Vozes soturnas: Moradores em situação de rua enfrentam a invisibilidade. Mas, e os seus direitos?

Page 1

Mara Carvalho e Thais Daniel Benedicto

Vozes Soturnas

Moradores em situação de rua enfrentam a invisibilidade. Mas, e os seus direitos?



Vozes Soturnas

Moradores em situação de rua enfrentam a invisibilidade. Mas, e os seus direitos?



Vozes soturnas

Moradores em situação de rua enfrentam a invisibilidade. Mas, e os seus direitos?

Sandra Mara Ap. D. Carvalho Thais Daniel Benedicto


Sandra Mara Aparecida Domingos Carvalho & Thais Daniel Benedicto Vozes Soturnas: Moradores em situação de rua enfrentam a invisibilidade. Mas, e os seus direitos? Editores

Mara Carvalho Thais Daniel Benedicto Revisão

Angelo Sottovia Aranha Imagens

Mara Carvalho Thais Daniel Benedicto Diagramação

Thais Daniel Benedicto


Para todos aqueles que estão ou já estiveram em situação de rua e para todos aqueles que nos ajudaram a tornar possível esse livro-reportagem.



O símbolo da mãozinha expressa diferentes significados, porém, para este livro-reportagem partiu-se de dois grandes princípios: o primeiro é que ele representa tudo o que o ser humano conseguiu evoluir graças, apenas, ao polegar opositor; o segundo, e não menos importante, é que ela simboliza a existência. O simples ato de levantar a mão representa o “eu estou aqui”, “eu

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (Constituição Federal, de 1988, art. 5º)

A Constituição cidadã, de 1988, restabeleceu a inviolabilidade de direitos e liberdades básicas, instituiu preceitos progressistas, como a igualdade de gêneros, a criminalização do racismo, a proibição total da tortura e direitos sociais como educação, trabalho e saúde para todos.



Sumário

Apresentação ..................................................... 11 No segundo dia sem comer, já não sentia fome ........................................ 15 A rua é a minha casa. Vieram me estuprar, eu dei facada ................................................ 45 Viciado em martelada na cabeça ninguém fica ................................................ 76 Muitos tentam, mas não sabem ajudar ........... 100 Livre, entre risos e criticas .............................. 120 População de rua tem direitos, sim! ................ 142 Sete caminhos para sair das ruas .................... 156 É fácil ajudar! ................................................... 170 Referências ...................................................... 181



Apresentação

A população em situação de rua é heterogênea e composta por pessoas com diferentes realidades. Entretanto, esses cidadãos têm em comum a condição de pobreza absoluta, vínculos interrompidos ou fragilizados e não têm moradia convencional regular. De forma temporária ou permanente, essas pessoas são obrigadas a utilizar a rua como espaço de moradia e sustento. Assim definiu essa parcela da população o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, por meio da Secretaria Nacional de Assistência Social, durante o Primeiro Encontro Nacional Sobre População em Situação de Rua, organizado e realizado nos dias 01 e 02 de setembro de 2005, em Brasília. Somente em 71 cidades brasileiras com mais de 300 mil habitantes foram contabilizados 45.837 11


pessoas em situação de rua, entre 2007 e 2008, segundo a primeira Pesquisa Nacional Sobre a População em Situação de Rua. Esse foi o primeiro e último censo dessas proporções realizado no país, feito pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Desses quase 50 mil moradores, 88,5% afirmaram não receber qualquer benefício do governo, sendo que 70,9% afirmaram exercer alguma atividade remunerada, das quais se destacam as de catador de materiais recicláveis, flanelinha, o trabalho na construção civil, na limpeza e como carregadores/estivadores. O dado vai de encontro ao pensamento de uma grande parcela da sociedade em que afirma que a população em situação de rua é desocupada, muitas vezes, as chamando de “vagabunda”, ou simplesmente mandando ir trabalhar. Durante as entrevistas e os bate-papos, realizados para este livro-reportagem, os moradores em situação de rua relataram episódios de mesma natureza. Com os dados coletados pelo MDS foi possível conseguir algumas melhorias para a população, como a revogação do artigo 60 do Decreto-Lei nº 3.688/1941, em 2009, que considerava a mendicância como uma infração penal. Antes da revogação, mendigar estava sujeito a prisão de 15 dias até 3 meses. No mesmo ano, foi realizado o Decreto nº 7.053/2009 que instituiu a Política Nacional para a População em Situação de Rua, que busca garantir os direitos dessa população, com ênfase para: igualdade e equidade; valorização e respeito à vida e à cidadania; promoção dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambien12


tais; implantar centros de defesa dos direitos humanos para a população em situação de rua; entre outros. Há no país 219 Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua (Centro Pop), de acordo com o Governo Federal. Porém, será que há atenção suficiente para essa população na sociedade em que vivemos? De acordo com a Matriz de Informação do MDS, de Junho a Dezembro de 2016, foram cadastradas 27.925.293 famílias (são aceitas famílias unipessoais - de uma pessoa só) no Cadastro Único Para Programas Sociais do Governo Federal. Bauru, cidade do interior do Estado de São Paulo, onde foram realizadas todas as atividades de pesquisa para a realização deste livro, tem uma população de aproximadamente 370 mil habitantes, em 2016, e um PIB per capita de pouco mais de 33 mil reais ao ano, dados do IBGE de 2014. Nesses censos, não são incluídos os moradores em situação de rua. Um teste piloto realizado pelo IBGE, com essa população, foi feito em novembro de 2013, com uma pesquisa experimental realizada na cidade do Rio de Janeiro. O objetivo era preparar o IBGE para incluir essa parcela da população no censo demográfico nacional, a fim de permitir o reconhecimento oficial, e necessário, do Governo da população em situação de rua. O Centro Pop de Bauru acompanha diariamente 70 moradores em situação de rua. Ao todo, são atendidos cerca de 115 pessoas, por mês, dessa parcela da população através do Serviço de Abordagem Social e o Serviço Especializado para 13


População de Rua. Esses serviços sociais do município realizam ações com esses moradores da cidade, com o objetivo de possibilitar sua saída das ruas e a redução de danos. Esses são dados de 2016, até o mês de maio, disponibilizados pela Secretaria Municipal do Bem Estar Social.

14


No segundo dia sem comer, já não sentia fome O catador Joaquim está entre os 100 milhões que circulam e dormem pelas ruas mundo afora. O número de moradores em situação de rua é expressivo, mas a realidade dessa parcela da população é marcada pela invisibilidade e pela segregação socioespacial. Papa, como é conhecido Joaquim Aparecido de Sousa Pereira, se considera um andarilho solitário. Ele está em situação de rua há mais de 12 anos, mas esse tempo não consegue apagar de sua memória a violência da repulsa e da indiferença sofrida nas ruas. – Fui apontado muitas vezes como o homem do saco. Ao comentar, sua voz embarga e os olhos ficam marejados de lágrimas. – Os pais gritam para as crianças: vou mandar o homem do saco te pegar. E as lágrimas escorrem 15


de seus olhos enquanto fala. A expressão popular “homem do saco” é usada por adultos para amedrontar a criançada. Conta a lenda que um velho com um saco nas costas pega as crianças e as coloca dentro levando-as embora para sempre. As desobedientes e as que ficam longe dos pais são suas preferidas. – As pessoas nos veem diferentes, e isso é triste porque reforçam a imagem negativa que se tem do morador de rua. O tênis surrado o acompanha em sua caminhada diária de aproximadamente cinco quilômetros. Com roupas escuras, boné na cabeça e pés firmes, percorre a Zona Norte de Bauru. As mãos grossas e calejadas empurram o carrinho de recicláveis. A mochila nas costas leva tudo o que tem (a Bíblia, um copo plástico, uma faca, uma lima e um corote de pinga). Esse é o Papa, também conhecido carinhosamente por Neguinho, o negro semianalfabeto que sonha um dia poder ajudar todos os necessitados que encontrar. Enquanto seu sonho não se realiza, Papa acorda por volta das seis horas da manhã, varre a calçada onde dorme (em frente a um barracão comercial, ao lado de um terreno baldio localizado em uma avenida periférica). Depois de garantir a limpeza do local para o dono do estabelecimento, sai andando e dá continuidade a sua rotina. – Pego o lixo do meu herói, o senhor Elias. Um dia, eu estava todo molhado e ele tirou o agasalho que estava usando e me deu para vestir. Nunca vou esquecer, tenho ele como um pai. Todos os dias tomo café com ele e em seguida subo a aveni16


da Pinheiro Machado. O carrinho em que carrega recicláveis descartados pesa aproximadamente 30 quilos, vazio. Com a carga completa, pode chegar a 150 quilos e fica bem pesado para empurrar. Papa comenta que prefere trabalhar sozinho porque trabalhar em “equipe” nem sempre é vantajoso. – Os que trabalham menos acabam recebendo o mesmo que os outros que se esforçaram mais. Combinei com o dono do ferro velho, R$ 0,40 o quilo e ele me empresta o carrinho, mas a manutenção é por minha conta. Só recebem carrinhos os melhores trabalhadores, os que são de confiança. Ele conta orgulhoso. Apenas três cooperativas de reciclagem são credenciadas em Bauru, segundo a prefeitura; a Cootramat, a Coopeco e a Coperbau. Só essas cooperativas recebem o lixo reciclável coletado no município pelo serviço público. Os trabalhadores que prestam serviço às empresas recebem salário mensal de R$ 1.097,10 (salário base - iniciante), vale compra de R$ 390,00 e 40% pela insalubridade do trabalho. Por dia, os funcionários municipais coletam 260 toneladas de lixo orgânico e 10 toneladas de lixo reciclável. Durante a coleta, Papa segue alguns procedimentos. Nas ruas em que passa, abre os sacos das lixeiras que ficam em frente às casas, pega os recicláveis e depois fecha com cuidado as sacolas. – Tem gente que não tem zelo ao abrir os sacos de lixo, rasga e acaba manchando a imagem de quem faz certo. Durante a coleta, logo nas primeiras lixeiras 17



encontra os itens reaproveitáveis separados, mas, já na quarta não tem a mesma sorte, acha os recicláveis junto com sobras de comida e com muitas larvas. Por essa razão, pega somente parte do material e deixa o resto. Os bigatos sobem em suas mãos e o mau cheiro é forte. – Infelizmente, tem gente que não separa o lixo e, pior, desperdiça muita comida. Pela sua prática, Papa já sabe que plástico duro não é reciclável, muito menos garrafa plástica de leite; – Tem moradores que não sabem disso e tem os que simplesmente querem jogar o seu lixo e me entregam, inclusive, roupas. Pego só para não desfazer deles, mas não tem nenhuma utilidade para mim. Recicláveis, mesmo, são latinhas, sacolas plásticas, ferros, garrafa de vidro, enfim. Também quando acho alimentos, como danoninho e frutas, pego e levo para os meus colegas. Já os pedaços de carne, levo para o Amarelão, um cachorro que se tornou meu amigo. Teve um dia em que eu estava tão cansado de empurrar o carrinho que, quando terminei, por volta das sete horas da noite, nem consegui comer. Dormi ao lado da comida e o Amarelão não comeu, vigiou para mim. Quando acordei no dia seguinte, lá estava ele cuidando de mim e da refeição. Sobre sua relação com esse cachorro, que também que não tem teto, Papa conta satisfeito; – O Amarelão sabe que agora eu sempre tenho alguma coisa para ele. É só eu virar a rua com o carrinho que já vem ao meu encontro. Tornou-se uma relação muito forte. Às vezes, ele é mais fiel 19


do que muitas pessoas. Ao comentar sobre a experiência de viver na rua, Papa se lembra de um dia, quando estava muito sujo e resolveu tocar o interfone de uma casa para pedir um pouco de comida. A mulher que atendeu lhe disse; – Vai trabalhar, vagabundo! E aquilo me marcou demais. Para eu pedir um prato de comida, agora, eu tenho que conhecer muito bem a pessoa. Se não, não peço. Não fico pedindo, não roubo nada. Eu só vivo nas ruas, só isso, porém trabalhando com os recicláveis. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) já constatou que 19 milhões de pessoas poderiam ser alimentadas, diariamente, com os alimentos que são jogados fora. Esse desperdício ocorre, quase sempre, durante a preparação das refeições. E assim o Brasil desperdiça 41 mil toneladas de alimentos por ano. Segundo Allan Boujanic, representante da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) no Brasil, além da comida que se desperdiça na cozinha, cerca de 30% de tudo o que é produzido no mundo é desperdiçado e perdido antes que chegue à mesa do consumidor. O desperdício de alimentos e a falta de consciência de grande parte da população, sobre essas atitudes descuidadas, contribui para que milhões de brasileiros passem fome. Vivendo neste mundo, Papa é um dos que passam fome. Aos 50 anos de idade, tem uma biografia parecida com a de muita gente; já chegou a ficar mais de três dias sem comer. 20


– O primeiro dia é o mais difícil, mais angustiante. Depois, parece que o estômago vai se fechando. Do segundo dia em diante eu já não sentia mais fome. Inclusive, bebia pouca água. O médico do Hospital Estadual de Bauru Antonio Carlos Sant’Ana menciona que o correto é o indivíduo alimentar-se a cada três horas. Quando não come, o corpo vai tentar se proteger produzindo açúcar a partir da reserva de gordura corporal. A gordura consumida é a que ajuda a manter a estabilidade da temperatura, e também é o que protege e reveste os órgãos internos, além de complementar a formação da pele. Quando acaba essa gordura, o corpo pega as reservas de proteínas e, assim, a pessoa vai se debilitando cada vez mais. Tanto que, quando chega a esse ponto, quando o corpo começa a queimar as proteínas, por mais que a pessoa coma, não consegue mais recuperar o que perdeu. – A imunidade é feita à base de proteínas. A ausência de proteínas gera baixa imunidade. O estômago, para fazer a digestão, tem um ph (ácido) que vai se misturar com outras substâncias (suco gástrico), e a alimentação inadequada leva a uma gastrite. Isso acontece depois de muito tempo, os jejuns contínuos resultam em gastrites. Sant’Ana, que também é clínico geral, faz um alerta sobre os processos das doenças. A agressão, a sobrecarga no sistema imunológico, em algum momento, pode causar alterações na sua forma, gerando lesões. Quanto maior for a exposição, seja no sistema digestivo, no sistema nervoso ou no psicológico, mais aumenta a possibilidade 21


de lesões. A formação das doenças vai depender muito da estrutura inicial; maior exposição, mais chances de lesar o conjunto. Além do fator imunológico, da baixa imunidade decorrente da falta de nutrição, o metabolismo é poupado, fica mais lento e, em consequência, as células sanguíneas de defesa são produzidas em menor quantidade. Sendo assim, em casos de infecção grave, o corpo não terá defesa suficiente. E, por essa razão, a pessoa acaba em um quadro mais crítico do que os que estão imunocompetentes. Com a diminuição do número de células sanguíneas, a pessoa debilitada, além de apresentar anemia, perde volume de sangue, o que provoca uma sobrecarga cardíaca. Em último caso, pode ocorrer o chamado choque hipovolêmico (parada por hipotensão severa, hipotermia, parada cardiorrespiratória), um quadro fatal. Nesses casos, se não tiver a reposição volêmica (sanguínea), a pessoa não tem chances de reversão. Papa pesa 52 quilos e tem 1,68m de altura, isto corresponde a um IMC (Índice de Massa Corpórea) de 18,6, que indica subnutrição; o normal estaria entre 20 e 25. Ele Relata que, antes de ir parar nas ruas, pesava mais. O emagrecimento, as alterações aparentes, como as rugas, por falta de hidratação e elasticidade da pele, e a atrofia muscular podem estar ligados a uma baixa reserva energética, associada à alimentação inadequada. O trabalho de coleta de materiais recicláveis exige um esforço físico muito intenso e, com isso, se gasta mais energia e esse desgaste somado à má alimentação podem provocar redução peso, 22


como no caso de Papa. Papa não usa nenhum equipamento de segurança para retirar os recicláveis dos sacos de lixo, como a maioria dos catadores, e com isso corre riscos todo o tempo em que coleta, além da exposição ao sol. O contato direto com comidas em estado de putrefação, cacos de vidro e latas enferrujadas, e a falta de proteção contra os raios solares representa riscos eminentes a sua saúde. A dermatologista Rita de Cássia Pupo Gonçalves Lopes também relaciona algumas doenças de pele à grave desnutrição, sobretudo as doenças consequentes da falta de arginina, de triptofano (aminoácidos que compõem as proteínas) e de vitaminas do complexo B. A falta desses elementos pode gerar lesões de pele. Inclusive, a falta de disciplina em relação à higiene pessoal pode deixar a pessoa mais suscetível a infecções bacterianas e a micoses. Outra doença preocupante é a sarna e a escabiose; os que compartilham cobertores ou têm contato com quem tem a doença facilmente a contraem, explica a médica. No caso do andarilho que anda constantemente descalço, a falta de proteção pode lhe causar feridas nos pés, as chamadas úlceras plantares, e os que usam calçados inapropriados ou molhados podem desenvolver calos e fungos. – Existem doenças de pele ligadas ao alcoolismo. O alcoólatra, em geral, não se alimenta de forma adequada, porque o álcool contém uma caloria que faz com que o indivíduo não sinta fome. A substituição da água pelo álcool, por exemplo, contribui para uma desidratação na pele. O álcool 23


também pode provocar algumas alterações absortivas no intestino, provocando a diarreia. O consumo frequente da bebida ainda contribui para a dilatação dos vasos sanguíneos, o que causa a rosácea (vermelhidão no rosto). – Os moradores em situação de rua, muitas vezes, bebem para esquecer que estão com fome, com frio e, inclusive, para não se lembrarem dos seus problemas, comenta Rita de Cássia. O catador solitário Papa afirma que bebe para ter mais força na hora de empurrar o carrinho pesado, cheio de recicláveis. Confessa já ter usado outros tipos de drogas, mas que se libertou e hoje bebe somente pinga. Porém, não tem hora para tomar, seja cedo, de tarde ou à noite, toda hora é hora, “porque o líquido esquenta o peito e acalenta o coração”. – Quando fiquei muito mal, tive dengue, recebi ajuda de alguns moradores. Um rapaz, que já me ajudava, dava dinheiro para eu comprar remédios. Em alguns momentos, chegou a dar o que tinha em sua casa. O outro foi o moço evangélico, ele procurava fazer uma alimentação adequada para meu repouso. Eles me ajudavam com roupas e cobertores, se preocupavam comigo. Em dias de chuva, me tiravam da rua e me levavam para outro lugar coberto, durante o período em que conheci a famosa dengue. Não fui para o hospital, eles e Deus me ajudaram. Os problemas físicos e as doenças de Papa, do mesmo jeito que aparecem “vão embora”. Pelo que se lembra, há mais de 10 anos não vai a uma consulta médica. No entanto, ele acredita ter fica24


do mais resistente com o passar do tempo. Conta que, no começo, quando foi parar na rua, seu organismo se debilitava mais, era mais fraco, talvez por não se alimentar direito. Lembra-se de sentir-se mal com muito mais frequência do que agora. Aos poucos, com o passar do tempo, foi aprendendo a sobreviver e se fortalecer. Assegura ter criado mais inteligência no espaço de segregação socioespacial em que vive. – É por isso que eu não pareço ter a idade que tenho, comenta. Apesar do relógio não parar, parece que o tempo congelou Papa. Sorri ao comparar sua idade e sua aparência. Com sorriso tímido, olhar disperso e fala baixa, aos poucos vai se soltando e fala sobre os motivos que o levaram à rua. O trabalho com recicláveis foi uma das razões. – Minha ex-esposa não aceita que eu trabalhe coletando recicláveis, mas é esse o serviço que eu tenho e que Deus preparou para mim. É como ganho o meu sustento e, inclusive, posso sustentar os meus filhos. Ela é contra e diz que o serviço é porco, explica. As brigas com a ex-mulher passaram a ser frequentes, até que acabou brigando também com seu enteado que, segundo ele, chegou a falar que queria vê-lo na mendicância e morto. Como a esposa não o aceitou com o seu novo trabalho, Papa se afastou da família. Contudo, embora não more mais na casa de sua família, ele leva dinheiro para ajudar nas despesas dos filhos e paga pensão alimentícia no valor de R$ 280 reais. Ele fala que já foi denun25


ciado pelo próprio enteado por não pagar a pensão e que, por isso, ficou preso por algumas horas. Só foi liberado depois que um homem desconhecido pagou a fiança para ele. – Eu os coloquei no mundo, não posso deixá-los jogados, abandonados, tenho obrigações. Ajudo porque acho que isso é o certo, comenta. – Minha ex-mulher sabe dos meus motivos para morar na rua. Além do trabalho com recicláveis, meu enteado era homossexual e eu o peguei com outro homem na cama, na frente da minha filha, quando ela tinha três anos. Esse foi o motivo mais forte da separação. Ela falou para eu deixar Deus fazer a obra na vida dele e eu falei que, quando Deus fizesse eu voltaria para o lar. Mas, não voltei e nem volto nunca mais. Ele conta que cinco anos após sua saída o rapaz acabou morrendo, foi atropelado por um caminhão Scania. – Quando fui parar na rua comecei a usar drogas, maconha e crack, mas Deus me libertou, disse que aquilo não era para mim e me deu forças para deixar o vício. Deus falava que o meu ritmo não era aquele e que eu tinha que continuar pegando o meu reciclável. Cheguei à seguinte conclusão; posso fumar meu cigarro, beber minha bebida, mas usar drogas não. E assim estou até hoje. – No lugar onde eu durmo, às vezes aparecem usuários de drogas e usam a noite inteira. Isso não me afeta. Só peço para eles tomarem cuidado e não deixarem o chão sujo, porque o dono do barracão pode me repreender e não me deixar mais dormir no local. Afinal, ele me ajuda com alimen26


tação e ainda me dá serviço. Às vezes, faço limpeza em seu barracão. Inclusive, enquanto limpo o estabelecimento ele me serve bebida (cerveja), ele é legal. Ele não se importa que eu durma em frente ao seu comércio. Instalou câmera de segurança do lado de fora da empresa, isso acaba sendo até uma forma de me proteger. Para Joaquim, o Papa, uma das dificuldades para quem dorme ao relento é a chuva. Nos períodos chuvosos, para se proteger da água é preciso criatividade e capacidade de improvisação. Ele costuma encostar o carrinho de recicláveis próximo ao muro e a parede do barracão, e colocar seu colchão (de, aproximadamente, sete centímetros de espessura) sobre umas madeiras no chão. Em seguida, prende no carrinho uma lona e a joga por cima da cama improvisada entre o muro e a parede. Assim, a água cai na cobertura e escorre no concreto, explica. Outra alternativa encontrada por Papa é a de cobrir o carrinho de reciclável com a lona e entrar dentro. – O improviso não deixa a gente se molhar. Mas quando não chove, durmo ao ar livre no colchão, isso quando ele está seco. Em momentos de muito cansaço e preguiça, nem pego o colchão, deito direto no chão. Já estou acostumado com a rotina. No começo não conseguia dormir por medo da rua, porque eu via as reportagens de pessoas que morriam queimadas, tinha receio. As três primeiras noites passei acordado, mas, mesmo assim, nunca pensei em voltar para a casa onde morava. O casamento lhe proporcionou um casal de filhos. O menino está com 14 anos e a menina 27


com 18 anos de idade. Também tem uma neta, recém-nascida, que o deixa com um sorriso no rosto. Mas, por mais que se emocione, não pretende voltar a morar com a família. Apesar das dificuldades que enfrenta, gosta de morar na rua. Alega ter feito amizades na redondeza de onde fica e, para ele, “a liberdade é o maior bem”. Para a psiquiatra Jordana Sabage, que atende em Bauru, a vida é algo frágil, tanto que acidentes e doenças já podem por fim à vida de um indivíduo. Na sua visão, estar na rua não significa que a pessoa esteja desistindo de tudo, inclusive da própria existência. Tanto que os moradores em situação de rua pedem comida, dinheiro, por quererem continuar vivendo. – Não existe uma única explicação para que alguém escolha ficar em situação de rua. Pode ser por opção, doença mental, problemas de relacionamento familiar, dificuldade para aceitar regras ou cultura familiar, há várias possibilidades. Há uma série de desvios que levam pessoas a morarem nas ruas, ou a estarem temporariamente naquela situação. Não necessariamente essas pessoas têm baixa autoestima, ou se sentem menos dignas (pessoas com bons empregos, com boas condições financeiras, também podem se sentir assim), explica a psiquiatra. – Tem aqueles que têm a cabeça firme, centrada, e falam: eu vou vencer trabalhando! Na coleta de materiais recicláveis somos em quase dez homens e temos o mesmo pensamento. Lutamos pelo mesmo objetivo, que é chegar ao triunfo por meio do trabalho. Eu e meu amigo José Carlos 28


somos apontados pelo dono do ferro-velho como os melhores carrinheiros. Em 71 das cidades brasileiras com mais de 300 mil habitantes foram contabilizados 45.837 pessoas em situação de rua, há dez anos, segundo a Pesquisa Nacional Sobre a População em Situação de Rua, realizada entre 2007 e 2008 - primeiro e último censo dessas proporções realizado no país - pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Desses quase 50 mil moradores, 88,5% afirmaram não receber qualquer benefício do governo, sendo que 70,9% afirmaram exercer alguma atividade remunerada, das quais se destacam as funções de catador de materiais recicláveis e de flanelinha, o trabalho na construção civil e em serviços de limpeza, ou como carregador/estivador. – Claro que na rua também há os bandidos, os que não estão nem aí e roubam para sustentarem seus próprios vícios, mas esses são poucos. Nem todo mundo que mora na rua é bandido. Geralmente, os bandidos têm casa para morar. – São poucas as pessoas que sabem respeitar a gente. A gente respeita o outro ao máximo, mas tem hora que também perdemos o limite, a paciência. Somos seres humanos. Tem coisa que dói e ficamos nervosos. A resposta mal criada não é certa, mas, às vezes, acabamos perdendo a razão. Só que, no geral, procuramos andar certo para não sermos humilhados. O carrinho de recicláveis de Joaquim incomoda muita gente, uns xingam alegando que atrapalha o trânsito, outros, simplesmente com o 29


objetivo de diminuir sua importância e por não respeitarem o seu trabalho. Exemplo disso aconteceu quando, certa vez, uma mulher com uma criança em um carrinho de bebê começou a gritar para que saísse da direita com o carrinho de recicláveis, porque ela iria passar. – Dá a volta, disse Papa. Mas, como a mulher ficou muito furiosa, logo começaram os gritos: – Seu macaco, não está vendo que eu estou com o carrinho e quero passar. Você está atrapalhando. – Dá a volta, reforçou Papa. Essa sua fala foi o estopim. Daquele instante em diante as ofensas partiram de ambos os lados. – Naquele dia o carrinho estava muito pesado, uma das rodas estava murcha. Se eu mudasse de lado iria colidir com os carros. Perdi a cabeça e xinguei mesmo. Só parei quando a mulher me ultrapassou e sumiu de vista. Me controlei para não fazer coisa pior. Depois, fiquei pensando e me arrependi. Ela estava com uma criança, eu deveria ter ficado quieto. Por ironia do destino, os dois se encontraram tempos depois, só que dessa vez a mulher estava assustada; havia sido roubada. Inclusive, levaram o carrinho. Papa se sensibilizou e ambos, abalados pela situação e mais calmos, seguiram cada um o seu caminho. Embora Papa, muitas vezes, não seja respeitado pelo que faz, ele afirma se encontrar no trabalho que exerce. – Acho legal o que faço. Acho que estou ajudando a limpar as ruas. Tirar a sujeira ajuda a tirar as doenças causadas pelo lixo. Uma garrafa pet, 30


por exemplo, leva pelo menos 500 anos para se decompor e, até lá, pode provocar muita doença e muita gente doente, como eu fiquei quando tive a dengue. É por isso que todo dia é dia de recolher reciclável. Não tem folga. Enquanto o dono do ferro-velho nos atender, estaremos lá. O responsável (dono) pelo barracão de recicláveis a quem Papa vende o que coleta não tem convênio com a prefeitura. Trabalha como autônomo e, por essa razão, todos que prestam-lhe serviços não têm carteira assinada, nem qualquer tipo de benefício. Papa e seus colegas não são registrados, mas têm consciência do importante trabalho que fazem em benefício do meio ambiente e de toda a população. – O dono trabalha de domingo a domingo igual a gente. Faz isso para facilitar para nós. Por isso que ele está crescendo, se Deus quiser, um dia vai ser o rei do assunto, da reciclagem. Os catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis desempenham papel fundamental na implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), com destaque para a gestão integrada dos resíduos sólidos. De modo geral, eles atuam nas atividades da coleta seletiva, triagem, classificação, processamento e comercialização dos resíduos reutilizáveis e recicláveis, contribuindo de forma significativa para a cadeia produtiva da reciclagem. Sua atuação, em muitos casos realizada sob condições precárias de trabalho, se dá individualmente, de forma autônoma e dispersa nas ruas e em lixões a céu aberto, como também, coletiva31


mente, por meio da organização produtiva em cooperativas e associações. A Lei nº 12.305/10, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), é bastante atual e contém instrumentos importantes para permitir o avanço necessário ao País no enfrentamento dos principais problemas ambientais, sociais e econômicos decorrentes do manejo inadequado dos resíduos sólidos. Papa, há alguns anos, decidiu sair da Zona Norte, onde sempre trabalhou com recicláveis, e foi morar por seis meses na Zona Oeste de Bauru. Nessa região, como já lhe era usual, estava dormindo na calçada quando foi abordado por um rapaz que havia saído da cadeia. Ele queria aprender a mexer com horta, mudar de vida, parar de dar desgosto para os pais, assim conta Papa. – Me convidou para arrancar alguns tocos e carpir seu quintal. Aproveitamos o local e o ensinei a fazer canteiros para plantar alface, almeirão, essas coisas. Eu ainda cuidava de um cavalo e criava uns pintinhos. Os pintinhos dormiam junto a mim, era legal. Eles se acostumaram comigo, depois que cresceram não queriam ficar no viveiro. Como piavam a noite inteira, eu os colocava junto comigo, porque só assim ficavam quietos e dormiam. Eu sempre acordava com eles em cima do meu colchão. Embora tenha considerado interessante a experiência em outro bairro, depois que ensinou o rapaz a fazer horta, deixou a casa dele e voltou para a mesma calçada onde morava, na Zona Norte da cidade. 32



