Será mesmo possível uma arte pós-humana, ou um mundo pós-utópico? A velocidade das transformações tecnológicas e suas implicações no corpo, no comportamento e na consciência projetam um cenário vertiginoso e incerto, desafio que não se esgota na reflexão acadêmica, sempre zelosa de novos conceitos. A realidade se desmancha no ar e se reconfigura como virtualidade e espetáculo. Em que software ou aplicativo o sujeito encontrará sua identidade perdida? Em Hiperconexões: realidade expandida, trinta e um poetas de estilos variados toparam a provocação de pensar e escrever sobre o devir, tateando o provisório e flertando com o precário, numa aposta quase insana, ou insólita, de que a humanidade renovada se insinua entre os escombros da civilização formatada pelos códigos do instinto predatório, que ao mesmo tempo soube,
com alguma crítica e autocrítica, tocar a beleza. Poetry in progress, os textos aqui reunidos se deixaram impregnar por questões inquietantes e urgentes, como robótica, nanotecnologia, redes sociais, neurociência, exoesqueletos, avatares e clones, como se eles próprios resultassem de uma experiência no futuro, viagem poética no tempo e no espaço, mergulho visionário no cotidiano em permanente mutação. Palavra e corpo se configuram como artefatos de novas performances, para além da página em branco, e transcendem os padrões cartesianos aos quais nos habituamos. As portas da percepção se abrem para horizontes inauditos, ali onde o poeta ainda insiste em brincar com sinapses, metáforas, conexões. Reynaldo Damazio
Copyright © 2013 dos autores capa e projeto gráfico Matéria-Prima Editorial diagramação Teo Adorno revisão Marcelo Mendes impressão Psi7
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – cip H558 Hiperconexões : realidade expandida / Luiz Bras (Org.). – São Paulo: Terracota Editora, 2013. 96 págs. : 14x21 cm.
isbn: 978-85-62370-91-5
1. Literatura brasileira 2. Poesia brasileira I. Bras, Luiz
cdd cdu
808.81 82-1
Roberta Amaral Sertório Gravina, crd-8/9167
Terracota Editora Avenida Lins de Vasconcelos, 1886 01538-001 - São Paulo - sp Tel.: (11) 2645-0549 www.terracotacultural.com.br
Sumário
9
Work in progress?
15 16
Um esboço de corpo para uma época de excessos O velho Drácula na caldeira do dragão Ademir Assunção
19
No futuro, os poemas Amarildo Anzolin
21
O mundo em codes & versions Ana Peluso
29 31
danúbio azul perfil Andréa Catrópa
32
A coisa Braulio Tavares
34 35
Máquina de afetos Síndrome de Elefante Acorrentado Claudio Brites
36
Vestais Daniel Lopes
38
Oroboro Edson Cruz
39
Não será talvez amor Elisa Andrade Buzzo
41
Pós-você Fabrício Marques
42
Pós-humanismo ou Carne vira máquina, máquina vira carne Fausto Fawcett
52
WWWW Gerusa Leal
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Logout Ivan Hegen
55
navegação Jane Sprenger Bodnar
56
Tela Luci Collin
58
Desobediência civil Luiz Bras
60
Homo sapiens – in memoriam Marcelo Finholdt
62
O desencaixe do sol Márcia Barbieri
64
Ao leitor pós-hipócrita Marco A. de Araújo Bueno
65 66
Eu Perfeito Mariana Teixeira
67
pós-h Marilia Kubota
68
Ode a Aurora Marize Castro
71
Australopithecus digital Ninil Gonçalves
73
Epitáfio Patricia Chmielewski
75
HD 189733b Renato Rezende
76
Uma formiga Rodrigo Garcia Lopes
77 78
O excesso e o silício Serpentário Ronaldo Bressane
79
Mau contato da musa Sérgio Alcides
81
Ataque Thiago Sá
83
Sobre o invisível Tenho sonhado Valério Oliveira
84
89
Falha no sistema www.sinapses.com Victor Del Franco
91
Nós, ciborgues
86
Work in progress?
menos vinte e um
Qualquer contagem regressiva é preocupante. Ainda mais quando não dá pra saber se é a contagem regressiva de uma abominável bomba nuclear ou do lançamento de uma magnífica sonda espacial. menos vinte
Estamos vivendo um momento sem paralelo na história de nossa longa evolução. Depois de humanizar praticamente todo o planeta, o ser humano está bem perto de começar a modificar estruturalmente o próprio ser humano. menos dezenove
A primeira grande revolução tecnológica aconteceu ainda na préhistória, com a invenção da linguagem. menos dezoito
A segunda, com a invenção da escrita. Nossa espécie nunca mais foi a mesma, sua realidade expandiu-se. menos dezessete
Com a invenção da escrita, nosso poder de memorização foi multiplicado infinitamente. A memória humana, até então restrita aos genes e ao cérebro, projetou-se pra fora do corpo e foi parar também nas placas de argila, nos pergaminhos, nos livros. Houve uma explosão de criatividade em todas as áreas do conhecimento. menos dezesseis
A terceira revolução tecnológica, batizada de revolução pós-humana,
9
promete um salto evolutivo tão radical e inquietante quanto o provocado pelas duas revoluções anteriores. menos quinze
Em laboratórios do mundo todo a tecnociência e a biotecnologia estão manipulando, para o bem e para o mal, os múltiplos níveis possíveis de nossa contraditória humanidade. menos catorze
Os primeiros ciborgues – indivíduos com próteses eletrônicas internas ou externas – já circulam entre nós há pelo menos duas décadas. Interfaces cérebro-máquina-cérebro já permitem que tetraplégicos conectados a um exoesqueleto voltem a se movimentar. menos treze
Drogas da longevidade e da inteligência estão aumentando a expecta tiva de vida das pessoas e aprimorando sua capacidade cognitiva. Espera-se que as próximas gerações vivam saudavelmente duzentos anos ou mais. menos doze
Implantes oculares e auditivos já permitem que cegos enxerguem e surdos escutem. Em breve eles enxergarão e escutarão muito melhor do que as pessoas com visão e audição normais. menos onze
Implantes neurais também estão transformando a web e o celular numa extensão de nossa mente. Conversar com outras pessoas em breve será uma forma tecnológica de telepatia. menos dez
Nano-robôs estão sendo desenvolvidos para patrulhar nossa corrente sangüínea em busca de possíveis doenças. Essas nanomáquinas 1 0
serão capazes, por exemplo, de exterminar células cancerígenas bem antes da formação de um tumor. menos nove
Até o final do século, a engenharia genética promete dar à luz bebês mais saudáveis e resistentes, futuros adultos livres de doenças e deficiências herdadas. Mas essa manipulação do código da vida poderá criar diferentes castas genéticas, umas mais aperfeiçoadas do que as outras, fato que provocará um novo capítulo na velha luta de classes. menos oito
O entrelaçamento de esferas antes fisicamente separadas – o natural e o artificial, o corpo e a máquina – traz inéditas implicações filosóficas e antropológicas. menos sete
Durante milênios as pessoas usaram o corpo como suporte cultural, decorando-o com tatuagens, pinturas, brincos, pulseiras, anéis, alfinetes, piercings etc. menos seis
Em 1958 o primeiro marca-passo invadiu o corpo de um paciente com um sério problema cardíaco. Hoje os implantes já tomaram a última fortaleza de nossa humanidade: o cérebro. menos cinco
Complexos pares dialéticos estão surgindo no horizonte: robótica e livre-arbítrio, clonagem humana e bioética, inteligência artificial e autoconsciência… menos quatro
A grande questão é: quando o novíssimo Homo faber terminar de
1 1
modificar completamente o antigo Homo sapiens, que civilização emergirá dessa estranha metamorfose? menos três
Uma civilização esquizofrênica e fora de controle, tiranizada pelo determinismo tecnológico? Ou uma civilização mais equilibrada e pacífica, capaz de abolir a estratificação social? menos dois
Cientistas, juristas e filósofos – uns mais pessimistas, outros mais otimistas – há décadas vêm debatendo furiosamente o tema do pós-humano. Ficcionistas, cineastas e artistas plásticos – pessimistas e otimistas – também já abraçaram o tema, esmiuçando-o de muitas maneiras. Só estavam faltando os poetas. menos um
Aqui estão eles. Trinta e um poetas brasileiros encararam o desafio e gravaram em versos terríveis, delirantes, irônicos, sublimes, imagéticos, escatológicos, desmistificadores, sub-reptícios ou aflitivos a resposta possível à pergunta: de que maneira a tecnociência e a biotecnologia estão modificando fisicamente, para o bem e para o mal, o ser humano? zero
Salvo engano, Hiperconexões: realidade expandida é a primeira antologia consistente de poemas sobre o pós-humano da literatura brasileira, talvez da literatura mundial. um
