Seguir ou desistir dos nossos sonhos? Todos temos medos que nos fazem tremer as pernas, nos deixam a boca seca e nos fazem palpitar o coração. Esses medos, se alimentados, transformam-se em inseguranças e comem-nos vivos. Geralmente, sentam-se na ponta da cama e vivem na mesinha de cabeceira. Conseguem sentir se estamos frágeis. Penetram nos nossos sonhos e violam-nos a alma. São gatinhos mansos sempre prontos para arranhar o cortinado da sala ou fazerem do sofá lima das unhas e fazem de nós autênticos vernizes. Questionam-nos sem pudor, ganham a nossa confiança e, em pouco tempo, ganham-nos a nós. São a vozinha na nossa cabeça que nos permite ler para dentro e pensar em silêncio, sermos quem realmente somos. São o diabinho em vermelho com o tridente afiado no ombro esquerdo da nossa mente. Os medos fazem de nós gato-sapato, trinta por uma linha, guiam-nos ao seu bel-prazer e questionam a nossa força e resistência. Somos constantemente bombardeados pela million dollar question: seguir ou desistir dos nossos sonhos? Efetivamente, o percurso que nos leva à meta que idealizamos é, normalmente (e raramente existem exceções), um caminho penoso que requer sacrifícios e força de vontade. De chocolate e café forte. Para os mais excêntricos, sem açúcar. Da luz da mesinha de cabeceira acesa até às cinco da manha e a culpa na secretária, sempre de alguma coisa que ficou por fazer. É tão fácil desistir do que queremos, há quem o faça a toda a hora. E são tantos os motivos legítimos que validam a desistência e o abandono de um sonho. Fácil quanto isto: basta convencer os que nos rodeiam que o que outrora chamávamos de sonho já não faz parte nem incorpora as nossas ambições e em seguida convencem-nos a nos mesmos, alegamos não ter tempo nem disponibilidade, adicionamos pitadas de falsa honestidade e afirmamos não nos adequarmos, citando as nossas repentinas limitações. Os dotados de mais sinceridade, quer consigo mesmo quer com os outros, confidenciam não estarem dispostos ao sacrifício – não se querem dar ao trabalho e, em boa verdade, quem os pode julgar? Dessa forma, não se pode negar que os sonhos morrem, alguns a chegar à praia, outros ainda em alto mar e nada é mais bonito que um sonho que não tem hipótese nenhuma senão desistir – porque é que um escritor que vê, consecutivamente, rejeitadas as suas obras não háde poder desistir e não ser julgado por isso? E porque é que o gato branco às pintas pretas que tenta repetitivamente atacar os peixes laranjas em cima da mesinha pequena da sala de estar, porém sempre sem sucesso, não há-de desistir e ir arranhar almofadas? Há tantas colchas novas e acabadinhas de comprar. Desistir do que nos atormenta é o casaquinho de malha nas madrugadas frias, é tirar as galochas frias num dia chuvoso. É o alívio rápido de quem pousa os sacos pesados das compras para o mês. Tanta variedade de bolachas quando nunca se acerta no biscoito favorito nos três filhos daquele semana. Qual é a vergonha de desistir do sonho que nos consome e nos corrompe o bem-estar para dedicarmos mais tempo a assuntos mais prosaicos? Como nós próprios, que somos, inegavelmente, menos complexos do que os nossos sonhos, por mais pequenos que possam ser.
Por outro lado – inúmeros motivos para seguirmos o que nos apaixona. A expressão facial de quem alcança o impossível vale por mais de mil vitórias. A concretização de um sonho é o alívio da água na garganta depois do chilli picante e a torneira com água fria a correr sobre uma queimadura na mão. O protetor solar quando a pele já não aguenta mais e quando, finalmente e já não era sem tempo, porque Deus existe, aquele vaso tenebroso, sem querer, parte. Completamente espatifado no chão de sala: não há cola no mundo que o salve. Seguir o que nos faz sentir vivos é, literalmente, entusiasmos a mais para dormir. Para que dormir quando vivemos os nossos sonhos acorados? A autossatisfação de quem alcança o que deseja é o verdadeiro motivo para prosseguir os sonhos. Assim, quem decide comprar o bilhete para os seus sonhos, coloca na balança o sonho o drama – o poeta que continua a passar noites em branco agarrado aos papéis amarelados e à caneta azul, com os óculos a escorregar pela ponta do nariz e com os olhos cansados de só quem se inspira à luzinha do cadeeiro da escrivaninha conhece. O próprio gato, se de facto sonha em atacar os peixinhos laranjas, porque poupar-lhes a vida? Ao prosseguirmos os nossos sonhos, os limites do Mundo alargam-nos, libertam-nos de arrependimentos e é através da experiência do sucesso que se lida com o fracasso. Os nossos sonhos definem-nos, desenvolvem a nossa coragem. As pessoas com sonhos são sempre mais interessantes – inspiram-nos, aumentam as exigências sobre nós mesmos, tornam o drama obsoleto. Porque não domar o leão e lutar contra o sonho? Dizem que é sempre preciso lutar contra ele para poder lutar a seu lado. Porque não puxar as mangas da camisola de marca para cima e agarrar o que é nosso? Os nossos sonhos são só nossos e existem vários sonhos mas nunca dois sonhos duas vezes. Porque não levarmos com seriedade o que nos da prazer? Destarte, o segredo da vida é ter sonhos – dá-nos esperança. É quando paramos de procurar monstros debaixo da cama e percebemos que vivem dentro de nós que somos dotados de poder suficiente para os domar. Aos monstros e aos sonhos, que acabam sempre por se fundir. Aqueles que se atrevem a correr atrás dos seus sonhos crescem para ser independentes, crescem para sentir saudades do cheiro de casa. Mais do que sonhar, é importante seguirmos os nossos sonhos, o que nos lava a alma e nos faz respirar fundo e falar apaixonadamente – o que nos entusiasma. Somos os criados dos sonhos e, nesse patamar, não existem limites.