– Sabe, vontade a gente tem de ter um lugarzinho, às vezes até encontro um local, um quartinho, mas geralmente não durmo nesses espaços, só consigo ficar de dois a três dias e depois volto para a rua, porque sinto saudade. – Eu tenho esperança de que, algum dia, ainda vou achar alguma coisa boa na rua. Antes de sair deste mundo, vou encontrar alguma coisa importante na rua. Eu ainda não sei o que é direito, mas eu vou encontrar. Tenho esperança de uma hora ficar rico mexendo no lixo e, quando isso acontecer, não vou ficar com o dinheiro e nem vou guardar herança. Vou dividir com todos que precisam. O apelido de Papa surgiu no ferro-velho. Como haviam dois negros na coleta de recicláveis, a ‘coroa’ de cabelos que tinha na cabeça foi o motivo do seu codinome. Acha que o apelido representa uma forma carinhosa de diferenciação. Quem conversa com Joaquim, Papa ou Neguinho percebe logo que a ele não importa como o chamem. O que realmente importa e que chama a atenção é a grandeza de seu coração. Seus olhos ficam marejados ao falar de seu sonho. – Eu quero ajudar muitas pessoas que precisam. Por exemplo, quem mora numa favela precisa mesmo, lá tem muitos que precisam de muita ajuda, tem crianças que não têm um calçado. Mas, deixa pra lá!, lamenta. E chora ao pensar e falar sobre o que vê no dia a dia. Um dos motivos de sua alegria é sentir que as crianças gostam dele, inclusive o filho do dono do ferro-velho que compra a mercadoria que ele coleta todos os dias. Quando leva o material reciclá34


vel, o menino se aproxima e o enche de perguntas. E ele conta com ar de contentamento; – Não sei, desde pequeno sou assim, gosto de ajudar. Do mesmo modo que estou fazendo está entrevista para ajudar vocês, prefiro mais ver os outros bem do que eu. Mesmo estando assim, ajudo os companheiros da rua. O que é meu é do outro. Mas nunca peço nada a eles, porque sei que o coração deles não é igual ao meu. O único que tem o perfil parecido comigo é o Ricardo, e foi por isso que nos demos tão bem. Aqui na rua não tem parceiro melhor. Papa reforça sempre que o morador em situação de rua não desiste da vida, com o que concorda plenamente a psiquiatra Jordana. E ele vê claramente as diferenças entre um morador em situação de rua e um mendigo. – O mendigo não liga para nada, só andando pedindo, não se preocupa em trocar a roupa, em tomar banho. Não está nem aí consigo mesmo. Tem gente que chega até a cheirar mal, inclusive. Para alguns, morrer ou viver não faz diferença. Já o morador de rua é diferente, procura fazer alguma coisa para sobreviver, procura se cuidar, conquistar amigos, está sempre se movendo. Esta aí a diferença. O mendigo, sim, põe um saco nas costas e sai andando. Assusta todo mundo, não procura cortar o cabelo, fazer a barba, cortar uma unha, conversar com as pessoas, só fica andando. Anda de cidade em cidade. Papa não passa apertado quando precisa cortar os cabelos. Quando não vai ao cabeleireiro, ele mesmo corta. Outra coisa, ressalta que fica muito 35


feliz quando as pessoas passam por ele e o cumprimentam. Sua tristeza é que, no geral, sempre está muito sozinho e, por isso, quando o ignoram se sente mal. – Eu não tenho “compromisso” com as coisas (os contratos sociais), o meu compromisso é com a vida, quero me manter vivo, conquistar amigos e ser respeitado até por uma criança. É legal passar por uma criança e ela gritar, Ô papa!, Ô Neguinho!. É tão legal, a gente se sente vivo. Entre as muitas lembranças, relembra um episódio com o qual explica porque afirma que um dia compensa o outro. – Um dia, eu estava precisando de sete reais. Perto de um posto de gasolina, havia uma moça na minha frente. Sua bolsa estava com o zíper aberto e aí caíram R$ 1.800 reais. Olhei bem, tinha um espaço para pegar o dinheiro e depois ir embora sem ela perceber. Então, falei: “Senhora! O dinheiro da sua bolsa caiu”. A mulher ficou branca, vermelha, catou o dinheiro e conferiu, depois disse: – moço, você me devolveu os R$ 1.800 reais, esse é o meu pagamento do mês. – Eu me senti contente e recompensado ao ver a alegria dela. Então, fui com meu carrinho para o ferro-velho e cheguei lá com uma carguinha de nada. Porém, quando a pesei, deu R$ 76,00. Deus multiplicou a minha parte. Joaquim vem de uma família de seis irmãos e seus pais se mudavam frequentemente de uma cidade para outra. No interior paulista, morou em Piratininga, Itapuí e Bariri, mas sempre em fazendas. Aos oito anos, já trabalhava para ajudar 36


no sustento de todos. Se não carpisse dez pés de café na frente do irmão mais velho apanhava do pai. Morou com os pais até os onze anos de idade. – Meu pai judiava de mim, já dos meus irmãos, não. Não sei o porquê. E o pior, era eu que mais parecia com meu pai. Hoje não tenho mais família, são todos falecidos. Apesar da má lembrança que tem de seu pai, Papa diz ter sentido demais o falecimento da mãe, há 28 anos. Quando ela morreu, ele estava morando com uma tia. – Minha tia era muito legal, tanto quanto os meus primos, seus filhos. Sai de casa porque não combinava com o meu pai, fui embora por causa dos maus tratos. Antes de parar na casa da minha tia, cheguei a dormir debaixo do vão da roda de uma carreta. Quase que o cara (motorista) me matou. A minha sorte foi que ele rodeou o veículo conferindo os pneus e me viu. Caso contrário, teria passado por cima de mim. Depois do susto, me deu carona até a cidade de Piratininga e eu acabei ficando na minha tia. Nessa época eu tinha 12 anos de idade. Sobre a vida profissional, Papa recorda-se de como era difícil conseguir um trabalho naquele tempo, quando ainda era um menino: – Saía de Piratininga em busca de trabalho, mas, como eu era menor de idade, as firmas não me aceitavam. Cheguei a cortar cana por empreita (quando a empresa contratante realiza o pagamento no término do serviço), mas eu recebia por dia. Não deu muito certo, eu era lento para cortar as canas. E assim foi indo. 37


– Morar com a minha tia foi ‘da hora’, tinha meus primos e uma prima que tinha a minha idade. Depois que minha mãe morreu, nunca mais voltei a sua cidade. A escola não era prioridade para Papa. Frequentou pouco as salas de aulas. Conta que,“não curtia muito estudar”. Porém, sua relação com o trabalho começou cedo. E o principal motivo que o levou ao trabalho era a vontade de fugir da escola. Para não estudar, sempre parava em seu esconderijo, o cafezal. Aliás, essa era uma das razões pelas quais apanhava de seu pai, até que um dia ele o tirou de vez da escola e o pôs para trabalhar. Daí em diante, nunca mais parou. Assim como Joaquim, existem muitas pessoas que não frequentaram escolas ou desistiram de estudar. Em Bauru, é grande o número de adultos que procuram se alfabetizar, mas ainda há cerca de 11 mil analfabetos em idade acima dos 15 anos, conforme pesquisa de 2010 do IBGE. Apesar de estar na constituição que a educação escolar é um direito de todos, em especial na primeira infância, no Brasil o analfabetismo caiu de 11,5% para 8,7% nos últimos oito anos, mas ainda existe, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 2012. O analfabetismo de jovens e adultos vem sendo reduzido no Brasil, mas os percentuais são ainda mais preocupantes no Norte e Nordeste, onde estão os maiores índices de analfabetismo do país. Na faixa de 15 a 19 anos, a Pnad de 2012 registra taxa de analfabetismo de 1,2%, muito inferior à média geral. 38


Dados educacionais medidos pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE/2008) revelam que o número de analfabetos entre dez e 24 anos caiu 8% entre 2007 e 2008. A queda mais expressiva, de quase 10%, ocorreu no número de analfabetos entre crianças e adolescentes de dez a 14 anos. Em 2007, a taxa de analfabetos entre 10 e 24 anos era 2,5%. O número caiu 0,2 ponto percentual em 2008 - para 2,3% -, o que representa queda na taxa de analfabetismo de 8%. O percentual de crianças e adolescentes analfabetos, entre 10 e 14 anos, era de 3,1% em 2007 e passou para 2,8% em 2008. Os resultados mostram queda de 0,3 ponto percentual ou próxima a 10%. A taxa de analfabetismo se estabilizou para as faixas etárias de 15 a 17 anos e entre 18 e 24 anos. No primeiro grupo, permaneceu em 1,7%. Entre 18 e 24 anos, a taxa de analfabetismo ficou estável em 2,2%. Já o número absoluto de analfabetos na faixa de 25 anos ou mais subiu 1%, fazendo a taxa de analfabetos nessa faixa etária ficar em 10%. “O que não é crível, porque se está caindo o número de analfabetos de 10 a 24 anos, até por razões demográficas, era de se supor que o número tivesse caído, mas o numero absoluto aumentou em 140 mil, concentrado na região Sudeste - 100 mil dos 140 mil”, disse o então ministro Fernando Haddad. Os outros 40 mil estão na região Sul. O Brasil reduziu em 4,3 pontos percentuais o número de analfabetos de 2001 a 2014. É o que aponta a Pesquisa Nacional por Amostra 39


de Domicílios (Pnad) 2014, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A taxa de analfabetismo entre brasileiros com 15 anos ou mais foi estimada em 8,3%, o que significa, de acordo com o IBGE, 2,5 milhões de pessoas analfabetas a menos, em relação a 2001. Pois é, nesse cenário Joaquim frequentou a escola por um período muito curto e, mesmo com dificuldades, sabe ler e escrever. Afirma que praticou mais leitura na vida adulta. A bíblia é seu guia intelectual e espiritual. – Procuro sempre ler a minha bíblia, buscar Deus, os outros da rua já não curtem muito esse lado, por isso que gosto de andar sozinho. Os caras usam muita droga, ficar sozinho é melhor, senão acabo entrando no embalo deles. Dizem que isso não influencia, mas influencia sim. É preciso ser muito forte para resistir. – Às vezes, eu vou no mercadinho do Sílvio, pego um corotinho de pinga, sento na mina d’água que fica perto de onde eu durmo, e fico lá. Acho bom escutar o barulho das águas bebendo uma pinga. E como a maioria dos alcoólatras, Joaquim sempre tem os seus motivos para saborear sua irresistível aguardente; – Tem hora que bebo para aguentar o sol quente, para dar mais coragem de andar, para puxar o carrinho de recicláveis, porque os pés, às vezes, chegam a doer de tanto andar procurando material e não achar nada. Hoje mesmo vai ser difícil encontrar os recicláveis, por causa da chuva. Só se mais tarde clarear. Já saí cedinho (7 horas), mas acho que até o final do dia não consigo R$ 20 40


reais. Não pelo fato de estar parado aqui (10h30), é que hoje está esquisito mesmo. Estou torcendo para que aquele rapaz me chame para fazer um bico (serviço). O dia a dia de Papa não é fácil. Costuma receber propostas estranhas. Já recebeu vários convites para se prostituir e para trabalhar para traficantes, mas o trabalho com os recicláveis é o seu foco. – Já tentaram fazer com que eu fosse um garoto de programa. Eu estava andando na Rodrigues Alves, avenida principal no centro da cidade de Bauru, quando parou um carro preto, chique, com um homem dirigindo e uma mulher ao lado. Ele me chamou, ofereceu R$ 300 para eu satisfazer a esposa na frente dele. Eu mandei ele guardar o dinheiro no cofre, porque isso não fazia parte do meu mundo. – A venda de droga dá dinheiro, mas também cadeia. Acho melhor ficar longe disso, melhor catar recicláveis mesmo. Deus é mais forte e maior que tudo isso, não me deixa pegar. Joaquim chegou a vender drogas durante um curto período, mas não quis continuar quando concluiu que contribuiria para a destruição de muitas vidas. Já viu colegas morrerem na sua frente. Inclusive, relembra com tristeza o momento em que recebeu a notícia da morte de sua namorada por overdose. – Nesse período eu já não usava mais drogas, mas tinha que comprar para minha namorada. Até que um dia ela encanou e saiu sozinha, encontrou um grupo de “amigos” e eles foram usar, mas ela 41


tomou uma dose a mais e morreu. Por não ter nenhum documento e não dar para localizar seus parentes, amigos ou conhecidos, foi enterrada como indigente. Fiquei sabendo só seis meses depois. Até hoje procuro o cara que lhe deu as drogas. Como sua namorada, que não tinha documentos, Papa já perdeu as cinco vias que foram tiradas, e também não tem. A falta do Registro Geral (RG) e Cadastro da Pessoa Física (CPF) o preocupa porque, caso lhe aconteça algo, não será possível identificá-lo, mas as autoridades responsáveis não querem providenciar outro RG. Seu medo é que seu destino seja o mesmo da namorada. Não quer ser enterrado como indigente. Com sorriso comprometido pelas cáries, com a saúde a mercê da sorte, com a alimentação precária, diz que seus direitos não são respeitados. Joaquim não procura hospitais nem quando está doente. Já foi muito mal atendido e alega que os atendimentos precisam ser mais humanizados. Embora tenha contato com a família e se alegre ao mencionar o nascimento da neta, que hoje está com pouco mais de um ano, os laços afetivos são mais frágeis do que o sentimento de liberdade que tem na rua. Papa diz que não gosta de ser chamado de pai, para ele pai é somente Deus. Seus filhos o chamam de Dito. Mesmo diante das dificuldades já enfrentadas na rua, não pede o apoio da família. Quanto a pedir comida, evita para não ser desrespeitado novamente, como já foi chamado de vagabundo por uma senhora. Embora tenha contribuído 15 anos para o 42


Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e desempenhado funções como, por exemplo, as de servente de pedreiro e carpinteiro, ele não recebe nenhum benefício que lhe garanta condições mínimas de dignidade. E os moradores em situação de rua têm direito à Bolsa Família, desde que se cadastrem no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. Joaquim se agarra na esperança de um dia ficar rico com os recicláveis. Gosta e valoriza tanto o que faz, que não consegue se identificar em nenhum outro trabalho. Mesmo se quisesse atuar em outra área, dificilmente conseguiria, porque a falta de qualificação profissional e a baixa escolaridade o deixam em desvantagem. Ele sabe que a concorrência é acirrada. O racismo e o preconceito são outras barreiras a serem quebradas. Joaquim é negro e faz parte das estatísticas pelas quais a desigualdade de sua etnia não se encontra só nos livros, na história do país, e sim no contraste da atual conjuntura do Brasil, onde 54% da população é negra, mas somente 17% dos negros estão entre os mais ricos. Esses e outros fatores diminuem as chances de Joaquim voltar ao mercado de trabalho e de incluir-se socialmente. A segregação socioespacial é uma dura realidade para quem a vive. Enquanto essa condição não mudar, milhares de pessoas vão vivendo como Joaquim, um dia após o outro, cheias de esperança em busca de seus direitos. O Decreto nº 7.053, de 2009, instituiu a política nacional para a população em situação de rua. 43


Art. 8º. § 3º Cabe ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, por intermédio da Secretaria Nacional de Assistência Social, fomentar e promover a reestruturação e a ampliação da rede de acolhimento a partir da transferência de recursos aos Municípios, Estados e Distrito Federal.

44


A rua é a minha casa. Vieram me estuprar, eu dei facada – Fui adotada aos dois anos de idade, estava em uma casa de orfanato. Rosa Maria Fernandes tem 39 anos e conta que foi adotada por uma família renomada e muito rica em Bauru. Aos onze anos de idade, fez a primeira comunhão. Sua mãe adotiva a deixava na Igreja Católica, na Catedral do Divino Espírito Santo, em frente à Praça Rui Barbosa no centro de Bauru, para frequentar o catequismo para a primeira comunhão. E foi lá, ainda menina, que conheceu as drogas. Lembra que costumava ficar na escadaria cheirando cola com os meninos. – Antigamente não existiam essas drogas que nem o crack, né? Mas tinha cola, coisa pior. Os meninos viviam com a cabeça cheia de cola. Sempre tive um coração muito bom e, por ser carente, eu me apegava com as pessoas carentes. 45


Rosa conta que, com apenas onze anos, já exercitava o altruísmo: – Cheguei a pedir roupa de menino para minha mãe. Vestia. Mas, depois dava as roupas pros meninos, pras crianças de rua. O pedido de roupas masculinas à sua mãe tinha por objetivo fazer as doações. Rosa se incomodava ao ver as crianças sujas e mal vestidas. Queria compartilhar um pouco do que tinha. Ao ver os meninos e as meninas na rua pensava; – O que seria de mim se eu não tivesse essa mãe? Tinha tudo, do bom e do melhor! Ao ver a realidade dos moradores em situação de rua por meio do contato direto, em especial com as crianças, a compaixão foi imediata. E, depois de dois anos de convivência com essa população, decidiu abandonar o conforto de sua casa. O luxo e as regalias diárias ficaram pequenas diante do desejo de se juntar às crianças que estavam em situação de rua. Conta que, quando dormiu pela primeira vez fora de casa tinha treze ou catorze anos. Nesse começo, perambulava entre a rua e a casa da família. Nos momentos de mais dificuldades voltava para o colo da mãe adotiva. Dos meninos que, a princípio, a inspiraram a ir para a rua, muitos já saíram daquela situação. A grande maioria tem suas casas e carros. Rosa contempla a vitória deles, mas não almeja o mesmo destino dos colegas. – Eu fui, de verdade, uma menina da rua. Se eu to viva hoje é porque me tornei uma mãe da rua. Os moradores de rua me chamam de mãe. Rosa gosta de ser chamada de mãe pelos mo46


radores em situação de ruaque convive. Diz que, embora tenha filhos biológicos, aqueles que não tiveram infância e mães também têm espaço em seu coração. – A mãe é aquela que sempre dá atenção. Eles sempre chegam em mim: “Rosa, posso conversar com você?”. Rosa estava com 15 anos de idade quando engravidou, pela primeira vez. Aos 16, nasceu o filho Matheus. Durante sua gestação voltou para a casa da mãe adotiva, pois tinha medo de ficar na rua e por a vida do bebê em perigo. A pneumonia era sua principal preocupação. – Quando estava grávida, eu parava até de usar drogas. Mas, não via a hora de acabarem as minhas gestações. Sobre essa questão, o pediatra José Luiz Ribeiro, que trabalha em Bauru, lembra que, quando a mulher usa drogas durante o período gestacional, ao nascer, a criança pode apresentar síndrome de abstinência. Pode ter um quadro clínico semelhante ao do usuário, com tremores, convulsões e irritação, fica sensível a qualquer estímulo sensorial. Lembra também que o baixo peso do bebê ao nascer pode estar associado não apenas ao uso de drogas, mas à má qualidade da alimentação da usuária que, em geral, gasta com drogas e não com comida. Aliás, o uso de drogas durante a gravidez pode causar sérios problemas ao bebê durante sua formação, e também ao recém- nascido, de acordo com o site Manual MSD. A cocaína, por exemplo, pode provocar aborto. O seu consumo 47


pode ocasionar uma série de consequências, como anomalias congênitas nos rins, nos olhos, no cérebro ou em outras extremidades. A criança ainda fica propensa a ter pouco peso, ao nascer, além de medida corporal e circunferência da cabeça menores do que as normais. No site Gravidez Segura há a informação de que o risco para o bebê é bem maior durante o segundo e o terceiro trimestres gestacionais, sobretudo se a cocaína for injetada. O uso de drogas pode contribuir ainda para o nascimento de crianças mais agitadas, com dificuldade para dormir e distúrbios visuais, especialmente se a mãe usar a droga no período próximo ao parto. Esses sintomas podem durar de 8 a 10 semanas, ou até mais. Em todas as suas gestações, Rosa procurou abrigos. Uma casa para ficar. Porém, afirma que nunca quis morar em nenhum lugar. Segundo ela, se sente mal em lugares fechados. Quando vai ao albergue noturno, fica com claustrofobia. Depois do nascimento dos filhos, os deixava com outras pessoas, para não levá-los para a rua. A seu ver, sempre foi uma mãe pensativa, lutadora e, inclusive, luta até hoje. – Ah..., porque é mãe tem que levar aonde for? Não, não!!! Ninguém é merecedor de passar o que eu passei. Eu sei o que eu já passei. Aí você acha que, só porque é meu filho, vai ter que passar também? E aí que não vai mesmo. Eu penso assim! Mente instruída. Rosa fala que sua identidade está na rua. Já teve casa própria, só que dormia no quintal. Colocava o colchão do lado de fora e dormia. Reforça 48


que gosta de morar na rua. E, quando foi contemplada com uma casa do programa “Minha Casa Minha Vida”, do Governo Federal, antes mesmo de pegar a chave da residência a vendeu por dez mil reais. O “Minha Casa Minha Vida” é um programa do Governo Federal que tem por objetivo ajudar a população de baixa renda a conquistar a casa própria. O programa acontece em parceria com estados, municípios, empresas e entidades sem fins lucrativos. Os contemplados têm vantagens no financiamento, como subsídios, parcelas de financiamento decrescentes depois das chaves, juros reduzidos, utilização do FGTS, seguro desemprego (fundo garantidor), entrada facilitada, financiamento em até 360 meses, aprovação rápida do crédito, isenção ou desconto no custo de seguros e despesas cartoriais, e a escritura já sai no nome do comprador no ato do financiamento pela Caixa Econômica Federal. Essas informações estão no site Minha Casa Minha Vida. Embora seja o sonho de muitas famílias, a conquista da casa própria pelo programa “Minha Casa Minha Vida” não foi bem vista por Rosa. – Com o dinheiro recebido com a venda da casa comprei drogas. Fumei minha casa inteira. Por essas e outras razões, considera que os filhos não devem estar em sua companhia. – Se você está sofrendo, vai levar seus filhos junto? Não! Não é porque sou mãe que tenho que carregar o filho agarrado comigo. Muito menos nessas condições que vivo. Ao longo de sua vida, Rosa já teve oito filhos. 49


Alguns ficaram morando com a família paterna e outros foram para a Casa da Criança, mantida pela Fundação Paiva, em Bauru. Cada um seguiu um destino diferente, mas longe da companhia da mãe biológica. – Eu moro na rua e uma frase que adotei pra minha vida foi, “a minha casa é a rua, e o meu telhado é o meu boné que me protege do sol e da chuva!” Com a vida aprendi o significado de sofrimento! A rua nos ensina! Embora faça da rua sua morada, ele mostra que sabe dos perigos que a cercam. – A rua não é pra quem quer, é só pra quem é forte de verdade. Já que, quando está dormindo no banco da praça você pode ser confundida com outra pessoa, e neguinho pode vir e tacar fogo em você! Ou pode vir um maldoso e te matar! Em 2011, foram mortos 165 moradores em situação de rua. O balanço foi divulgado pelo Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores, e publicado no site Gazeta do Povo, isso em 2012. Ajudando a justificar a preocupação de Rosa, no mesmo site divulga-se que as investigações policiais de 113 daqueles casos não avançaram e ninguém foi identificado e responsabilizado pelos homicídios. Em 2004, a Agência Brasil publicou matéria sobre os sete mortos a pauladas que estavam entre as 15 pessoas que dormiam nas escadarias da Catedral da Sé, em São Paulo. O tributo feito às vítimas foi no dia 19 de fevereiro de 2016. Dois policiais militares e um segurança particular chegaram a ser presos como suspeitos, mas foram li50


berados por falta de provas. Dos oito filhos que Rosa tem, quatro são de pais diferentes. Ela se orgulha ao falar deles e dos três netos, principalmente por nenhum membro de sua família estar em situação de rua. Todos estão bem cuidados. – Nenhum dos meus filhos usa drogas. Eu tenho até hoje vínculo com eles. Hoje mesmo eu fui ver a minha filha, ela está em uma casa de abrigo. No local estão ela e a minha netinha, e estão ali porque eu não tenho uma casa. Rosa conta que as duas, filha e neta, estão sendo muito bem tratadas no abrigo. Sendo avó, prefere que mãe e filha fiquem lá, porque lá se oferece estudo e cursos profissionalizantes. Ela nem tenta arrumar uma casa para morarem porque sabe de suas limitações. Fala que não conseguiria ficar por muito tempo em uma casa e as duas acabariam ficando desamparadas. Sua preocupação é maior quando lembra que filha vai chegar à maioridade, pois terá que deixar o abrigo e não tem para onde ir. Enquanto os 18 anos não chegam, faz as visitas às terças e quintas-feiras. Já seu filho mais velho, Matheus, esse está bem estruturado. Segundo Rosa, ele é veterinário e tem uma loja, um Pet Shop. E, ao falar sobre a boa situação financeira de seu filho, ela nos pergunta; – Aí, você vê se eu quero ficar, ou não, na rua… e eu quero. O caçula está com cinco anos, só que faz tempo que não o vê. Rosa diz que tem o vínculo materno com todos os filhos. Inclusive, durante os primeiros anos de vida, os amamentou por apro51


ximadamente dois anos. – Nem peito tenho mais. Nesse tempo que amamentava eu acabava ganhando uma casa, um lugar para ficar com a criança. Usava droga em casa mesmo. Geralmente, depois de um a dois anos eu voltava pra rua. A criança já estava grande. Ela conta que, no começo, logo após o nascimento dos filhos, procurava vender balas na rua. Ficava indo e voltando para cuidar deles. Mas também fala que, por ter um lar, ficou mais fácil cometer atos ilícitos. – Já cheguei até a virar traficante. Só que hoje eu prefiro mesmo a rua, porque se eu estiver dentro de uma casa eu vou querer traficar de novo, porque é um dinheiro fácil, né? É um dinheiro que é uma maldição, você corre risco de ir pra cadeia. Pelo menos, aqui na rua eu estou pedindo, não estou roubando e nem me prostituindo. Rosa relembra que as drogas passaram a fazer parte de sua vida aos onze anos de idade. Diz que sua referência eram os meninos da praça. Depois do primeiro contato com a cola, só foi substituindo por outros entorpecentes e não conseguiu mais sair do vício. – Eu me espelhava neles. Mas só que, quando acabou essa droga de cola, acabou também pra mim. Tudo é moda, tudo é tecnologia avançada. Eu vou acompanhando a moda. Tipo assim, pinga eu não consigo parar, mas já diminui bastante. Eu sei que tá fazendo mal, porque já tá no sangue. Rosa aproveita para tomar café da manhã, banho e para lavar suas roupas no Centro de Referência Especializado para População em Situação 52


de Rua, o Centro Pop, que conta com três casas de passagem, uma feminina e duas masculinas. – A primeira vez que vim pra cá, no Centro Pop, eu estava muito magra, minhas pernas pareciam dois gravetos. Eu já tive tuberculose e também peguei HIV… Em relação a ser soropositiva, portadora do vírus HIV, diz não sentir nada. Ao contrário, se sente muito forte e “sadia”. Até o momento não faz uso de nenhum coquetel e não procurou tratamento para a enfermidade, mas tem namorado. Sobre o risco de transmissão da síndrome por meio de relações sexuais preferiu não comentar nada, mas a Assistente Social do Centro Pop, Sueli Mello Felipe de Andrade, com base em sua experiência profissional, garante que a pessoa com o vírus HIV sofre preconceito, inclusive da própria família. Embora isso não tenha ocorrido com Rosa, Sueli comenta o caso de um rapaz; – Aqui, tem um usuário que é portador do vírus HIV. A família é de outro município, só que ele veio ao Centro Pop porque a mulher ficou com os filhos e o pôs para fora de casa, com receio de que todos fossem contaminados. Seus três irmãos fizeram a mesma coisa. Falaram que não tinham nenhum lugar onde ele pudesse ficar. Em razão da doença e da falta de esclarecimento das pessoas, ele foi parar na rua. Até que nos procurou e nós o encaminhamos para a Casa de Passagem. HIV é a sigla, em inglês, para o vírus causador da aids. Ele ataca o sistema imunológico, responsável por defender o organismo de doenças. 53