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1 2
Um esboço de corpo para uma época de excessos
1
o corpo é a medida máxima do meu fracasso o corpo é a medida mínima do meu percurso
2
o corpo estilhaçado em bilhões de bytes trilhões de frames zilhões de caracteres enviados por e-mail, twitter, facebook smartphone, ipad, ipod, itunes o corpo espezinhado em notícias fakes o corpo retocado no photoshop o corpo remodelado com biotec o corpo sugado explorado e pregado numa cruz de cristal líquido o corpo cada vez mais morto
3
o corpo é a medida justa da sua morte
1 5
O velho Drácula na caldeira do dragão
Biônico, eletrônico, mecatrônico, Conde Drácula não suporta mais A eternidade. Conde Drácula quer dar um fim nisso tudo Mas nano-robozinhos monitoram as veias E purificam o sangue das suas vítimas. Conde Drácula quer sangue impuro, Quer sangue humano, o velho sangue Dos velhos dias, aqueles dias, E aquelas noites, Em que o velho sangue das virgens, Ou das cadelas, Pulsava forte ao perceber a ausência da imagem Nos espelhos, Os olhos faiscantes, os dentes salientes, O beijo quente, as marcas no pescoço. O arrepio na pele foi trocado Por micro-descargas elétricas Controladas por biosensores 1 6
Aromatizados com magnéticos odores. Velho, mas sempre novo, Por força da engenharia genética Conde Drácula não atura As manipulações da Natura Company E os artifícios da ciberciência. Dinheiro pra pagar ele até tem Mas rejeita o implante de glândulas Que renovam o ânimo. Sim, senhoras e senhores, O velho Drácula está cansado E sabe que há muito foi condenado Ao paredão da vida eterna. Ter que ouvir música de debiloide! Ter que ver tevê de esquizoide! Fazer transplante de pele em Miami! Ouvir dos lábios biotônicos Da velhota de duzentos anos (toda esticadinha): “Meu Príncipe das Trevas: I love you!” Isso nunca.Vai tomar no cu.
1 7
Biônico, eletrônico, mecatrônico, Conde Drácula tomou uma decisão: Vai mudar pra África, talvez pro Butão, Pois lá quase ninguém tem grana Pra driblar o rabecão.
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No futuro, os poemas
No futuro, os poemas/ não serão mais feitos,/ já estarão como sempre/ estiveram:/ por aí/ ou, melhor, aqui dentro de mim/ e de você./ Teremos esquecido a diferença abissal & cósmica/ – mesmo sem nunca termos assimilado sua real discrepância –/ entre poesia poema poeta./ Tudo será congelado a ferro & fogo./ Forjado com sangue e metástase./ Todos os poemas serão do tamanho de um verso sensório que comporte um estúdio de luz fria com a filmagem de uma cena que suporte a imagem de um porão e uma praia./ Nós continuaremos aqui./ E os poemas, onde sempre estiveram.// No futuro,/ dentro de nós,/ mas a des/ peito/ de tudo./ Sem arquitetura possível./ Plausível./ Tudo plano, lívido, límpido./ Flat out!/ Sem onda – mar de cenário –, borrão irreconhecível./ O curvo será reto./ As retas se encontrarão./ Sem pilar, edifício e feto/ (concreto mesmo, só o da pele)./ Todo poema terá um pôr do sol dentro./ Parecerá uma tática militar com visão de infravermelho, com seus ponteiros em movimentos verticais./ Palavras brotarão do céu como flores de um cálido plástico car/ regadas por um vento de asco & aço.// Aposentem os antiácidos, a sinergia da sinestesia vai curar a sua azia./ Tudo lembrará um slogan/ de página dupla de revista,/ mas só se venderão experiências & sensações./ E ainda alguém irá dizer:/ “Mas os leitores serão os mesmos.”/ Mas os letreiros não.// No futuro, os poemas./ Os poemas serão biônicos./ Não ao modo de seu prefeito, safado, fabricado./ Um biônico talhado no senso ético e estético./ Os poemas estarão todos na ponta da língua,/ dentro do ouvido/ (sim, o ouvido, essa eterna cova oca)./ 1 9
Sem papel nem vídeo./ Não, não é isso que está pensando: O livro nunca estará com os dias contados./ Conforme-se você ou não./ O olho projetará cascatas holográficas de vocábulos & fonemas persas dispersos em saraus no deserto com beduínos tocando sonoridades pré-programadas.// Porque tudo que sobrará, mesmo se pensarmos em ruínas – e não se esqueça que um condomínio desses com área molhada, bike atelier e smart toilet não deixa de ser o decrépito espelho do farrapo dos maus gosto e agouro do humano –, será a memória, a mais remota das linguagens./// No futuro, os poemas,/ todas as páginas,/ serão em branco./ Esqueçam todo o ranço, vocês que avançam
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o m undo em codes & versions
o homem-barro de coito aberto o homem-bomba sem coito um homem uma bomba desde ali perpetua-se indiscretamente por essa Terra Oca nutrida de tudo que come do homem e do homem que come o que carrega o homem o que pensa o homem o que o homem sente o controle tudo ali descrito na fumaça de um cigarro por quem os sinos jamais dobram a mão ambivalente destra e cã positiva a desativação do sistema a morte do homem-barro de dentro do homem-bomba a morte do homem
scaneia-se a vida do homem > download de brainblog alocado em pesquisas: “em 2013 noticiou-se à humanidade o seu total controle através dos mais variados tipos de fumaças inaladas, minério suficiente para um scan de distância na melhor das hipóteses”
2 1
dejà-vú de ruptura da matrix [o homem-bomba mata o homem-barro de dentro do homem-bomba e, curioso, monitora suas mortes]
“em 2053 foi reconhecido cientificamente: as primeiras pessoas avessas a hospitais e laboratórios já intuíam a nanochipagem crianças nanochipadas pelo programa de combate à desnutrição têm maiores chances de desenvolver bloqueio da vontade” “em 2088 Macacos Chimpanzés de olhos azuis casam-se pela primeira vez no Palácio de Versalhes, depois de um casal de Focas de Estrasburgo e de duas Lhamas do Tibete nunca se levou a igualdade de dupla espécie tão a sério” “em 2089 a lua mostra sua segunda face, São Jorge nunca morou lá apesar de ser também um comandante” “2112 e a caça aos poetas teístas acusados de aquarismo na frente da sede do comando, desiderato: desidratar” “a Facção das Falácias cresceu mas já somos reconhecidos como Pós-Humanos”
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Cérberos hiperdesgovernados debatem-se em mainframes: bicho-Homem-máquina prólogo-miolo-epílogo o eu exacerbado entre os ângulos de um trinômio o eu espremido entre os não-eus de um eu trino o clímax de um triângulo escaleno a eletricidade ardendo ao cubo rabo de bicho-rabo de homem-rabo de máquina eu-nós-você [porque ainda há quem crê] Homo Cerberus Sapiens Sapiens Chipens os pés fincados no solo feito verso compulsório alguma licença no tronco e a cabeça em Cloud Computing
brainmail dos Trinos alocados em eu te amo: “meu olhar vítreo-biônico encara o seu sente só meu blink!” “darling acabei de subir para o seu lobo temporal uma coleção de carinhos que encontrei no bom & velho Google Romance! faz upload aqui mais tarde”
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brainmail dos Trinos alocados em ontem: “segue link para a Festa Boreal em tempo real! (participação de intraterrenos e seus shows gravitacionais)”
brainmail dos Trinos alocados em agora: “encaminhado a todos: se ninguém mais lembra quando a alma virou mercadoria foi na era no Homem-Barro quando Senhor Ugár pediu o corpo de Seníades ao Vento e o Vento foi junto com o corpo de Seníades porque Vento = Alma e prossegue inconstante eQuE \alpha P . x+12.0000/8<ph aL G=nul\0,5l (não citar a alma etílica) para a prova de religião a de quinta categoria: render discurso sobre a Propriedade do Oxigênio no Vento = Alma (levando em conta a alma tabacada ou as almas cujos corpos derivem de dnas de ex-fumantes)”
deviam existir três sóis um para cada divindade do Homo Cerberus que iluminassem um mísero hemisfério de dignidade
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o carneiro que soube/ sse morrer o homem que soube/ sse morrer
exaltar Demiurgos de outrora de todas as folhas de ontens a alquimia que resta mora no alto da Verde Floresta – que ninguém sabe onde é
a ativação solar permanente cansa o Cérbero de dias pelo brainfone, o pedido: volte duas páginas atrás: é o mesmo exército? existem mesmo os poetas sob a lua de uma face só as pessoas já se autobeijavam?
