ransversal
Publicado em janeiro de 2022 Escrito pela equipa do Transversal Produzido por Catarina Meireles
#UPNãoAumenta
Universidade aberta aos estrangeiros ainda é um projeto com problemas em Portugal
Entrevista
Política
Afonso Reis Cabral
Legislativas: O que esperar em janeiro
“ Foi como voltar a ser criança e
O país vai a votos no dia 30 de janeiro. As eleições antecipadas foram convocadas pelo Presidente da República, após a dissolução do parla-mento. Na origem desta decisão está o chumbo do Orçamento de Estado para 2022 pela maioria dos partidos na Assembleia da República.
não ter nenhum crivo entre mim e os outros, não haver distância
”
Economia
OE 2022: o chumbo e as suas consequências pág. 6
Bolsonaro em rede nacional e panelaço como resposta
A 27 de outubro a proposta do Governo para o Orçamento de Estado de 2022 foi chumbada na generalidade, na Assem- Durante pronunciamento, horas antes da vibleia da República. Consequentemente, o Parlamento foi dis- rada, Bolsonaro distorce dados e se posolvido e foram marcadas eleições legislativas antecipadas. siciona contra vacinação em crianças.
Sociedade Dar à luz sem dor: ativista transforma violência obstétrica em processo de cura a outras mães
Desporto Botafogo vestiu “Manto da Desigualdade” No fim ciência Janeiro dicadas
de semana em que foi assinalada a ConsNegra, os jogadores da equipa do Rio de entraram em campo com camisolas deàs desigualdades geradas pelo racismo.
2021 em revista
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Grande Reportagem
#UPNãoAumenta
Universidade aberta aos estrangeiros ainda é um projeto com problemas em Portugal
TIAGO REIS/REIT
Além de ser uma tendência turística aos brasileiros, Portugal se tornou uma opção e uma oportunidade para aqueles que querem fazer o ensino superior fora do país. Ana Francisca Maio, Catarina Meireles, Giovana Frioli, Thaís Magalhães * A fim de preservar a identidade dos estudantes foram atribuídos nomes fictícios aos entrevistados
O clima mais ameno, a qualidade de vida, a semelhança na língua e os preços mais baixos em comparação ao resto da Europa chamam atenção; mas nem tudo são flores do outro lado do Atlântico: “Eu romantizei minha vinda para cá, como se tudo fosse melhor que no Brasil só que não é fácil ser um estudante internacional aqui”, diz Douglas*, aluno da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.
atraentes aos estudantes. Ela está em em 122º na Europa e em 295º lugar a nível mundial, tendo subido 62 posições no último ano. A universidade está cada vez mais perto de chegar ao top 250 das melhores escolas do mundo naquele que é considerado um dos mais conceituados “barómetros” do ensino superior.
O desempenho das instituições é avaliado tendo em conta seis indicadores: reputação acadêmica, Assim como Douglas*, reputação entre empregaoutros brasileiros vem dores, relação entre corrumo ao país devido às po docente e estudantes, ofertas de cursos. Segundo dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência de Portugal, a procura de estudantes do Brasil por instituições universitárias portuguesas cresceu 38% nos últimos três anos. São cerca de 14 mil alunos atualmente, mais que a soma de todos os estudantes provenientes dos outros quatro países do top 5 (Angola, Espanha, Cabo Verde e Itália). Já o número de vistos estudantis emitidos pelo Consulado de Portugal em São Paulo aumentou 35% só no último ano. Considerada a melhor instituição de ensino superior do país, segundo o QS World University Ranking (QSWUR), a Universidade do Porto (UP) é uma das mais
citações por docentes, estudantes internacionais e docentes internacionais. A Universidade obteve a sua melhor qualificação no parâmetro das citações por docentes, com uma subida de 86 lugares, ainda que tenha apresentado uma melhoria na maioria das restantes categorias, nomeadamente na reputação entre empregadores (subida de 56 lugares) e no que diz respeito ao índice de estudantes internacionais (subida de 83 lugares). Este índice baseia-se na proporção dos estudantes de uma universidade que são internacionais.
Segundo os dados oficiais disponibilizados pela reitoria da Universidade, estes representam quase 20% da comunidade estudantil, estando essencialmente divididos em duas categorias: estudantes de grau, que completam um ciclo de estudos (licenciatura, mestrado ou doutoramento) no país, ou estudantes em regime de mobilidade in (alunos que vêm estudar para o país através de intercâmbios, Erasmus, etc). Durante os últimos anos, o aumento do número de estudantes de grau tem sido essencial no contributo para a per-
centagem de estudantes internacionais na cidade. Apesar de existir uma enorme variedade nas nacionalidades dos alunos inscritos na UP, o país mais representado (para além de Portugal) é o Brasil. Segundo dados relativos ao ano letivo de 2018/2019, cerca de 8% dos alunos inscritos eram brasileiros, seguidos pelos estudantes dos PALOP (Angola, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe), que representavam cerca de 1,1% da comunidade es-
Dados oficiais da UP (informações sobre o ano 2020/2021 não disponibilizadas
TAHÍS MAGALHÃES
-colar e do resto da União ternacionais na UP e da Europeia (cerca de 1%). diversidade que levam ao corpo discente, há relatos Mesmo com a expressi- de discriminação e difividade dos estudantes in- culdades com a perma-
nência. Além do choque cultural com a mudança de país, os estudantes relatam pouca representatividade nos órgãos es-
tudantis, propinas mais caras e xenofobia: “Muitas vezes sinto que recebemos notas menores por utilizar o português de
nosso país. Alguns professores teimam em dizer que falamos ‘brasileiro’, em um aspecto negativo.”, comenta Douglas*.
crescer o valor das propinas mostraram-se bastante indignados: “Não houve qualquer tipo de aviso, não foi enviado um e-mail, não foi criado um despacho, nada. A descoberta aconteceu na renovação da matrícula”. Os colegas da Gabrielle organizaram uma angariação de fundos para ajudá-la a pagar a propina. O aumento das propinas em 29 cursos da FCUP foi justificado pela faculdade: “Teve por fundaGabrielle, e todos os ou- mento a necessidade de tros alunos que viram acompanhar os crescentes
custos de realização destes cursos, de forma a reunir condições para manter e melhorar as condições materiais e, consequentemente, a qualidade de ensino oferecido pela FCUP nestes ciclos de estudos”. A LUSA apurou que houve 23 mestrados que sofreram um aumento de 50 euros anuais, chegando aos 1.300 euros de propina, mais seis mestrados cujo aumento da propina alcançou os 180 euros ou 375 euros, fixando o valor nos 1.430 euros e 1.625 euros anuais.
Aumento de propinas Se ingressar no ensino superior implica custos, aos estudantes internacionais isso se torna ainda mais caro com despesas de deslocamento e pagamento dos estudos. Um dos assuntos centrais neste cenário é o impacto das propinas na economia dos estudantes. O tema é e sempre foi muitas vezes alvo de alguma controvérsia, e origina discussão e manifestações dentro da comunidade académica.
trado da Faculdade de Letras da Universidade do Porto manifestaram- se em frente à Reitoria da Universidade do Porto contra o aumento das propinas. Gabrielle Lacerda, de 24 anos e estudante na Universidade do Porto desde 2019, falou com a Lusa e afirmou, na altura, que, caso não conseguisse pagar o valor acrescido das propinas, teria de regressar ao Brasil sem terminar os estudos. A aluna explicou que “Até ao ano A 4 de outubro de 2020, passado, pagava 1.500 vários estudantes de Mes- euros de propinas anuais.
A partir desse ano teve uma alteração e foi para 2.812 euros. São 87% [de aumento]. Praticamente dobrou o valor do ano. Ou seja, o que ia pagar pelo curso inteiro estou a pagar praticamente num ano”. A estudante brasileira falou num “aumento brutal” e “muito difícil de suportar”, que ainda por cima chegou durante a pandemia, momento em que “todas as pessoas tiveram os rendimentos abalados”.
No ano seguinte, a 28 de abril de 2021, aconteceram protestos com o slogan: “É hora de avançar, a propina tem de acabar.” em Lisboa, Porto, Évora, Braga, Caldas da Rainha, Faro, Covilhã e Coimbra. Um dos vários pontos do país em que ocorreram as manifestações foi em frente à Reitoria da Universidade do Porto. Na área destinada ao esclarecimento de dúvidas dos estudantes internacio-
nais do site da Universidade do Porto, pode ler-se que: “A propina (anuidade) aplicada aos estudantes estrangeiros é igual à dos restantes estudantes da Universidade, exceto no caso dos estudantes abrangidos pelo Estatuto do Estudante Internacional, cujo valor é definido por cada faculdade da U.Porto atendendo aos cursos reais do curso. Para o ano letivo 2020/2021, o valor da propina (anui-
Licenciatura e Mestrado integrado para CPLP
dade) para estudantes com EEI que frequentem os cursos de Graduação (licenciaturas mestrado integrados) da U.Porto em tempo integral varia entre os 3.500 euros e os 8.000 euros. No caso dos mestrados e doutoramentos, o valor pode variar entre os 3.500 euros e os 10.000 euros. No caso dos estudantes nacionais de países da CPLP - Comunidade de Países de Língua Portuguesa (An-
gola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste), pode ser aplicada uma redução de até 45% na anuidade.” Segundo a EuroDicas, uma plataforma que dá “dicas para morar na Europa, de brasileiros para brasileiros”, em 2018, os alunos inscritos na Universidade do Porto, na modalidade regular, de nacionalidade brasileira
eram 2.396. Em 2020, as propinas na UP sofreram um aumento e ocorreu uma redução dos descontos para os alunos CPLP, de 50% para 45% sobre o valor pago pelos estudantes internacionais. A 2 de maio de 2020, a Eurodicas recolheu dados sobre o custo das propinas nas várias faculdades da UP e construiu as seguintes tabelas: EURODICAS
Mestrado para alunos CPLP
“* Os valores variam conforme o mestrado, indicamos o preço do Mestrado em Engenharia de Software, um dos mais caros da FEUP. ** Aplicável a todos os mestrados da FCNAUP, exceto Mestrado em Ciências Gastronômicas, cujo valor é superior, mas que também não houve aumento.”
O aumento referido foi aprovado, a 17 de junho de 2019, pelo Conselho Geral da Universidade do Porto. Segundo a EuroDicas, “ficou definida a atualização dos limites mínimos e máximos dos valores praticados pelas faculdades para os alunos internacionais. Sendo que o intervalo passou de 3 mil euros a 8.500€ anuais para 3.500€ e 10 mil euros anuais – os valores se referem ao pagamento integral de estudantes inter-
nacionais, a eles são aplicados os descontos CPLP, que sofreram redução na porcentagem, descendo de 50% para 45%.”. A assessoria da Universidade do Porto revelou, em 2020, que as alterações “tiveram por base a necessidade de ajustar os valores cobrados à inflação após cinco anos sem alterações e de garantir o cumprimento da legislação portuguesa” e acrescentou que “mesmo com esta atualização de va-
lores, a Universidade do Porto continua a ser uma das universidades portuguesas com a propina média mais baixa para estudantes internacionais […] Pegando no exemplo da Universidade de Lisboa, o valor médio de propina para estudante internacional no próximo ano será de 6.250€, quando na Universidade do Porto a média será de 4.375€.” A EuroDicas falou, na altura, com estudantes brasileiros matriculados
na Universidade do Porto, que confessaram que o aumento das propinas teria um impacto significativo nas suas vidas. Esse foi o caso de Moyses* que chegou a admitir que “Com a subida absurda da taxa de câmbio, o diferencial que eu, por exemplo, vou ter com o gasto de propina mensalmente em relação ao que eu tinha antes, vai subir em quase 1/4 do valor do salário no mínimo no Brasil. Se entrarmos em
termos de gasto total, o valor é significativamente maior, já que o câmbio subiu em quase 30% do que era antes, sendo que, o aumento da propina e o agravamento da situação econômica do país em meio à pandemia pioram toda essa situação”. Moyses* mostrou-se realmente desiludido com a UP: “Me decepciona muito que, uma instituição do calibre da Universidade do Porto, tenha
planejado e aprovado um aumento de um terço na propina do meu e de vários outros cursos, sem ao menos avisar os estudantes antecipadamente. Mais decepcionante ainda é que, mesmo sob pressão de nós, estudantes, por
uma justificação plausível do porquê do aumento, e em meio à crise global sanitária e econômica em que estamos, a Universidade não se pronuncia devidamente sobre essa situação. Descaso total”. Contudo, de acordo com
o Ekonomista, este ano (2021) “de acordo com o artigo 173.º do Orçamento de Estado para 2021 (OE2021), o valor mínimo das propinas no ensino superior vai descer para os 495 euros e vai aplicar-se a todos os
“UP não aumenta!” Para se opor ao aumento das propinas aplicado pelo Conselho Geral e discutir a representação de estudantes internacionais na Universidade do Porto surgiu o que hoje é conhecido como NEI (Núcleo de Estudantes Internacionais). A organização se consolidou a partir de um movimento com a hastag “#upnaoaumenta” que viralizou nas redes sociais e cobrava que o aumento não fosse aplicado. Os comentários eram feitos nas redes sociais da UP e contavam com relatos desses estudantes afetados. Um dos idealizadores do núcleo e estudante estudante brasileiro da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Vitor* explicou que o movimento foi necessário pois o aumento aconteceu “de forma silenciosa, meio que por debaixo dos panos, ninguém falou nada.” O jovem disse que o acréscimo surpreendeu os estudantes que já estavam matriculados nos cursos de licenciatura e mestrado. “Nós não recebemos um único email de comunicação, explicação, e de fundamentação do aumento. A única fundamentação que eles apresentam é que eles podem aumentar, ou seja, de que eles não estão fazendo
nada de ilegal.”, comenta. Apesar de o aumento estar ao abrigo da lei de Discricionariedade, que prevê a liberdade do administrador de fazer reajustes monetários, ele foi prejudicial para uma parcela dos estudantes internacionais, e a causa de saída de muitos durante as fases iniciais da pandemia. À medida, somou-se a circunstância da aplicação da mesma ter sido feita em um ano atípico de crise financeira mundial e os atingidos pela mudança foram os estudantes internacionais. Vítor, considerou o aumento “insensível da Universidade do Porto, naquele ano, em manter um aumento substancial nas propinas para os estudantes dessa comunidade.” Segundo um levantamento feito pela Folha de São Paulo, dentre os 35,2% dos estudantes internacionais inscritos no ano letivo de 2019/2020 nas universidades portuguesas, a maior parcela é brasileira de 18,1%, seguida pelos cabo-verdianos com 5,3%. Ainda nesse levantamento, verificou-se que a Universidade do Porto é o principal destino para os brasileiros e nesse mesmo ano contabilizou 3.699 novos inscritos.
FOLHA DE SÃO PAULO
ciclos de estudos conferentes de grau superior.” Já no que diz respeito ao presente ano letivo de 2021-2022, segundo a DGES, “No ensino superior público, para o ano letivo de 2021-2022, o valor máximo da propi-
na a fixar pelas instituições de ensino superior não pode ser superior ao valor fixado no anterior ano letivo, mantendo-se assim em 697€.”
Deslocados, muitos deles são trabalhadores-estudantes, tendo sido afetados de forma direta e indireta pela pandemia “Nós estamos falando de brasileiros, angolanos, cabo-verdianos, moçambicanos e estudantes, especialmente, da América do Sul, que para além de tudo não têm desconto da CPLP e foram fortemente afetados pela crise pandémica”, completou Vítor. Nesse contexto de desinformação em relação ao aumento da propina, no dia 28 de dezembro de 2020 a primeira publica-
ção foi feita no grupo do Facebook chamado de BRAZUP (Brasileiros na Universidade do Porto), quando um estudante internacional se apercebeu do suposto aumento. O post teve 130 reações e 198 comentários dentre os quais os estudantes relatavam desconhecimento e insatisfação em relação à medida. Com essa mobilização, Vitor* e Moyses*, estudantes brasileiros da UP, reuniram-se com o Provedor do Estudante da mesma Universidade para encontrarem
soluções. Apesar de não terem conseguido congelar o aumento após a reunião, os dois jovens decidiram se mobilizar em oposição ao aumento. Juntaram-se com outros estudantes afetados e em janeiro de 2020, a partir de algumas reuniões que aconteceram na Faculdade de Letras, o grupo de jovens redigiu uma carta aberta à Universidade do Porto em que recolheram 1000 assinaturas de estudantes de todas as faculdades da UP. Apesar do esforço, a carta não foi respondida pela reitoria.
Mobilização dos estudantes com #upnãoaumenta nas redes sociais
A partir da disseminação da informação sobre o aumento e a mobilização virtual desses estudantes com a hastag #upnãoaumenta, Vítor* foi contactado pela Vice-Reitora Fátima Vieira, em que agendaram uma reunião em meados de 2020. Apesar de não ter sido congelado o aumento, a Reitoria lançou o Plano de Incentivos para os Estudantes Internacionais que entrou em vigor no ano de 2020/2021. O plano prevê que estudantes estrangeiros inscritos no grau de Licenciatura, Mestrado Integrado e Mestrado que estejam no segundo ano do curso, possam candidatar-se a um incentivo
financeiro, de no máximo 30% sobre o valor total anual, tendo como base o seu mérito académico.
da recepção, da comunicação e da união de esforços. Por esses motivos resolvemos não acabar com o que já tínhamos consApós esse período e já truído”, completou Vítor. com as medidas em vigor, o até então grupo de jo- As próximas ações do vens estrangeiros que não que agora chama-se NEI, se sentiam representados caminham em direção a no ambiente académico, aplicar medidas de inteviram a necessidade de gração dos estudantes inunir esforços e criar en- ternacionais ao seio acatão o Núcleo de Estudan- démico. Os participantes tes Internacionais “nós já do núcleo percebem que tínhamos redes sociais, faltam políticas de acouma marca, já tínhamos lhimento e integração aos grupos e mobilização: alunos internacionais. estudantes mobilizados Júlia, estudante de mesunidos por uma mesma trado na Faculdade de causa, que é exatamente Psicologia da UP e intea representação dos estu- grante do NEI, explicou dantes internacionais e a “Quando eles resolvem promoção da integração, fazer uma coisa, eles fo
cam muito no Erasmus, eu sei que o Erasmus tem um dia específico para ser recebido, tanto no geral como em cada faculdade, mas os internacionais ficam esquecidos.” O motivo principal para essa carência de integração, segundo Vítor é a falta de centralização da Universidade do Porto,
cada faculdade promove a integração de uma forma: “Por esse motivo, talvez falte, uma verdadeira política de integração conjunta, um esforço conjunto da Reitoria da UP.” Para isso, o núcleo propõe uma alteração na visão dos estudantes internacionais e medidas capazes de unir integração, recepção e informação.
É preciso integrar Ao todo são catorze faculdades e cada Faculdade da UP tem a sua própria associação de estudantes. Anualmente acontecem também as eleições das listas académicas que são grupos de estudantes com propostas, eleitos democraticamente pelos seus pares, em que defendem certas causas. Após eleitos, passam a integrar as Associações de Estudantes da faculdade.
é que com o trabalho promovido pelo núcleo, seja possível acelerar a participação e representatividade da comunidade internacional na UP tendo em vista a vinda expressiva de estudantes internacionais, sobretudo brasileiros. Para Júlia, é importante que cada vez mais os estudantes brasileiros e os outros internacionais integrem estas associações para aumentar e garantir a represenUm dos objetivos do NEI tatividade da comuni-
dade. Nesse sentido, é importante que alguns integrantes do núcleo, cada vez mais, façam parte das associações e das listas “Acho que estamos bem no início. Antes não tínhamos basicamente ninguém. Agora, depois das nossas mobilizações, surgiram algumas mudanças, como é o caso da Lista D na FLUP, mas mesmo assim, não é numa parte tão representativa, que toma decisão. Normalmente é numa camada mais em
baixo.”, afirmou Júlia. UP no Conselho estão concentradas em quatro O Conselho Geral da Uni- alunos, todos portugueversidade do Porto, en- ses. A importância de ditidade que participou da versificar, segundo Júlia, aprovação do aumento, é esses setores de decisão composto por 23 mem- do seio académico, pode bros, distribuídos entre: ser um dos fatores que presidente, representantes possa contribuir para o dos professores e inves- aumento da representigadores, representantes tatividade dos alunos dos estudantes e represen- internacionais na UP. tante do pessoal não docente e não investigador. As cadeiras de representação dos estudantes da
A representação nas faculdades “Os nossos objetivos, e creio que aquilo que vou dizer se adapta a todas as associações de estudantes da Academia do Porto, são defender os interesses dos estudantes e fazer de tudo para lhes dar aquilo que por outras vias se calhar não conseguiriam.
Servir os alunos é a nos- estudantes internacionais. sa finalidade principal.” O Transversal conversou com a Vice-Presidente A Associação de Estudan- de Relações Externas e tes da Faculdade de Di- Política Educativa da Direito da Universidade do reção da AEFDUP, MaPorto existe há 25 anos riana Coelho, que garane nela trabalham, neste tiu que “AEFDUP tenta momento, 44 pessoas, das ser o mais representativa quais pelo menos 5 são possível, englobando tan-
to estudantes de Direito como de Criminologia, sejam estudantes internacionais, não sejam estudantes internacionais; sejam estudantes de mestrado, de licenciatura… Tentamos englobar todos. Portanto, neste momento, creio que a AEFDUP
está bem representada pelos estudantes internacionais. Se podíamos ter mais? Podíamos.” Todos os anos, em novembro, a AEFDUP abre o programa “Associa-te” para aqueles que quiserem fazer parte da Direção
da Associação. Segundo Mariana, a procura pelos estudantes em fazer parte da AE não é muito diferente entre os estudantes portugueses e os internacionais, sendo que tem sido cada vez maior. No que diz respeito aos estudantes de primeiro ano, independentemente da sua origem, é raro envolverem-se na Associação ou grupos académicos, uma vez que é natural passarem por um processo de descoberta em que vão conhecendo aquilo que a FDUP e a Academia têm para oferecer. Os estudantes, independentemente da sua nacionalidade, podem participar, mediante o seu interesse, nas atividades organizadas pela Associação de Estudantes, e a adesão tende a ser “equi-
tativa, na medida em que dantes da qual faz parte. toda a gente participa”. Quando questionada acerPor outro lado, no que ca da boa ou má represenconcerne a resolver pro- tatividade dos estudantes blemas, os alunos procu- internacionais, inclusive ram a faculdade enquan- os alunos brasileiros, Mato instituição de modo a riana revelou-nos que: solucionar os processos “Na realidade, sinto que burocráticos que, por ve- todos nós podíamos estar zes, se tornam burocrá- mais bem representados, ticos. A Associação de num ou noutro momento. Estudantes serve de bóia É esse o enfoque das Asquando os alunos procu- sociações de Estudantes: ram meios que facilitem melhorar a representação o estudo, sobretudo os dos alunos […] Por vezes brasileiros, que tentam podem acontecer falhas e perceber o método de es- poderia ser melhor? Certudo português, distinto tamente que sim. Mas é do do Brasil. De acordo nesse sentido que camicom o feedback que re- nhamos […] Relativacebeu, a Mariana acredita mente à Universidade do que os estudantes interna- Porto, peco por desconhecionais se sentem bem re- cer um pouco a realidade, presentados e sabem que mas segundo aquilo que podem ser ajudados tan- me chegou, o processo de to pela instituição como adaptação, de representapela Associação de Estu- tividade, pode ser lento,
mas acontece. […] Nós temos muitos estudantes internacionais, nomeadamente brasileiros, e como são tantos, eu creio que, às vezes, se calhar, há aquele pensamento de que estão todos juntos, e não é assim, eles precisam de ser acompanhados.” A Associação de Estudantes da Faculdade de Letras surgiu após o 25 de abril de 1974. A associação nasceu da reunião de estudantes que não concordavam com o sistema político da época e sentiam a necessidade do Estado os reconhecer e ouvir as suas demandas.
jetivo principal da associação é “defender os interesses dos estudantes da faculdade’’. A entidade é composta por 105 representantes da associação, ou seja, estudantes que contribuem ativamente para a manutenção da entidade. Desse total, apenas 5 são brasileiros. Essa massa de jovens divide-se entre as secções de direção, responsável em organizar os eventos, exercer presença junto aos estudantes e comunicar externamente; mesa da assembleia-geral que coordena a assembleia; e conselho fiscal que fiscaliza a execução do orçamento feito no início do ano letivo.
