MIRA Revista de Arte Urbana
Luta, Ocupação y Arte Conheça o Ouvidor 63, a maior ocupação artística da américa latina!
Discuta aí
Como o Centro Cultural se reinventou durante a pandemia através dos meios virtuais
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Descubra
Artistas para conhecer: Raissa Nosralla
MIRA
EDIÇÃO 01
MIRA
Coordenação Enzo Nicolas Pereira Lorenzeti - R.A 148529 Thaíssa Machado Gonçalves - R.A 150320 Editores Amanda Eugênia Raiol de Moraes - R.A 149157 Gabrielle Albuquerque Arruda - R.A 148822 Giulia Peroba Panzetti - R.A 149581 Jéssica Nayara de Oliveira - R.A 150958 Katarina Tavares Ribeiro - R.A 150289 Yngrid Ferreira - R.A 150517 Revista MIRA #01 (Janeiro de 2022)
#02
1 2 3 5 9
Dedicatória A Revista Luta, Ocupação e Arte Discuta aí! Os Artistas 9 12 15 18 21 24 26 29 31 33 36 39 42 45 49 53 56 60 64
67 71 72 76
Sol Rose Lucas Aline André Loss Anna S. Juba Thigresa Thamyris Lua Kicu e Manuel Bryan Meza Roger Beat Jesus Dani Sabino Gabriela Seridó Princesa Vandal Miguel Show
Descubra Agradecimentos Ficha Técnica Lista de Figuras
"Ao ato de experimentar e praticar a arte, por que a somos, e ela nos permite nos conhecer melhor." - Time MIRA
#03
#04
DEDICATÓRIA Dedicamos
essa
publicação
a
todos
que
acreditaram
indubitavelmente na revista MIRA, que como nós, buscam outras perspectivas. E uma dedicação especial aos moradores da Ocupação Artística Ouvidor 63, que nos convidaram para entrar e conhecer mais sobre seu mundo. Como já dizia um importante filósofo e ativista político Piotr Kropotkin, “A competição é a lei da selva, a cooperação é a lei da civilização”; e foi na ocupação que podemos ver como ela é sustentada através da cooperação coletiva dos moradores e na sua organização interna;
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Revista MIRA, 1ª Edição
A REVISTA Tudo deve ter um começo, e essa é a nossa origem. O nome MIRA havia sido criado anteriormente pela discente e vice-coordenadora do grupo de documentação, Thaíssa Machado, e usado em um esboço do que seria a primeira publicação. Após a proposta do III Laboratório de Pesquisa e Práticas em História da Arte, apresentada pelos professores Pedro Fiori Arantes e Vinicius Pontes Spricigo, de continuar o processo de reportagem, foi decidido mantermos
o
mesmo
título
para
esse
novo
projeto
acadêmico. Mira objetiva ser uma Revista de História da Arte Urbana, apresentando inicialmente o foco de seu olhar: o Centro Cultural Ouvidor 63. MIRA se tornou uma nova plataforma e extensão de perspectivas, e está focada em reunir a documentação realizada durante a disciplina e divulgá-las com um novo tratamento, na criação de site e catálogos. Segundo a criadora, MIRA tem significados em duas línguas, português brasileiro, língua materna, e espanhol, que é a língua majoritariamente falada pelos moradores e visitantes internacionais da ocupação. O nome do projeto “MIRA” provém do verbo olhar em espanhol. Em português, a palavra assume semelhança e diferença, significa ser alvo. Fora isso, o nome cria uma relação com o nome da Ocupação, advinda do nome da rua onde está localizado. Por conseguinte, dois sentidos do corpo humano reunidos no projeto, ouvir e olhar.
Revista MIRA, 1ª Edição
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LUTA, OCUPAÇÃO Y ARTE Ouvidor 63: Conheça a maior ocupação artística da américa Latina O Laboratório De Pesquisa E Práticas Em História Da Arte III de 2021 da UNIFESP vem desde
setembro
parceria
com
de
os
2021
firmando
artistas
uma
moradores
da
Ocupação Ouvidor 63, locação cultural e residência localizada na Rua Ouvidor 63, no centro de São Paulo, na qual mais de cem artistas de linguagens variadas residem e atuam nos 13 andares do edifício, antiga sede da Secretaria Estadual da Cultura. O prédio pertence ao Governo do Estado de São Paulo desde a década de 50, passando muitos anos vazio e em desuso, mas representando hoje um antro de coletividade e expressão da liberdade, carregando seu caráter mutável que decora todos os seus andares. Grafites, desenhos e pinturas percorrem o edifício,
além
do
jardim
no
#05
terraço,
chamando a atenção de todos os que passam na Rua do Ouvidor. Ali nota-se que cada residente se propõe a inovar sua produção, ferramentas e a si mesmo frequentemente. Malabaristas se abrem à fotografia, artistas circenses às artes plásticas e tantos outros artistas múltiplos, permeando entre as formas e os fazeres, enriquecendo o peso cultural desenvolvidos
por
eles
com
maestria.
Representa uma verdadeira “escola”, berço de constante inspiração e troca de produções no viés
artístico,
intercâmbio
de
linguagens,
união, resistência e criatividade, sendo esses
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Revista MIRA, 1ª Edição
apenas alguns dos muitos termos comumente utilizados para designar a singularidade e grandiosidade habitada nesse espaço cultural. É
um
lugar
de
constantes
mudanças,
a
intervenção poética transborda pelas paredes, transforma os espaços e constrói relações. Sua potência
está
também
na
mudança,
na
oralidade, no efêmero e às vezes não palpável, as trocas fazem parte do (re)existir da maior ocupação artística da América Latina.
Todavia, a falta de registros faz com que as
quais muitos não tinham sequer pisado em
produções se percam no tempo e em sua
uma ocupação de moradia. Apesar do receio
própria fugacidade, sendo sempre substituídas
presente
e sobrepostas por novas obras.
estudantes, após trocas de ideias, experiências e
“O bom de morar aqui com tantos artistas é que a
em
vivências
alguns tal
dos
choque
moradores de
cultura
e foi
quebrado.
gente compartilha muito. De inspiração tem várias pessoas, se eu falar vou soltar vários nomes!
Os processos documentais redigidos pela
Mas acho que aqui dentro todo mundo se inspira e
parceria dos artistas moradores da Ouvidor e
todo
da
mundo
de
querer
vezes
surgem
relevante para o registro histórico, bem como
conversas no dia-a-dia, no cotidiano… Acho que
para a aproximação e democratização do
inspiração aqui é o que sobra, e pessoas pra se
acesso ao ambiente acadêmico. As trocas
inspirar também tem muitos.”
enriquecem
compartilhar
sempre a
tem
arte.
isso
Várias
Universidade,
o
são
cenário
um
movimento
artístico,
social
e
cultural para ambos os lados, e também Daniela Sabino, ocupante da Ouvidor quando questionada sobre a influência da ocupação em sua produção artística.
Partindo dos primórdios em 2014, a ocupação incentiva a resistência e emancipação das múltiplas linguagens artísticas, e não havendo limites para tais expressões presentes no local, cada residência artística prova tal afirmação de
diferentes
formas.
As
trajetórias
são
singulares, por isso o caminho percorrido é uma experiência ímpar, um artista não precisa se limitar a um único rumo e por esse motivo dá-se a devida importância a eventos como a Bienal, promovida pelos artistas e ocupantes que não apenas movimentam o público e esses
registram
também processos
suas
possibilita
a
experiências,
como
documentação
poéticos-criativos.
Os
dos
“registros
humanos” regidos pela oralidade e pela troca fazem bastante eficiente a sua proposta: o
impactam nas narrativas de criações futuras. Independente da idade, ou linguagem, o processo artístico se constrói naturalmente na vida de quem faz parte da ocupação. Ao
visitarmos
o
prédio
localizado
no
epicentro de São Paulo e entrevistarmos pessoas
do
Ouvidor
63,
percebemos
as
diversas maneiras e misturas presentes em cada parte do prédio, todas as paredes e tetos são agraciados com alguma manifestação artística. Se tornou visível que a arte em si só se torna suscetível a estereótipos devido a maneira errônea com que as obras são vistas, sendo consideradas mais importantes dentro de galerias e museus, o que às vezes a torna limitada a uma camada muito específica, além de impossibilitar a saída da nossa zona de conforto.
diálogo. Desde o primeiro contato com os artistas, nota-se o acolhimento dos moradores da ocupação com o grupo de estudantes nos
Revista MIRA, 1ª Edição
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DISCUTA AÍ! Audiovisual e Pandemia: Como a maior ocupação cultural da América Latina se reinventou durante a pandemia através dos meios virtuais Tão múltipla quanto, a vertente audiovisual é sinônimo da diversidade artística presente no Ouvidor 63. Transitando entre os estilos, essa linguagem vai de encontro e sintonia à música, fotografia, instalações e artes performáticas, interligando elementos sonoros e visuais, assemelhando-se à variada presença artística do edifício. Sua flexibilidade no meio da produção torna o audiovisual uma exímia ferramenta para explorar a potencialidade criativa de cada artista, algo que se nota presente entre os moradores da ocupação, ainda mais após se depararem com os desafios em produzir, concretizados com o enclausuramento pandêmico.
#06
5
Revista MIRA, 1ª Edição
diversos
com poucos recursos, a ocupação desafia as
desafios para toda a população mundial, mas
utopias impossíveis ao construir um acervo de
para os residentes de ocupações, como, por
arte latino-americana com poucos incentivos
exemplo, os da Ouvidor 63, eles se tornaram
governamentais e privados. A falta do contato
ainda maiores. Além de lutar e resistir por sua
social em prol da não disseminação do vírus,
sobrevivência e permanência no prédio, os
escancarou a segregação que essa população
artistas tiveram que encontrar novas formas
da
de difundir e divulgar suas produções. Longe
preconceito do povo brasileiro se viu cada vez
do público e das plateias, tiveram que se
mais evidente, e o governo fechou os olhos
reintegrar em um universo virtual e encontrar
para essa fonte de arte no coração da grande
dentro dele algo que lhes fez muita falta: o
São Paulo.
A
pandemia
certamente
trouxe
ocupação
artística
sentiu,
já
que
o
contato profundo.
As ruas encheram-se de contaminação, mas Após
quase
dois
longos
anos
de
não
foi
o
suficiente
para
silenciar
as
confinamento, iniciou-se em novembro de
expressões artísticas. Haviam aqueles que se
2021, a Bienal de Artes da Ocupação Ouvidor
arriscaram com malabares nas vias, dançando,
63 em sua 3ª edição, e com ela, propõe-se a
tentando
visibilidade da expressão artística de diversos
alimentarem. Existe o grande consenso nos
artistas que resistem dentro desse espaço.
relatos dos ocupadores, de que a pandemia
Com o tema “A cisterna contém, a fonte
não para aos que precisam da arte como
transborda” o coletivo traz de volta as dores,
forma de sustento. E que, sobretudo, criam
sentimentos
para
e
pensamentos
reprimidos
durante o isolamento social.
vender
que
seus
enxerguem
escritos,
suas
para
se
produções,
incentivam o conhecimento e apresentam suas visões para que as pessoas encontrem
“Aquele que pede o seu desejo com intenção,
outras perspectivas. A pandemia os afetou por
grande, sincera e intensa, faz que o pedido
não
ascenda ao lugar de onde vêm as águas, fluindo
reprodução virtual como as grandes casas e
das profundezas do poço. Então as águas fluem de
grupos de teatro ou por não terem acesso
baixo para cima, e a cisterna torna-se um poço de
qualitativo a equipamentos que virtualizassem
água corrente. Depois que subiram, as águas
pinturas. Pouco é o que alcança a ocupação,
fluem
mas muito é o que bem lhe serviria para
de
cima
para
baixo.
Há
união,
fundamento, desejo, amizade e harmonia. É
terem
excelentes
condições
de
dispor melhor suas imersivas produções.
necessário dar o impulso de baixo, a intenção, pois se não houver impulso de baixo não haverá
O mundo aprendeu a funcionar virtualmente
movimento de cima"
durante a pandemia, através de ligações, trabalhos em home office, redes sociais e
Rose Steinmetz - "A intenção no desejo", extraído de publicação no Instagram do Ouvidor 63.
mensagens de texto, e com a arte não foi diferente.
