Calheta de pero de teve adip 1983

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CALHETA

DE PERO

PONTA

ASSOCIAÇÃO

PARA

A DEFESA

DE T E V E

DELGADA

E INVESTIG AÇÃO DE S. M I G U E L

DO

PATRIMÓNIO

CULTURAL E NATURAL


GALHETA

DE

PERO

DE

TEVE

INTRODUÇÃO

P o r t o de P ero de Teve, v a ra d o u ro de p e s c a , r e s t i n g a d a G a lh e ta ,

sao de_

s i g n a ç o e s que servem sempre o c e n á r i o que em oldura t o d a e s t a zona r i b e i r i n h a de P o n ta D elgada. C idade que é , f r e g u e s i a de e n ta o , é a q u i que se i d e n t i f i c a , de c e r t o modo, a v o caçao d e s t e aglom erado p o p u l a c i o n a l , que n a s c e u v i r a d o pa r a o mar e que do mar r e c e b e u o so pro de c r e s c im e n to que h o j e te s te m u n h a . Do mar p o rq u e , a q u i, n os p r im ó r d i o s ,

se aconchegaram as s u a s p r i m e i r a s c a s a s , do

mar, p o rq u e , m ais t a r d e ao lo n g o da b a í a f o i c re s c e n d o o po ntão da d oca,

de

a co rd o com o seu d e s e n v o lv im e n to e s i t u a ç a o de p r i v i l é g i o . Do mar a in d a ago­ r a que, s i l e n c i a d o o vaivém dos p a q u e te s , l h e f i c o u o g o s to da m a r e s i a que a s e u s p é s se e s p r a i a . Na â n s i a do p r o g r e s s o que t o d o s d e se ja m o s, p o r i s s o mesmo, l h e queremos s a l v a g u a r d a r a f e i ç a o m a r ítim a de e n t a o , num marco t a n t o qu a n to p o s s í v e l sua i r r e f u t á v e l p e rso n a lid a d e .

Se o " c o n c r e t o " a d e s v i r t u o u d a s s u a s

d a s " , do "C a is d a A lfâ n d e g a " , avançam a g o r a , em l a r g a c a v a lg a d a d e sm e su ra d a a l t u r a e a l t i v e z ,

da

"axca-

g i g a n t e s de

em nome dum d i s c u t í v e l p r o g r e s s o . F u n c i o n a l i d a

de e " e s p a ç o s " e s t a o h o j e n a r a z a o d i r e c t a d as r e s p o n s a b i l i d a d e s de quem pre: c o n iz a "u rb a n iz a r" . de de ordenam ento

A u r b a n i z a ç a o e s t á , p o i s , n a ordem do d i a p e l a e d e s e n v o lv im e n to em fu n ç a o

do

pode nem deve s e r h o r a de d e s t r u i ç ã o s i s t e m á t i c a .

n e ce ssid a

f u t u r o . P o r i s s o mesmo, n

As c i d a d e s t a l como os h o ­

mens tendem a d e i x a r o marco d a s u a i d e n t i d a d e . Daí, te rm o s de o l h a r o f u t u ­ ro com c o n f i a n ç a ,

o que p r e s s u p õ e d e i x a r o ontem

em ordem, p a r a o r e s p e i t a r

como origem comum

e p r o s s e g u i r com i d e n t i d a d e

p ró p ria.

A "CALHETA DE PERO TEVE" - HOJE A cerca do que a C a l h e t a de P ero de Teve f o i , em r e l a ç a o ao que h o j e p o d e ría m o s d i z e r como d i s s e L u í s B ern ard o L e i t e At a íd e a c e r c a da c i d a d e , g e ra l:

em

"Só p o r um ou o u tr o porm enor s o b r e v i v e n t e do d e s g a s t e do tem po, d a s i n

v e s t i d a s dos s is m o s , e da d e s t r a i ç a o dos homens, podemos v i s l u m b r a r ,

SÉDE

é,

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embora

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a& ^ a & tm é&7l£C> í

tenuemente, o que seria a arquitectura das casas dos nossos remotos antepas­ sados de quinhentos” (6 ), No entanto,

a Càlheta de Pero de Teve respira hoje como parte viva duma

cidade que tem uma h is tó r ia e vive um presente. Há traços, talvez os c ia is ,

essen­

os que fazem dela o que ela mesma é, que permanecem hoje tal como o fo^

ram ontem. Dos documentos seleocionados e reproduzidos em anexo, recolhe-se da bruma dos gOj

porta

tempos a imagemde

de entrada e saída da

uma Calheta, lugar de trabalho,porto de abri cidade, looal de reunião dos

representantes

do povo e terra de boas gentes que acolhem frades ou peregrinos.

Se nao, ve­

jamos: 1 - A Calheta de Pero de Teve é local habitado já no tempo de Pero de ve,

filho

que.

Como

de Gonçalo de Teve Palm, mandado a S. Miguel pelo Infante D. Henri­ se sabe,

o Infante B.

Henrique morre em 1460.

Por outro lado e

se­

gundo Lúcio de Azevedo "parece que a colonizaçao dos Açores nao principiou an tes de 1439 procedendo em seguida lentamente” ( 7 ). O liv e ir a Marques, por seu lado,

afirma "Só no decénio de 1460 é que os Açores se converteram em objec­

to de permanente in teresse" ( 8 ) .