João Teixeira, 21 anos, é estudante de arqueologia e também presidente da direção da AEFLUP. Com o aumento cada vez Segundo Teixeira, o ob- mais expressivo de estu-
THAÍS MAGALHÃES
-dantes internacionais na UP e com isso uma maior internacionalização do ambiente académico, Teixeira comentou que percebe “que eles chegam cá sem muita informação.” Mudança de hábitos, saudade e novas responsabilidades são fatos que os estudantes internacionais precisam aprender a lidar quando chegam em Portugal. Para além disto, a hierarquização e a distância entre os estudantes e órgãos superiores como a Reitoria e os Serviços Internacionais, parece não colaborar para a experiência desses jovens deslocados: “Claro que nós temos essa responsabilidade, mas a faculdade também tem, a Reitoria igualmente tem essa responsabilidade, os serviços internacionais também, de os apoiar, de os guiar. Porque vamos ser sinceros, eu sou estudante de arqueologia, o que eu sei sobre coordenar estudantes internacionais na Faculdade de Letras?”, questionou Teixeira. Anathea Fernandes, 21 anos, e estudante de Relações Internacionais, Presidente da Lista D concorda com o companheiro de AE que faltam políticas por parte das entidades superiores da UP:“Este ano, pensamos em inovar e criar programas de integração. Desde a Revolução dos Cravos, Portugal passou por uma transformação do seu sistema político, económico e social. Com isso, a associação também precisou se adaptar. No caso específico da Faculdade de Letras, todos os estudantes matriculados na faculdade fazem, automaticamente, parte da asso-
THAÍS MAGALHÃES
ciação, entretanto não são todos que se envolvem ativamente. “Sinto cada vez mais a necessidade dos estudantes internacionais de se integrarem em uma lista. Se nós somos uma lista, temos que ter diversidade.”, afirmou o jovem diretor da AEFLUP.
no dia 18 de novembro de 2021.o entre os estudantes internacionais e nacionais. Pensamos nisto, pois percebemos que eles chegam aqui e sentem-se um bocadinho mais perdidos, não conhecem as tradições académicas, não conhecem a zona da faculdade e o que podem fazer Anualmente acontecem no Porto, por exemplo.” as eleições de novas listas que se candidatam para A Lista é composta por integrar a Associação de 197 membros. As diviEstudantes. As listas são sões seguem a mesma lócompostas por estudantes gica da associação, visto que apresentam um plano que agora a Lisa D exerde ações em que visam cerá a coordenação da defender os interesses entidade: direção (191), desses nichos de estu- mesa assembleia-geral(3) dantes, os quais os planos e conselho fiscal(3). Nesatingem de alguma for- ta lista, segundo Fernanma. Dessa maneira, a lista des tem-se a presença vencedora consegue exer- de 15 alunos brasileiros, cer maior representativi- espalhados pelas três dade dentro da AEFLUP. divisões, que integram o corpo da associação. Em novembro deste ano aconteceram as eleições A direção, secção mais da nova lista da Faculda- numerosa, é responsável de de Letras da UP. Até pela criação e execução então, a presidência da das atividades e diviassociação estava a ser de-se em departamento feita pela Lista M. Com recreativo e de integrao Slogan “diz sim à di- ção, bem-estar físico e ferença”, a Lista D foi a mental, departamento vencedora e tomou posse artístico e cultural, co-
municação e marketing, tudantes internacionais: departamento pedagógi- “No dia 24 de dezembro, co, ação social e inclusão. há um jantar de Natal para os estudantes, sobretudo Rui Guerreiro é o atual os internacionais, que iam Presidente da Associação passar o Natal sozinhos, de Estudantes da Facul- aos quais se juntaram a dade de Engenharia da FEP e a Reitoria, para Universidade do Porto e uma maior abrangência.” falou com o Transversal acerca do papel da AE O Presidente da AEFEUP na vida dos estudantes da reuniu com a InterUP e FEUP. A lista do Rui está com o IPoint (gabinete à frente da AEFEUP nos de receção aos estudantes últimos 10 dos 37 anos internacionais da FEUP), de existência da Associa- para que esta iniciatição de Estudantes. Hoje, va do jantar chegasse ao fazem parte dela mais de maior número possível 90 estudantes. Para o Pre- de estudantes internasidente, “O objetivo é ser- cionais. Desta forma, os mos todos só um, a ajudar seus canais de comunios estudantes.”, já que cação quadruplicaram, a AE tem “uma relação devido também à aderênmuito mais próxima com cia da FEP e da Reitoria a direção e mais facilida- da UP. Desta forma, Rui de em expor os problemas acredita que este jantar e arranjar uma solução.” é a porta de entrada para que a aderência a eventos Apesar de existir um nú- para estudantes internamero elevado de estudan- cionais aumente, uma vez tes brasileiros na FEUP, que está aberto para todo apenas dois fazem parte o universo da UPorto. da Associação de Estudantes, enquanto líderes Por outro lado, os estude departamento. Contu- dantes internacionais endo, a AE organiza várias contram, por vezes, baratividades, nomeadamen- reiras financeiras à sua te de integração dos es- participação nas iniciati-
vas proporcionadas pela AE: “Nós temos notado alguma dificuldade dos estudantes internacionais em aderir às nossas atividades, como é o caso do jantar, de âmbito financeiro. Assim, nós estamos a tentar chegar a esses casos e resolver o problema, cobrindo o valor total do jantar.
Sendo a FEUP uma das maiores faculdades da Universidade do Porto e uma das que recebe mais estudantes, tendo, consequentemente, um universo alargado de alunos, a convivência entre estudantes nacionais e internacionais nem sempre é pacífica. “No ano passado, ocorreram alguns ca-
sos de xenofobia aqui na FEUP. É inadmissível que neste século, ou em qualquer outro, isto continue a acontecer. Nós até criamos um e-mail para que os alunos pudessem fazer as suas queixas anonimamente. […] Temos notado um aumento grande de contas em redes sociais criadas para gozar, para
atacar de qualquer forma os outros. O ano passado, a AEFEUP descobriu o maior número deste tipo de contas e posteriormente a FEUP apresentou-as ao Ministério Público, para que se iniciasse uma investigação formal. Parece ter acalmado, até agora não recebi mais queixas deste tipo. Claro
que não tenho conhecimento dos casos pontuais que acontecem entre estudantes, mas espero bem que não aconteçam. Mas, lá está, nos últimos tempos não recebi queixas tão graves como as que aconteceram no ano passado.”
zes. Atualmente, além das tunas masculinas, existem tunas femininas, como é o caso da Tuna Feminina da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Os membros das tunas apresentam-se vestidos com o traje académico e cantam canções populares de Portugal. As apresentações acontecem de forma itinerante e quem
os assiste pode contribuir com algum dinheiro. Além das apresentações nas ruas, as tunas portuguesas organizam e participam em festivais como foi o caso do emblemático PortusCalle que realizou a sua 21ª edição no Coliseu do Porto em novembro de 2021, organizada pela Tuna da Faculdade de Engenharia
(TEUP). Ao todo foram sete tunas a apresentar-se, de norte a sul de Portugal.
THAÍS MAGALHÃES
Tuna como espaço de acolhimento Quando chegam a Portugal, mais especificamente às cidades universitárias, os estudantes brasileiros vêm com novidade os grupos de jovens com trajes tradicionais a tocar instrumentos, a cantar e a dançar pelas ruas: “Eu achava que tinha alguma relação com o Harry Potter. Até porque havia o boato de que J.K Rowlling
havia se baseado nos estudantes de Coimbra para escrever o livro, o que depois foi desmentido por ela.” disse Carola, natural do Rio de Janeiro e estudante no segundo ano de marketing no ISCAP. As tunas académicas são grupos musicais formadas por estudantes, originalmente formadas por rapa-
Por volta do meio do festival, a Tuna Universitária do Porto iniciou a sua apresentação. O sotaque com o “s” chiado, acusou a voz de carioca nato que se evidenciou quando recitou um poema a introduzir a música brasileira
“Manhã de Carnaval”, do compositor brasileiro Luis Bonfá. Bernardo Cunhal de Souza, animou a plateia composta, em maioria, por portugueses. Souza tem 21 anos e é metade português, metade brasileiro. Nasceu no Rio de Janeiro e lá viveu a sua juventude quando veio estudar em Portugal. Estudante de mestrado em história na FLUP, faz parte da TUP já há algum tempo. Quando relembrou do festival e da música brasileira, Souza completou “A tuna com o seu refino musical, sempre buscou absorver músicas que apreciamos de outras culturas. Então claro, que o Brasil que instrumentalmente é um país muito rico musicalmente, não ficaria de fora. Afinal é uma
questão cultural, se você aprecia o valor artístico que uma música possui, você quer incorporá-la.” A música Madalena muito tradicional entre as tunas portuguesas, recebe um arranjo diferente pela Universitária do Porto. Com o cavaco brasileiro bem marcado na entrada e a presença constante dos instrumentos de percussão que acompanham a melodia, a associação ao ritmo brasileiro é espontânea. A Tuna Universitária do Porto existe desde o século XIX, e já acumula mais de 100 anos de história. O diferencial desta tuna é a integração de músicas de outros continentes, para além das tradicionais portuguesas. Segundo o site da TUP: “A Universitária
do Porto explora o ideário latino-americano quer ao nível do repertório bem como na introdução de instrumentos típicos dessa expressão. Sempre precursora e paradigmática, a Universitária do Porto faz por ser uma referência musical e cultural, fiel e digna representante da cidade que a viu nascer nos finais do século XIX.” Felipe Matos, de 26 anos, é o presidente e explicou que a TUP é uma tuna masculina, dessa maneira, qualquer estudante do sexo masculino da UP pode participar. Se assim desejar, basta ir a um ensaio que acontece todas às quartas-feiras no Orfeão Português do Porto às 21h. O ambiente da tuna é propício para a criação de laços entre os participantes. Tradições de apadrinhaTUNA UNIVERSITÁRIA DO PORTO
mento, jantares de grupo e os ensaios aproximam os integrantes. Atualmente a TUP é composta por 25 membros entre eles, 5 são brasileiros “A tuna ajuda o estudante estrangeiro a viver a experiência do país por completo, de forma mais intensa. No contexto cultural, nós acabamos por ter uma série de digressões nacionais e internacionais que acabam por acrescentar culturalmente cada um de nós.”, concluiu Matos. Quando finalizada a entrevista com os Sousa e Matos, por volta das 22h de uma quarta-feira, os dois saíram às pressas para participarem de uma serenata em homenagem à mãe de um dos integrantes da TUP. Tratava-se de um caso de saudade: mãe
e filho que não se encontravam há 5 anos. Pedro Silva, estudante brasileiro que veio fazer o curso de Engenharia Metalúrgica e de Materiais na FEUP em 2017, não via a sua mãe desde o dia que embarcou em São Paulo destino Porto. Muito embalada pela canção Linda Donzela (Ondas do Douro) da própria Universitária do Porto, cantada pela voz grave dos rapazes, ela não conseguiu conter as lágrimas. O olhar de orgulho e saudade acumulada da mãe que seguiu de mãos dadas ao filho, marcaram toda a apresentação. A emoção foi contagiante, as notas da viola portuguesa que davam o tom e as ondas do “dois pra lá e dois pra cá” dos jovens, coroaram esse encontro tão esperado.
Política Legislativas: O que esperar em Janeiro Catarina Meireles
O país vai a votos no dia 30 de janeiro. As eleições antecipadas foram convocadas pelo Presidente da República, após a dissolução do parlamento. Na origem desta decisão está o chumbo do Orçamento de Estado para 2022 pela maioria dos partidos na Assembleia da República (BE, PCP, PSD, PEV, Chega, IL e CDS). De acordo com o agregador de sondagens da Renascença, o PS ainda continua à frente nas intenções de voto (com cerca de 37%), ainda que tenha vindo a perder popularidade desde o início do mês de dezembro. O PSD tem vindo a subir para 29% durante as últi-
mas semanas, tendo já superado o resultado obtido nas últimas legislativas. O Bloco de Esquerda está agora em quarto lugar (6%), tendo sido ultrapassado pelo Chega (7%).
a soma das intenções de voto do PSD, IL e CDS (35%) não são suficientes para igualar o PS. Mesmo adicionando a esse valor a intenção de voto do Chega, não seria possível obter uma maioria de direita. Apesar da melhoria que O PS também necessita se observa na previsão de se aliar ao BE, CDU dos resultados da direita, e PAN para conseguir a
maioria dos assentos da disposto a fazer qualquer Assembleia da República. tipo de acordo com o Chega. O PAN está disposA Iniciativa Liberal mos- to a negociar com quem tra-se interessada em con- vencer as eleições, PS ou versar com o PSD e o PSD. Rui Tavares, do LiCDS, caso exista a neces- vre, afirma que, se houver sidade de apresentar uma uma maioria de esqueralternativa sólida a um go- da, o partido contribuirá verno socialista. Contudo, para um acordo. Senão, deixa claro que não está fará parte da oposição.
Debates eleitorais Os três canais generalistas - RTP, SIC e TVI - acordaram um calendário para a realização de debates políticos entre os diversos partidos. Vão decorrer, ao longo da primeira quinzena de janeiro, 35 debates entre os partidos com representação política em 2019. O debate entre António Costa e Rui Rio vai ser transmitido em simultâneo nos três canais, no dia 13 de janeiro. Este será único com a duração de 75 minutos, enquanto os restantes terão apenas a duração de 25. A 17 e 18 de janeiro, vão ser realizados mais dois: um debate entre todas as forças políticas com representação no parlamento em 2019 e um com os partidos que não elegeram nenhum deputado. Infografia criada tendo em conta os dados do dia 23 de dezembro de 2021
Candidaturas aos círculos eleitorais António Costa, o atual primeiro-ministro, lidera a candidatura do PS em Lisboa, acompanhado por Fernando Medina. O partido apostou em atuais elementos do governo, ao contrário do que se sucedeu em 2015. Destaca-se a escolha do deputado independente e professor catedrático jubilado Alexandre Quintanilha, que é o cabeça de lista no distrito do Porto. Ao contrário da maioria dos partidos, o PSD não terá o líder a candidatar-se em Lisboa. Rui Rio con-
corre em segundo lugar no Porto, atrás de Sofia Matos. Para estas legislativas, muitos dos atuais deputados que representam o partido na Assembleia da República ficaram de fora das listas apresentadas. Nas ilhas, os sociais democratas vão juntar-se ao CDS-PP. Contudo, não houve acordo entre os dois partidos para uma coligação nacional. Nas listas apresentadas pelo CDS, nenhum cabeça de lista é igual a 2019. Francisco Rodrigues dos Santos defronta os restantes líderes partidários no cír-
culo eleitoral de Lisboa. so que estas “refletem a mudança na sociedade, e O Bloco de Esquerda também no próprio PCP”. mantém-se consistente na apresentação de can- João Cotrim de Figueididatos, com poucas al- redo será, novamente, terações em relação às o candidato da Iniciatiúltimas legislativas. Ma- va Liberal em Lisboa. riana Mortágua volta a Após a eleição do atual concorrer por Lisboa, en- líder partidário para dequanto Catarina Martins putado em 2019 e com o concorre no Porto. Já nas aumento da popularidalistas da CDU, mais de de do partido, a IL tem 50% dos candidatos são o objetivo de eleger cinmulheres. Para além dis- co deputados. Também o so, 40% têm menos de 40 PAN pretende aumentar anos. Jerónimo Martins, o número de mandatos dirigente do PCP e can- ou pelo menos manter os didato ao círculo eleitoral quatro assegurados ande Lisboa, diz ao Expres- teriormente. Inês Sousa
Real, a porta-voz do partido, concorre em Lisboa e Bebiana Cunha no Porto. O Livre escolhe Rui Tavares, um dos fundadores do partido, para encabeçar a lista de candidatos em Lisboa. O Chega volta a apresentar André Ventura como candidato ao círculo eleitoral de Lisboa. O partido afirma que pretende aumentar o número de deputados para mais de 15, mas que o objetivo principal é afirmar-se como a terceira força política nacional e “destronar” o Bloco de Esquerda.
Militantes não disseram “Chega!”a André Ventura Ana Francisca Maio
André Ventura foi reeleito, no dia 6 de novembro, presidente do partido Chega. O candidato conseguiu 94,78% dos 4 mil votos. Mais uma vez a votos, Ventura conquistou a presidência do Chega. Segundo a direção, num total de 40 mil militantes, dos quais apenas metade tem poder de voto, foram às urnas 4 mil. O oponente, Carlos Natal, do agora presidente, alcançou apenas 5,22% dos votos, face aos 94,78% de Ventura.
Desta forma, o líder do Chega confirmou a candidatura a primeiro-ministro nas próximas eleições legislativas: “Aceito com orgulho e com confiança e com muita, muita fé de que teremos um resultado histórico no dia 30 de Janeiro [de 2022]”. Ainda de acordo com o Público, Ventura prometeu aos militantes do Chega fazer Segundo o Público, André chegar o partido ao GoverVentura, em declarações no, nos próximos 4 anos. aos jornalistas, depois de conhecer os resultados, As eleições internas do afirmou que “o partido Chega foram convocaescolheu o seu candida- das, após a demissão de to a primeiro-ministro”. André Ventura, em se-
tembro. A demissão ocorreu depois de o Tribunal Constitucional ter decidido que o partido estava a funcionar ilegalmente, porque as alterações aos estatutos do partido realizadas no Congresso de Évora não tinham sido claramente proferidas na convocatória desse mesmo Congresso. Três semanas após as referidas eleições, no dia 27 de novembro, os militantes do Chega voltaram a reunir em Congresso, e aprovaram novas alterações aos estatutos do partido. A inclusão de duas
novas alíneas reforça o distritais apregoem ideias poder de André Ventura. opostas às do Chega. De acordo com o Jornal de Notícias, decorrente da primeira alínea, o líder do Chega passa a “coordenar a atuação política dos órgãos nacionais, regionais e distritais do partido, apreciar a sua atividade e dissolver o órgão ou exonerar o seu titular”. O secretário geral do partido, segundo o JN, veio assegurar que este poder consta também nos estatutos de outros partidos, e tem por objetivo evitar que membros das concelhias ou
Por sua vez, conforme o Jornal de Notícias, a segunda alínea atribui ao presidente da Direção a capacidade de “indicar os candidatos em qualquer ato eleitoral em que o partido apresente ou apoie candidatura, bem como indicar os mandatários das respetivas candidaturas”. Enquanto que nos outros partidos os candidatos são validados nacionalmente, no Chega passa a ser apenas André Ventura.
Um jornal que une
Política Bolsonaro em rede nacional e panelaço como resposta Thaís Magalhães
O Presidente Jair Bolsonaro (PL), fez um pronunciamento emitido em rede nacional de rádio e TV, no último dia 31, horas antes da virada. Na narrativa, ele omitiu e distorceu fatos comprovados relacionados ao combate a pandemia. Durante a fala, panelaço nas capitais como Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Florianópolis e Salvador foram percebidas e divulgadas nas redes sociais. Começou a enfatizar a moral cristã, muito defendida durante o seu percurso político “Quis Deus que eu ocupasse a presidência em 2019, e assumir um Brasil com sério problemas morais, éticos e econômicos.” Bolsonaro que foi anunciado como pré-candidato à Presidência do Brasil em março de 2016 pelo Partido Social Cristão, sempre defendeu os valores tradicionais cristãos. Em 2018 trocou a sua filiação para o Partido Social Liberal. Durante quase dois anos após assumir a presidência em 2018, optou não se filiar a nenhum partido e agora faz parte do Partido Liberal. Logo no início comentou a situação das vacinas. O Presidente justificou o atraso no processo de imunização contra a Covid-19, que começou em janeiro de 2021 e somente para os grupos prioritários, e afirmou “não existia vacina no mercado”. Durante o meio e o final do ano de 2020, a farmacêutica Pfizer teve a sua proposta que previa 70 milhões de doses de vacinas, e seriam distribuídas ao longo de 2021, rejeita-
da pelo governo federal. O plano previa o começo da imunização para início de dezembro de 2020. Após tentativas de contato ignoradas, o Ministério da Saúde só acordou com a farmacêutica em março de 2021 e recebeu 100 milhões de doses.
da-feira, Bolsonaro foi para São Franscico Sul para curtir o Reveillon com a primeira dama, Michelle Bolsonaro e a filha caçula, Laura. Diversas imagens foram divulgadas em que o presidente provoca aglomerações, realiza diversos passeios de jet-ski e deNo final do discurso, Bol- clarou não ter hipótese sonaro abordou a situação de interromper as suas da Bahia e do norte de férias no litoral sulista. Minas Gerais “Lembro agora dos nossos irmãos Lamentou a chegada do da Bahia e do norte de coronavírus e destacou as Minas Gerais, que neste ações do Planalto para a momento estão sofren- criação do auxílio emerdo os efeitos das fortes gencial, porém não falou chuvas na região.” Ambos foram afetados por fortes chuvas que causaram enchentes, mortes e deixaram mais de 90 mil pessoas desabrigadas. O chefe do Executivo foi criticado na última semana por manter o descaso durante as suas férias em Santa Catarina ao invés de estar presente de forma solidária na Bahia. Segundo o governador da Bahia Rui Costa (PT) “O presidente durante toda a sua gestão demonstrava desprezo em relação à vida humana (...) Ele não demonstra nenhum sentimento em relação à dor do próximo. Na segun-
sobre as alterações provocadas pelo Congresso Nacional, que aumentou o valor do auxílio. Além disso, fez questão de comparar o auxílio com o programa Bolsa Família, criado pelo PT “Para aqueles que perderam sua renda, criamos o auxílio emergencial, onde 68 milhões de pessoas se beneficiaram. O total pago em 2020 equivale a mais de 13 anos de gasto com o antigo Bolsa Família.” No início da pandemia e em consequência, a acentuação da crise econômica, o valor do au-
REPRODUÇÃO/AMARILDO CHARGES - METRÓPOLES
xílio previsto era de R$ 200 para os trabalhadores informais. Após críticas em relação ao valor abaixo da média de vida do brasileiro, Bolsonaro passou a defender o valor de R$ 600 e teve a aprovação dos parlamentares. No discurso disseminado na rede aberta de TV e rádio, o chefe do Executivo optou por criticar o passaporte de vacinas “Não apoiamos o passaporte acinal nem qualquer restrição àqueles que não desejam se vacinar.” Além disso, se posicionou contra a imunização
obrigatória de crianças entre 5 e 11 anos de idade, apesar da recomendação da Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária) “Também, como anunciado pelo ministro da Saúde, defendemos que as vacinas para as crianças entre 5 e 11 anos sejam aplicadas somente com o consentimento dos pais e prescrição
médica. A liberdade nadores e prefeitos incotem que ser respeitada”. moda o presidente e isto foi incluído no discurso Desde o início da pande- “Com a política de muimia, governadores e pre- tos governadores e prefeitos têm tido posicio- feitos de fechar comérnamentos diferentes em cios, decretar lockdown e relação à conduta Bolso- toques de recolher a quenarista de cuidar da eco- bradeira econômica só nomia em detrimento dos não se tornou uma realicidadãos. As restrições dade porque nós criamos adotadas durante a pande- o Pronampe e o BEM, mia por parte dos gover- programa para socorrer
as pequenas e médias empresas, bem como fomentar acordos entre empregadores e trabalhadores para se evitar demissões.”
Desde que foi eleito presidente, Bolsonaro critica órgãos de controle que investigam o seu núcleo familiar. Os seus dois filhos o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), são investigados. O primeiro é investigado na Assembléia, no esquema das “rachadinhas”. O segundo conta
com suspeitas de ter funcionários fantasma na Câmara Municipal, ambos os órgãos no Rio de Janeiro.