rascunhos no iBrain: máscaras para dormir máscaras para dormir cannabis ativa perdeu um s e não foi de um cifrão 2 5
burlesco governo que se diz holográfico mas gordo do dna de toda gente o único capaz de governar nas palavras do autor: “só o todo é capaz de significar o todo”
se alma é Vento e Vento é também Tempestade ritmo das marés alucinadas pela lua de duas faces isso implica na preponderância do barro nos terminais neurotrônicos e neuropínicos explica porque o Cérbero não pode voar atento a poços aplica-se ao roubo de dados alheios para alocação imprópria ontem furtaram lembranças que nunca tiveram backup
“três drones observam uma mulher esbelta andando a vácuo, mulheres pós-semíticas azuis duelam com pós-semíticas lilases do Algarve pela posse de um marido virtual enquanto em Marte há redução de maioridade penal, infratores com menos de 58 anos já podem voltar da Viagem Sem Volta”
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uma flor nasceu na rua em 4d recitando antigo código binário que ditava de a a u o esquecimento: no meio do caminho tinha um passado tinha um passado no meio do caminho nunca me esquecerei desse lapso captado por lentes de uma memory scan tão embaçada tinha um passado no meio do caminho no meio do caminho tinha um passado que por ora tudo me foge e se a história é reescrita e não se sabe e aquela lua de duas faces botam a gente comovido como o diabo
de qualquer leitor de multiversos vê-se: uma plantação de crianças andróginas psicoativadas por nzt 48.0.9 que vão trazer os códices bíblicos de volta ao estudo da Linguagem Hiperlinkada o Homo Cerberus o Pós-Humano o Cão quer saber da ligadura dos versos para troçar trocadilho de poço / para posso / quem sabe
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de zeta a zahlen o infinito possível
pouca é a liberdade de viver trezentos anos
um livro jaz geolítico
o livre-arbítrio das pedras
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danúbio azul
alvorecer projeto de parábola rascunhada no osso fria negra perda da inocência quem esmaga o crânio é aquele que se elege fera do bando quem comanda
clavius pauta de vozes escavado horizonte ereto elo desatado dos extremos
júpiter circuito capcioso não funciona 2 9
quando se excede modula o tom lê lábios herda a fúria botão que aciona o zelo da espécie
e se você viesse ao meu encontro aqui e sua voz durasse pelo universo, som que nem o vácuo apaga. e se, sem nome ou endereço, ausente a coincidência de datas, você não me esquecesse e este herói viajasse, pura presença da vontade, flecha rasgando domínios de espaço-tempo?
3 0
perfil
cifrar a paisagem – o que vejo (mesmas ruas que ninguém) ser o cronista (histórias prontas) dublando palavras que você espera para virar a página escalo teclas copio subo imagens que se perdem passado sucata naves que decolaram em festa e agora orbitam onde?
3 1
A coisa
Eu quero inventar uma coisa, uma coisa viva, uma coisa que se desprenda de mim e se mova pelo resto do mundo com pernas que ela terá de crescer de si própria; e que seja ela uma máquina viva, uma máquina capaz de decidir e duvidar, capaz de se enganar e mentir. Uma coisa que não existe. Uma coisa pela primeira vez. Uma máquina bastarda feita de dobradiças e enzimas e metonímias e quarks e transistores e estames e plasma e fotogramas e roupas e sopa primordial… Quero apenas que seja uma coisa minha, uma coisa que eu inventei numa madrugada enquanto vocês dormiam e quando a vi recuei, e quando a soube pronta duvidei, e vi a eletricidade do relâmpago abrindo seus olhos e martelei seu joelho temendo-a, e mandando-a falar, e gritei: “Levanta-te e anda!”, e a coisa era uma galáxia tremeluzindo no centro da folha branca, me olhando com meus olhos de homem, me sorrindo com tantas bocas de mulher, me envolvendo com sua sintaxe de coisa nova que força o mundo a mover-se, fincando uma cunha no Real e se instalando naquela fenda, como um setor a mais invadindo um círculo já completo. Eu quero que essa coisa exista, assim como eu quis que eu fosse. Quero vê-la brotar desarrumando. Coisa criada, cobra criante, serpente criança, criatura sentiente, existinte, sente, pensante, cercada pela linha brusca do seu até-aqui. Essa coisa me conhecerá e não me reconhecerá como seu Criador. Essa coisa terá poder de me destruir, e de me recompor, e me mandar pedir-lhe a bênção. 3 2
Eu não pedirei. Sairei pelo mundo. Com minhas próprias pernas. Finalmente leve e livre, tendo parido algo maior que eu mesmo, e disposto a me abraçar ao mundo, como quem desce do ônibus na rodoviária da cidade onde nasceu. Mas o mundo! O que é este mundo onde eu ando agora? Olha a cor das casas, o rosto do povo, o som da fala, a manchete dos jornais, o cheiro do vento… Que mundo é esse para onde retornei depois de livre? Fico parado, o coração pulando, e só daqui a pouco perceberei, com uma surpresa antiga, que aquilo não é mais meu mundo: é o mundo da coisa, o mundo da minha Coisa.
3 3
Máquina de afetos
a lua não é sabedoria o amor também não ou a musa o gato a tosse nem a palavra é sabedoria são neurotransmissores nos encaixes certos sinapses sinais sina
3 4
Síndrome de Elefante Acorrentado
delimita-se uma linha cá, amor (liberdade) lá, ódio (poder) ao tato o gosto aos olhos o significado às palavras a imprecisão conecte-se agorafobize-se o cheiro de seu pai te causa ódio use o nós, sempre busque o meme perfeito o chip-transgênero se o rosto do seu rosto não é do seu gosto mude transmute (de sexo) (de partido) somos poeira de estrelas besteira tudo o que é é você aí 3 5
Vestais
Antes de a Noite cair o menino-máquina masturbava a Terra & festejava com seu espírito sensual a aranha e o fogo simbiogênico. Seu sexo era flauta doce que as mães do musgo gostavam de tocar. Os astrônomos diziam que o Sol não mais dormiria, que agora ele morreria de vez, deixando órfãos os girassóis e as hipertelas transgênicas do pintor que não foi para Pasárgada nem fugiu para o Taiti. Antes, pouco antes de a Noite cair. Sim, eu vi o menino-máquina & sua alma era um simulacro eletrônico. Sim, eu vi o menino-máquina & o palco escuro onde os atores representavam fantasmas que de fato eram. Sim, eu vi o menino-máquina cujo nome era Humanidade & as putas enfeitaram com cometas seu cabelo & todos os vulcões entraram em erupção em louvor ao espelho que agora se partia. Quem dera houvesse um trem! Um barco! Uma espaçonave que pudesse rumar para outro Sol & outra família! Agora o Pai fechava cansado as pálpebras & a Noite caía de vez sobre a Casa apagada 3 6
cujo cio não seria saciado durante toda a cibereternidade. Em vez de estrondo, não mais que um gemido. “Não é a razão, é o amor que nos faz infinitos”, disse o menino-máquina antes de fazer as pazes com o vazio.
