: “Se os séculos XVII e XVIII foram os do jornalismo publicista e o século XIX o do jornalismo educador e sensacionalista, o século XX foi o do jornalismo-testemunho.” 14


Ainda para o autor, o repórter é o “agente inteligente” de uma reportagem. Ele deve ser o leitor na hora do relato, deve ser comunicativo, adaptar-se ao ambiente e ser pró-ativo. O autor compara o repórter com um computador que busca incansavelmente os dados e pesquisas de quem usa a máquina. Mas esse comparativo coloca o repórter em desvantagem, já que para o homem é difícil ser imparcial. (...) ao contrário de qualquer máquina, agentes humanos, como os repórteres, têm sua própria tendenciosidade. Construíram, ao longo da vida, uma série de crenças e padrões de comportamento que nem sempre se adaptam à tarefa que executam e, principalmente, às intenções daqueles que estão representando, isto é, os leitores. (LAGE, 2001, p. 24)

Lage (2001) conclui que quando o repórter trabalha em uma empresa com princípios semelhantes aos dele, é possível, então, representar melhor os leitores. Por “princípios” entende-se os hábitos, assuntos, formas textuais etc. Kotscho (2005) coloca o perfil como formato humanizado de produção de conteúdo, principalmente porque nesse caso o repórter tem chance de trabalhar mais o texto e pode escrever sobre diferentes objetos, desde um personagem até algo inanimado. Mas, segundo o autor, para que o perfil seja feito, é preciso ter domínio de todas as informações do tema. Kotscho (2005, p. 42) explica que “(...) para ir fundo na vida de uma pessoa ou de um lugar, é preciso, antes de mais nada, conhecê-lo bem.” O autor trata de perfis em jornais impressos, propondo que o repórter deve estudar o personagem, sentir e ter sensibilidade para saber qual detalhe será o enfoque da matéria. Principalmente porque cada personagem age de forma diferente e, portanto, exige uma postura diferente do repórter. Kotscho (2005, p 43) conclui que “Há personagens transparentes, que revelam seu perfil na hora: vão falando sem esperar perguntas; outros, exigem muita paciência do repórter, que não deve ficar aflito quando a conversa foge do seu roteiro.” É clara a necessidade de um preparo antes das entrevistas, o autor ainda lembra a importância de preparar boas perguntas e pesquisar polêmicas acerca do tema, mesmo que o personagem faça, algumas vezes, isso por si só. Kotscho (2005, p. 45) fala que “Quando o personagem se abre, não é preciso a gente ficar falando dele.” Nesses casos, cabe ao repórter ouvir, prestar atenção e depois seguir fielmente a entrevista dada. Além de ouvir, o autor propõe, por fim, que acompanhar o dia-a-dia do personagem é uma das 15


tantas maneiras de produzir um perfil. A descrição da rotina pode mostrar características fundamentais para a caracterização de um personagem. Sodré (1986) traça um comparativo entre reportagem e conto literário, fazendo valer a narrativa literária como forma de escrita também jornalística. Ele cita uma linha teórica que caracteriza o conto literário por elementos como: “força, clareza, condensação e novidade” e mostra que esses mesmos itens estão, também, presentes no jornalismo. Força – Um texto tem força quando arrebata o leitor e faz com que ele chegue ao fim da narrativa. (...) Clareza – atributo indispensável ao jornalismo, diz respeito à objetividade narrativa, com vistas a compreensão imediata. (...) Condensação – ou compactação de elementos. Diz respeito não apenas ao acúmulo, mas à concentração e síntese com que se manipulam os recursos narrativos e descritivos. (...) Tensão – Está ligada à dosagem com que os elementos são dispostos em sequência, mas fazendo com que essa dosagem sirva a um clímax, isto é, vá em direção a um ponto de interesse máximo dentro da história. (...) Novidade – De modo algum deve ser confundido com “novismo” – a inovação forçada e gratuita. Novidade pode estar ligada ao acontecimento inédito (uma história surpreendente), mas também diz respeito à observação diferente de qualquer assunto. (SODRÉ, 1986, p. 75 e 76)

O autor completa (p. 87) que em textos de “reportagem-conto” as informações são escritas através de um personagem e os dados são incluídos durante a história. Há também a “reportagem-crônica” que é uma narrativa semelhante ao conto, mas tem a maior diferença na abordagem do personagem, ou seja, em como ele é descrito. Enquanto no conto o personagem é autônomo, tem vida própria, na crônica é figurante e tem suas histórias narradas. “O que estamos chamando de reportagem-crônica, portanto, tem caráter mais circunstancial e ambiental. Sendo pequena, não é notícia, nem tem a abrangência da grande reportagem. (...) chega perto da crítica social e da opinião velada”. O livro-reportagem é tido como formato ideal para essas narrativas, seja unindo uma série de textos jornalísticos ou fazendo uma reportagem com linguagem literária. Entra em cena, agora, o formato perfil, ainda para o autor (p. 125), é preciso detalhar o ambiente e em seguida caracterizar um personagem que marque o momento. “De qualquer modo, existe sempre um momento na narrativa em que a ação se interrompe para dar lugar à descrição (interior e exterior) de um personagem. É quando o narrador faz o que, em jornalismo, convencionou-se chamar de perfil”. 16


