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“A MOST DELICATE MONSTER” CONSTRUÇÃO DO POEMA COMUM
“Armada”, enquanto substantivo, feminino, entenda-se, é o conjunto dos navios e tropas de mar de uma nação. Enquanto adjetivo, feminino, entenda-se, é aquela que tem arma ou está munida de arma. Somos uma armada de pele sem rostos que convoca tempos e cheiros da amável Lisboa de outra década. Cidade ainda pequena e marcada pelo salazarismo. Invencível vitória é chegarmos aqui, a este século intempestivo, impessoal, despersonalizado. Somos onze mulheres que se desmultiplicam num espaço que trespassa paredes. Não há teatro, não há representação. Antes de tudo (e sobretudo): o desejo de dizer na boca e no corpo as palavras que sobram do quotidiano. Tomamo-las à Invencível Armada, livro de poemas da autora Maria da Graça Varella Cid.
É curioso que estas palavras que nos servem de título, tão imperialista e belicista, associado à nossa história enquanto nação, estejam inscritas naquela que é a história dos homens (com “h” pequeno, entenda-se) do nosso país. Aquilo que fazemos neste projeto – a nossa Invencível Armada – tem precisamente a ver com isso: potenciar uma outra perspetiva histórica que não a de relegar o papel feminino na construção coletiva para um lugar de sombra. O que seria das Armadas se, de coração na boca, fossem feitas de escuta, de intimidades, de amor?
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Queremos trazer para a luz o trabalho poético de uma mulher em concreto, a Maria da Graça Varella Cid – as palavras dela crescem nas nossas bocas – bocas bala, bocas flor – e instalam sonhos. São coisas do mundo novo por vir, coisas de quem quis fazer do chão um lugar de justiças e plenitudes, com riso e amor. Coisas de quem, entre papéis e canetas, também soube olhar as estrelas, arar a terra, fazer amor, erguer o punho. Coisas de pele, carne, osso-osso, carne, pele, palavra, voz, corpo - corpo, voz, palavra. De dentro para fora – de fora para dentro. Do direito e do avesso. Coisas de corpo manso que se desmorona e reconstrói a cada eco. Organismo vivo que se transmuta com a força do coletivo.
Convocamos, por isso, a multiplicidade de vozes, de corpos, de energias, de identidades que compõem este grupo de invencíveis. E somos invencíveis porque estamos armadas de cumplicidade – assim queremos expandir o nosso império. Um império onde cabem todas as cidades, todas as pequenas aldeias. Onde as fronteiras servem como propósito para o elogio da multiplicidade, para o espectro de luzes, em profunda intimidade. Um império que seja um corpo inextenso, comum e astronáutico, que come, dorme, e tem sentidos como nós. Um império que também sonha, anda e fala.
Aceita, então, o convite para a descolagem. Toma este copo de chá invisível e plana entre estrelas a bordo da nossa pele. Vem ao encontro do corpo, dos olhares, e das nossas consciências.
Teceremos calmamente os fios que nos unem. Os olhares tornar-se-ão mais fortes e reais. A armada imaginada é agora real?
Respiramos o mesmo ar banhado em esperança e construímos com as mãos de todos o que é nosso também.
Ouve-nos. shhhh…
Não nos vejas.
Não nos olhes até sentires.
Até nos sentirmos.
Até existirmos sem matéria.
Até não sermos. ___ . ___ .
Shhhh
Começar pela raiz.
Mulheres Avós
Mães
Irmãs
Filhas
Tias
Que por nascerem São o portal Da criação E revolução.
Bruno Caracol estudou Design e Artes Plásticas na FBAUL em Lisboa, vive em Montemor. Tem trabalhado como artista plástico, participando em Festivais na Europa e na América do Sul. Colabora com o UMCOLETIVO, como cenógrafo, desde 2018.
Bruno Huca é nascido e criado em Moçambique e fez a licenciatura em Teatro – Formação de Atores na Escola Superior de Teatro e Cinema. Iniciou a atividade profissional em 2005, em projetos com vários encenadores e encenadoras, criativos e criativas, e trabalhou em vários países. É ator, cantor e compositor.
Cátia Terrinca nasceu em Lisboa, em 1990. É portuguesa e cabo-verdiana, vive em Portalegre. Fundou em 2013 a estrutura UMCOLETIVO, à qual se dedica enquanto criadora e atriz. Interessa-lhe procurar um lugar humana, artistica e civicamente no mundo. É mãe do Jacinto e do Delfim.
Cheila Lima. Mãe da Beatriz e do Gabriel. Atriz. Atriz que canta, atriz que é mãe e trabalha, filha da Dona Fernanda e do Dino, tia da Michy, neta postiça da Avó Ivone.
David Costa é formado em Design pela Universidade de Aveiro e tem trabalhado em áreas diversas do design de produto e comunicação. O seu percurso inclui também a participação voluntária em projetos de criação gráfica, desenho livre e pintura mural.