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Oroboro
Depois do pós do porvir do pós-humano só nos resta ser póstumos. Um novo pré-humano gaguejante. Bárbaros advindos do pó. Quase divinos, rastejantes em seu eterno reiniciar. Colonizadores de si próprios. Criadores de outros hiperbóreos.
3 8
Não será talvez amor
Eu não sei se é amor. Será talvez começo… Eu não sei que mudança a minha alma pressente… Camilo Pessanha
O desconhecido nos aguarda, mas sinto que esse desconhecido é uma totalização e será a verdadeira humanização pela qual ansiamos. Clarice Lispector
nós dois interligados em rede em terno cruzamento confusos num mesmo palco seremos então este ser uno e difuso que só no desejo o outro pressente? nós todos dissolvidos em fibras algas sendo do mar a água despersonalizados cada rispidez de gesto desemoldurada fragmentada Ah, como não crer neste futuro envolvente Se a nossa pele se toca e se sente igual. 3 9
Sim, este tempo será de mil repentes Infinitamente líquido, leve, geracional. Enfim nos postamos, desnudos, neurônicos. Uma mansidão de gestos, corpos perplexos. A partir daqui será vida em estado puro, Reverenciada em salas de mil reflexos. não será talvez amor esta relação que se ausenta mais que isso um sentimento inapropriado em reles palavras de nosso novo século já em desuso Eis que você Eis que nós Eis que inventaremos algo fresco, novo ou, antes, seremos sugados por engenho novo seremos nós mesmos distantes de artefatos vários ainda que assim, serenados como resto de humanidade dos verbos deserdados se conjugará, o amor a lembrança de um estado anterior nessa cadeia de sensações abissais e absurdas.
4 0
Pós-você
nem olhos viram nem ouvidos ouviram o que foi preparado pra você: você vive muito mais do que os seus antepassados juntos você estava cega e agora aleluia vê o que eu não via você estava surda e agora aleluia ouve sons além-Saturno você estava imóvel e agora aleluia anda com seu exoesqueleto nanomáquinas destroem o mal antes que ele cresça e floresça em você nada de teses tudo próteses tudo aleluia mudou menos este ciúme que eu sinto de você quando sai perambulando pela Lapa perto do começo da noite longe de meu pensamento 4 1
Pós-humanismo ou Carne vira máquina, máquina vira carne
I
A paraolímpica putinha bebe Quer dizer A ex-atleta que perdeu o patrocínio para a renovação de suas pernas de titânio Para a renovação de seus braços cheios de músculos turbinados, de tecidos tão fortificados A paraolímpica putinha bebe seu conhaque aditivado com energético obtido da adrenalina de guepardos, de predadores velozes no pique da aniquilação Ela amputou braços e pernas numa birosca de lanternagem humana para ser garota-atleta-propaganda de certas marcas de equipamentos, nanovetores etc. Muito comum pessoas se deceparem para obter a mutaçãotranformer mais rápido Antes tatuagem, agora lanternagem Ou melhor Tatuagem de piercings que são absorvidos pela pele, contendo nanoisso, nanoaquilo potencializador do que você quiser imaginar A paraolímpica putinha bebe 4 2
Guepardo-conhaque Precisa fazer a manutenção de seus braços e pernas caríssimos Escolheu o melhor material Bonita paratleta, ela precisa obter nanoautômatos que se diluam na musculatura tornando-a viável e firme Certos pipoqueiros vendem pipoca com esses nanos de segunda mão Só para manutenção Salgada ou doce, a pipoca da nano-reposição? Mas por enquanto vai ter que ser meia bomba Enquanto não arruma grana, ou seja, milhagem carnal ou crédito de informação neural Milhagem carnal é o que você já conseguiu transformar em máquina no seu corpo Crédito de informação neural é o que você já ofereceu de parte do seu cérebro pra implantes temporários de personalidades efêmeras alheias, pra teste de transferência de caráter e temperamento Muitos morrem Muitos conseguem alguma grana Ficam ricos e loucos Ninguém escapa da milhagem carnal Ninguém escapa do crédito de informação Nada imposto pelos Estados, que, além do mais, estão praticamente destruídos, a serviço de condados industriais de robótica, neurogenética e engenharia molecular. Estado 4 3
refém de máfias refém do Mercado refém de Estado refém de máfias A paratleta precisa de grana e pra obter vai dar pedaços de sua buceta, de seu cu e de sua boca Fuder é o de menos, pois o sexo expandiu-se de forma acachapante e variada graças à cura da aids, a anestésicos, reposições orgânicas e cutâneas. Daí que mastigar, morder o corpo, colocar o pau no fígado, arrancar e repor a piroca, alargar o cu para tripla penetração, enfim, cada centíme tro, milímetro, arrancado e substituído por outro material maquínico, conta como grana E depois de obter alguma milhagem carnal vendendo partes de seu corpo ela se dirige ao beco dos quimeras, lugar de gente que só vive um dia ou meio dia. Quase-gente que pede porrada e carinho antes de morrer. Sensações violentas de prazer antes de morrer A paratleta vai pra lá e bate e faz carinho em sub-humanos, cobaias pra experiências específicas. Todos – quimeras ou não – são cobaias e isso é fato. Estágio posterior ao consu midor, cliente, usuário, cidadão etc. No beco das quimeras clones-jogo-rápido com três olhos, dois corações, enfim, sobra de inovações da medicina, se oferecem para um ritual de finalização intensa La em cima três noites e três dias já rolaram num espaço de cinco horas. É um bairro geodésico, quer dizer, coberto e com a noção de dia e noite tornada difusa A paraolímpica putinha bebe seu guepardo-conhaque num bairro geodésico depois de sair do beco das quimeras. Mais um período na vida de alguém a serviço das mutações Mais que nunca somos ensaios mamíferos rumo a não se sabe o quê 4 4
Transplantes, procedimentos, implantes, aceleração na evo lução. Speed Darwin. Ciência lúbrica, pode crer Depois das desregulamentações religiosas Secularizações à granel Depois das desregulamentações financeiras que transformaram o mundo numa mistura de cassino, puteiro, supermercado, serra pelada, coliseu e antropolândia sem rédeas Depois da desregulamentação dos Estados A desregulamentação orgânica Mas na maciota, sorrateiramente Uma eugeniazinha aqui, outra ali Atalhos para a vontade de potência Virar uma vadia em cada esquina A transcendência também O invisível já é uma coisa muito vulgar O trans-humano também O pós-humano idem
II Pós-humanismo rima com positivismo, nazismo, comunismo Com o futurismo do homem-máquina Do novo homem liberto das amarras éticas e fisiológicas Sem doença nem morte nem sofrimento 4 5
Highlander da velocidade, da violência e da sexualidade soltas Como pode a mente sem os nervos? Sem o atrito das feli cidades e infelicidades, da dor e do prazer de viver? Das inércias desta vida? Como pode a mente? Extinguir essa criatura? Pós-humanismo Rima com revolução tecnológica e gerenciamento dos humores, sentimentos, pensamentos Utopias modernas A euforia com o pós-humanismo rima com a parúsia cristã, com o messianismo da salvação, com apocalipses reveladores das grandes potencialidades obstruídas pela carcaça obsoleta Pós-humanismo mais entusiasmado rima com progresso e com “nunca antes na história da humanidade” Graças principalmente às ciências computacionais, que são os coringas da robótica, da engenharia molecular, genética e neuronal, estrelas desse state of art O entusiasmo reformador, reformulador, é herdeiro de Ro bespierre, Lenin, Stalin, Hitler. Herdeiro dos esquerdofrênicos radicais. O soldado perfeito. Depois da igualdade totalitária o super-novo-homem Pós-humano também herdeiro de eugenias liberais Com o tal messianismo cristão adaptado Mais fortes, mais sábios, mais cognitivos, mais plurais em termos biológicos, adquirindo talvez o faro do cão, o olhar da águia, uma velocidade cerebral de armazenamento e de4 6