Relacionados todos estes dados poderemos a-

firmar sem grande medo de errar que Gonçalo de Teve Palm terá sido dós primejl ros habitantes da ilh a tendo-a pisado num período em que ainda nao haveria um "permanente in te resse" por ela, já que esse "in te r e s se " t e r ia surgido já após a morte xado na

do Infante.

Consequentemente, Pero de Teve é provável que

se tenha f:L

Calheta nos fins do séc. XV ( 2 ).

2 - No tempo de Gaspar Fructuoao na Calheta h avia "custosas casa s" herdeiros daquele que lhe deu o nome. Mas a Calheta era sobretudo por ser um local de trabalho, ros,

se lavava roupa,

dos

conhecida

de actividades produtivas, onde se ferravam car

se granava pastel e se iniciavam viagens para a ilh a e

para fora dela ( l ) . 3 - No primeiro quartel do séc XVI o povo da Calheta dispoe-se a receber no seu seio frades àa Ordem de S. Francisco ( 3 ) . 4 - A Calheta de Pero de Teve é local il h a sereunem no ano de 1534»

junto ao poço (hoje

precisamente designada por Rua do Poço), bastiao,

padroeiro da ilh a ,

onde os representantes

do povo da

existe na Calheta uma rua

perto do mar, onde se proclama S.

e se estipula o dia da semana

Se^

quinta-feira - em

que seria celebrado com missa cantada. Este culto ainda hoje perdura (4)»

. . . /• • • SÉDE

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5 - A C a l h e t a f o i l o c a l de t r a b a l h o p o i s n e l a h a v i a "um poço" e um " t o r no de ág ua" ( l ) o que e r a m u ito i m p o r t a n t e numa povoaçao em que a. ág ua

era

b o a mas pouca e em que "nem a r o u p a se l a v a senao à borda, do mar" ( 5 )* A Ca­ lh e ta

se ria ,

sem d ú v id a , um d e s s e s l o c a i s em que a s moças i r i a m l a v a r ro u p a

à b e i r i n h a do mar. 6 - Na C a l h e ta em f i n s do séc XIX e s t á e s t a b e l e c i d o o GAZdMETRO. Tem um v a ra d o u ro e uma p o p u la ç a o m a r ítim a de 94 p e sc a ,d o res, que possuem 22 b a r c o s pa. r a a e x p lo r a ç a o p i s c a t ó r i a .

Tem um p o s to f i s c a l que c o b r a im po sto de p e sc a d o ,

e um pequeno c a i s que s e r v e p r i n c i p a l m e n t e p a r a e x p o r t a r p o z z o la n a " ( 9 ) . 7 - C a l h e t a j á i m o r t a l i z a d a n a l i t e r a t u r a de cunho p o p u l a r como l o c a l de p re o c u p a ç o e s , d e s g r a ç a e f é .

C alheta, sím b olo da t e r r a e do mar que definem o

i l h é u (lO ) . 8 - A C a l h e t a j á e s t á i m o r t a l i z a d a numa s i g n i f i c a t i v a t e l a de M e s tre Do mingos

Rebelo que é p r o p r i e d a d e da E s c o l a S e c u n d á ria .,A n te ro de Q uental. ( P i g l )

jMPllMMMi

PIG 1 . . . /• SÉDE

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9

- Gomo zo n a l i m í t r o f e e p o p u l a r que é nao se conhecem r e f e r ê n c i a s a

d i f í c i o s sum ptuosos ou im p o n e n te s e x ce p tu a n d o a c a s a d a Boa-Hora ( a c t u a l peni_ t e n c i á r i a ) que f o i c o n s tr u íd a , p o r B a l t a z a r Rebelo e que tem s id o sucessivam eri t e d e s f i g u r a d a e que m e re c e rá t r a t a m e n t o a p a r t e . As s u a s c a s a s t e r a o t i d o sem p r e o c a r á c t e r que a p re se n ta m h o je : r ú s t i c a s ,

p e q u en a s, de um ou d o i s

p iso s,

m u ita s com b a l c a o n a f r e n t e . 0 c a s a r i o d e s e n h a - s e num p e r f i l h a rm ó nico em que nao h á ( a i n d a ! ) volum es d i s s o n a n t e s ou form as e x c e s s iv a m e n te g r i t a n t e s . Olhan do-o de lo n g e ,

f a z - n o s l e m b r a r o b lo c o a r q u i t e c t ó n i c o c r i a d o p o r um g ra n d e a r

t i s t a i n g l ê s em V i l a Moura, que s e r v e de c e n á r i o à m a rin a e que nao d e i x a

de

s e r um " p a s t i c h e " d a q u i l o que n ó s tem os e que n o s f o i le g a d o p e l o s n o s s o s an­ t e p a s s a d o s , com n a t u r a l i d a d e e b e l e z a . Dos im ó v e is e x i s t e n t e s n a C a l h e t a , a l ­ guns merecem mençao p o r a lg u n s p orm enores e t r a ç o s que a i n d a p a te n t e ia m ,

(fig

2)

PIG 2 . . . /•.' SÉDE

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o n ee

PIG 3

E s t a c a s a a t e s t a , p e l a d i s t â n c i a d a s s u a s j a n e l a s a s u a a n t i g u i d a d e . As p a r e d e s q u ase c e g a s sao r e m i n i s c ê n c i a da a r q u i t e c t u r a m e d i e v a l / r u r a l .