Com o objetivo de cativar através da arte e mostrar ser possível construir um universo
Revista MIRA, 1ª Edição
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A História da Arte mostra diversos momentos
que permeiam os moradores, mas também
de revolução e renovação nas escolas artísticas
toca a diversidade geográfica de onde vieram
e talvez esse momento caótico possa ter
cada um dos integrantes. Peruanos, argentinos,
gerado uma dessas renovações. Curadorias
georgianos,
virtuais, exposições e artistas se expressando
descendentes
através das telas nos fazem enxergar que a arte
distantes compõe o corpo de moradores da
não
ocupação. Assim, vemos uma variedade de
para
nunca
e
está
constantemente
colombianos de
culturas
linguagens,
e
muitos
outros
geograficamente
presente em todos os cantos. Na Ouvidor,
artistas,
pessoas
que
sempre existiu uma riqueza no aprendizado
constantemente são fonte de inspiração e
de novas vertentes, novas ferramentas e novos
contribuição para o processo de cada um.
caminhos. Os escritores se tornam também
Nesse sentido, também é notória a presença de
atores, os artistas circenses se aventuram nas
artistas que utilizam a dimensão audiovisual
colagens e assim por diante.
como linguagem ou então como ferramenta para expor sua produção. Desse modo, aqui
E onde o audiovisual se encaixa em tudo isso?
apresentamos
Na verdade, em tudo. Em um universo virtual
potencialidades que habitam, criam e ornam
e restrito, esses artistas puderam utilizar sons e
os andares da Ouvidor 63.
imagens
combinadas
para
mostrarem
ao
mundo aquilo que vieram fazer, para se recolocar no espaço e afirmar que eles permaneciam ali, firmes. Mesmo aqueles que não se afeiçoavam com esses meios, acabaram fazendo uso deles em algum momento. Durante a Bienal, que ocorre atualmente de forma presencial, se pode acompanhar as produções
desenvolvidas
pelos
artistas
ocupantes, como as performances, oficinas e obras através dos vídeos e fotos divulgados no Instagram do coletivo. O audiovisual é uma vertente
artística
muito
rica,
mas
neste
momento também pôde ser a luz no fim do túnel para vários desses grandes artistas que se viram presos em seus próprios pensamentos. A pluralidade do Ouvidor não se resume somente às múltiplas vertentes artísticas em
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#07
algumas
dessas
multi-
SOL Nascido na Colômbia, Sol Emanuel Calderón, 34 anos, é um dos artistas que compõem o corpo de moradores-artistas da Ouvidor 63. Possui
Bacharelado
em
Artes
Visuais
e
Desenho Gráfico em seu país de origem, e conheceu a ocupação em 2014, seu ano de fundação, através de uma malabarista que o convidou a integrar o conjunto de ocupantes do prédio. Segundo ele, ter concluído sua formação o proporcionou conhecimentos e teorias que ao serem aplicadas no cotidiano das ruas, o levaram a explorar novas linguagens e aprender
como
dialogar
com
essa
nova
realidade. Na época, tinha como sustento os malabares e seus fazeres artesanais. Atualmente, assim como a grande parte dos integrantes do edifício, Sol transita entre múltiplas linguagens artísticas ao também possuir produções no campo das artes plásticas, fotografia e hoje possui sua pesquisa voltada para o campo audiovisual. O multi-artista atuou na 3ª Bienal registrando exposições, performances, oficinas e também
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Revista MIRA, 1ª Edição
#09
mediando
sua
própria,
“Construção
de
luminárias utilizando sucatas'', realizada no dia 28/11/21. Para Sol, o evento carrega o efeito semelhante a um despertar após uma longa hibernação
em
que
estavam
presos
sem
poderem produzir e ressalta que sua criação é seu alimento, que criam para que possam ver e enxerguem
suas
manifestações.
O
enclausuramento ocasionado pela pandemia acentuou a marginalização presente no estigma que carregam os moradores e demais artistas de rua.
#10 "Sem Título", Sol E. Calderón. 2018. São Paulo.
#11 "Reflexos", Sol E. Calderón. 2018. São Paulo.
Revista MIRA, 1ª Edição
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Um de seus desafios durante a pandemia
escolhessem o preço dessa galera né. E aqui, nesse
enquanto artista seria seu modo de produzir,
prédio, oferecemos isso. Tenho um espaço para
pois emprega seu tempo à criatividade e se viu
construir como pessoa, como artista. Isso fortalece
enxergando novas possibilidades em meio
bastante a comunidade, sobretudo a comunidade
uma realidade pandêmica que, ao final, o
da rua, artistas independentes.”
proporcionou novos aprendizados.
“Temos que achar outros caminhos para nos expressar, e ver que é algo bom também né, acho que isso ajuda, pois, nós pudemos enxergar as nossas possibilidades desde outra realidade, que é a pandêmica, aí aprendemos muitas coisas.” Quando perguntado, a palavra escolhida por Sol para definir o que para ele significam os 13 andares únicos, ele afirma com um sorriso: “Criatividade”.
“Mesmo que eu vá fazer um trampo fora, tudo que eu vivi aqui, é muito diferente, uma experiência muito boa que passei aqui. Eu mesmo faço aqui provas, de experimentos, instalações com que eu possa expor, então é um lugar que me permitiu aprender muitas coisas. E também com as possibilidades da diversidade cultural, também dá para pegar um pouco dos outros, acho que é fundamental, tipo minha inspiração aqui na Ouvidor.” E discorre sobre o viés social que a Ouvidor 63 carrega, por ser um edifício ocupado, e a importância da ocupação deste espaço:
“Ter como essa possibilidade, na rua, de um espaço, de ter um teto, uma comida e um espaço para criar, acho que isso iria correr outras pessoas, com todos os interesses, acho que são de alguma ajuda, não? Tem muito haver com as escolhas mas também com que o preço, que
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Revista MIRA, 1ª Edição
Sol também comenta sobre a presença de “panelinhas” e privilégios no meio artístico, em sua perspectiva, por vezes não se é possível democratizar enquanto sistema e que a
realidade
dos
moradores-artistas
da
ocupação, artistas de rua e ‘underground’ não se encontra vinculada a tais privilégios:
“Como eu preciso me expressar e os outros já estão em outra vertente, mais capitalista, e mais em posição
de
algumas,
não
sei,
agora
estou
comparando nós da ocupação assim, ao nível nacional. E, e eu assim, eu diferencio, me perdoe o meu portunhol, essa expressão da arte: as pessoas que realmente precisam se expressar e as outras que usam dos recursos para fazer um capital. Ele relata que o coletivo busca incentivo e reconhecimento de organizações de apoio ao trabalho que desenvolvem. E informa o fato de procurarem o amparo de editais, mas não encontram
retorno
estatal
dispostos
a
financiar tal projeto, ajuda essa que os próprios ocupantes empenham-se em obter.
#12
ROSE
Nascida na Geórgia, com 200 mil anos,
porque estou influenciada por alguém, mas eu só
segundo sua crença, Rose Steinmetz destaca-
quero, eu acho que é muito importante mostrar
se no universo vídeo-fotográfico. Veio ao
isso. É mais uma coisa da alma do que alguma
Brasil dezoito anos atrás, sem saber ao certo o
coisa mais profissional, sabe?”
que a motivou, e teve seu primeiro contato com a Ouvidor 63 em 2016, não apresentada por ninguém, mas encontrada por acaso, ou “como deveria ser”, segundo ela mesma ao saber da Bienal de Artes que ocorria na época. Rose antes de ter contato com a ocupação já estava inserida no meio fotográfico e das vídeo-produções, diferentemente do relato de diversos moradores do edifício, não sente que houve mudanças no seu jeito de pensar arte, filmar e fotografar.
A artista é responsável por fotografar todos os eventos que ocorrem no Ouvidor, além dos registros
das
apresentações
no
prédio,
também realiza trabalhos com foco artístico, utilizando
algumas
imagens
que
fez
no
Ouvidor. Edita, faz colagens, entre outros. Ultimamente está focando suas pesquisas e trabalhos na Cabala, Astrologia e Tarot, quer unir a astrologia com a fotografia e utiliza o perfil
no
instagram,
@ouvirdor63,
para
mesclar os diversos conteúdos, não os separa em categorias. Conta que a fotografia é uma
“E acho que é importante ver também o que o
arte difícil e coesa, existe prestígio no registro,
pessoal faz na Ouvidor, porque é uma arte não
amor, afeto.
menos do que uma outra arte. Então, eu não me vejo como mais uma artista que está atuando lá,
Gosta da convivência pela atmosfera artística
mas além disso, eu quero espalhar o nome deles
que o local possui, existindo uma conexão
fora da Ouvidor e quebrar esse preconceito,
com as pessoas, diz não ser preciso morar no
entende? Então não é que eu estou na Ouvidor
lugar para frequentá-lo, o importante é se envolver.
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Entende que os coletivos têm uma grande
Comenta
que
como
muitos
artistas,
a
importância e há uma necessidade da sua
fotógrafa sentiu financeiramente a pandemia,
existência, os residentes elevam o espírito do
não pôde obter retorno material de sua arte e
espaço. Conta também que a diferença da arte
teve que repensar sua maneira de se manter.
produzida no prédio ou a de um museu está na presença de alguém como curadores,
Rose
diretores
de
ambientes
museu,
acabam
entre
por
relata
demonstra
filmagens
interesse e
há
outros,
esses
tempos
representar
certo
registrando os momentos vividos por ela. Em
elitismo.
em
que
fotografia,
especial, do tempo em que viveu em Israel e agora no Brasil. Cada lugar que a ela visita,
Quando questionada sobre o futuro, Rose diz
objetos vistos ou performances que teve a
que ele já está acontecendo, e que pretende
oportunidade de assistir, não hesita em gravar
aprofundar
e fotografar. Hoje explorando o registro de
suas
pesquisas
na
Cabala
e
Astrologia.
artistas circenses que também ocupam a Ouvidor, possui uma proximidade particular
Durante a pandemia focou em si: tirou
em poder ver pessoas felizes e propagar a
autorretratos e buscou se conhecer, não que
“magia” que se produz no espaço, como
fosse um projeto propriamente dito, mas algo
citado por ela.
para descontração.
#13
13
Revista MIRA, 1ª Edição
“E o que eu falo lá é que tem essa coisa do espaço e tempo que está já tomando suas propriedades e, na verdade, está criando um outro mundo até mágico. Que é uma outra realidade, como se fosse uma realidade mágica. Porque sempre descobre umas coisas novas.” A maneira que filma seus vídeos e o que busca entregar para o espectador de suas produções
são
algo
que
normalmente
ninguém costuma notar, pode ser um objeto, um lugar e até mesmo traços de uma pessoa. É como se houvesse algo que apenas esses artistas notariam em um lugar “comum” para os indivíduos que não são ligados a fotografia e audiovisual. Utilizando das palavras de Rose, é realmente mágico e surpreendente.
Os
#14
relatos
dela
foram
essenciais
para
entender Ouvidor como um todo. Os artistas conseguem
preparar
sua
arte
com
a
quantidade de equipamentos que possuem, que por vezes não é algo sofisticado, e a maneira como fazem para se ajudar, uma arte impulsiona a outra. Não que a ausência de materiais mais refinados torne a arte deste grupo menos refinada, pelo contrário, mostra o grande talento que os moradores artistas possuem a necessidade de se ajudarem.