sempenho turbinada por drogas e implantes e depois transferida pras outras máquinas Parúsia das singularidades. Haverá uma? Ironia – o corpo transformado em informação pode ser trans ferido para uma pochete informática Espiritismo logarítmico Metempsicose digital A verdade é que as religiões do espírito e da política não foram suficientes pra acalmar a fera com consciência, o demiurgo criativo, o animal cultural que somos O que nos resta é mexer na carcaça inventada pelo gene pra se expandir Mexer nesse processo vai ser a divertida catástrofe-e-júbilo O mundo já foi majoritariamente espiritualista O mundo já foi majoritariamente político Agora tecnocrático, ele atropela esses dois humanismos e abraça a fé no desempenho tecnobioneuronal mais do que nunca Abraçar a outra herança, a de Fausto, Prometeu e Frankenstein, ou seja, querer ser mais do que se é A inteligência como oitavo sentido Os estados d’alma ou de consciência, os sentimentos, as vastas emoções e pensamentos imperfeitos sendo mapeados e passíveis de interferência artificial para enfrentarmos a dor de viver, o prazer de viver, transformados em quê? Mas, caros amigos entusiastas do pós-humanismo, trans-hu manismo etc. Vos digo que já somos pós-humanos paramedievais ou australoptecos 4 7
Vos digo que já somos pós-humanistas vivenciando as vertigens sociais, psiquiátricas, biocibernéticas, da atualidade. Na ânsia de desempenho e no descrédito das abstra ções, subjetividades, identidades sociais transformadas em perfis de cadastramento em redes. Descrédito das humanidades como formadoras do Homem. O negócio é a engenharia. O negócio é a vida-game. O negócio é ser cobaia de alguma experimentação. O homo sapiens dando lugar ao homo zapiens. De saber para se mover quase que insanamente Metamorfose ambulante. Mas continua sendo negócio. De quem, como e quando, pra quem? Sem contemplação. Tudo que é sólido… Tudo que é líquido pode virar aço Tudo que é firme pode ser maleável E continuamos com nossa natureza humana customizada por tecnologias e civilizações. Mesmo pós-humanas.Vamos mexer na carcaça do gene mas e o chassi que contém a ira, a inveja, o orgulho, a luxúria, a avareza, a gula, as inconsciências e as pulsões que animam o gene, a vontade do gene? Os aplicativos comportamentais mudaram muito mas o chassi continua o mesmo Com a liberação de todas as forças pós-humanas qual será o mal-estar da nova civilização? Qual o embate? A Humanidade já foi absolutamente religiosa CARNE VIRA ESPÍRITO ESPÍRITO REVIRA A CARNE A Humanidade já foi absolutamente dominada pela religião da política Secularização das intenções religiosas 4 8
CARNE INVENTA TEU ESPÍRITO. MUDA PELO ESPÍRITO INVEN TADO A VIVÊNCIA DA TUA CARNE
Agora somos animáquinas de códigos. Metade homem, metade mídia. Cansados de civilizações queremos pelo menos a transcendência rasa do corpo e da mente, essa caixa de sinapses, humores e percepções. Herança de Hume e La Mettrie POR FAVOR, CARNE VIRA MÁQUINA, SOME NA MÁQUINA. MÁQUINA VIRA CARNE, POR FAVOR, VIRA ENTRANHA SEM ESPÍRITO, APENAS TURBINA DE DESEMPENHO CARNE VIRA MÁQUINA. PLEASE.
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WWWW
Ó, Tu, que controlas desde o descompasso do meu músculo cardíaco às órbitas dos satélites artificiais que nos garantem a conexão a comunicação o encontro o desencontro através das antiquadas conexões virtuais ou por meio dos chats holográficos em 11d Tu, que inundas meu cérebro de informações desde a programação da teletela por assinatura ao vinho que devo beber à dieta que devo seguir passando por todas as nuances políticas econômicas sociais filosóficas sem me dar qualquer garantia de qual seja o teor de verdade no que leio ou no que ouço da hora em que desperto ao momento em que adormeço e ainda me questionas a todo momento sobre o que estou pensando (como se não soubesses) Ó, Tu, que me demandas a todo instante em que estou consciente (estarei?) através de mensagens 5 2
automáticas eletrônicas telepáticas mesmo quando saem da mente de humanos (serão?) Tu, que me sugeres e quase impões amigos que não Te pedi Tu, em quem não sei se acredito, eu, que também já não sei mais sequer se existo e caso exista duvido de quem sou Ó, Tu, se existires de fato devolve-me, Te imploro, ao menos por algumas horas de vez em quando a paz da solidão que nos foi roubada depois que Te inventamos e afinal nos convencemos de que existes
O título remete à web e à onda triangular, não existente na natureza, pois só é produzida por dispositivos eletrônicos
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Logout
Se o artista mais sublime éo telescópio Hubble Se nas últimas tilintadas do século 20 Deep Blue venceu Kasparov Se computadores fazem arte e artistas fazem dinheiro O que, além dos erros, ainda nos faz humanos?
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navegação
cavaleiro andante em armadura de silício deixe para trás a jornada do impossível nada de bússolas quimeras sonhos quebradiços robôs em grãos de areia navegam pelo sangue sem paciência semeando pressa do íntimo silêncio aos novos segredos desenham a perfeição
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Tela
meu avô macaco supersapiens feito sobre duas pernas incorporando maquinalidades sem rabo nem nostalgia de galhos é a identidade invocada dos tantos mundos seu corpo expandido e evolucionário sinonimiza o complexo das novas sinceridades meu pai estrela de da vinci ávido histórico de alterações auto-organizado e simbionte apto a manipular logicamente micro e tele escopos na justificativa dos sensos inaugura seu próprio coração dispositivo e móvel que fala a linguagem de amanhãs apenas meu primo rico com cérebro plástico se distrai com ratos robotizados por meios fluidos de liga-desliga se compraz com o binário humanomáquina sistemas nervosos mãos artificiais descascando avatares simulacros de fruto permitido com o qual alimenta eletricamente seu frescor pós-biológico 5 6
e eu homúnculo semisapiens morador da rua treze de maio de realidade real acordo em performance e durmo em ficção com uma musiquinha de fundo o tempo todo um tectectec nonono tectectec no no no logia busco a minha velha forma no espelho mas ele me pede a senha da conversação e é a novíssima ordem comei e bebei o pão virtual o vinho pós-humano deste altar ázimo e hiperconsciente ora uploading a melhor água para aspergir a cultura que nasce de um botão
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Desobediência civil
Andar sem pressa. Vencer novamente o fluxo da gravidade. Uma perna depois da outra. Dobrar cuidadosamente à direita. Agachar. Pegar uma concha ou uma flor ou um cascalho. Correr. Jogar uma partida de tênis sem se cansar. Erguer uma caixa de duzentos quilos. Duas caixas. A cidade é um clube exclusivíssimo que exige de seus sócios apenas três virtudes: cabeça, tronco e membros. Tetraplégicos são apenas cabeça, já ouvi alguém dizer. Você, novinho em folha. Ou quase. Depois do acidente, o exoesqueleto de titânio. Delicado e resistente. Andar mais uma vez. Abraçar mais uma vez. Os eletrodos na parte interna da touca captando a atividade elétrica cerebral. Transformando o pensamento em movimento. Até o dia em que o exoesqueleto resolve dar as ordens. Você quer ir à praia, ele quer ir ao centro da cidade. Você quer encontrar os amigos, ele quer encontrar os amigos dele. Centenas, milhares de exoesqueletos saltando alto. Girando. Dando cambalhotas. Confraternizando. Você (náusea, vômito) só quer voltar pra casa. Todo mundo (vertigem, desmaios) só quer voltar pra casa. 5 8
Os exoesqueletos não querem nada. Já estão em casa. São como os gatos. O céu é seu teto. Os semelhantes, sua família.