Brasil “levamos tranquilidade ao campo, flexibilizamos a posse e o porte de arma de fogo para o cidadão e passamos a investir no brasil e não mais no exterior com obras bilionárias financiadas pelo BNDES.” Apesar da afirmação, os dados CPT (Comissão Pastoral da Terra), que atua em zonas rurais e com mino-
seu discurso e afirmou “alguns nos deixaram por livre e espontânea vontade. Outros foram substituídos por não se adeDuante o primeiro mo- quarem aos propósitos da mento de crise provocado maioria que me elegeu.” pelo coronavírus, o Brasil e o mundo assistiram o Outro feito da sua gestão “entra e sai” de ministros que mereceu lugar no seu da saúde e de outras sec- discurso foi a medida de ções. O presidente levou flexibilização de posse e isto em consideração no porte de arma de fogo no
A falar em corrupção, a bandeira defendida por Bolsonaro, disse que a sua gestão completa “três anos de governo sem corrupção”. Entretanto, os fatos não cor-
roboram esta afirmação. O presidente sempre que confrontado com suspeitas e investigações, age de forma violenta contra a imprensa, Ministério Público e o Judiciário. Enquanto isto, aliados suspeitos de Bolsonaro são mantidos nos cargos. CHARGE/CLAYTON
rias, dizem o contrário. A falar sobre a economia, o presidente disse dados não precisos ao afirmar que o Brasil encerra 2021 com “um saldo de 3 milhões de novos empregos.” Entretanto, os valores de dezembro de 2021 ainda não foram divulgados.
Um jornal que une
Política Balanço geral da COP26 Catarina Meireles
As expectativas eram elevadas para esta Cimeira do Clima, devido à situação única de emergência em que o planeta se encontra, mas Francisco Ferreira (presidente da Associação Zero), afirma em declarações ao Transversal que o resultado final não foi o esperado. Dos quatro principais objetivos da COP26, o mais urgente e ambicioso era “assegurar a neutralidade carbónica global até meados do século XXI e manter o aumento da temperatura média abaixo dos 1,5°C”. O presidente da Zero, presente na Cimeira, mostra-se descontente com a atenuação de algumas medidas, como a passagem de “não financiar os combustíveis fósseis para o financiamento insuficiente dos combustíveis fósseis” ou a forma como países como a China e a Índia lutaram para que as decisões pas-
sassem pela redução do Europeia. A Associação uso do carvão em vez Zero acredita que o maior do fim da sua utilização. desafio para o país vai ser cumprir as medidas reNo entanto, Francisco lativas à desflorestação, Ferreira assume que fo- devido ao número elevaram feitos avanços signi- do de incêndios florestais ficativos, especialmente anuais. Para além disso, o no que toca à discussão presidente da Zero acrepolítica de certos assun- dita que o país poderia tos. Mesmo tendo ficado ter ido mais longe no que aquém das expectativas, toca ao assunto dos caros acordos realizados na ros elétricos, assinando a COP26 são bastante im- declaração que pretendia portantes para o futuro do acabar com a venda de planeta, relembra o presi- carros movidos a comdente da Associação Zero. bustíveis fósseis até 2030. Portugal assinou diversos acordos, como país e como membro da União
FRANCISCO FERREIRA SAPO24
Barbados mais próximo a abandonar as algemas coloniais Thaís Magalhães
O dia 30 de novembro nunca mais será lembrado como antes para os barbadenses. Depois de 55 anos de independência do Império Britânico, Barbados, localizado a leste da América Central, cortou os vínculos, oficialmente, com a rainha britânica. Elizabeth II da Inglaterra era, até então, chefe de Estado do governo de Barbados. A república de Barbados nasceu, na última terça-feria, com Sandra Mason (72), a tomar posse do cargo de 1ª presidenta do país, na capital Bridgetown. Antes de chegar ao cargo de chefe de Estado, Mason foi representante oficial da rainha sob o cargo de “governa-
dora-geral”, termo usado para dizer que ela era representante oficial da monarca em Barbados.
A primeira-ministra e líder do movimento republicano de Barbados, Mia Motley, após as votações disse “Chegou a Apesar de ter sido efeti- hora de reivindicarmos o vada agora, a transição foi nosso destino completo.” anunciada em setembro de 2020 e no mês seguin- Apesar de apagar o róte, o parlamento escolheu tulo de “colônia”, o país Mason para presidenta. continuará a fazer parte
do Commonwealth e pretende manter algum vínculo com o Reino Unido. O Commonwealth é um grupo formado por 54 países, na sua maioria, ex-colônias britânicas, e liderado pela realeza britânica. A ideia deste grupo é criar um espaço para partilhar ideais de gover-
no, democracia e sociedade. Antes de Barbados, a última destituição da rainha britânica foi em 1992, quando, na ilha de Maurício, no Oceano Índico, proclamou-se república.
A cerimônia de posse
A herança escravista
A cerimônia de posse aconteceu pela noite, em Bridgetown e registrou a presença do Príncipe Charles (73), que esteve a representar a sua mãe Elizabeth II no evento. A tomada de posse coincidiu, propositalmente, com o 55º aniversário de independência de Barbados. No dia 30 de novembro de 1966, a ilha tornou-se independente do Reino Unido, e desvinculou-se do papel de colônia. Mia Mutley disse em uma entrevista à BBC que “Nós acreditamos que este assunto monarquia – república estava pendente e não deveria passar do 55º aniversário da Independência sem ser resolvido”.
A ilha foi, por mais de 200 anos, centro para o comércio transatlântico de escravos. A herança de um sistema que dominou a vida social e econômica da ilha, deixa marcas até os dias de hoje. Foram cerca de meio milhão de africanos vítimas do regime escravista exercido pela monarquia britânica. Esses africanos eram arrancados dos seus países de origem e levados até a ilha de Barbados e arredores, para exercer trabalho forçado nas plantações de cana-de-açúcar. O regime durou até 1834, quando os escravos receberam alforria.
O príncipe Charles, o primeiro filho da Rainha Elizabeth II, durante o seu discurso de transição de pose, lamentou o período escravista que a monarquia britânica causou ao país “Desde os dias mais
sombrios de nosso passado e a terrível atrocidade da escravidão, que mancha para sempre nossa história, o povo desta ilha abriu seu caminho com extraordinária firmeza”. Apesar de definir durante o discurso de posse o passado escravista como sombrio, o Príncipe Charles já foi alvo de críticas quando comentou com preocupação a cor da pele dos futuros filhos do casal Harry e Megan Markle. Os problemas causados pela influência britânica e o racismo, que ainda são muito presentes no dia a dia dos barbadenses, foram preponderantes para a decisão do país em se tornar uma república. Contudo, durante o discurso do Príncipe, a intenção de laços permanentes entre os dois países foram destacados por ele. Charles recebeu a Ordem da Liberdade de Barbados, a mais alta honra nacional.
mentos que honram as milhares de vítimas do sistema escravista no país, se fazem presentes. Em Rock Hall Freedom Village, existe uma escultura em bronze que representa um casal de escravos africanos heteronomativo com o filho. Perto deste monumento, existe uma placa de granito com 38 nomes de escravos africanos libertos, que foram os primeiros moradores de Rock Hall em 1834, após a alforria. Além disso, um dizer em um outro bloco de granito próximo, expressa o sofriemento e resiliência de milhões de africanos traficados nos navios negreiros “Do bojo Na ilha, diversos monu- do navio negeiro à liber-
dade, os espíritos dos ancestrais africanos acenam para as almas escravizadas, guiando-as rumo ao primeiro vilarejo livre”. A transição de modelo político começou a ser debatida a partir do assassinato do norte-americano George Floyd, por um policial branco em Minneapolis, em maio de 2020. As manifestações que aconteceram no vizinho EUA, começaram a estremecer estruturas internas e a fomentar debates na população da ilha. Segundo o senso de 2020, Barbados tem cerca de 287 mil habitantes, desse total, a maioria é descendente de africanos.
Rihanna, uma heroína nacional Mia Mottley, coroou a artista de 33 anos com o título de heroína nacional. Antes de entregar o título, a primeira-ministra disse “Em nome de uma nação grata, e por um povo ainda mais orgulhoso, apresentamos a considerada heroína nacional de Barbados. Que continue a brilhar como um diamante e a honrar a sua nação com o seu tra-
balho e as suas ações”. Rihanna natural de Saint Michael, se mudou para Brigdetown pouco antes de ir para os Estados Unidos, local onde ganhou os olhos do mundo inteiro. Em 2021, Rihanna entrou para a lista oficial de multimilionários da Forbes sendo considerada a artista mulher mais rica do mundo inteiro.
PRÍNCIPE CARLOS E SANDRA MASON AFP
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Política Jair Bolsonaro acusado de 10 crimes pela gestão da pandemia Ana Francisca Maio
O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia indiciou o Presidente da República do Brasil em 10 crimes pela forma como geriu o combate à pandemia. O documento foi votado a 26 de outubro de 2021 e implica 79 pessoas e duas empresas. A Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia acabou o seu trabalho de investigação à maneira como o governo brasileiro combateu a pandemia da covid-19. Bolsonaro é acusado de: epidemia com resultado em morte; infração de medida sanitária preventiva; charlatanismo (anunciar cura por meio secreto ou infalível); incitação ao crime; falsificação de documento particular; emprego irregular de verbas públicas; prevaricação (retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício); crimes contra a humanidade, nas modalidades de extermínio, perseguição e outros atos desumanos;
violação do direito social; incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo. O vírus matou no Brasil, até à data do relatório (26 de outubro de 2021), mais de 606 mil pessoas, e, segundo a CPI, Bolsonaro é o principal responsável pela catástrofe epidemiológica do país. Carlos e Flávio Bolsonaro, filhos do Presidente, foram também indiciados no relatório. O Presidente Jair Bolsonaro resistiu ao uso de máscara e à prática do distanciamento social. Frequentemente, Bolsonaro incentivou a população brasileira a seguir normalmente com a sua
rotina, defendendo que o importante era preservar a economia. O Presidente, apesar de bem informado pelo Ministério da Saúde, agiu contrariamente às indicações. Para além disso, Bolsonaro contribuiu para a disseminação de fake news, que levou ao pensamento negacionista geral. Bolsonaro participou ainda em aglomerações e desvalorizou as vacinas contra a covid-19. Segundo a CPI, se medidas não farmacológicas tivessem sido aplicadas de forma ordenada no Brasil, a transmissão da covid-19 poderia reduzir em 40%, o que culminaria em menos 120 mil mortes até ao final de março de 2021.
O Governo Federal é acusado de expor deliberadamente a população ao risco de infeção em massa. A sua estratégia passou pela intenção de imunizar a população através da contaminação natural, a priorização de um tratamento precoce sem caráter científico de eficácia, o desincentivo ao uso de medidas não farmacológicas. Ao mesmo tempo, houve um deliberado atraso na aquisição de vacinas, o que, de acordo com a CPI, constitui o erro mais grave. Os crimes mencionados no relatório foram encaminhados para: o Procurador Geral da República;
o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro; a Secretaria de Estado de Polícia Civil; a Defensoria Pública da União; a Advocacia-Geral do Senado; a Procuradoria da República no Distrito Federal. Devido ao curto prazo disponível para as investigações, ainda não foi possível reunir provas suficientes para o indiciamento ou para atribuir os passos necessários a tomar a nível cível/administrativo no que toca a um número de pessoas, inclusive o ex-ministro da Educação. JAIR BOLSONARO UESLEI MARCELINO REUTERS
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) A Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia foi fundada em abril de 2021, criada pelo Requerimento nº 1.371, a 15 de janeiro, do Senador Randolfe Rodrigues. O seu objetivo inicial era perceber as ações e possíveis falhas do governo federal no combate à pandemia da covid-19.
tos. As CPI têm também Uma CPI é frequente- o poder de quebrar o simente criada sobretudo gilo sobre dados bancápara fiscalizar a atuação rios, fiscais e telefónicos. da Administração Pública, tendo poder legislati- As Comissões Parlamenvo. Segundo a Constitui- tares de Inquérito tratam ção Federal do Brasil, as geralmente de temas e Comissões Parlamentares situações de grande imde Inquérito têm direito portância e com elevada a interrogar testemunhas cobertura da imprensa. e requisitar documen- Os elementos de uma CPI
têm o dever da imparcialidade sobre os factos, com o objetivo de encontrar elementos que possam conduzir a uma possível responsabilização criminal, civil ou administrativa. As CPI não possuem o poder de julgar, e, como tal, as suas conclusões são encaminhadas para as autoridades
judiciais. As Comissões Parlamentares de Inquérito procuram também, muitas vezes, falhas na legislação vigente, para as quais apresentam, no fim, propostas que evitem consequências decorrentes dessas mesmas falhas.
Pandemia: Novas medidas para o Natal e Ano Novo Ana Francisca Maio
Na reunião de Conselho de Ministros de 21 de dezembro, o Governo decretou medidas mais apertadas para a época festiva que se aproxima. O Governo decidiu que as medidas que entraram em vigor no dia 1 de dezembro não eram suficientes para combater a propagação do vírus nesta época festiva, e inverter o agravamento da situação pandémica que se tem verificado no último mês, no
país. Como tal, foi convocada uma reunião urgente de Conselho de Ministros para decidir os próximos passos, da qual resultaram medidas mais restritivas.
passagem de ano, evitar reuniões com muita gente, sobretudo em espaços fechados pequenos e com pouca circulação de ar. O primeiro-ministro ressalvou ainda que é António Costa acon- fundamental manter o uso selhou ainda os portu- da máscara e testar, nesgueses a, no Natal e na ta época de festividades.
Estado da pandemia atual A vacinação, em Portugal, começou devagar, mas rapidamente, ganhou um bom ritmo que se tem mantido até hoje, tal como revelam as estatísticas.
Os portugueses têm-se testado mais e mais frequentemente, ao ponto de levar ao esgotamento de auto-testes nas farmácias e supermercados.
Ainda assim, a situação pandémica no país tem vindo a piorar, especialmente com a chegada da nova variante Omicron.
GOVERNO
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Economia Orçamento de Estado 2022: o chumbo e as suas consequências Ana Francisca Maio
O que o Governo de António Costa mais temia aconteceu na quarta-feira de 27 de outubro: a proposta do Orçamento de Estado para 2022 não passou na Assembleia da República. Apenas o PS votou a favor. BE, PCP, PSD, PEV, Chega, IL e CDS votaram contra, e o PAN e as deputadas independentes Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues optaram pela abstenção. Era o fim da famosa “geringonça”. Depois de reprovado o Orçamento, existiam duas possibilidades: ou era escrita e apresentada uma nova versão aos deputados, ou o Parlamento era dissolvido pelo Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa optou pela segunda hipótese, após ouvidos os partidos com lugar na
Assembleia e o Conselho de Estado, o que o obrigou a convocar eleições legislativas antecipadas nos 55 a 60 dias seguintes. As próximas eleições serão, assim, a 30 de janeiro. Até à data, o atual Governo mantém-se em funções, embora veja o seu poder limitado. A
gestão do país é realiza- orçamento para este ano. da com base no Orçamento anterior através do Segundo a atual lei de sistema de duodécimos. Enquadramento Orçamental, “Durante o peO sistema de duodéci- ríodo transitório em que mos, que começa a vigo- se mantiver a prorrogarar em 2022, impõe limi- ção de vigência da lei do tes à atuação mensal do Orçamento do Estado Governo, uma vez que, respeitante ao ano anteaté existir um novo or- rior, a execução mensal çamento, divide por 12 o dos programas em curso
não pode exceder o duodécimo da despesa total da missão de base orgânica”, estando fora deste regime [de duodécimos] “despesas referentes a prestações sociais devidas a beneficiários do sistema de Segurança Social e das despesas com aplicações financeiras”.
passava por progressão na carreira e aumentos de 0,9%. Embora esta medida se mantenha executável, o mais provável é que não vá para a frente, dadas as limitações financeiras impostas pelo regime de duodécimos. As pensões poderiam aumentar de duas formas: atualização automática em 0,9% para
as com menos valor - que se mantém - ou através de uma subida extraordinária no valor de 10 euros, que ficou para trás.
ais para cada criança, que estava previsto. No total, são 70 milhões de euros para abonos de família que ficam parados.
Não vão haver aumentos para o 1º e o 2º escalões, nem apoios para crianças em risco de pobreza extrema, nem o complemento de 600 euros anu-
TSF
As medidas que ficaram para trás Devido à reprovação do OE 2022, algumas das medidas que estava previsto serem executadas no próximo ano, deixarão de o ser.
lões e taxas adicionais. O crescimento da dedução de IRS para pais que tenham o segundo ou mais filhos com idade entre os três e os seis anos, também fica sem efeito, conO desdobramento do 3º tinuando nos 600 euros e 6º escalões do IRS não em vez dos 750 previstos. vai acontecer, mantendo-se o regime atualmente No que diz respeito à em vigor, com sete esca- Função Pública, o plano
O que levou a Assembleia da república a chumbar o OE A direita votou em peso contra o Orçamento de Estado, e os parceiros de esquerda do PS seguiram o mesmo caminho. A sobrevivência do OE 2022 dependia do Bloco de Esquerda e do PCP, que preferiram chumbá-lo.
dos salários e pensões”, Catarina Martins, do BE, e depois de meses de revelou considerar que a negociações à esquerproposta do Governo era da, é “incompreensível”. “um investimento anémico, não trava a dete- O Bloco de Esquerda tirioração do SNS nem a nha feito nove propostas, perda de poder de com- todas rejeitadas pelo Exepra para a generalidade cutivo de António Costa
e sobre as quais Catarina Martins referiu que “Houvesse um compromisso nessas matérias e cá estaríamos para trabalhar na especialidade em muitas outras questões.” Para o BE, o fim da “geringonça” foi da total responsa-
bilidade do governo socialista: “a geringonça foi morta pela obsessão pela maioria absoluta, pela recusa das finanças de dar ao SNS carreiras profissionais, condições de contratação e investimentos planeados, pela in-
LEONARDO NEGRÃO/GLOBAL IMAGENS
-transigência que mantém Contudo, o Primeiro-Mia troika nas leis laborais”. nistro sempre se mostrou tranquilo com a proposta Também o PCP votou apresentada e confiancontra a proposta do OE, te de que o seu governo o que constituiu a gota de tinha feito um bom traágua para a sua reprova- balho. “No final destes ção. Segundo o PCP, o dois dias de debate estou Governo não se mostrou aqui com a serenidade e disponível para aceitar as liberdade de quem está propostas do partido, ape- de consciência tranquila sar das tentativas constan- [...] A consciência trantes dos comunistas. Jeró- quila de que o Governo nimo de Sousa confirmou apresentou uma boa proque a falta de reforço do posta de Orçamento do SNS, a inexistência de Estado que está centrado alterações à lei laboral e nas prioridades do país e o fraco investimento no que é coerente com a viaumento salarial, tiveram são para Portugal. Mas peso na decisão de vo- também de consciência tar contra o Orçamento. tranquila porque fizemos
tudo, tudo o que estava ao nosso alcance”. António Costa lamentou a escolha da esquerda, mas garantiu que não se demitiria. O Bloco de Esquerda e o Partido Comunista foram criticados por colocarem o país numa crise política, numa altura em que já se vivia uma crise sanitária e económica. Entre outros, o Ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Matos Fernandes, pronunciou-se sobre o assunto, em entrevista à TSF: “Quando o Bloco de Esquerda e o PCP chumbaram o Orçamento, sabiam quais eram
as suas consequências, e não consigo dizer de outra forma, peço desculpa. É quase risível virem dizer ‘apresentem outro Orçamento’. Sabiam perfeitamente que essa não era uma hipótese.” O Ministro acrescentou ainda que “é essencial que o Bloco de Esquerda e o PCP arquem com as consequências daquilo que foi o chumbo do Orçamento”, visto que “Foram eles que o chumbaram, e eram eles que tinham a obrigação de o não chumbar - não vou dizer que tinham a obrigação de o aprovar -, essa obrigação claramen-
te não estava à direita”. Nos últimos 47 anos de democracia, esta é a segunda vez que um Orçamento de Estado é reprovado. A única diferença consiste no facto de, da última vez, o chumbo não ter originado a dissolução do Parlamento e consequentes eleições antecipadas.
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Economia Chumbos de Orçamentos de Estado e Dissoluções do Parlamento Foi em 1978 que o Primeiro-Ministro Carlos Mota Pinto viu o Orçamento proposto pelo seu Governo ser reprovado na Assembleia. Portugal estava, na altura, num programa de resgate do FMI, num regime de austeridade. O OE foi chumbado devido ao corte do subsídio de Natal que estava proposto. Por outro lado, a Assembleia da República já foi dissolvida oito vezes desde o 25 de abril de 74, sendo que todos os Presidentes da República eleitos em democracia puseram em prática este poder, apelidado de “bomba atómica”. Ramalho Eanes dissolveu o Parlamento três vezes durante os seus dez anos de mandato, entre 1976 e 1986. A primeira, em 79, decorreu da demissão do então
JORNAL ECONÓMICO
Primeiro-Ministro Carlos Mota Pinto, num contexto de crise orçamental. “No caso do Orçamento, após uma primeira reprovação da proposta governamental, a Assembleia da República acabou por aprová-lo com tais emendas que ele resultou desfigurado, bem diverso da proposta do Governo, com um défice corrente muito elevado que agravará ainda mais os sacrifícios que no futuro esperam os portugueses”, afirmou Mota Pinto, aquando da sua demissão. A segunda vez, em 1983, teve também origem na demissão do Primeiro-Ministro Francisco Pinto Balsemão, que chefiava o VIII Governo Constitucional. Balsemão justificou-se, dizendo que “Livremente, tomo a decisão de procurar agora dedicar os meus esforços no sentido da preparação do PSD para as próximas eleições
legislativas e presiden- Já Mário Soares (1986ciais, respetivamente mar- 1996) aplicou o poder de cadas para 84 e para 85”. dissolução da AR uma vez, no ano a seguir à sua A última dissolução rea- eleição. O PRD levou lizada por Eanes foi em uma moção de censura à 1985. Cavaco Silva, na Assembleia da República altura presidente do PSD que destruiu o X Governo acabou com o “Bloco Constitucional, no qual Central” (coligação com Cavaco Silva era Primeio PS) e pediu eleições le- ro-Ministro. Segundo gislativas mais cedo. Ra- Mário Soares, “Foi uma malho Eanes acabou por decisão maduramente reconcluir que “não havia fletida. Fiquei surdo a topossibilidade de formar das as pressões que tentaum Governo parlamen- ram exercer-se sobre mim, tarmente viável” e disse num sentido ou noutro”. publicamente que “Foi para mim difícil, e ter- Por sua vez, Jorge Sam-vos-á porventura causa- paio (1996-2006) disdo sobressalto, a decisão, solveu duas vezes o Pardemocraticamente indis- lamento, em 2002 e em pensável, de dissolver a 2004. Em 2001, na noite Assembleia da Repúbli- eleitoral das eleições auca. Mas alimento a espe- tárquicas de 16 de dezemrança de que, apesar do bro, António Guterres preço inerente à rutura da demitiu-se do cargo de coligação governamental Chefe de Governo. Como e aos seus efeitos, a dis- tal, Jorge Sampaio reuniusolução venha a represen- -se com os partidos e com tar também um estímulo o Conselho de Estado, e, para a reconstrução do por fim, “deu parecer fanosso destino coletivo”. vorável, por unanimidade, à dissolução da Assembleia da República”. A segunda dissolução realizada por Jorge Sampaio foi em 2004. Durante a XIX Legislatura, Durão Barroso demitiu-se do cargo de Primeiro Ministro para se tornar Presidente da Comissão Europeia. Apesar de, na altura, o Presidente da República ter decidido não dissolver o Parlamento e “dar oportunidade à atual maioria de formar um novo Governo”, poucos meses depois mudou de ideias, e quis ouvir os
partidos e o Conselho de Estado sobre possíveis dissolução e eleições antecipadas. A 10 de dezembro de 2004, Jorge Sampaio comunicou ao país a dissolução do parlamento e a marcação de eleições para fevereiro de 2005. Cavaco Silva, Presidente da República de 2006 a 2016, dissolveu uma vez a AR, em 2011, período de crise. A dissolução foi consequência da demissão do Primeiro-Ministro José Sócrates. Pouco tempo depois, Cavaco Silva comunicou ao país que se pronunciou por unanimidade favoravelmente à dissolução da Assembleia da República”, acrescentado que “É visível para todos os Portugueses o aumento da falta de confiança recíproca entre as diversas forças políticas e a ausência de diálogo e de negociação entre o Governo e os partidos da Oposição. Concluí, assim, que só através da realização de eleições e da clarificação da situação política poderão ser criadas novas condições de governabilidade para o país”. As eleições antecipadas foram marcadas para 5 de junho desse ano. A oitava e última dissolução do Parlamento foi ordenada por Marcelo Rebelo de Sousa, em 2021, depois do chumbo do OE 2022.