SCOE

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.t

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PIG 4

C asa pequ ena, r ú s t i c a ,

de p o r t a e j a n e l a em que a i n d a e p o s s í v e l v

c h a n f r o g ó t i c o o que n o s p e r m ite a v e n t a r a h i p ó t e s e de que s e r a dos séc -XVII. De l a s t i m a r a d e tu r p a ç ã o o p e r a d a no b a lc a o e n a p o r t a bem como c -pé.

SÉDE

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FIG 5

A c a s a da d i r e i t a p a r e c e a p r e s e n t a r o m b r e ir a re d o n d a n a p o r t a , tem uma d i s p o s i ç ã o de j a n e l a s e p o r t a b a s t a n t e a s s i m é t r i c a s .

Se a o m b r e ir a c o r r e s p o n

de à form a p r i m i t i v a (o que só se p o d e r i a v e r i f i c a r p o r d e s t r u i ç ã o tura a c t u a l )

da c o b e r ­

e s t a r í a m o s c e r ta m e n te p e r a n t e um e x em p lar do séc XVI ( ? ) .

A c a s a que e s t á ao c e n t r o pocas bem d i s t i n t a s .

a p r e s e n t a uma c u r i o s i d a d e . P e r t e n c e a duas é —

A p a rte re fe re n te

pequenas g a t e i r a s t í p i c a s d e s t e t i p o

ao r é s —do—chao s e r i a do séc XVT com as

de c a s a p o p u l a r e que s e rv ia m p a r a ilumi_ ... /.. •

SEDE

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a

e

c& t^ a A trn én eo

nar o sótão; o primeiro andar terá sido acrescentado por volta do séc XIX co mo atesta a sua varanda de taça redonda com verga e streita e recta. Ambas têm balcao na frente.

PIG 6

Casa típ ic a de porta e duas janelas com balcao, beiral duplo.

• .. /.

SÉDE

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FIG 7

No c a n to i n f e r i o r e s q u e rd o ,

p o r d e t r á s dum c o n t e n t o r de l i x o e s t á

uma

p o r t a que p e r t e n c i a à c a s a f o t o g r a f a d a e que c o n s t a d a s f i g s 7 e 8 . E s s a p o r t a a p r e s e n t a c h a n f r o g ó t i c o e p o r i s s o é ainda, um te ste m u n h o do séc

XVI. Em

f u t u r o a p ro v e ita m e n to d e s t e e sp a ç o s e r i a elem enta,r e x i g i r que a facha,da da no v a c a s a r e p r o d u z i s s e , t a n t o q u a n to p o s s í v e l a da, d e m o lid a .

... /•. .

SÊDE

P R O V I S Ó R I A : RUA

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FIG 10

fV

Casa situada na esquina da Rua Melo Abreu com a Rua do Negrão e que aprje senta na fachada janelas de avental (cobertos por c a l) e vergas do séc Na parede lateral

XVII.

(a da Rua do Negrão) tem uma jan ela com vergas de arco aba­

tido característica do séc X V III o que nos permite dizer que talvez seja

uma

casa de transiçao dos séculos referidos.

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FIG 11

Esta ê uma casa cujo 1® andar apresenta tal grau de pureza arquitectóni­ ca que nos permite dizê-la do séc X V III: altas e abauladas bem ao gosto do século.

as vergas das janelas e varandas sao As varandas sao de madeira. 0 rés-do-

-chao ê um desastre.

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FIG 12

Casa de in flu ên cia inglesa,

SÉDE

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séc XIX

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PIG 1 3 C o n stru ç ã o j á do séc XX. B a rra c a o do p e i x e .

(O e d i f í c i o da é s q u e r d a )

V aradouro de p e s c a .

PROVISÓRIA:

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16) ?cm<?

CONCLUSÃO

A CALHETA DE PERO DE TEVE tem tuna h is tó r ia - a h is tó r ia A Calheta

de Pero de Teve tem vida, tendo como fundo as

da cidade. suas casas

de

pequeno porte e séroeas equilibradas. Deixemos que o mar venha até ao seu paredao,

ainda de basalto sobrespos.

to ( f i g 1 4 ) e se espreguice em seus toscos varadouros, num cenário

natural

que o homem, seu "usurá rio" a li estabeleceu em íntima convivência. Convictos

deque todo um conjunto como este tem seu lugar numa

que se retrata no mar, queremo-lo situar no lugar certo e na espreitam-no já da Av. D. Joao I I I , blocos h abitacionais,

cidade

hora c erta,p o is

que o lim ita a nascente a arrogância dos

grandiosos mas despersonalizados e a poente o terminus

da 1* fase da Avenida Litoral com seus maçames de cimento em espirais de al­ turas vertiginosas. Mesmo na iminência do gradual desaparecimento do pescador artesanal, no barco de boca aberta, poderão muito bem aparecer as actividades duma marina ou as airosas embarcações do clube naval a animar de novo este mar e estes va radouros. Se com imaginaçao soubermos preservar este lugar pitoresco,

será sem dú­

vida património "su i g e n eris", numa cidade que precisa reencontrar-se, padrao do que foi e do que pretende ser,

como

em funçao da sua própria personali­

dade e entao, dum verdadeiro progresso.

Em face do exposto propomos:

1 o Que a Calheta passe a denominar-se:

CALHETA DE PERO TEVE

2» Que toda a zona da Calheta ..de Pero Teve seja considerada "Z V N A P.HOTE GIDA".