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Homo sapiens – in memoriam
(prólogo ao pós-humano)
Mote
Gera a Terra; vira, gira Novos seres: pós-humanos, Meu circuito toca lira, Mal me lembro dos mundanos.
Glosa
Gera a Terra; vira, gira, Toca lira meu circuito, Minha parte humana pira Obsoleta no infinito. Gira, vira; gera a Terra Novos seres: pós-humanos, Com humanos sempre em guerra, Seus piores desenganos. Minha mente sempre em mira, Nesta humana parte, membro, Meu circuito toca lira, Dos mundanos mal me lembro. Se nós somos dois congêneres? 6 0
Todo humano tem enganos. P贸s-humanos, novos seres, Mal me lembro dos mundanos.
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O desencaixe do sol
Há milênios a pedra descansava embaixo do seu nariz sem desgaste, sem musgo, sem vinco, uma memória esquecediça Mas Estela estava ocupada demais desacoplando seus membros Desencaixava pacientemente peça por peça Levantava e abaixava as pernas Escutava atenta os ruídos da rótula Escondia os olhos das luzes da tarde Eu a observava da janela verde e seu corpo não passava de uma carcaça adormecida pelo tempo Ela repetia esse ritual todo domingo O crânio era deixado em cima do ventre vazio As bifurcações do cérebro eram confundidas com os pensamentos Ela continuava lindamente viva Tentei alcançar sua mão, no entanto, eu era só um velho Pelancas despencavam das minhas extremidades E a carne de Estela não possuía nem riscos nem linhas nem ranhuras Sobre a cabeça de Estela repousavam nuvens, Sobre a minha, pássaros moribundos de origami Há milênios a pedra descansava embaixo do seu nariz, Sem desgaste, sem musgo, sem vinco, uma memória esquecediça Estela sussurrava para seu crânio 6 2
Haverá um tempo em que a pedra será irmã do homem E toda substância disputará um sol sobre a mesma pele E eu gaguejo para Ninguém: Não creio na onipotência da pedra não creio em neutrinos não creio em quarks não creio no bóson de Higgs não creio na nanomemória das coisas E ainda assim a existência enferruja igual a um parafuso espanado.
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Ao leitor pós-hipócrita
Caso você vingue, vinda duma tronco (doutra via qualquer que não a darwinista) então terei passado – eu, que a alcanço em cheio (nas suas próteses neurais, no seu exoesqueleto). (Como terei sido a seus olhos holográficos?) Alguém que fugiu da linguagem binária e se deu! (Alguém provindo das profundas sinapses e glias.) De que forma, mãos robóticas, apalparia meus gânglios? Se ainda não a penso e farei rir toda a sua geração (sem distinção de credo, cor d’olhos ou genoma) é porque teremos sido seres entristecidos – você, duma tronco, entretecida à base de divisão. (Eu, ainda assujeitado, porém incompleto!) E nós dois decompostos em nome duma soma.
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Eu
Dentro de mim um eu que n達o era eu que n達o ouvia a mim vivia, sim refazendo meu eu sem mim Dentro de mim o eu filtrava plasma ectoplasma enquanto eu, pasma me distanciava de mim Dentro de mim esse eu sou eu metamorfoseada em mim
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Perfeito
você e eu fomos eleitos para sermos Perfeitos assim, sem coito sem leito sem mamar no peito num feito de gênio simplesmente Perfeito geração alfa ao quadrado de seres Perfeitos crescidos in vitro invictos – até a pane que também foi Perfeita
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pós-h
atrás da tela teu corpo esconde artérias, veias, o sangue que pulsa: ideia estúpida. tua vida é uma estreita faixa que se move entre imagens e números (tem mais perfume o estrume). o rato é perfeito como as caixas de leite com que se constroi a casa alternativa: viva longe dos ais, viva a imensa paz, vivam os imortais.
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Ode a Aurora
uma ária ao longe anuncia a revoada de robóticos corvos após elétrica tempestade ela chega voando numa galáxia de nardo faísca por faísca devolve aos homens a mais antiga verdade traz consigo (em sua nave-névoa de sonho e aço) sucos de frutas velhos algoritmos cósmicos oratórios nuvens suspensas lençóis de neblinas feixes de chips dríades de nêutrons bondades ungüentos 6 8
catástrofes arcaica-jovem resplende senhas santuários lama lâmina coragem líquida-sólida cai inocente e sábia sobre a humanidade disforme não há escolha: deitada (ainda nua) laminada de rosa grafita a esperança na caverna-árvore desvia-se traspassa céus troca de medula pele ânima sexo 6 9
e retorna ao vermelho ao que arde e morre
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Australopithecus digital
Descobrindo-se em redimensionada locomoção desencadeada pelos sentidos orquestrados no aperfeiçoamento genético necessário, desconstruindo a letargia de passos esquecidos suprimidos de sua real aventura vertical, redesenhando o antigo ainda estabelecido no intocável simulacro mestre na adestração, munindo de possibilidades o que se descartou na construção contraditória da simulação. Tecnologia apregoando a reflexão do espanto nas características assombrosas do novo. Nanomáquinas desestabilizando hierarquias simbólico-humano-reducionistas, despedaçando a verdade manipulada, reerguendo o valor do ser na totalidade do músculo que grita, carga completa da condução neurológica ao aprimoramento cognitivo na descoberta de si conectado a outro-mesmo muito além do receptáculo de dogmas. Minúsculo chip abarcando emoções infindas, reabastecendo o reservatório ressequido do que compete a cada um chamar de vida, recusando a uniformidade posta como verdade, descartando a infinitude disposta no invisível reconectado às usuais necessidades do ser. O calcanhar que antecipou qualquer movimento que tenha brotado silenciosamente do córtex em direção à descoberta da verticalidade experimenta um novo recorte gravitacional 7 1
revelando novo aprumo na totalidade de si. O caminho estreito imposto ao posto como falho se reconduz em esboços digitalizados do impulso, redesenhando em trilhas devidamente interligadas novos rumos em que a estrada se permitirá plena na contínua elaboração construída a cada passo, no elétrico estímulo de se redescobrir.
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Epitáfio
Se eu falo “A” este “a” é uma trombeta-alarma para a Humanidade. Se eu falo “B” é uma nova bomba na batalha do homem. Maiakovski
bolo de sangue e ossos, novelo de nervos e dentes, obsoleta matéria mutilada, biomassa remanescente. sobre a lápide do corpo do último ser vivente, gravado em alfabeto latino, jaz seu desejo final: que a fonética robótica, em sua morfologia-sílica, através da sintaxe lógica, em semântica algorítmica, possa: na gramática pós-humana, no cibercódigofonte da vida, levar como 7 3
herança derradeira, para os anais da filologia, ainda que paradoxal, a arcaica função poética.