Ser soropositivo para o vírus HIV não é a mesma coisa que ter a Aids, muitos vivem anos sem apresentar sintomas e sem desenvolver a doença que, no caso, seria a Aids. A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, ou Aids, refere-se aos sintomas causados pela perda das células de defesa do organismo, por conta da infecção pelo HIV. Mas, não se pode esquecer que pessoas que sejam apenas portadoras do vírus também podem transmiti-lo em relações sexuais sem o uso de preservativo, ao compartilharem seringas e agulhas, e a transmissão também pode ocorrer de mãe para filho durante a gestação e a amamentação. Mulheres grávidas e que têm HIV/AIDS podem transmitir o vírus ao bebê durante a gestação, no parto ou durante o aleitamento materno. A mãe soro positivo não pode amamentar, mas sim dar fórmula infantil (que é de graça) para substituir o leite do peito. Caso contrário, a criança alimentada com o leite materno vai infectar-se com o vírus. Existem coquetéis antiaids que aumentam a sobrevida dos pacientes soropositivos, porém, é preciso seguir à risca as indicações médicas, como praticar exercícios físicos e ter uma alimentação saudável. De acordo com o Governo Federal, os testes que são feitos para diagnosticar o vírus do HIV são gratuitos e o seus resultados são seguros e sigilosos. Caso der positivo, o Sistema Único de Saúde garante o tratamento, o acesso aos medicamentos e a realização dos exames médicos necessários ao diagnóstico. Ainda de acordo com o Governo, toda pessoa 54


com Aids, que esteja incapacitada para o trabalho e com renda familiar inferior a um quarto do salário mínimo, tem direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago pelo Governo Federal. O benefício garante à pessoa um salário mínimo por mês, e para receber o beneficiário deve estar inscrito no Cadastro Único, que também inclui outros serviços e programas sociais do Governo Federal. Informações mais detalhadas são fornecidas no Centro de Referência de Assistência Social (Cras) de Bauru e nos de outros municípios. Em 2015 havia 830 mil pessoas vivendo com HIV no Brasil e, somente naquele ano, teriam ocorrido 44 mil novas infecções pelo vírus. Apesar dessa síndrome ter cada vez menos espaço na mídia corporativa comercial, o crescimento do número de pessoas com Aids na juventude ainda é uma grande preocupação: de 2006 a 2015, o número de casos na população com idade entre 15 e 19 anos quase triplicou (de 2,4 para 6,9 casos por 100 mil habitantes). Entre a população de 20 a 24 anos, a taxa mais do que dobrou (de 15,9 para 33,1 casos por 100 mil habitantes). O número de mortes relacionadas à Aids foi cerca de 15 mil. Esses foram os dados apresentados pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), em julho de 2016. De acordo com o Ministério da Saúde, do total de pessoas vivendo com o vírus HIV, 87% já foram diagnosticadas; 64% das pessoas diagnosticadas estão fazendo o devido tratamento; e cerca de 90% dos infectados que estão em tratamento apresentam carga viral indetectável. 55


Rosa comenta se considerar escolhida por Deus, e por isso é tão forte diante das adversidades e da doença contraída na rua. Mesmo estando em situação de rua, diz que não sofre discriminação da família. Inclusive, embora não tenha contato diariamente com os filhos, diz que eles a reconhecem como mãe e a defendem. – Os meus filhos me chamam de mãe. Quando eles eram pequenos, na escola falavam que a mãe deles era nóia (termo popular referente ao usuário de drogas), mas eles quebravam os meninos no meio. Nenhum deles usa drogas e isso é muito bom. Eu digo a eles; “façam o que eu mando e não o que eu faço”. Tirando a filha, que mora no orfanato, os demais moram com seus pais ou com algum parente da família. As duas maiores são do mesmo pai, e são elas que têm os bebes. O mais velho e o caçula são de pais diferentes. E os outros quatro são do mesmo pai. Rosa diz que, sempre que consegue, vai visitar seus filhos. – Só que é assim, Matheus (o mais velho) não foi criado junto comigo, mas cresceu me vendo. E sempre que quero tomar um banho, quero uma comida ou estou com fome, peço na casa dele. A família nunca negou um banho pra mim. O pai não vai fazer isso com a mãe do filho dele. Então, meu vínculo com Matheus é assim. Na certidão de nascimento de cada filho está registrado o nome do pai e todos eles conhecem a mãe. Já ela própria não conhece seus pais verdadeiros. Como foi adotada com apenas dois anos, não se lembra de seus pais biológicos. Muito me56


nos, tem qualquer informação sobre eles. Isso é natural na tramitação dos processos de adoção. Preserva-se as partes. Mesmo assim, Rosa diz que seu desejo era, pelo menos, ver o rosto da mãe biológica. Gostaria de conhecer sua história e de entender porque sua mãe não pôde cuidar dela. Esse fantasma assombra sua mente, tanto quanto ficou assustada ao descobrir que havia sido adotada, ela comenta. – Foi um choque! Corri pra rua e falei, tchau! Eu queria fugir daquele povo. Eles não tinham nada a ver, mas sabe…! Eles deveriam ter falado pra mim desde o começo, né? Descobri com 13 anos de idade, aí eu queria mesmo os meus pais. Ela conta que, quando criança, questionava sua mãe adotiva quanto às diferenças físicas entre ela e seus irmãos; – Eu perguntava pra minha mãe por que eu sou pretinha? E ela respondia: “é porque você é especial minha filha. Você foi feita com um negão”. Queria muito conhecer a minha mãe. A mãe adotiva de Rosa tem dois filhos biológicos, ambos com deficiência intelectual. De acordo com Rosa, os dois estão interditados e não podem se aproximar da mãe. – Eles agrediam a gente. Às vezes, acho que foi até por isso que eu saí de casa. Eles batiam mesmo, mordiam, arrancavam pedaço. Tinha hora que a mente deles funcionava, mas... Conta Rosa que, além dela e dos dois filhos biológicos, a família bauruense que a adotou tinha mais adotados; – Quando eu falo que eu sou de uma família rica, 57



ninguém acredita! Éramos em mais de 30 meninas adotadas. Ela conta que só encontra a família adotiva nos semáforos de Bauru, e muito raramente. Mas, quando vê algum familiar, não hesita em pedir dinheiro. – Eu falo assim: “me dá um dinheiro aí porque eu quero fumar droga”. E eles me dão. Sabe por quê? Eles falam: “eu vou dar Rosa, porque eu sei que você não rouba e não se prostitui”. Segundo ela, eles sabem de sua dependência química e por isso lhe dão dinheiro para que sustente o seu vício. – Eles me dão 20 reais, 10 reais! Até falam; “vamos embora para casa?” E eu respondo: não. Eu me desacostumei de vocês. A adoção costuma envolver um processo difícil tanto para quem adota como para quem é adotado. A adaptação não é fácil, principalmente quando a criança começa a desagradar os adotantes, comenta a psicóloga Mônica Barros Rezende, que atua na Vara da Infância. Em 2009, a revista Época publicou matéria sobre um caso em que uma criança foi adotada aos sete anos de idade, mas foi “devolvida” depois de cinco anos com a família adotiva. A psicóloga Mônica acompanhou o caso e, em entrevista à revista, na época, disse que o menino “foi devolvido como se fosse um saco de batatas”. A mãe adotiva falou que não queria mais o garoto, porque ele não obedecia e não queria ir para a escola. Para agravar a situação, aquele menino já vinha de uma história de abandono e agressão por 59


parte dos pais biológicos. Em certa oportunidade, com apenas dois anos de idade, foi encontrado chorando muito e com o braço quebrado. O pai foi preso porque batia nele e na mãe. A mãe o deixava passar fome. Ante esse quadro, o garoto foi levado a um orfanato e depois passou pelo processo de adoção. Porém, retornou ao abrigo cinco anos mais tarde, com os pais adotivos. Segundo a revista, ele estava muito triste e infeliz. As histórias sobre adoções são muitas. Algumas têm final feliz. Outras, nem tanto. Embora sejam chamados pai e mãe do coração os que adotam, nem sempre se verificam relações de afeto, generosidade e amor. Nem sempre há cumplicidade entre pais e filhos adotivos, ou mesmo finais felizes, como no caso de Rosa. Às vezes não se consegue saber se o processo foi bom ou mal para o adotado, mas sempre fica a pergunta: O que seria dessa criança se não tivesse uma mãe? Das 44 mil crianças, e também adolescentes, acolhidos em abrigos em todo o país, 5.500 estão em condições de serem adotados. Todos têm o nome e seus dados pessoais inseridos no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). O cadastro foi criado em 2008, com o objetivo de mapear informações de todos os tribunais de Justiça do país sobre os processos de adoção. Já entre os casais interessados, forma-se uma fila com 30 mil pretendentes, igualmente registrados no cadastro. A impressionante razão de uma criança para cada seis pretendentes se explica por dois motivos básicos: a demora nos processos que levam à adoção e o fato de que o perfil 60


de criança pretendido pelo brasileiro é, em geral, muito diferente dos perfis das crianças e adolescentes que vivem nas instituições, como informa o site do Senado. Rosa fala que há 15 anos não vê sua mãe adotiva, mas diz que desempenha o papel de sua adotante com os moradores em situação rua: – Eles não conseguem me enxergar como mulher, só como mãe e homem. Eu sou igual a homem para eles. É porque eu sou uma mulher que fica no meio de muitos homens. Apesar dessa realidade, ela diz que é vaidosa e não abre mão de usar as roupas que gosta. “Não é porque estou em situação de rua que não me cuido”, observa. Por isso usa vestidos e saias, tudo o que curte, e conta que há mulheres que se vestem como homens para se proteger da violência na rua. Mas, afirma que não se submete a isso. Só usou esse tipo de roupa quando era criança e foi por escolha dela, quando pedia roupas masculinas para a mãe com a intenção de, depois, doar aos meninos em situação de rua. Ela se sente bem e comenta que está sempre linda. Rosa diz que adora se cuidar. Não se esquece da higiene pessoal. Quando não vai ao Centro Pop para os banhos, vai a outro lugar estratégico, um córrego escondido por um matagal. Afirma que o local é íngreme e perigoso. Mas, vai sempre que necessário ou quando quer ter privacidade com o “marido”. Também comenta que, apesar de parecer uma menina com os seus 39 anos de idade, não é frágil: – Quem vê cara não vê coração, já fiz de tudo para 61


garantir minha sobrevivência. Sobre a violência nas ruas, percebe que as pessoas não imaginam o que ela já passou: – Já tentaram me estuprar. Nesse dia, foi a primeira vez que eu peguei uma faca e furei alguém. Depois saí correndo. Agora não sei se ele está morto ou vivo! Eu corri. Sei que corri e nunca mais quis ver aquele homem na minha vida. No Brasil, a cada 11 minutos uma mulher é estuprada. Em 2015, foram registrados 45.460 casos de estupro, porém, um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública estima que devem ter ocorrido de 129,9 mil a 454,6 mil estupros no país naquele ano. O crime de estupro é o que apresenta a maior taxa de subnotificação do mundo. O número menor registrado se baseia em estudos internacionais que afirmam que apenas 35% das vítimas prestam queixas. Já o número maior de casos se baseia em um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), segundo o qual apenas 10% dos casos de estupros no país chegam ao conhecimento da polícia. O Estado com o maior número de casos foi São Paulo, com 9.265 queixas (20,4% do total). O atual companheiro de Rosa também está em situação de rua e tem muito ciúme dela: – Ele tem ciúmes doentios de mim. Se um dia eu morrer, foi ele que me matou. De verdade, estou perdendo todas as minhas amizades pra ficar com ele, porque eu gosto dele, mas mesmo assim eu bato de frente. Ao falar sobre o dia em que ele a agrediu, disse que ele pegou em sua garganta, mas ela revidou; 62


“não deixei barato, fui para cima dele também”. O “marido” justifica que essas suas atitudes são para ela ficar esperta na rua. Para que tenha noção de como se defender em ocasiões perigosas. De janeiro a outubro de 2015, no Brasil, houve o registro de 63.090 denúncias de violência contra a mulher, o que equivale a um chamado a cada sete minutos. 49,80% foram denúncias de violência física; 30,40% de violência psicológica; 7,33% de violência moral; 4,86% de violência sexual; e 1,76% foram denúncias de cárcere privado. Isso é o que revelou a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), a partir de balanço dos relatos recebidos pelo serviço de atendimento Ligue 180. Os dados ainda revelaram que a grande maioria (85,85%) dos casos de violência foram em ambiente doméstico e familiar. Em 67,36% dos casos, as agressões foram feitas por homens com quem as vitimas mantinham ou já haviam mantido algum vínculo afetivo. E em 27% dos chamados, o agressor era um familiar, amigo, vizinho ou conhecido da vítima. Estima-se que mais de 13 milhões e 500 mil mulheres sofreram algum tipo de agressão em 2013, quantidade que equivalia a 19% da população feminina com 16 anos ou mais. Daquelas vítimas, 31% ainda convivem com seus agressores. E pior: das que convivem com o agressor, 14% ainda sofrem algum tipo de violência, segundo pesquisa realizada pelo Senado, em 2013. Constatou-se, também, que em 42,93% dos casos a violência é diária, e que em 34,05% a vio63


lência é semanal, segundo dados do Balanço 2014 da Central de Atendimento à Mulher, feito pela Secretaria de Políticas para Mulheres. A Lei Maria da Penha (Lei 11.340) foi criada em agosto de 2006, para “coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Essa lei dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal e dá outras providências. Porém, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) constatou, por meio de pesquisa, que a Lei Maria da Penha não foi suficiente para uma redução significativa da mortalidade. No período de 2001 a 2006, antes dessa lei, a taxa de mortalidade foi de 5,28 a cada 100 mil mulheres. E no período de 2007 a 2011, já com a lei em vigência, a taxa foi de 5,22. O que se observou foi apenas um sutil decréscimo da taxa em 2007, imediatamente após a lei entrar em vigor. – Eu falo: presta atenção filho, você não é a última bolacha do pacote não. O ciúme do companheiro se revela porque Rosa é muito procurada pelos homens em situação de rua. Como ela mesma diz, eles a enxergam como a provedora, “a mãe da rua”. E, com isso, ganha à desaprovação do marido. – Todo mundo quer a minha atenção, porque eles 64


confiam nas minhas palavras. Uma palavra bem colocada às vezes muda uma pessoa. Tipo assim, quando eles estão brigando, eu chego e digo: “O que é isso? O que está acontecendo? Vamos resolver? Só que sem ninguém por a mão em ninguém! Vamos escutar os dois lados pra ver quem é que está errado! Mas, atire a primeira pedra quem nunca errou!” Aí, eu acabo apaziguando tudo. E acaba a briga. Rosa mostra, em seu pescoço, as marcas das agressões feitas pelo companheiro. – Ele já tentou me enforcar uma vez. Batia na minha cara. Falava que era pra eu aprender e que esse era o último aprendizado que eu estava tendo. Só que, quando ele estava me enforcando, eu catei no pescoço dele também. Aí eu falei: “se eu morrer, você vai morrer junto. Eu não vou morrer sozinha, não!”. Seu “marido” disse, então, que aquela agressão era para ela aprender a lição e que não deveria fumar droga com qualquer homem. E enquanto apertava seu pescoço, perguntou, ela se lembra: – “Já pensou se fosse qualquer um aqui?”. Tipo, ele fez uma simulação pra mim, mas eu não gostei. Eu poderia até estar matando ele por essa simulação. Mas eu sou de Deus e Deus não ia me deixar fazer essa injustiça. A Diretora de Divisão do Centro de Referência Especializado de Assistência (CREA), Simone Souza, comenta que a maioria dos usuários que frequentam o Cento Pop sofrem ou sofreram algum tipo de violência: “O que mais atendemos em nossa área, não só entre a população em situação 65


de rua, são crianças que acabam indo para acolhimento porque pai e mãe usam drogas. Também é muito comum recebermos mulheres que apanham do companheiro porque eles usaram drogas. Em março de 2015, foi criada a Lei do Feminicídio (Lei 13.104/2015), que classifica esse crime como hediondo e com agravantes, quando acontece em situações de vulnerabilidade, como durante a gravidez, ou quando a vítima é menor de idade, ou na presença de filhos, entre outras situações. Conforme essa lei, o feminicídio ocorre quando há violência doméstica e familiar ou quando o crime evidencia menosprezo ou discriminação à mulher. No caso de Rosa, ela diz que a fé em Deus a deixa mais comedida em seus atos e que talvez por isso ainda não tenha matado o companheiro. – Eu fui batizada na igreja evangélica. Sou missionária de louvor. Eu tenho um dom que nem a droga conseguiu tirar, “a garganta de ouro”. Rosa ama cantar os louvores de sua igreja. Cantar belamente, como ela diz: Sonda-me, Senhor, e me conhece, quebranta o meu coração Transforma-me conforme a Tua palavra E enche-me até que em mim se ache só a Ti Então, usa-me, Senhor, usa-me Como um farol que brilha à noite Como ponte sobre as águas Como abrigo no deserto Como flecha que acerta o alvo Eu quero ser usada, da maneira que 66


Te agrade Em qualquer hora e em qualquer lugar, eis aqui a minha vida Usa-me, Senhor, usa-me Sonda-me, Senhor, e me conhece, quebranta o meu coração Transforma-me conforme a Tua palavra E enche-me até que em mim se ache só a Ti Então, usa-me, Senhor, usa-me - Sonda-me, Usa-Me (Aline Barros)

Depois de cantar essa música, ela disse que através do seu louvor já ganhou várias almas para Deus. – Na rua… mesmo! É o dom do sacrifício, é um cárcere espiritual. Ao falar de sua relação, da vida a dois com seu companheiro, diz estar amando. – To amando, mas querendo correr, sabe? Sabe aquele amor que você quer sair correndo dele, mas não consegue? Eu tive um marido igualzinho a ele, mas ele me abandonou. Eu o chamava de Esmeraldo (nome carinhoso). Então, eu achei que ele fosse o ex- do meu passado! Segundo ela, acabou ficando com o atual namorado, Gabriel, porque ele lembrava muito o seu ex-companheiro. Ela acabou se confundindo e pensou que o paulistano havia voltado. – Eu cheguei no Gabriel e disse: “Esmeraldo, por que você me abandonou?”. E ele disse: “eu não sou o Esmeraldo”. Só que até hoje eu não acredito que não seja ele, sabia? Mas, o dia-a-dia vai mostrar, 67



né? Eu amava muito o Esmeraldo. Rosa fez uma operação nas trompas para não ter mais filhos, mas não contou ao companheiro. Segundo ela, ele tem um filho a mais do que ela, tem nove, mas quer o décimo filho. Por isso e por causa dos amigos ela discute com o namorado. – Com alguns nem compensa perder o tempo e bater de frente por eles, mas com os que compensa eu vou de frente sim. Quanto ao assédio na rua, fala que não é amolada. Mas, caso precise se defender, diz que resolve o assunto “na madeira”. “Cato pau, tijolo, e ameaço”, ela conta. Com ela não tem conversa. Bauru é seu lugar. – A minha cidade é aqui, sou conterrânea. Eu nasci em Sorocaba. Fui abandonada debaixo de um viaduto. Aí o povo do SOS Minha Vida mandou eu para o orfanato e começou a minha vida de adotada, mas hoje eu me encontrei. Apesar de morar na rua, ela tem clareza do que entende por dignidade e a define: – A dignidade está no coração da pessoa. Está no passo a passo da pessoa. Está no dia-a-dia. Rosa Maria Fernandes, a mãe da rua. Hoje eu sou muito mais da hora, porque hoje eu sei quem sou eu. Rosa conta que para sustentar seu vício costuma pedir dinheiro no semáforo. Pede só para usar droga e diz que até consegue ficar sem usar, mas quando usa tem que dobrar a quantidade. – No primeiro trago vem o medo, mas depende da situação espiritual em que você se encontra. Hoje eu fumo quando eu quero, mas já fui muito viciada. Antes, eu não conseguia ficar sem. 69


Como prova de que vem reduzindo a quantidade que usa, ela aponta o fato de estar se cuidando. Suas idas ao Centro Pop significam melhora, na sua opinião, pois, caso contrário, “ficaria o dia inteiro fumando”. Quanto à comida, as pessoas lhe dão. O máximo que ficou sem comer foi um dia, e também quando resolveu usar droga o dia todo. Nesse dia, diz que nem sentia fome, mas comenta que a fome dói; – Você chora. Bate numa casa, nada. Bate em outra, e nada. Dá vontade de xingar, meter o pé no portão dos outros. Quando eu não sabia pedir, os meninos sempre traziam na minha “boca”, sabe? Ela lembra-se de quando teve que comer comida encontrada nos lixos de escolas; – Vixe Maria… em escola! Aqueles restos... Pegava uma vasilha e ia colocando, pão, maionese passada, tudo que tinha. E nunca ingeri algo estragado, ou que me fizesse mal! Ah! não sei… a fome é demais. Com a fome tudo se torna gostoso. É a mesma coisa que dar um trago na maconha e ir comer. Só que eu não gosto de maconha. E essa fome não é a fome da maconha, é a fome natural. Ao falar sobre sua resistência imunológica, lembra-se dos casos em que o biscoito de uma criança cai no chão. – Quando cai uma bolacha no chão, dizem sempre, “não filho, não pega não!” mas eu já fazia assim; “Ó, filho! Assopra e come”, porque é muito rápido. Caiu no chão, pega e come! Porque tem uns minutos pras bactérias chegarem. Rosa diz que, às vezes, algumas pessoas lhe oferecem comida quando a veem procurando ali70


mentos no lixo. – A dona do lixo chega e pergunta se eu estou com fome, e eu digo que estou. Só que, muitas vezes eu mexo no lixo não por causa da comida, mas por causa do lixo rico. Ao contar isso, abre sua bolsa e mostra o lixo rico. Pegou celular, pen drive, pilha, mp3 e outros itens com tecnologia defasada em relação aos mais atuais. – Tudo lixo rico, olha isso! Dei um celular hoje pra minha filha, que achei no lixo mas estava funcionando. Um dia achei um saco cheio de correntes de ouro no lixo. Bati na casa da pessoa e perguntei: “a senhora jogou isso daqui no lixo?”. E a mulher respondeu: “joguei”. Lixo rico! Fiz 700 reais naquela sacola, foi o lixo mais rico que eu fiz. Tinha umas 5 ou 6 correntinhas de ouro. Outro dia, achei um saco grande cheio de bijuterias com precinhos e tudo. Bati na casa e perguntei: “a senhora jogou fora?”. Ela disse que tinha uma loja, mas se desfez. Tinha pulseiras, correntinhas, tornozeleiras... Um monte de coisa. Só que, antes de pegar, eu bato primeiro na casa. Tenho medo, sabe? Rosa conta que é comunicativa, que conversa direitinho e sabe se explicar. Quando perguntam, ela responde. Mas que, mesmo assim, tem pessoas que batem a porta na sua cara, a xingam e falam que vão dar 1,90. Mas, ligam para o 190. A pessoa pensa que é dinheiro, mas, quando vê, é a polícia chegando. – Esse 1,90 é o 190 da polícia, é horrível. Quando as coisas não dão certo assim, eu dobro o joelho, clamo a Deus e a resposta chega. 71


Senhora de uma belíssima voz, começa a cantar no meio da praça; Deus não rejeita a oração Oração é alimento Nunca vi um justo sem resposta Ou ficar no sofrimento Basta somente esperar O que Deus irá fazer Quando Ele estende suas mãos É a hora de vencer Então louve Simplesmente louve Tá chorando louve Precisando louve Tá sofrendo louve Não importa louve Seu louvor invade o céu Deus vai na frente abrindo caminho Quebrando as correntes Tirando os espinhos Ordena aos anjos pra contigo lutar Ele abre as portas pra ninguém mais fechar Ele trabalha pra quem nele confia Caminha contigo de noite ou de dia Erga suas mãos sua bênção chegou Comece a cantar Com muito louvor Com muito louvor 72


Com muito louvor Com muito louvor - Com Muito Louvor (Cassiane)

– Ai, a fome… Deus! É só confiar e acreditar que chega o alimento. Depois é só agradecer. Muito obrigada Deus, por existir! Porque eu confio tanto no Senhor, não passo fome! Com sua experiência, assegura que na sociedade há vários tipos de pessoas e a lei da sobrevivência diz que é preciso ter sensibilidade, e experiência, para lidar com cada sujeito. – Tem uns com quem dá para falar: “E aí meu?” Com outros: “Oi senhora! Uma boa noite!”. Ou, se não... “Oi, meu anjo, todos os meus cabelos brancos em respeito a você!” De dia, além de pedir na rua, também costuma se alimentar no albergue e no Centro Pop. Já à noite, tem muita gente vagando, ela diz. – São os zumbis da noite, igual à música que fala: Nos perderemos entre monstros Da nossa própria criação? Serão noites inteiras Talvez por medo da escuridão Ficaremos acordados Imaginando alguma solução Pra que esse nosso egoísmo Não destrua nosso coração Será só imaginação? Será que nada vai acontecer? Será que é tudo isso em vão? 73


Será que vamos conseguir vencer?”. - Será (Legião Urbana)

– Essa é a música dos usuários, dos zumbis. Rosa diz que aprendeu a enfrentar a diversidade da rua, e que para fortalecer o seu dia-a-dia usa os dons recebidos de Deus; sua voz para o canto e a palavra que leva o conforto aos corações necessitados. – Jesus ama vocês e eu também, da uma atenção pra pretinha! Qualquer 10 centavos está bom! Não importa quem sou eu ou o que eu faço, só Deus pode me julgar! É assim que eu falo. Sobre a família que a adotou, reconhece que foi muito bem tratada e que a decisão de ir parar na rua foi sua mesmo. – Acho que por eu saber, depois de tanto tempo, que eu não era filha deles. Só eu pretinha? E diz que quem passar no semáforo vai ouvir: – Boa tarde, família linda! (fazendo um coração com as mãos) Com muito respeito e educação, te peço um pouquinho da sua atenção... Rosa demonstra saber que nem todo mundo é igual. Diz que se uns têm oportunidades e não querem, então, deixem para quem quer. Entende que as pessoas não devem julgá-la pelo que já fez, porque nem todo mundo é igual. – Eu não aceito que imitem a minha pessoa, porque eu errei. Ela ainda conta que entre os moradores em situação de rua sempre existe um sindicalista. Aquele que ganha a “liderança” da área. De acordo com Rosa, seu único status é ser a mãe da 74


rua. E, mesmo nessa posição, avisa que costuma dormir por volta das dez horas da noite porque a noite é feita para dormir e não é bom ficar vagando pelas ruas. No dia seguinte, costuma tomar café no Centro Pop mas, antes de ir, às terças e quintas-feiras, vai visitar a filha e a neta no orfanato. Brincando, bem humorada, ela diz que não costuma perder a hora de levantar. Como dorme debaixo de um pé de manga, as mangas são seu despertador, conta, mostrando a marca que uma das frutas deixou em sua testa ao cair.