Britânicos podem não ter perus para o jantar de Natal Catarina Meireles
Por todo o território inglês, é visível a falta de variados produtos nas prateleiras dos supermercados. A escassez de perus à venda preocupa a população, uma vez que este é um dos pratos tradicionais da época natalícia. Em simultâneo, a falta de mão de obra nas quintas de produção de animais leva ao abate inútil de perus e porcos, de forma a controlar a lotação das quintas. Em declarações à Euronews, Luke Hanrahan, da quinta “Kellybronze Turkeys”, afirma que têm funcionado “com trabalhadores europeus no abate e na preparação dos perus para os consumidores, mas, nas últimas semanas, a falta de mão-de-obra obrigou a quinta a abater na mesma os animais, porque não há ninguém para emba-
lar e despachar as aves”. Face a esta crise, o governo britânico insiste Muitos agricultores ten- nos incentivos à mão de taram antecipar estes pro- obra nacional, através de blemas e diminuir a pro- melhores salários e o indução durante o primeiro vestimento na formação. ano pós-Brexit. Ainda Para além disso, pediu à assim, a pandemia veio população para que não agravar a situação e a mão comprasse em demasia, de obra europeia de que como aconteceu no início este setor dependia tem da pandemia. Algumas uma maior dificuldade em das grandes marcas de aceder ao mercado de tra- supermercados do país, balho sazonal britânico. como a Tesco e Iceland,
fizeram também este apelo, confirmando que o setor está a passar por um momento de alerta. O presidente brasileiro afirma que o primeiro-ministro inglês lhe pediu um acordo “urgente” para diminuir a escassez de um produto alimentar não especificado, que se acredita ser peru, uma vez que o Brasil é um dos maio-
res produtores mundiais desta ave. Contudo, o gabinete de Boris Johnson nega estas declarações sobre o assunto da reunião que ambos tiveram em Nova York, aquando da participação na Assembleia Geral da ONU.
EURONEWS
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Economia U.Porto e Bosch juntas para melhorar condução autónoma Thaís Magalhães
Projeto THEIA estende-se até 2023 e envolverá investimento de 28 milhões. O objetivo é melhorar a leitura que os veículos fazem da sua envolvente. António Costa acredita que a parceria é um incentivo para fixar mão de obra jovem e qualificada em Portugal. A Universidade do Porto (UP) assinou, na terça-feira (7), no Salão Nobre da Reitoria, uma parceria com o grupo alemão Bosch, com foco na mobilidade inteligente. O Projeto THEIA – Automated Perception Driving contempla um investimento de 28 milhões de euros, que serão aplicados até 2023, no aprimoramento das capacidades sensoriais dos veículos autónomos, com a ajuda dos investigadores da UP. Com a parceria, as duas entidades estimam gerar 125 vagas de emprego: 55 na Bosch e 70 na UP. Quanto à repartição do investimento, a UP esclarece ao JPN que 21.3 milhões de euros serão aplicados pela empresa (43% do valor será financiado com fundos comunitários) e 6.8 milhões cabem à UP (a instituição suporta 25%, o restante é financiamento europeu). Por parte da Universidade do Porto, assinaram o contrato o reitor António de Sousa Pereira e os diretores das faculdades diretamente envolvidas no projeto: Ana Cristina Ferreira, pela Faculdade de Ciências, e João Falcão e Cunha, pela Faculdade
de Engenharia. Do lado empresarial, rubricaram o acordo Carlos Ribas, representante da Bosch em Portugal, e André Reis, administrador comercial da Bosch em Portugal. A parceira conta ainda
competências científicas e tecnológicas da universidade [as duas entidades assinaram outro acordo de parceria em 2019, o Safe Cities], em particular, das faculdades de Ciências e Engenharia, as duas que
PARTIDO SOCIALISTA
com a AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal), dada a aplicação de fundos europeus. No seu discurso, António de Sousa Pereira sublinhou que a parceria entre o grupo Bosch e a Universidade do Porto traduz a confiança da empresa nas
participarão no projeto. O reitor da UP acrescentou que “é fundamental” para o desenvolvimento do país “que os decisores políticos sejam sensíveis à importância da inovação e estejam conscientes do papel fundamental dos consórcios universidade-empresas na con-
versão do conhecimento em produtos, serviços e tecnologias, com valor acrescentado e competitividade no mercado.”
rno, estas iniciativas têm ainda a vantagem de ajudar a reter no país “esta geração de estudantes que nosso sistema de ensino supeA mensagem foi ouvida rior tem vindo formar.” pelo primeiro-ministro Costa aproveitou também para recordar que existem outros 64 consórcios a envolver empresas e o sistema científico e tecnológico nacional prestes a serem assinados, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Desses, 28 têm a participação da Universidade do Porto, frisou o primeiro-ministro. “Isto demonstra bem a qualidade de excelência quer dos recursos humanos formados na Universidade do Porto, quer da qualidade do conhecimento produzido pelas diferentes unidades desta universidade”, afirmou o governante. António Costa que esteve presente na cerimónia. No final da cerimónia e No seu discurso, Costa em declarações aos jorfelicitou os envolvidos nalistas, o reitor António e acrescentou que o in- de Sousa Pereira explivestimento em qualifi- cou que o projeto visa cação, em ciência e na aumentar a capacidade de capacidade de inovação, leitura da envolvente dos fomenta uma econo- veículos, o que possibilimia mais competitiva. tará reforçar a segurança: em causa está “software Segundo o chefe do go- associado a sensores que
serão utilizados no futuro nos automóveis autónomos para garantir que a probabilidade de ocorrer eventos nefastos seja reduzida a zero”, declarou. Ao JPN, Luciano Sousa, engenheiro de algoritmo e software da Bosch, explicou que o desenvolvimento da automação
é o principal objetivo do THEIA. Os sistemas a desenvolver nesta parceria vão encaixar no nível 3 de automação (ver caixa). Dito de outro modo, um nível de automação em que o condutor precisa de prestar atenção sobre o percurso, mas o carro faz a condução.
Pensar em veículos sem condutores parece futurista, mas o engenheiro da Bosch garante que, em pouco tempo, será possível alguma automação nos veículos em Portugal: “uma estimativa segura é, daqui a cinco anos, ter algum tipo de automação disponível nos
veículos, ou seja, estamos a falar do nível 3 de automação, que implica que o condutor tem que estar a prestar atenção, mas o carro está a fazer a condução por si só.” Em relação à infraestrutura pensada para receber este tipo de veículos, Luciano Sousa completou:
“o que nós pretendemos é que o veículo seja um ator por si só, queremos tentar reduzir a infraestrutura ao mínimo fora do veículo, para conseguir aplicar este projeto a qualquer cidade, em qualquer momento.”
Em busca de “conhecimento fresco” A parceria de inovação entre a academia e a indústria quer, então, incentivar a criação de novos produtos, tecnologias e estratégias. António de Sousa Pereira frisou ainda que a valorização do conhecimento aliada à capacidade de inovação é importante para a recuperação económica do país pós-pandemia, sendo também um contributo para reforçar a capacidade industrial de Portugal.
Por sua vez, a Bosch, com longa tradição no mercado, incluindo no setor automóvel, reconhece nas universidades portuguesas, terreno para desenvolvimento e inovação – tem também parcerias com a Universidade do Minho. Luciano Sousa justificou a busca por estas parcerias, pois nelas a empresa encontra jovens recém-formados com “conhecimento fresco”
e professores com profundo conhecimento em tecnologia, e assim, conseguem trabalhar “tecnologia de ponta”. O desenvolvimento de tecnologias capazes de substituir os humanos na condução de um carro parece estar mais próximo do que imaginamos. O nível em desenvolvimento no Projeto THEIA é o nível três de automação.
Portugal com melhor índice de diversidade Catarina Meireles
O estudo realizado pela Atomico sobre o estado da tecnologia europeia em 2021 mostra que o país tem a proporção mais baixa de equipas constituídas unicamente por homens a receber financiamento. Na Europa, as mulheres e as minorias étnicas continuam a ter mais dificuldades em conseguir angariar capital do que os homens, sendo responsáveis por apenas 9% do total investido em 2021 (cerca de 88 mil milhões). Em Portugal, a percentagem de equipas unicamente masculinas a angariar financiamento desceu para
75%, face aos 80% de 2020. O estudo conclui também que existem evidências de que as equipas mistas e diversificadas apresentam um melhor desempenho. Em comunicado, a empresa afirmou que as “tecnológicas europeias estão a transformar-se em potências mundiais e Portugal acompanha a ten-
dência de crescimento”, servindo de base a dois unicórnios - empresas avaliadas em mais de mil milhões de dólares - no total de 321 empresas do género no continente europeu. O país obtém ainda outro papel de destaque no que diz respeito ao financiamento, com 54% dos inquiridos a considerar o financiamento
como “um desafio especial para a tecnologia europeia nos próximos 12 meses”. Por outro lado, 20% dos italianos e 29% dos espanhóis ainda o consideram um desafio.
algumas tendências chave e apresentando um diagnóstico. Este estudo feito com base em entrevistas a mais de 60 figuras de destaque do setor tecnológico, bem como com os resultados de um inquéEste relatório faz “uma rito realizado em setemanálise profunda sobre o bro e outubro, com mais panorama da indústria de cinco mil respostas. tecnológica em 45 países da Europa”, destacando
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Economia “É fome, por favor”: ex-beneficiários do Bolsa Família devem passar o fim de ano sem comida Giovana Frioli
Substituição do Bolsa Família pelo programa Auxílio Brasil, que deve iniciar em 10 de dezembro, causa insegurança e deixa sem resposta milhares de brasileiros que passaram o Natal sem um prato de comida No último mês, um vídeo de um homem implorando por comida pelas ruas de Brasília circulou nas redes sociais. O trabalhador que se identificou como Marcos gritava pelos prédios residenciais da cidade por ajuda para alimentar sua família. O auxiliar de pedreiro, em situação de desemprego, pedia socorro para alimentar os seis filhos. A cena que viralizou denuncia uma situação grave no país: a fome. No Brasil já são mais de 19 milhões de pessoas sem ter o que comer, ou seja, quase 10% da população. Mais da metade dos cidadãos encontram-se em algum grau de insegurança alimentar – são 116,8 milhões de pessoas que não sabem se terão comida no dia seguinte. De acordo com dados da Secretaria de Assistência Social do Nordeste pelo menos 148,4 mil famílias que recebiam o auxílio estão sem receber nenhum tipo de benefício, pois não se enquadram no novo Auxílio Brasil. Quase 40% do total de famílias que ficarão sem o benefício são da re-
gião, a mais prejudicada de acordo com o estudo. O levantamento foi feito a partir do Painel do Monitoramento Social do Ministério da Cidadania.
va do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de imprimir uma marca própria na assistência social, apagando — às vésperas das eleições de 2022 — o nome fortemente assoO estudo ainda afirma: ciado às gestões petistas. “Na exclusão da população mais vulnerável, no Pesquisadores do Conque se refere ao direito à selho Nacional de Segusegurança de renda, e no rança Alimentar apontam seu caráter temporário, que o Bolsa Família viem consequência da au- sava a redistribuição de sência de recursos para o renda para famílias caseu financiamento conti- rentes e proporcionava nuado, é onde residem os a inclusão social, com impactos mais negativos acesso aos serviços básido novo programa”, diz. cos de saúde e educação. A perspectiva é que a reApesar do Ministério da dução da renda gera mais Cidadania garantir que desestruturação familiar e a oscilação no núme- violência urbana e rural. ro de beneficiados com a substituição do Auxí- Segundo o governo fedelio Brasil é motivada por ral, neste mês, cerca de “renda acima do limite” 14,5 milhões de famílias dos ex-contemplados, receberão o Auxílio Braativistas e pesquisadores sil. “Ainda não dispomos mostram preocupações das informações por unicom o novo programa. dade da Federação. Em dezembro, o número pasCriado em 20 de outu- sará para 17 milhões, o bro de 2003, o Bolsa Fa- que corresponde a todo o mília foi revogado pela público já habilitado e ouMedida Provisória que tras famílias que atendecriou o Auxílio Brasil rem aos critérios de ele(MP 1.061/2021), publi- gibilidade do programa, cada no Diário Oficial da zerando a fila de espera. União em 10 de agosto. O O atendimento alcançaAuxílio Brasil é a tentati rá mais de 50 milhões de
brasileiros ou um quarto da população”, informou o Ministério da Cidadania por meio de nota. Apesar do governo federal garantir o retorno de pagamento do auxílio nos comunicados oficiais, o hiato provocado na transição dos programas sociais tornou o arroz com feijão um luxo para as famílias neste fim de ano. A mãe de três filhos, Fernanda Prado, de 36 anos, teve o nome retirado do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) e diz que não sabe como será a ceia de Natal neste ano: “Vamos ter que esperar alguma ajuda para as crianças terem algo para comer no fim de ano; os presentes nem se falam”. A pequena comerciante de roupas e lingerie diz
REPRODUÇÃO
que ficou na fila no Centro de Assistência Social (Cras) junto com outras pessoas, mas não conseguiu recuperar o cadastro. Ela terá de voltar ao local em outro momento, pois a partir de agora só será atendida com horário agendado: “Me disseram para agendar no aplicativo. Mas ainda tenho que ver qual dia estará disponível. Eu recebi o auxílio emergencial, mas agora só com a venda no camelô não consigo dar conta do que preciso pagar”. Para tornar o cenário ainda mais incerto, no dia 8 de outubro, o Ministério da Cidadania editou medida suspendendo todas as mudanças no Cadastro Único até março, o que deve adiar ainda mais a inclusão de novos nomes.
Corrupção: Quem não prevenir arrisca multa milionária Ana Francisca Maio
A nova agência MENAC (Mecanismo Nacional Anticorrupção) chegou para fiscalizar empresas e entidades públicas ou singulares na prevenção e combate à corrupção. Multas vão dos 2 mil aos 44 mil euros. O governo português criou um Regime Geral de Prevenção de Corrupção (RGPC). As médias e grandes empresas passam a estar obrigadas a cumprir um Plano de Prevenção de Riscos de Corrupção e Infrações Conexas (PPR), de forma a controlar internamente as dinâmicas da empresa. Este regime aplica-se a empresas com 50 ou mais trabalhadores.
de Prevenção de Corrupção (RGPC), acima referidos, foram publicados em Diário de República, no dia 7 de dezembro. O PPR está explicitamente estabelecido no mesmo decreto-lei e as “pessoas coletivas ou entidades equiparadas” que não lhe aderirem podem pagar até 44 891,81 euros. Por sua vez, as “pessoas singulares” serão multadas em até 3 740,98 euros.
são a promoção da transparência e da integridade na ação pública e a garantia da efetividade de políticas de prevenção da corrupção e de infrações conexas”. Esta agência ficará da responsabilidade de alguém nomeado pelo governo.
É função da MENAC “promover e controlar a implementação do RGPC [...] “fiscalizar, em artiO Mecanismo Nacioculação com as inspenal Anticorrupção (ME- Segundo o governo, a ções-gerais ou entidades NAC) e o Regime Geral MENAC tem “por mis- equiparadas e inspeções
regionais, a execução do RGPC”. O Mecanismo Nacional Anticorrupção terá recursos humanos e orçamento próprios e tem “poderes de iniciativa, de controlo e de sanção”.
prevenção, deteção e repressão da corrupção” e “instituir [...] um procedimento de análise retrospetiva de processos penais findos referentes a corrupção e infrações conexas”.
De forma a alcançar os seus objetivos, prevenir e lutar contra a corrupção, a nova entidade de regulação vai “criar bancos de informação e operar uma plataforma comunicacional que facilite a troca de informações sobre estratégias e boas práticas de
As novas regras vão entrar oficialmente em vigência dentro de cerca de seis meses.
2022 traz prémios às empresas que foram além do mínimo Ana Francisca Maio
O Governo vai compensar as empresas, com prémios monetários, que pagam salários com um valor superior a 665 euros. O apoio vai desde os 56 aos 112 euros por empregado. O Governo anunciou que irá criar um “mecanismo de discriminação positiva”, com o objetivo de premiar os empregadores que durante este ano, e em regime de contratação coletiva, fixaram os salários num valor superior ao mínimo legal. Para além disso, à semelhança do que ocorreu este ano, em 2022, as empresas serão recompensa-
das pelo aumento do Sa- o Governo confirmou um lário Mínimo Nacional aumento de 6% (40 eu(SMN) para 705 euros. ros mensais) do SMN. No final da referida CoA proposta foi apresenta- missão, o Ministro da Ecoda, na reunião da Comis- nomia, resumiu o conteúsão Permanente da Con- do da proposta: “Aquilo certação Social (do CES) que fizemos de diferente de 26 de novembro, às foi dizer que as empresas confederações patronais e que se encontrem a pagar às centrais sindicais. Com mais do que o salário míeste apoio, o Estado gasta- nimo e menos do que os rá cerca de 100 milhões de 705 euros, em virtude de euros. Na mesma reunião, uma convenção coletiva
que fixou uma remuneração superior à mínima legal, receberão o apoio por inteiro [112 euros por trabalhador]”. Segundo Pedro Siza Vieira, esta medida serve como incentivo às empresas para que apostem em salários mais altos face ao mínimo estabelecido legalmente.
presas que se queiram candidatar devem registar-se na plataforma viabilizada pela Agência para a Competitividade e Inovação e pelo Turismo de Portugal, bem como ter a situação contributiva em dia. Caso a candidatura seja aprovada, a recompensa é logo paga na totalidade, num período que se esO processo para receber pera ser antes do final do o apoio é simples. As em- primeiro semestre do ano.
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Sociedade ‘Dar à luz sem dor’: ativista transforma violência obstétrica em processo de cura a outras mães Giovana Frioli
Fruto de um parto insensível e desumano, Dayane Vecchi, de 26 anos, transformou a dor de seu nascimento em ativismo
ARQUIVO PESSOAL
Dayane nasceu a partir de violências físicas e verbais. Violações que rasgaram seu próprio corpo e de sua mãe. Logo que nasceu estava roxa e com a clavícula quebrada; as bolhas e hematomas se espalhavam por todo o bebê que havia acabado de nascer. Rosemar, mãe de Dayane, não viu a filha a partir deste momento, não teve notícias, não sabia qual o estado da neném – sozinha, desde o início do parto, o sofrimento foi estendi-
do por mais seis horas. nem como era de fato o nascimento de um bebê. De uma família muito Na época, mal ouvia falar simples e humilde do in- sobre menstruação, sobre terior do Brasil, Rose, se parir ou qualquer explicacasou com 15 anos e logo ção sobre a sexualidade decidiu que queria engra- da mulher: tudo era tabu e vidar. Era de sua vonta- uma descoberta solitária. de e por isso elaborou a Em Curitiba, sozinha na gestação. Mudou-se para sala de parto, sofreu diCuritiba com o marido, versas violências obstéque havia conseguido tricas: manobras, cortes, um emprego e teve a fi- empurrões e xingamenlha Dayane em uma ma- tos. A episiotomia – um ternidade da cidade. Jo- corte entre a vagina e o vem, tinha pouquíssimas ânus – foi um dos proceinformações sobre parto dimentos de violação sem e pós-parto – não sabia necessidade que resul-
tou em dezessete pontos em Rosemar. Mas isso não bastou. O médico e as enfermeiras empurraram sua barriga e forçaram o útero para a saída do bebê, em uma técnica chamada ‘Manobra de Kristeller’, abolida em 2009 pela Organização Mundial da Saúde. Dayane acredita que a manobra foi o motivo para que sua clavícula fosse quebrada.
do ‘fórceps’, Rose, teve que ouvir ofensas como: “Ah, na hora de fazer foi bom né?! Agora fica aí gritando de dor… vamos ficar quietinha?!”.
O pós-parto foi um período difícil de lidar depois das violências. Suportar os pontos, a cicatrização e uma criança engessada foi muito complicado, mas Rosemar achou que tudo aquilo fosse normal: “Ela Além do uso desneces- pensou que aquilo era o sário de várias técnicas parto; que os médicos e invasivas como o uso as enfermeiras estavam
certos e que as manifestações eram necessárias”, conta Dayane. A falta de informação, foi um dos motivos para que a mãe não percebesse e nem denunciasse a violência.
savó era parteira e por isso sempre contava histórias das mulheres que pariram e de outras que haviam morrido durante o parto. Esses contos aumentaram cada vez mais a vontade da menina de saber soConforme crescia, Daya- bre o próprio nascimento. ne percebia uma vontade de entender mais sobre os Dayane, na adolescênpartos. Ainda criança di- cia, passou a entender zia: “Quando crescer que- que algo dentro dela pero tirar neném!”. Sua bi- dia transformação. Um
certo dia, entrou em um estado meditativo e relembrou aquela série de violências e desconfortos que havia passado com a mãe na sala do porto. A partir daí percebeu: “Esse é meu caminho de cura. Preciso curar a mim mesma e às outras mulheres”.
doula e percebeu a agressividade do sistema obstétrico brasileiro. Ativista do parto humanizado, Dayane concretizou seu caminho quando deu à luz a Caiuá. Em um ambiente calmo, seguro, acolhedor e silencioso, teve sem filho sem nenhuma intervenção. Com segurança, Sua missão seguiu em Caiuá, nasceu dentro da ajudar outras mães no água em sua própria casa: parto. Fez um curso de “Ficamos ali por um bom
tempo nos conhecendo e nos amando. Um momento de cura que jamais vou esquecer.”. Neste dia, Dayane afirma que quebrou um padrão de violência nos partos brasileiros.
“Criançocentrismo”: a teoria em que se baseia o método Montessori Ana Francisca Maio
O método Montessori é uma alternativa educacional criada e pensada para as crianças, como refere o Ekonomista “O equilíbrio natural da criança pequena é o principal objetivo de todo o trabalho. É o ponto de partida e chegada do Método de Montessori”. Como o próprio nome indica, nasceu das mãos de Maria Montessori, médica e educadora italiana. A aplicação do método Montessoriano implica a criação de um ambiente tranquilo e simples, repleto de elementos e objetos que à sua maneira têm um papel importante no desenvolvimento da criança. O principal objetivo de Maria foi criar um procedimento em que os mais pequenos pudessem ter mais liberdade de aprendizagem e responsabilidade nesse processo, de forma a promover o aumento da autonomia, ainda que sempre tendo em conta alguns limites e o crescimento físico, social e psicológico natural das crianças. Uma das principais diferenças face ao ensino tradicional prende-se com o facto de a metodologia Montessori juntar crianças de diferentes idades, e consequentemente em fases distintas do seu desenvolvimento, no mesmo ambiente, proporcionando o respeito, a socialização
e a autoajuda entre elas. Este ambiente Montessoriano é caraterizado por um espaço de aprendizagem feito à medida dos pequeninos, de forma que eles consigam alcançar tudo e fazer o que querem sem terem de pedir ajuda frequentemente. Assim, as crianças podem realizar várias tarefas, que podem escolher conforme o seu interesse e vontade, o que, segundo o método, faz com que a criança consiga estar concentrada durante períodos de tempo mais longos. A Escola Montessori do Porto foi fundada em 2018, por pais que queriam uma alternativa educacional para os seus
filhos, como se pode ler no site da escola: “A Escola Montessori do Porto (EMP) nasce de um desejo profundo de encontrar uma alternativa educativa para os nossos filhos, onde pudessem crescer em liberdade, manter o desejo inato pela aprendizagem, desfrutar de cada conquista, tornando-se assim seres sociáveis, atentos ao outro e ao mundo que os rodeia. Hoje, queremos inspirar uma nova forma de educar e por esse motivo, a EMP é mais do que uma escola, mas um movimento com a missão de inspirar a mudança que queremos ver na educação, em Portugal.”. De facto, estes pais encontraram o método que corres-
pondia aos seus desejos e partiram no que chamam de “uma aventura”. Durante a visita e em conversa com Rosana Fernandes, uma das sócia-fundadoras da EMP, o Transversal pôde ver e entender como é que o método é concretamente aplicado no dia-a-dia: “Há liberdade com limites dentro do ambiente. Quando as crianças entram no ambiente, é lhes perguntado o que querem trabalhar naquele dia, qual o seu interesse, e a partir desse mesmo interesse, orientamo-los para atividades que podem fazer. […] É nosso papel, enquanto adultos, orientá-las para que possam descobrir o in-
teresse e descobrir, acima de tudo, o que gostam e o que não gostam”. Apesar de a maioria das crianças acabar por ingressar depois no ensino comum, Rosana acredita que saem dali com uma bagagem diferente: “Claro que o ideal seria fazer todo o progresso na pedagogia Montessori, mas, acima de tudo, vão com esta consciência de serem crianças mais preparadas, com maior capacidade de adaptação a outros métodos de ensino.” São sobretudo, segundo Rosana Fernandes, crianças que ganham “respeito pelo outro, respeito pelo trabalho, respeito pela natureza, no geral.”