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HD 189733b
Tudo isso vai passar um dia, ou ficarão aqui sozinhos. Tanto a dor quanto o prazer, as montanhas, as pradarias, o amor e os sonhos. Adeus. Pois nós não somos daqui. Podemos viver sem rios e árvores. Podemos viver na lua ou em Marte. Podemos viver sem araras. Apenas cérebro e mente, e sua matéria vaga. O objeto perdido seremos nós mesmos. Ou melhor, nosso corpo e seus tecidos: Apenas gozo e desconforto. A carne nunca foi de fato minha morada. Serei um dia transferido para o brilho do alumínio e da prata, a plena liberdade do espírito. Leve e livre de mim mesmo, não sentiremos saudades da fome, do sexo e da morte.
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Uma formiga
Quando eu tinha trezentos anos nas praias automáticas de Ptyx, sob um belo sol artificial e as três luas de Matrix, avatares se bronzeavam com pensamentos meus, ao lado de uma linda, linda máquina. É possível que eu seja sua vida e você seja a minha? Uma borboleta virtual que sonhou que era o clone de um monge? Já vai longe o tempo medido em batidas de coração. Que eu pense um céu e assim seja uma formiga conectada a uma base de dados que é minha língua? Há alguma coisa que possa existir nesta velha Terra que não seja clone ou milagre?
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O excesso e o silício
Quando a nuvem de computadores afinal chover precipite-se sobre mim precipite-se sobre mim Tenho um saci-pererê interno por isso só consigo me ver no espelho do elevador O caminho da sabedoria passa pelo excesso e pelo silício (e pelo cilício) a vida é uma mensagem cifrada O difícil não é morrer e ser esquecido É ficar sem lembrar Os rolimãs os tobogãs os talibãs todos ocupam a mesma sinapse no meu hd Mas o silêncio é um sino de cristal seu badalo é de chumbo E de repente a chuva de repente a chuva 7 7
Serpentário
Os cabos no quarto de despejos são cobras em busca da conexão perdida, de uma tomada elétrica ou um plugue que as ressuscite As cobras no quarto de desprezos são feras que gemem, amargas: onde as máquinas de antanho? onde os gadgets do meu sertão? As feras no quarto de espelhos são plástico, cobre, fibra óptica, aço, alumínio, borracha e vidro enrolados em um sonho tétrico em que transmitem a mensagem capital, a narrativa dos desejos perdidos outra vez para sempre quando, sub-reptício, fecho a porta
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Mau contato da musa
Extensão. Extinção. Sou o ex-estoico, o escravo da beleza pouco helênica que volta para mim o olhar dicroico, a fria nonchalance criogênica, e aceita conectar-se entre meus ávidos abraços, deslizante, antropocênica. Abro o link do sutiã. Seios estrábicos saltam e exalam, com paixão robótica, o aroma dos melhores aminoácidos. Uma fascinação ainda analógica me invade. E vou, furioso cantor épico, trepar com a outra era geológica. Procuro em vão o botão off do cérebro, mas ela me digitaliza os músculos como quem escaneia Carlos Zéfiro com a língua – e isso é o fim dos meus escrúpulos. Seus cliques têm efeito afrodisíaco na versificação destes esdrúxulos. Eu, filho do carbono e do amoníaco, experto em poesia hendecassílaba, esqueço a gravidade do elegíaco e tento penetrar mais uma sílaba 7 9
por dentro dela até romper a pátina de sua apatia de aço, monossílaba. Desejo em Alphaville estar na Ática, agora que eu sou alfa e ela ômega, mas ao gozar a musa vira a página. Fissão da maga obtusa, frio no estômago, e um clangue tranca o sexo labiríntico. Me estendo, meu amor, até seu âmago. Me extingo sem chegar a ser seu íntimo.
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Ataque
Quero uma máquina de fim do mundo. Uma que me acolha, me molhe, me conte histórias primitivas. Quero um aparato de engenharia anti-instantâneo, anacronismo combativo de vapor e fé. Quero uma faca de osso, contrabytes teraesculpidos, cortadora de redes. Uma pena afiada e tinta para o ponto final, somente o final, socialmente equivocado. Um livro só de últimas páginas, um martelo de led, um vírus de ferrugem, ratoeira de conexões. O último poema do sarau, a última farinha da encruzilhada, o último grito da última gozada do último coito de um bicho em extinção. Quero uma máquina de fim do mundo, mecanismo nascituro, 8 1
construto de cartilagem, um motor-apocalipse para terminar de vez com um mundo sem fim.
Homenagem a Ned Ludd
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Sobre o invisível
Está em todos os lugares, o invisível. Nas paredes e no teto. Nas ruas. As portas se abrem quando eu me aproximo. A música ambiente muda. Vejo anúncios produzidos apenas pra mim. Roupas e sapatos feitos somente para meu corpo. O invisível organiza sozinho o trânsito. Não há mais semáforos e buzinas. Só pedestres e carros sem motorista. O invisível também está em casa. No chão, atrás do espelho. Na pia. Eu digo ao invisível: “menos luz” ou “mais luz”. Digo: “menos frio” ou “mais frio”. O invisível ajusta a luz e a temperatura. É incansável até quando eu respiro. Analisa as moléculas que exalo. Detesta doenças. O invisível está em minha corrente sangüínea. Misturado com os invisíveis naturais de meu corpo. Consertando as células defeituosas. Está também em meu cérebro. Recebendo mensagens. Enviando mensagens a outras mentes. O invisível às vezes fala comigo. Avisa que selecionou na brain-net alguém compatível. Pergunta se eu gostaria de marcar um encontro.
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Tenho sonhado
Com vespas de silício e glicose Com piranhas de eletricidade devorando-se num aquário de luz vermelha Com olhos fotográficos capazes de capturar rostos e cenas da guerra de Troia Pensamentos que atravessam paredes Tenho sonhado Com delicadas lesmas que urinam vinho tinto Com gigantescas massas de ar quente cilíndricas e ásperas Algoritmos de seis quilômetros de extensão Tenho sonhado com arritmias cardíacas crônicas Com módulos de plástico industrial para crianças de mãos grandes construírem planetas Com sinfonias geneticamente modificadas Transplantes de cérebro Tenho sonhado com duzentos anos de morte profunda Com prazeres simples: cheiros 8 4
Beijos radioativos? Certamente E dentes-de-leão sensitivos E flocos de neve no chocolate quente Tenho sonhado com uma situação bastante antiga mais velha que o céu muito parecida com a vida
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Falha no sistema
mar de palavras e sons e imagens e sensações onde tudo é informação deformação de caracteres linguagem binária devorando a tela mastigando digerindo remoendo o que foi dito ou não-dito ou escrito pela enésima vez sem precisão alguma em meio a tantas variações e variáveis de versões que ninguém mais sabe o que é ou não é ou deixou de ser sei lá talvez pode ser ou não ser você não tem direito a nenhuma questão pois tudo já foi digitalizado decifrado codificado padronizado de acordo com as normas e configurações de nosso sistema
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digite a sua senha ****** muito bem a sua mente foi conectada e nós temos todos os seus dados
você quebrou a vidraça da vizinha e colocou a culpa em terceiros você colou na prova de matemática na quinta série você se masturbou no banheiro da igreja você traiu a sua primeira namorada
agora chega não queremos mais saber dessas miudezas de vida lembranças sem consistência
agora não tem mais jeito nem remédio e remediado está ou não está e tanto faz ou desfaz e que se dane não importa o que você pensa ou repensa ou o que você pensa que sabe você não sabe de nada 8 7
a única realidade possível está armazenada em nossos arquivos e memória todo o restante será deletado fim da transmissão.
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WWW.SINAPSES.COM
uma nova versão da sua mente está disponível para download você deseja atualizar agora?