75


Viciado em martelada na cabeça ninguém fica Era uma quarta-feira, quando conversamos com o morador Rafael Rodrigues de Oliveira, e ele já começou dizendo no que deu seu descuido e sua curiosidade incontrolável: – Terça-feira tive uma recaída ‘bruta’ gente. Segunda-feira e ontem, também. Consegui dormir só hoje de manhã, parecia que meus olhos estavam lacrimejando sangue. De cara, ele começa a se abrir. Rafael é bauruense, tem 33 anos e é viciado em crack há 13. A primeira vez que experimentou essa droga foi aos 20 anos, por conta da curiosidade sobre o efeito. Tudo influenciado por um amigo, diz. De acordo com o site da Organização Vida sem Drogas, a curiosidade natural dos adolescentes é um dos fatores de maior influência para a experimentação de álcool e outras drogas, assim como a opi76


nião dos amigos. Essa curiosidade os faz buscar novas sensações e prazeres, já que o adolescente vive o presente na sua busca por realizações imediatas. O efeito das drogas vai ao encontro desse ímpeto da juventude por proporcionar prazer imediato. – O meu vizinho falou: ‘E aí, Rafael, quer usar um negócio diferente?’. A curiosidade respondeu; ‘vamos ver então o que que é’. Foi por curiosidade mesmo, as pessoas confundem e dão muitas desculpas, mas é por curiosidade mesmo... ‘Vamos ver o que vai acontecer’. O crack é uma mistura da pasta-base de cocaína com bicarbonato de sódio e água. Muitas vezes a mistura é falsificada, com o acréscimo de cimento, cal, querosene e acetona, para aumentar o seu volume e, consequentemente, tornar a fabricação mais barata. Quando é aquecida, separam-se as substâncias líquidas das sólidas nessa mistura. As líquidas são, então, descartadas e as sólidas são convertidas na “pedra de crack”. Com a utilização de um cachimbo, a pedra é fumada e absorvida pelo corpo em quase 100% do total ingerido. A via inalatória confere à droga um tempo de ação e um poder viciante extremamente rápidos. Esses dados são da plataforma do site sobre medicina AbcMed. Quando é aquecida para consumo, a droga provoca um som de estouro, um estalido, por isso, o nome “crack”. O crack é a forma mais potente da cocaína e também é a droga que mais oferece risco ao usuário. Fumá-lo permite que a droga atinja o cérebro muito rapidamente e, assim, as 77


sensações que provoca são intensas e quase que imediatas. Como a dependência pode ser criada muito rapidamente quando uma substância é fumada, ao invés de ser inalada (aspirada pelo nariz), um usuário de crack pode ficar dependente logo na primeira vez que o experimenta, revela o AbcMed. O aumento do número de viciados também se explica em função dos preços muito baixos do crack, em relação aos das demais drogas. Contudo, o preço só é baixo para os iniciantes. Quando a pessoa fica dependente, o custo dispara em proporção direta ao aumento crescente da quantia necessária para sustentar o vício. De acordo com a Fundação para um Mundo sem Drogas, o crack também é conhecido como pino, roca, pedra, merla, pedrinha, dadinho ou droga do diabo, entre outros nomes. Mas, o crack não foi a primeira droga que Rafael experimentou. Tudo começou quando ele tinha 12 anos de idade e teve contato com a maconha e o cigarro. Já na adolescência, consumia bebidas alcoólicas nas baladas com os amigos e, assim, só a bebida já não era mais o suficiente e começou a usar também cocaína nas festas; – Eu falo para as pessoas: começa-se pelo mais fraco, dificilmente se começa pelo forte, tudo começa pelo pouco, explica ao comentar como se viciam as pessoas. O álcool é a primeira substância a ser consumida por pessoas que apresentam problemas com o uso de drogas pesadas. O consumo de bebidas alcoólicas, para a maioria dos jovens, antecede o 78


uso do cigarro e da maconha. Além disso, há uma relação entre a idade com que a pessoa começa a consumir álcool e sua predisposição para o uso de outras drogas ilícitas posteriormente. Os alunos que iniciaram o consumo de bebidas alcoólicas na sexta série do ensino fundamental, por exemplo, relatam terem usado substâncias ilícitas mais jovens do que os alunos que iniciaram o uso do álcool a partir da nona série. Ou seja, quanto mais cedo ocorre o contato com o álcool, maior a probabilidade do vício em outras drogas no futuro. Esse foi o resultado de uma pesquisa publicada no Journal of School Health, realizada nos Estados Unidos por pesquisadores da Texas A&M University e da University of Florida, quando foram ouvidos 2.835 estudantes para se avaliar os padrões de consumo de drogas naquele país. Rafael diz que, no início, a droga não o atrapalhou. Estudou, formou sua família e teve seus objetivos. Mesmo tendo conhecido o mundo do vício muito antes dos 18 anos de idade, tirou sua habilitação para dirigir, teve bens como carro e moto e tem formação técnica. – Tive uma instrução da minha família. Adoro ler, já fiz a leitura de mais de 500 livros na minha vida. Livros religiosos, de romance, ficção e de vários outros segmentos… adoro ler, adoro a vontade do conhecimento. Fazendo o uso do crack, eu entrei e terminei os meus estudos. No caso, sou formado em Rádio, pelo Senac, sou locutor profissional. Algumas vezes tive que ir pra sala de aula na abstinência, mas, aí, eu tinha que ter 75% de presença. Eu tinha que ir à escola, era uma luta… 79


Pelo que conta, por 11 anos, o crack não atrapalhou suas conquistas, mas reconhece que a droga é progressiva e vai atrapalhando aos poucos, sem que o usuário se dê conta. Quando a pessoa percebe, tudo o que ela conquistou já foi embora. Rafael diz que, mesmo que a pessoa seja bem estruturada psicologicamente e fisicamente, a droga vai tirando aos poucos. Se a pessoa for forte, esse “aos poucos” adia por mais tempo algumas perdas, mas ela sempre irá se prejudicar. – A droga mexe muito com o sentimento da pessoa, a droga destrói o que você conquistou… é algo sentimental que ela destrói. Eu sinto falta do meu carro, da minha moto, eu amava minhas motos… O crack atrapalhou a minha vida ao extremo, e não foi só pela situação de rua, o crack afetou minha vida familiar. Hoje faz três meses que eu não vejo meus filhos, lamenta chorando. Rafael tem quatro filhos: a mais velha tem 16 anos e é adotada, o menino tem 11, e a outra menina, 9 anos. Além de mais uma menina de 4 anos de idade. Ele diz que o que mais dificulta qualquer contato com seus filhos é sua aparência. – É um sentimento feio. Meus filhos nunca me viram com o cabelo desse jeito (estava comprido). A primeira vez que meus filhos me viram com barba no rosto foi quando eu estava internado. Isso porque quem trabalha na área hoteleira não pode ter pêlos no rosto, tem que fazer a barba todos os dias. Tem outras coisas também que influenciam, como a roupa suja e o odor, e eu não gostaria que meus filhos me vissem com essa aparência. A vergonha é um sentimento feio, mas existe dentro 80



das pessoas. Quando o assunto é a saudade dos filhos, ele se emociona. Diz que sua mãe já propos um reencontro e que ficou empolgado só com a possibilidade de voltar a vê-los. Porém, um dia antes, resolveu usar o crack e, com isso, não foi. Quando o entrevistamos, já havia passado mais de 15 dias daquele episódio e ele ainda não tinha visto seus quatro filhos que, há quase um ano, vivem com uma ou outra avó. Sua ex-mulher está presa. Segundo ele, nos dias de semana, eles ficam com a avó materna, pois ela tem condições de levá-los à escola. Aos finais de semana, moram com a avó paterna. Rafael conta que conheceu sua ex-mulher quando ele tinha 17 anos e ela 14. Na época, ele já fumava maconha e cheirava cocaína. “Da maconha ela sabia, mas cocaína, só escondido”, ele brinca. Apesar da separação, Rafael se orgulha de já ter dado uma vida boa a sua ex-mulher. Diz que ela nunca trabalhou enquanto esteve com ele e que seus filhos conhecem mais da metade dos restaurantes de Bauru. Lembra-se que eles adoram sair para comer fora. Sobre o crack, Marcos diz que nunca usou dentro da casa em que moravam, e muito menos perto dos seus filhos, por respeito. – Minha mãe não me deu ouro, não me deu prata, mas ela me deu o respeito e a educação. Apoio da família é o que não falta a Rafael. Ele mesmo diz estar impressionado com tanto apoio. Diz que se fizer uma ligação, para um dos quatro irmãos, em 5 minutos um irmão aparece. 82


Rafael não esquece uma frase dita por seu irmão mais velho, que ele diz ser o lema de sua vida; “a gente pode ser o que quiser na vida, é só ter foco. Você foi o que você quis”. Ele também não esquece a vida difícil de sua mãe, quando ele e os irmãos eram pequenos, e nem do quanto ela batalhou para sustentar todos os filhos; – Ela deu estrutura para cada um ter a sua casa ou, pelo menos, para que pudessem alugar. Quando eu e meus irmãos éramos crianças, minha mãe era empregada doméstica. Ganhou um salário mínimo durante toda a vida dela. Eu cheguei a ganhar R$ 2.500, quatro vezes mais do que ela ganhava. Quando a gente foi morar no bairro Pousada da Esperança, a casa estava com o telhado quebrado e só tinha uma fossa do lado de fora, como banheiro. Choveu logo no primeiro dia, mas ela pegou uma lona e cobriu eu e meus irmãos, que estávamos chorando de medo. Então, também chorando, falou; ‘um dia eu vou fazer a casa dos sonhos de vocês e um dia cada um vai ter a sua própria casa’. Hoje, minha mãe é dona de duas casas no Pousada da Esperança, tem um apartamento no conjunto habitacional Mary Dotta e uma chácara. Administradoríssima! A gente pode ser tudo o que a gente quiser, é só ter foco e determinação. E foi com determinação semelhante à de sua mãe e à de seus irmãos que decidiu seguir na profissão que considerava ser a “profissão dos sonhos”, que era ser garçom. – Eu comecei a trabalhar como cumim, que é o aju83


dante do garçom. Antes do meu filho mais velho nascer, eu queria ser garçom, porque o garçom é diferente do cumim, ele usa o colete. Eu conquistei. Eu queria ser mais. Eu queria ser maitre, ensinar as pessoas a como trabalhar como garçom. Eu consegui, eu fui maitre. Eu queria gerenciar uma casa, eu consegui, eu fui gerente. Eu quis ser o melhor garçom de Bauru. Tem uma gincana promovida todos os anos aqui em Bauru, eu consegui, eu ganhei. O amor pelo trabalho foi o que o estimulou e o levou ao sucesso, considera: – Eu sou técnico em Comunicação, em Rádio, pelo Senac, mas eu amo trabalhar como garçom. Tem pessoas que trabalham por obrigação e não por prazer, em todos os ramos. Havia pessoas no meu emprego que falavam, ‘Rafael, a gente ganha R$ 10,00 - R$ 15,00 de caixinha, você vai embora com R$ 200,00… Você não está metendo a mão?’. E eu não estava, eu não preciso disso… todos os meus patrões me querem de volta porque sabem que eu não roubo. Porque quando você faz uma coisa por prazer, por amor, você faz com gosto, é diferente e as pessoas sentem isso. As pessoas falavam que nunca tinham recebido um atendimento igual ao meu e me davam dinheiro por fora, e por isso eu ia embora com um monte de dinheiro. Os outros garçons me perguntavam o que eu fazia, e eu explicava, ‘se coloca no lugar do cliente’. Porém, tudo o que conquistou foi perdido em meio aos mais de 13 anos viciado em crack. Para ele, o vício se dá pelo prazer que a droga provoca no organismo da pessoa que está usando. 84


– Minha mãe me perguntou; ‘Rafael, o que vocês tanto veem no crack?’. E eu falei; ‘mãe, a senhora já teve uma Ferrari de mais de um milhão de reais?’, não né, pois é, a senhora não sente falta de uma Ferrari de mais de um milhão de reais porque a senhora nunca teve’. Se você teve o prazer de dirigir uma Ferrari de um milhão de reais, você vai sentir falta. O prazer do crack é tão grande que faz com que as pessoas vivam do crack, abandonem esposa, filhos, sexo... Sexo é uma coisa que dá muito prazer, mas o crack dá ainda mais. Não que o crack seja viciante na primeira tragada, é o prazer… é o prazer que ele dá. A palavra certa seria ‘prazer’ porque é uma coisa que faz você virar escravo. Você já viu alguém viciado em martelada na cabeça? Não existe. Se a pessoa é viciada naquilo, é porque algum prazer ela tem naquilo. Seja jogo, seja alcool, mulher... Eu tive a curiosidade de conhecer o crack. O Brasil é o maior mercado consumidor de crack do mundo e o segundo no consumo de cocaína. Só perde para os Estados Unidos. Esse mercado brasileiro representa 20% do consumo mundial de crack. Esses dados foram constatados pelo II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas, realizado pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas, órgão da Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp. O estudo também revelou que 4% da população adulta, ou seja, quase 6 milhões de brasileiros já experimentaram a cocaína em, pelo menos, alguma das versões produzidas (o crack, o óxi e 85


a merla são fumados, enquanto a cocaína em pó é utilizada pelas vias intranasais ou injetada na corrente sanguínea). Entre os adolescentes, o índice foi de 3%, o que representa cerca de 442 mil jovens. O Sudeste é a região do país que concentra a maior parte desses usuários, cerca de 1.4 milhões de indivíduos teriam usado a droga no último ano, ou seja, quase metade dos usuários brasileiros. No município de Bauru, uma das 20 maiores cidades do Estado de São Paulo, o nível dos problemas relacionados ao consumo de crack é considerado alto pelo “Mapa do Crack”, feito pelo Observatório do Crack, da Confederação Nacional de Municípios. Muitos, conta Rafael, para amenizar os sintomas da abstinência fazem uso de bebidas alcoólicas, mas ele afirma que não gosta de beber, e que seu único vício é o crack. – Está escrito nos livros que é de 3 a 5 minutos a duração do efeito da droga. E é, mais ou menos, esse tempo mesmo. Tanto que a dependência que ele provoca dá vontade de fumar cada vez mais. Depois desses 3 ou 4 minutos, já dá vontade de usar novamente o crack, já bate a abstinência. A abstinência dura uma hora, uma hora e meia, dura mais tempo do que o tempo de prazer quando se usa o crack. Na abstinência, o que acontece? Tem pessoas impulsivas, tem pessoas obsessivas, pessoas compulsivas... a abstinência faz com que as pessoas roubem, assaltem, vendam seus próprios corpos ou fiquem em situação de rua ao extremo. Então, nesse intervalo de uma ou duas horas, o viciado precisa conseguir arrumar R$ 5,00 86


ou R$ 10,00. A dependência do crack é a compulsão invencível, a vontade incontrolável de fumar a droga, e isso pode se estabelecer já a partir da primeira experiência. Enquanto a cocaína demora cerca de quinze minutos para afetar o sistema nervoso central, o crack faz isso quase que imediatamente. Em apenas oito segundos, ou no máximo 15, seu efeito já é sentido pelo usuário, e dura apenas dez minutos, tempo suficiente para criar a dependência. O crack causa intensa e rápida euforia, seguida por uma igualmente intensa depressão, um estado de grande tensão e incontrolável avidez por mais crack. Quando o efeito da droga acaba no organismo, o que acontece muito rapidamente, o prazer cessa e o indivíduo é tentado a repetir o uso da droga. Daí a forte tendência a consumi-la reiteradamente, quase que continuadamente, conforme registra o site AbcMed. – O mal estar pela abstinência de crack é pior do que pela falta de todas as outras drogas, o viciado vai querer mais… isso é o que o pessoal chama de ‘brisa’ da droga, ela faz com que a pessoa queira mais, o viciado é insaciável. Quanto mais tem, mais consumo faz. Não é à toa que pessoas que já estiveram estabelecidas na vida se afundaram rapidamente no mundo da droga, é pelo fato da compulsão e da obsessão… vou fumar, vou fumar, vou fumar, vou fumar... Eu falo por mim mesmo, eu cheguei a consumir seis mil reais em três dias sentado, num quarto, só levantava dali pra fazer as necessidades fisiológicas. Até, quando estou usando crack, não sinto nenhuma necessidade, 87


eu nem defeco… a vontade é tanta que faz com que você nem vá até o banheiro. A vontade que dá no viciado é impressionante. Tem pessoas que acham que eu to exagerando, mas não estou. Isso é o que acontece com o meu corpo e o que eu vejo, é a realidade de muitas pessoas por aí. O crack atinge e repercute em praticamente todo o organismo: sistema nervoso, pulmões, coração, rins, tubo digestivo e até no coração. O dependente de crack quase não come, nem dorme, o que ocasiona um rápido processo de desnutrição e emagrecimento. Uma pessoa adulta, dependente de crack, pode perder até dez quilos em um único mês, de acordo com o site AbcMed. Os dependentes de crack também passam a não ligar mais para hábitos básicos de higiene e cuidados com a aparência. Neurologicamente, ainda de acordo com o site, o uso do crack pode levar a dores de cabeça, tonteiras e inflamações dos vasos cerebrais, entre outros problemas. Na árvore respiratória, a alta temperatura da fumaça do crack pode causar lesões na laringe, traqueia e brônquios, o que favorece o aparecimento da pneumonia e da tuberculose. Na circulação, o crack provoca a liberação de adrenalina e, com isso, o aumento da frequência cardíaca e a subida da pressão arterial, arritmias, isquemias e infarto agudo do miocárdio. No aparelho digestivo, o crack provoca sintomas como náusea, perda do apetite, flatulência, dor abdominal e diarreia. Mas, é a árvore respiratória a que mais sofre com o vício do crack; tosse, dor no peito, falta de ar e escarro sanguinolento são comuns. Tam88


bém podem ocorrer quadros psiquiátricos graves, como delírios, alucinações ou paranoias. – Conforme o tempo de utilização dá muito cansaço... o corpo inteiro começa a formigar. Quando se está sob o efeito da droga, ela corta a fome e dificulta a coordenação motora em geral, tanto para falar, quanto para andar ou pensar… afeta muito. O corpo tem uma hora que cansa, pede pra parar. Eu estou, hoje, com 20 kg a menos do que o meu peso ideal. Os efeitos a curto prazo do uso constante do crack são a perda de apetite, o aumento do batimento cardíaco, da pressão sanguínea e da temperatura corporal, respiração acelerada, pupilas dilatadas, distúrbio de sono, náusea, hiperestimulação, alucinações, irritabilidade, euforia, ansiedade e depressão, entre outros sofrimentos. Os efeitos a longo prazo também são muitos. Entre eles, dores severas no peito, insuficiência respiratória, perda de peso, transtorno de humor e as disfunções sexuais, como informam os responsáveis pelo site da Fundação para um Mundo sem Drogas. A base do crack é a cocaína, porém, os efeitos são muito piores porque para se consumir o crack é preciso esquentar a pedra e levá-la a temperaturas muito altas. Nesse processo de aquecimento, a pedra libera uma substância chamada éster metilecgonidina, que degenera neurônios em quantidade 50% maior do que degenera a cocaína refinada usada por via nasal ou injetável. Isso é o que revela um estudo feito pelo Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade 89


de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Universidade de São Paulo. Porém, a principal causa de morte de usuários de crack não é diretamente relacionada ao uso da droga. Uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) constatou que 56,5% dos usuários morrem assassinados devido a dívidas com traficantes ou em disputas de gangues; 26% deles morrem em decorrência da Aids; e por overdose morrem cerca de 9%. A média de idade tem sido 27 anos, com 48% dos falecidos tendo menos de 25 anos. Constatou-se que a idade média dos iniciantes no consumo do crack foi de 22,6 anos, mas, segundo a análise da pesquisa, ao que tudo indica a moda do consumo atrai mais os jovens de 17 anos. Rafael diz que a maioria das pessoas que estão na rua é viciada em crack, e verificou-se durante os trabalhos de reportagem que muitos dos entrevistados afirmam recorrerem às drogas e às bebidas alcoólicas para suportarem a vida de miséria e as condições precárias da vida nas ruas. O dia-a-dia de um morador em situação de rua não é fácil. Por conta do medo, não se dorme direito à noite; “Como alguém vai dormir tranquilo debaixo de um toldo ou dentro de um tubo de conexão de esgoto, ou no banco de uma praça? Não se dorme”, comenta. Mas, o mais difícil é não ter um cronograma, uma disciplina, é não saber o que ocorrerá nas horas, nos dias e nos meses que se seguem, comenta Rafael. “É impressionante a vida de uma pessoa que mora na rua. Se eu falar pra você que vou montar um projeto e fazer daqui a uma hora, é mentira. Se eu falar que eu tenho 90



um plano pra fazer daqui a meia hora, é mentira. Eu odeio mentira. Vive-se por acaso”, reconhece entristecido. Para ganhar dinheiro, Rafael faz malabarismo, de vez em quando, nos cruzamentos do centro da cidade. De acordo com ele, se ganha bastante dinheiro nos semáforos e ele até brinca, dizendo que quem mais ganha dinheiro no mundo é o usuário de droga, porque o vício faz com que ele faça de tudo para conseguir o poder de compra. – Você calcula: o semáforo demora cerca de 30 segundos para abrir e, nesses 30 segundos, mais os 30s do outro lado, param muitos carros, porque as pessoas já procuram os semáforos nos quais param mais carros e onde o tempo de espera é grande. Chutando muito baixo, se você ganhar R$ 1,00 cada vez que o sinal fechar… R$ 1,00 a cada minuto, em 1 hora dá R$ 60,00. Pedir dinheiro no Brasil sempre gerou polêmica porque uns concordam com a doação e ajudam quem está pedindo, enquanto outros discordam e condenam quem doa. O fato é que, até 2009, a Constituição Federal previa, no artigo 60 do Decreto de Lei nº 3.688/1941, a mendicância como um ato penal. Até 2009, mendigar era crime e a pessoa que fosse pega pedindo poderia ficar presa no mínimo 15 dias e no máximo três meses. No entanto, isso já não é mais proibido e todo motorista se depara com malabaristas, pessoas limpando parabrisas, vendendo doces ou somente pedindo dinheiro nos semáforos. Seria certo ou errado dar dinheiro a essas pessoas? – Tem pessoas que são profissionais, que fazem 92


malabarismo por prazer. Tem pessoas que vêm do Peru, da Bolívia... conheci pessoas que não fazem o uso de drogas, que vão para os semáforos somente para apresentar a sua arte. Como distinguir uma pessoa da outra? Não tem como... tem pessoas que estão com o rodo, limpando o vidro do seu carro, pra levar leite para os filhos delas. Eu não posso generalizar todas essas pessoas que fazem serviços como autônomos, que não têm registro em carteira. Nem todo autônomo é usuário de drogas, como nem toda pessoa que está na rua é usuária de drogas, não se pode generalizar. Também tem motoristas que confundem aquele que está limpando o seu carro com o que está fazendo malabarismo; ou você está dando dinheiro pela apresentação da pessoa ou você está dando uma gratificação por ela ter limpado o seu vidro, é diferente. Não se pode misturar, porque tem muita gente que não faz uso da droga, seja a minoria ou a maioria, é difícil saber. Depende de onde você está, da hora em que você está. Dois minutos de conversa comigo, a pessoa fala “você parece ser uma pessoa instruída’. Ao que respondo, ‘é porque eu tive um pouquinho de cultura, Dona’. Então perguntam; ‘mas por que você está na rua?’. Aí eu não vou falar para ela que eu briguei com a minha mulher… a minha realidade é o crack, não é a realidade das outras pessoas. Para ele, a rua parece que vicia os moradores em situação de rua. Há tantas organizações e pessoas que servem café da manhã, almoço e janta, que muita coisa vem fácil para as pessoas e elas se acomodam com facilidade. Na opinião de 93


Rafael, é muito bom e bonito a sociedade querer ajudar o próximo, o morador em situação de rua, mas a sociedade ainda não sabe como. Às vezes, até acaba atrapalhando a vida do morador. É que a maneira mais correta de ajudar o próximo seria investindo e doando para instituições e pessoas que são especializadas e vão saber qual a maneira mais adequada de ajudar o morador em situação de rua, sem deixar que ele se acomode e não queira sair de onde está. – A sociedade não discrimina, discriminar é algo que a pessoa repugna. A sociedade até quer ajudar, mas não sabe de que forma. Ela acha que me dar R$ 5,00 agora vai me ajudar. Não vai. Ela acha que me dar um tênis novo vai me ajudar. Não vai… Seria importante ajudar profissionais e instituições especializadas a tratar dessas pessoas. Se você me der um tênis novo agora, na primeira abstinência minha, esse tênis vai embora por 5 ou 10 reais. Depois, pego um mais barato. O seu tênis novo não vai aguentar três dias na linha do trem, ele vai sair até a sola do pé. Dinheiro, é direto… Eu fui comprar uma marmita em um restaurante do centro da cidade e sentei na entrada, pra esperar minha marmita ficar pronta, porque eu estava muito feio. Passou um, deu R$ 2,00, aí passou outro e me deu mais… isso não ajuda, gente… Porém, a ajuda especializada no país, a seu ver, também é falha e está em situação precária. No Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua, o Centro Pop de Bauru, internet e telefones não funcionam direi94


to, não há nenhuma atividade/aula e, ainda por cima, o que os responsáveis tentam resolver, não conseguem por falta de estrutura, explica Rafael. O Centro Pop é um espaço de referência para o convívio grupal, social e o desenvolvimento de relações de solidariedade, afetividade e respeito. O Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua proporciona vivências para o alcance da autonomia e estimula a organização, a mobilização e a participação social. De acordo com o Governo Federal, existem 219 desses centros em todo o país. – O sistema é falho por má administração. Porque eu não sei de onde vem a verba, mas eu sei que a verba vem. É de se ver para onde essas verbas estão sendo destinadas, porque até então (o Centro Pop) é uma instituição pública e se for comprar um papel higiênico tem que apresentar a nota fiscal. Então, acho que não precisa fazer muito não, é só ver para onde está indo o dinheiro… a alimentação ali é crítica. O almoço de ontem foi macarrão, sem molho, com polenta. O Governo é uma engrenagem que nunca funcionou bem, e quando digo isso me refiro aos três poderes. O homem é corruptível, então não é fácil, não. Quanto mais dinheiro entra, mais a ganância existe. O Governo funciona bem em alguns casos, com certeza, funciona bem. Ele traça objetivos, ele repassa a moeda... só que essa moeda vai sendo cortada, na hora que chega no seu objetivo final, o que sobrou? Eu não generalizo, tem pessoas que fazem de tudo para que seja seguida a meta. Eu estava vendo uma reportagem esses dias, em que 95


dizia que em um hospital uma funcionária pública estava levando produtos de limpeza da própria casa. Essas coisas me comovem. Por exemplo, a prefeitura até 2015 tinha convênio com somente uma clínica de reabilitação. Hoje, são três clínicas, mas ainda é pouco. O maior objetivo de Rafael, após 13 anos como dependente, é ir para uma clínica de reabilitação e não usar mais drogas. “O crack transforma, a primeira tragada floresce a vontade de usar repetidamente. Eu estava há três dias sem dormir, três dias doido”, conta, lembrando que já esteve internado uma vez em uma clínica da cidade, mas não concluiu o tratamento por conta de desentendimentos na clínica. – Eu estou com objetivo de ir para a Casa de Passagem, que é uma pré-clínica, para onde o Centro Pop destina os dependentes. Lá, eles fazem uma avaliação para ver se a pessoa tem condições de fazer o tratamento junto com a inserção no mercado de trabalho e na sociedade ou, então, só o tratamento que, no caso, seria um tratamento mais intensivo. Eles tem uma chácara longe do centro de Bauru. Por um tempo, a pessoa fica afastada da sociedade e também da vida profissional. Até porque, na maioria dos casos, já não tem vida profissional, e se procurou um tratamento é porque está em situação crítica. Essa pré internação, no caso, a Casa de Passagem é uma chave de entrada para uma melhora. Os profissionais vão tomar a decisão, vão ver se você consegue fazer o tratamento e se reinserir na sociedade e no trabalho, ou se você tem que fazer um tratamento mais 96


intensivo. Lá eles vão ver o que é o melhor pra você. É melhor nunca tentar fazer sozinho... eu acho que a ajuda de profissionais, que sabem o que fazem, é essencial. O Brasil oferece cerca de 32,7 mil leitos para internações de doentes mentais, sendo 11,5 mil destinados aos dependentes químicos, uma porcentagem de apenas 0,34% dos leitos que seriam necessários para atender à demanda brasileira. A recomendação da Organização Mundial da Saúde é de que o país mantenha um número de vagas na área de saúde mental suficiente para internar 0,5% do total da população do país. Seguindo essa recomendação, o Brasil teria que disponibilizar para a população cerca de 950 mil leitos. Com esse número de leitos que é oferecido, uma pessoa a cada grupo de 5,8 mil habitantes tem oportunidade de tratamento. Desses leitos para dependentes químicos, 2,5 mil estão em hospitais gerais e 9 mil em unidades do Centro de Apoio Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD), em hospitais psiquiátricos e em prontos-socorros. São apenas 258 unidades de Caps AD para mais de 190 milhões de habitantes. São Paulo é o estado com o maior número de leitos: 10.780. Porém, conta com uma relação de 0,26 leitos para cada mil habitantes, que ainda é considerada muito baixa pelo Ministério da Saúde. Os estados do Amapá, Rondônia e Roraima sequer aparecem na relação de postos para atendimento aos pacientes com doenças mentais e dependentes químicos. Esses dados foram divulgados em artigo publicado no site do Senado, no ano 97


de 2011. Para Rafael, é essencial divulgar o mal que a droga representa para qualquer pessoa; “Nem todo mundo sabe que a droga é uma droga, porque a droga dá prazer”, ele reitera. Ao final, ele deixa uma mensagem com base em sua experiência de vida; – Evite as drogas, não seja curioso. As pessoas só conhecem a realidade quando já estão dentro dela. O recado que eu deixo para a sociedade é o seguinte: se aperfeiçoe, procure saber o que a droga causa. Tem palestrinhas nas escolas que são até prejudiciais porque despertam ainda mais a curiosidade nos jovens. Todos precisam saber que a droga é como aquele bicho papão que a mãe fala pra criança. É ele. É o homem do saco, a noiva de branco… só que as pessoas não sabem disso, mas agora eu sei. O crack lembra aquela passagem de Ló, na Bíblia, em que a mulher dele olhou e virou pedra (“E a mulher de Ló olhou para trás e ficou convertida numa estátua de sal” - Gênesis 19:26). É o olhar, o tocar, o experimentar... isso ninguém deve fazer. Foi por isso que, no começo desta conversa, eu falei para vocês do caso da minha mãe: ‘Você sente falta de uma Ferrari de mais de um milhão de reais?’ Você não vai sentir falta de uma coisa que nunca teve. Então tem como evitar essa necessidade. Agora, se você já teve e foi bom, aí é quase impossível viver sem… O crack é viciante porque ele é bom, foi o que eu falei. É uma droga gostosa, pode reparar que ninguém fica viciado em martelada na cabeça. Então, é preciso mostrar isso para as pessoas, tem que começar desde 98


quando elas sĂŁo criancinhas, isso ĂŠ essencial.