Elizabeth Pinard nasceu na província do Huambo, em Angola. Iniciou o seu percurso musical como cantora de Gospel no coral Cem Vozes. Participou em diversos projetos musicais. Atualmente, além de fundadora, é cantora no grupo Soul Gospel.
Inês Sousa tem 21 anos, é filha de Cabo-Verdianos e vive na Apelação. É atriz no Teatro Ibisco, associação à qual preside. Atualmente, frequenta o 2º ano do Curso Técnico Superior Profissional de Apoio a Crianças e Jovens no ISCE.
Joana Martins nasceu em Viseu, em 1994. É intérprete, criadora e formadora de teatro/expressão dramática. Mestre em Teatro – Encenação e Interpretação – pela ESMAE (Porto), trabalha sobretudo em teatro e por todo o país, em particular nas regiões norte e centro. Cofundou a estrutura colaborativa BANQUETE, de investigação e criação multidisciplinar em artes.
Júlia Zinga nasceu em Angola em 1967. Começa a dançar com 13 anos e integra o Ballet Nacional de Angola, onde também trabalha como professora primária. Em Portugal, é cuidadora e formadora na área da animação sociocultural, além de trabalhar em projetos de dança na comunidade.
João P. Nunes nasceu em Lisboa e licenciou-se em Cinema. Atualmente, trabalha sobretudo como desenhador de luz e faz a direção técnica e de produção no UMCOLETIVO.
Mariana Bragada é cantora, compositiva e produtora do projeto musical Meta_. É sonoplasta e intérprete de diversos projetos do UMCOLETIVO. Colabora recentemente com Xinobi no álbum Balsame e faz parte da banda ao vivo do mesmo. Participou no Festival da Canção 2019, como compositora e intérprete.
Mariana Correia nasceu em 1986 e é portimonense. Utiliza a voz e o violoncelo como meios de expressão artística, completando-a com a dança, improvisada ou de cariz tradicional, e o teatro. Encontra na improvisação e na junção destes elementos a sua matriz performática. É membro fundador, compositora e intérprete de O Lado de Dentro, Um, Dois, Trio e Orquestra do Bairro.
Patrícia Andrade nasceu em Lisboa. Estudou na Escola Superior de Teatro e Cinema. Entre o Teatro e a Música, procura aliar e fundir as duas no seu percurso artístico. Tem duas gatas: Santa e Jacinta.
Raquel Pedro nasceu numa aldeia à beira-mar, onde firmou a sua relação com a natureza e os animais. Especializou-se em Realização Plástica do Espetáculo na Escola Artística António Arroio, onde se politizou e acabou por seguir para a licenciatura de Estudos Comparatistas, passando a focar-se em análises literária a partir de uma perspetiva feminista e pós-colonial. Atualmente trabalha no UMCOLETIVO e escreve ilustrando na Gerador.
Ricardo Boléo é mestre em Teatro pela ESTC, licenciado em Estudos Artísticos pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e frequentou as Faculdades de Comunicação, História e Letras assim como a Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia no Brasil. Escreve diversos artigos sobre Teatro e Dramaturgia, trabalhando regularmente como encenador, dramaturgo e dramaturgista em diversos espetáculos. Fundou em 2013 a UMCOLETIVO.
Sara Afonso nasceu em Coimbra, em 1989. É licenciada em Dança pela Esco- la Superior de Dança (2010) e certificada pela FOR Dance Theater – C.O.R. (2016). Trabalha com foco no movimento e na imagem. Promove e participa como coreógrafa, intérprete e criativa em eventos nas áreas da dança e dos audiovisuais, a par da sua atividade educativa. Em 2023, integra a equipa da Associação Cultural CHÃO FIRME.
Sara Brandão nasceu no Porto a 21 de dezembro de 1997. Licenciada (2019) em Design de Comunicação pela FBAUP e Mestre (2022) em Estudos Literários, Culturais e Interartes pela FLUP, frequentou também, em 2022, o curso de facilitadores em Práticas Artísticas Comunitárias da Pele Associação Social e Cultural. Integra projetos que cruzam várias áreas artísticas como o teatro, as artes plásticas e a literatura.
Teresa Machado nasceu em 1990 na Figueira da Foz. É licenciada pela ESTC desde 2011. Trabalhou profissionalmente com O Teatro da Garagem, António Mortágua, Nuno Nolasco, Bárbara Bruno, Silvestre Correia, Marco Lima. Entre 2015 e 2021 trabalhou consecutivamente com o encenador Tiago Vieira.
Lan Amento Livro
Poesia Incompleta, de Maria da Graça Varella Cid
10 fevereiro, sexta-feira, 18h
Sala Mário Viegas
Entrada livre, sujeita à lotação da sala
Poesia Incompleta, de Maria da Graça
Varella Cid, é o primeiro dos livros da coleção Ventriloquia, da UMCOLETIVO e da Tigre de Papel, que pretende dar a conhecer obras de mulheres que escreveram em língua portuguesa no século XX.