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Nós, ciborgues
Ademir Assunção, na adolescência, imaginava que no futuro haveria seres híbridos, humanos com cabeças de cavalo implantadas, pulmões externos e braços mecânicos. Depois descobriu que isso já existia na obra de William Burroughs desde os anos 1950. Hoje tem certeza de que a literatura estará sempre à frente de todos os avanços tecnológicos. Por um motivo simples: os avanços tecnológicos são filhos da mente delirante. A literatura também, porém mais veloz. Amarildo Anzolin desde miúdo se encanta por luminárias, tanto que passou a criá-las, mas só quando chegou à cidade grande é que soube do termo lighting designer. Tem como passatempo a revisão de tatuagens e pinturas em geral. A cada quinze dias, faz íris-colorimetria para compensar a perda gradativa do tom esverdeado dos olhos. Ana Peluso é um ser fictício. Não sabe se surgiu de um filme de Fritz Lang ou de um livro de Jorge Luis Borges. Às vezes sente-se A ponte de Kafka, mas jura que não carrega rancor nem excesso de bagagem. Sabe ler códigos binários e é fluente na língua do pê. Andréa Catrópa: quem, eu? ou aquela? talvez esta responda: poeta. a outra, desconverse, saia de lado. existe uma que nunca fala. gêmea daquela que nunca pensa: a que tem tempestades no cérebro e morre pelos raios autogerados. a outra, ingênua, busca o reflexo do sol no fundo do poço e se afoga. dividindo-se, todas, em sobressalto constante. foi só um susto. um pesadelo raso de palavras? 9 1
Braulio Tavares acha as palavras mais reais do que as pessoas, e as pessoas mais do que as ideias. Acredita no upload mental como garantia de imortalidade. Vê o mundo como uma imensa sinfonia onde cada músico está executando uma partitura diferente, e gosta do resultado. Combate o fanatismo, mas sem fanatismo. Acha que a diferença entre a poesia e a prosa é como a diferença entre o diamante e o carvão. Claudio Brites é um doppelganger metamorfo polipolar, o que impede qualquer descrição biográfica, ou mesmo delinear seu perfil. Daniel Lopes já foi ajudante de confeiteiro, cobrador de lotação, atendente de boteco, vendedor de pastel na feira e caçador de androides. Hoje escreve sonhos, estuda astronomia e colabora com diversos portais voltados à literatura, à filosofia e à viagem no tempo. Edson Cruz: sou Zé, filho de Edward / e sobre o nome / a Cruz. / nenhum mulato negro índio ninguém / um ilhéu / que o destino não quis / soteropolitano. / um semideus / uma semideia / um quase eu. Elisa Andrade Buzzo: Elisa Krone / Coroa forjada que empunho / Em reino solar / Elisa A. B. Krone / Abecedário que se desprega a fórceps. Fabrício Marques diria que nada do que é pós-humano lhe é estranho, mas não seria correto, pois mesmo o humano o confunde. Precisa ler e escrever, como precisa respirar. Gosta cada vez mais da chuva, do vento e dos amigos. Fausto Fawcett lidera uma comunidade xavante de hackers que pesquisa há trezentos e trinta anos a tecnologia da imortalidade. Gerusa Leal descobriu-se jumper. Não gosta de viajar, mas navega com os vikings, ou veste sua segunda pele, em visita a 2077. Simbionte biomecânicoeletrônica, curte cultivar alimentos, palavras, ideias… Qualquer coisa que a mantenha em contato com o que permanece: a transformação. 9 2
Ivan Hegen nasceu oficialmente em São Paulo. Porém há fortes indícios de que seja resultado de um programa de clonagem desenvolvido secretamente próximo a Lagoa da Confusão (TO). Alguns livros foram lançados em seu nome. Nesta hiper-realidade ou na próxima. Jane Sprenger Bodnar é aprendiz de chocolate. Seu nome já estava escolhido cinco anos antes de vir à tona. Coleciona cacos de vidro, recortes de jornal e os pores do sol que desabam no horizonte. Quando o outono chega, entre uma lembrança e outra, embrenha-se nas fotografias dissecáveis de Blade runner: o caçador de androides, até o soluço passar. LUCI COLLIN© é subproduto do meio § meio do mundo § mundo e
fundo § fundo musical § hoje tem marmelada § uma dúzia de livros e mais um § meio que sim.
Luiz Bras espantou-se ao ver pela primeira vez uma prótese neurológica conectada a um exoesqueleto. Agora está tentando resolver, na literatura, a mesma mistura de fascínio e medo que nossos antepassados sentiram ao domesticar o fogo. Marcello Finholdt é um aglomerado teuto-brasileiro de vísceras nutridas por peixes nobres, curtidas em cachaça mineira e cerveja alemã. Fricciona quatro cordas com um arco, escreve poesia com grafite e sonha, pensa entre os séculos 12 e 22, embora viva no 21. Marcia Barbieri sofreu um acidente automobilístico, permaneceu três meses em coma, desenganada pelos médicos tradicionais foi entregue à biotecnomedicina, hoje está viva graças a um transplante artificial, metade humana, metade máquina, dedica-se às palavras. Marco A. de Araújo Bueno é do ramo da nanoliteratura, coleciona hologramas e sucatas vocabulares do pós-humanismo. Pratica sonetos, mesóclises e catacreses. Fragmentarista ferrenho, crava sua obra em nuvens de palavras, coordena um grupo de escultores de motes 9 3
e toca o coletivo De Chaleira. Reside perto do Observatório mas ainda não observou nada além das formas. Possui sistema nervoso.
Mariana Teixeira tem uma cicatriz na canela e asas nos tornozelos. Acredita que a solução para muita coisa pode estar em um quadradinho de doce de leite. Também acredita que doses diárias de ser humano podem ser altamente tóxicas. Marilia Kubota é vizinha de uma chacrete e já dançou dentro de um disco voador, mas não fez vídeo para divulgar no Youtube. Ah, que grande perda para a humanidade. Marize Castro vive no reino onde palavra é profecia.Viu inúmeras cidades, seres e coisas, mas ainda se surpreende com os movimentos que fazem as flores quando se abrem. Sim, acredita: a toda imanência se junta uma transcendência. Ninil Gonçalves: incontrolável obliquidade rumo ao desencanto que alimenta a incompletude, redescobrindo-se continuamente a cada impulso do calcanhar. Patricia Chmielewski, a Japa Tratante, é ácida, rústica, cínica, irônica, prolixa, asmática. E avessa a adjetivos. Responde O processo em liberdade condicional. Não acredita em minibios. Mas que existem, existem. Renato Rezende foi alguém que viu a flor. Rodrigo Garcia Lopes é um drone perdido. Um dna que esqueceu de sonhar. Ronaldo Bressane tem implantes de titânio nas duas pernas por conta de desastres no trânsito e no esporte, retirou quinze graus de miopia de ambos os olhos após cirurgias com laser e costuma usar um número indeterminado de substâncias para alterar os estados da percepção. À parte essas lanternagens em sua lataria, é pai 9 4
de Valentina e Lorenzo e mantém contato mental com a gloriosa V.I.S.H.N.U.
Sérgio Alcides é um remanescente do holoceno. Sua mutação específica é ser resistente a mutações. E a conversões. Sofre da ilusão típica da sua espécie de letrados esquerdoides, segundo a qual o verdadeiro conservadorismo aceita mudar tudo desde que tudo continue a mesma m. Thiago Sá é um gato de Schrödinger no mundo cinza dos cães de Pavlov. Adorador de Hermes, ermitão urbano, amante de símbolos e ansioso com a vinda da era de Aquário. Anarquista ontológico, jardineiro, ciberxamã e mentiroso. Valério Oliveira jamais foi passivo ou ativo, costuma ser apenas contemplativo. Não acredita em realismos ou surrealismos, somente no real e em suas valiosas expansões. Não coleciona essências nem aparências naturais, prefere as artificiais. Victor Del Franco iniciou sua trajetória num ambiente feito de celulose mas transmutações digitais foram se desenvolvendo e agora as palavras navegam pelo ciberespaço na velocidade da luz.
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