#15
Revista MIRA, 1ª Edição
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LUCAS Nascido
em
Salvador,
na
Bahia,
Lucas
#16
Cruzveio para São Paulo oito anos atrás, para cursar a graduação em Design, mas trocou para Cinema e Audiovisual. No meio do caminho, percebeu que não era o curso que ele queria, e decidiu trocar para o curso de Cinema e Audiovisual. Mesmo de conhecer a Ouvidor 63, ele já pintava quadros. Eu pintava uns quadros, juntava 10, 20, 30 quadros e saia
deixaram na portaria durante a bienal e depois um outro cara que morava aqui que já foi embora, juntou tudo isso e guardou. Aí eu voltei e encontrei todos os quadros.”
espalhando por SP, pendurava em qualquer
Lucas conta, então, como decidiu morar no
lugar.” No final do curso de Cinema e
prédio da Ouvidor 63. Foi para Salvador por
Audiovisual,
Lucas
um tempo, e quando voltou, passou por um
produziram um trabalho de conclusão de
período em situação de rua. Período esse a
curso sobre a ocupação, e assim ele conheceu a
qual ele se refere com um certo afeto:
alguns
amigos
de
Ouvidor. Em 2018, na segunda Bienal Ocupa, ele decidiu repetir o processo de deixar quadros sem assinatura para outras pessoas:
“Você consegue entender aquela pessoa que tá morando na rua do seu lado, você percebe que ela é um cara que veio lá de outro país, e tá só ali né um cara que não vai te roubar, que tá lá
“Eu participei da segunda bienal, em 2018, eu
cuidando da vida dele e que ele vai embora. Você
produzi vários quadros e fui embora, aí o pessoal
consegue ver que o cara do bar é mó gente boa,
não sabia de quem que era. Eu produzi vários no
que vai te dar almoço todo dia, toda tarde, e você,
ateliê do sétimo andar e depois fui embora e deixei
pelo menos na minha percepção, você perde o
lá, depois que acabou a bienal, uns três meses
medo de viver o mundo, a vida. Tipo sabe, você
depois eu voltei. Porque a galera realmente não
chegou num ponto que você vê que não é tão ruim
sabia o que fazer e aí eles
viver assim como a gente fala.”
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Revista MIRA, 1ª Edição
A visão de vida mudou drasticamente para
muita astrologia aqui, isso eu fui incluindo nas
Lucas depois de ter passado um período na
minhas obras, então as minhas obras foram
rua, e quando chegou ao Ouvidor viu uma
mudando.”
oportunidade de viver uma vida alternativa, trabalhar
de
forma
autônoma,
viajar,
ter
tempo para poder produzir e pintar. O convite parte de uma amiga que o chama para se hospedar com ela, naquela época, no sétimo andar. Relata que antes precisava trabalhar para ter um lugar onde pudesse fazer seus trabalhos, e residir no prédio, lhe proporciona não apenas moradia, mas novas maneiras de produzir arte.
No início, fazia produções voltadas para o audiovisual, filmando e editando vídeos, após seis meses passou a trabalhar em uma feira orgânica no Ibirapuera com o dono da feira, Geraldo, que tem sua própria plantação. Aprendeu o que era e para que servia cada planta.
“Nesse entendimento ali da feira eu comecei a pesquisar, porque os próprios clientes queriam saber como usar cada coisa, qual que é melhor forma de usar cada coisa. Porque na feira de orgânicos a pessoa ela tem um interesse assim pela planta mesmo, pela natureza, pelo cultivo, de entender tudo aquilo, ela tem o interesse de como a planta vai estar afetando no seu corpo, sabe?” Decidiu
trazer
ao
ouvidor,
pois
queria
reproduzir o que via na feira, tendo a proposta de ser um jardim e horta ao mesmo tempo, Teve a intenção de realizar oficinas com as crianças para que elas aprendessem a plantar, fazendo um uso consciente dos alimentos Buscando
#17
aproveitando-os ensiná-las
conhecimento
adiante
a
ao
máximo.
passar
quando
esse
crescerem.
Lucas entende que os coletivos têm uma importância, pois o tempo e espaço para
“Agora eu tenho um espaço e tempo para poder produzir arte. Então depois que eu vim pra cá eu
produzir são um empecilho para o artista iniciante.
consegui transformar minha arte, ela saiu de uma
“A importância eu acho que é pro artista que tá
coisa mais plana digamos assim para uma coisa
começando. O cara não tem tempo, como eu falei,
mais 3d, eu consegui evoluir, misturar com
nem espaço pra produzir. Eu acho que a maioria
textura, colagem, sabe, aí você mistura diversos
dos artistas hoje, um problema grave é e
símbolos, astrologia, você começa a estudar
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esse. Você tem ideias, mas você não tem tempo,
falar “pô, eu também posso fazer isso!”. Às vezes a
porque você tem que trabalhar, você tem que fazer
pessoa nunca produziu nada e chega aqui e falar
faculdade, [...]”
“eu posso fazer isso também”. Ela se sente abraçada, né? Então eu acho que a arte em si que
Sua visão artística expandiu para além da
tá no museu não tem diferença da arte que tá na
pintura, as possibilidades se ampliaram, muito
ocupação. Acho que a diferença é o local mesmo,
pela convivência com o coletivo, onde foi
certo? Um local que a gente tem a ideia mais
possível para ele participar de outras formas
elitizada de um e uma ideia equivocada de outro.
artísticas, na atuação, colagem, malabares,
A gente julga um pouco de forma equivocada a
entre outros.
outra arte... Mas a arte é arte.[...]”
“[...]Então você expande as possibilidades do que
Uma experiência marcante para Lucas desde
você tem de arte. Você sai daquele quadrado de
que veio ao Ouvidor, foi o dia em que as
“ah eu só faço isso”. E você vê que pode fazer
crianças fizeram uma apresentação no teatro e
muitas coisas.”
o homenagearam no palco:
“[...]Ela expande a partir do momento que você vê que você tem várias possibilidades. A sua arte, ela não está limitada. Você pode só fazer aquilo, mas dificilmente você vai fazer só aquilo. Você vai começar a acrescentar coisas. Outras coisas que você ver, vai começar a acrescentar no seu trabalho, sabe? Você vai começar a fazer poesia... Você vai, você vai além.” Acreditando que a arte em si não tem diferença, apenas a maneira como as pessoas a enxergam dependendo de onde se encontra. Dando mais mérito às artes presentes em um museu do que no Ouvidor, por exemplo. Os artistas têm a mesma motivação, mas ao contrário de um museu, no Ouvidor é possível ter um contato mais íntimo com o artista, sendo uma pessoa como nós, sem colocá-la em uma posição de superioridade.
“Então você pensar que é uma pessoa normal que produz arte, sabe? E aí eu acho que as pessoas que não fazem arte também tinham que
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“[...] De repente elas me chamaram e todo mundo “vai lá, vai lá!” E todas elas me chamando no palco, aí eu desci... Nossa, esse dia foi incrível, assim... Acho que valeu a pena tudo que eu passei aqui, tudo que eu passei até chegar aqui. Nesse dia, tipo, valeu a pena. Esse reconhecimento delas foi, tipo, foda pra mim.” Sobre o futuro do seu trabalho e da ocupação, Lucas nos conta que tem projetos para o jardim, tem projeção de como ficará com cobertura para as plantas e planeja construir uma fonte. Pretende continuar seus trabalhos com o audiovisual e diz que sua fase no Ouvidor um dia irá acabar, está fazendo seus projetos, mas um dia irá sair de lá. “Eu, minha bike e meu gato (Fubá)”, ele diz. Pois acredita que outras pessoas precisam de tempo e oportunidade lá, igual ele teve.
ALINE
#18
Aline nasceu em São Mateus e foi adotada por
Assim como outras milhões de pessoas em São
uma família ainda criança. Com essa família
Paulo, ela chegava do trabalho cansada e sentia
se mudou várias vezes e em uma dessas
falta do filho, até que sua amiga artista circense
mudanças foi morar no Sul, onde passou
Naara, que costumava ajudar a cuidar de
grande parte da sua infância e adolescência.
Gabriel, filho de Alice, comentou a infelicidade
Apesar da relação conturbada, rígida e com
que via nela e refletindo sobre isso Aline saiu
abusos, esta família lhe apresentou a arte e de
do emprego que estava a 3 anos, apesar da
certa forma até a incentivou a procurar novas
atitude radical teve o apoio de Naara. A partir
formas de expressão. Trabalha vários suportes
de então começaram a pensar em um plano
e linguagens, coisas estas que se relacionam
para
com sua história na ocupação Ouvidor 63,
comprar uma Kombi, viajar pelo mundo junto
onde já é ocupante há 6 anos junto de seu
com mais uma amiga de Curitiba, Aline
filho Gabriel. Na infância e adolescência teve
trabalhando como designer e Naara com os
contato com desenho, entalhe e teatro. Após
malabares, mas nenhuma das duas possuía
se mudar para São Paulo, teve contato
carteira de motorista, além de ter uma grande
especialmente com o grafite. Aline tem um
responsabilidade
ritmo de criação muito próprio, suas técnicas
pequeno.
são variadas e seus trabalhos seguem sua
apresentar Pauli, uma moradora da Ouvidor,
vontade e intuição.
razão pela qual conheceu a ocupação.
quando
saíssem
Naara
de foi
de
viajar a
casa.
Decidiram
com um filho responsável
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por
Chegou no segundo ano da ocupação, estava desempregada e com um bebê, tinha algumas experiências anteriores na área jurídica e queria ajudar tanto nessa parte quanto com outros serviços como design e mediadora de oficinas em troca de acompanhar Pauli por um tempo, pois seu plano original era viajar o mundo
com uma
kombi.
Sua
residência
artística começou com oficinas de Yoga e também
atividades
lúdicas
voltadas
para
crianças, pois via a escassez de um projeto para mães e filhos. Ela já se via artista antes de chegar ao Ouvidor, desde pequena tinha contato com a arte.
"Desde criança sou copista, tinha dificuldade de criar. Aí comecei a me aperfeiçoar, melhorar o realismo e prestar a atenção melhor nas cores. Quando tinha uns 12 anos comecei a fazer aulas
#19
de teatro para tratar os resquícios de trauma corporal que tinha por conta das agressões que sofri quando menor. Nesse ambiente o mundo se abriu, tive novas experiências e descobertas comigo mesma, mas com certeza essa parte da minha vida se perpetua nos meus trabalhos com performance." Entre seus diversos trabalhos artísticos, ajudou a criar a identidade visual de uma banda chamada
“Nicolas
não
tem
banda”,
desempenha performances, peças de teatro, grafite... Inclusive algo pelo qual se fascinou ao frequentar a vila Madalena e estar em contato com algumas grafiteiras da região, foi seu processo de aprendizagem de diversas técnicas novas e ter considerado uma das artistas, sua referência.
#20
19
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Além da arte em si, ressalta que adora ser mãe e ver seu filho crescer é extraordinário, e apesar da vida na ocupação
apresentar
suas
dificuldades, nos conta que o lugar e as pessoas com quem compartilha moradia mudaram sua vida, além do amadurecimento em seus trabalhos por influência do espaço. Entende que o Ouvidor tem importância para realizar
sonhos
solidariedade
comuns, e
prestar
principalmente
comunhão, além da arte do lugar impressionar quem o visita, descreve que o convívio coletivo lhe ajudou a desenvolver empatia.
mais
sensibilidade
e
#21 "Aqui é um lugar de muitas possibilidades, por exemplo eu nunca tinha tido um contato muito profundo com a música e aqui isso é muito perto, nós podemos tocar nos instrumentos sem medo de repressão e visto a rigidez da família que vim é ótimo, especialmente para o meu filho, quero que ele cresça nesse ambiente livre, ele cria novas experiências, tem autonomia, e exercita a criação. " A arte contemporânea abriu as portas para as novas linguagens e para que os artistas pudessem se dedicar às várias possibilidades de expressão que estavam surgindo. Os novos meios que fugiam das belas artes, de certa forma, libertaram a criação dos artistas, que puderam se expressar da forma que sentissem que a obra encaixaria, esse é o caso de Aline. Suas múltiplas linguagens se refletem na
#22
liberdade que sua arte tem e que a Ouvidor 63 proporciona.