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Sociedade A língua portuguesa nos quatro continentes Thaís Magalhães
O coletivo Juventude Unida dos Países de Língua Portuguesa que surgiu em 2020, abre espaço para discussões transversais a nativos de diferentes países de expressão portuguesa O idealizador Ricardo Soares(23), brasileiro e estudante de jornalismo, percebeu que apesar de a comunidade lusófona ser muito grande, o conhecimento sobre a cultura uns dos outros é baixo. Em uma entrevista para o canal no YouTube “Voa Português”, Soares disse: “essa ideia de levar informação, levar conhecimento, é uma ideia que temos muito firme.” O coletivo nasce da vontade de conhecer
o outro que apesar de enxergar o mundo através da mesma língua, está em outro contexto cultural. Com cerca de 280 milhões de falantes, a língua portuguesa é o 5º idioma mais falado no mundo e está disperso por quatro continentes. Na Europa é expressa em Portugal, pátria mãe do idioma. Na América Latina, é falada no Brasil. Em África, na Angola, Moçambique, Cabo-Verde, Guiné-Bis-
sau, Guiné Equatorial e São Tome e Príncipe, se fala português. Na Ásia, Timor-Leste e Macau encerram a lista.
forma remota. Em entrevista para o mesmo canal Ricardo completou: “A gente tem o privilégio de ter a rede social a nosso favor, e também Ao brasileiro uniu-se a usar a língua portuguesa portuguesa Beatriz Vare- para conversar com pesla, o moçambicano Bruno soas de outros países.” Mourinho e o português Diego Garcia conhece- A ideia principal do gruram-se através do Insta- po é unificar. A promoção gram. Com a criação do de assuntos transversais a coletivo durante o con- cultura, política e cotidiatexto pandêmico, as reu- no sobre os seus países, niões desde então acon- visa somar a facilidade tecem periodicamente de do ambiente virtual com a
língua em comum, tendo como resultado a troca cultural e a circulação da informação entre os jovens da comunidade lusófona. O grupo está presente no Instagram (@ju.plp) e tem publicações periódicas sobre diferentes temáticas. O coletivo se mostra aberto a acolher falantes de língua portuguesa dos diferentes países, que queiram contribuir para o coletivo.
Uber e Glovo são usadas para traficar droga em Portugal Ana Francisca Maio
Os traficantes utilizam as empresas de distribuição e recorrem a menores para fazer chegar a droga a pontos estratégicos do país, como Lisboa, Porto e Algarve. A PSP lançou um relatório, ao qual o “Expresso” teve acesso, no qual revela que os traficantes têm utilizado de forma ilícita estas plataformas, nomeadamente a Uber e a Glovo. De acordo com a Polícia de Segurança Pública, a pandemia veio aumentar os “pedidos” através de aplicações como o WhatsApp, Signal,
Messenger ou Telegram. através dos quais é fornecido o resto do país. Os fornecedores começaram, assim, a fa- As empresas já garantizer entregas a casa. ram que têm métodos caGeralmente, o produto é pazes de detetar este tipo pago também por meios de criminalidade, e que digitais, como o MBWay, pretender cooperar com as o Paypal e o Revolut. autoridades. Quanto aos motoristas, responsáveis Os principais pontos de por estas viagens, são imetráfico de droga são Lis- diatamente despedidos. boa, Algarve e Porto,
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Adolescentes e Internet: como se proteger enquanto navega? Giovana Frioli
Saiba como hábitos ou momentos de desatenção podem abrir brechas para criminosos virtuais. No ambiente online há sempre o risco de interagirmos com pessoas que nunca vimos antes ou não sabemos de onde são. Pela facilidade de omitir, trocar ou esconder informações pessoais os criminosos têm usado as redes sociais, jogos eletrónicos e aplicativos de mensagens com o objetivo de se aproximar de crianças e adolescentes para cometer crimes virtuais, como enviar fotos vítimas ou praticar o ‘sextortion’ (com chantagem da vítima por motivos sexuais). Durante a pandemia de Covid-19, a quantidade de crimes e denúncias deste tipo disparou na internet. De acordo com a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) e a Polícia Judiciária desde o início da pandemia aumentou o número de contactos para a Linha Internet Segura. O crime de pornografia infantil lidera a quantidade de denúncias, de acordo com a APAV.
crianças e adolescentes pelos jogos para tentar aproximação. Uma das formas mais comuns é através de fóruns, chats e partidas colaborativas, em que os jogadores se reúnem em equipe. Os criminosos tendem a oferecer pagamento de mercadorias e acessórios para melhorar os personagens dos jogos em troca de favores, condições e até mesmo informações pessoais. É importante estar atento se a conversa realmente parece ser de uma criança ou de um adolescente. Os criminosos podem criar perfis falsos e até mesmo simular vozes por meio de programas especiais para se passar por outra criança. É importante sempre estar atento à linguagem
utilizada e se a pessoa dem que os jovens ensempre se recusa às con- viem fotos para uma suversas por vídeo ou live. posta avaliação. Quando o vínculo é fortalecido, a De acordo com especialis- conversa evolui para fotas em segurança virtual tos de biquíni ou sunga. em algumas situações há uma tentativa do aliciador Com o uso da internet de naturalizar o sexo en- como um espaço de cotre menores de idade por municação e manifestameio do envio de ima- ção de sentimentos, os gens que retratam per- adolescentes passam a exsonagens em cenas por- pressar com mais frequnográficas ou de abuso. ência tristeza, melancolia e frustração nas plataforUma maneira que os asse- mas digitais. Identificar e diadores encontram para encontrar pessoas fragiliabordar os adolescentes zadas emocionalmente é é por meio de agências um dos caminhos que os de modelo falsas. O alvo aliciadores usam para ser geralmente são os ado- mais íntimos dos jovens. lescentes e pré-adolescentes. Com a promessa Para identificar um perfil de uma vida glamorosa falso e proteger as criane a oferta de uma vida ças e adolescentes é imde modelo, os perfis pe- portante que eles estejam
atentos às instruções de não confiar em pessoas que conversam apenas online. Uma das dicas também é pesquisar as fotos de perfil em sites como o Google, a fim de compreender se não pertencem a outra pessoa ou bancos de imagem. É importante também analisar o perfil, como a lista de amigos ou seguidores. Se a pessoa não possui comentários ou marcações de amigos, esteja atento. Para pedir ajuda ou denunciar crimes virtuais a Linha Internet Segura possui o telefone 800 21 90 90 ou através do correio eletrónico (linhainternetsegura@apav.pt). PEXELS
Mas de que forma os agressores podem tentar abordar as crianças e adolescentes? Apesar de não existir um padrão, há armadilhas comuns. Os assediadores podem aproveitar o interesse das
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Sociedade Depois dos caralhos de Caldas da Rainha, a Pirocaria no Porto promove gozo entre os clientes Thaís Magalhães
Negócio de um carioca e uma santista, tem conquistado público numa das principais ruas do Porto
THAÍS MGALHÃES
Amigos que se conheceram durante a licenciatura em gastronomia na Universidade de Coimbra, Guilherme Medeiros e Isabela Gomes, abriram em outubro deste ano a “Pirocaria”: uma loja que vende waffles no formato fálico.
por viajar é um ponto em comum. Durante uma viagem a Madrid, conheceram a marca “La Pollería”, famosa no bairro de Chueca, e acharam a ideia transada. Com os conhecimentos gastronômicos que têm, resolveram trazer a ideia para Portugal. Com a ideia já fundaEntre os dois, a paixão mentada o próximo passo
era encontrar um lugar. tam muito uma novidade assim tão escrachada”. Isabela contou que os dois tiveram alguma difi- Depois de muita procuculdade em encontrar um ra, por fim encontraram senhorio ou senhoria que um senhorio “piroffle arrendassem para os dois friend”. O espaço fica venderem os “piroffles”. na Rua de Cedofeita 77. “Normalmente as pessoas que têm esses imóveis Com um visual despojatêm mais idade, são mais do, a loja mistura tons de tradicionais, não acei- rosa, lilás e azul. Logo
que se entra, podemos ver ao fundo da loja a bandeira LGBTQIA+. Ao lado da porta de entrada, um pequeno quadro de recados, dá espaço às mensagens dos clientes fãs do negócio. A cozinha é visível ao público, no formato “fast food”: paga e recebe o pedido em seguida. Isabela,
THAÍS MAGALHÃES
responsável pelo prepa- ros têm aderido bastanro, diz que a massa é ca- te ao empreendimento: seira e feita diariamente. “A gente vê a força da comunidade brasileira, Por cima dos “pirof- porque vem muito brafles” acrescentam-se co- sileiro aqui, o tempo inberturas: chocolate ne- teiro. Eu que sei que tem gro, chocolate ao leite, muito brasileiro em Porchocolate branco, cho- tugal, fico chocado porcolate sabor morango que realmente tem mais ou doce de leite. Além do que eu pensava, e de da cobertura, o cliente todo canto que você imapode escolher “toppin- ginar: vem gente do norgs” para completar. deste, do sul, do norte, do centro-oeste… acho Para equilibrar os níveis que não tem um estado de testosterona, pirulitos do Brasil que não passou de chocolate em forma- pela nossa loja ainda.” to de vulva e bumbum, foram incorporados ao Tem para todos os gostos: menu. Além disso, o car- doces e uma opção saldápio conta com uma va- gada. O “pau de queijo” riedade de brigadeiros. é a nova aposta dos dois jovens empreendedores. A loja tem dado bons A tradicional receita tão resultados, e, segundo querida dos brasileiros, Guilherme, os brasilei- o pão de queijo, na Piro-
caria tem outro formato e cobertura de queijo cheddar. Além disso, os “piroffles” são grandes: 17 centímetros é o tamanho. Os clientes portugueses também marcam presença na loja e para muitos deles, o formato não imprime tanta novidade.“Tem um doce, de Caldas da Rainha, que tem esse mesmo formato, e eles dizem: -“Ah, isso me lembra de quando eu comia esse doce quando eu era mais novo…” contou Guilherme.
Boas vindas Apesar de uma reação, na sua grande maioria positiva, um caso de vandalização da fachada incomodou logo no primeiro mês.
Ao chegar para abrir a loja, os dois se depararam com a falta do letreiro e alguns adesivos da palavra “Pirocaria”, que estavam colados na porta de entrada, arrancados. Com o auxílio das câmeras de segurança, imagens do sujeito foram capturadas. O ocorrido foi denunciado para a polícia. Clarice, vizinha veterana e agora cliente da Pirocaria, apoia o negócio e diz que “o nome pode chocar algumas pessoas mais conservadoras, no entanto, penso que nós temos que nos adaptar a essas novas ideias e ajudá-las a avançar no trabalho. São muito bem-vindos ao bairro, se calhar não por todos, mas estamos aqui para tentar mudar as men-
talidades das pessoas.” Alessandra Kauer, visitou a loja pela primeira vez. Brasileira que vive no Porto há dois anos foi atraída pela irreverência do negócio “Eu adoro essas coisas que têm imagens fálicas, é uma coisa engraçada, e eu adorei. Eu acho que mexe com o nosso bom humor, que a gente tá sempre tão estressado pelo dia a dia que comer uma coisa tão gostosa e que nos faz rir é muito bom.” A loja abre terça, quarta e quinta entre 16h e 20h. Sexta e sábado entre 14h e 21h e domingo de 14h às 20h.
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Sociedade Progressos no combate ao HIV Catarina Meireles
Durante o último ano, Cientistas da Janssem Vaccines and Prevention B.V., em parceria com HIV Vaccine Trials Network (HVTN) e o Centro de Referência e Treinamento DST/Aids (Brasil) iniciaram uma investigação que consideram a “mais promissora” das últimas décadas, avaliando a eficácia da administração de uma combinação de vacinas em pessoas portadoras do vírus. A investigação “Mosaico” utiliza uma tecnologia de adenovírus como vetor. Os testes a ser realizados atualmente envolvem cerca de 6 mil pessoas em África, na Europa, América do Norte e América do Sul. Os investigadores mostram-se esperançosos, uma vez que, em testes anteriores realizados em macacos, a taxa de imunização atingiu os 67% - uma das maiores alguma vez registadas.
testar uma vacina que se baseia na tecnologia de mRna – a mesma utilizada na criação da vacina contra o covid-19. Encontra-se ainda numa primeira fase de teste, com a duração de 10 meses, que pretende verificar a resposta imune e a segurança da aplicação da vacina. Envolve 56 pessoas entre os 18 e os 50 anos que são portadoras do vírus. Recentemente, têm também surgido medicamentos inovadores. Em Uma outra pesquisa, leva- dezembro de 2020, a da a cabo pelo laboratório Agência Europeia do Moderna, está também a Medicamento aprovou
um tratamento de longa duração contra o HIV. Cerca de 1 mês depois, a FDA (Agência Norte-americana do Medicamento) seguiu o mesmo caminho. Em Portugal, espera-se que o tratamento comece a ser utilizado em 2022. Este consiste na toma de injeções mensais em ambiente hospitalar e surge como alternativa ao tratamento atual, que envolve diversos comprimidos diários.
va provou ser tão eficaz como a terapia diária. Esta injeção é indicada para adultos a viver com HIV que já estejam em terapia antirretroviral (TAR), com supressão virológica prévia. Antes de iniciarem o tratamento, os pacientes necessitarão de administrar oralmente cabotegravir e rilpivirina (componentes da medicação) durante um período de 30 dias, para avaliar a tolerância à terapia.
Em estudos realizados A redução dos dias de traem 16 países, o medica- tamento de 365 para cerca mento injetável Cabenu- de 12 pode trazer uma me-
lhoria na qualidade vida a muitas pessoas que vivem com HIV, especialmente para quem tem dificuldades em manter uma terapia diária – como pessoas que sofram com doenças mentais ou com problemas de abuso de substâncias. Nuno Fernandes, da Associação Abraço, afirma em declarações ao Transversal que esta variedade de tratamentos são essenciais para “diminuir o impacto da doença na vida destas pessoas”. CATARINA MEIRELES
Morreu José Eduardo Pinto da Costa Ana Francisca Maio
O médico legista, professor e irmão do presidente do Futebol Clube do Porto faleceu, dia 8 de dezembro, aos 87 anos. O FC Porto confirmou a perda: “Morreu hoje, José Eduardo Pinto da Costa, antigo membro do corpo clínico do FCPorto e irmão do presidente Jorge Nuno Pinto da Costa.”, como se pode ler no Twitter do clube. Os dragões deixaram ainda os seus sentimentos: “Num momento tão difícil, o FC Porto solidariza-se com
os familiares e amigos de José Eduardo Pinto da Costa e endereça-lhes sentidas condolências.” Segundo um comunicado oficial do Futebol Clube do Porto, as cerimónias fúnebres são no dia 9 de dezembro, quinta-feira, a partir das 17 horas, na Igreja de Cedofeita, no Porto. ARQUIVO/GLOBAL IMAGENS
Quem era José Eduardo Pinto da Costa? José Eduardo de Lima Pinto da Costa nasceu, no Porto, a 3 de abril de 1934. Foi o primeiro filho de José Alexandrino Teixeira da Costa e Maria Elisa Bessa de Lima Amorim Pinto, que se divorciaram pouco tempo depois. Os irmãos de José Eduardo, mais novos eram cinco: Maria Alice, António Manuel, Jorge Nuno, Maria Eduarda e Eduardo Honório. José tinha dois filhos e duas filhas, fruto de dois casamentos.
co na Faculdade de Medicina da U.Porto. Em 1976, tornou-se diretor do Instituto de Medicina Legal do Porto. Já no final da década seguinte, foi escolhido como primeiro presidente do Colégio da Especialidade de Medicina Legal da Ordem dos Médicos e presidiu ao Conselho Superior de Medicina Legal. José Eduardo Pinto da Costa deixou a clínica geral e passou, em 1997, a dedicar-se unicamente à sua carreira na medicina legal, durante a qual efetuou cerca de trinta mil autópsias. Professor jubilado no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar implementou, nessa mesma instituição, em 1999, o Mestrado de Medicina Legal.
sia e o aborto. Em 2018, falou sobre o tema com o JPN: “Muitos defendem radicalmente que o médico é para dar vida e não morte. Se tivermos uma perspetiva desse género, é eliminada a possibilidade de um médico praticar algo assim. Como as opiniões são muito divergentes, a lei portuguesa dá o direito de objeção de consciência. Se o médico na sua convicção, sem ter que dar satisfações, for contra a prática, por exemplo, do aborto, tem o direito a dizer que não o fará. A organização do Estado, ou o diretor do serviço do hospital, tem a responsabilidade de resolver o imperativo legal, ou seja, de arranjar outro médico para o fazer.”
Licenciou-se em Medicina pela Universidade do Porto, em 1960, com uma média de 16 valores. A sua tese final “Morte por ação do óxido de carbono” obteve uma classificação de 18 valores. No ensino, começou por ser professor assistente, Sobre a eutanásia, afirem 1961, e 35 anos depois O médico era defensor de mou que “o raciocínio é já era professor catedráti- práticas como a eutaná- semelhante. Se o médico
não concorda com a eutanásia – nem que a eutanásia venha a ser legalizada de alguma maneira – ele poderia apresentar o estatuto de objeção de consciência. Se considerarmos que a função do médico é dar vida, mas que, para além disso, é ajudar o doente a morrer já é diferente. Essa ajuda é muito ampla. Ajudar a morrer, do ponto de vista consignado por muitos filósofos, não é propriamente matar. Ajudar a morrer envolve uma série de envolvimentos psicológicos e terapêuticos para suavizar o processo da morte. Mas como vão existir sempre muitas opiniões divergentes, continuará a existir a objeção de consciência.”
revelou ao JPN: “Qualquer tema pode usufruir disso. A vacinação é um bom exemplo. Há pessoas que não se querem vacinar. A sensibilização pode fazer com que toda a população passe a vacinar-se. O diagnóstico precoce do cancro é outro exemplo. Para as pessoas saberem que ao sentirem um nódulo qualquer não devem deixar andar, é preciso que estejam sensibilizadas. Se eu tirar um nódulo atempadamente, é mais provável que não aconteça nada. Caso não o faça, posso ter aí uma degenerescência ou cancro maligno. A sensibilização é fundamental.”
Para o médico e professor, a chave é a sensibilização, sendo que tudo pode usufruir dela, como
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Desporto Botafogo vestiu “Manto da Desigualdade” Ana Francisca Maio
No fim de semana em que foi assinalada a Consciência Negra, os jogadores da equipa do Rio de Janeiro entraram em campo com camisolas dedicadas às desigualdades geradas pelo racismo. As tradicionais riscas pretas e brancas do equipamento do Botafogo foram substituídas por gráficos representativos de várias desigualdades sociais sofridas pelos que são alvo de racismo. A partida colocou o Botafogo contra o Brasil-RS, no dia 21 de novembro, e a camisola de jogo foi apelidada de “Manto da Desigualdade”. O clube prometeu leiloar os equipamentos - posteriormente autografados pelos jogadores - e doar a quantia conseguida ao
Observatório de Discriminação Racial no Futebol. De acordo com o Globo, o clube explicou, numa nota oficial que “A iniciativa volta a explorar o amplo potencial do futebol como ferramenta de conscientização coletiva, desta vez com foco na inclusão social e na luta contra a violência e a discriminação racial. O objetivo é debater, alertar e educar torcedores, amantes do futebol, profissionais dos clubes, jornalistas e toda a população brasileira sobre a discriminação racial
dentro e fora de campo”. Com a vitória sobre o Brasil de Pelotas por 1-0, os alvinegros sagraram-se campeões antecipados da Série B do Brasileirão, o que trouxe ainda mais visibilidade para a campanha contra o racismo. Esta iniciativa do Botafogo contou com apoio de um dos seus principais patrocinadores do Botafogo, a Centrum. Em 2020, a equipa do Botafogo também tinha assinalado esta data e protestado contra o racismo, num jogo contra o Fortaleza.
VÍTOR SILVA BOTAFOGO
São Silvestre entre o Quênia e a Etiópia Thaís Magalhães
O brasileiro Daniel Nascimento tentou, mas não alcançou o favorito Bezabh. No feminino, a brasileira Jenifer do Nascimento ficou para trás e a favorita Chebet levou o ouro. Os dois favoritos da corrida masculina e feminina, Belay Bezabh, etíope e Sandrafelis Chebet, queniana, levaram o ouro na prova disputada em São Paulo. A corrida que estava congelada desde 2020 por causa da pandemia da Covid-19, com a volta do calendário esportivo, retomou as atividades no dia 31 de dezembro na capital paulista.
reu 99% do percurso ao lado de Bezabh, entretanto, no último quilômetro, na Avenida Paulista, ficou para trás e entregou o ouro ao quêniano. O último atleta brasileiro a vencer em casa foi Marílson dos Santos, no ano de 2010.
Apesar de ter alcançado a vitória, Bezabh completou a prova em 44min54segs e não bateu o tempo recorde de Kibiwot Kandie, no ano de Daniel Nascimento cor- 2019, o qual completou a
prova em 42min59segs. Na prova feminina, desde o início Sandrafelis Chebet dominou a linha de frente ao lado da quenina Yanneesh Dinkesa. Considerada a favorita, Chebet ganhou a prova com o tempo de 50min06segs, a somar mais uma vitória na São Silvestre com a de 2018. A brasileira Jenifer do Nascimento, foi a terceira colocada e Graziele Sarri copatriota, ficou em sétimo lugar.
Novas modalidades nos “Sou jogador de futebol e sou Jogos Olímpicos de 2020 gay” Catarina Meireles
O Comité Olímpico Internacional (COI) aprovou 4 novas modalidades: surf, skate, escalada desportiva e karaté. Esta decisão Catarina Meireles apresenta uma oportunidade para os Jogos apostarem em modaJoshua Cavallo, australiano de 21 anos, lidades mais urbanas e apelarem a uma audiência mais jovem. faz história no mundo do futebol, tornando-se o primeiro futebolista masculino no ativo a assumir homossexualidade. As declarações foram publicadas nas redes sociais do Adelaide United, clube do jogador. O médio diz sentir “orgulho” em fazer este anúncio, admitindo que tem vindo a lutar contra a sua sexualidade há mais de seis anos. “Enquanto crescia, sentia a necessidade de me esconder, porque tinha vergonha. Tinha vergonha de nunca poder fazer aquilo que amo e ser gay”. Joshua Cavallo acrescenta que quer mostrar às pessoas que não há nada de mal em serem elas mesmas e jogarem futebol.
bastante positivas, tendo recebido mensagens de apoio de diversos atletas e clubes um pouco por todo o globo. Da mesma forma, foi mencionado em diversos meios de comunicação internacionais.
No passado, também outros jogadores se assumiram como homossexuais, mas apenas após terminarem as suas carreiras. Alguns exemplos são Thomas Hitzperger, internacional alemão que jogou no VfB Stuttgart e As reações à publicação no Aston Villa, e Robbie que o jogador fez nas Rogers, do Leeds United. suas redes sociais foram TWITTER/JOSHUA CAVALLO OBSERVADOR
As novas adições con- para os Jogos Olímpicos templam um total de 16 nos circuitos mundiais eventos e envolvem a par- de competições oficiais. ticipação de 240 atletas. O surfista Frederico Portugal foi representa- Morais (surf masculido por 1 skater e 2 sur- no) também conseguiu fistas: Gustavo Ribeiro um lugar na competi(street skate masculino), ção, mas não pôde viajar Teresa Bonvalot e Yo- para o Japão por ter teslanda Sequeira (surf fe- tado positivo à Covid-19. minino). Os atletas conseguiram o apuramento A comitiva portuguesa que
ruma a Tóquio é a maior de sempre, contando com 92 atletas a competir em 17 modalidades. A edição de 2020 dos Jogos Olímpicos envolve mais de 12.000 atletas a competir em 46 desportos distintos.
