Tenaz - Uma História de Divergente

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CAPÍTULO 1

Anna Ruess 21ºC - Parcialmente nublado Romulus, Estado de Michigan Aeroporto Metropolitano de Detroit

A vida que o Governo deu aos habitantes da cidade, fora da cerca, não é fácil, mas pelo menos eles sabem maior parte verdade. Há cidades em todo Centro-Oeste cercadas e divididas em grupos, elas são controladas pelo Departamento. Eles não sabem sobre nós. Eles não sabem como é viver fora da cerca, na cidade, com terroristas. Eles não sabem que fazem parte um experimento para eliminar tudo de ruim que há nos seres humanos. Mas eu sei. Eu sei que esses experimentos não podem mudar o instinto humano. Eu sei que não podemos aceitar que as cidades com facções vivam com recursos que nós fora da cerca não temos. Eu sei como é viver fora da cerca e quero mostrar isso a eles. Não sou um exemplo para a transformação do mundo e muito menos para mudar algo em mim. Trabalho para o governo e isso poderá me ajudar em minha tarefa de acabar com o Sistema de Facções. O helicóptero pousa bruscamente no asfalto velho, nas suas extremidades ele já se tornou um farelo cinza, quase pó. Em minha frente um prédio com o letreiro DEPARTAMENTO DE AUXÍLIO GENÉTICO – DETROIT. Tudo parece bem novo e bem velho ao mesmo tempo, mas é melhor do que encontramos em Ann Arbor, uma cidade próxima ao Departamento que sofre ataques terroristas constantes. Eu moro lá desde que nasci. Não conheci meu pai e minha mãe foi morta quando foi ao Largo Huron comprar comida com as economias que havia feito. Eu tinha 5 anos. A partir dai várias pessoas me ajudaram, acabei entrando pra Universidade Michigan e me formei em Engenharia Elétrica. Foi nesse ponto que o Governo me chamou para trabalhar com eles e aceitei. Eu odeio o Governo. Além de deixar 95% das cidades pequenas abandonadas e lotadas de terroristas, eles abrem espaço para que o Departamento possa fazer o que bem entender com os recursos e com as cidades. Por que estou trabalhando para eles? Não estou. Eu estou trabalhando para mim, eu tenho os meus objetivos. Planejei isso a minha vida toda e aceitei esse emprego porque agora poderia ficar mais próxima a Detroit e seu Sistema de Facções.


Fiquei sabendo que o Departamento não contrata pessoas de fora, todos que trabalham lá estão em suas funções desde que nasceram. Porém eu tive sorte e eles não têm outra escolha a não ser me contratar. Devido a alguns acontecimentos, que não me informaram quais são, algumas regiões da Erudição e da Abnegação estão sofrendo com apagões, então me chamaram para ver o que está rolando. Essas são as vantagens de ouvir os conselhos de minha mãe. Ela sempre me disse para fazer aquilo que gostasse, mas acima de tudo fazer aquilo que proporcionaria o bem a muitas pessoas. Uma típica Abnegada, com certeza. Como as cidades racionavam energia à noite decidi fazer algo voltado a isso e ver no que dava. Desço do helicóptero e três pessoas se aproximam. Um homem careca e um pouco rechonchudo e duas mulheres com cabelos até o ombro, elas são muito parecidas exceto pela cor de cabelo roxo e loiro. Conforme andam até parecem robôs. -Olá Taylor – diz o homem careca cumprimentando o Subsecretário de Relações do Governo – tudo certo eu espero. -Ah claro Vaylor, tudo certo. A senhora Anna está completamente ciente do protocolo do Departamento e está disposta a cooperar com vocês. Disso eu tenho certeza. Eles conversam sobre mim como se eu nem estivesse aqui. -Prazer, sou Anna Ruess – falo antes que Vaylor comece a tagarelar sobre outros assuntos com Taylor – Engraçado os seus nomes. Taylor e Vaylor. -Mais respeito mocinha... – o tom da voz da Cabelo Roxo é de alguém que fuma a muitos anos, rouca e áspera, quase inaudível. Vaylor olha para Cabelo Roxo e acaricia o seu rosto com toda sutiliza. Era quase impossível imagina que um homem daquele tamanho pudesse agir tão dócil. -Deixa disso pra lá Violet, ela só quer ser legal – dessa vez ele olha no fundo dos meus olhos, mas não aguenta mantê-los por muito tempo e dirige-se a Taylor – Se tudo está bem, hora de irmos. Taylor monta no helicóptero que nem havia desligado as hélices e a aeronave levanta voo e some de vista. -Estou ansioso para a novidade do momento. – Vaylor coloca a mão em minhas costas sinalizando para que andássemos rumo ao Departamento. -Desculpe? – digo sem pensar e tirando a mão dele das minhas costas. -Desculpa o que? - pergunta Vaylor. -O que o senhor estava querendo dizer com “a novidade do momento”? -Estava falando de você é claro – ele e as duas moças começam a rir. Fico esperando eles pararem, o que não demorou muito. Eles perceberam que não achei graça. -Um pouco mais de senso de humor cairia bem – disse Vaylor – Já que estamos num clima tenso, vou chamar Lisa para te acomodar em seu novo lar. Caminhávamos em direção a várias portas, todas com sensores de metal. Jatos de ar quente foram lançados em nós para que bactérias fossem eliminadas.