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#23
ANDRÉ A Pixação e o Grafite não são somente um
como o Othon Palace e o edifício localizado
estilo de arte, mas sim uma maneira de
na Rua Pamplona, aproximadamente duas
ativismo e intervenção social dentro do espaço
quadras da Av. Paulista em 2014.
público. Tendo cada expressão uma estética própria
e
impacto
distinto
dentro
da
Sua aproximação com o Ouvidor foi em 2014,
sociedade, o grafite é o mais aceito pelas
quando estava participando da resistência no
pessoas em comparação ao pixo. A relação que
edifício Othon, em frente à Prefeitura de São
o Ouvidor 63 tem com essas expressões são
Paulo, os antigos moradores do Ouvidor
intrínsecas, visto que tanto a arte como a
começaram a dar suporte para as pessoas,
ocupação são ações contra o sistema que
trazendo alimento e água. Nessa mesma época
beneficiam a elite.
ocorria a Copa do Mundo em solo brasileiro,
André Coronel teve sua
vivência marcada logo de início pela luta por
evento que gerou muita polêmica na época:
moradia, filho de pais paraguaios, deixou seu país para conseguir uma melhor qualidade de
“Ao mesmo tempo em que o pessoal focava na bola
vida. Antes de chegar ao Ouvidor, ele já
rolando no campo, a gente estava quebrando
participava do LMD (Luta por Moradia Digna)
cadeado e ocupando prédios” comenta André.
e participou de ocupações emblemáticas em São Paulo,
21
Revista MIRA, 1ª Edição
Depois que saiu de onde morava, Santa
“O grafite é uma coisa que estou me jogando
Ifigênia, o artista foi para a ocupação de
porque é diferente da Pixação. A Pixação é um
Pamplona, ficando somente dois meses no
processo de encontrar uma caligrafia própria, que
edifício por conta da reintegração, como o
te represente, assim como no malabarismo é um
proprietário era de uma família rica, tiveram
processo. Na minha adolescência participava de
recursos
banda, mas nada muito profundo.”.
para
bancar
bons
advogados,
resultando na expulsão das pessoas que estavam ali. Somente em 2016, André foi para
No entanto, se identificou com a Pixação, toda
o Ouvidor com a intenção de moradia, não
a representatividade e transgressão presente
como artista, mas sim como trabalhador em
na
busca de seus direitos a uma moradia.
representado em lugares que a periferia não é
execução
faz
com
que
se
sinta
incluída. Ao ser perguntando o que é a Pixação, ele diz:
“Pra mim, em ideia, a Pixação é a elevação da autoestima da galera periférica da favela, da quebrada mesmo, o material usado se encontra nas casas mais humildes, um lápis, um papel e faz uns traços. O pixo é isso só riscos, sem sombra, sem cor. O pixo é referência, você vai criando sua própria caligrafia.”.
#24
Os materiais usados por ele sempre são reciclados, a compra de tinta, rolinhos e Sua relação com a arte teve início com o
sprays se torna inacessível por conta do valor,
malabarismo, foi uma expressão artística, que
tornando
segundo ele, mexe com o mental e o físico
construção mais viáveis.
a
procura
em
caçambas
de
exigindo agilidade e força para a execução, com isso seus estudos sobre essa modalidade
“Mas pra mim (comenta André) que não tem
tiveram início e ao longo do tempo foi
condição de comprar spray, pego um pulverizador
aperfeiçoando
sua
de veneno de plantas e coloco tinta, é só diluir na
própria essência. O semáforo era seu ponto
água na quantidade certa, ai eu consigo fazer o
de apresentação, e foi também onde suas
traço igualzinho do spray”.
os
movimentos
com
apresentações foram se transformando, por meio dos olhares das pessoas, ele entendia
Os pontos de coleta são feitos em bairros
qual dos movimentos prendia a atenção e
como Higienópolis e Jardins, ele comenta que
impressionava seu público. Além do contato
vários materiais em ótimas condições são
com
descartados, e após a coleta são levados ao
o
Malabarismo,
ele
menciona
contato com o Grafite e a Pixação:
seu
Ouvidor
para
receberem
uma
finalidade
melhor.
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Quando questionado sobre a semelhança e a diferença de uma expressão para outra, em relação ao Pixo e o Grafite, ele comenta que as atitudes dos policiais do Brasil com os artistas de rua ainda é de extrema violência, vários são
baleados
e
até
mesmo
mortos.
É
mencionado também sobre a dificuldade de intervenções artísticas nos vagões de metrô e trem, já que os mesmos são recolhidos imediatamente para a remoção da arte. A aceitação da sociedade referente a Pixação ainda
é
distante,
ele
justifica
essa
impossibilidade pelo fato dela ser uma arte própria da periferia, feita justamente para se manter incompreendida por outras pessoas fora do círculo da Pixação; diferente do
#25
Grafite, que suas cores e formas fazem com que essa expressão seja mais aceita, como é o exemplo do Beco do Batman, localizado na
#26
Vila Madalena, ponto turístico famoso em São Paulo. Ele termina comentando da corporalidade que existe no grafite, exige certo esforço físico para poder executá-las, o mesmo acontece na pixação, sendo preciso certa delicadeza e precisão, para seguir as curvas do desenho e fazer a quebra do traço.
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LOSS
#27
A gaúcha Rafaela Loss está em São Paulo
O grafite é importante quando é produzido na
desde janeiro, há três anos ela viaja pelo Brasil
"quebrada”, propagando assim, uma vivência
participando
diferente àqueles que não têm acesso a arte.
de
eventos
de
grafite.
Ela
conheceu o Jah em um barzinho e com ele teve acesso a mais contatos desse meio de pixo
Acrescenta que o pixo não é elitista nem
e grafite. Começou também a frequentar o
racista, porém é machista e sempre tendo
Point de São Paulo onde aprendeu sobre o
sempre que lidar com questionamentos sobre
pixo reto.
estar se relacionando com alguém ou se era lésbica, e mesmo sendo interrogada sobre seus
No início de sua carreira ela morava em uma
desenhos nunca teve o intuito de se aproveitar
ocupação chamada Pandora localizada no Rio
da oportunidade de ninguém.
Grande do Sul. Os artistas dessa ocupação e do Ouvidor se relacionavam entre si. No começo, quando se mudou para São Paulo, ela não foi acolhida pela Ocupação 63, mas conseguiu abrigo em outra ocupação na Consolação, que atualmente não existe mais. A motivação da artista
é
sempre
pintar,
ela
pinta
por
convicção. O pixo segundo a mesma tem mais relação com a anarquia do que com o hip hop, diferente do grafite que é um elemento desse movimento urbano.
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#28
"A gente que é grafiteiro acaba as vezes se perdendo em técnica, ou até mesmo não tendo o material para fazer o grafite, mas a gente não deixa de fazer porque aquilo é nossa vida, damos um jeito de sair. Já com o pixo é diferente, ninguém tá ligando se tá bonito ou feio, gostando ou não vai tá ali, é difícil de apagar"
#29
#30
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ANA S.
Ana Silva, uma artista venezuelana, que se encontra no Brasil há 8 anos, e é residente do Ouvidor 63 desde 2017. Entre algumas de suas viagens, mais especificamente no Amazonas, artistas que compartilharam a ideia desse projeto que engloba a arte latino-americana.
#31
conheceu a ocupação por meio de outros
Posteriormente, ao chegar em São Paulo acabou se firmando no Ouvidor após uma
unicamente em mulheres Cis e Trans, em que
experiência de tatuagens com uma amiga sua,
acolhem aquelas em risco de vulnerabilidade,
assim, começou sua moradia no andar 12,
ou que viajam pelo mundo, artistas, para que
passou pelo 7 e pelo 4, e hoje se encontra no
seja trabalhado um constante fluxo de arte e
nono andar.
hospedagem.
As tatuagens de Ana Silva exploram os campos
Como
do Blackwork, uma técnica bem focada em
explora outros campos artísticos, sendo o
criar sombras e dimensões apenas com a tinta
malabares e as artes plásticas alguns deles.
preta e seus tons de cinza produzidos a partir
Desse modo, o diálogo entre produção e
de cada intensidade colocada no traçado, do
sobrevivência se torna constante na realidade
Geometrismo, o qual utiliza formas geométricas
de um morador do Ouvidor 63, a artista
para criar mandalas, flores, plantas, e também
utiliza do ambiente urbano das ruas de São
o Pontilhismo, que se baseia em diversos pontos
Paulo para praticar malabarismo como forma
de tinta que se juntam formando o desenho
de
completo.
produção de bolsas eco sustentáveis com
uma
retorno
estampas
artista
multidisciplinar,
financeiro,
feitas
a
como
partir
da
Ana
também técnica
a de
Sendo uma moradora do Ouvidor 63 há 4
serigrafia. Com a gritante presença das mídias
anos, a artista já transitou pelos andares da
sociais
ocupação, porém hoje se encontra no nono
contemporânea,
andar, o “Andar das Minas e das Monas”, o
alternativa para a divulgação de trabalhos
único projeto de todo o prédio focado
autorais de artistas de todas as
no
dia
a as
dia
da
redes
são
sociedade uma
Revista MIRA, 1ª Edição
forte
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localidades, entretanto Ana revela que evita
Brasil). Ana Silva explora opções em sua
utilizar esses meios para exposição de seus
multidisciplinariedade, por exemplo, em uma
desenhos por causa da constância requisitada
viagem para Arraial do Cabo, Rio de Janeiro, a
pelos algoritmos das plataformas, uma vez
hospedagem em um hostel foi trocado por
que sente certa desconexão entre a sua arte e a
uma pintura de uma mandala na parede do
forma na qual o público entra em contato
local, ou seja, a arte acaba possibilitando um
com ela por meio do digital - por isso, as
retorno maior do que o capital, mas sim um
tatuagens não são o caminho principal para
ganho de experiências e imersão em novas
obtenção de retorno financeiro, tal prática se
realidades. Essas alternativas possibilitam uma
estende mais para a relação com pessoas
expansão do processo artístico, visto que as
conhecidas ou aquelas que são fruto de uma
existem muitas barreiras para “viajadeiras”,
interação mais profunda.
forma da qual Ana se denomina, como as altas nos preços das latas de spray de tinta, ou
Por meio das viagens, por 5 países latinos
também a rejeição devido a visão do público
(Colômbia, Equador, Argentina, Paraguai,
sobre tatuadores que não trabalham em estúdios físicos estar atrelada a uma possível falta de cuidados com a saúde (falta de
#32
esterilização, mal uso das agulhas, entre outros).
#33
27
Revista MIRA, 1ª Edição
A convivência de Ana na Ouvidor 63 em meio
campo
a outros artistas como ela mesma descreveu
sobrevivência
para nós “como tudo na vida tem 50 por cento
potencializar onde ela foca seu trabalho, em
legal e 50 por cento ruim”, por ser uma
meninas
travessia diária por conhecimentos e outras
colocar uma mensagem ou mesmo uma
vivências, histórias que se mesclam as artes, e
inspiração no público. A conscientização sobre
outras
a preservação e importância da natureza é
que
são
as
próprias
formadoras
daquelas técnicas ensinadas nas oficinas, onde ela
mesma
consegue
adquirir
comercial
que
também,
indígenas,
ela é
utiliza um
meninas
como
algo
para
pretas,
para
algo recorrente nos seus registros
muito
conhecimento.
Os ideais da artista influenciam no processo de eternizar a arte no corpo das pessoas.