99


Muitos tentam, mas não sabem ajudar – No primeiro dia, foi assim…Eu bati palmas na casa de uma pessoa e disse: ‘Olá, boa tarde! A senhora poderia me arranjar alguma coisa para comer porque eu estou com fome?’. Naquele dia eu senti tristeza, porque eu sempre trabalhei, né?… E eu sei porque eu estou nessa vida, eu tenho a resposta do porquê eu estou nessa vida... Então, é por isso que eu não me afundo. Por isso que eu estou sempre bem de aparência, bem vestido. Teve uma vez em que eu estava na maior depressão para pedir… Você vai pedindo, pedindo, pedindo e, chega uma hora, cai a ficha… A ficha de que você trabalha, a ficha de que eu trabalho e de que, com certeza, aquela mulher estava achando que eu era um vagabundo. ‘Por que você não sai dessa vida?’, creio que ela teve vontade de perguntar. Não saio porque não é fácil sair dessa vida. 100


Esse depoimento é de Celso. Ele tem 30 anos, é bauruense e se encontra em situação de rua há mais de quatro anos. Diz que foi pra rua por curiosidade, para saber como é a realidade na pele e, principalmente, para poder escrever mais bem detalhadas as suas histórias e músicas de Rap. Mas, nunca tentou ganhar dinheiro com a música. Para ele, o Rap é uma forma de resgate, de levar amor e uma palavra a mais às pessoas que estão em situação difícil. – Às vezes, a pessoa está sentada numa calçada, em uma situação em que está precisando de dinheiro e ouve um pouquinho daquela música…. Igual quando você está apaixonado, não tem aquela música que toca o seu coração? Então! Às vezes, o cara está lá pensando ‘Eu vou meter o B.O. porque eu to precisando de dinheiro pra me levantar’, aí passa uma pessoa escutando um rap, por exemplo, vou pensar uma música de rap aqui: Irmão, Jesus te ama... E seu nome está escrito no livro da vida, e quando ele quer uma alma, ele faz questão de resgatá-la das profundezas do inferno Paz, justiça e liberdade... Vagabundo, eu tinha tudo, carro, casa e uns baguio de luxo, moto da hora, mulher que apavora, dinheiro sujo de sangue, só bang-bang bandido catador, lixo usado sem massagem pro inimigo um perigo - Refém da Amnésia (Realidade Cruel) 101


– Se o cara está pensando em assaltar e escuta essa música, ele já não vai mais, porque ele fica ligado. Sabe que se ele assaltar ele vai se fuder. E é isso que o rap faz, mano. O cara que escutar essa música não vai assaltar. Pode ter certeza que, quando tocar, ele já vai colocar na cabeça todo o prejuízo que ele vai ter se for pra dentro da cadeia. O rap tem origem incerta. Porém, uma das versões mais aceitas é a de que as letras R, A e P significam Rhythm And Poetry e que ele tenha surgido no Bronx, distrito periférico da cidade de Nova Iorque. Ricardo Teperman, em seu livro Se Liga no Som: As Transformações do Rap no Brasil, escreve que para se imaginar o surgimento do rap é preciso, primeiramente, levar em consideração as ondas de imigração. A primeira onda se deu com a ida de milhares de negros africanos para os Estados Unidos, para trabalharem como escravos no início da colonização da América do Norte. A segunda foi após a Segunda Guerra Mundial, quando milhares de caribenhos imigraram para os Estados Unidos em busca de melhores condições de trabalho. Todos esses imigrantes tendiam a se estabelecer em regiões periféricas, onde o custo de vida seria mais baixo. Nesses bairros, imigrantes com diferentes culturas passavam a conviver, numa mistura muito rica de valores sociais e culturais. Um desses bairros era o Bronx. No início dos anos 1970, era uma região que se associava à violência e ao abandono, onde ocorriam brigas entre gangues e conflitos raciais, com poucos espaços 102


reservados à cultura e ao laser. “Nos finais de semana dos meses de verão, alguns desses imigrantes acoplavam poderosos equipamentos de som a carrocerias de caminhões e carros grandes (os chamados sounds systems), tocavam discos de funk, soul e reggae e, com isso, criavam um clima de festa nas ruas. Inspirados nos Disc Jockeys que animavam programas de rádio, se autodenominavam DJs. Além disso, usavam um microfone para ‘falar’ com o público, não só entre as músicas mas também durante a música, como mestres de cerimônia (daí a sigla MC — Master of Cerimony). Figuras como Kool Herc e Grandmaster Flash, dois dos mais célebres agitadores das festas de rua no Bronx, cumpriam ao mesmo tempo as funções de DJ e de MC”, explica o autor. O rap ficou conhecido por se tratar de uma música de protesto e nas letras os MC’s expressavam suas opiniões de forma clara e concisa, sem ambiguidades. Em âmbito nacional, um dos mais reconhecidos é o grupo Racionais MC’s por suas críticas “ferozes” à sociedade e, mais recentemente, o grupo Pauta em Rap, que ficou mais conhecido nas manifestações promovidas no Brasil em 2013 e 2014. O que é certo, é que rap refere-se a conhecimento. E conhecimento é o que Celso tira de letra, na rua. “Eu tenho liberdade, liberdade é o tempo para tudo e aqui, na rua, eu tenho todo o tempo do mundo”, analisa. Ele diz que usa seu tempo para ler e estudar. Diz que já leu diversos livros e que as pessoas o ajudam doando materiais para seu estudo. 103


– Não tem como você trabalhar e estudar… Vamos supor que eu queira ser um piloto de aeronave. Não dá pra eu trabalhar e estudar pra ser piloto, eu vou ter que ficar na rua estudando, não tem jeito. Eu acabo ganhando tempo de estudo… A renda per capita das famílias dos graduandos de Universidades Federais na Região Sudeste do país corresponde, em média, a R$ 1.050,00, segundo dados da IV Pesquisa do Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes da Graduação das Instituições Federais de Ensino Superior Brasileiras. Essa pesquisa foi feita em 2014 pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace) e divulgada em 2016. Em dezembro de 2016, o salário mínimo do trabalhador brasileiro era de R$ 880,00, e a taxa de desocupação no terceiro trimestre de 2016 no país foi estimada em 11,8% (2,9 pontos a mais que o valor do mesmo período em 2015), de acordo com o IBGE. – Esses dias, eu estava na sala da psicóloga da Casa de Passagem e ela me perguntou, ‘O que você fica fazendo?’ E eu falei, ‘Eu fico estudando’. Então, ela olhou para mim e disse, ‘Estudando na rua?’. Eu não falei nada na hora pra ela, mas depois eu saí e fiquei pensando… A mulher vem criticar que eu estou estudando na rua, mas na rua eu aprendo mil vezes mais do que ela trancada naquela sala. Celso diz que aplica muito do que aprendeu em Psicologia no seu dia-a-dia. “Você mexe com as pessoas, às vezes, sem nem elas per104



ceberem, pode ser através de um gesto ou do modo de se conversar… Nós estamos conversando aqui, eu estou tratando a sua psicologia e você não está nem percebendo”, observa. Celso também gosta de estudar Direito e tem vontade de se graduar em uma faculdade, mas o objetivo principal em sua vida é se tornar piloto de avião. Diz que leu muitas coisas sobre a profissão e gostou muito das tarefas que são designadas a um piloto. Quando saiu da casa de sua tia, porque queria ter mais liberdade de horários para voltar para casa e chegar quando quisesse, Celso foi morar em uma Kombi e começou a traficar drogas. Estava passando necessidades e afirma que, naquele momento e naquela circunstância, ele dependia do crime para sua própria sobrevivência. Sobre a relação entre o desemprego e o tráfico, um estudo realizado pela Ouvidoria da Polícia, na Grande São Paulo, revelou que quando há aumento na taxa de desempregados, consequentemente, as ocorrências de tráfico também aumentam. No primeiro trimestre de 2002, em comparação com o mesmo período de 2001, por exemplo, o desemprego aumentou em 7,14% e o tráfico em 20,14%. Entre o primeiro trimestre de 2000 e o mesmo período de 2001 houve queda de 5,8% na taxa de desemprego, enquanto que as ocorrências de tráfico de drogas caíram 5%. Outro levantamento, esse feito em 1998, apontou que de cada 100 dependentes, 75 estão desempregados, com idade entre 15 e 30 anos, e a maioria completou apenas o ensino de primei106


ro grau. Entre os presos por tráfico de drogas, constatou-se que 76% tinham escolaridade até o primeiro grau; destes, 60% eram analfabetos ou sequer haviam concluído o primeiro grau. Esses são dados do Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc). De acordo com essa pesquisa, a maior parte dos dependentes químicos se encontra na faixa etária de 15 a 30 anos de idade, exatamente a faixa em que a taxa de desemprego é maior. Jovens entre 14 e 24 anos são os mais atingidos pelo desemprego no país. A taxa geral de desocupação, no terceiro trimestre de 2016, foi de 11,8% no país, enquanto entre os jovens a taxa era de 27,7%, segundo pesquisa revelada pelo Ipea, em dezembro de 2016. Na visão de Celso, o sistema e os policiais dependem dos traficantes. “O próprio policial depende da droga que o traficante está vendendo, porque se não tiver o traficante pra ele prender, ele não vai ser polícia”, justifica. Sobre o tráfico, é interessante registrar que, em agosto de 2006, foi criada a Lei nº 11.343, que instaurou o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), que “prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências”. O tráfico é o crime que mais encarcera no país. De acordo com o Ministério da Justiça, desde que a lei foi criada até junho de 2013 o núme107


ro de presos por tráfico de drogas, em presídios brasileiros, aumentou em 339%, passou de 31.520 pessoas presas para 138.366. O tráfico internacional de entorpecentes também cresceu de maneira exorbitante: 446,3% nesse mesmo período. Celso diz que já não é mais traficante, mas que, de vez em quando, vende umas “paradinhas”, mas só por vender mesmo, “pra não ficar ali à toa no meio da rapaziada”. Usar drogas, só maconha, ele diz, mas conta que já experimentou o crack, mas nunca se viciou. E ele explica, “quem é traficante não pode se viciar, tem que ganhar dinheiro e não gastar”. – Usuário de crack nunca fui. Mais pela consciência mesmo, pelo respeito e pela consideração pela Palavra (de Deus). Também porque quem fuma sai um pouco da razão, né? Sai de si, começa a chapar, não pensa… Isso é o que nós, traficantes, pensamos, né? Quem começa a fumar é quem perdeu a responsabilidade, e quem tá no negócio é pra ganhar dinheiro, entendeu? Ao falar de sua vida profissional, Celso conta que já trabalhou como pedreiro, servente, bandeirinha dedetizador, e se orgulha de ter a carteira “cheia de registros”. Seu sonho é conseguir um novo emprego e ficar sossegado ganhando um salário todo o mês. Diz que gosta de trabalhar e que não tem medo de começar por baixo, “tudo do zero de novo”. – Eu vou voltar a trabalhar, porque eu trabalho muito, eu acredito em mim e boto fé no meu taco nessa parte de trabalho. Por isso que eu nunca pedi ajuda pra nenhum órgão. Eu só vou terminar 108


de ficar na rua este ano, porque no ano que vem eu vou arrumar um trabalho. Eu já estou com 30 anos, tenho que correr rápido atrás de um emprego. Apesar desse seu desejo, quando perguntado sobre o que mais gosta na vida, e do que ele não abriria mão, imediatamente responde que é a rua. E diz que o que o deixa feliz na rua é conversar com as pessoas, fazer novas amizades e aprender coisas novas todos os dias. Nesses mais de quatro anos vivendo nas ruas, já se acostumou a dormir em qualquer lugar. “Se eu quiser dormir, eu durmo ali agora (diz, apontando para uma sarjeta)”. Mas, costuma passar a maioria das noites em uma “biqueira” de um núcleo habitacional da cidade, pois diz que é amigo de todos do lugar e que se sente mais seguro dormindo por lá. Perto desse local, onde costuma vender drogas e beber cachaça, ele toma seus banhos diários em uma torneira de um campo de futebol abandonado. Sobre o que o entristece, logo responde; “o que me deixa triste é saber que não vai mudar nada, que nós vamos trabalhar, trabalhar e não vai mudar nada, é isso que me deixa triste”. Celso já tentou ajudar várias pessoas a saírem da situação de rua ensinando e explicando tudo o que já aprendeu em seus anos de trabalho. “Se está acontecendo isso comigo, está acontecendo com outras pessoas também, por isso eu vou atrás dessas pessoas para ajudar. Eu vou procurar fazer a minha parte, vou orientar as pessoas”, comenta. Mas, para ele, o que não falta é ajuda para as pessoas em situação de rua, o que falta mesmo são profis109


sionais especializados para fazer o trabalho. Muitas pessoas tentam ajudar, mas não sabem como. – Não tem como nós chegarmos nos moleques (em situação de rua) e explicarmos que pra eles saírem dessa vida eles vão ter que sentar e estudar. Eu já trabalhei com sistema de fiação elétrica e não tem como você chegar lá e explicar pra ele que, pra ele sair dessa situação de rua, vai ter que sentar e arrumar aquela chavinha, vai ter que pegar uma caneta e um papel, escrever, estudar… E não tem pessoas preparadas para isso, porque a corrupção não deixa a ajuda eficaz chegar nesses moleques, porque os políticos vivem em cima das costas da mendigagem. Ele justifica seu ódio pela polícia e pelo sistema citando uma briga antiga com a Polícia Militar. Diz que no enterro de sua avó, quando ele tinha apenas oito anos, policiais chegaram com metralhadoras e colocaram as armas no rosto dele e de toda a sua família. E ainda humilharam o tio dele, desrespeitando o velório de sua avó. O abuso de autoridade é considerado crime pela legislação brasileira. A lei é a nº 4.898, de 1965, pela qual “ considera-se autoridade, para os efeitos dessa lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração”. A pena relativa consiste em multa, detenção por 10 dias a 6 meses, perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo de até três anos. E se o crime for cometido por um agente de autoridade policial, ele poderá ficar sem poder exercer nenhuma função 110


de natureza policial ou militar, de 1 a 5 anos, na cidade onde ocorreu o crime. Em relação à polícia, Celso afirma que o ódio já passou, mas que policiais já dificultaram muito o seu caminho. “Às vezes, você vai pedir em algum lugar, o policial vai lá e te suja, diz ‘não dá pra esse cara não’. Na verdade, eles nem te conhecem, mas como você está na rua, todo sujo, a pessoa vai pelo que a polícia falou, mas nem sabe o que está acontecendo”, reclama. O sistema político no país, para ele, muitas vezes bloqueia a vida das pessoas e não deixa que elas saiam da situação em que se encontram. E diz que o estado de miséria tem a ver com compromisso político, com estatística e controle de população. As despesas do país com programas sociais, em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), aumentaram de R$ 422 bilhões, em 2002 (a preços de dezembro de 2015), dinheiro que equivalia a 12,6% do PIB, para R$ 928 bilhões, em 2015, ou 15,7% do PIB brasileiro. Esses dados foram divulgados pela Secretaria do Tesouro Nacional, em 2016. Também há dados que permitem a comparação dos gastos sociais brasileiros com os gastos de países da Ásia emergente, da América Latina emergente, Europa emergente, países nórdicos e países da Zona do Euro. Em 2013, quando os gastos sociais do Brasil estavam em cerca de 15% do PIB nacional, o país superava a América Latina (a média de gastos era de 12,5%) e a Ásia emergentes (menos de 5%), mas ficava ainda bem atrás 111


dos países da Europa emergente (acima de 20%), dos países nórdicos (cerca de 25%) e da Zona do Euro (perto dos 30%). Em relação aos países europeus e seu Estado de Bem-estar Social, o gasto social brasileiro ainda é relativamente baixo. – Esses dias eu estava pensando… quando uma pessoa nasce, eles já escolhem o caminho que a pessoa vai seguir, entendeu? É gente de poder, é gente grande, às vezes vocês estão aqui e não têm nem noção do que é isso. A discussão sobre meritocracia ganhou força em 2016 após ser noticiado que o filho do presidente Michel Temer, Michel Miguel Elias Temer Lulia Filho, o Michelzinho, com apenas 7 anos de idade, teria em seu nome mais de 2 milhões de reais em bens. Enquanto isso, a renda per capita média do brasileiro, em 2015, era de R$ 1.113, de acordo com o IBGE. Segundo o que se prega sobre a meritocracia, as crianças que vão à escola para ganhar a merenda têm as mesmas chances de conseguirem um emprego em que recebam um salário alto, futuramente, que tem o “Michelzinho”. Muitos parecem esquecer que para se ter sucesso na vida é preciso, além de talento e esforço, ter muita sorte. E nesse conceito de sorte está incluso tudo o que está fora do alcance da maioria, como nascer em uma família rica, ou aprender outro idioma em seus país de origem, por exemplo. Isso é o que defende o economista americano Robert H. Frank, professor da Universidade Cornell, no livro Sucess and Luck: Good Fortune and the Myth of Meritocracy (“Sucesso e Sorte: A Boa Sorte e o Mito 112


da Meritocracia”), de 2016. Depois de mais de três anos vivendo na rua, Celso acredita que o que falta para ajudar as pessoas em situação de rua na cidade é mais conhecimento em relação ao dia-a-dia deles, por parte do prefeito, sobretudo sobre as reais necessidades dessa população. – Nós temos que ir lá ajudar o prefeito, montar um grupo social para ajudá-lo. Porque ele tá cego lá dentro da prefeitura. O prefeito não chegou e sentou num banco pra conversar com a gente, pra ver o que acontece de verdade. E ele não vai sair da prefeitura pra ver? Se eu sentar naquela cadeira lá, eu vou saber do Centro Pop, que o centro Pop precisa de reforma, de produtos de higiene… eu queria ver essas pessoas tudo trabalhando sabe... O certo era pegar os moradores em situação de rua para trabalharem numa obra, com um engenheiro bem instruído, porque é difícil eles acharem o caminho para o serviço, entendeu? Eu acho que o prefeito deveria sair mais com a população, ver esse negócio de emprego e documentação. A prefeitura de Bauru gasta, em média, um milhão de reais para atender as pessoas em situação de rua, anualmente de acordo com Simone Souza, a diretora de Divisão do Centro de Referência de Assistência Social (Cras). Mas há, também, financiamentos do Governo Federal e do Estadual para custear esse atendimento. Para Simone, o dinheiro é suficiente. A única dificuldade quanto aos recursos é que sua aplicação é muito específica. Ela explica que é difícil distribuir adequadamente por conta dos processos licitatórios 113


de gastos públicos; “Às vezes precisa-se de alguma coisa, mas o dinheiro só pode ser destinado a outra”, complementa a diretora. Celso diz que na rua os moradores aprendem a dar mais valor às pessoas que ficaram para trás. Sobretudo nos momentos de solidão, quando costumam relembrar que poderiam estar visitado a avó, por exemplo. No seu caso, conta que quando bate o aperto no coração ele vai visitá-la, pois se orgulha por não ter nenhuma briga com a família, diz que todos gostam dele e que ele se afastou por opção própria. Ele também relata que, vivendo nas ruas, a pessoa aprende a sobreviver, sente a fome na pele, aprende o que é passar necessidades e descobre como é difícil batalhar para ter as coisas na vida. “A pessoa descobre realmente a moral dela, e que viver na rua mexe com a psicologia inteira dela”, reflete. Mesmo estando em situação de rua, Celso não deixa de frequentar sua igreja sempre que pode. Faz questão de dizer que é muito bem recebido no local; “Desde pequeno eu vou na igreja, fui batizado com 11 anos, mas minha avó me levava desde quando eu era bebezinho”. Por conta dessa devoção com Deus, afirma que odeia mentiras e que prefere se calar à mentir. – Eu não gosto de mentiras, só falo a verdade, se eu menti foi pouco. Por isso que eu fico quieto, na minha. Tem tudo isso daí na rua também, cada um tem seu espaço, você tem que respeitar o limite do seu companheiro. Se o cara pede, você tem que respeitar… tudo tem regras… É por isso que eu não falo tudo. Dentro de casa você não vai 114



aprender isso daí porque em casa você só convive com os seus familiares. Já na rua, você convive e lida com todo tipo de pessoa, eu lido com todo tipo de pessoa, polícia, traficante… – E o rap, como fica o rap nessa história?, perguntamos. – Ah, o rap é foda, o rap treme o chão. O rap é da hora. – Você pode cantar uma pra gente?, pedimos. – É que composição minha não tenho agora, mas eu gosto de uma música do Realidade Cruel, que chama Vale da Escuridão, que fala assim: O celular tocou, a notícia veio de brinde o lutador nocauteado no meio do ringue a mente atenta às lembranças vem no flash o diabo assopra na orelha “isso é o rap que te dá, fama em tudo que é lugar, no subconsciente criminal onde eu possa reinar” ainda penso, re-penso, reparo os avanços tecnológicos, o homem no espaço chips, celulares, drive, megabytes pc e msn em vários lares clones, puta que pariu nós fomos longe, e pelo mundo vários preto igual a mim ainda morrem de fome eu não aceito, mas sei como é o jogo, mais vale cem de nós na cadeia que um PM morto, num imaginável, crianças brincando nos parques em pleno Iraque, sem Bush, Bin Laden, mesmo que o planeta, ou seja, o globo terrestre fotografado diariamente por satélites seja morada embora catastrófica 116


dos terráqueos que aqui se matam por puta e droga dinheiro e moleque que sonha na corrida comprar uma Titan e ser entregador de pizza tirar a mãe do corre, ver a irmã mais nova chegar até aos 15 sem ter que abandonar a escola, sem ter que ter como inspiração o que tá ao seu redor, traficante, ladrão o polícia, quantos que sonharam um dia na vida com agasalho do Milan, as jóias, as platinas, mas não, hoje tão caminhando nos pátio aguardando ansiosamente a liberdade do judiciário fora os que foram laçados pelo destino que deixaram somente na foto o sorriso pros filhos bagulho é foda em meio ao vale obscuro infelizmente já vi vários manos no sepulcro somente dores, são tristes as recordações que habitam mutilados corações Em meio ao vale da escuridão, eu canto amor Gostaria de estar de frente para o mar observando as gaivotas, sentindo o vento soprar alimentando o coração de bondade e amor se humilhando de joelho ao mestre criador mas aqui estou e vos digo que outrora caminhei sobre espinhos sem sentir o aroma das rosas infelizmente, o cheiro que se faz presente nunca ausente é o da pólvora nos descarregados pentes indiferente de Golf no pião eu, Tom e o Igão escutando o batidão Scarface, Ticão e Café como sempre 117


leal time fiel até a morte humildemente tamo junto e a cruz que brilha no alto da igreja protege a família carcerária nas cadeias e que na santa ceia o espírito maligno não seja audacioso, impetuoso com nossos discípulos cansei de ouvir histórias sem final feliz irmão na ira com vontade de degolar juiz e por aqui as crianças não falam inglês mas já sabem o que são munição de G3 e tem um corpo estirado no alto do morro do estuprador que nem sequer implorou por socorro globo ocular é como um radar acusa à distância o judas que possa tramar ainda sinto que a humanidade é carente por mais que eu veja os crentes pregando diariamente a paz, mentes insanas, impuras por aí perambulam dentro das viaturas programados pra inseminar horror nas favelas almas carregadas com rancor em meio à névoa artérias entupidas com sangue e cocaína exterminam jovens e faz crescer a estatística até quando, o águia lá do céu atirando de AK e AR-15 e criança na rua chorando bagulho é loco, BBB da crueldade tem aluna tomando tiro dentro das faculdades Em meio ao vale da escuridão, eu canto amor Levanta a cabeça gladiador e vai pra guerra não é ficção de cinema, você tá na selva dos mortais, que se matam até por vaidade chegar de Fielder zero comandando a cidade ter respeito, ser a última palavra no final 118


mesmo que este preço custe o próprio funeral retrocesso, também queria na vida progresso ter fama e poder saborear o sucesso ter um flat nos Jardins, casa em Angra dos Reis uma Lincoln só pra mim com DVD e PS3 mas não, o mundo que eu vivo é real são dois leões por dia na arena de cimento e cal olhei pra frente e vi a patota de Cosme sem bolo e guaraná no farol vendendo drops dando pega no beck de toca do Corinthians com a cara na lata de cola, vi a menina que não tinha nem sequer 15 com filho no colo olhei e vi as nuvens “ô Jesus, volta logo” acaba com essa desgraça que nós aqui não aguenta por mais que a gente tem fé o inimigo atenta e sei que até 40 não consigo jejuar e sei que sobre a água não posso caminhar mas não quero uma quadrada que faz explodir crânio e nem jovem baleada na saída da porta do banco Em meio ao vale da escuridão, eu canto amor - Vale da Escuridão / Parte II (Realidade Cruel)

119


Livre, entre risos e críticas

Por trás dos cabelos grisalhos, da longa barba branca e do olhar sereno, um homem que vive com um contagiante sorriso. Entre suas características mais marcantes estão as suas gargalhadas. Esse é o Magaiver que, como o MacGyver da série americana “Profissão Perigo”, consegue enfrentar os desafios diários com muita sabedoria. A “arma” de Sebastião Almeida, o Magaiver, é a alegria. Mesmo estando em situação de rua, não se deixa abalar pelos problemas de saúde, pelo desamparo público e, sobretudo, pelo que o levou para a rua, o desemprego. Nasceu e viveu em Mogi das Cruzes, na microrregião de São Paulo, onde viveu até os 46 anos de idade. Em 1971, escolheu morar em Bauru, a Cidade Sem Limites. Como um verdadeiro patriota, Magaiver anda com a letra do Hino da Bandeira em sua mochila e, 120


quando alguém se aproxima, bem humorado ele desafia a pessoa a cantar o hino. Nos aproximamos dele, e ele começou: – Salve lindo pendão da esperança, salve símbolo augusto da paz. Tua nobre presença à lembrança, a grandeza da Pátria nos traz... Em qualquer conversa que se tenha com esse mestre da alegria, pelo menos uma frase engraçada sai de sua boca, como se ele dissesse que rir seria a sua forma de dar brilho à vida e de mascarar o lado sombrio da humanidade. – As pessoas estão ficando cada vez mais rancorosas, o respeito está acabando, assim como a dignidade, e outras palavras que eu não vou lembrar agora. Mas, fala aí! Depois de esboçar essa reflexão, ele ri muito. Para Magaiver, “o sorriso é o remédio da alma”. Dos seus 65 anos de idade, 20 foram vividos nas ruas. Magaiver já andou por alguns estados do país e pelo interior paulista, mas decidiu ficar na cidade que tem as marcas da importante Companhia de Estradas de Ferro Noroeste do Brasil, onde ficava o grande entroncamento ferroviário em cujos trilhos passaram milhares de pessoas, inclusive, o ex-presidente da república, Getúlio Vargas. Com uma população estimada em aproximadamente 370 mil habitantes, foram atendidas cerca de 115 moradores em situação de rua, em 2016. A Diretora de Divisão do Centro de Referência de Assistência Social (Cras), Simone Souza, verificou que pelo menos a metade dessa população se encontra na Casa de Passagem, no Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua, o Centro Pop, ou na Residência Inclusiva. 121


Segundo ela, é muito difícil encontrar locais para instalações de atendimento à população de rua porque o preconceito da sociedade é muito grande. Teoricamente, existe uma certa sensibilização das pessoas em situações mais cômodas pelos moradores em situação de rua, mas, ao alugarem seus estabelecimentos para a instalação de entidades assistenciais, as reclamações são inúmeras. – Todo mundo quer que seja atendida e orientada a população em situação de rua, idealizam-se melhorias, mas, na prática, tudo é muito difícil. Inclusive, as dificuldades já começam na tentativa de se encontrar um imóvel adequado. Os moradores das imediações nem sempre aceitam moradores de rua. O Centro Pop já mudou três vezes de endereço, porque muitas pessoas da sociedade se sentem incomodadas só porque o estabelecimento foi instalado em determinada região. Apontam que aumenta o índice de criminalidade, por exemplo, mas nada chegam a provar. Sobre os bairros em que se poderia instalar centrais de atendimento aos moradores em situação de rua, ela conta um pouco de sua experiência: – Em relação às reclamações, quando nós estávamos atendendo próximo ao centro da cidade e à Prefeitura, foi o período em que mais ouvimos reclamações. Como temos horário para fechar, depois das 17 horas alguns passam a pedir nas casas e nos estabelecimentos comerciais, e ninguém gosta. Eu não acredito que sejam responsáveis pelo aumento da criminalidade. Em torno da estação ferroviária, da favela São Manoel, temos uma movimentação muito grande de moradores de rua, mas eles são acompanhados por psicólogas, por assistente social, e muitos passam pelo Centro Pop. 122