Paylor e as duas garotas saíram e mandaram ficar esperando num hall de entrada onde havia um enorme mapa. Lá claramente eu podia notar Detroit com um ponto azul bem a direita, Ann Arbor a esquerda, o pequeno lago Michigan, Chicago também com um ponto azul, mais ao noroeste Minneapolis também com um ponto azul e abaixo Indianapolis com um ponto laranja. Estava tão distraída que não vi Lisa chegando, de tão distraída ela precisou ficar de frente comigo. -Nunca viu um mapa? – disse rindo – Brincadeira. Seja bem vinda ao Departamento. Meu nome é Lisa. A garota tinha um cabelo curto e bem bagunçado e o mais incrível: era branco como neve. Ela estendeu uma mãe ara mim e com o outro braço segurava uma prancheta com diversas anotações. Apertei a sua mão e me apresentei. -Que nome bonito – nunca me falavam isso, até porque meu nome era quase o nome da minha cidade natal, então todos me chamavam de Anna Arbor. Lisa foi a primeira. -Obrigada – disse secamente. Defeito um. Nunca conseguia ser simpática com as pessoas e muito menos reagir a elogios. Não sei como explicar, mas Lisa parecia entender o que acontecia dentro de mim, ela não me olhou com uma cara de “que mulher grossa” ou “você deveria pelo menos sorrir” ao contrário, ela sorriu e me levou ao meu dormitório. -Já vi que você não é muito de conversar Anna, mas precisaremos que se solte se quiser trabalhar aqui o Departamento. Estava atrás dela enquanto ela abria a porta com meu cartão. -Ah não, eu só... bem, eu achei que você não quisesse papo comigo só isso. Sou bem comunicativa, sempre precisei ser. Sabe né? -Não sei né – eu e ela demos uma risada rápida – Pode entrar no seu novo quarto. Entrei no quarto e ele era muito melhor que qualquer lugar que eu já havia morado em Ann Arbor. Havia uma cama de casal só pra mim, um banheiro enorme, uma mesa, estante. Era tudo muito bom. Deixei minhas malas sobre a mesa. -Eu posso? -Claro. É o seu quarto. Tirei os sapatos e sentei na beirada da cama deixando os pés pendurados alguns centímetros do chão. Lisa estava saindo do quarto então a chamei. -Lisa! – ela voltou no mesmo instante – obrigada, de verdade. -De nada – ela respondeu com o mesmo sorriso simpático de sempre – Amanhã cedo irei apresentar você as suas tarefas e ao babaca do Richard. Ainda hoje deixo o seu uniforme pela passagem de entregas. - Ela apontou para uma porta ao lado da porta e estava escrito DESGARREGADO. -Estando tudo certo pra você eu me despeço comandante Anna – ela fez uma pose teatral muito engraçada e deixou o quarto.


*** Aqui dentro é tudo tão branco que chega a dar medo. Acordo cedo, visto meu uniforme de cor verde claro e me dirijo ao segundo andar como havia combinado com Lisa no dia anterior. Ela está lá com o mesmo uniforme que o meu e ao seu lado um rapaz muito bonito está conversando com ela. Chego pigarreando para chamar atenção. -Olá Lisa, dormiu bem? -Muito bem. -Ótimo. Olhe, esse aqui é o Richard que te contei ontem a noite – ela dá uma risada e não tento fazer uma cara neutra. Richard olha pra mim e estende a mão para me cumprimentar. -Prazer Richard, meu nome é Anna. -O prazer é meu Anna. Vejo que já conversaram sobre mim... -Ah não, a Lisa só falou que você iria me apresentar as tarefas. -Está preparada? – ele me pergunta. -Claro. -Então me siga, preciso te mostrar algumas coisas primeiro – ele vira de costas para mim com uma pose de líder, até parece um soldado marchando. Aqui no segundo andar é possível ver grande pare das pistas do aeroporto e como dizem: é realmente enorme. Richard não parecia tão babaca como Lisa havia dito. Seguimos rumo à torre de controle onde há duas salas. Richard passou o seu cartão e entramos. A sala era toda cinza e no lugar das janelas haviam centenas de telas e nelas era possível ver Detroit. Nunca fui a Detroit, mas conhecia a cidade pelas minhas pesquisas na faculdade, conseguia ver o monumento do The Spirit of Detroit (O Espírito de Detroit) e o belo McGregor Memorial. Lisa sentou-se em uma cadeira vaga, haviam mais quatro pessoas ali, todas sentadas uma ao lado da outra com caneca e um caderno. Olhavam as telas e escreviam, olhavam e escreviam. Só podiam estar fazendo relatórios do que acontece nas Facções. -Anna? - Richard estalou o dedo para eu prestar atenção nele – Precisamos subir mais um pouco, vou conversar com você em particular explicar sua função. Agora eu estava sozinha numa sala com um cara que a única coisa que eu sabia dele é que ele era um babaca. -É o seguinte – sua voz saiu tremida, então ele tossiu para que só voz ajustasse – desculpe, você foi contada pelo Departamento para nos ajudar no monitoramento de Detroit, assim como eu e... -O QUE? -Calma, por favor, calma. -Calma? Eu sou formada pela Universidade de Michigan e teria que resolver os problemas de energia da Abnegação e Erudição. Isso não foi combinado. -Anna, por favor, me escuta – ele se aproximou e colocou suas mãos em meu ombro e rapidamente tirei-as de cima de mim – Eu, Lisa e todos aqui no Departamento somos formados em alguma coisa. A maioria das pessoas que trabalham aqui nasceram no