Para Ana Ouvidor sempre foi uma escola,
Como tatuadora ela entende essa arte como
onde aprendeu técnica, forma de execução,
um momento de conexão que eterniza ou
conhecimento para além do artístico. A parte
revive experiências. Por isso se considera ser
não tão boa seria o convívio de muitos alter
um pouco fechada em alguns processos de
ego em um só lugar, sendo praticamente
tatuagem, que possam reviver mágoas, e
obrigados a se encaixar e se entender, e neste
possíveis inícios de ciclos ruins que serão
momento os egos se batem. Cada cabeça
eternos em um corpo, a tatuagem em si é um
funciona de um modo pelas ideologias e
ritual sagrado que a artista executa com as
vivências atreladas àquela formação. A própria
pessoas, a confiança a empatia são partes
consciência de ocupação é algo tratado por
importantes na própria filosofia.
ela, por ser uma pessoa que vem de outras vivências com este tema, como por exemplo
Ana
quando criança a avó da artista ocupou um
sobrevivência levando para as suas tatuagens e
espaço onde foi construído a própria casa, e
as bolsas eco-sustentáveis que produz muito
isso
da
do geometrismo e do pontilhismo presente
pode
em outros trabalhos que faz no campo das
foi
o
mentalidade
necessário e
ideais
para sobre
o
início
como
Silva,
por
plásticas.
exemplo,
Sendo
alia
uma
arte
e
funcionar uma ocupação, debates, trabalhos e
artes
artista
projetos em conjunto.
multidisciplinar, também faz parte de suas atividades e fonte de renda o malabarismo
O ponto de vista de Ana sobre a própria arte é
que pratica nas ruas de São Paulo
atrelada à luta e à sobrevivência. Começando pelo ponto de vista da própria descendência
“A arte, além de ser uma arte, é uma arma!
indígena, assim a arte dela se torna uma luta,
É um poder que você tem”
pois acredita no poder de melhorar um lugar com
o
atravessamento
que
a
arte
e
a
– Ana Silva
ancestralidade podem ter com as pessoas. Ana explica que a arte fora do
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JUBA Juba é artista visual e está na ocupação Ouvidor 63 há 4 meses. Nascida no DF (Distrito Federal), trabalha com grafite, tatuagem e
#34
outras artes visuais, mas afirma:
"As possibilidades que a Ouvidor 63 ofereceu me fizeram expandir isso, trabalhando com circo e manifestações de outros grupos, sempre aprendo, troco e compartilho com as pessoas". Em São Paulo, ela trabalha tanto de forma comercial quanto com criações autorais.
"No grafite trabalho com personas e letras, até porque o grafite vem das letras. Além disso tem a vibração das cores. Tudo isso faz parte de coisas que eu pesquiso. Gosto de explorar isso tanto no grafite como na tatuagem. Na tatuagem trabalho também com arte tibetana, umas flores. Isso combina com a minha pegada bold line, com um traço mais grosso que eu faço. Misturo tudo isso quando estou criando". Em São Paulo, ela trabalha tanto na área comercial, quanto com criações autorais.
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#35
#36
"No grafite trabalho com personas e letras, até
arte que acontece na hora, nem sempre conseguimos
porque o grafite vem das letras. Além disso tem a
fazer uma intervenção. Esses dias a polícia pegou
vibração das cores. Tudo isso faz parte de coisas
seis latas minhas. Na mesma semana eu tinha dois
que eu pesquiso. Gosto de explorar isso tanto no
eventos para pintar em periferias. Fiquei com
grafite como na tatuagem. Na tatuagem trabalho
aquele sentimento: ' para que isso, é só tinta na
também com arte tibetana, umas flores. Isso
parede'. Seguimos resistindo".
combina com a minha pegada Bold Line, com um traço mais grosso que eu faço. Misturo tudo isso quando estou criando".
Interdisciplinaridade e arte urbana também estão presentes nas criações de Juba. O grafite é uma de suas principais marcas, e nele se
Na Bienal, uma de suas criações foi projetada
expressa por meio de personas que cria e das
em um prédio dos arredores da ocupação, o
letras. Na rua, sua arte se desenvolve entre as
que está em aberto diálogo com as diversas
diferentes relações que cria com os grafiteiros
intervenções urbanas que ela realiza no dia-a-
que também atuam nesse espaço público e o
dia com o grafite. Sobre a experiência de
permanente conflito com aqueles que buscam
intervenções no DF e em São Paulo, ela relata:
inibir essas manifestações, em especial as forças
"De uma forma geral é igual. Há algumas diferenças, mas o sistema é o mesmo. O importante é você estar a par de seus direitos. Acredito que a arte não é nenhum crime. Em cada cidade que
de repressão do Estado. Também faz tatuagens e sua chegada ao Ouvidor também abriu caminho para conhecer e praticar as artes circenses.
estou, procuro conhecer os grafiteiros de lá. É uma
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#37
THIGRESA
Performer interdisciplinar e pesquisadora da UFF, onde desenvolve seu doutorado, Thigresa participou da Bienal do Ouvidor no dia 21 de novembro com a performance REmapas, que questiona a ausência de pessoas latino-americanos em genealogias sobre esse tipo de manifestação artística. Após ser expulsa do teatro, resolveu, como ela mesmo define:
"Experimentar o experimental e se colocar em um risco que só a performance me possibilitou". Antes de começar essa atividade, ela assistiu muitos performers do Brasil e do exterior. Isso, somado a sua pesquisa sobre a História da Performance, nos ajuda a entender suas ações que envolvem o mapa Performance Art Context, navalhas, objetos cortantes e nomes de artistas brasileiros. O mapa elaborado por Gerhard Dirmoser nos trás a história da performance, no entanto, esse é justamente o questionamento de Thigresa.
"É uma cartografia com a genealogia da performance, das suas expansões e das suas linguagens expansivas. Meu questionamento é justamente a exclusão de toda uma produção latino-americana", afirmou a performer.
31
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#38
#39
A partir dessa crítica, as navalhas rasgam o
"Eu tenho uma lâmina tatuada. Penso nos corpos
Performer Art Context e o próprio corpo dela
dissidentes como grandes lâminas sociais. A
para escrever palavras como "radicalidade" e
lâmina está o tempo todo em minha performance e
nome excluídos dessa genealogia como os de
ela está nesses corpos que estão no mapa como o da
Pagu (Patrícia Galvão), Glauco Mattoso, Dudu
Pagu, do Glauco Mattoso, um importante poeta
do
aqui de São Paulo e no Dudu do Gonzaga, uma
Gonzaga,
entre
outros.
Segundo
a
"bicha" não-binária que nos anos 60 se vestia de
performer:
rosa e saia pela Avenida da Praia em Santos para "Essas imagens se materializam como algo meio
ir tomar sol. Essas pessoas não podem estar fora de
punk; essa coisa da navalha, da dentada, do
uma genealogia da performance".
sangue… Acho que tudo isso eu trouxe para cá porque não cabe na Bienal [de São Paulo], mas a
REmapas é uma ação que envolve navalhas,
Bienal do Ouvidor 63 nos dá essa possibilidade de
martelo e diversos objetos cortantes para
abertura
minha
contestar as narrativas da História da Arte que
performance há uma ação com os mapas maiores.
excluem corpos como o dela, uma performer
Eu escrevo e prego uma dentada neles. Também
latino-americana. Se autodenominando um
há o corte em minha própria pele. Eu sinto a pele
"corpo dissidente", sua presença é marcante e
se expandindo e essa performance trabalha com
literalmente rasga o mapa Performance Art
essa questão da expansão".
Context, elaborado por Gerhard Dirmosier, e
e
experimentação.
Na
que constrói uma genealogia da performance objeto
excluindo artistas da América Central e do Sul.
importante em toda a performance. Não
Nesse sentido, podemos observar aqui como
somente como objeto que causa uma cisão no
esse questionamento se cruza com a trajetória
mapa, mas por estar diretamente associada aos
de
corpos dissidentes, que não se encaixam nos
constroem a Ocupação Ouvidor 63.
Neste
sentido,
a
navalha
é
um
tantos
artistas
desse
continente
padrões estabelecidos tradicionalmente no que diz respeito à identidade de gênero.
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que
A artista Thamyris Soares, que é poeta e performer, articuladora no Núcleo de Circo e Teatro da Ouvidor, chegou no prédio pela primeira vez há cerca de sete anos. Thamyris foi a principal ponte do Núcleo Azul com a Ocupação, por estar tanto tempo na Ouvidor,
THAMYRIS
mesmo que de forma intermitente, tendo saído para viajar em algumas oportunidades, ela nos conta como a ocupação vem se transformado ao longo do tempo. Há sete anos, quando chegou na Ocupação com seu companheiro, processo
relembra
penoso
como
restaurar
foi o
um
espaço
abandonado para fazê-lo de moradia e espaço cultural:
#40
“Antes aqui tinha só rato, lixo e esgoto, então nós limpamos, reformamos e deixamos esse lugar habitável” Além das ações de limpeza e manutenção dos diversos
andares,
contou
também,
como
desde muito tempo há uma circulação dos artistas
entre
convivência
andares,
com
novos
o
que
torna
a
companheiros
e
artistas algo estruturante da Ocupação. A nossa entrevistada, que fundou o primeiro andar, saiu para viver outras experiências e ao retornar para a ocupação, há cerca de quatro anos, está num momento de vida totalmente diferente. Agora é mãe do Martim, um menino de cerca de seis anos muito ativo que, com a convivência com o núcleo de circo já sabe fazer acrobacias e passou a entrevista treinando saltos entre a arquibancada do teatro e um colchão de treino que ficou no palco depois do ensaio de outros artistas.
33
Revista MIRA, 1ª Edição
Ela passou a fazer parte do coletivo de circo
“Vou experimentando um pouco de tudo, porque é
após esse retorno, há quatro anos, quando o
bem livre aqui. Eu gosto muito do teatro e
coletivo de circo já existia e apresentava uma
gostaria de me desenvolver mais no teatro, mas
estrutura.
no
também dentro da minha cabeça tem espaço pra
coletivo, que vão desde se apresentar como
muita coisa, e me desenvolver como escritora,
performer até escrever a dramaturgia dos
porque
espetáculos e cenas apresentadas nas seções de
espetáculo de teatro, aqui é assim, dá pra
variedades ou apresentações do Projeto Circo
experimentar muita coisa, aqui todo mundo se
Social.
sente livre para se expressar, sem medo de ser
Ela
possui
diversas
ações
me
desenvolveu
muito
escrever
um
perfeito, aquilo que tocar no seu coração você põe Sua produção artística é bem fluida, diferente
pra fora e as pessoas recebem e devolvem coisas
dos demais entrevistados está menos ligada a
fantásticas sobre a sua obra que você não tinha
um equipamento de habilidades circenses,
nem pensado.”
mesmo que na ocupação todos façam de tudo um pouco. Essa parece uma das principais características de Tamyris, a permeabilidade de
experimentar
diferentes
produções,
diferentes linguagens. Mesmo declarando o teatro e a poesia como suas preferências e seus focos principais, ela carrega esse impulso multiartístico da ocupação.
Essa vontade e experimentação aparece por toda sua trajetória. A respeito de sua produção individual, ela nos conta que começou na arte pela escrita, com um sonho antigo de publicar livros de sua autoria. Logo, ela nos relata sobre a sua obra “Borboletas e Madrugadas”, livro escrito aos dezoito anos e que ela nos confidencia ter sido escrito para a primeira mulher pela qual se apaixonou:
“Eu escrevia pra ela, a gente trocava muitas ideias sobre revolução a noite inteira. Eu era casada com um cara nessa época e me escondia debaixo da pia pra conversar com ela de madrugada, eu escrevia e depois lia pra ela, por isso borboletas e madrugadas”. Um trecho do livro está exposto na III edição da Bienal do Ouvidor, junto com algumas colagens, técnica na qual a artista vem explorando, assim como o pixo e o shibari, tudo decorrente desse contato intenso com os
#41
demais moradores da ocupação.
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34
Mas a escrita de livros foi se configurando
Mas depois de tantas digressões voltamos ao
com o passar do tempo e dando espaço ao
ponto inicial para entender como essa artista
zine, que a artista faz e vende nas ruas,
dialoga e se articula no coletivo circense da
principalmente em universidades, que passou
Ocupação. Essa ligação é construída também
a ser o meio com o qual ela consegue divulgar
pelo ambiente do Ouvidor 63, que foi onde a
sua escrita, suas poesias e gerar renda.
artista teve um contato mais efetivo com o
"Eu aprendi que podia fazer um zine com as minhas poesias, isso aconteceu numa época em que fui pra Florianópolis e trabalhava com artesanato e fui roubada, levaram tudo, aí eu conheci uma moça do teatro e mostrei uma poesia que eu estava apresentando há muito tempo em ocupações. Também conheci umas meninas da Faculdade Federal de Santa Catarina, essas meninas me ajudaram tirando xerox do meu livro, foi aí que comecei a desenvolver mais essa parte de poesia, mas aqui na ocupação eu trabalho com as minhas poesias e poesias dos outros, geralmente vou em faculdades vender os zines.”
circo. Ao narrar o seu contato com a linguagem ela
nos
conta
como
ele
ocorreu,
primeiramente de forma distante, quando ela cuidava do filho de uma palhaça, que diversas vezes ia para o farol arrecadar dinheiro. Seu contato efetivo com o circo se deu com seus companheiros, observando
os
participando treinos
e
das
vivências,
observando.