PONTA DELGADA,

SÊDE

PROVISÓRIA:

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4 de Julho de 1983

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ÍNDICE DAS CITAÇÕES

( 1 ) G aspar F r u c tu o s o , Saudades d a T e r r a , L i v r o IV, v o l I I , pp 82. P. D elga­ da 1 981 ( 2 ) Idem, Livro IV , vol I , pp 58-59» P» Delgada 1924 ( 3 ) P r. A gostin ho de Monte A lv e m e , C r ó n ic a s d a P r o v í n c i a de S. J o a o Evange l i s t a das I l h a s dos A ço res, vol I I ,

e d iç a o do I n s t i t u t o de P o n ta D elga­

da, 1961, pp 23 ( 4 ) Idem, pp 439 ( 5 ) P a d re A ntónio C o r d e ir o , H i s t ó r i a I n s u l a n a , Ed S e c r e t a r i a R eg io n al da Edu c açao e C u l t u r a , 1981, pp 139 (6 )

Luís Bernardo L eite Atayde, Etnografia Arte e Vida antiga dos Açores,vol

III,

pp 283-296, Coimbra, 1974

r

(7)

Damiao P e r e s , H i s t ó r i a de P o r t u g a l , vol

(8)

O l i v e i r a M arques, H i s t ó r i a de P o r t u g a l , v o l

III,

pp*628, B a r c e lo s

I , pp 222, L i s b o a ,

MCMXXXI 1972

( 9 ) G a b r ie l d 1 Almeida, D i c c i o n á r i o H i s t o r i c o - G e o g r a p h i c o dos A ç o r e s ,P. D el­

g a d a, 1893 , pp 99 ( 1 0 ) Luís Bernardo Leite Atayde, Etnografia Arte e Vida antiga dos Açores,vol

IV, pp 1 0 3 /4 , Coimbra, 1974

RUA

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A P E N D I

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DOCUMENTOS CITADOS

1

- " E s ta c id a d e de P o n ta D elgada é a ssim chamada p o r e s t a r s i t u a d a ju

t o de uma p o n ta de p e d r a de b i s c o u t o , d e lg a d a e nao g r o s s a como o u t r a s da i l h a , q u a se r a s a com o mar, que d e p o is , p o r se e d i f i c a r m ais p e r t o d e l a e rm id a de S a n ta C l a r a , se chamou p o n ta de S a n ta C l a r a ; a n t r e a q u a l a da Galé se fa z uma gran de e n s e a d a , j á d i t a ,

uma

p o n ta e

de com pridao de t r ê s l é g u a s . Tem

um q u a r to de l é g u a de com prido, e de l a r g o , no meio do co rp o d e l a , um bom ti_ ro de e s c o p e t a ; começa s u a com pridao n a c a s a dos h e r d e i r o s do m a n g n ífic o Bal_ t a s a r R ebelo , da p a r t e do o r i e n t e , f o i B a l t a s a r R oiz, de t o que

e a c a b a em c a s a do e s f o r ç a d o e f o r ç o s o que

S a n ta C l a r a , ou a i n d a além, d a b a n d a do p o n e n t e j e ,

no p r i n c í p i o e fim t e n h a só uma r u a , p e lo meio tem t r ê s ,

co e s e i s ,

q u atro ,

por c in

a t r a v e s s a d a s de n o r t e a s u l , em s u a l a r g u r a , com m ais de d e z a s s e i s

n o t á v e i s r u a s , a f o r a m u ita s a z in h a g a s e b e c o s e o u t r a s r u a s menos p r i n c i p a i s e cursadas.

Quase em t o d a s e l a s h á c a s a s u m p tu o sa s -e r i c a s ,

s o b ra d a d a s e mui^

t o a l t a s , mas p o u c as de d o i s s o b ra d o s , e h á p a ç o s , de f i d a l g o s e homens pode_ rosos,beirti!l.avTados, a f o r a o s que a g o ra começa o s e n h o r Conde, q u a se no

meio

d e l a , e t o d a s a s c a s a s t a o f o r t e s e e d i f i c a d a s com a m e lh o r a l v e n a r i a que se pode a c h a r em m u ita s p a r t e s , c a i a d a s p o r d e n tr o e p o r f o r a , que parecem f o r ­ t a l e z a s . M u ita s das q u a i s sao t a o n o t á v e i s e l u s t r o s a s que f o r a r a z a o ( s i c . ) p a s s a r p o r e l a s , nem p o r s e u s donos, com s i l ê n c i o } mas, p o r nao c a u s a r f a s t i o , com t a n t a s p a r t i c u l a r i d a d e s , d e ix o a s m ais d e l a s , som ente fazend o mençao d as c o i s a s m ais n o t á v e i s que enobrecem e s t a c i d a d e , n a q u a l , a f o r a d u z e n to s e oi_ t e n t a s o ld a d o s d a F o r t a l e z a , h á m il e q u i n h e n to s e s e s s e n t a e q u a t r o fo g o s e c in c o m il e q u a t r o c e n t o s e s e t e n t a e c in c o alm as de c o n f i s s ã o , d a s q u a i s sao de comunhq .0 q u a t r o m il e d u z e n ta s e t r i n t a e s e i s , em t r ê s i g r e j a s a i s , que h á n e l a .