Ainda para Sodré (1986, p. 126), o gênero perfil implica no detalhamento de um personagem e da vida dele, podendo ser feito de duas formas: “ou mantém-se distante, deixando que o focalizado se pronuncie, ou compartilha com ele um determinado momento e passa ao leitor essa experiência”. A primeira forma é feita por entrevista, sem necessidade até de ser presencial, enquanto a outra exige a vivência da realidade do personagem, pelo repórter. Tratando-se de personagens de perfis, o autor identifica três tipos: o “personagem individuo”, caracterizado por, justamente, individualizar. Ele mostra a diferençado personagem para com o comum; o “personagem tipo” que é aquele comum, mas que se destaca por uma característica que o fez chegar mais distante que os outros. E o “personagem caricatura”, regado de características únicas e diferentes, normalmente, nesse ultimo caso,usa-se humor na linguagem. Lima (2009, p. 427) aborda o perfil como gênero humanizado que intensifica e relata, no texto, as características dos personagens. “(...) texto que retrata um indivíduo como em uma arqueologia psicológica que vai escavando e trazendo à tona seus valores, suas motivações, talvez seus receios, seus lados luminosos e suas facetas sombrias, quem sabe”. Piza (2004) reúne em seu livro diversos perfis de cientistas, artistas e escritores. Com uma breve introdução, o autor apresenta o personagem e traça o perfil deles através da entrevista com sequência de perguntas e respostas redigidas. Pena (2008) descreve o jornalismo literário como alternativa para os padrões de linguagem impostos pelas grandes mídias, mas não apenas isso: Significa potencializar os recursos do jornalismo, ultrapassar os limites dos acontecimentos cotidianos, proporcionar visões amplas da realidade, exercer plenamente a cidadania, romper as correntes burocráticas do lead, evitar os definidores primários e, principalmente, garantir perenidade e profundidade aos relatos. (PENA, 2008, p. 13)

Apesar da diferença entre as formas de escrita do jornalismo tradicional e do literário, o autor pontua que o jornalista que opta pelo texto literário não deve perder origens importantes da profissão, como a apuração de fatos, por exemplo. Outra diferença seria a despreocupação com a factualidade do texto. Além disso, é fundamental que o jornalista foque no cunho social de seus textos, priorizando, no caso do literário, a 17


linguagem humanizada e não há necessidade de seguir o padrão textual imposto pelas mídias impressas, como o lead, por exemplo. E, por fim, falando-se de livro-reportagem, o autor afirma a necessidade de que o livro perpetue-se por um longo tempo e não tenha conteúdo descartável, que não gera longo interesse. O autor (p. 21) ainda classifica o jornalismo literário como gênero jornalístico. Para ele, a característica principal é a forma de narrativa. “Acredito que o conceito está fundamentalmente ligado a uma questão lingüística. (...) assim, defino jornalismo literário como linguagem musical de transformação expressiva e informacional”. Para Piza (2009), é importante estar preparado para a entrevista com perguntas relevantes, que fujam das tradicionais. Além disso, é fundamental conhecer bem o entrevistado até mesmo para saber o melhor formato para o texto, seja uma narrativa ou uma sequência de perguntas e respostas. Quando ele não diz nada a não ser lugar-comum, é preferível escrever um texto corrido, como um perfil, o qual pode dar muito mais informações e interpretações sobre aquele personagem. Um dos males do jornalismo atual é ficar demais no terreno do declaratório. (PIZA, 2009, p. 86)

Piza (2009) completa ainda que o perfil é um gênero de reportagem interpretativa. O gênero demanda espaço, para o caso de ser feito em jornal impresso, por exemplo. Mas para o autor, o problema é outro: romantizar ou negativar feitos e gestos dos personagens. Isso é feito a partir de como o perfil é escrito, mas o autor acredita ser um defeito do jornalismo brasileiro. Em geral, no jornalismo brasileiro, os perfis terminam sempre glamourizando o personagem (detalhando alguns de seus gestos elogiáveis, por exemplo) ou desancando-o (dando corda para seus detratores), dois erros semelhantes pelo fato de que põem o autor à frente da obra. (PIZA, 2009, p. 84)

Muito se falou sobre gêneros jornalísticos, Ferreira (2012) explica em sua pesquisa que os gêneros textuais existem desde a época da Grécia antiga com Platão e Aristóteles, mas foi apenas com o Correio Braziliense que esses gêneros jornalísticos tomaram forma informativa e opinativa no Brasil. Como sabemos, os gêneros surgiram há séculos, e tiveram origem na retórica. A primeira sistematização dos gêneros ocorreu com Platão e