A
admiração aparece como ponto chave de motivação, assim como o gosto pessoal e que pode ser notado quando a nossa entrevistada diz:
“Entendo que conheci o circo de verdade na ocupação, tanto que falo para o pessoal que tem vezes que os vejo e acho incrível, pois nunca pude ver na infância e na adolescência o que meus amigos fazem aqui, o circo eu conheci aqui, e estou desenvolvendo o circo mais na área do teatro, aqui na ocupação eu escrevo, normalmente escrevo os espetáculos, desenvolvi mais o trampo no teatro por pesquisa minha.”
#42
35
#43
Revista MIRA, 1ª Edição
LUA
#44
A artista Luana Lua, de 28 anos, nascida em Campinas e que faz parte do coletivo de circo, está se dedicando atualmente à prática de bambolê. Lua, como é chamada, foi uma dessas crianças que desde cedo já mostrava afinidade com as artes, que desenha desde pequena
e
é
notada
pelos
familiares
e
professores. Ela conta que desde muito jovem
estudo, e assim não podendo auxiliá-la em
já percebia que se expressava através do
como chegar nesse objetivo. Essa projeção
desenho, mas que não pensava, em nenhum
também
momento, em de fato ser uma artista.
momentos, como em seu relato sobre quando
se
desdobra
em
vários
outros
ela decide vir para São Paulo: O tempo passou, e Lua muito nova saiu da casa dos pais, se casou, engravidou três vezes,
“No circo, já ouvi da boca do meu pai que isso era
a primeira com 14 anos, e depois de alguns
coisa de prostituta. Quando eu vim pra São Paulo
anos com um companheiro abusivo decide vir
ele disse que eu não iria conseguir criar meus
para São Paulo, há cerca de três anos. Desse
filhos e vir para São Paulo viver de arte, dizia que
processo
eu iria passar fome, “lá vai ter as piores coisas
de
atravessando familiares
recomeço,
pela
dos
percepção
residentes
acabamos que
alguns
enxergam
essa
vivência. Se por um lado temos a mãe da Tamyris, que não concorda com a opção de vida da filha mas deseja que ela seja feliz, Lua coloca como seu pai teve uma projeção diferente para o futura da filha, querendo que ela fosse enfermeira, mesmo não tendo
para você", porque a gente que trabalha com farol é muito marginalizado, acham que a gente não faz mais nada.” Chegar em São Paulo e conhecer o Ouvidor 63 foi decisivo para mudar a trajetória de Lua e fazer com que ela se reconhecesse artista. Após o término do seu relacionamento, ela chegou na cidade com
Revista MIRA, 1ª Edição
36
400 reais, inicialmente para ficar na casa de
de ficar vendo vídeos, trocando com a galera, foi
um amigo até se estabelecer. Esse amigo é
então que comprei meus primeiros bambolês
quem a leva para a ocupação, já projetando
profissionais e comecei a treinar a partir desse
que o espaço seria um lugar em que ela
contato inicial e continuando com os estudos de
pudesse se desenvolver como artista.
vídeo e troca com outros artistas como a Kicu.”
“Ele disse pra mim "vou te levar pra um lugar que
Diferente dos demais artistas, Lua também
vai mudar a sua história", mas eu não botava fé,
nos fala de um processo muito delicado que é
porque eu não sabia o que era esse lugar e eu vi
vencer o medo de palco. Ela conta que sua
um monte de gente diferente quando cheguei e
primeira apresentação com o bambolê foi na
achava que isso não era para mim, eu sempre quis
sessão de 20 de novembro de 2021, e que
fazer arte, mas nunca achei que fosse acontecer”
mesmo tendo feito apresentações em peças da Ouvidor e do Projeto Levanta Favela, já fugiu
Depois de se instalar na Ocupação, ajudando
do palco em outras oportunidades. Além
em
mantendo
disso, também passou por muitos momentos
inicialmente com venda de doces, o contato
de insegurança decorrente do tratamento a
ao passar por vários grupos, morando no
que os artistas de semáforo estão sujeitos, mas
primeiro andar, no décimo, e posteriormente
que, como em outros setores, a vivência
no
coletiva
questões
nono,
gerais
lhe
experimentar
deu
diferentes
e
se
possibilidades linguagens.
de Até
também
acolhimento
dos
serve artistas
de
reflexão
quando
eles
e se
conhecer o circo, que foi como encontrar uma
encontram em momentos emocionalmente
paixão, pelo qual ela se encantou ao ver uma
mais delicados.
apresentação de bambolê. O destaque enquanto artista, integrante de Como parte dos residentes da Ouvidor, ela foi
uma comunidade como o Ouvidor e da
se desenvolvendo a partir do contato com os
importância dos projetos sociais como o
demais artistas, trocando conhecimentos e
Levanta
buscando
e
estruturantes para que Lua passasse a atuar
vídeos. Assim, ela nos conta que aos poucos se
como artista e se entendesse como tal. Mesmo
desliga do sentimento de que nunca iria
vindo de uma formação extra-acadêmica,e
conseguir (?) se permitir experimentar e se
sobretudo,conquistada na rua e nos espaços
aprimorar tecnicamente.
que ela transitou, tal conhecimento proveu à
mais
informações
em livros
“Um amigo chamado Tato me deu meu primeiro bambolê de cano, preto, pesado, grande, e eu fui com ele “toda toda” no farol. Até eu entender outras possibilidades usando o bambolê depois
37
Revista MIRA, 1ª Edição
Favela,
foram
colocados
como
artista a possibilidade de escrever um novo capítulo da sua história, o de ter sido aprovada para a formação na Escola Nacional de Circo do Rio de Janeiro a partir de 2022.
#45
“A gente estava sempre na luta, aqui é um lugar que me empodera, e eu vou aprendendo na marra, tudo parece impulsionar pra frente, mesmo quando acontece alguma coisa ruim a pergunta é “Mas o que você aprendeu com isso?” Agora eu penso em coisas que eu não pensava quando vivia com a minha família. A gente vai aprendendo com o erro e com a vivência, fazendo, agora eu quero tocar acordeon, porque uma coisa puxa a outra, eu gosto de circo, mas aprendi a escrever, me envolvi com a música. Aqui é assim.”
Revista MIRA, 1ª Edição
38
um número considerável de artistas Latino Americanos, muitos deles ligados também ao coletivo de circo. Dessa forma, nesse capítulo, as entrevistas com os artistas Manuel Mendoza e
Kicu
Lina
também
trarão
luz
a
essa
característica do coletivo.
#46
KICU
É importante salientar que a Ouvidor 63 tem
Kicu é palhaça e artista de rua e tem 34 anos, nascida na Argentina, enquanto Manuel é malabarista, artista de rua e peruano. Ambos artístico e habilidades já desenvolvidas e notase que servem de inspiração para outros artistas mais jovens na ocupação pelas suas produções e disponibilidade de ensinar seus companheiros. Também se destacam pois já passaram por algumas ocupações no Brasil em outros países antes de chegarem na Ouvidor 63, que é o maior espaço cultural nesse modelo pelos quais eles passaram. Manuel desde cedo já via os malabares estarem presentes em sua vida, antes de começar a se arriscar com eles, via amigos de escola praticando ou pessoas na Universidade do Peru, quando cursava Biologia, mas nunca “botando muita fé se conseguiria fazer ou não aquilo”.
39
Revista MIRA, 1ª Edição
MANUEL
os artistas chegam ao espaço com um trabalho
#47
Ele destaca que quando decidiu viajar sabia
Nos conta que na época havia uma espécie de
muito pouco sobre malabarismo, mas mesmo
“carta de recomendação” para ser acolhida sem
assim
problemas, dado o
por
onde
passava
ensinava
outras
pessoas e que com isso aprendia um pouco
período político.
mais nas trocas com essas pessoas que estavam interessadas
em
aprender
e
com
outros
A artista também destaca a oportunidade de
artistas. A partir desse processo, decide entrar
conviver
com
numa escola de circo na qual passa um ano
residente
da
aprendendo diferentes técnicas. Nessa escola
habilidade que eles têm em produzir com
eram
o
poucos recursos. A multidisciplinaridade dos
impacto social da arte e da cultura e com elas
artistas é comumente citada como forma de
Manuel conta que começa a perceber a
desenvolvimento artístico e pessoal de todos
magnitude do que já vinha fazendo de forma
que residem na Ocupação. O contato com os
mais intuitiva.
diferentes tipos de artes e linguagens funciona
primordiais
as
discussões
sobre
diversos Ouvidor,
artistas
enquanto
especialmente
pela
como acepção de experiências vividas seja Neste espaço, como o foco era voltado ao
individualmente ou coletivamente. Para Kicu,
impacto social do circo, houve a criação de
o Circo Social salienta a importância do
diferentes projetos com essa finalidade. Ele
contato também com o público e outros
relata que inclusive ganhou um edital, com
artistas de rua; para ela, como artista de rua e
mais de 800 inscritos, para viabilizar um
palhaça, é nos encontros com a população,
desses
amigos e artistas, onde os artistas mais se
projetos,
porém
esse
grupo
foi
perdendo articulação interna e decidiu seguir
desenvolvem, se reconhecem e se apoiam.
viagem. Em 2018, uma amiga lhe introduz a Ocupação,
em
que
Manoel
destaca
a
Ela comenta sobre ter iniciado sua atuação
magnitude comparada com as que já morou
como palhaça após assistir a outros palhaços
no Chile: “Me sinto muito afortunado, porque
atuando para o público, lembra com carinho
você acorda e tem alguém fazendo malabares,
que todos eles além de entreter o público com
outro tocando violão, outro cantando…”
risadas, apresentavam também várias outras técnicas, como malabarismo, canto e música.
Kicu conta que seu percurso até chegar na
Entre as viagens, Kicu conhece e experimenta a
ocupação se inicia com a saturação da cidade
bufonaria em eventos circenses em Belém e
de Buenos Aires, que é quando decide viajar.
dialoga
Chegou ao Brasil há cerca de seis anos, em
apresentam alguns encontros organizados por
tempos favoráveis ao impeachment da ex-
esses artistas a nível nacional.
com
demais
palhaços
que
lhe
presidente Dilma, no qual passa um tempo numa ocupação em Santa Catarina e com
É interessante a forma com que todos os
recomendações
artistas expressam durante toda a entrevista
das
pessoas
desse
espaço,
segue viagem até a Ouvidor.
Revista MIRA, 1ª Edição
40
a oportunidade de ter contato com a arte no geral,
especialmente
pelo
seu
caráter
transformador, tanto pela oportunidade de reflexão
e
desenvolvimento
crítico
que vai fazer a diferença, isso vai ficar muito mais na minha cabeça do que os cinquenta reais que eventualmente eu ganhei…”
como
também fonte de inspiração para produções
Entre
próprias
Os
urgentes citados durante toda a entrevista e
desdobramentos desses contatos são feitos a
trajetória artística de cada um dos artistas. A
partir
recorrência
a
do
partir
da
contato
experimentação.
visual
e
escuta,
do
os
relatos,
de
existem
pessoas
alguns
que
pontos
chegam
na
compartilhamento de ideias e sentimentos que
ocupação sem experiências anteriores ou com
permeiam as produções coletivas evidenciadas
vivências em só uma linguagem e que viram
especialmente
multiartistas, se aperfeiçoando através dos
pelo
coletivo
do
circo
da
diversos desdobramentos que a convivência
Ouvidor.
na ocupação produz, além da insurgente Kicu é bastante contundente ao dizer que a
manifestação contra o Estado, e o processo de
ideia de se apresentar em público é diferente
reconhecimento
da
artista, que só é possível por conta do trajeto
democratização
da
arte,
e
sim
a
reivindicação desta como ativismo político enquanto
artista
de
rua,
enfatizando
de
si
mesmo
enquanto
coletivo que todos percorrem juntos.
a
discriminação sofrida pela classe daqueles que decidem atuar para o público e rejeitam enquadramentos e associações categóricas de insituições tidas como parte desse sistema que oprime e se apropria da arte e também da essência artistica destes:
“A gente não quer briga, a gente quer melhoria, a gente não quer a polícia, a gente quer arte, tirar as
#48
crianças da criminalidade, crescer como pessoa, socialmente, quebrar os preconceitos que eu carrego. Não é só melhorar na técnica, mas melhorar como pessoa. Eu moro com um monte de gente e de bichinhos, não estou sozinha no mundo, estamos juntos e nessa convivência a gente melhora como pessoas, aqui o preconceito se quebra todo. As pessoas estão acostumadas a ver filmes no telefone, revistas em quadrinhos, mas eu não estou no Theatro Municipal ou numa lona e vão me dar um valor que eu vou ver no chapéu depois, mas o sorriso da criança
41
Revista MIRA, 1ª Edição
#49
Bryan Meza nasceu no Peru faz 30 anos e chegou a conhecer a ocupação em meados de 2019,
por
meio
de
um
amigo
também
peruano, que havia transitado por São Paulo, inclusive
também
pelo
coletivo.