p a ro q u i­

A p r i m e i r a , da p a r t e do o r i e n t e , é a do P r í n c i p e dos Após­

to lo s,

S. P e d ro , que tem t r e z e n t o s e t r i n t a fo g o s e mil e c e n to e t r i n t a

a l­

mas de

c o n f i s s ã o , d a s q u a i s sao de comunhão o i t o c e n t a s e o i t e n t a e uma, c u jo

p r i m e i r o v i g á r i o f o i E s tê v ã o A lv re s T e n r e i r o ( . . . ) E s t á e s t a f r e g u e s i a em um a l t o , j u n t o do mar, onde se e s t a o vendo da s u a p o r t a p r i n c i p a l os n a v i o s a n c o r a d o s e o s

v ®ra à. v e l a , e quase t o d a a c i d a ­

de d i a n t e de s i ; com que é mui a p r a z í v e l e m u ito m ais s e r á a n o v a que a g o ra se o rd e n a m e lh o r, de n a v e s , no mesmo l u g a r , c u j a c a p e i a-mor se a c a b a r á cedo. Há n e s t a f r e g u e s i a t r ê s o r n a d a s erm id as: uma da Madre de Deus, que mandou f a . . . j 9. . SÉDE

PROVISÓRIA:

RUA

TEÕFILO

BRAGA

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z e r Diogo Afonso C o lu m b re iro e f iz e r a m f a z e r s u a m u lh e r B ra n c a Roiz e s u a fi_ l h a I s a b e l C a r n e i r a , em um m onte, de que d e s c o b re g ra n d e p a r t e do mar e

da

t e r r a ; o u t r a , pouco p a r a o n o r t e , de S. G onçalo, ambas de m u ita romagem;e ou tra ,

de N ossa S e n h o ra da N a t i v i d a d e , onde o s p r e t o s da c id a d e têm s u a c o n f r a

r i a.

(• • • ) ( . . . ) Mas é t ã o p o p u lo s a c id a d e e de g e n te t a o r i c a que com tu d o

a in d a

pode,

que m uito l h e c u s t a , e a tem c e r c a d a ao redorr de m u ita s q u i n t a s e po­

m ares, a f o r a os f r e s c o s j a r d i n s que d e n t r o em s i tem. N e la h á poucas-

carnes

p a r a t a n t a g e n te , p e lo que a m ais d e l a se mantém a m a io r p a r t e do tempo

com

p e s c a d o , de que h á , com m u ito s b a t é i s de p e s c a r i a , g ra n d e a b u n d â n c ia . â Tom ando à c o s t a d e l a ( que t o d a a q u e l a p a r t e , p o r s e r de t e r r a b a i x a sem r o c h a e p e n e d ia r a s a com o mar, é bem assom brada e a l e g r e ) a d i a n t e da e n t r a ­ d a d a c i d a d e , d e p o is da c a s a de B a l t a s a r R eb elo , p a s s a d a s algumas r u a s ,

que

vao d a p r i n c i p a l d a r ao mar, e s t á um pequeno p o r t o de c a s c a lh o (chamado a Ca l h e t a de Pero de Teve, do nome de um homem h on rad o que a l i morava, onde

têm

h o j e s e u s h e r d e i r o s s u a s c u s t o s a s c a s a s ) , em o q u a l se l a v a ro u p a e se c o rtem ( s i c . ) c a r r o s n o v o s, d e p o is de f e r r a d o s ; e j u n t o e s t á o poço de D u a rte B orges de Gamboa que, sendo p ro v e d o r da f a z e n d a de e l - r e i , g r a n a r o p a s t e l com água d e l e .

a l i mandou f a z e r , p a r a se

A d ia n te e s t á um t o m o de água, t a o g r o s s o c o ­

mo um b r a ç o , que se d e s c o b re com a maré v a z i a , e se s u s p e i t a s e r f o n t e ou p a r t e de alguma r i b e i r a . Logo e s t á uma p o n ta

pequena ao mar, de p e n e d ia , à

ma­

n e i r a de c a i s ,

a b a ix o da i g r e j a p a r o q u i a l de Sao P e d ro , onde embarcam e

desem

barcam algumas

p e s s o a s p a r a irem a o u t r a s p a r t e s d a i l h a e f o r a d e l a .

2 —" 1 -

Em com panhia de Gonçalo Vaz B o te lh o , chamado o g ra n d e , v e i u a

e s t a i l h a , p o r mandado d ' é l - R e i e do I n f a n t e , Gonçalo de Teve P a i s , n a t u r a l de P a r i s ,

fran cês,

f i l h o de Gonçalo d 'O m e l as Paim, c a p i t a o d ’e l - R e i de F ra n ­

ç a , que em umas g u e r r a s que o Rei t e v e (seg un d o dizem ) com i t a l i a n o s , g u a r d o u e d e fe n d e u com g ra n d e e s f o r ç o uma p o r t a dos muros da d i t a c id a d e de P a r i s , do c o m e tid a dos im ig o s , com que nao e n tr a r a m n ’e l a :

sen

p e lo que, a p a re c e n d o d ia n

t e d ' e l - R e i , que o mandou cham ar d e p o is d ' e s t a v i c t ó r i a , l h e p e rg u n to u

como

s e chamava e resp o n d en d o e l e que seu nome e r a o c a p i t a o Gonçalo d ' O m e l a s P a ir lh e d isse :

- "chamo-vos eu Gonçalo de Teve, p o i s t i v e s t e s com t a n t o

a s p o r t a s da minha c id a d e de P a r i s , p o r onde me d e f e n d e s t e s de nao

esfarço e n tra re m

meus im ig o s n ' e l a " . E d 'a q u i l h e f i c o u e s t e a p e l i d o de Teve, a ê l e e a

seus

. • • /. • • SÉDE

PROVISÓRIA:

RUA

TEÕFILO

BRAGA

N.'