Magaiver diz que não visita mais os estabelecimentos assistenciais, mas já chegou a frequentar. Gosta de ficar circulando pelo centro de Bauru, nas proximidades da avenida Rodrigues Alves, e também de ficar nos bancos da praça Dom Pedro II, ao lado da Câmara Municipal. Naquela região, fabrica e vende seus artesanatos e ainda aproveita para conversar com todos os que também frequentam a praça. Naquele local, durante nossa conversa, em tom sério e com semblante avisado fala; – Já trabalhei na lua. Por alguns instantes paira um silêncio, até que ele diz, apontando para o céu; – Já trabalhei na lua, em sonhos! - Solta a gargalhada. O diálogo – nossa entrevista com Magaiver – se mistura com narrativas sobre suas fantasias, histórias de vida e muitas brincadeiras. O trabalho como artesão é sua principal fonte de renda. Por meio dele, compra alimentos, bebida, cigarro e, quando possível, outras coisas necessárias. Diz que aprendeu a fazer artesanato na prisão. – Já fui pro xilindró. Ri muito. – Vi o sol nascer quadrado. Mais risos. – Ninguém foi me soltar. Puxaram minha capivara, minha ficha, e viram que deveriam me soltar. A prisão de Magaiver ocorreu durante uma abordagem policial, porque ele não estava portando seus documentos. Até que tudo se esclarecesse, teve que passar uns dias na cadeia. – Eu não tenho documento, mas o meu nome é este aqui!, disse aos policiais. – Qual o nome do seu pai?, lhe perguntaram. – José Sergio Almeida. 123


– Nome de sua mãe? – Bendita de Sousa Almeida. – Então, ele puxou minha ficha e não tinha nada, me soltou (risos). Eu fiquei três dias preso, por falta de documento. Agora, ando com os meus documentos na minha mochila velha (risos). Ele perdeu seu documento de identidade várias vezes e diz que é muito difícil tirar novas vias; – Nas duas vezes que precisei foi difícil tirar, porque quando você vai tirar documento, precisa de certidão de nascimento, certidão de casamento, tem que ter cópia, o número... aí fica difícil. Eu tive que buscar lá na minha cidade, aonde o Judas perdeu as botas (risos)! Tem que atravessar o oceano, é no Texas (risos). Estou brincando! É aqui no Vale do Paraíba, na cidade de São José dos Campos. Exigem um montão de documentos para você tirar! É, para tirar um simples documento, se exige bastante documentos (risos). Para conseguir a segunda via do seu Registro Geral (RG), ele teve que ir até sua cidade natal, São José dos Campos, no Vale do Paraíba. Mas antes, teve que passar pela labuta de juntar o dinheiro. – Fui fazendo os meus trabalhos de pedreiro. Eu conserto tudo isso aqui (aponta para vários pontos da praça). Trabalho com elétrica e hidráulica. Quando aparece algum servicinho, eu faço, e assim ganho o dinheiro. No albergue de Bauru, fornecem passagem de ônibus para viagens de até 100 quilômetros. Mas, no meu caso, não. Porque é mais longe. Eu conheço albergues do país inteiro. Nos de Minas e do Paraná, eles fornecem passagens, mas aqui não. Então, para me locomover eu juntei dinheiro (risos), aí fui e voltei. Fica caro. Não é fácil conseguir dinheiro. Por exemplo, eu estou 124


querendo ir para São Paulo, nem fui ver quanto que está a passagem, mas deve estar uns noventa e sete ou cento e poucos reais. O interesse em ir para São Paulo é porque tem família na capital paulista. – Todos os meus irmãos e minha família estão lá, e também tenho a minha família aqui, as minhas filhas. Mas, todos os meus irmãos estão em São Paulo. As primeiras informações sobre Magaiver tivemos no dia 18 de novembro, era uma noite de sexta-feira. Ele estava próximo ao Pronto Socorro Central de Bauru, onde frequentemente voluntários distribuem alimentos aos moradores em situação de rua que estiverem por lá. Às sextas, além de oferecerem comida, os voluntários do grupo Jesus, Amor, Paz e Caridade (JAPC) cantam e tocam violão para todos os presentes. E no embalo das músicas, entre sorrisos e brincadeiras, estava Magaiver. Foi nesse clima que iniciamos nossa entrevista com ele. – Primeiramente, quero te dar os parabéns pelo seu filho, porque filho é uma dádiva de Deus! Eu tenho uns 35 filhos espalhados (risos). Agora, em fevereiro, vou fazer 175 anos, mas só não quero viver igual a Matusalém! Ele viveu uns 750 anos [conta-se que o personagem bíblico viveu 969 anos]. Aí, ele pediu para Deus levá-lo (gargalha). Mais uns 200 anos para mim está bom!, brinca. No começo da entrevista, as primeiras respostas foram sempre no mesmo tom, de brincadeira. A conversa não se alongou muito em função do horário e do tumulto que havia no local. Mas, no dia 22 de novembro, quatro dias depois, nossa conversa continuou no centro da cidade. Era uma terça-feira, por volta das 125


nove e meia da manhã. Foi quando ele falou de sua relação com os três filhos, um menino e duas meninas. Com as filhas, mantém sempre contato. Já do filho, ficou a saudade. – Perdi um em acidente. Isso foi uma tragédia! Mas é ocorrência da vida, né? O acidente aconteceu. Agora estou com duas meninas. Uma tem 39 e a outra veio de temporão (risos). Você sabe o que é temporão? É, aí veio fora de época, com 10 anos de diferença. Uma tem 39 e a outra 29. A mais velha trabalha aqui no Ambulatório Médico de Especialidades, o AME. A função dela não sei (ri)!. Eu sei que ela tá lá. Tá garantida lá. A outra trabalha lá no Estadual (Hospital Estadual de Bauru), na área da saúde. Magaiver, sempre que pode entra em contato com as filhas, faz ligações a cobrar de orelhões quando não pode conversar pessoalmente. O fato de estar em situação de rua não o distanciou da família. As duas são casadas e sua maior preocupação é não invadir a privacidade delas. – Eu não posso ir pra casa das minhas filhas pra atrapalhar, pra dar problemas pra elas! Elas já têm o custo de vida delas. Se for necessário, elas me ajudam. Mas eu não quero ajuda. Parece que isso o preocupa, mesmo, tanto que reforça que o que menos quer é ser um enrosco na vida das filhas: – Uma coisa é uma mala sem alça! Como você vai levar uma mala sem alça? Como você vai levar uma mala sem alça, menina? Você quer uma mala deste tamanho?, ele nos pergunta entre gargalhadas. – Na minha vida, eu já passei por muita coisa. Então, se eu sair daqui, já subo naquela árvore e faço uma 126


cabana (gargalhadas). Ao falar sobre sua rotina diária, ele conta como faz para tomar banho e lavar suas roupas; – Tomar banho (sorri)? Faço como antigamente, no tempo das cavernas (risadas). No tempo da caverna era assim: tinha um riacho, uma bica no espaço sideral, na roça (ri). Já hoje, eu encaixo um galão de 5 litros de água no alto e vai com roupa e tudo, coloco sabão nela e tudo!!! Hoje mesmo, passei sabão na roupa, torci um pouco e secou no corpo mesmo. Pronto, secou no corpo! Antes de constituir família, Magaiver também viveu no campo, conta tranquilamente: – Meu perfil de vida? Vou ver se consigo explicar o mais rapidamente. Eu vivi na roça, na foice, no machado, lá trabalhei até os 16 anos. Nasci em baixo de um pé de café (risos). Ao mudar-se da zona rural para a área urbana da cidade, diz que procurou estudar e se qualificou profissionalmente, já tendo trabalhado como eletricista e como encanador. – Vim da roça, né? Tinha pouco estudo. Mas, na cidade busquei estudar, depois fui trabalhar e fiz a escola do SENAI. Já ganhei muito dinheiro na minha vida e já trabalhei em empresa grande. Trabalhei em Lençóis Paulista. Lá tem uma empresa, mas não sei se ainda está funcionando, e não sei se você conhece: Omi Zillo Lorenzetti Tecelagem. Eu conheço aquela fábrica de cabo a rabo. Gostava de trabalhar lá. Trabalhei de 4 a 5 anos lá, fui montador e mecânico de manutenção. Só fui mandado embora porque a empresa passou por uma crise, como está o país agora. O desemprego, né? Vocês são jornalistas? Jornalismo é uma profissão muito boa, mas de repente tem muita gente disputan127


do uma vaga e fazem uma peneira. Você vai passar na peneira? (risos). Dessa forma, ele acabou explicando porque não está trabalhando em empresas agora e comentou sobre as pessoas que cobram isso dele, como se não tivessem noção da realidade: – Só que na minha idade, e na crise que estamos, no meu contexto, chegam e falam... perguntam por que eu não estou trabalhando, se tenho toda essa experiência. Só que, na verdade, não tem emprego! Magaiver fala que ficar desempregado é pior do que ficar em situação de rua. – Se eu tenho emprego, minha filha, eu ganho o meu dinheiro. Se eu pegar uma calçada dessa aqui para fazer, até posso arrumar alguém pra ajudar! Ele também vai ganhar dinheiro. Vou contratar um, dois ou até três! Eu trabalho de pedreiro também. E ao falar isso, tira sua Carteira de Trabalho da mochila e mostra os registros. – Você viu aqui? Eu sou montador. Na indústria, eu conheço tudo na indústria! Mas, sem dinheiro, como você vai viver? Você não pode comprar nem uma folha de alface! Depois de fazer questão de mostrar várias vezes as páginas da Carteira de Trabalho, disse que começou como ajudante de montagem: – Primeiro emprego registrado, dia primeiro de julho de 1971. Mas antes eu trabalhei, mas não tive registro em carteira. Só na enxada, na roça. A senhora pode ver aqui, Mogi da Cruzes, São Paulo, Industrial. Eu entrei de ajudante de montagem, depois vim pra Lençóis Paulista em nove de julho. Indústria têxtil. Já entrei aqui na tecelagem (aponta registro na carteira de tra128



balho), técnico de montagem. Eu fiquei desempregado e, o alcoolismo...! Eu estou lúcido. Bebo, mas, sempre mantenho a lucidez. Isso é desavença da vida, desemprego, falta de dinheiro. O índice de ingestão de álcool no Brasil é superior ao da média mundial. No país, o consumo total estimado é equivalente a 8,7 litros por pessoa a cada ano, já a média global é de 6,2 litros. E, o consumo masculino é superior ao feminino. Os homens consomem uma média de 13 litros por ano e as mulheres, 4 litros. O consumo do álcool é considerado como uso abusivo quando uma pessoa bebe acima de seis doses em uma mesma ocasião. De acordo com o site Alcoolismo, 3% da população brasileira com idade acima de 15 anos é considerada alcoólatra. As bebidas destiladas correpondem ao tipo de bebida mais consumido no mundo (50%), seguido da cerveja (35%); já as bebidas do tipo vinho correspondem a 8%. Na Região das Américas, a cerveja é o tipo mais consumido (55%), seguido dos destilados (32,6%) e do vinho (11,7%), conforme o relatório global de 2014 do site Cisa. No Brasil, o álcool está associado a 60% dos casos de cirrose hepática e a 18% dos acidentes de trânsito conforme dados de 2012. Especificamente em relação aos transtornos relacionados ao uso do álcool, estima-se que 5,6% dos brasileiros preenchem os critérios que indicam abuso ou dependência. As consequências pelo uso do álcool podem variar, mas as mais comuns são a perda de produtividade no trabalho, o absenteísmo, o desemprego e as mortes. Magaiver conta que, quando ficou desempregado, começou a tomar umas cachaças. Não demorou e sua 130


esposa lhe disse que daquele jeito não estava nada bom e pediu para ele sair da casa. – Aí, para eu não brigar, não matar e nem me matar... Você sabe né que tem gente que mata e tem gente que se mata! Conversamos como presidente do Esquadrão da Vida da cidade de Bauru, Clóvis Aparecido Cavenaghi Pereira. Ele explica que quando o usuário de álcool chega, na instituição, já passou por experiências que acabaram “destruindo” sua vida. – Falar sobre a realidade do dependente químico e do morador em situação de rua é mexer na ferida da sociedade e só vamos curar essa ferida quando olharmos para essa população com um olhar mais humanizado, e não a ignorarmos. Querendo ou não, pode não ser a realidade de dentro de muitas casas, mas é a realidade de muitos bairros, do seu vizinho, de sua cidade. Se não cuidarmos do lugar onde estamos, podemos cair em uma situação que depois pode ser irreversível. Quando conversávamos sobre sua saúde, morando nas ruas, ele falou sobre uma forte dor na coluna: – Hoje mesmo, eu quase não consegui vir. Mas eu falei, eu tenho que ir, porque eu marquei compromisso, né? Tenho um problema na coluna, no nervo ciático. Ele inflama direto e sempre tenho que tomar remédio. Eu pedi encaminhamento no AME, fui no Estadual pra fazer uma, como chama aquela? Aquele exame que passa na máquina? Ah, Ressonâcia! No AME (no raio X), detectou um desgaste e “tortura” na coluna, comenta ele, rindo da situação. Magaiver diz que já espera há mais de cinco anos para fazer a ressonância magnética necessária, e que seu nome está na lista de espera para o exame. Mas, 131


não recebeu nenhum retorno para saber qual é realmente o seu problema. De acordo com ele, embora esteja em situação de rua, seus dados e contatos estão disponíveis no sistema. – Tem lá no computador o meu endereço. Eu estou fora de casa, mas tem lá o meu endereço (refere-se ao endereço da família), até na delegacia tem. Neste país, a saúde e a educação estão um caos, critica. Além desse seu problema de saúde, a baixa escolaridade é outro entrave na hora em que procura trabalho: – Serviço pesado eu não aguento e pra fazer serviço leve eu não tenho currículo, escolaridade. Você vai fazer um concurso público, se surgir né? Se surgir, menina. Em um serviço público, o que é que eles vão pedir? Primeiro ano primário? (diz agitado) Ou o colegial pelo menos, não é? Ensino fundamental e médio. Tem lugar que vai pedir o ensino superior. Então, não tenho, viu minha filha. Não posso fazer a inscrição! Até posso enfrentar perguntas, respostas, não tem problema, mas se exige comprovante. Eu tenho que ter o diploma, eu tenho que ter o comprovante. Ao lado de sua mochila está o jornal da cidade, diz ser assinante. Faz a leitura diária para ficar informado sobre os principais acontecimentos no mundo. Fala que gosta muito de ler. Pega o jornal e lê a manchete da matéria que informa que o Banco do Brasil vai fechar agências. Comentamos, então, que até outubro de 2016, a taxa de desocupação no país havia chegado a 11,9%, e que mais de 12 milhões de brasileiros estavam desempregados, ao que ele disse: – A parte do desemprego eu não li ainda e nem quero ler! Nunca leio. Agita-se ao conversar sobre índices de desempre132


go, comenta que geralmente nem olha essa página. De acordo com Magaiver, o periódico que lê é entregue no endereço da casa onde ele dorme. – Eu estou na Gérson França, na esquina do Correio, acho que é a Bandeirante. Tem uma sacada que eu mandei construir no século XVIII (ri). Então, eu invadi uma casa do século XVIII, vou tomar posse (risos). Ao rir da própria brincadeira, afirma que o diálogo e o sorriso são como fontes de terapia; – Sabe, esse tempinho que eu passei conversando, todos os meus problemas da vida inteira sumiram. Apenas isso, eu não pensei em nada! Eu não pensei nem em pescar (risos). Uma coisa que faz bem para a vida é ser alegre. Mesmo nas dificuldades, procure sempre sorrir. Sempre manter um sorriso. Isso é da vida, sempre sorrir. Além disso, os traços no seu rosto se modificam e para melhor. Agora, se você fica rancoroso (diz, fazendo cara de bravo), tudo fica ruim, e quando está alegre tudo vai bem. Depois de brincar com suas expressões faciais, Magaiver ri bastante e, por volta das 10h30, concorda em fazer um artesanato para nos mostrar. Abre a bolsa, procura o material para fazer uma pequena chaleira, que é um entre os vários modelos que costuma fazer. Pega na mochila duas latinhas de refrigerante vazias, alicate, tesoura..., e o corote de pinga. Pede licença para tomar um gole, diz que beber faz parte de sua rotina e que o corpo pede, mas que não fica bêbado. E, mesmo com um grande ferimento no dedo, põe-se a fazer a chaleirinha. Pega uma lata e com uma tesoura começa a cortá-la ao meio. Com toda a paciência do mundo, explica o passo a passo de como fazer aquela miniatura. Entre a aula e as brincadeiras, diz; 133


– Estou conversando com vocês, minha mente está mandando muitas mensagens boas. Isso é mais importante do que receber um agasalho, por exemplo! Se eu estiver necessitado mesmo de um agasalho, prefiro o agasalho é claro, mas se não tiver, é melhor conversar. Em tom sereno, calmamente, comenta que a ignorância das pessoas, e o preconceito, as deixam indiferentes aos outros. Ele entende que o fato de alguém estar barbudo, ou mal vestido, não deveria ser uma referência para julgamentos. Esse comportamento faz com que o ser humano se limite ao estereótipo e, com isso, quem pensa assim perde a oportunidade de conhecer pessoas espetaculares. – Todos nós merecemos respeito, todos nós merecemos, minha filha. Você merece que eu chegue e a cumprimente. Que lhe dê um abraço. Mesmo que não seja um bem material, um abraço. Disso todo mundo sente falta. Por mais que pareça que não, o mais rancoroso, o mais duro também tem um sentimento, e tem uma hora que precisa de um abraço. Magaiver menciona que não se acha extrovertido, mas que procura sempre se alegrar e deixar felizes os que estão a sua volta. Aproveita, então, para exercitar matemática e faz menção ao valor do artesanato; – Uma panela de pressão no mercado sai por R$ 7,50, eu faço por R$ 5 reais (risos). E gargalha muito ao mostrar o artesanato que acabara de fazer. – E ela funciona, é só colocar no fogo e já era. Enquanto manipula o artesanato, além de ensinar, durante o bate papo, brinca o tempo todo. – Você sabia que eu fiquei três dias dormindo no fundo do mar? – É? E como o senhor conseguiu?, perguntamos. 134


– Eu estava dentro de um submarino (risos). Eu era o imediato do comandante. Magaiver fala que já esteve no Albergue de Bauru, mas que para ele não foi viável por que se sentia confinado. A rotina de chegar às sete horas da noite, tomar banho, dormir e não poder conversar, para ele era terrível. Além disso, não gostava de ter que acordar por volta das seis horas. Aquele regime o fez desistir de ficar no albergue. – Isso aí é uma ditadura, é um regime de ditadura. Você não pode levantar à noite e tomar um ar, sentar! Isso é regime de ditadura. Lá, já fui, passei e não gosto. Não vou! Sobre o albergue, não vou falar que não é bom, porque tem comida, tem banho, tem tudo. Mas o regime implantado no local não dá para mim! Na rua, eu estou conseguindo sobreviver (ri)! Quando choveu, eu cheguei a arrumar um saco plástico e me enfiei dentro dele. Então, pode chover! E solta uma gargalhada. De acordo com a psiquiatra Jordana Sabage, que atende em Bauru, o assistencialismo pode ajudar, mas não é a única solução. Sobre isso, Magaiver relembra que, muitas vezes, ao pedir comida teve boa recepção, mas teve os que falaram “vai trabalhar”, ou chamaram-no de “vagabundo”. Ele diz que nunca foi agredido fisicamente, nem mesmo por outros moradores em situação de rua, e que considera que a maior agressão não é a física, mas sim a agressão psicológica. E, como brinca com tudo, não perdeu a oportunidade: – Nunca fui agredido fisicamente. Inclusive, acho que é porque fui lutador em várias modalidades (ri). Já verbalmente, fui agredido várias vezes, e essa agressão é a que mais machuca. Magaiver comenta que as agressões muitas vezes 135


vêm tanto da parte dos moradores em situação de rua, quanto da parte da população em geral. Se comparados aos insultos e ofensas que sofre, ficar na rua ou passar frio, ou até mesmo ficar sem comer são situações que se tornam pequenas. – Eu estou aqui, sentado sozinho, as pessoas falam que eu sou um vagabundo. Me olham com risos, e isso ocorre muito, mas ninguém sabe o que está ocorrendo comigo. Se estou apenas meditando, ou se estou precisando de alguma coisa. Se eu estou mal trajado, se eu estou imundo, já falam de mim. Mas, isso não pode, minha filha! Você não pode falar! Se você achar que eu estou mal trajado, então compre um blazer para mim, né? (E dá uma gargalhada). Já era quase onze da manhã, e ele já havia feito a estrutura da chaleira, o fundo, o “corpo”, o furo do bico e a tampa. Só faltavam os últimos retoques na alça amarela e no bico laranja da chaleirinha vermelha. Sobre seu lado espiritual, ou religioso, diz que sempre vai à missa. E que, até os 16 anos de idade, foi coroinha na Igreja Católica. Só que ir para um seminário não era para ele. – Meu pai era Capelão. Um capelão é como se fosse um bispo, é ele quem abre todos os discursos. Eu sou de uma família de religiosos. Então, eu fui até os 16 anos, até falarem que eu teria que entrar no seminário. No mosteiro? Não fico não! Meu pai era um religioso assíduo e quando ele rezava, ele era forte. Agora, ser padre depende da determinação de cada um, isso aí é uma questão ideológica que não pode ser contestada, cada um tem a sua ideia... O homem simpático e de sorriso fácil, fala que dor de dente não tem. Que já passou dessa fase. 136



– Eu comprei todos os dentes, tirei todos os permanentes. Falei, coloca uma gota de analgésico aí nos dentes, para eles nunca mais doerem (risos)! O problema dos dentes ele resolveu, mas a questão do nervo ciático ainda está longe de ser resolvida, ele lembra:. – Venho no pronto socorro, no UPA, tomo remédio, antibiótico, anti-inflamatório, porque, não tenho dinheiro para comprar o remédio (ri). Esse pronto socorro está um caos total, falta leito, falta médico. Apesar de nunca ter sido discriminado no pronto atendimento, Magaiver diz que, em compensação, o desrespeito lá é muito grande pela falta de pessoas para ajudar no atendimento. Segundo ele, eles deixam quem precisa de socorro à mercê da sorte. Diz que a inflamação do seu nervo ciático reflete em seu joelho e, com isso, ele tem dificuldade para caminhar. Por essa razão, comentou que chegar até a praça, para a entrevista, foi muito difícil. Ele já foi ver se tem direito a benefícios para que possa se curar, porém, nunca teve respostas. E brinca que sonha conseguir um dinheirinho para jogar na Loteria Federal e ganhar um prêmio, mas que o que mais espera, realmente, é o “prêmio” da aposentadoria. Como seu futuro é incerto, como ele mesmo diz, Magaiver espera uma morte súbita; – Quando chegar a minha morte, que eu tenha uma morte súbita, para não deixar ninguém cuidando de mim (risos). Mesmo diante das dificuldades que costuma enfrentar diariamente, ele não perde a espiritualidade e por isso frequenta todas as igrejas. Explica que não faz distinção de nenhuma. 138


– Para mim, religião é religião. Quando ouço alguém pregando a palavra eu paro e vou ouvir, porque tem muitas coisas que eu não sei. Então, me traz conhecimento, pelo menos. Como vive em busca de oportunidades, Magaiver aproveitou que o mês de dezembro se aproximava e viu em sua aparência uma possibilidade de trabalho. Pensava que poderia trabalhar como Papai Noel, mas sua simpatia, o sorriso, os cabelos brancos e a longa barba branca não foram suficientes para sua contratação. – Meninas, vocês pensam que eu já não tentei? Eles disseram não. Está difícil conseguir até uma vaga de Papai Noel (risos)! A psiquiatra Jordana comenta que a discriminação colabora para a segregação socioespacial. Diz já ter presenciado um morador em situação de rua ser expulso de uma loja de conveniência, por exemplo. Não permitiram nem que escolhesse algum produto. Mas, enquanto a aposentadoria não vem para Magaiver, ele vai fazendo seus artesanatos e vendendo nas praças, nos semáforos. Em lugares estratégicos e de fluxo. – As limousines não compram, eles nem abrem o vidro! Os mais humildes compram. As crianças são os melhores clientes (gargalhada). Elas pedem para a mãe comprar, a mãe acaba ficando comovida e compra (sorri). O dia a dia é muito preocupante, minha filha! De querer as coisas assim, e não ter. De acordo com Magaiver, todos os dias há voluntários que servem janta para os moradores em situação de rua, principalmente perto do pronto socorro, onde costuma jantar com os outros moradores em situação de rua. Já no almoço, geralmente come no restaurante Bom Prato (prato feito a R$ 1,00). 139


O Bom Prato é uma rede de restaurantes populares, criado pelo Governo do Estado de São Paulo em 2000, para atender a população de baixa renda, idosos e pessoas em situação de vulnerabilidade social. A proposta do restaurante é oferecer uma alimentação balanceada, de qualidade e a preço baixo, no almoço e no café da manhã, internet gratuita e cursos de qualificação. Há 51 unidades no Estado, que servem mais de 84 mil refeições por dia, segundo o governo. Em geral, são servidos arroz, feijão, salada, legumes, um tipo de carne, farinha de mandioca, pão, suco e sobremesa (uma fruta da época). Tudo isso por R$ 1,00. Já no café da manhã, são servidos leite com café, achocolatado ou iogurte, pão com margarina, requeijão ou frios e uma fruta da estação. Essa refeição sai por R$ 0,50. A unidade de Bauru fica na rua Primeiro de Agosto, 9-47, no centro da cidade, próximo à Praça Rui Barbosa. Todos os dados foram retirados do portal do Bom Prato, no site da Secretaria de Desenvolvimento Social. Magaiver diz que encontra na fé a esperança para prosseguir caminhando. Na alegria, a magia da vida. No voluntariado, vê a fraternidade e o amor. E espera do Estado e dos governantes, o amparo para que haja equidade social. Ao comentar que sempre existiram os “excluídos”, aqueles que não conseguem se incluir em grupos sociais, a psiquiatra Jordana afirma que qualquer um pode ir parar na rua a partir do momento em que não se insere mais em determinada sociedade, ou por causa de desemprego, ou de problemas financeiros, enfim. Ela observa que o número de moradores de rua vem aumentando e que não há abrigos em número suficiente para acolher todas essas pessoas. 140


No entanto, ao que parece, se depender dos voluntários de Bauru, a realidade dos moradores em situação de rua da cidade e da região será diferente da apontada pela psiquiatra. O grupo JAPC, por exemplo, se reúne toda sexta feira à tarde para preparar o jantar para os moradores em situação de rua. O idealizador do projeto, Huxley Ivens, tem 38 anos e fala que desde sua adolescência já se envolve em ações em prol dos trabalhos sociais. – Vamos alimentar quem tem fome, mas não queremos só alimentar, queremos tirá-los da rua, porque a rua não foi feita para ninguém. A rua não foi feita nem para morar, nem para dormir, foi feita para o trânsito dos veículos, para se passear, mas depois cada um volta para a sua casa. – Trabalhamos com essas pessoas... sua gota de esperança, e queremos injetar mais esperança nelas para que queiram viver e tenham vontade de voltar à sociedade, vontade de crescer, prosperar, e de se reconhecerem como cidadãos, como nós. Mas, enquanto a solução definitiva não aparece, Magaiver segue com esperança e cantando o seu hino favorito: “Salve lindo pendão da esperança, salve símbolo augusto da paz...”