Departamento, na nossa adolescência fizemos nossas faculdades e aprendemos tudo o que é preciso para manter o Sistema em Detroit. Nunca saímos daqui, sempre vivemos pelo Departamento. -O que eu tenho a ver com isso? Não me importo com a sua história. Estou aqui para solucionar o problema de energia e não tomar conta de um jogo de manipulação. Me afastei de Richard e estava pronta para sair daquela sala, mas não tinha escolha. Pra onde iria? -Pelo menos você teve uma vida fora daqui – ele disse aquilo mais baixo do que o normal – Sabe quantas pessoas que trabalham aqui são de fora do Departamento? Apenas uma. Apenas Anna Ruess. -Preferia mil vezes ter uma vida aqui dentro. Você não sabe o que é viver sem pais, passar fome ou fugir dos Rebeldes – estava falando mais alto que o normal. Tarde demais. A porta abriu e Vaylor entrou na sala. -O que está acontecendo aqui? – perguntou Vaylor furioso. Não respondi. Se respondesse seria algo como “VAI SE FODER VELHO MENTIROSO” -Estava explicando para Anna suas funções aqui no Departamento, mas ela não quis aceitar sua função - explicou Richard. -Talvez eu possa te explicar melhor como funcionam as coisas aqui no Departamento. Por favor, Richard saia da sala. Olhei para Richard e vi o quão injusta fui. Ele não tinha culpa do que eu havia passado e pelo que o Departamento me obrigou a fazer. A porta bateu e lá estava eu e o único babaca que havia conhecido aqui. Dessa vez não aguentei e sai logo falando. -Por que eu não vou exercer aquilo que eu realmente sei fazer? -A resposta é: Você é de fora do Departamento, não podemos confiar completamente em você, entende? Por isso te demos um cargo importante, só que menos arriscado para o Departamento. Então, se você souber se comportar em seu cargo de monitora e se sair bem, veremos o que poderá fazer. Então tudo se tratava de confiança. E pelo visto não poderei entrar em Detroit tão cedo quanto esperava. -Caso não queira o seu cargo como monitora iremos designa-la para o serviço de limpeza, o que acha? – ele rio. -Não entendi a graça. -Não tem graça mesmo, mas seria engraçado ver você limpando o chão com esses braços minúsculos. Imagine só. – e rio mais um pouco. Babaca, pensei. Revirei os olhos e sentei na mesa que estava ao centro. -Quanto tempo isso pode durar? -Isso vai depender de você. Faça um bom trabalho e será recompensada – Vaylor abotoou seu terno e saiu caminhando até a porta. Antes que pudesse fechá-la retornou a sala e me chamou. -Não escolhemos você á toa. Não nos decepcione.


*** Sai daquela sala e fui direto para o meu quarto pensar. Minha mãe sempre dizia “Se quer agir contra alguém deve se pensar bem e ver as vantagens que essa atitude trará. Se for para o bem, faça sem pensar duas vezes. Caso contrário o mal pode ser uma arma contra você mesmo”. Eu queria agir contra o Departamento e acabar com o Sistema de Facções. Se isso faria o bem? Claro que faria. Tanto para Detroit tanto para o povo que vive fora de lá e eu precisava fazer isso de dentro dele. Sempre ouvia meu pai dizer “Esses Rebelde nunca vão parar de matar gente inocente e o governo nunca vai conseguir pará-los. Se alguém algum dia quiser detê-los terá que ser de dentro deles. Um grupo se destrói por dentro”. Foi então que pensei, tentei pensar como meu pai pensava sobre os Rebeldes, e percebi que o cargo de monitora seria espetacular para a minha missão. Eu poderia conhecer ainda mais Detroit, conhecer as pessoas que vivem lá e depois dar o golpe final: invadir o Sistema e destruí-lo, de dentro para fora. Ideias e mais ideias surgiram em minha mãe. Peguei papel e caneca e comecei a bolar um plano. Melhor não, pensei, é mais seguro tudo ficar na minha mente. -Anna! – alguém batia na porta – sou eu Lisa, posso entrar? -Claro Lisa, entre! -Anna, sinto muito pelas mentiras, mas não é culpa nossa. São ordens do Vaylor.


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