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DELGADA

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<? ^

a

a& fÊ ^L/km w&m<? k

d e s c e n d e n t e s. 2 - Gonçsilo de Teve Paim, f i l h o d ' e s t e Gonçaio d ' O m e l a s P a im ,v in do a e s t a i l h a p o r mandado de I n f a n t e , para r e p a r t i r e d a r t e r r a s

de c u j a c a s a e r a , com g ra n d e s p o d e re s

e com carg o d ' a l m o x a r i f e ,

f o i o p r im e ir o

n 'e la ,

iyirip o G a p itao e ê l e , em nome do R ei, fa z ia m a s das d a s t e r r a s e a r e p a r t i çao d ' e l a s .

Teve d o i s f i l h o s ,

s c . Pero de Teve e Jo a o de Teve ( . . . ) .

3 - Houve Gonçaio de Teve, p r im e ir o a lm o x a r i f e , de s u a m u lh e r, que nao soube o nome, Joao de Teve ( . . . ) :

a

o segundo f i l h o , chamado Pero de Teve, e irm ao do d i t o

o qual P ero de Teve, segundo f i l h o de Gonçaio de Teve, e

que v iv e u n a c i d a d e ,

j u n t o da C a l h e ta , que tomou d ' ê l e o nome, c a s o u

3 - " 1 - S u b v e r t i d a V i l a F r a n c a e um c o n v en to n o s s o que n e l a h a v i a , co mo e s t e e os m ais das ilh & s eram s u j e i t o s à c u s t ó d i a do P o r to , no ano de 1525> como d i z F r u c tu o s o ,

cap. 2 1 5 , f o i .

526, e n v io u o p r e l a d o de l á f r a d e s

para

fundarem c o n v en to n e s t a P o n ta D elgada, sendo v i l a , v in d o p o r seu fu n d a d o r FR. Yasco de T a v i r a e p r e l a d o .

de S.

Foram bem r e c e b i d o s do povo, mas o v i g á r i o

S e b a s t i a o , com os eus b e n e f i c i a d o s , os en co n trav am , nao c o n s id e r a n d o que queremos s u a s alm as e pao, s u s t e n t o d a v i d a , pedin do de p o r t a em p o r t a ; isto n o s c o n te n ta m o s .

com

Foi e s t e e n c o n tr o p a r a a.vivar m ais a devoção em o povo,

que, como via. o n o sso v i v e r de p e r e g r i n o s ,

com desapego do mundo, c a d a um com

a laa e c o ra ç a o n os q u e r i a r e c e b e r em sua. c a s a , a p a t e r n a l b en çao :

para. no j u í z o f i n a l merecerem

- rq u a n d iu f e c i s t i u n i ex h i s f r a t i b u s m eis, m ihi f e c i s t i 1

- Math. e a,ssim é t r a d i ç ã o que o fe re c e ra m t r ê s s í t i o s , um n a C a l h e ta , onde es t á h o j e a e rm id a da Boa-Nova. ( . . . )" .

4 - "No ano de 1534, se a ju n ta ra m a s Câmaras d e s t a i l h a em umas qpe estavam à C a l h e t a , podre B ento Machado,

casas

j u n t o ao poço, à b a n d a do mar, c u jo s í t i o tem h o j e /v /

o

M

orjde tomaram p o r seu p a d r o e i r o a Sao S e b a s t i a o , de t o d a

a. il h a , e advogado da p e s t e .

E no ano de 1546 se a s s e n t o u que à s q u i n t a s - f e i _

ia s se l h e c a n t a s s e m is sa , com esm ola de d o i s mil r e i s " .

5 - "Ká n e s t a Cidade a m e lh o r á r u a que h á em toda. a I l h a ; mas é t a o pou c a* «jue nem moinhos de água tem , senao d a í t r ê s l é g o a s em R ib e ira , Grande, ou ■ o n a m o s lo n g e , em Agua de Pao; e nem a. ro u p a se l a v a senao j u n t o à 4 b n a r , e em ma,ré v a z i a ,

M M W IS O R IA

RUA

TEÔFILO

borda

com alguma água s a lo b ra , que a l i s a i , e c o n tu d o ao re_

BRAGA

N."

6

-

PONTA

DELGADA

TELEFONE

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D

d o r da C idade, e a i n d a d e n t r o d e l a , h á m u ito s pom ares, e j a r d i n s , e m u ita , e e x c e le n te h o r t a l i ç a ;

(...)