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Desporto Filipa Martins é nº1 da ginástica artística portuguesa Ana Francisca Maio
Filipa Martins alcançou a melhor classificação lusa de sempre nos Mundiais de Ginástica Artística, no Japão, com um sétimo lugar no concurso completo e um oitavo lugar nas paralelas assimétricas. Ao JPN, Filipa afirmou que “Desde que eu era pequena e comecei a fazer ginástica, sempre sonhei com chegar mais acima, sempre tive objetivos e lutei por eles...Não pensei num sétimo lugar no campeonato do mundo, porque, principalmente para Portugal era bastante complicado chegar a uma final do campeonato do mundo, por isso um sétimo lugar era algo que eu nunca imaginava.”
a minha idade, já se pensava que a carreira podia acabar e acho que estou melhor do que já estive antes. Não quero desistir de lutar pelo que quero e pelo que sonho. A idade é só um número e não importa para nada”.
Filipa Martins e a sua treinadora Joana Carvalho, criaram um movimento próprio chamado “Martins”, que desempenhou um papel importante nos resultaA ginasta somou 52 mil e dos conseguidos pela gi199 pontos na combina- nasta, acima referidos. ção de saltos, trave, solo e paralelas assimétricas. Filipa Martins revelou ao Filipa foi ainda a primeira JPN que, na sua visão, a ginasta portuguesa a che- ginástica em Portugal tem gar a uma final por apare- vindo a crescer, algo que lhos, na qual somou um se reflete nos seus recentotal de 14 mil e 66 pontos. tes resultados. Contudo, para a atleta, “Não poNa sua carreira, a atleta demos dizer que temos já marcou presença em uma boa base de ginasduas edições dos Jogos tas formadas” e confesOlímpicos, 2016 e 2020. sa que fica desanimada, Nestes últimos, em Tó- porque “sei que a minha quio, embora não tenha carreira um dia vai acachegado às finais, foi a bar, e se calhar não te17ª classificada nas para- nho ninguém a seguir.” lelas assimétricas e 43.ª no concurso completo. O seu caminho neste desporto começou Filipa Martins, de 25 aos 4 anos e aos 12 já anos, é uma das mais competia. Inicialmente, velhas ginastas a conse- foi atleta do Sport Cluguir estes resultados. À be do Porto, mas hoje a LUSA, a ginasta confes- sua casa é o Acro Clube sou que “Se calhar, com da Maia. Filipa já conta
com duas medalhas de ouro, uma de prata e três de bronze, conquistadas em taças do mundo de ginástica artística. A sua vida passa por conciliar o desporto com a vida académica no curso de Ciências do Desporto, na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP). Em conversa com o JPN (JornalismoPortoNet), Filipa Martins abordou o tema da faculdade: “Neste momento, estou a dedicar mesmo
mais o meu tempo à faculdade, quero mesmo acabar este ano...Já estou lá há alguns anos, e é muito difícil conseguir conciliar as duas coisas e fazer as duas coisas bem”. A medalhada assumiu que “Sempre me dediquei mais à ginástica, porque sei que a faculdade podia fazer em qualquer altura”, ainda que afirme que “Eu sei que também quando acabar a faculdade, não vou começar logo a trabalhar, porque ainda tenho sonhos na ginástica.”
Ainda no programa “Quarto Árbitro” do JPN, Filipa Martins falou da um lado mais pessoal: “Eu acho que nunca tive de por nada à frente da minha vida social [...] nunca fui privada de fazer nada. Claro que não pude tantas vezes como os meus colegas, mas são sacrifícios que fiz na altura e que se calhar me custaram um bocado, mas hoje em dia não me arrependo.” FACEBOOK
“Esta Bata tem Poderes”: o futebol nos hospitais Ana Francisca Maio
Durante o mês de novembro, as 34 Sociedades Desportivas da Liga Portugal Bwin e Liga Portugal SABSEG doaram camisolas dos clubes, transformadas em batas, a crianças hospitalizadas. SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA
O projeto “Esta Bata Tem Poderes” é uma parceria entre a Fundação de Futebol da Liga Portugal, a Fundação do Gil e a Santa Casa da Misericórdia. O principal objetivo desta iniciativa foi levar força e alegria às crianças hospitalizadas, ao realizar, inclusive, o sonho de algumas delas de conhecer e abraçar estrelas do futebol português. Os “três grandes” de Portugal estiveram presentes. Luís Neto, do Sporting, visitou o Centro de Medicina e Reabilitação de Alcoitão, onde
tentou compreender as maiores dificuldades dos mais pequenos. Segundo a Liga, o defesa central afirmou que “É importante, por vezes, sairmos da pele de jogador profissional e conhecer outro tipo de realidades”.
confortar e desejar muita coragem. É muito importante participarmos nestas causas, sem dúvida. No momento em que foi feito o convite não pensei duas vezes e aceitei com toda a alegria participar nesta iniciativa”.
Já Everton “Cebolinha” foi em representação do Benfica ao Hospital de Santa Maria e contou à Fundação de Futebol que “Quis passar uma força para as crianças. Elas passam por um momento em que precisam de ânimo e tentei, por isso, encontrar as palavras certas para os
Em nome do F.C.Porto, Silvestre Varela viajou até ao Centro Materno Infantil no Porto. O dragão revelou à Liga que “É ótimo poder contribuir para um dia cheio de felicidade. Estas crianças passam por um momento difícil da vida e precisam de muita ajuda e apoio”. Ri-
cardo Quaresma, do Vitória S.C, fez companhia a Silvestre Varela na ida ao Centro. O internacional português afirmou que “Foi, certamente, um dia diferente para crianças que estão frágeis e hospitalizadas. O importante é ver a felicidade delas, algo que não tem a ver com o clube, pois o principal é olharmos para estas crianças e ver um sorriso em cada uma delas. Os clubes estão de parabéns por estarem dispostos a ajudarem estas causas”. Os jogadores acabaram por participar no festejo do aniversário de uma
das crianças, o Diego. “Esta Bata tem Poderes” teve, desde início, uma forte adesão de todas as Sociedades Desportivas. Desde logo, doaram equipamentos para a transformação das batas hospitalares, em parceria com a Fábrica Barata Garcia. Todos os clubes procuraram contribuir para a redução dos impactos emocionais que o internamento tem nas crianças e nas suas famílias.
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Desporto Sergio Aguero pendura as botas aos 33 anos Ana Francisca Maio
Aguero, agora ex-jogador do Barcelona revelou, em lágrimas, aos antigos companheiros de equipa que ia deixar de jogar futebol. A decisão ocorreu após o internacional argentino ter sofrido uma arritmia cardíaca, no jogo do F.C. Barcelona contra o Alavés, a 30 de outubro. O anúncio foi feito numa conferência de imprensa, na quarta-feira de 15 de dezembro, organizada pelo clube na tribuna do Camp Nou. Para além dos jogadores da primeira equipa do clube espanhol, estiveram também presentes no evento Joan Laporta, Presidente do F.C. Barcelona, e Pep Guardiola, treinador do Manches-
ter City, casa de Sergio sar que havia uma possiAguero durante dez anos. bilidade muito grande de eu não continuar como Segundo o Diário de No- profissional. Não foi fátícias, Aguero explicou o cil. Quando eles me liacontecimento: “Tomei a garam e disseram que decisão há dez dias. Fiz era mesmo o fim, demotudo o que era possível rei uns dias a processar para ver se havia esperan- que realmente era o fim”. ça, mas não houve muita. Quando fiz o primeiro O jogador teve, então, de exame físico, os médicos ser substituído ainda na chamaram-me para avi- primeira parte no jogo da
“La Liga” referido acima, por sentir dores no peito. Seguiram-se inúmeros exames que revelaram a arritmia cardíaca. Contudo, o ex-futebolista afirmou “Tenho agora como objetivo continuar ligado ao futebol, mas ainda não sei bem de que forma. Vou ter tempo para pensar nisso. O mais importante que ainda estou cá, só não
posso é voltar a jogar”. Nesta sua última época enquanto profissional, Aguero, chegado recentemente à Liga Espanhola, fez cinco jogos e um golo ao serviço do Barcelona.
ALBERTO GEA REUTERS
O percurso de “Kun” Aguero
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Começou a jogar futebol aos oito anos de idade na formação do Independiente, e já aí mostrava um talento fora do comum. Foi também na sua infância que recebeu a alcunha de “Kun”, pela qual ficou conhecido, devido a um desenho animado japonês do qual era fã. Estreou-se no futebol profissional pelo Independiente, a 5 de julho de 2003. Tinha uns recentes 15 anos, o que o tornou no jogador mais jovem a competir num jogo do Campeonato Argentino. O seu primeiro golo surgiu um ano e alguns meses depois, frente aos Estudiantes de La Plata. O talento de Aguero e facto de ainda ser tão jovem logo fizeram com que os fãs do Independiente o começassem a compa-
rar a Diego Maradona. Em 2005, pela sua técnica e velocidade, Kun foi eleito o melhor jogador da Liga Argentina, e começou a ser comparado a estrelas como Ronaldo Fenómeno e Romário. No ano seguinte, com apenas 17 anos, Aguero foi transferido para o Atlético de Madrid, por vinte milhões de euros, chegando, assim, ao futebol europeu. Na sua segunda época (2007-2008) pelos “colchoneros”, Sergio foi o terceiro melhor goleador da Liga Espanhola, com 19 golos, e foi essencial para levar a equipa de volta à Liga dos Campeões, depois de doze anos fora da competição. Pelo Atlético de Madrid, Kun conquistou a Liga Europa e a Supertaça da UEFA, ambas em 2010.
Após demoradas negociações entre vários clubes, o Machester City conseguiu comprar Sergio Aguero, a 27 de julho de 2011, por 45 milhões de euros. Na altura, a sua transferência passou a ser a mais cara na história do clube. Com um contrato de cinco épocas, o avançado começou a jogar pelo City, com o número 16. Estreou-se pelo novo clube a 15 de agosto de 2011, num encontro com o Swansea City, no qual entrou aos quinze minutos da segunda parte. Marcou o seu primeiro golo pelos “citizens” cinco minutos depois. Aguero entrou, de facto, para a história do City a 13 de maio de 2012, quando marcou o golo que deu o título inglês
ao clube, após quarenta e quatro anos de espera. O Manchester City foi a casa de Kun durante dez épocas, nas quais foi um jogador de destaque. Os títulos foram inúmeros: cinco conquistas da Premier League (2011– 12, 2013–14, 2017–18, 2018–19, 2020–21, uma Taça da Inglaterra (2018– 19), seis Taças da Liga Inglesa (2013–14, 2015– 16, 2017–18, 2018–19, 2019–20, 2020–21) e três Supertaças de Inglaterra (2012, 2018, 2019 ). A 31 de maio de 2021, o Barcelona anunciou Kun Aguero como o seu novo reforço. O internacional argentino assinou um contrato de duas épocas, com uma multa rescisória de 100 milhões de euros. O seu único golo com a camisola do “Barça”
foi marcado num Clássico contra o Real Madrid, em que o Barcelona saiu derrotado por 2-1. No que concerne à Seleção Argentina, Aguero integrou-a desde novo. Começou por ser convocado em 2004, para os Sub-17, e a sua passagem pela Seleção só acabou com a sua recente reforma. O ponto alto das várias vezes que representou o seu país foi a conquista da medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Pequim (2008). Para além disso, venceu dois Campeonatos do Mundo pela Seleção Sub20, em 2005 e 2007, e a Copa América de 2021.
Um jornal que une
Entrevista
“
Foi como voltar a ser criança e não ter nenhum crivo entre mim e os outros, não haver distância. Afonso Reis Cabral
De um menino de 9 anos que escrevia poesia no seu quarto, para o jovem escritor que venceu o Prémio Saramago em 2019. Ana Francisca Maio, Catarina Meireles, Thaís Magalhães Começaste a escrever poesia aos 9 anos de idade. Recordas-te do gatilho que deu início à tua vontade de escrever? Sim, perfeitamente. Isso foi em outubro de 1999, eu tinha nove anos, e foi por ocasião da morte da Amália. Eu, hoje em dia, relaciono as duas coisas, e penso que é correto relacioná-las. A Amália morreu e eu fazia ideia de quem era a Amália. Sabia que era fadista, que tinha uma voz extraordinária e que tinha cantado grandes poemas e grandes poetas, mas, na verdade, tinha nove anos e nunca tinha ouvido a Amália, a sério. Com a morte dela, todos os dias nas notícias se falava disso e se ouvia a Amália, e, portanto, eu relaciono o início da minha escrita e, particularmente, da escrita de poesia. De facto, eu não sou poeta, nunca fui poeta, mas foi uma maneira de começar a escrever que eu relaciono com a morte da Amália. Foi quase um desafio que a Amália me punha, que a voz da Amália me punha – e ainda hoje me põe, de certa maneira – de eu começar a escrever. A adolescência é um pe-ríodo de transformação e torna-se complica-do para muitos jovens. Neste sentido, qual foi o papel da escrita nessa altura da tua vida? Eu não relaciono muito a escrita com a adolescência, porque comecei a escrever aos nove e nunca mais deixei de o fazer. Em
princípio, na adolescência, as pessoas começam a exprimir-se de outra maneira, e muitas vezes usam a escrita para isso… Em diários, em poesia, ou em pequenos textos, e começam a usar a escrita como forma de expressão de uma convulsão interna, dessas transformações. Mas eu, na verdade, nunca tive isso, porque eu já escrevia antes da adolescência, e, para ser franco, eu penso que nunca tive essas convulsões internas de adolescência, no sentido clássico do termo. Ainda hoje tenho imensas convulsões internas, como toda a gente tem, e como é normal do ser humano, mas de adolescência, como período de transformação, e, de repente, revelação de uma nova expressão de si mesmo, nunca tive. Eu acho que já tinha sedimentadas algumas caraterísticas condutoras da minha personalidade.
um tinha os seus interesses, os seus entusiasmos, e, portanto, eu não sentia muito que o meu interesse pela escrita fosse tão diferente do interesse deles por outras coisas. Agora, era evidente que, ao escrever poesia e tal, havia ali qualquer coisa que não era a norma, não era o padrão, mas isso nunca foi um fator problemático. Aliás, a partir do décimo ano, eu fui para o Rodrigues de Freitas, para um Agrupamento de Línguas e Literaturas, e aí toda a gente gostava imenso de escrever, toda a gente gostava imenso de ler sobretudo, e não havia qualquer quebra.
anos, no dia em que partimos, portanto havia sempre um mínimo risco. Claro que depois revelou-se uma pessoa incrível, e foi uma viagem espetacular! Mas eu não ia à procura de nada em particular, nem sei bem porque é que fiz essa viagem, ou não me lembro, pelo menos. Mais tarde, já depois de sair o meu primeiro romance “Meu Irmão”, voltei a fazer essa mesma viagem, aí sim com o propósito de investigar, de estudar o percurso. Viajei com outro camionista, mas o percurso era praticamente o mesmo. Quis perceber se havia ali alguma matéria de
Durante o dia caminhava sozinho, e ao fim do dia tinha sempre uma nova pessoa que me encontrava, que se tornava minha amiga
Que histórias é que se literatura, para eu conpodem encontrar a bor- seguir transformar a priNesse tempo da ado- do de um camião TIR? meira viagem que fiz aos lescência, e como não treze anos no tema de um é comum os jovens es- (Risos) Eu sei lá! Quer livro. Depois não consecreverem como tu es- dizer, eu tentei encontrar gui, mas não fecho a porta crevias já nessa altu- uma história, particular- a isso, talvez mais tarde. ra, sentias muito essa mente mais tarde. Eu fiz Mas não houve qualquer diferença em relação, duas viagens de camião propósito literário com por exemplo, aos teus TIR. Uma delas aos treze a primeira viagem. amigos? Eles iam sair anos, à boleia de um caà noite e tu preferias fi- mionista, e aí eu não sei Fizeste duas viagens à car em casa a escrever? o que me levou a fazer Alemanha, percorreste essa viagem…Sei que os a Nacional 2 a pé e vais Por acaso, hoje em dia meus pais devem ter fi- fazer o percurso de Vassou mais de sair do que cado meio “acagaçados”, co da Gama até à Índia, naquela altura. Eu era sobretudo a minha mãe, em parceria com a Libastante mais reservado mas decidiram que acha- vraria Lello. Sentes que do que sou hoje. Em rela- vam que ia correr bem, faz parte de ti essa vonção a amigos, nunca senti e correu, de facto. Eu tade de sair, de viajar? muita diferença, porque conheci o Pedro Ribas, eu sempre tive um grupo o camionista com quem Na verdade, não. (Risos) de amigos em que cada fui à Alemanha aos treze Acho que não é muito
de acordo com alguns traços da minha personalidade. Por um lado, eu também acho que o ser humano não é uma coisa acabada. Ou seja, a desculpa, que muitas pessoas apresentam, do “eu sou assim” é uma maneira de se acomodarem, de não melhorarem, de não se “desacomodarem”, digamos assim. E, portanto, talvez até porque nalguns aspetos não fazem muito parte da minha personalidade, eu combato, e tento tê-las na minha vida. Mas, ao mesmo tempo, sou muito irrequieto, sou muito ativo, gosto de estar sempre a fazer coisas, não só na escrita, mas em muitos campos. Portanto, se calhar uma coisa ajuda a outra. Mas não são projetos que eu tivesse à partida. Por exemplo, não me lembro porque é que fiz essa primeira viagem de camião TIR, a Nacional 2 acabou por ser mais uma espécie de retiro, para fazer um balanço da vida. Mais do que a ideia da viagem em si, era uma viagem interior. E, depois, o que fizer, em princípio para o ano que vem, com a Lello, é um desafio da Lello, que eu achei interessantíssimo e aceitei logo, até por ser uma experiência de vida que acho que vai ser muito boa, mas também, neste caso, não partiu de mim. Quais as maiores dificuldades físicas e psicológicas que sentiste no caminho pela Nacional 2? Bem, físicas acho que senti durante a viagem
toda. Foi a viagem toda. Houve assim momentos mais fortes. Por exemplo, a descer para o Peso da Régua, em que estive cinco ou seis quilómetros com dor numa perna, que se assemelhava a uma chicotada pela perna acima até à coluna, sempre que punha o pé no chão. E mais tarde, no Alentejo, quase a ficar seco como um carapau ao sol. Houve vários momentos assim. Depois, psicologicamente também foi um bocado difícil a viagem toda, exceto nos três ou quatro últimos dias. A viagem durou vinte e quatro dias. Nos três ou quatro últimos dias, eu já tinha a certeza de que ia conseguir chegar ao fim, e aí há outro ânimo, outra alegria. Ao mesmo tempo, nessa fase, o meu corpo já se tinha habituado bastante mais a andar, e, portanto, eu já conseguia fazer quarenta quilómetros por dia, e não chegar cansado ao fim do dia. Quer dizer, chegava cansado, mas acho que não chegava mais cansado do que no fim de um dia de trabalho no escritório a escrever, a responder a e-mails, a tratar de problemas…A vida normal. E nesses três últimos dias descansei, de facto, psicologicamente. Tudo o resto foi mesmo um desafio. E nesses 24 dias de certeza que conheceste pessoas que te marcaram Sim. Isso, para mim, é que foi muito surpreendente nesta viagem. Como vos disse, eu tinha aquela ideia de retiro, ou de fazer um balanço da vida e de estar sozinho, mas depois fui escrevendo um diário online, nas redes sociais, e aquilo foi
crescendo, com muitas partilhas. Portanto, de repente, passei a ser muito acompanhado, mesmo até na própria estrada. Havia pessoas que iam ter comigo e me ajudavam. Aliás, eu tinha as três primeiras noites marcadas, e tudo o resto achava que podia depender da boa vontade das pessoas, e dependi. Portanto, durante o dia caminhava sozinho, e ao fim do dia tinha sempre uma nova pessoa que me
um “gajo” com uma mochila às costas e queriam ajudar. E, portanto, isso foi para mim mesmo enriquecedor e surpreendente.
transsexual brasileira Gisberta. Com esse livro, conquistaste o Prémio Literário Saramago em 2019. Afinal, porquê contar esta história?