141


População em situação de rua tem direitos, sim! A cidadania e a dignidade estão entre os direitos fundamentais da pessoa humana, como prevê a Constituição Brasileira, de 1988. A cidadania refere-se ao exercício dos direitos e deveres civis, políticos e sociais estabelecidos pela Constituição Federal, enquanto a dignidade relaciona-se à garantia de um mínimo de direitos, os quais devem ser respeitados pela sociedade e pelo poder público, de forma que o ser humano seja sempre valorizado. Todos devem ter consciência de seus direitos e obrigações O art. 1º da Constituição Federal prevê que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se um Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa 142


humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Determina também que o poder deve emanar do povo, por meio de representantes eleitos pela população. A Constituição Federal assegura ainda a igualdade entre homens e mulheres, nos termos do art. 5º, pelo qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Assim, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos da Constituição de 1988, a Constituição Cidadã. Por outro lado, os direitos sociais estabelecidos também na Carta Magna revelam a preocupação com a necessidade de se proporcionar as condições mínimas para uma vida digna e com qualidade. Conforme o art. 6º, da Constituição Federal, são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados, direito incluído através da Emenda Constitucional nº 90/2015. São esses direitos sociais que impõem ao Estado a obrigação de reduzir as desigualdades sociais. Este capítulo tem por finalidade expor alguns dos principais direitos da população em situação de rua. Essa parcela vive uma realidade de segregação socioespacial, fica à margem da sociedade e, muitas vezes, não consegue usufruir seus direitos por não ter conhecimento ou acesso às infor143


mações necessárias. Como a burocracia dificulta o acesso a documentos informativos e o desinteresse da mídia corporativa na divulgação das leis é muito claro, os moradores em situação de rua desconhecem que sua dignidade é garantida por uma legislação que também lhes assegura outros benefícios. Com humildade, este livro visa contribuir com aqueles que buscam, de forma prática e rápida, ajudar essa população a obter o que lhe é garantido, possam fazê-lo com mais facilidade. Nos termos do Parágrafo único, do Art. 1º, do Decreto nº 7.053/2009, população em Situação de Rua é o grupo populacional heterogêneo que tem em comum a pobreza extrema e que, inclusive, tem os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados. Trata-se de pessoas que não têm moradia convencional regular e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, seja de forma temporária ou permanente, ou ainda, utiliza as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória. Todos merecem ter dignidade Junto ao Princípio Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana (como base da República Federativa do Brasil), consta no Texto Constitucional a proposta de erradicação da pobreza e da marginalização por meio da redução das desigualdades sociais e regionais. Em cumprimento à Constituição Federal, existem leis que garantem o acesso a programas 144


especiais de moradia provisória, seja por meio de repúblicas, pensão social, bolsa-aluguel, locação social e moradia definitiva, ou por meio de programas de habitação popular federal, estadual e municipal. Garantem também o exercício de qualquer tipo de trabalho, ofício ou profissão, o acesso à saúde pelo Sistema Único de Saúde, com atendimento a todo o cidadão, nas condições em que ele se encontra, mesmo sem endereço, sem documento e sem acompanhante, assim como o atendimento nos postos de saúde e hospitais. Para assegurar os direitos previstos na Constituição Cidadã existem leis que preveem que todos podem frequentar as salas de aula em qualquer época do ano, ainda que não tenham documentos pessoais nem comprovantes de endereço, assim como podem participar de programações culturais sem serem discriminados e utilizar os espaços públicos e culturais, como museus, bibliotecas e galerias. Todos têm, também, direito à alimentação, a qual deve ser fornecida de forma permanente, inclusive nos fins de semana e feriados. Para tanto, cabe ao Estado elaborar programas para oferecer esses serviços e os equipamentos socioassistenciais adequados. “Segue-se, nesse passo, que a ideia de cidadania vem intimamente entrelaçada com a de dignidade da pessoa humana. Com efeito, a própria Declaração Universal dos Direitos do Homem indica que ‘todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direito’. Nesse sentido, como leciona Pe. Laércio Dias de Moura, a noção de dignidade humana está atrelada à concepção 145


de que ‘cada ser humano tem, pois, um lugar na sociedade humana. Um lugar que lhe é garantido pelo direito, que é a força organizadora da sociedade. Como sujeito de direitos ele não pode ser excluído da sociedade e como sujeito de obrigações ele não pode prescindir de sua pertinência à sociedade, na qual é chamado a exercer um papel positivo’”, segundo Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior. CRAS acolhe quem mora na rua O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) é o padrão adotado para a gestão das ações de assistência social no país. Esse sistema é a “porta de entrada” para o Centro de Referência Social (CRAS), no qual destaca-se o Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua, que tem por objetivos possibilitar condições de acolhida na rede socioassistencial. Entre essas condições estão contribuir para a criação de novos projetos de vida, respeitando as escolhas dos usuários e as especificidades do atendimento; contribuir para restaurar e preservar a integridade e a autonomia da população em situação de rua; além de promover ações para a reinserção familiar e/ou comunitária e de promover o Serviço de Acolhimento Institucional, nas modalidades Abrigo Institucional, Casa-Lar, Casa de Passagem e Residência Inclusiva. O Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua também objetiva promover o Serviço de Acolhimento em República, que deve oferecer proteção, apoio e moradia subsidiada a grupos de pessoas maiores de 18 anos em estado 146


de abandono, ou que estejam em situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social, com vínculos familiares rompidos ou extremamente fragilizados e sem condições de moradia e autossustentação, nos termos da Resolução CNAS nº 109, de 11 de novembro de 2009. Além disso, o morador em situação de rua, o idoso ou a pessoa que comprovar ter Deficiência Física, Mental, Intelectual ou Sensorial de longo prazo, e ao qual a doença impossibilite sua participação na sociedade – em igualdade de condições com as demais pessoas – terá direito a um salário mínimo por mês. Para tanto, deve provar sua deficiência e também que a renda por pessoa do grupo familiar é inferior a ¼ do salário-mínimo por pessoa. Por se tratar de um benefício assistencial, não é necessário ter contribuído para o INSS para ter esse direito. Basta que a pessoa a ser beneficiada se informe no CRAS sobre os critérios do benefício e sobre sua renda familiar, e preencha os formulários necessários. Para solicitar esse benefício assistencial à Pessoa com Deficiência é preciso agendar atendimento, via Internet ou pelo telefone 135. Depois disso, é só comparecer ao INSS na data e hora agendadas. Acesso gratuito a documentos O morador em situação de rua também pode se cadastrar no Centro Pop para conseguir seus documentos, o serviço é gratuito. Certidões de nascimento e casamento, como também cópias de CPF, podem ser solicitadas pela internet, em sites como Cartório 24 Horas, Cartório Postal ou 147


no Portal do Registro Civil. Esse portal somente atende pessoas que nasceram ou se casaram em cidades dos estados de São Paulo, Santa Catarina, Espírito Santo ou Acre. Também é possível obter o número do título de eleitor pela internet, é só acessar o site do Tribunal Superior Eleitoral e preencher o nome e a data de nascimento do interessado. Mas, para se votar, são suficientes apenas o número do título e um documento com fotografia do eleitor. É importante lembrar que qualquer cidadão pode procurar o Serviço de Atendimento de Promoção Social, mantido pela Política Nacional de Assistência e que garante o direito de ser atendido pelo serviço de abordagem de rua, pelos centros de referência, casas de acolhimento (repúblicas e pensões), ou pelos serviços de encaminhamento para retirada de documentos e projetos de inclusão produtiva. Direito a um salário O morador em situação de rua tem direito ao benefício da previdência privada desde que comprove que vive em situação de miséria e que está incapacitado para o trabalho (deficiente), ou que seja idoso e tenha 65 anos ou mais. Essa ajuda é garantida pelo Benefício de Prestação Continuada (o BPC/LOAS), no valor de um salário mínimo. Mesmo que a pessoa nunca tenha contribuído para a Previdência Social, poderá receber por meio da área de Assistência Social, desde que atenda os requisitos acima. O pagamento é feito pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), 148


que é uma autarquia do Governo Federal. A princípio, os benefícios do INSS são concedidos a quem contribuiu durante determinado tempo, ou seja, é preciso comprovar o tempo de trabalho e o tempo de contribuição. Se o morador em situação de rua nunca contribuiu para o INSS, dificilmente conseguirá a aposentadoria. Ele terá direito ao auxílio continuado previsto pelo BPC/ LOAS. A garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso, desde que comprovem não terem como prover à própria manutenção ou não tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei, também se refere ao morador em situação de rua. Da mesma forma, ele deve ser assistido. A assistência social é prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social. Esse direito está previsto no art. 13, Parágrafo 6º do Decreto nº 6.214, de 26.09.2007, que regulamentou os benefícios de prestação continuada previstos na Lei nº 8.742, de 07.12.1993. Assim, quando o requerente for pessoa em situação de rua deve ser adotado, como referência, o endereço do serviço da rede sócio assistencial pelo qual esteja sendo acompanhado, ou, na falta deste, de pessoas com as quais mantém relação de proximidade. O serviço social vai verificar se os interessados estão enquadrados nas regras e encaminhar o pedido ao INSS. Bolsa Família contempla moradores em situação de rua O Ministério do Desenvolvimento Social e 149


Combate à Fome (MDS) promoveu a inclusão de moradores em situação de rua no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. E são aceitas famílias de apenas um integrante. Esse cadastro é um instrumento que identifica e caracteriza as famílias de baixa renda, entendidas como aquelas que têm renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa, ou renda mensal total de até três salários mínimos. O cadastramento é feito pelos Centros de Referência Especializados (Creas). Esse programa faz parte da Proteção Social Especial da Assistência Social de cada município. Nos casos em que a pessoa em situação de rua recusar seu encaminhamento ao posto de cadastramento, embora demonstre que precisa ser incluída no Cadastro Único, a entrevista e o preenchimento dos formulários podem ser realizados, excepcionalmente, nas ruas. Sistema Único de Assistência Social (SUAS) O SUAS é responsável pelo atendimento de pessoas que já estão em situação de risco e que tiveram seus direitos violados por ocorrência de abandono, maus-tratos, abuso sexual ou uso de alcóol e drogas. O sistema tem por objetivo e finalidade a proteção social à família, à infância, à adolescência e à velhice. Visa, inclusive, promover a integração ao mercado de trabalho, o que pode levar à reabilitação e à inclusão social de pessoas com deficiência. Esse direito se aplica ao morador em situação de rua devido à sua vulnerabilidade social. 150


Normas de convivência facilitam o atendimento As entidades sem fins lucrativos, como albergues e abrigos, na maioria das vezes recebem subsídios dos governos federal, estadual e municipal. No entanto, para facilitar o planejamento dos trabalhos e a manutenção das instalações, essas instituições estabelecem regras para o cadastramento, o atendimento e para o controle da frequência. O frequentador, no caso, o morador em situação de rua, é uma personalidade civil como qualquer outro cidadão e, por isso, deve se atentar às normas de convivência nos ambientes que frequenta. Entre essas regras está o cuidado com a higiene pessoal, que tem por objetivo evitar doenças, manter a saúde pública e a segurança dos espaços institucionais. Porém, caso o indivíduo não queira tomar banho, por exemplo, ele não deve ser privado de visitar o local, seja para pernoite temporariamente ou para moradia provisória. Auxílio moradia, alimentação, saúde e trabalho As políticas sociais de atendimento para orientação sobre o direito aos auxílios moradia, alimentação, saúde e trabalho são de fundamental importância a quem vive em situação de rua. Os Centros de Referência Especializados (CREAS) devem ser os primeiros órgãos a serem procurados, pois seus funcionários são capacitados ao trabalho e têm todas as orientações referentes aos auxílios. Como os direitos trabalhistas, o direito à saúde, à educação e à alimentação são 151


garantidos por meio dos direitos sociais, há vários programas, projetos e leis que, em tese, deveriam garantir a funcionalidade desses direitos. Mas, na prática, a distância entre o real e o desejado acaba sendo imensa. Nesse sentido, não há garantia de que os direitos e as previsões que se encontram na Constituição Federal serão cumpridos, mas eles servem de diretriz, de vetor para os governantes e legisladores. Em relação a empregos, observa-se que o direito ao trabalho existe. O Projeto de Lei nº 2.470/07, que altera a Lei 8.666/93, inclui a contratação de trabalhadores em situação de rua nos contratos de Administração Pública. No que se refere à moradia, é comum o morador em situação de rua ocupar um imóvel ou área particular abandonada; ocorrendo essa situação por mais de 1 (um) ano, se ele cuidar do espaço pacificamente e sem oposição do dono, poderá obter o direito de posse. Se permanecer no imóvel, nas mesmas condições, utilizando-o como moradia, por 5 (cinco) anos, terá direito à propriedade. Se uma ou mais pessoas utilizam como espaço de moradia terreno ou imóvel público em área urbana, por mais de 5 (cinco) anos seguidos, poderão lutar pela “Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia”, conforme os artigos 1º e 2º da Medida Provisória nº 2.220/01. Porém, recentemente, houve uma mudança em relação a esses dois artigos. Pela nova redação do governo, Medida Provisória nº 759, de 2016, até 22 de dezembro de 2016, quem possuiu o imóvel abandonado, de até duzentos e cinquenta metros quadrados, como 152


seu, ininterruptamente e sem oposição, por cinco anos ainda tem o direito. Após essa data não terá mais a concessão. Onde recorrer? O morador em situação de rua, ou o responsável por ele, caso entenda que seus direitos não estão sendo atendidos ou estão sendo violados, deverá recorrer ao CRAS ou ao CREAS, dependendo da situação. Ainda é possível buscar medidas administrativas e judiciais junto à Defensoria Pública, ao Ministério Público Estadual, às Secretarias Municipais e aos Conselhos Municipais. Em todos os graus, judicial e extrajudicial, os direitos individuais e coletivos devem ser garantidos de forma integral e gratuita. Os direitos se difundem por toda a Constituição Federal, como o direito à saúde (arts. 196 à 200), à educação (arts. 205 à 214) e à cultura (art. 215), entre outros. Pagamento de pensão alimentícia O regime de Pensão alimentícia rege-se pela Lei nº 5.478/1968 e pelo Código Civil, conforme art. nº 1.694 e seguintes. Conforme consta nesses dispositivos legais, parentes, cônjuges ou companheiros podem pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, e inclusive para atender às necessidades de sua educação. A lei prevê que os valores devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada, e serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade 153


resultar de culpa de quem os pleiteia. Em linhas gerais, tem o dever de pagar alimentos aquele que tem condições para fazê-lo em relação àquele que necessita dos alimentos e que tem grau de parentesco que justifique o dever. Se a pessoa está em situação de risco, é morador em situação de rua, não tem trabalho e nem qualquer remuneração, não poderá ser obrigada a dar o que não tem; nem, tampouco, poderá ser presa por isso. Transporte gratuito No plano constitucional, é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos aos maiores de sessenta e cinco anos, nos termos do art. 230, Parágrafo 2º, da Constituição Federal. No caso das pessoas na faixa etária compreendida entre 60 (sessenta) e 65 (sessenta e cinco) anos, ficará a critério da legislação de cada município dispor sobre as condições para o exercício da gratuidade nos meios de transporte. Já o estatuto do idoso (Lei nº10.741/2003), ao regulamentar a questão do transporte coletivo interestadual prescreveu o direito de serem reservadas duas vagas gratuitas por veículo, para idosos com idade acima de 60 anos, com renda igual ou inferior a dois salários-mínimos. Quando o número de interessados exceder o de vagas gratuitas, os demais idosos terão desconto de cinquenta por cento no valor das passagens (art. 40). Benefício da Nota Fiscal Paulista Para o recebimento do tributo da Nota Fiscal 154


Paulista, o morador em situação de rua só precisa ter uma conta bancária, não precisa ter endereço ou residência fixa. O cidadão pode solicitar depósito dos créditos em uma conta corrente de sua titularidade, em uma conta poupança. Para se ter direito ao crédito não é necessário se cadastrar previamente no programa, basta que se informe o CPF no ato da compra. Os créditos se acumulam mesmo sem o consumidor estar cadastrado no sistema e, por isso, o cadastro do consumidor pode ser feito posteriormente. Enfim, é inegável que divulgar os direitos dos cidadãos brasileiros é sempre importante, e não se pode negar também que conhecer os direitos dos moradores em situação de rua ajuda a serem encontradas soluções para vários problemas sociais. As pessoas interessadas em colaborar para que essa parcela da população encontre novos caminhos podem se informar pela Resolução CNAS nº 109, de 11 de novembro de 2009, que tipifica os serviços socioassistenciais e pode ser facilmente acessada por todos os cidadãos, gratuitamente, no endereço eletrônico http://www.fecam.org. br/arquivosbd/basico/0.682576001273163950_ servico_especializado_em_abordagem_social.pdf.

155


Sete caminhos para sair das ruas Bauru não tem consultórios de rua. Então, os moradores em situação de rua não são atendidos. Uns tem diabetes, outros tuberculose, HIV, epilepsia e não são tratados. A questão da política é bem séria, porque se tem a ideia de que eles teriam que procurar ajuda quando precisam de tratamentos. Vê-se, que essa política não prevê a necessidade de se ir atrás desse paciente, observa a assistente social e pesquisadora Eugênia Maria Sellmann Chaves. Eugênia é coordenadora da Casa de Passagem do Esquadrão da Vida e desenvolve uma pesquisa com a qual tenta compreender a vida do morador em situação de rua e sua relação com a saúde em seu ambiente, em meio ao crack. Eugênia comenta que Bauru não é considerado um ambiente de cracolândia, porque cracolândia é um espaço onde 156


se vive. Na cidade, os usuários vão até um determinado local para fazer uso de substâncias químicas e depois vão embora. Constatou, também, que é possível identificar uma política que não inclui. Tanto quanto a maior parte dos bauruenses ignora que a população em situação de rua tem seus direitos, também ignora que existem várias instituições públicas e privadas que assistem sistematicamente moradores em situação de rua. Uma dessas instituições, o Centro Pop, inclusive foi criticada por vários dos moradores entrevistados durante a produção deste livro-reportagem. Critica-se a efetividade do atendimento, tendo em vista que, apesar da estrutura física, os moradores não conseguem aproveitar os serviços oferecidos. Citam, por exemplo, o serviço de internet. Tanto se fala em inclusão digital, mas, ao que tudo indica, essa inclusão só visa o consumo de mercadorias e serviços por parte das classes mais abastadas. A internet nunca funciona no Centro Pop. Também não funcionam adequadamente os telefones disponibilizados aos que não têm residência fixa, reclamam os que foram entrevistados para esta reportagem perfil. A assistente social do Esquadrão da Vida, Eugênia, teve como foco em sua pesquisa analisar o que leva a pessoa a usar o crack e a acabar em situação de rua. Durante esse processo, de pouco mais de dois anos, verificou que para ter a confiança dos usuários teria que fazer amizade com eles. O objetivo era ser aceita em seu ambiente para que os mesmos contassem suas experiências. – Eu não conhecia o crack. Eu nunca tinha visto 157


como é que fumava. Então, eles acreditaram em mim e me mostraram como é que fuma, como que prepara tudo. Toda a situação, como é a vida deles, o dia a dia. Eugênia conta que em um dos locais que a deixaram acompanhar, eles chegavam às sete horas da noite e só saiam às três horas da manhã. A grande maioria morava na rua e, alguns, em mocós, cabanas. O grupo tinha uma média de vinte pessoas. Alguns se mantêm com a venda de drogas e outros fazem bicos como jardinagem ou como chapa (carregador de caminhão). Uma moça já está aposentada e tem epilepsia. – Ela usa droga e chegou a ser internada várias vezes, por overdose. A pesquisadora comenta que eles falam que o crack leva ao efeito da brisa, que é a sensação logo após o uso da droga. De acordo com Eugênia, eles não gostam de usar perto de quem não é usuário, mas quatro deles usaram para ela ver e entender os efeitos. – A menina da epilepsia arregalou um olho, como se estivesse cuspindo, deitando pelo chão, como se tivesse ciscando! O outro, eu até pensei que estava passando mal, mas me deram sinal para eu ficar tranquila que aquela era a reação dele. Ele arregalou o olho, foi ficando pálido, parecia que ia perdendo o fôlego e, depois de alguns segundos, voltou. Disseram que aquela reação é a que ele tem sempre. A assistente social, Eugênia, comenta que após o efeito da droga, eles conversam normal158


mente e nem entram no assunto sobre o uso. Agem como se não tivessem usado nada. Sua pesquisa se baseou na relação entre a pessoa, a droga e o ambiente. De acordo com a pesquisadora, uma disfunção em um desses três fatores pode levar a pessoa à dependência. – Não existe uma causa única. O que eu vi na pesquisa é que alguns tiveram problemas familiares seríssimos como, por exemplo, uma das meninas. Ela tinha sido estuprada pelo pai. Eles dormiam todos no mesmo quarto, e quando ela tinha cinco, seis anos, ela acordou e viu o pai e a mãe tendo relação e o pai notou que ela viu. Dali por diante, ele abusou dessa menina até os quinze anos, quando ela fugiu de casa. Foi morar com um rapaz com quem acabou se casando, só que o rapaz era traficante e no grupo dos traficantes teve um outro que tentou estuprá-la, o que o marido interpretou que teria sido provocado por ela e a expulsou de casa. Hoje ela se mantém na droga como garota de programa. Eugênia fala que alguns aprenderam a usar droga com a família, usavam maconha com o pai. A droga era algo natural entre eles. A pesquisadora comenta que o problema da moça com epilepsia começou na escola. Ela tinha muitas crises epilépticas, chegou a ter vinte convulsões em uma só manhã. Devido à questão de saúde, as crianças tinham medo dela, riam e a chamavam de burra, porque ela não conseguia aprender. – A epilepsia dela era de um grau altíssimo. Então, ela faltava muito e com isso não conseguia aprender. A escola, que deveria acolher e incluir, 159


foi um ponto de exclusão. A assistente social interpreta que a droga e, principalmente, o crack, afasta a pessoa da família e do trabalho, mas une o grupo dos usuários. Isso porque eles se entendem, porque entre eles não tem recriminação e nem discriminação. Eles entendem que se um roubar não tem problema porque é a situação. O grupo fala que, em situação de rua, eles podem ser eles mesmos. – Esse ambiente acaba trazendo para eles a sensação de pertencimento. Eugênia perguntou aos usuários por que começaram a usar o crack e o que estavam procurando. De acordo com ela, eles acreditavam que a droga iria tirar o vazio em determinada área de suas vidas. Seria como pensar que a substância teria um poder mágico. Questionamos se realmente a droga tem o poder de viciar na primeira vez em que é usada, e Eugênia explicou; – Cientificamente, não há provas de que vicia na primeira vez. O que se percebe é que as pessoas que começaram a usar droga não iniciaram com o crack. Uma ou duas pessoas começaram com o crack, a maioria começou com o álcool e com a maconha, já eram dependentes de droga. Passando para o crack, como seu efeito é muito grande, a sensação de prazer é maior do que a de qualquer outra droga. Na opinião da pesquisadora, não é na primeira vez que a pessoa usa a droga que se torna dependente. Inclusive, compartilha alguns relatos do que os usuários comentaram sentir ao consu160


mirem o crack pela primeira vez; – Me senti poderoso, super; – Foi mágico, tudo diferente; – Foi uma sensação arrebatadora; – Ah! Eu perdi o controle... Como se tivesse voando, solto...; – Foi uma paulada, não dá para contar, mas foi muito bom, nunca senti nada igual. – Nossa!!! Foi maravilhoso, é um prazer tão grande parecido com orgasmo, entendeu? – Foi bom, mas fiquei assustado com o que senti e fiquei um tempo sem usar. Esses são alguns dos depoimentos de usuários que participaram de sua pesquisa. Em seu perfil, no terceiro capítulo deste livro, Luiz Antônio atribui a criminalidade mais às dívidas com os fornecedores de drogas, do que, propriamente ao crack, e essa pesquisa de Eugênia só reforça a história do morador Luiz Antônio. Antes mesmo que concluíssemos a redação deste livro-reportagem, ele já havia sido preso. Provavelmente, os motivos que o levaram à criminalidade foram a falta de dinheiro e a necessidade de comprar o crack. Ele disse que era maravilhoso o uso da substância química e que não conseguia se libertar para sair do vício. Luiz assaltou uma joalheria com mais três homens, e para escapar da ação policial acabou fazendo uma pessoa refém. Ninguém ficou ferido, mas ele foi preso. O desfecho dos outros moradores que frequentam o Centro Pop, segundo fontes internas, foi que Celso, assim como Luiz Antônio, também acabou preso. Já Rosa, continua pedindo nas ruas. Até o dia seis de fevereiro, entramos em contato com funcionários do Centro Pop, com o objetivo de ter mais notícias sobre os entrevistados, mas o centro 161


não tinha o que informar. Magaiver continua fazendo seus artesanatos e esperando para fazer o exame na coluna. Com bom humor, vende o que fabrica para levantar recursos financeiros para se “manter”. Já Joaquim, sumiu. Ele não deixou nenhuma notícia de seu paradeiro, nem mesmo para o senhor com quem ele tomava o cafezinho quase toda manhã e o considerava como se fosse seu pai. Os mais próximos do morador também procuram saber sobre ele, que tanto se gabava do trabalho com os recicláveis. Até mesmo seu carrinho, de que tanto se orgulhava, foi encontrado abandonado. O diretor executivo e fundador do Esquadrão da Vida, Edmundo Muniz Chaves, menciona que o grande desafio do acolhimento institucional é fazer a transposição. Não basta tirar o morador da rua, mas sim tirar a rua de dentro dele. De acordo com Edmundo, a instituição procura resgatar a autoestima desses moradores, com o trabalho de profissionais capacitados e atividades promovidas na sede. Plantar verduras na horta, por exemplo, e depois poder comer aquilo que plantou, é uma das atividades que mostram que as ações de cada um tem o seu devido valor. – Nós lidamos com gente. Nossa missão é ser igual a um passarinho que canta. Ele canta sem esperar que alguém o veja. A flor quando desabrocha, não quer saber se tem alguém olhando ou não o seu desabrochar. Assim, deve ser a vida da gente; fazer para o outro sem esperar reconhecimento das pessoas. E se as pessoas não estiverem motivadas e dispostas, as coisas não mudam. 162


O presidente do Esquadrão da Vida, Clóvis Aparecido Cavenaghi Pereira, comenta que é gratificante ver a pessoa sair do vício. – Eu acredito muito na força do bem. Se todo mundo estiver unido para fazer o bem para as pessoas, alcançamos o resultado final. Ante tantos questionamentos que surgiram durante as entrevistas e pesquisas para este livro-reportagem, consultamos a Assessoria de Imprensa da Secretaria Municipal do Bem-Estar Social sobre as questões levantadas. O assessor Adham Marin informou que o dependente químico não pode ser internado contra a sua vontade e que, para que permaneça em tratamento, tem que demonstrar interesse. Quanto às medidas de prevenção, reconhece que Bauru precisa criar novos métodos eficazes a longo prazo. Em relação à educação, o município mantém 27 locais com classes do Centro Educacional de Jovens e Adultos (CEJA), onde se oferece alfabetização à pessoas adultas. Embora Adham assessore outra secretaria, ele informou que basta o interessado procurar uma dessas classes e frequentar as aulas, que são à tarde e à noite. Quanto aos exames que o morador Magaiver afirma aguardar há anos, Adham informa que o município não dispõe de aparelhos para realizar esse tipo de tratamento. Além disso, a responsabilidade é do Estado. Entramos em contato com a Secretaria de Estado da Saúde, que confirma o pedido do paciente ao Ambulatório Médico de Especialidades de Bauru. Foi agendado o exame para o dia 10 de outubro de 2016 e Magai163


ver não compareceu. A ressonância magnética foi reagendada para o dia 3 de novembro de 2016, mas o paciente, novamente, não compareceu. A assessoria da Secretaria de Estado da Saúde ainda afirma que, nas duas datas agendadas, a filha de Magaiver foi contatada para avisar o pai, que não tem endereço fixo, nem telefone para contato. A assessoria ainda diz que a validade do pedido de exame se expirou; para Magaiver fazer novo agendamento é necessário ir a um posto de saúde, passar pelo médico e fazer novo pedido para encaminhar ao AME. Quanto às reclamações sobre a falta de estrutura do Centro Pop, a Secretaria Municipal do Bem-Estar Social afirma que o local não está totalmente adequado para atender às necessidades dos moradores em situação de rua, devido a problemas com o proprietário do imóvel, que deveria ter adequado as instalações. A prioridade para 2017 é encontrar um novo prédio, que seja mais apropriado para o atendimento. Ainda não há previsão para a construção de um prédio para uso exclusivo do Centro Pop. No Plano de Governo do atual prefeito de Bauru, que ele próprio divulgou em sua campanha eleitoral, Clodoaldo Gazzetta promete a implantação de Consultórios na Rua, como um atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS) voltado à população em situação de rua. Mas, após a sua eleição, sua assessoria ainda não forneceu informações sobre essa promessa. Afinal, campanha é campanha, gestão é gestão. 164


Unidades de atendimento a população em situação de rua Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS I e II) Unidade pública que oferece serviço especializado e continuado a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco social ou que tiveram seus direitos violados por violência física, psicológica, sexual, tráfico de pessoas, cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto e situação de risco pessoal e social associados ao uso de drogas. O Creas é um serviço que busca acolher essas pessoas, fortalecer vínculos familiares e comunitários e orientar e encaminhá-las para serviços de assistência social do município. Também oferece informações, orientação jurídica, apoio à família e apoio no acesso à documentação pessoal. Em Bauru existem duas unidades do Creas: uma na Vila Falcão e uma na Vila Noemy. Todos os serviços são gratuitos Centro de Referência para população em situação de rua (Centro Pop) Unidade pública que oferece atendimento especializado à população adulta em situação de rua. Trata-se de um centro de referência para o convívio grupal, social e para o desenvolvimento de relações de solidariedade, afetividade e respeito. O meio proporciona vivências para o alcance da autonomia do indivíduo. Estimula a organização, a mobilização e a participação social. 165


Em Bauru, a população em situação de rua recebe acolhimento social e psicológico. Também alimentação como café da manhã, almoço e café da tarde. Há uma estrutura para os usuários realizarem sua higiene pessoal. Eles contam com armários para guardar seus pertences. O Centro Pop bauruense atende, em média, 50 pessoas por dia. Serviço de Abordagem Social Noturno Esse serviço é realizado nos espaços públicos com maior concentração de pessoas em situação de risco pessoal e social. Os profissionais designados atuam por meio de aproximação gradativa, conquista de confiança e encaminhamentos para acesso a direitos e à rede de proteção. O Serviço de Abordagem Social busca atender as necessidades mais imediatas das pessoas, além de promover acesso à rede da Assistência Social do governo. Em Bauru, o serviço é realizado das 19h às 7h, com distribuição de alimentação e encaminhamento à Casa de Passagem e ao Programa Hotel Social. Serviço de Acolhimento Institucional em Casa de Passagem (CEAC) Centro Espírita Amor e Caridade / Albergue Noturno O Serviço oferece acolhimento imediato e emergencial a indivíduos ou famílias em situação de rua, por desabrigo, abandono e também a pessoas em trânsito. A Casa de Passagem fica aberta 24 horas por dia, com profissionais preparados para realizar diagnóstico detalhado de cada situ166


ação para os encaminhamentos necessários. No local, são fornecidos alimentação (café da manhã, almoço, café da tarde e jantar), orientações sociais e psicológicas. Atividades de convívio, cuidados pessoais, oficinas culturais, entre outros afazeres no espaço são oferecidos. Também são atendidas, em média, 50 pessoas por dia. Serviço de Acolhimento Institucional em Casa de Passagem Feminina – Comunidade Bom Pastor O serviço acolhe, de forma qualificada e personalizada, pessoas adultas (mulheres ou grupos familiares) com vivência de situação de rua, desabrigo (por abandono, migração, ausência de residência ou em trânsito) e sem condições de autossustento, que estejam em fase de reinserção social. A Casa de Passagem Feminina busca garantir a proteção integral da pessoa, restabelecer vínculos familiares e sociais e gerar aptidões e oportunidades a fim de promover o encaminhamento do processo de saída das ruas com dignidade, respeito e autonomia. São atendidas, em média, 20 pessoas por dia. Serviço de Acolhimento Institucional em Casa de Passagem – Esquadrão da Vida Associação privada, sem fins lucrativos, que atua nas políticas de saúde e de assistência social. Na Política de Saúde, firmou Termo de Colaboração com a Secretaria Municipal de Saúde para oferecer Serviço de Atenção a Dependen167


tes de Substâncias Psicoativas em Comunidade Terapêutica, em regime residencial. A forma de acesso é através de encaminhamento do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (Caps AD). São atendidos cerca de 25 dependentes de substâncias psicoativas, com idade igual ou superior a 18 anos. Na Política de Assistência Social, firmou Termo de Colaboração com a Secretaria do Bem Estar Social para oferecer Serviço de Acolhimento Institucional para Adultos e Famílias em Casa de Passagem. Serviço de acolhimento provisório, imediato e emergencial para adultos, ou grupo familiar, em situação de rua e desabrigo por abandono, migração e ausência de residência ou em trânsito e sem condições de autossustento. A forma de acesso é através de encaminhamento do Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e pelo Serviço de Abordagem Social. São atendidos cerca de 30 usuários, com idade igual ou superior a 18 anos. A Unidade Institucional de Passagem oferece acolhida, alimentação, higiene pessoal, pouso, transporte, acesso a documentação pessoal, contato com a família ou grupo social, atividades de fortalecimento de vínculos familiares e sociais, encaminhamento à rede socioassistencial e a serviços da rede de saúde, atividades de lazer, TV, criação de estratégias para inserção no mercado de trabalho, promoção do acesso à rede de qualificação e requalificação profissional com vistas à 168


inclusão produtiva. O serviço proporciona por meio de profissionais o amparo necessário para a autonomia do indivíduo e sua inserção à sociedade, inclusive ao mercado de trabalho. Programa de Enfrentamento a Situação de Risco Pessoal e Social (“Aluguel Social” e “Hotel Social”) Nesse programa, são oferecidos hospedagem em hotéis e aluguel de imóveis na cidade. Destina-se a famílias e indivíduos em situação de risco pessoal ou social, cujos direitos tenham sido violados ou ameaçados (como moradores em situação de rua, famílias vítimas de enchentes ou incêndio, vítimas do trabalho escravo, entre outros), a fim de reconstruir vínculos familiares e comunitários. O serviço tem como objetivo contribuir para restaurar e preservar a integridade e as condições de autonomia dos usuários, reparação de danos e da incidência de violação de direitos, e prevenir a reincidência de violação de direitos. Durante o apoio, é realizado um Plano de Acompanhamento, com atendimentos continuados, voltados à superação de risco pessoal e social, fortalecimento da autonomia e o acesso a direitos. Para receber o benefício, a família ou o indivíduo precisa ir até o Creas da cidade, lá será feito o encaminhamento para o programa.