6 - "PESCADORES DA CALHETA" - Conto

SÉDE

PROVISÓRIA

RUA

TEÕFILO

BRAGA

N. *

6

PONTA

DELGADA

TELEFONE

2 20 89


PESCADORES UMA NOITE

DA

CALHETA

TRÁGICA

Eram seis da tarde quando três argoladas rijas foram vibradas no portão e me obrigaram a tom ar o caíé apressa­ damente. Era, já o sabia, o Zé Mangulha, que vinha dizer-me ter o barquinho^na água, com a companha à espera, e tudo pronto para a pescaria combinada. E com respeito ao m ar? perguntei; ao que me respondeu com convicção— : «fique vosoria sabendo que não há-ae haver moleste ninum ; está quê rnemo leite, e de mais, a gente vá lá pra fora mas fica-se à abrigada do pareidâ (paredão). O senhor vá gostar a poderies, (muito) e se Des quezer, lá por volta da meia noite, toca não toca, esternos já im terra»). Seduzido por esta cantiga de sereia, fui para baixo e, a.o chegar à Calheta, vi mai escuro, ondulado com salpiques de cabritos lá por fora, e o estômago segredou-me então — não vás — mas, por um a questão de brio, lá saltei para o barco e instalei-me à frente, sentando-me no leito com as pernas pendidas por sobre o alcaçuz. Boa tarde, dei aos da companha, alguns meus conhecidos, sendo correspondido por todos cortesmente. O Pulgueira e o Malassada, ajudados pelo Mangulha e o Gata, tom aram os remos, o Cliarabanca, pai do Mangulha, foi para o lem e; o Boga e o Bizalhó encarregaram-se de dar a últim a demão nos aprestes, picar isca e deitar água fora; e à voz de — larga — lá seguimos com esta distribuição de papéis.


O barquinho seguiu bem, a princípio, mas, depois, ao safar-se dos calhaus, fez três cortesias de se lhe tirar o chapéu e lá continuou às cabeçadas, no rumo da ponta da doca, então, um a longa restinga de pedra solta, restos do antigo molhe destruído, em algumas horas, pelo memorável tem po­ ral de Dezembro de 1894, conhecido pelo de Nossa Senhora d a Conceição.

* *

*

Vinha caindo a noite; o casario da cidade era jâ um am álgam a negro, pontuado aqui e além, pelas luzes dúbias dos bicos de gás da iluminação pública, anêmica e bruxuleante e dos candeeiros de petróleo das habitações da beira-mar, destacando-se, apenas, do palor diáfano em que o céu papejava, no delíquio habitual do poente, as silhuetas da forta­ leza, das chaminés da fábrica de álcool de Santa Clara e as de algumas araucárias piramidais, de aspecto soturno e porte m ajestático. t A natureza inteira, assim como o meu pobre estômago, iam-se cobrindo de luto pesado. As primeiras aflições assaltaram -me acompanhadas de suores frios precursores de próximo cataclismo, e senti pre­ núncios de neurastenia, com o espírito já encinzado de mágoas. À proa, as ondas cavavam-se cada vez mais fundas e, quando cortadas a fio direito pela roda, sangravam espumas geladas que pulverizadas pelo vento, nos cobriam de salitre e melavam a pele e o fato. Ao passarmos a ponta da doca, o balanço acentuou-se mais, e, nessa altura, apesar de ter enchido bem os pulmões de ar, procurando avigorar, com aspiração profunda, as forças que sentia fugirem-me do corpo, tentei gritar, mas só consegui, em clamor, perguntar ao Mangulha se íamos ainda


m uito para fora, ao que respondeu: «O quê?pois o senhor já está petruvado? acrescentando o Gata, a sorrir, é-me isso é lá cousa que prégunte a um home que já está falando co’a voz por um fio ! A pouta vae d'aqui a um nada pró fundo e quando o barquinho s‘assugeitar, ao vento e der o beiço a ela, o senhor vá ficar mais aleviado dessa sisma#— Chamava cisma ao enjoo, um dos mais horrendos sofrimentos humanos! O cheiro do engodo, o hálito da maresia, e o bafio do barco, anavalharam -m e o estômago de tal sorte que, dali a pouco, o jan ta r saiu-me pela boca e pelo nariz em jacto impetuoso num a explosão furiosa de liberdade, num ímpeto indomável de revolta. Lá da ré o Bizalhó sublinhou o lam entável facto com irónico e esganiçado: — «A que dé rei — e s‘eitivesse adivinhado que a gente trazia, desta vez, ingodo fino, não tinha cozido batata». Confesso que fiquei irritado com a brincadeira' e ia a metê-lo na ordem quando, um a lufada de maresia, mais penetrante, acom panhada dos balanços diabólicos do barco que, já cativo, esperneava com maior energia, me obrigaram a entrar em mudez definitiva e impenetrável. Tal-qualm ente como o engodo, iam tam bém por água abaixo as m inhas derradeiras resistências e tive de confor­ mar-me com a triste sorte de sofrer resignadam ente o pro­ testo das vísceras, e de engolir em seco as chufas espirituo­ sas da m alta. O Malassada, ao passar por mim com um a lata do tal engodo nauseabundo, deu-me o golpe de misericórdia e as tripas já às reviravoltas de grande estilo, ficaram então, vira­ das de to d o ; em convulsões pavorosas agitaram-se-me as entra­ nhas, e pareceu-me estarem a liquefazer-se a carne e os ossos. Num m ovimento semi-inconsciente, quase em sonambu­ lismo, tentei procurar refúgio mais para a popa, e fazendo das fraquezas forças, consegui saltar o banco da proa e trans­ por o de avante mas não pude mais, e num balanço maior