Mas a nível mais pessoal e psicológico, quais A pergunta até podia ser acabaram por ser as outra: porque não conmaiores recompensas? tar esta história? O livro não tem um propósito Acabou por ser isso, por- de mensagem, não tem que foi ter acesso a um como propósito mostrar lado da vida que nor- ao leitor que uma pesmalmente nós não te- soa como a Gisberta, nas mos, que é quase como condições de vida que
REVISTA VISÃO
encontrava, que se tornava minha amiga. De facto, eu digo “amigo” não no sentido lato, são pessoas que hoje em dia continuam a ser minhas amigas. Essa solidão acompanhada foi para mim muito enriquecedora, e é um sinal de que, de facto, o nosso povo é muito hospitaleiro. É que não eram só pessoas que liam o que eu escrevia, ou que sabiam que eu sou escritor, e que, como tal, já estavam um bocado mais predispostas a acompanhar, mas também pessoas que estavam na estrada, viam
voltar a ser criança. As crianças são ajudadas, se estão na rua, sozinhas, alguém lhes dá a mão, e as leva aos pais ou à polícia, se for preciso. Por isso, foi como voltar a ser criança, e não ter quase um crivo entre mim e os outros, não haver uma distância, e isso é muito enriquecedor. É uma exceção, o ser humano é mais complexo do que isso, mas nesses dias foi quase como viver um pequeno paraíso.
ela tinha, e no fim de vida em que se encontrava, tem de ser bem tratada, acolhida, acarinhada. Não tem esse propósito, porque me parece um pouco injusto, até para a própria literatura, mostrar uma coisa que já estava à vista de toda a gente. Quer dizer, se uma pessoa que conhece o caso Gisberta, não se define perante o caso Gisberta, algo de mal se passa com essa pessoa, uma certa insensibilidade. Não é preciO romance “Pão de Açú- so um romance, não é car” colocou luz sobre preciso um livro, para o assassinato brutal da isso. E, portanto, o livro
não tem um propósito didático, nem de sensibilizar os leitores. De vez em quando perguntam-me se o objetivo é mudar mentalidades. Não é, na verdade. Se isso depois acontecer…Nem sequer está ao meu alcance perceber se isso aconteceu ou não. O propósito deste livro, e o de qualquer livro, é contido em si mesmo, ou seja, o propósito é escrever um livro. Evidentemente, o caso real confrontou-me, e pareceu-me que havia diversas facetas no caso real muito profundas para trabalhar literariamente. E isso transcende em muito, acho eu, a ideia de mensagem, transcende em muito um propósito. Quer dizer, o objetivo é trabalhar literariamente temas que para mim eram desconhecidos. Conheço, como todas as pessoas, minimamente, problemáticas vividas pelas pessoas transexuais, transgénero, porque vou vendo nas notícias, aqui e ali, mas até me debruçar sobre o caso Gisberta, para escrever o livro, era uma realidade que me passava muito ao lado e que era muito estrangeira para mim. Isso também me atraiu, porque acho que a literatura é também uma maneira de se descobrir novas realidades, e até criá-las, de certa maneira. Por outro lado, os próprios rapazes e as próprias personagens que depois eu vim a criar são muito diferentes de mim. Portanto, tudo aquilo era para mim muito distante, e essa distância era um desafio. Assim, comecei a escrever até por isso mesmo, um bocadinho ao contrário do que se passava com o “Meu Irmão”. O “Meu Irmão”, apesar de o livro não ser
THAÍS MAGALHÃES
autobiográfico, aborda uma realidade que eu conhecia, já a realidade do caso Gisberta eu não conhecia. E este jogo de não conhecer, de querer conhecer e até de inventar, claro, fascinava-me. O desafio atrai-te, de certa forma? Sim, porque tanto a temática do “Meu Irmão” como a do “Pão de Açúcar” são um bocado difíceis. Não só as personagens que lá estão, como os narradores, envolvem temas que podem considerar-se delicados: pessoas à margem, pessoas tocadas e marcadas pela sua condição. Isso é um desafio tratar. Por outro lado, dá personagens fortes, e eu gosto de personagens fortes e de histórias fortes. De certa maneira, paradoxalmente, talvez devido a uma certa faci-
lidade, porque embora sejam temas bastante fortes e difíceis de tratar que originam personagens fortes e assuntos intensos, torna-se mais fácil de trabalhar, no sentido em que chega mais ao leitor. Por exemplo, pegar numa história aparentemente corriqueira e transformá-la nalguma coisa mais significativa se calhar até pode ser mais difícil. Há livros, e novelas em particular, que fazem isso de uma maneira incrível, mas até agora eu tenho apostado nos temas fortes. Existe alguma coisa que guie o teu processo criativo? Não sei se tem alguma coisa que guia. Eu acho que o que guia realmente é o instinto literário. Se calhar nem é um instinto, é uma coisa que se vai construindo, que quem
escreve vai construindo, de estar interiormente educado para compreender que, aí sim parece instintivamente, determinado tema, determinado ângulo, determinada frase, determinada linha de pensamento, é interessante. Se há uma coisa que a literatura não pode ser é desinteressante. A literatura é por definição interessante. E acho que essa coisa quase automática, e daí eu chamar-lhe instintiva, é um caminho e, portanto, é um guia, tanto nos romances, como nas coisas pequenas das crónicas. Ainda hoje, eu tinha de escrever uma crónica e, na verdade, estive algum tempo sem saber o que ia fazer com a crónica, e tinha que entregá-la até às cinco da tarde. E lembrei-me da vida sexual dos tamboris. (Risos) É que a vida sexual dos tamboris é muito interessante
e a crónica é sobre isso. E é quase um instinto, quer dizer, eu estou a dizer-vos isto e vocês riram, e isso diz-me que vão ler, e que acharam um bocado surpreendente a ideia. É este instinto que leva a que depois no leitor haja uma reação talvez como essa. Isso guia-me muito. A língua é a tua ferramenta. Para ti, o que é a Língua Portuguesa? Para já, há aquelas respostas muito óbvias: é a minha ferramenta, a minha fonte, o que seja. Mas eu acho que sobretudo há duas respostas. Uma é a língua no sentido
prático do termo que é o que estamos a fazer agora. E esse sentido prático da língua, de mera comunicação, de clareza no que se comunica, de conversa também, é comum a toda a gente. Mas depois há outra língua reservada a quem escreve. Eu considero que é uma língua diferente por cada escritor, e para mim a língua é uma transformação, nesse sentido. É um barro que eu transformo, e que tento moldar sempre de maneiras diferentes. Essa língua é só minha, de facto, ou eu tento que seja só minha, como eu acho que é só de muitos outros escritores que
Pessoas à margem, pessoas tocadas e marcadas pela sua condição. Isto é um desafio tratar. Por outro lado, dá personagens fortes.
eu admiro, e que acho que escrevem bem. Portanto, o desafio é moldar esse barro e poder dizer que essa língua é só minha. E depois emprestá-la às outras pessoas. És escritor e lês muito. Sabes a média de livros que leste este ano? Este ano, não sei bem, mas no mínimo trinta até agora, mas nem é muito para o que eu costumo ler. Eu acho que qualquer escritor tem de ser assim, tem de ler muito, beber muito do que lê, para escrever. E se há algum escritor que diz que não lê, ou que não gosta de ler, ou que está muito atarefado a escrever e, portanto, não tem tempo para ler, é porque, na verdade, não é escritor. Não vejo que seja possível.
seja coisas tão simples como um tema que me interessa e que pesquiso no Youtube, e, de repente, esgoto tudo o que há sobre isso, como documentários, vídeos, até de “youtubers”. Há assim muitas coisas que me fascinam, desde astrobiologia ou cosmos, à engenharia, filmes de terror… Se há algum dia que eu estou mais chateado por não ter nada para fazer, ou maçado, é por minha culpa, porque há sempre imensas coisas por descobrir. Séries. Gostas de ver? Claro. Acabei agora de ver uma série chamada “Maid” na Netflix, e é muito boa. Do ponto de vista narrativo, aquilo está muito bem feito, é uma minissérie.
Costumamos sempre ouQual é o livro que estás vir que os livros são mea ler neste momento? lhores do que os filmes. Concordas? Agora estou a ler “Go Tell It on the Mountain” de Ja- Eu acho que não é preciso mes Baldwin. É um livro notável sobre religião, sobre a família de certa maneira, sobre propósitos muito marcados que depois destruídos pela realidade, e é de um grande escritor que eu ainda não tinha lido e que estou a achar extraordinário. E o que é que te cativa? O que é que gostas de fazer para além da leitura e da escrita? Tanta coisa. (Risos) A vida normal. Faço boxe, mergulho, até há pouco tempo tinha muitos pássaros e gosto muito de animais. Tanta coisa. Eu tenho muitos interesses. Há muita coisa que me fascina, quanto mais não
comparar um ao outro. Há grandes filmes e há grandes livros. Claro que eu acho que a literatura e os romances são a obra de arte por excelência, e não só comparados com filmes, mas com tudo o resto, porque acho que é onde o ser humano cai mais plenamente, onde o ser humano se expressa mais plenamente. Por isso, para mim são o expoente da obra de arte, mas de certeza que há pessoas que argumentam muitíssimo bem outras coisas. Eu acho é que nós caímos muitas vezes na tentação de ver as coisas como binómios – ou isto, ou aquilo – e não é preciso, uma coisa não invalida a outra. Agora, por norma, eu acho que, de facto, quando um livro é adaptado para filme, o livro costuma ser melhor, mas há muitos exemplos do contrário. “As Pontes de Madison County”: o livro é muito pior do que o filme. O “Psycho” do Hitchcock”: o livro é uma
merda, é uma porcaria de um livro, é um thriller barato, que nem sessenta cêntimos valeria, e o filme é muito melhor, é um clássico. Portanto, há exceções muito, muito boas, e há também casos em que eu acho que o livro e o filme são praticamente equivalentes na qualidade. Por exemplo, o livro “Este País Não É para Velhos» de Cormac McCarthy é excelente, e o filme também é excelente. Agora, a norma dita que o livro é capaz de ser melhor.
Acho que a resposta fica insuficiente, porque não tenho muito pensamento sobre o assunto, se calhar. Conta-nos um sonho teu, os teus projetos de vida.
Acho que o sonho é sempre o próximo livro. Depois também há coisas mais pessoais. Projetos de vida tenho muitos aí pela frente. O próximo livro é essencial, o projeto com a livraria Lello, mais crónicas para jornais. Eu acho que é mais um bocadinho do mesmo que foi Tens algum ídolo? até agora. Não há assim uma coisa que saia do que Não particularmente. Não eu tenho feito até agora. é assim uma coisa que eu pense muito. Tenho, tenho ídolos assim de Claro que eu acho um ponto de vista mui- que a literatura e to pessoal, mas não vou os romances são a por aí, porque é de certa obra de arte por maneira embaraçar até os excelência (...), é tais ídolos. (Risos) Mas tenho muitos escritores onde o ser humaque acho marcantes para no cai mais plenamim. Em figuras histómente rias nunca pensei muito, nunca pensei muito nisso.
GERARDO SANTOS/GLOBAL IMAGENS
Cultura O “Sonho de Garoto” de Kevin O Chris passou por Portugal Ana Francisca Maio
No dia 13 de novembro, o artista brasileiro deu um concerto na Altice Arena, em Lisboa, que contou com a presença de milhares de fãs e com a participação de David Carreira.
REVISTA CARAS
Kevin O Chris, cantor e compositor de funk, do Rio de Janeiro, aproveitou o concerto em Portugal, na Altice Arena, para gravar o seu terceiro DVD desde o início da carreira, “Sonho de Garoto”. Kevin recebeu David Carreira no palco, uma participação especial para o cantor, como revelou numa conferência de imprensa: “Estou muito feliz por gravar com o David. Já acompanhava o trabalho [dele]”. O artista tornou-se, assim, no primeiro funkeiro a gravar um DVD completo na Europa. Portugal foi o sítio escolhido, “porque a música ‘Tipo Gin’ ‘estourou’ primeiro aqui” e dado que “O pú-
blico [daqui] recebe-me muito bem, melhor do que noutros lugares. Estou muito feliz por estar a gravar aqui. A receção do povo português é linda.” Este DVD é o primeiro de Kevin O Chris no qual as músicas são todas da sua autoria. Na mesma conferência de imprensa, o cantor ainda acrescentou que “O DVD conta a minha história desde o início, do que eu era, desde quando era ‘moleque’ e tinha o sonho de ser DJ, até àquilo em que me tornei”.
faz “tanto sucesso fora do Brasil”. Para Ana, “fazer com que um país se mova para ir ver “um simples show de funk” tem “um significado imenso.”, acrescentando que é “um orgulho imenso saber que o funk e a cultura brasileira está cada dia mais respeitada e popular no mundo”. De acordo com a fã de Kevin O Chris, os portugueses gostam bastante dos brasileiros e da cultura brasileira, sendo que, segundo tem observado, é raro ver “os adolescentes portugueAna Trega, de 16 anos, ses ouvindo música do esteve na Altice Arena, e seu país, mas sim o nosso falou com o Transversal. amado funk brasileiro”. Quando soube do concerto, ficou logo com von- Eduarda Braga, de 24 tade de ir, por ver que a anos é Label do Kevin sua cultura, a brasileira, O Chris na K2L, um dos
escritórios responsáveis pela carreira do cantor. Eduarda, em declarações ao Transversal, reforça a ideia de que “Portugal sempre recebeu o Kevin de uma maneira especial, além de ser um país que consome de fato as músicas dele. Os números não mentem, ele sempre está em alta nas plataformas digitais em Portugal.” A produção tinha, de facto, as expectativas altas e confiava que a vinda de Kevin a Portugal seria um sucesso. Ainda assim, Eduarda Braga considera que o evento superou as expectativas: “O público português surpreendeu a todos nós positivamente! A energia foi única até mesmo durante as músi-
cas inéditas, foi lindo ver todos gritando “Kevin, Kevin” e vibrando do início ao fim do espetáculo. (...) Foi maravilhoso ver que realmente nosso trabalho é muito reconhecido pelos portugueses”. O objetivo da organização do concerto também foi, desde o início, trazer um pouco da cultura brasileira aos imigrantes brasileiros em Portugal, como confirma Eduarda: “Ouvimos de muitos brasileiros que vivem em Portugal que esse show trouxe um pedaço do Brasil, especialmente do Rio de Janeiro para Portugal e esse era o nosso intuito desde o início. Levar nossas raízes e o funk de verdade para galera.”
O centenário a caminho da eternidade de José Saramago Giovana Frioli
As comemorações para o centenário de José Saramago pretendem colher grandes frutos no futuro. Desde a última terça-feira (16), os 100 anos do escritor português estão sendo festejados durante um ano com uma programação especial por Portugal, Brasil, Espanha e outros países do globo. A organização é feita pela Fundação José Saramago com parceria da Rede de Bibliotecas Escolares e com o Plano Nacional de Leitura. A memória do único Nobel da Língua Portuguesa será revivida em atividades de cinema, música, literatura, teatro, ópera e em diversas áreas do mundo das artes. O primeiro evento foi feito com uma leitura simultânea em 100 escolas portuguesas de obras do autor. Nas do Ensino Básico o seu livro ‘A Maior Flor do Mundo’, nas do Ensino Secundário páginas do ‘Memorial do Convento’ e ‘O Ano da Morte de Ricardo Reis’. A pequena amostra faz parte de um programa extraordinário, que de 16 a 18 de novembro integra o ‘II Colóquio de Estudos Saramaguianos’, pelas Universidades Fe-
derais do Rio Grande do Norte e Fluminense, e de 10 a 13 de dezembro a ‘VI Conferência Internacional José Saramago’ da Universidade de Vigo. As comemorações têm como comissário Carlos Reis, o catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, especialista de Literatura Portuguesa e que foi designadamente diretor da Biblioteca Nacional e reitor da Universidade Aberta. No anúncio do evento, o professor comentou: “Celebramos mais do que a literatura e mais do que Saramago. Celebramos a cultura como espaço de liberdade e como constante motivo
de superação dos limites”. de contradições.”, diz o comissário Carlos Reis. Além de enaltecer a literatura, a programação “Vivo em desassossego, tem a intenção de resga- escrevo para desassossetar uma reflexão sobre a gar”: com as palavras de atualidade: “A partir da Saramago, o centenário mensagem de Saramago pretende prestigiar a leie da preocupação ética e tura como a interpelação social que atravessa a sua do mundo e dos homens; obra, insistimos na ne- como aquela que provoca cessidade de denunciar a e questiona as instituições violência e a intolerância, e convenções do presente. os crimes ambientais e as O programa é concebido falácias das democracias em quatro eixos para vaque se vão degeneran- lorizar Saramago: 1) o da do. E ainda a consciência biografia; 2) o da leitura dos deveres humanos, a e a conquista de novos partir e para além da rei- leitores; 3) o das publivindicação dos direitos cações, contemplando humanos. Celebramos, a reedição da obra saraem suma, a nossa obriga- maguiana; 4) o das reução de estarmos atentos niões académicas, em e vigilantes, num mun- Portugal e outros países. do sombrio e carregado
Além da ação de ‘Leituras Centenárias’ pelas centenas de escolas, o dia 16 teve atividades nas sete bibliotecas da Bibliotecas José Saramago, às 18h com leituras encenadas, maratonas de leitura e leituras por redes sociais. Às 20h, no São Luiz Teatro Municipal, a escritora Irene Vallejo leu um Manifesto pela Leitura; segue-se um concerto pela Orquestra Metropolitana de Lisboa, dirigida pelo maestro Pedro Neves. O programa é composto por ‘As Sete Últimas Palavras de Cristo na Cruz’, de Joseph Haydn, com leitura de textos de José Saramago pela atriz Suzana Borges.
REPRODUÇÃO
Um jornal que une
Cultura Portugal tenta nomeação nos Óscares com “A Metamorfose dos Pássaros” Ana Francisca Maio
A longa-metragem de Catarina Vasconcelos foi a escolhida como a candidata do país a uma nomeação nos Óscares 2022, na categoria de Melhor Filme Internacional. Nunca nenhum filme português foi nomeado a Melhor Filme Internacional dos Prémios da Academia. Para o próximo ano, a aposta da Academia Portuguesa de Cinema é o filme “A Metamorfose dos Pássaros” da jovem realizadora Catarina Vasconcelos, outrora estudante de belas-artes, cuja carreira brotou em 2014. Segundo a Academia Portuguesa de Cinema, o filme foi escolhido entre um grupo de seis, sendo o eleito decidido entre 12 e 28 de outubro. Os ou-
tros filmes, pré-selecionados, eram “Sombra”, de Bruno Gascon, “Terra Nova“, de Artur Ribeiro, “O Último Banho”, de David Bonneville, “Nunca Nada Aconteceu”, de Gonçalo Galvão e “O Som Que Desce na Terra”, de Sérgio Graciano. “A Metamorfose dos Pássaros” é um filme marcado pela morte e pela própria experiência de vida da cineasta. Em entrevista ao Observador, Catarina Vasconcelos confessou que se sentiu muito sozinha quando, na
adolescência, a sua mãe morreu. Contudo, acrescentou: “Depois cresci e percebi que não tinha a ver com a idade em que isto me tinha acontecido. Não falamos disto, ponto, não há espaço para os mortos ou para falar de quanto isto nos custa. Achamos que são assuntos que são mórbidos, que não devem ocupar a nossa vida. Se pudermos falar um pouco mais destes assuntos, talvez eles se tornem menos assustadores e mais naturais”. A realizadora falou ainda acerca do poder do
cinema: “pode trazer-nos possibilidades e pode trazer-nos formas de a repensar. E de alterarmos a nossa história, mesmo que seja no plano da ficção. Podemos recontar a nossa história e recontar como quisermos, com toda a esperança, com um olhar mais distante. Por isso conseguimos torná-la outra coisa.”.
val de Cinema de Berlim, em 2020, bem como no Festival de San Sebastián e no IndieLisboa.
No dia 8 de fevereiro de 2022, serão revelados os nomeados, e só aí saberemos se “A Metamorfose dos Pássaros” conseguiu o que nenhum outro filme português alcançara até então. A cerimónia dos Óscares A primeira longa-me- terá lugar no dia 27 de tragem de Catarina Vas- março, em Los Angeles. concelos estreou em Portugal em outubro de 2021, mas já tinha marcado presença no Festi-
Um espetáculo de improviso à brasileira Thaís Magalhães
Gregório Duvivier, João Vicente de Castro, po Porta dos Fundos, chegam a Portugal Já conhecido pelo público, com grande sucesso em terras portuguesas em 2015 e 2016, o espetáculo Portátil terá lugar em 2021 entre os dias 17 e 22 de dezembro, nas cidades de Coimbra, Castelo Branco, Porto e Lisboa. Na primeira digressão em 2015, o espetáculo passou pelo Porto, Lisboa, Braga, Aveiro e Leiria. Em
Luís Lobianco e Gustavo Miranda, do grue prometem encher os teatros em dezembro.
2016, contou com a participação do humorista português César Mourão e esteve em Lisboa, Coimbra, Porto e Guimarães.
ver o roteiro na hora, ao abrigo do improviso. Os ingressos para o espetáculo estão disponíveis nas página do TicketLine.
O espetáculo foi produzido pela H2N e não terá um roteiro fechado, pelo contrário, será criado na hora. A partir de uma história trazida por um espectador da plateia, os atores irão desenvol-
A peça conta com uma indicação ao Emmy Internacional em 2017, com a série documental Portátil disponível na Netflix.
Crítica
Round 6: um personagem, várias críticas Thaís Magalhães Round 6 é uma série sul-coreana da Netflix que estreou em setembro de 2021, e garante sangue e crítica em todos os episódios. Em pouco tempo no ar, se tornou a série mais assistida em 90 países e o seu sucesso apresentou ao mundo, através de personagens complexos, traços da cultura do país asiático. Idealizada pelo roteirista e produtor sul-coreano Hwang Dong-hyuk, o K-Drama é composto por duas temporadas e nove episódios. Atraídos por um prémio milionário de 40 milhões de Wons, um grupo de pessoas desesperadas por dinheiro, são numeradas e confinadas num espaço lúdico, que ao longo dos episódios, se torna sangrento. Brincadeiras populares da Coreia do Sul são as provas pelas quais os personagens precisam ultrapassar; não fazê-lo significa a morte, e os que morrem contabilizam mais dinheiro para o vencedor, ou melhor, sobrevivente. Mas o suspense dramático vai muito além do raso conteúdo, que pode num primeiro momento, parecer apenas violento. A série consegue retratar questões sociais transversais à vida dos cidadãos na Coreia do Sul. Por ter um cunho de crítica social tão presente, a série teve grande repercussão ao redor do mundo. Na vizinha Coreia do Norte casos de prisão perpétua e condenação a pena de morte, daqueles que venderam ou assistiram à série, foram noticiados. Round 6 assumiu assim um papel político e crítico ao expor ao mundo, em formato de trama, os problemas sociais enfrentados por aqueles que vivem na Coreia do Sul. Cada personagem que aceita participar da competição chega até lá por algum motivo. O personagem principal simboliza o fracassado profissionalmente. A viver com a sua mãe num pequeno imóvel que mal acolhe a uma pessoa, Gi-hun (Lee Jung-jae) nunca tem dinheiro para as necessidades básicas da filha e não consegue ajudar a mãe com as contas da casa. Endividado, levava a vida a pedir empréstimos a conhecidos e à máfia local. A personagem marcada pela dualidade entre tristeza e comicidade, Gi-hun é ameaçado de morte pela máfia e vê o jogo como única salvação da sua vida. Assim como no filme “Parasita” de Bong Joon-ho, a desigualdade social é tratada em Round 6. Grandes intervalos de classe e a competição no mercado de trabalho contribuem para a dificuldade das gerações mais jovens em conseguir um emprego. De acordo com um dos relatórios publicados pelo Banco Central da Coreia, 30% dos sul-coreanos são superqualificados para a vaga de em-
prego que ocupam. Além disso, o jornal The Hankyoreh, publicou uma notícia em que constatou que três em cada quatro jovens entre 19 e 34 anos querem deixar o país em busca de melhores oportunidades. A personagem Sae-byok (Jung Ho-yeon), entra no jogo, pois quer juntar dinheiro para conseguir reunir a sua família, visto que se desintegrou. A personagem fugiu da Coreia do Norte, o pai foi morto pelo regime e o seu irmão, vive sozinho num orfanato norte-coreano. Essa mesma personagem, também aborda a relação complicada com a China, principal aliada da Coreia do Norte. A mãe de Sae-byok foi detida em território chinês enquanto tentava entrar na Coreia do Sul pela China. Em vista disto, o objetivo da personagem é ganhar os 40 milhões de Wons e trazer o irmão e a mãe para perto de si. Muitos norte-coreanos se arriscam a fugir para a Coreia do Sul, de modo a encontrar melhores condições de vida. Antes de 2019, mais de mil norte-coreanos tentaram refúgio à sul. Ali, um imigrante paquistanês torna-se um número do jogo depois que parou de receber salário do seu chefe sul-coreano. Casado e com um filho, a falta de renda para sustentar a família força Ali a abandoná-los para arriscar-se no jogo. A personagem simboliza, portanto, a vulnerabilidade da exploração de trabalhadores imigrantes no país. A corrupção também é abordada na série. Cho Sang-woo, um jovem banqueiro promissor dececiona à sua mãe e perde a sua boa reputação ao ser descoberto num esquema de desvio de fundos da empresa em que trabalhava. Diversos escândalos a envolver a elite política do país têm sido expostos nos últimos anos. Um escândalo que marcou o ano de 2017 foi a condenação a 24 anos de prisão da ex-presidenta Sul Park Geun-hye pela constatação de envolvimento no caso de corrupção da “Rasputina”. Round 6 é coreano e universal. Através de personagens complexos e um roteiro atento às sinuosidades dos problemas sociais sul-coreanos e globais, a série atribui à narrativa características típicas da cultura sul-coreana, porém são traços que pessoas de diferentes partes do globo podem se identificar. Talvez este seja um dos motivos para o grande sucesso da série.