169


É fácil ajudar!

Se você já se deparou com um morador em situação de rua necessitando de alguma ajuda, ou com situações em que você não soube o que fazer e nem como fazer, a relação de telefones a seguir pode te ajudar. São 16 números de telefones de instituições para as quais você pode ligar de graça, as chamadas são gratuitas em todo território nacional. Há também números de telefones úteis da cidade de Bauru e dos serviços sociais que podem amparar a população em situação de rua. Se achar conveniente, a lista também pode ser destacada para entregar a algum morador que necessite.

170


Chamadas gratuitas

Discar

Assistência a Dependentes de Agentes Químicos

132

Centro de Valorização da Vida (CVV)

141

Corpo de Bombeiros

193

Defesa Civil

199

Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher

180

Disque Denúncia

181

Disque Saúde

160

Guarda Municipal

153

Ministério da Previdência Social (INSS)

135

Polícia Civil

197

Polícia Federal

194

Polícia Militar (PM)

190

Polícia Rodoviária Estadual

198

Polícia Rodoviária Federal

191

Secretaria dos Direitos Humanos

100

171


Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU)

Telefones Úteis de Bauru Conselho Municipal da Assistência Social (CMAS)

192

Local Rua Alfredo Maia, qd 1 - s/nº

Discar (14) 3234-1642 ou 3214-4806

Conselho Municipal Rua Manoel Benda Comunidade to Cruz, 7-60 Negra

(14) 3223-5171

Conselho Municipal Rua Manoel Benda Educação to Cruz, 7-60

(14) 99705-3458

Conselho Municipal Rua Manoel Benda Habitação to Cruz, 7-60

(14) 3235–1047

Conselho Municipal Rua Manoel Bende Políticas Públito Cruz, 7-60 cas sobre Álcool e Outras Drogas (COMAD)

(19) 99781-0084

Conselho Municipal Rua Gerson de Saúde França, 7-49

(14) 3222-7144

Defesa Civil

(14) 3218-4021

-

Divisão de Assistência Farmacêutica

Rua Quintino Bocaiúva, 4-52

(14) 3227-4630

Núcleo de Saúde Beija Flor

Rua Julieta G. de Mendonça, qd 01 - s/nº

(14) 3237-3799

172


Núcleo de Saúde Bela Vista

Rua Santos Dumont, qd 14 - s/nº

(14) 3102-1222 ou 3102-1223

Núcleo de Saúde Cardia

Rua Ezequiel Ramos, 11-78

(14) 3232-9354

Núcleo de Saúde Centro

Rua Quintino Bocaiúva, 5-45

(14) 3234-8795

Núcleo de Saúde Dutra

Avenida das Bandeiras, 13-43

(14) 3218-3131

Núcleo de Saúde Europa

Rua Hermes C. Batista, 1-64

(14) 3227-7322

Núcleo de Saúde Falcão

Rua Salvador Filardi, 6-8

(14) 3238-4855

Núcleo de Saúde Gasparini

Rua Aparecida Inês C. de Matos, qd 2 - s/nº

(14) 3277-4111

Núcleo de Saúde Geisel

Rua Anthero Donnini, s/nº

(14) 3281-9901

Núcleo de Saúde Godoy

Alameda Flor do Amor, qd 10 - s/nº

(14) 3237-5065

Núcleo de Saúde Independência

Rua Cuba, qd 14 - s/nº

(14) 3236-3646 ou 3236-4598

Núcleo de Saúde Mary Dota

Rua Pedro Prata de Oliveira, s/nº

(14) 3109-2479 ou 3109-2481

Núcleo de Saúde Nova Esperança

Rua Sargento J. N. Cabral, qd 03 - s/nº

(14) 3238-3933

Núcleo de Saúde Octávio Rasi

Rua Paulo Leivas Macalão s/nº

(14) 3203-7715

173


Núcleo de Saúde Parque Vista Alegre

Rua Jacob Corso, qd 04 - s/nº

(14) 3239-5478

Núcleo de Saúde Redentor

Rua São Lucas, 3-30

(14) 3203-0539

Núcleo de Saúde Tibiriçá

Rua Carmelo Zamataro, s/nº

(14) 3279-1156

Pronto Atendimento Infantil

Rua Rubens Arruda, qd 07 - s/nº

(14) 3104-1178

Pronto Socorro Central

Rua Rubens Arruda, qd 07 - s/nº

(14) 3104-1160 ou 3104-1166

Secretaria Municipal de Administração

Praça das Cerejeiras, 1-59

(14) 3235-1049

Secretaria Municipal de Cultura

Avenida Nações Unidas, 8-9

(14) 3235-1072 ou 3235-1088

Secretaria Municipal de Educação

Rua Padre João, 8-48

(14) 3234-1977

Secretaria Municipal de Saúde

Rua Gerson França, 7-49

(14) 3104-1478

Secretaria Municipal do Bem-Estar Social

Rua Alfredo Maia, qd 1 - s/nº

(14) 3227-8624

UPA Bela Vista

Rua Marçal de Arruda Campos, 4-45

(14) 3102-1213 ou 3102-1212 ou 3102-1234

UPA Geisel/Redentor

Rua Antônio Manoel Costa, s/nº

(14) 3104-1510

UPA Ipiranga

Rua José Miguel, 21-45

(14) 3106-1121 ou 3106-1122

174


UPA Mary Dota

Serviços Sociais de Bauru

Rua Pedro Salvador, qd 02 - s/nº

Local

(14) 3109-2463 ou 3109-2460

Discar

Centro de ReAvenida Alfredo ferência para Maia, 3-66 População de Rua (Centro Pop)

(14) 3222-6308

Cras (Centro de Referência da Assistência Social) Nova Bauru (Região Norte)

Rua Antonio Palhares, qd 03 s/nº

(14) 3239-7775

Cras Ferradura Mirim (Região Leste)

Rua Maria José Silvério dos Santos, qd 02 - s/nº

(14) 3231-3345

Cras IX de Julho (Região Noroeste)

Rua Itália Giovanetti Franciscato, qd 01 - s/nº

(14) 3218-8633

Cras Jardim Europa

Rua Carlos Del Plete, 11-16

(14) 3236-2565

Cras Jardim Ferraz (Região Sudoeste e Sul)

Rua Bolívia, 6-63

(14) 3236-2837

Cras Jardim Godoy

Alameda Flor do Amor, qd 10 - s/nº

(14) 3218-6524

Cras Santa Cândida (Região Oeste)

Rua Lázaro Cleto, 1-43

(14) 3218-0252

175


Cras Tibiriçá (Distrito)

Praça Nove de Julho, qd 04 - s/nº

(14) 3279-1187

Cras Vila Garcia

Rua Kempe Togashi, qd 01 - s/nº

(14) 3237-2781

Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) I

Avenida Alfredo Maia, qd 1 - s/nº

(14) 3234-8705

Creas II

Rua Raposo Tavares, 11-35

(14) 3227-7533

Programa de Enfrentamento a Situação de Risco Pessoal e Social (Aluguel e Hotel Social)

Rua Alfredo Maia, qd 1 - s/nº

(14) 3234-8705

Serviço de Abordagem Noturno

Praça João Paulo Primeiro, s/nº (Terminal Rodoviário)

(14) 99147-8954

Serviço de Acolhimento Institucional em Casa de Passagem - Centro Espírita Amor e Caridade (Albergue Noturno)

Rua Inconfidência, 7-19

(14) 3222-4881

176


Serviço de Rua Araújo Leite, Acolhimento 32-39 Institucional em Casa de Passagem Feminina – Comunidade Bom Pastor

(14) 3102-3232

Serviço de Acolhi- Rua Raposo Tamento Institucio- vares, 7-8 nal em Casa de Passagem Feminina – Esquadrão da Vida

(14) 3222-5076

177



Preservar a dignidade de todos os cidadãos é uma das funções sociais do jornalismo. Assim, todos os atores sociais deste livro-reportagem, a não ser os profissionais entrevistados, tiveram seus nomes substituídos por nomes fictícios, apesar de terem nomes, sobrenomes, direitos e deveres, como todo mundo tem.

179



Referências

______. Adoção: opiniões, dados e ações. (s.d.). Disponível em: <https://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/adocao/contexto-da-adocao-no-brasil/adocao-opinioes-dados-e-acoes. aspx>. Acesso em: nov. 2016. ______. Albergue Noturno - Casa de Passagem. (s.d.). Disponível em: <http://www.ceac.org.br/ grupo/conteudo/index/albergue-noturno>. Acesso em: jan. 2017. ALVARENGA, Darlan. Desemprego no Brasil é o 7º maior do mundo em ranking com 51 países. (2016). Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/08/desemprego-no-brasil-e-o-7-maior-do-mundo-em-ranking-com-51-paises. html>. Acesso em: nov. 2016. ______. Analfabetismo no país cai de 11,5% para 8,7% nos últimos oito anos. (s.d.). Disponível 181


em: <http://portal.mec.gov.br/component/tags/ tag/34167>. Acesso em: dez. 2016. ______. Andifes divulga IV Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação das Universidades Federais Brasileiras. (2014). Disponível em: <http://www.unifap.br/public/index/view/ sigla/proeac/id/7741>. Acesso em: nov. 2016. ANDRADE, Sueli. Entrevistadores: M. Carvalho e T. Daniel. Bauru, 2016. ANTÔNIO, Luiz. Há 4 milhões de alcóolatras no Brasil, segundo OMS. (2014). Disponível em: <http://www.alcoolismo.com.br/artigos/ha-4-milhoes-de-alcoolatras-no-brasil-segundo-oms/>. Acesso em: nov. 2016. ARAUJO, Luiz Alberto David. NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. ______. Art. 203. (s.d.). Disponível em: <https:// www.senado.gov.br/atividade/const/con1988/ CON1988_05.10.1988/art_203_.asp>. Acesso em: jan. 2017. Barry, A., King, J., Sears, C., Harville, C., Bondoc, I., & Joseph, K. Prioritizing Alcohol Prevention: Establishing Alcohol as the Gateway Drug and Linking Age of First Drink With Illicit Drug Use. (2016). Disponível em: <https://www.ncbi. nlm.nih.gov/pubmed/26645418>. Acesso em: dez. 2016. ______. Bauru. (s.d.). Disponível em: <http:// cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?codmun=350600>. Acesso em: nov. 2016. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www. 182


planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 28 set. 2016. ______. Brasil oferece 0,34% dos leitos que seriam necessários para tratamento de dependentes químicos. (s.d.). Disponível em: <https:// www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/ dependencia-quimica/tratamento-para-dependentes-quimicos/brasil-oferece-034-dos-leitos-que-seriam-necessarios-para-tratamento-de-dependentes-quimicos.aspx>. Acesso em: jan. 2017. ______. Brasil – Taxa de desemprego. (s.d.). Disponível em: <http://pt.tradingeconomics.com/brazil/unemployment-rate>. Acesso em: nov. 2016. ______. Casa de Passagem Bom Pastor. (s.d.). Disponível em: <http://www.cbompastor.com.br/ casa-de-passagem>. Acesso em: jan. 2017. ______. Catadores de Materiais Recicláveis. (s.d.). Disponível em: <http://www.mma.gov.br/cidades-sustentaveis/residuos-solidos/catadores-de-materiais-reciclaveis>. Acesso em: jan. 2017. ______. Centro de Referência Especializado de Assistência Social - Creas. (2015). Disponível em: <https://mds.gov.br/assuntos/assistencia-social/ unidades-de-atendimento/creas>. Acesso em: jan. 2017. ______. Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. (s.d.). Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/observatoriocrack/ cuidado/centro-referencia-especializado-assistencia-social.html>. Acesso em: jan. 2017. ______. Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP). (s.d.). Disponível em: <http://www.brasil.gov. 183


br/observatoriocrack/cuidado/centro-pop.html>. Acesso em: jan. 2017. CHAVES, Edmundo Muniz. Entrevistadores: M. Carvalho e T. Daniel. Bauru, 2016. CHAVES, Eugênia Maria Sellmann. Entrevistadores: M. Carvalho e T. Daniel. Bauru, 2016. ______. Cocaína e gestação. (s.d.). Disponível em: <http://gravidez-segura.org/cocaina.php>. Acesso em: nov. 2016. ______. Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. (s.d.). Disponível em: <http://www.abi.org.br/ institucional/legislacao/codigo-de-etica-dos-jornalistas-brasileiros/>. Acesso em: 23 set. 2016. ______. Consumo de drogas durante a gravidez. (s.d.). Disponível em: <http://www.manuaismsd. pt/?id=278&cn=1449>. Acesso em: nov. 2016. ______. Consumo de crack e análise de sobrevida: resultados de 5 anos de seguimento. (s.d.). Disponível em: <http://www.uniad.org.br/images/ stories/publicacoes/cocaina/Consumo%20de%20 crack%20e%20analise%20de%20sobrevida.pdf>. Acesso em: jan. 2017. ______. Crack mata mais neurônios que outras formas de uso de cocaína. (2013). Disponível em: <http://www.usp.br/aun/exibir.php?id=5400>. Acesso em: jan. 2017. CRUZ, Elaine Patricia. Brasil Desperdiça 41 mil toneladas de alimento, por ano, diz entidade. (2016). Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc. com.br/economia/noticia/2016-06/brasil-desperdica-40-mil-toneladas-de-alimento-por-dia-diz-entidade>. Acesso em: dez. 2016. D’Agostino, Rosanne. Com Lei de Drogas, presos 184


por tráfico passam de 31 mil para 138 mil no país. (2015). Disponível em: < http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/06/ com-lei-de-drogas-presos-por-trafico-passam-de-31-mil-para- 130-mil-no-pais.html>. Acesso em: nov. 2016. ______. Dados. (2015). Disponível em: <https:// mds.gov.br/assuntos/cadastro-unico/dados/consultas-publicas>. Acesso em: nov. 2017. ______. Decreto nº 6.214 de 26 de Setembro de 2007. (s.d.). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/ d6214.htm>. Acesso em: jan. 2017. ______. Decreto nº 7.053 de 23 de Dezembro de 2009. (s.d.). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/ D7053.htm>. Acesso em: nov. 2016. ______. Dependência do crack: o que é, causas, sintomas, diagnóstico, tratamento, prevenção, complicações. (2014). Disponível em: <http:// www.abc.med.br/p/536509/dependencia+do+crack+o+que+e+causas+sintomas+diagnostico+tratamento+prevencao+complicacoes.htm>. Acesso em: dez. 2016. ______. Desemprego engrossa tráfico de drogas. (1998). Disponível em: <http://www1.folha.uol. com.br/fsp/cotidian/ff10049801.htm>. Acesso em: nov. 2016. ______. Desemprego é maior entre jovens e quem não terminou ensino médio, diz Ipea. (2016). Disponível em: <http://economia.uol.com.br/noticias/ redacao/2016/12/19/ipea-diz-jovens-entre-14-e-24-anos-sao-os-mais-atingidos-pelo-desemprego. htm>. Acesso em: dez. 2016. 185


______. Desemprego no Brasil atinge mais de 12 milhões, um número recorde. (2016). Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2016/12/desemprego-no-brasil-atinge-mais-de-12-milhoes-um-numero-recorde.html>. Acesso em: dez. 2016. ______. Em um ano, 165 moradores de rua foram mortos no país. (2012). Disponível em: <http:// www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/em-um-ano-165-moradores-de-rua-foram-mortos-no-pais-80mh4qpkcu8byrj19osazt6xa>. Acesso em: nov. 2016. ______. Existe o risco da mulher que tem HIV passar o vírus para seu bebê durante a amamentação. (s.d.). Disponível em: <https://www.unicef. org/brazil/pt/activities_10018.htm>. Acesso em: nov. 2016. FARIA, Maria Isabel; PERICÃO, Maria da Graça. Dicionário do Livro: Da Escrita ao Livro Eletrônico. São Paulo: EdUsp, 2008. p. 458-459. FONSECA, Rozana. Acervo de materiais sobre população em situação de rua, Centro POP e o Serviço de Abordagem Social. (s.d.). Disponível em: <https://craspsicologia.wordpress. com/2014/06/30/acervo-de-materiais-sobre-populacao-em-situacao-de-rua-centro-pop-e-o-servico-de-abordagem-social/>. Acesso em: nov. 2016. ______. Gasto Social do Governo Central 2002 a 2015. (s.d.). Disponível em: <http://www.tesouro. fazenda.gov.br/documents/10180/318974/Gasto+Social+Governo+Central/c4c3d5b6-8791-46fb-b5e9-57a016db24ec>. Acesso em: nov. 2016. ______. IBGE apresenta resultado de pesquisa ex186


perimental sobre população em situação de rua. (2014). Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/ noticias/2014/julho/ibge-apresenta-resultado-de-pesquisa-experimental-sobre-populacao-em-situacao-de-rua>. Acesso em: nov. 2016. ______. IBGE divulga renda domiciliar per capita 2015. (2016). Disponível em: <ftp.ibge.gov. br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_ por_Amostra_de_Domicilios_continua/Renda_domiciliar_per_capita/Renda_domiciliar_per_capita_2015_20160420.pdf>. Acesso em: nov. 2016. ______. IBGE: proteção social cresce no Brasil, mas ainda atinge poucos moradores de rua. (2014). Disponível em: <http://ultimosegundo. ig.com.br/brasil/2014-05-14/ibge-protecao-social-cresce-no-brasil-mas-ainda-atinge-poucos-moradores-de-rua.html>. Acesso em: nov. 2016. ______. Indicadores Econômicos. (s.d.) Disponível em: <http://br.advfn.com/indicadores/pnad>. Acesso em: nov. 2016. IVENS, Huxley. Entrevistadores: M. Carvalho e T. Daniel. Bauru, 2016. LANE, Silvia T. Maurer. O que é psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 2006. (Coleção primeiros passos; 39). ______. Legislação. (s.d.). Disponível em: <http:// www2.crack.cnm.org.br/observatorio_crack/principal/legislacao>. Acesso em: nov. 2016. ______. Lei nº 4.898, de 9 de Dezembro de 1965. (s.d.). Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/leis/L4898.htm>. Acesso em: nov. 2016. ______. Lei nº 11.343, de 23 de Agosto de 2006. 187


(s.d.). Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em: nov. 2016. LEONTIEV, Alexis. O Desenvolvimento do Psiquismo. São Paulo: Centauro Editora, 2004. Disponível em: <https://www.passeidireto.com/ arquivo/4038614/leontiev-o-desenvolvimento-do-psiquismo/1>. Acesso em: 29 set. 2016. LIMA, Edvaldo Pereira. O que é Livro Reportagem. Brasiliense, 1998. LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas Ampliadas - O Livro-reportagem Como Extensão do Jornalismo e da Literatura. Editora Manoele, 2008. MARTINEZ, Antônio Carlos Batista. Entrevistadores: M. Carvalho e T. Daniel. Bauru, 2016. ______. Matriz de Informação Social. (2016). Disponível em: <http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi-data/misocial/tabelas/mi_social.php>. Acesso em: dez. 2016. MELLO, Daniel. São Paulo inaugura monumento em homenagem a moradores de rua assassinados. (2016). Disponível em: <http://agenciabrasil. ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2016-02/monumento-homenageia-de-moradores-de-rua-assassinados-no-centro-de>. Acesso em: nov. 2016. ______. MELO, José Marques de; ASSIS, Francisco de. Gêneros Jornalísticos no Brasil. São Bernardo do Campo: Editora Metodista, 2010. MELO, José Marques de. Jornalismo Opinativo. Campos do Jordão: Mantiqueira de Ciência e Arte Ltda, 2003. ______. Menos emprego, mais tráfico. (s.d.). Disponível em: <http://www.antidrogas.com.br/ 188


mostranoticia.php?c=353&msg=Menos%20emprego,%20mais%20tr%E1fico>. Acesso em: nov. 2016. ______. O adolescente e as Drogas. (s.d.). Disponível em: <http://www.vidasemdrogas.org/adolecencia.html>. Acesso em: dez. 2016. ______. O lado B da adoção. (2009). Disponível em: < http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI83098-15228,00-O+LADO+B+DA+ADOCAO+TRECHO.html >. Acesso em: nov. 2016. ______. O outro lado da adoção. (2016). Disponível em: <http://www.adocaobrasil.com.br/o-outro-lado-da-adocao/>. Acesso em: dez. 2016. ______. O princípio fundamental da dignidade humana e sua concretização judicial. (s.d.). Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/c/document_ library/get_file?uuid=5005d7e7-eb21-4fbb-bc4d-12affde2dbbe>. Acesso em: 28 set. 2016. ______. O que é o crack?. (s.d.). Disponível em: <http://www.mundosemdrogas.org.br/drugfacts/ crackcocaine.html#footnote1_pllb22w>. Acesso em: dez. 2016. ______. Os Efeitos do Crack. (s.d.). Disponível em: <http://www.mundosemdrogas.org.br/drugfacts/crackcocaine/effects-of-crack-cocaine.html>. Acesso em: dez. 2016. ______. Padrão Normativo da Rede de Proteção Social Especial de Alta Complexidade. (2016). Disponível em: <http://www.bauru.sp.gov.br/ arquivos2/arquivos_site/sec_bemestar/padroes_normativos/Rede%20de%20Prote%C3%A7%C3%A3o%20Social%20Especial/Alta%20Complexidade/PN%20Prog.%20Enfrentamento%20a%20 189


Situa%C3%A7%C3%A3o%20de%20Risco%20Social%202017.pdf>. Acesso em: jan. 2017. PEREIRA, Clóvis Aparecido Cavenaghi. Entrevistadores: M. Carvalho e T. Daniel. Bauru, 2016. ______. Parto em soropositivas. (s.d.). Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pagina/parto>. Acesso em: nov. 2016. ______. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 3º Trimestre de 2016. (2016). Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_ Amostra_de_Domicilios_continua/Trimestral/ Fasciculos_Indicadores_IBGE/pnadc_201603_trimestre_caderno.pdf>. Acesso em: dez. 2016. ______. Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua. (s.d.). Disponível em: <https:// wwp.org.br/sites/default/files/pub/Pesquisa%20 Nacional%20sobre%20a%20Popula%C3%A7%C3%A3o%20de%20Rua%20-%20Relato%20 de%20Uso%20WWP%20_%20PORT.pdf>. Acesso em: nov. 2016. ______. Plano de Governo Participativo. (2016). Disponível em: <https://issuu.com/gazzetta55/ docs/plano_governo_gazzetta>. Acesso em: nov. 2016. ______. Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua. (2008). Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_civel/acoes_afirmativas/Pol.Nacional-Morad.Rua.pdf>. Acesso em: nov. 2016. ______. Relatório global sobre álcool e saúde – 2014. (s.d.). Disponível em: <http://www.cisa.org. br/artigo/4429/relatorio-global-sobre-alcool-sau190


de-2014.php>. Acesso em: nov. 2016. ______. Resolução nº 109 de 11 de Novembro de 2009. (2009). Disponível em: <http://www.mpsp. mp.br/portal/page/portal/CAO_Idoso/Legislacao/ Federal/CNAS_2009_-_109_-_11.11.2009.pdf>. Acesso em: jan. 2017. RIBEIRO, José Luiz. Entrevistadores: M. Carvalho e T. Daniel. Bauru, 2016. SABAGE, Jornada. Entrevistadores: M. Carvalho e T. Daniel. Bauru, 2016. SANT’ANA, Antônio Carlos. Entrevistadores: M. Carvalho e T. Daniel. Bauru, 2016. SCIULO, Marília Mara. Como a meritocracia contribui para a desigualdade. (2016). Disponível em: <http://revistagalileu.globo.com/Sociedade/ noticia/2016/06/como-meritocracia-contribui-para-desigualdade.html>. Acesso em: nov. 2016. ______. Serviço de Abordagem Social na Rua. (s.d.). Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/ observatoriocrack/cuidado/servico-abordagem-social.html>. Acesso em: jan. 2017. ______. Significado de Factual. (s.d.). Disponível em: <https://www.dicio.com.br/factual/>. Acesso em: 03 out. 2016. ¬______. Significado de Livro. (s.d.). Disponível em: <https://www.dicio.com.br/livro/>. Acesso em: 23 set. 2016. SILVA, Yeda Costa Fernandes. Entrevistadores: M. Carvalho e T. Daniel. Bauru, 2016. SOUZA, Simone. Entrevistadores: M. Carvalho e T. Daniel. Bauru, 2016. ______. SUAS e população em situação de rua. Disponível em: <http://www.desenvolvimentoso191


cial.pr.gov.br/arquivos/File/Capacitacao/material_apoio/julianafernandes.pdf >. Acesso em: 28 set. 2016. ______. Sumário Executivo Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua. (2008). Disponível em: <https://www.defensoria.sp.def.br/ dpesp/Repositorio/31/Documentos/sum%C3%A1rio_executivo_pop_rua_pesq_censo_MDS.pdf>. Acesso em: nov. 2016. Teperman, Ricardo. Se Liga no Som: As Transformações do Rap no Brasil. São Paulo: Editora Claro Enigma, 2015. TRAQUINA, Nelson. A Tribo Jornalística – Uma Comunidade Transnacional. Lisboa: Editora Notícias, 2004. TRESCA, Laura Conde. Gênero Informativo no Jornalismo Impresso – O Estado da Arte no Brasil. 2007. Disponível em: <http://www.ufrgs. br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-nacionais/5o-encontro-2007-1/Genero%20Informativo%20no%20Jornalismo%20Impresso%20-%20 O%20estado%20da%20arte%20no%20Brasil. pdf>. Acesso em: 27 set. 2016.

192




Em entrevistas para este livro-reportagem, os moradores em situação de rua demonstram que a questão não é tirá-los da rua e sim tirar a rua de dentro deles. Como qualquer cidadão brasileiro, eles têm direitos, sim, desde que sejam orientados. Entre os que vivem na rua não há julgamentos ou classificações. Este livro-reportagem aponta alguns caminhos que podem mudar essa realidade social.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.