em que todo o corpo parecia descer para os abismos, excepto a víscera que subiu até à boca, amassei-me, sobre linhas, grouzeiros, loros e pedras roladas de lastro, entrando naquela fase espiritualm ente amorfa em que, em botada a sensibilidade, e perdida a noção da existência, se deseja acabar com o to r­ m ento vida. E mais um a vez o cruel Bizalhó zombeteou dizendo: *está já pronto im dia, estirado ai como um crongo (congro)»—, ao que o Gata acrescentou: — tolha onde ele fo i fazer o linheiro ! (ninho)»; um vago estremeção de pundonor percorreu o meu sistema nervoso, meio desfalecido, e procurei ainda reagir; pedi linha, que cheguei a deitar, fazendo corrê-la na lasca, firm ada na cinta, mas antes não tivesse tido esta pimponice porque, mal começou a descer, senti tais engulhos, e tão continuados que só term inaram ao deitar ao m ar o que me restava de carga — a sopa — , conservada no estômago em obediência ao princípio de que os primeiros serão os últimos e vice-versa. Mais festivas e ruidosas romperam as tóanifestações de que fui alvo, tendo fixado esta desapiedada frase que, como cautério, caiu no meu coração: — «vomilha diabo/ / / » — e aba­ ti-me de vez para o fundo do barco, com os ossos num molho e a cabeça entalada entre duas cavernas e a adraga. Completamente narcotizado, adormeci nessa incómoda posição e logo depois fui assaltado por um pesadelo horrível. Encontrei-m e entre chalavazes, e 'estranhos peixes a rabearem em m inha volta e a morderem-me o nariz e as canelas; vi cavalas a sairem da água, do tam anho de bezer­ ros, dando guinchos semelhantes a silvos de locomotiva, e, depois, a cam inhar impávido e majestoso por sobre as ondas revoltas, o Bizalhó, transform ado em T ritão fantasm a, coberto de escamas verdes, coroado de loiros, a tocar, um as vezes, búzio, e outras, recitando versos latinos que atraíam toda a sorte de peixes a saltarem sorridentes para dentro do barco


e em algarada, ao ouvirem o som clangoroso da retorcida tuba. Em volta do T ritão nadavam sereias com focinhos de bruxas que deslizavam apoiadas aos braços de monstros marinos a olharem-me vorazes de dentuça à vista, luzente e acerada. Num esforço sobrè-humano tentava libertar-me daquela aflição m ortal, quando o tirânico Tritão que comia amen­ doim e me atirava, desprezivelmente, as cascas à cara, deu ordem para me obrigarem, à força, a ingerir o engodo e como resistisse à violência, gritou enfurecido — adeitem já ao mar essa minhoca»— e lá fui pela borda fora a espernear dando um berro atroador, como quem se despede deste mundo, acompanhado de estremeção, ao sentir-me mastigado por um dos tais monstros esfomeados. Abrindo os olhos pare­ ceu-me ver ainda sombras tenebrosas no negrume do mar, em volta do barco, e o Pulgueira saudou-me então com uns — <ibüs diasD — brejeiros, estendendo-me uma bilha dè grés com aguardente, para consertar o estômago, oferenda repelida num gesto brando de afastam ento. Coberto de calafrios seguidos de chamas abrasadoras por todo o corpo, meio apavorado, ainda, balbuciei uma súplica em resmungo para que me levassem para terra. J á não podia mais! O Charabanca, então, em voz potente, grita para a proa; — aalevanta a pouta — já temos cá dentro um dez réis de peixe e o raeiro do vento está pegando im coiçaria — (a levantar-se)». O Malassada queria mais peixe e discordou da ordem, e então o Charabanca já zangado diz-lhe aos berros — nquim manda aqui sou ei. É laparoso, arregala-me esses olhos! N ã vês ali aquele negrume?! parece que inha nã estás iscado!... jogo t'abraze! e inha por riba com este home aqui neste preposçto (estado), n u m a lastema que faz partir o coração à gente, n u m a piedade, e que é capaz de nos dar aqui alguns trabalhos.


Ê, me cala-me essa boca. T u andas mesmo há tempos pra cá assim, -a modos, de pra i asno /» E a corda começou a roçar na cinta e, dali a pouco, a pedra tram bolhava na caverna. Metido o m astro e içada a vela, foi o barco rodando em singradura lenta porque trazia pesado lastro de peixe, que, de quando em quando, tentava ressuscitar dando, em m inha volta, pulos sem nexo e contorcionando os rabos flácidos ao exalar o último suspiro^ O coto da vela de sebo da lanterna consumira-se com pletam ente e navegávamos, agora, na escuridão, guiados pelo farolim de luz melancólica, cor de romã, que m arcava, na costa, o porto da Calheta. J O Charabanca (pai como fica dito, do Zé Mangulha), tom ara à sua conta a escota, posto de responsabilidade por se ir ateando o vento em lufadas que faziam adornar o barco. A certa altura, o Mangulha, ao suspeitar que largavam a escota, o que, no momento, era coy|ra-indicado, grita da p ro a : — «quem é o raio do corisco que esta aí nessa morma dessa escota?» «Sou ei, té pá, mei filho». «À .pá do diabo s'arreias um palmo de escota, leva-le o diabo a alma, aos couces, pro inferno!»

* *

*

Chegamos, por fim, ao varadouro da Calheta mimoseados com um a cacimba fria e peganhenta. O Mangulha, compadecido com o meu sofrimento, dá ordem para me desembarcarem ao colo, com todo o geito e cuidado, e aí vou eu de charola, aos baldões pelo ar, tendo, no entanto, m etido um a perna na água até ao joelho e apanhado um safanãu rijo de um que corria em direcção contrária.


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