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Editorial e Opinião Crianças portuguesas que só falam ““brasileiro””
Thaís Magalhães
Estatísticas oficiais apontam que em 2020 havia em Portugal 183.993 brasileiros residentes, essa porção não inclui os brasileiros com dupla cidadania (algo muito comum devido ao alto número de imigrantes portugueses no Brasil -ao longo dos séculos-). Esse valor aponta que a comunidade brasileira representa 28% dos imigrantes em solo português, uma fatia muito representativa.
que se transmite numa espécie de fenómeno surreal nunca visto antes. Cabe avisar que a língua, como algo vivo, se transforma e se renova ao longo do tempo. Imagina se os miúdos de hoje falassem como Camões ou as crianças brasileiras falassem como Machado de Assis: estariam todas mortas no tempo, né? Além disso, que língua é a língua brasileira? Existe essa língua? No Brasil, há 521 anos, em média, se fala português, língua essa que devorou as outras línguas que exisAlém de estarem conquistando fisicamente espaços em Portu- tiam quando o Brasil era ainda terra de Pindorama. Dizer que o bragal, no território virtual, parecem também chegar aos lares dos sileiro fala brasileiro, é quase que dizer que o português fala galego. “miúdos” através dos “youtuberes” brasileiros. Se desde sem- Se assim for, anexamos Portugal à Galícia e encerramos a discussão. pre as telenovelas brasileiras conquistavam o sotaque fechado do português, agora os “youtuberes” parecem incomodar pais que, Num parágrafo de média lucidez, a professora de linguística, Catarina ao invés de se preocuparem com o tempo excessivo de horas que Menezes, direcionou a discussão para o lugar correto: “Eu penso que os filhos passam “ao pé” dos tablets e celulares, se preocupam poderia ser interessante incorporar estas linguagens na escola. Porque que as crianças não querem mais falar autocarro e sim, ônibus. elas podem ser descontruídas e trabalhadas. Podemos ver como é que palavras diferentes podem designar uma mesma realidade, sobretudo Essa preocupação se mostra demasiadamente descabida, e em diferentes contextos culturais. E às vezes até na própria sala de o motivo noticioso parece não ter o enfoque mais adequa- aula, porque aí também existe uma interculturalidade que não existia”. do. Se a Laura, -de 3 anos- tem autonomia para dizer que prefere assistir aos conteúdos brasileiros ao invés de “O Panda De fato, em um Portugal multicultural de 2021, fazer uma publicação e os Caricas” ou “Ruca”, com 10 anos irá ser a “chefe da casa”. destas me parece no mínimo ofensivo. Portugal que fez questão de espalhar o seu falar por outros continentes, deveria hoje saber integrar as E mais descabida ainda, foi a linguagem usada para abordar o tema: variedades do idioma, que o torna um patrimônio da humanidade. Como “António, da mesma idade, começou a dar sinais de alerta há já algum já dizia Caetano num dos seus maravilhosos usos da língua portuguesa: tempo..” Parece que o texto estava tratando uma doença contagiosa
“E deixe os Portugais morrerem à míngua Minha pátria é minha língua”
Público
‘Acordei brasileira, de novo’: as próximas eleições e o chute na bunda do bolsonarismo Gioana Frioli Falar sobre o Bolsonaro sempre é cansativo. Há anos pedimos ‘Fora Bolsonaro’ e ele segue lá. Já apelamos até para o Michel Temer – o pai que criou seu filho, o bolsonarismo, após o golpe. Bate um desânimo: “É, eu acordei brasileira de novo”. Mas, de fato, não estamos cansados de Brasil, e sim das tragédias e do sofrimento. Se já conhecemos o buraco do Governo Bolsonaro, nos resta saber como podemos abandoná-lo pequeno e sozinho no escuro.
Apesar de tudo, ainda era um país sem reforma agrária, sem enfrentar o agronegócio e atrasado nas políticas de demarcação de terras. A bancada ruralista seguia mandando e estava no ministério. O boi, a bíblia e a bala já existiam no Brasil. O fundamentalismo religioso não havia começado com Bolsonaro; eles já negavam direitos reprodutivos das mulheres, atacavam a população LGBTQIA+ e promoviam racismo contra religiões de matriz africana. Antes de tudo, sem Bolsonaro não vivíamos um sonho no Brasil. Ape- Mesmo mais fortes com Jair, não surgiram com a eleição de 2018. sar de parecer que sim quando olhamos para a dimensão do pesadelo atual. Há cerca dez ou vinte anos no país não tínhamos uma realida- Para construir o depois de Bolsonaro – que é praticamente reconstruir de tremendamente feliz. Tínhamos calmaria, uma certa estabilidade muitas coisas – também precisamos pensar no que construir. É bem e uma certa esperança também. O desejo de melhorias era um afeto evidente que muitos de nós daríamos tudo para voltar ao ano de 2010, que acolhia aqueles que tinham alguma consciência de classe, mesmo imagina né?! Quando tínhamos mais pessoas alimentadas, a Amazôdiante das contradições do período. Mas, antes de Bolsonaro, não es- nia era menos destruída e tinha mais emprego para a população. Mas távamos sentados esperando a vida passar. Tinha muita luta também. não podemos deixar de apontar as contradições da época, que nos deixaram de certa maneira mais vulneráveis ao que vivemos hoje. Não esquecemos da resistência contra a construção de Belo Monte que atropelava os direitos indígenas e a natureza. Antes de Bolsona- A despolitização, também promovida pela esquerda no Brasil, torro já lidávamos com o encarceramento em massa, fruto do racismo nou o caminho mais fácil para a direita e para Bolsonaro se reinstitucional do sistema penal e da ‘guerra às drogas’ – que não é erguer com os seus próprios esforços e métodos – Whatsapp?! contra as drogas e sim ao povo mais pobre, racializado e periférico A partir de agora, é importante pensarmos na oposição do atuno Brasil. Antes de Bolsonaro passávamos bons investimentos na al presidente, sem deixar de lado o que de fato precisamos. Apeeducação: o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística aponta um sar de boa parte dos mais ricos e dos poderosos estar desgastaaumento de 400% na presença de negros e negras no Ensino Superior da com a figura de Bolsonaro – e quererem até se livrar por não entre 2010 e 2019. Mas nem tudo era um mar de rosas. O sistema edu- conseguirem controlá-lo – eles irão manter os reacionários vivos. cacional no país ainda era deficitário em recursos, muito abaixo do ideal e do necessário, seja na educação básica ou nas universidades. Derrotar o Bolsonaro não é suficiente. É necessário derrotar o bolsonarismo e as ideias raízes que o criaram – tal como o Movimento Brasil Antes de Bolsonaro, o Brasil conseguia alimentar o seu povo. Depois Livre (MBL) que se diz contra o presidente mas fortaleceu o fascismo de tantos anos de fome crônica, o país saiu do Mapa da Fome em 2014 no país. Tirar o Bolsonaro abala o bolsonarismo, mas ele pode se renocom um índice abaixo de 5% em subalimentação, com programas var – e aí estaríamos trocando seis por meia-dúzia! Quando falamos: como o ‘Fome Zero’, a expansão do Bolsa Família e outras políticas ‘O Bolsonaro vai cair’, alguém tem que empurrar e precisa ser a gente. públicas que vieram dos governos do Partido dos Trabalhadores e dos estados brasileiros. Havia comida chegando na mesa do trabalhador do Brasil, diferente do que vemos hoje, com uma insegurança alimentar que atinge mais da metade da população – 125 milhões de cidadãos, de acordo com o Grupo Pesquisa Alimento para a Justiça.
Recomendação de leitura: Sintomas Mórbidos: a Encruzilhada da Esquerda Brasileira Autora: Sabrina Fernandes
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Editorial e Opinião Convidada
Eu sou aqui e também sou ali Letícia Carvalho Você é você onde quer que esteja e em qualquer situação. Esse é um dos grandes dilemas da vida, a responsabilidade de ser quem você é. Meu nome, rosto e outras características estão sempre atreladas a mim. E, por isso, sou brasileira até na Bulgária. O processo de imigração é repleto de desafios e descobertas. Independente de quanto tempo você esteja fora ou quantas vezes já tenha mudado de país, é impossível que as situações se repitam da mesma maneira. Tendo eu saído do Brasil e ido morar em Portugal, decidi me aventurar mais uma vez e chamar a cidade de Sofía, no Leste Europeu, de casa. Assim, inevitavelmente, comecei a fazer comparações e relações entre as minhas duas experiências de migração. Não consigo afirmar com toda a certeza que o motivo seja a distância física ou cultural, mas pouco se sabe sobre o Brasil na Bulgária. Todas as vezes em que me perguntavam o meu país de origem e eu respondia, ficavam curiosos acerca do motivo que tinha me levado até lá e “como é a vida no seu país?”. Mais curioso ainda é me deparar com pessoas de outras nacionalidades, deste lado da europa ou de países asiáticos, com estes questionamentos também. Afinal, o mundo é realmente gigante e assim como não conhecemos profundamente todos os países do globo, há muita gente que não conhece de verdade o nosso. Enquanto ando na rua ou até no meu ambiente de trabalho, quando as pessoas não me conhecem, automaticamente falam comigo em búlgaro e com outros colegas imigrantes em inglês. A princípio achei que seria coincidência, depois percebi que era um padrão. Observei melhor enquanto andava pelas ruas e comecei a questionar algumas pessoas sobre isso. Descobri que encontravam em mim algumas semelhanças físicas com os naturais dali. “Tem rosto redondo, cabelo liso e castanho? Provavelmente você é búlgara.” é o que eu agora imagino que pensem quando me olham. A verdade é que ir para um lugar no qual a cultura seja, de facto, diferente da sua faz com que: 1. você descubra na vida real o que realmente é diferente 2. se adapte. Não costumava comer abóbora de manhã, passei a comer. Não costumava buscar água termal na fonte da rua, passei a buscar. Não costumava tentar ler alfabeto cirilico, passei a tentar (só tentar mesmo). A imposição de quem você é a todo o momento faz também com que todas as vivências sejam atreladas somente a ti. Não se pode viver uma vida e acrescentar a bagagem à vida de uma outra pessoa. Ser é um contínuo perfazer.
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“Não faz mal não estar bem”, já dizia a Mimi Ana Francisca Maio Numa altura em que parece que tudo tem de ser perfeito e que temos de estar bem e felizes 100% do tempo, vale sempre a pena lembrar que “não faz mal não estar bem”. A primeira vez que ouvi esta música da Mimi Froes foi como se finalmente alguém entendesse o que eu tenho vindo a pensar nos últimos tempos. Não me cabe na cabeça o porquê de nos ser cobrado tanta coisa a todo o tempo. Ah, porque temos de estar sempre bem, a sorrir, com energia, a aproveitar cada segundo. Não, não temos! Isso seria demasiado racional e nós somos também seres emocionais. Estar triste, desmotivado, cansado, faz parte. Se não tivéssemos maus momentos, nunca saberíamos quais eram os bons.
O importante é que, ainda que a pandemia tenha vindo piorar a incidência destas patologias, os níveis já eram antes elevados, o covid só veio trazer visibilidade ao tema. Mesmo assim, falar de ansiedade e depressão continua a ser um tabu. Para além disso, já reparei que muitas vezes estas doenças são banalizadas. Não, não tens ansiedade porque tens um jogo amanhã de manhã e por isso dormiste mal durante a noite, e não, não tens depressão, porque choraste um dia por os teus pais te terem tirado o telemóvel. Ansiedade e deAs redes sociais só vieram exacerbar essa constante pressão que pressão são coisas sérias e causam muito sofrimento a quem passa a sociedade exerce sobre nós. No Instagram, só vejo vidas perfei- por elas, devendo, como tal, ser tratadas com respeito e seriedade. tas. É muito raro ver alguém com visibilidade, algum influencer, que seja, de facto, totalmente genuíno. O que passa para este lado Estamos em 2021, mas quem vai ao psicólogo ainda é apelidasão pessoas sem problemas, com corpos ditos perfeitos, que se ali- do de “maluquinho”, e é algo visto como anormal. Mas porquê? mentam sempre bem, fazem exercício todos os dias, têm dinheiro Porque é que a saúde física é sempre posta em primeiro lugar, se e viajam durante dois terços do ano. E se por acaso alguma alma caso a mente não estiver bem, o corpo de nada serve? Não entendo. genial se lembra de fazer um post ou um storie a chorar ou sim- Porque é que não hei de poder ter ajuda de um profissional para plesmente com um texto super comovente a falar de como a vida aprender a lidar com os meus sentimentos e emoções, e com os proé difícil - porque o vestido da Gucci não chegou a tempo da via- blemas do dia-a-dia? Também não entendo. Algo que ainda piora gem às Maldivas - é só para os gostos e o engagement. É comple- esta situação é o facto de o acompanhamento psicológico ser um tamente impressionante a pressão que isto traz para as nossas vi- luxo, nos dias de hoje. Vale a pena? Vale. É caro? Bastante. Esta das, porque queremos ser iguais a estas pessoas, queremos estar área da saúde devia ser acessível a todos os bolsos. Já que agora felizes o tempo todo, e achamos que conseguimos, porque se eles se anda a falar tanto sobre estes temas, vamos passar à ação. Vaconseguem nós também conseguimos. A verdade é que ninguém mos, por favor, ter um psicólogo que acompanhe cada família, quer ir para as redes sociais mostrar que é um ser humano real. tal como temos um médico de medicina geral por cada família. Um estudo realizado por cientistas da Universidade de Calgary, no Canadá, sobre 80.879 crianças e adolescentes de todo o mundo (Ásia Central, Europa, Médio Oriente e das Américas do Norte, Central e Sul), revelou que um em cada quatro jovens tem sintomas de depressão elevados e um em cada cinco sofre de sintomas de ansiedade, neste pós-pandemia. A mesma análise mostrou ainda que são as raparigas e os jovens mais velhos que apresentam níveis mais elevados de depressão e ansiedade, e que os números duplicaram comparativamente ao pré-covid.
Só me resta apelar a que se lembrem que, caso sofram de ansiedade, depressão ou outra patologia mental, não estão sozinhos. Procurem o apoio de um profissional, dos vossos familiares e amigos. O primeiro passo é reconhecer. Depois, perceber que não dá para sair desse buraco negro sozinho. Se, por outro lado, conhecerem alguém que esteja a passar por uma destas situações, não abandonem essa pessoa, mesmo que ela não grite por ajuda, ela precisa dela. Não hesitem em contactar:
SOS VOZ AMIGA (213 544 545 | 912 802 669 | 963 524 660) CONVERSA AMIGA (808 237 327 | 210 027 159) VOZES AMIGAS DE ESPERANÇA DE PORTUGAL (222 030 707) TELEFONE DA AMIZADE ( 222 080 707) VOZ DE APOIO ( 225 506 070 | sos@vozdeapoio.pt) Acima de tudo, lembrem-se: “não faz mal não estar bem”.
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Editorial e Opinião Vários mundos dentro de Babel Thaís Magalhães
Eu criei uma teoria na minha cabeça que diz que as guerras nunca irão acabar porque nós, humanos, não falamos a mesma língua. Apesar de ter ido contrariada a todas as aulas de catequese na Igreja dos Capuchinhos no Rio de Janeiro, uma vez a catequista contou uma história que ficou marcada na minha cabeça: a história da Torre de Babel. Foi um dos momentos mais catárticos da minha vida de criança.
endi que em português não temos uma palavra para dizer isso, afinal, no meu universo reduzido, achava que tínhamos palavras para tudo. Tudo são palavras: parole, word, wort, palabra, mot, izwi, słowo… será que existe algum idioma que não tenha a palavra “palavra” em seu repertório? Provavelmente, entre 6.912, deve existir algum. E se não tiver a palavra “palavra”, como eles pensam sem a palavra “palavra”? Acham eles que as palavras não são tão importantes para receber um nome? Se eu, por exemplo não tivesse um nome, o que eu seria? Mais uma humana entre outros humanos? As palavras carregam consigo histórias. É como o meu sobrenome, carrega consigo marcas dos que vieram antes de mim, se eu não o tivesse, não saberia de onde vim. Acho que, talvez, por isso que temos a tendência de dar nome para tudo.
Com os reflexos imagéticos do livro de catequese, que era altamente ilustrado, recriei na minha cabeça o cenário dessa cidade de Babel. Imaginava homens de turbante, mulheres de hijab, camelos pelas ruas, poeira de terra batida e todos dentro de um grande mercado de alimentos. Tudo corria bem, gente comprando, gente vendendo, crianças correndo pra lá e pra cá... Do nada, vamos a um plano curto de um comerciante a vender frutos secos para uma dessas mulheres de hijab e, como em um piscar de olhos, ninguém mais Enfim... A cada conversa, eu ia percebendo através da lente míofalava a mesma língua. O caos começou. Corta para um plano aber- pe da minha língua portuguesa, que o mundo estava ficando cada to do mercado visto de cima, todos se batendo e muita gritaria… vez mais embaçado para mim. Percebi então, que o meu mundo não era o mesmo mundo deles, afinal, nomeamos as coisas que vemos, Depois que ouvi essa história, passei a chamar o mundo de Babel, sentimos e fazemos de forma diferente. EUREKA! Uma descoberta e não mais de mundo. Para mim, chamar o mundo de Babel, pas- começou a tomar conta de uma das personagens da cena do mercasou a fazer muito mais sentido do que chamar o mundo de mun- do de alimentos: existem 6.912 mundos diferentes dentro de Babel. do, afinal, ninguém se entende. Segundo o Compêndio Ethnologue, a “bíblia” da linguística, existem 6.912 idiomas no Babel. Anos se passaram desde a aula dessa professora, e uma vez em Berlim, conheci uma família árabe da qual fiquei muito próxima. Eu brasileira, eles árabes e nós conversávamos em “inglês” pelas ruas berlinenses. Tá aí a foto do Babel contemporâneo. Me lembro das nossas conversas com o plano de fundo específico daquele inglês atravessado entre o chiado carioquês e o árabe sírio. “Salamaleico!”. Entre “misunderstandings” e Google Tradutor, o nosso instinto em comunicar, tão humano, fazia a comunicação acontecer. Quando eles conversavam entre si, eu não sabia como era possível, mas era raro não ouvir Allah em alguma frase. Inshalah, Allahu Akbar, Mashallah, Bismillah… Allah, Allah, Allah… Outra coisa que passei a prestar atenção é que eles comunicavam comigo em inglês, porém pensavam em árabe, ou seja, todo o repertório cultural e estrutural do idioma árabe era substituído por palavras em inglês de forma artificial. E a mesma coisa eu. Assim, nós falávamos-nos em inglês, porém enxergávamos o mundo com óculos diferentes: eu com as lentes “língua portuguesa”, e eles através das lentes “língua árabe”. A marca do português estava sempre presente em mim. Ensinei a palavra “saudade” para eles, e como todo bom falante nativo de português expliquei de forma emocionada: “só em português existe uma palavra que significa “i miss you”. Também eu aprendi com eles que a palavra “Salamaleico”significa “que a paz esteja sobre vós”, e me surpre-
TAHÍS MAGALHÃES
Formulário Amoroso de 2021 Ana Francisca Maio
Caro candidato, leia as informações abaixo e, de seguida, preen- tem futuro aquilo. Então ela tem ascendente em Carneiro e ele em cha o formulário. Em caso de dúvida, temos pena. Leia outra vez. Touro e foram, sequer, tentar? Corno com corno só podia dar merda. Arranjar alguém está cada vez mais difícil. Já tentei de tudo, eu juro. Tinder, Badoo e Grindr. Até já experimentei ficar só sentada no café, sozinha, a beber um descafeinado e a ler um livro, como se fosse muito intelectual, e esperar que o meu príncipe encantado viesse ter comigo só porque eu sou muito linda. Não resultou, vejam lá vocês. Como diria a minha avó: “espera sentada”. Eu estava sentada, avó.
E eu, como não quero um Manel na minha vida, continuo sozinha, abandonada, triste e solitária. Até sinto que me olham de lado na rua. Coitada, pensam eles. Os casais felizes, essa criação do capeta, beijam-se quando passam por mim, para meter nojo. E acham que eu não reparo, mas eu já os topei. Cabrões. Eles é que estão mal, que têm de gastar dinheiro em prendas uns para os outros.
O pior é que eu sinto que só está difícil para mim, sabem? Porque o que não falta são posts no Instagram a dizer “és o amor da minha vida”. No máximo, no meu Instagram, vêem o meu gato. Coisa linda. É que até o meu pai já me disse “quando é que arranjas um namorado?”. Coitado, está farto de me aturar. Desculpa, pai, mas ninguém me quer.
Essa é outra. Festejam tudo agora. Ai, porque no dia 15 de outubro de 2018, precisamente às 19:52, dei o primeiro peido em frente a ele. Pimba. Uma prenda de aniversário do primeiro peido. Ai, porque há um ano, espremi a sua primeira espinha. Pimba. Uma prenda de aniversário da primeira espinha com pus. Não há bolso que aguente este massacre.
O problema são os padrões, que estão todos errados. Não sou eu, são os padrões. As ex-namoradas deles parecem sempre irmãs da Kylie Jenner...não dá para competir com isso. Lamento imenso, auto-estima. Eu não tenho rabo, ok? Pronto, já disse. Deus quando me criou, mediu mal as coisas, e agora, pronto, falho logo um dos requisitos dos machos do século XXI.
Esperem lá, que há mais. Então não é que agora os gajos também vêm com atrelado? Estás-me a dizer que tens 24 anos e já tens dois filhos? Não foi para isso que eu me inscrevi. Eu não tenho idade para andar a limpar cus. São muito fofos, sim senhora, a carinha do pai. Mas também têm a carinha da mãe e eu não estou para ter que aturar a tua ex em miniatura.
Mas é que depois ainda há a história dos signos. Alguma vez eu ia namorar com um Gémeos? Nem morta. Li na Maria que é só discussões e, imaginem só, o sexo é mau. Que horror. E com um Sagitário? Muito menos. Não há paciência...chatos, chatos, chatos. A Maria nunca me falhou. Já para não falar que o Manel e a Laura da novela são de signos incompatíveis e olhem, é o que se vê, não
Olhem, sinceramente e pensando bem, meus caros candidatos, já não há formulário para ninguém. Depois desta reflexão, percebi que o meu pipi está melhor sozinho do que mal acompanhado. Da minha parte, só me resta desejar-vos boa sorte, e lembrem-se: façam sempre a depilação antes do primeiro-encontro, que nunca se sabe.
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Editorial e Opinião Outra vez arroz
Quando acorda com o despertador, a Margarida já sabe que o dia vai ser normal. Come o mesmo pequeno-almoço, apanha o mesmo autocarro. As disciplinas não são sempre as mesmas, mas o lugar sim e o companheiro de carteira também. Às 10:30, vai ao bar comprar o lanche e senta-se no mesmo banco com o mesmo grupo de amigos. Falam sobre as mesmas coisas.
les 30 minutos em que está no banho e pode ouvir música nas alturas, porque os pais não estão em casa para se queixarem. Ou o facto de o seu cão adormecer sempre nas suas pernas, todas as noites sem falhar.
O que se passa aqui é que a Margarida acha que só podemos ser felizes nos dias em que não temos mais nada para fazer. Nas férias, nos feriados, nos domingos de ronha. Mas há felicidade no ordinário, a Margarida A hora de almoço é igual todos os dias. Durante a tarde, faz os traba- há-de descobrir isso eventualmente. Espero bem que sim, porque delhos de casa e estuda para os testes da semana seguinte na biblioteca. vem existir poucas sensações piores do que perseguir o inalcançável. Às 18, vai passear o cão pelas ruas à volta do prédio. E quando se senta à mesa de jantar com a família, dá sempre a mesma reposta quando a mãe lhe pergunta como é que correu o dia. “Foi normal”, com um encolher de ombros. E foi, não aconteceu nada de mal. Antes de adormecer, pensa nos dias de felicidade que vai ter durante as férias, quando estiver finalmente livre desta rotina chata em que nada digno de nota acontece. No próximo verão é que vai ser! Aquilo de que a Margarida não se lembra de contar à mãe são os momentos bons de hoje, que aconteceram apesar da rotina. Durante o almoço, quase se engasgou no sumo que estava a beber por causa de uma piada que alguém contou. No primeiro intervalo da manhã, ela e a sua melhor amiga começaram a cantar a mesma música em voz alta sem terem combinado nada, e depois riram-se até começarem a chorar. Não se lembra que gosta de muitas partes da rotina. Que adora aque-
Editorial Desde que Bolsonaro foi eleito, praticamente tudo tem vindo a piorar no Brasil. Muita gente não quer lá estar. O regime de Bolsonaro criou um clima de instabilidade política e económica. A fome e a pobreza aumentaram. A Amazónia tem vindo a ser destruída. A covid-19 chegou e o Presidente transformou o país num circo. Gozou “forte e feio” com a situação e o resultado está à vista, são mais de 600 mil mortos. Por tudo isto, a chegada de brasileiros a Portugal aumentou pelo quarto ano consecutivo. Segurança e proximidade da língua são as razões mais apontadas pelos imigrantes. Quanto à segurança, não h dúvida. Segundo dados da OMS de 2021, o Brasil tem o nono maior índice de homicídios do mundo e as taxas brasileiras são cinco vezes a média mundial. Portugal faz parte da lista de 50 países com baixa criminalidade e alta resistência ao crime organizado. Contudo, ainda existe muito preconceito e discriminação em Portugal e, às vezes, o problema começa mesmo na língua. Português e Brasileiro continuam a ser considerados idiomas distintos, quando, na verdade, são apenas variantes do Português. É a velha história do “diz-se Brasileiro ou Português do Brasil?”. De facto, não importa. O idioma é o mesmo, só que com sotaque e conceitos diferentes. Afinal de contas, a língua é algo mutável, que pode e deve evoluir. O Transversal pretende combater esta mesma situação, trazendo informação de qualidade, com uma escrita livre a qualquer variante, para portugueses e brasileiros, estejam eles onde estiverem.
2021 em revista
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