Quando
retornou ao seu país natal, esse amigo fez questão de transmitir suas experiências ao Bryan, que brevemente se interessou pelo espaço e veio para o Brasil. O artista relata que sua expressão artística começa antes do contato com a Ouvidor, ao sair da escola em 2006, cria laços com malabarismos. Atualmente, Bryan assim como demais artistas, não se restringe apenas a uma
#50
mídia, ferramenta e linguagem para basear o seu trabalho. Segundo o mesmo sobre o percurso de sua produção, buscou influências
BRYAN MEZA
do teatro, misturou com o circo e a dança, e no momento vem se misturando com as artes plásticas. Bryan acredita que acerca da arte local e nacional, hoje temos diversos espaços de criação, lugares para morar, produzir e se auto-sustentar, e afirma que é um panorama que
tem
realmente
base crer
na
Ocupação. que
Apesar
muitas
de
pessoas
influenciam, dentro do Ouvidor 63, seu trabalho, cita Paulo como um destaque nessa construção. A pandemia afetou muito o coletivo, e como um dos representantes desse, afirma que os maiores desafios foram se sustentar, e fazer circular as obras produzidas na ocupação. Apesar disso, reconhece que é um espaço de colaboração, e escolhe como definição dessa construção a palavra “União”. Reconhece a
Revista MIRA, 1ª Edição
42
importância do espaço estar sendo ocupado por um coletivo de grande valia ao corpo
#51
social:
“Hoje em dia acho que é ser sobre uma experiência que apresenta outro pensamento sobre a ocupação, um fenômeno social que é a ocupação aqui em São Paulo, o Ouvidor está oferecendo uma proposta que, em algum momento, possa oferecer um pouco mais, sendo a ocupação como todas as outras formas de moradia que partem de uma demanda social, mas pelo o que o ouvidor apresenta já está quebrando um pouco os estigmas, estimulando uma ideia que (talvez) transcenda ou não, ninguém sabe.” E continua quando comentamos sobre a influência do ouvidor em suas obras:
“É bastante (influência), pois consigo trabalhar com ferramentas de artes que antes não estava utilizando, está me permitindo conhecer algumas ferramentas para minha própria obra.” O Bicicletário da ocupação se transformou em um espaço aberto para novas invenções e expressões artísticas, tornando-se palco de um dos projetos presentes em vários países. O movimento começou com o Bryan, que trouxe do Peru o Motor Humano, um projeto que iniciou com o objetivo de incentivar o uso da bicicleta e reivindicar o espaço na rua que é ameaçado pelos carros e caminhões. No início o
espaço
havia
infraestrutura
que
vários
problemas
comprometia
o
de uso
frequente do local; no entanto, ao longo do tempo os moradores foram consertando e oferecendo personalidade ao ambiente.
43
Revista MIRA, 1ª Edição
#52
#53
O Motor Humano recebeu apoio por uma
difíceis,
oportunidade do SESC com o Instituto Ar60,
agressiva do que se pode fazer.”
que
disponibilizaram
um
edital,
sendo
uma
recuperada
um
pouco
para
selecionar as ideias mais criativas com o tema
Ao ser perguntado sobre sentir falta de algum
da sustentabilidade. Assim que a proposta foi
incentivo (além do diálogo com o Campi
aceita, o processo tomou partida contando
Guarulhos da Universidade Federal de São
com três fases: a primeira consiste na reforma
Paulo), ou então sobre conhecer alguma
e
instituição de apoio ao trabalho artístico dos
reativação
do
espaço;
a
segunda,
a
construção da Bike Monstra e a terceira o
artistas, ele responde:
cortejo e a elaboração do livro de memória. No momento, o Ouvidor se encontra na
“Se eu sinto que faz falta? Não, mas se eu sinto
segunda fase do processo.
que é importante? Sim, porque se começarmos a pensar que é algo que é importante, a relação (com
O peruano participou da Bienal com diversas
o incentivo financeiro) seria outra. Existe todo o
apresentações, e sobre o contato do evento
tipo de instituição privada que terá o interesse
com a pandemia, comenta:
social de conseguir essa interação econômica com o governo, é assim como toda instituição pública
"Eu sinto que é um reflexo de toda essa emoção que
funciona. A única coisa que muda é o ritmo, do
está atrelado a este espaço, mais atípico do que
qual poderia ser um processo mais rápido.”
normal, como uma explosão, já que foram anos
Revista MIRA, 1ª Edição
44
ROGER BEAT JESUS
#54
Roger BeatJesus nasceu em São Paulo estudou
Começou a fazer sem saber que se chamava
gestão de finanças e editoração gráfica para
fanzine. Certa vez, uma pessoa o elogiou
viver de sua arte. É referência em fanzines no
dizendo que eram bonitos os fanzines que ele
Brasil e está expondo onze publicações no
postava no Orkut, uma antiga rede social. A
décimo andar da Ocupação 63, onde também
partir daí ele começou a pesquisar sobre esse
realiza oficinas toda quinta-feira. Faz quinze
termo e a conhecer mais a respeito desse
anos que ele trabalha com fanzines, a caneta e
universo dos fanzines, dedicando a sua vida
o papel sempre foram o seu canal para se
para
expressar.
comunicação.
Como ele não possui impressora, buscou por
Roger começou com um coletivo em que o
uma solução de baixo custo. Percebendo que
foco é trabalhar com a geração emergente, a
em lugares públicos como bibliotecas, ongs,
geração
igrejas e universidades possuem impressoras,
necessidade de se atualizar e de se reinventar,
sugeriu
buscando inovações e novas formas de se
parcerias
com
as
instituições,
oferecendo alguma oficina, ou fazendo algum
usar
essa
atual,
arte
por
esse
como
forma
motivo
há
de
uma
expressar.
informativo, para conseguir imprimir seus Quando conheceu o fanzine foi em busca de
trabalhos.
45
Revista MIRA, 1ª Edição
outros fanzineiros. Geralmente eles se reúnem
Ele abordava as pessoas nas ruas para vender
em feiras organizadas pelos mesmos, sempre
suas produções. Depois, a partir de um
em um ambiente institucional, como se fosse
mapeamento feito por ele, buscou oferecer a
uma pequena editora. Porém reduzido a um
pessoas
nicho fechado, fazendo com que ele não se
grandes quantidades. Como coletivos, escolas,
sentisse representado naquele ambiente, por
instituições, entre outros. Além de elaborar
ser de uma origem periférica, enquanto que os
roteiros para abordar cada público específico
outros fanzineiros são do centro. Portanto,
para oferecer suas obras. Ele se reinventa a
Roger decidiu levar o fanzine aqueles que não
cada ano para atrair o público.
com
condições
de
comprar
em
o conhecem, ou não tem contato ou nunca o fizeram na vida.
Segundo o Roger, o fanzine tem como proposta trazer informações que geralmente a grande mídia não mostra, com a finalidade de alertar e de informar a respeito de temas que você não vai ver por aí nas grandes mídias. Cada fanzineiro tem seu modo peculiar de fazer seu fanzine, mas de um modo geral ele é elaborado de modo artesanal a partir de recorte e colagem, em que o autor é o desenhista, escritor, editor do seu próprio livro. O fanzine é resultado da fotocópia da obra original, uma espécie de revista feita a mão. Para cada público é uma fanzine diferente, não é à toa que fez 70 fanzines diferentes. Roger se reinventa a cada ano para atrair o público e para viver de suas obras. Muitos fanzineiros desistem no começo por falta de planejamento e estudo, por esse motivo Roger adverte em relação a preparação e a persistência de lutar por aquilo que gosta e tem talento para exercer. Sempre há um jeito e um meio para conseguir realizar o que ama fazer.
#55
Revista MIRA, 1ª Edição
46
outros fanzineiros. Geralmente eles se reúnem
Para cada público é uma fanzine diferente, não
em feiras organizadas pelos mesmos, sempre
é à toa que fez 70 fanzines diferentes. Roger se
em um ambiente institucional, como se fosse
reinventa a cada ano para atrair o público e
uma pequena editora. Porém reduzido a um
para viver de suas obras. Muitos fanzineiros
nicho fechado, fazendo com que ele não se
desistem no começo por falta de planejamento
sentisse representado naquele ambiente, por
e estudo, por esse motivo Roger adverte em
ser de uma origem periférica, enquanto que
relação a preparação e a persistência de lutar
os outros fanzineiros são do centro. Portanto,
por aquilo que gosta e tem talento para
Roger decidiu levar o fanzine aqueles que não
exercer. Sempre há um jeito e um meio para
o conhecem, ou não tem contato ou nunca o
conseguir realizar o que ama fazer.
fizeram na vida. O coletivo trabalha como se fosse uma timeline Ele abordava as pessoas nas ruas para vender
de Facebook, com uma linguagem que uma
suas produções. Depois, a partir de um
criança
mapeamento feito por ele, buscou oferecer a
compreender, porque sabem da realidade da
pessoas
educação
com
condições
de
comprar
em
de
doze
no
anos
Brasil.
consegue
Por
isso,
ler
e
qualquer
grandes quantidades. Como coletivos, escolas,
brasileiro que lê o fanzine irá compreendê-lo.
instituições, entre outros. Além de elaborar
Dessa forma, popularizando a mensagem que
roteiros para abordar cada público específico
querem anunciar.
para oferecer suas obras. Ele se reinventa a cada ano para atrair o público.
Cada fanzine que o Roger elaborou fora criado em ocasiões diferentes, variando conforme o
Segundo o Roger, o fanzine tem como
público alvo. Um dos Fanzine tem como título:
proposta trazer informações que geralmente a
“Fanzine-se ou será fanzinado”, se você não
grande mídia não mostra, com a finalidade de
tomar a decisão alguém fará por você. Esse
alertar e de informar a respeito de temas que
relaciona-se com o centenário da Semana da
você não vai ver por aí nas grandes mídias.
Arte Moderna no Brasil. Se você não falar o que sente e o que pensa, vai surgir outro que
Cada fanzineiro tem seu modo peculiar de
fará por você. Você será protagonista ou
fazer seu fanzine, mas de um modo geral ele é
espectador? Abaixo está o texto desse fanzine:
elaborado de modo artesanal a partir de recorte e colagem, em que o autor é o
Fanzine-se
desenhista, escritor, editor do seu próprio
BeatJesus:
ou
será
fanzinado,
por
Roger
livro. O fanzine é resultado da fotocópia da obra original, uma espécie de revista feita a
Foi em 7 de setembro de 1822 que ocorreu a tal
mão.
independência do Brasil, isso quer dizer que em
47
Revista MIRA, 1ª Edição
2022 completa 200 anos que por ironia também será os 100 anos da Arte Moderna no Brasil. Os modernistas codificaram a nossa cultura e nós descendentes quilombo, afro, indígena, filhos do nordeste e da mãe preta, qual a nossa história na arte do Brasil? Deixaremos que novamente eles influenciem a nossa geração? Está na hora do povo dessa terra, o povo da pele cinzenta do chão batido mostrarem a sua cara, mostrar a sua arte.
#56
Fanzine-se para a transmodernidade.