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Aristóteles, seu discípulo, na Grécia antiga. Os gêneros refletiam sobre a identidade dos textos, portanto, deram as distinções entre poesia, prosa, tragédia, comédia e outros tipos de discursos. (FERREIRA, 2012, p.3)

Ferreira (2012, p. 10) explica que os gêneros são mutáveis, apesar de estáveis. Eles se adaptam ao interesse dos consumidores e, por ventura, ao interesse dos produtores das notícias e usuários dos gêneros jornalísticos textuais.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS A produção deste trabalho não resultou apenas no livro-reportagem, mas em uma vasta bagagem de experiências pessoais. A relação com idosos é frágil, por terem restrições oriundas da idade, como, por exemplo, dificuldade de lembrar determinados acontecimentos, fala comprometida e movimentos mais lentos. Mas são pessoas com muita experiência, disponibilidade e carinho para agregar a quem quiser e tiver interesse. Dos idosos que vivem no asilo São João Bosco, cerca de dez são lúcidos. Ao andar pelos corredores, é possível observar tantos sentados em suas cadeiras de rodas, com os olhares longe, restritos a um corpo que já não mais responde. Outros não são cadeirantes, mas as ideias não são tão claras. No dia 24 de novembro de 2016, em uma visita ao asilo, escrevi sobre o senhor Francisco: “esta é a quarta vez que o sr. Francisco entra na sala de espera. Ele vem com toda essa dificuldade de andar, arrasta o chinelo branco encardido, balbucia palavras incompreensíveis e sai. A camisa azul está bem passada, combina com a bermuda bege. Fico imaginando o peso de carregar suas pernas, sr. Francisco. Que carga pesada. Ele veio de novo e depois saiu”. A parte física debilitada dos idosos, portanto, foi uma das dificuldades encontradas na realização das entrevistas, seja pela dificuldade da fala ou por poucas lembranças claras. Foram cerca de cinco meses de visitas semanais para observações, conversas, jogos de baralho e aprendizado. No início havia resistência de alguns idosos em contar detalhes pessoas de suas vidas, mas com o tempo e convívio eles se sentiram confortáveis e, ao final do trabalho, já não só conversavam, mas me beijavam e abraçavam a cada nova visita. Acredito que a divisão das etapas do trabalho foi adequada. Primeiro houve a coleta de informações sobre o asilo São João Bosco com a própria equipe da instituição, depois o estudo teórico, que foi fundamental para a elaboração dos textos para o produto. Após finalizar a pesquisa, iniciaram as entrevistas, elaboração dos textos, obtenção de foros e, por fim, diagramação e edição do trabalho. Mas, o objetivo que mais almejava era usar a linguagem humanizada e, desta forma, respeitar os personagens.

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REFERÊNCIAS BELO, Eduardo. Livro-reportagem. São Paulo: Editora Contexto, 2006. BORGES, Rogério. Jornalismo Literário: teoria e análise. Florianópolis: Editora Insular, 2013. BRUM, Eliane. A casa de Velhos. In: O olho da rua. Editora Globo, 2008. CAMARANO, Ana. Instituição de longa permanência e outras modalidades de arranjos domiciliares para idosos. In: Idosos no Brasil: vivências, desafios e expectativas na terceira idade. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2007. Dados Sobre Envelhecimento no Brasil. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-idosa/dadosestatisticos/DadossobreoenvelhecimentonoBrasil.pdf> Acesso em: 22 de novembro de 2016. FERREIRA, Fábio. Gêneros Jornalísticos no Brasil: estado da arte. Intercom, 2012. KOTSCHO, Ricardo. A prática da reportagem. 4ª edição. São Paulo: Editora Ática, 2005. LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001. LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas Ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. Barueri, SP: Manole, 2009. MEDINA, Cremilda. Entrevista: o diálogo possível. São Paulo: Ática, 1991. MESSORA, Luisa Barbosa. Perfil dos Idosos em Instituições Asilares de Três Municípios do Sul de Minas Gerais. Alfenas: 2006. Disponível em: <http://www.unifalmg.edu.br/gpaf/files/file/monografia%20luisa.pdf> Acesso em: 22 de novembro de 2016. PENA, Felipe. Jornalismo literário. São Paulo: Editora Contexto, 2008. PINTO, Thalita de Oliveira Fernandes. Eu sei da minha história: uma concepção sobre memórias de idosos. Viçosa: 2014. Disponível em: <http://www.com.ufv.br/pdfs/tccs/2014/Thalita%20Pinto.pdf> Acesso em: 22 de novembro de 2016. PIZA, Daniel. Jornalismo cultural. 3ª edição. São Paulo: Editora Contexto, 2009.

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PIZA, Daniel. Perfis & entrevistas: escritores, artistas, cientistas. São Paulo: Editora Contexto, 2004. SODRÉ, Muniz. Técnica de reportagem: notas sobre a narrativa jornalística. São Paulo: Summus Editorial, 1986

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ANEXOS Tabela 1:

Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2010

Tabela 2:

Fonte: IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2011

23


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