Roger afirma que o seu fanzine favorito é sempre o mais recente, que no caso é o intitulado 5G, que aborda sobre a tecnologia. Em 2022 teremos no Brasil a implantação do 5G. Com a quarentena as pessoas tiveram que se adaptar com a tecnologia e como ela se insere em nosso cotidiano. Tem uma parte do fanzine que fala sobre a nomofobia, que é algo que existe no mundo todo, uma grande dependência
das
pessoas
em
relação
a
tecnologia. Essa obra tem como objetivo
#57
alertar e despertar as pessoas em relação a isso. Quem é o dominado? É você quem o domina ou é ele quem te domina? Rockzine é outro fanzine dele, feito para o dia
#58
13 de julho, dia do Rock. Para atrair quem curte rock, mas além disso, esse zine fala sobre caráter,
inspirado
num
filme
onde
um
rockeiro se sentia no altar, não era de boa índole. Não adianta ser um astro do rock se é desprovido de caráter e de humanidade. Onde está seu coração? Essa é a proposta, trabalhar com o interior de cada um, fazer uma reflexão de dentro para fora.
Revista MIRA, 1ª Edição
48
DANI SABINO
#59
Daniela Sabino, de 33 anos, é natural de
“Eu vim diretamente para a Ouvidor, eu não
Buenos Aires, Argentina. Dani conta que
conhecia e nem sabia que existia esse prédio, essa
morou 4 anos na Chapada Diamantina, Bahia.
ocupação. Aí vários sinais e acontecimentos me
Em
nutrir
trouxeram até aqui. Quando cheguei aqui, foi
curiosidade e vontade de voltar a estudar, já
aquela maravilha né? Aquele prédio, a cidade…
que é dançarina e artista circense e sentia
Isso foi antes da pandemia, então eu estava
necessidade de mais conhecimento do que a
naquele ritmo: sempre participando de oficinas,
Chapada oferecia. É daí que surge a decisão
indo ao teatro e exposições. Aí chegou a pandemia
para se mudar para a grande São Paulo.
e a gente tomou todos os cuidados e eu acabei
certo
momento
começa
a
percebendo que aqui é um lugar muito bom para se Várias pessoas apresentaram o Ouvidor para a
viver, principalmente nessas épocas de pandemia
Sabino, mas uma vez na Bahia, acolheu em sua
foi um lugar bem acolhedor e que trouxe bastante
casa uma malabarista que falou do centro
tranquilidade para poder passar essa fase aqui.”
cultural e disse que a artista se sentiria muito bem no espaço. Dani afirma que já conhecia
Compatibilidade com a tecnologia e redes
algumas pessoas da ocupação, mas de outros
sociais é uma coisa que Daniela sente falta na
momentos e localidades, em Brasília por
divulgação de seu trabalho, principalmente na
exemplo
pandemia. Ela afirma que procura usar mais o facebook, e que além disso, tem algumas
A artista mandou mensagens perguntando se
publicações
poderia ir para a ocupação já que tem um
Quando perguntada sobre suas linguagens de
filho, e disseram “Sim! Venha!”, e ao recordar
expressão, ela diz:
no
da
ocupação.
de sua recepção, “Aqui estou”, Dani diz hoje esboçando um sorriso.
49
Revista MIRA, 1ª Edição
“Não posso dizer que faço só uma coisa, eu gosto
das artes, gosto de vincular elas porque no fim das
pensando em pagar o aluguel e de pagar as contas
contas elas sempre acabam se vinculando. Às vezes
(pra mim que sou mãe e já vivi muito isso), aqui
penso em alguma coisa de dança e acabo depois
foi um momento de relaxar e voltar a me focar na
recitando uma poesia, ou às vezes um texto me
arte, de poder ter esse tempo de não ter que estar o
inspira a fazer alguma outra coisa. Creio que me
dia todo trabalhando, na rua, correndo, com o
identifico
nas
relógio, sabe? Porque eu tenho tempo de cuidar do
atuações performáticas, mas acho que todo o tipo
meu filho, de poder praticar e poder estudar coisas
de arte acaba me inspirando e me leva a criar
novas. Então, é isso, aqui dá muita paz. Para
alguma coisa. Gosto muito das artes visuais, agora
quem quer crescer como artista, aqui rapidamente
estou experimentando a vídeo-dança nos espaços
dá pra dar uns pulos de mil anos-luz!”
mais
nas
performatividade,
da cidade, então acho que… todas!” Sendo uma pessoa que percorreu muitas Essa bienal de 2021 é a primeira que a Dani
localidades, principalmente no Brasil, Daniela
participa, sente que por seu dia ser bem
traça uma comparação:
corrido, não poderia se aprofundar tanto nas contribuições para a edição. E pontua sobre o
“Falando de São Paulo, acho que é um berço
momento pandêmico:
artístico, porque tem muitas possibilidades. Tanto coisas gratuitas, como coisas pagas, bolsas de
"[...] acho que já está na hora de começar a
estudos, etc. Eu conheço bastante o Brasil e como
encarar a cultura novamente, começar a encarar
falei antes: na Bahia, onde eu morei por muitos
as coisas que o ser humano tem afinidade e
anos, percebi que é um pouco mais reduzido, um
felicidade. Acho que essa Bienal está num bom
pouco mais… não sei se carente culturalmente
momento, como quebra de tudo isso que a gente já
porque
passou. O stress, ansiedade, nervosismo… essas
africanas mas acaba sendo também um pouco
coisas que a pandemia trouxe de ruim [...]. Aqui é
menor. Por exemplo, em Sergipe também tem
uma casa de cultura, mesmo na pandemia nós
bastante cultura, morei lá por um tempo, meu
estávamos aqui suando a camisa, treinando,
filho nasceu lá, mas eu achava reduzido também.
pensando e crescendo artisticamente. Então acho
Tipo, tem conhecimento mas chega até certo
que a Bienal é esse momento de abrir as portas e
limite. Eu acho que aqui em São Paulo chega a
mostrar para as pessoas o que nós estávamos
esse limite, mas você acha outro espaço, outro
fazendo na pandemia também."
lugar onde você consegue ampliar. Eu acho que o
lá
tem
bastante
capoeira,
matrizes
Brasil, em geral, é muito rico culturalmente. “Família” é a palavra usada pela artista para
Principalmente, pela ancestralidade que traz, por
definir a Ouvidor. Ela se sente abraçada pelo
exemplo do dia da Consciência Negra, que traz
espaço
essa cultura de matrizes ancestrais”
e
moradores
do
coletivo,
que
beneficiaram muito sua prática artística. A
Pandemia
indubitavelmente
afetou
os
“Artisticamente, eu acho que cresci muito. [...] O
artistas de rua, Dani coloca que sentiu falta da
fato de ser uma ocupação, de a gente não estar
interação com o público, e que muitos
Revista MIRA, 1ª Edição
50
passaram a tratar os artistas de rua com um
pelo governo, há a possibilidade de levar arte
olhar de preconceito. Mas pela necessidade de
e riso para outras pessoas que não estão nas
se sustentar, persistiram nas ruas em um
regiões centrais, proporcionando uma nova
momento de se retirar delas.
vivência para essas famílias e crianças que nunca
“Querer
estar
em
espaços
culturais,
de
tiveram
acesso
a
essas
práticas
artísticas. Pessoas que nunca foram ao teatro e
compartilhar com outras pessoas. Para mim, que
que
sou das artes do movimento, foi muito difícil
facilitado, muito pelo contrário, são excluídas
participar de oficinas online e não sentir as
da
pessoas, não sentir os toques, não sentir os cheiros
aproximarem dessas vivências.
não
possuem
oportunidade
um de
acesso
a
aproveitarem
cultura e
se
dos colegas. Isso foi muito difícil para mim.” “E não poder fazer performances na rua, né? Porque diferente de eu ter saído várias vezes para trabalhar e fazer as coisas, o pessoal (nas ruas) rejeitava, sabe? Por ser um momento tão frágil, por você não saber quem tinha coronavírus e quem não… [...] fiquei com medo de sair nas ruas também, principalmente por eu tomar conta de uma criança, eu fiquei com receio até de sair. Então, isso foi o mais difícil, a falta de contato e de se conectar com outras pessoas que têm a mesma afinidade, fora do prédio. A rejeição da arte na rua pela sociedade.” Quando questionada sobre sua perspectiva a respeito
do
viés
social
que
a
Ouvidor
proporciona, por ser um edifício ocupado, Dani diz que a algumas pessoas vêem a Ocupação de maneira marginalizada, em contraponto outras enxergam com grande admiração tudo o que foi criado no espaço após os artistas ocuparem e revitalizarem o prédio. A importância da ocupação nesse espaço para a artista é de a Ouvidor ser uma ferramenta muito rica para a sociedade, pois citando exemplos como o coletivo do circo social, que leva a experiência circense para as periferias e zonas que são deixadas de lado
51
Revista MIRA, 1ª Edição
“[...] Acho que a Ouvidor tem esse jogo de que mesmo sendo marginalizados, nós gostamos de ser os marginais que vão nas periferias pra mostrar arte e pras pessoas aprenderem que existe outra realidade fora do normal. De que porque você passa necessidade, isso não tira a possibilidade de você ser um grande artista e que com pouco você pode fazer muito. A Ouvidor veio para ensinar isso, de que com pouco você faz muito, porque aqui é tudo auto-gerenciado, tudo independente, a gente tira do próprio bolso pras melhorias e criamos um paraíso.” “E não poder fazer performances na rua, né? Porque diferente de eu ter saído várias vezes para
#60
trabalhar e fazer as coisas, o pessoal (nas ruas) rejeitava, sabe? Por ser um momento tão frágil, por você não saber quem tinha coronavírus e quem não… [...] fiquei com medo de sair nas ruas também, principalmente por eu tomar conta de uma criança, eu fiquei com receio até de sair. Então, isso foi o mais difícil, a falta de contato e de se conectar com outras pessoas que têm a mesma afinidade, fora do prédio. A rejeição da arte na rua pela sociedade.”
Para Dani, a Ocupação Ouvidor 63 funciona para a
“A ocupação vem pra mostrar que podemos construir na base do amor, do apoio mútuo e fora das leis!”
sociedade como um meio que mostra que as utopias são possíveis de serem realizadas, e que deseja que dessa forma ela seja um exemplo. Há diversas ocupações de moradia, principalmente no centro da cidade de São Paulo, porém uma ocupação artística que possui treze andares e que está repleta de informação, deve servir de exemplo para as pessoas nunca se renderem ou desistir de seus sonhos, continuar indo atrás de seus sonhos e lutar por isso em todos os âmbitos, principalmente em uma luta interna de almejar algo e conseguir realizar.
#60
Revista MIRA, 1ª Edição
52
Gaabriela Vieira, 25, é uma cantora nascida e
#61
criada
no
município
majoritariamente
de
rural
e
Embu
Guaçu,
completamente
diferente da capital paulistana da qual reside atualmente, mantendo-se sempre ativa entre movimentos Ouvidor,
sociais.
Gaabi
Antes
de
participou
chegar de
à
outras
GAABRIELA
ocupações, sendo a primeira delas, na frente da
Assembleia
Legislativa,
levando-a
a
conhecer o movimento do MST e sendo posteriormente direcionada à Ouvidor, em 2016. Ao conhecer o coletivo artístico que reside no coração da cidade, Gabriela se reconecta a música que, até então, via-se restrito à sua infância no interior quando fazia parte do coral da igreja; mas dentro de seu trabalho ela é influenciadas pela música MPB que fizeram parte de sua juventude, apesar de manter-se eclética tanto ao produzir quanto ao cantar. Mesmo tendo experiência artística a priori, seu
contato
com
instrumentos
musicais
ocorreu após se envolver com a ocupação, mostrando
o
caráter
coletivo
que
os
habitantes preservam, ensinando-a a utilizar o violão que ganhara de um dos artistas que residia no edifício anteriormente. Nota-se,
também,
a
pluralidade
que
a
Ouvidor traz ao indivíduo, a cantora afirma que o conhecimento musical não foi o único que adquiriu durante seus anos de estadia:
“Pra mim, trabalhar com palavras tem que ficar perfeito, a palavra tem que ter um sentido. Se deixou uma brecha é porque eu não consegui
53
Revista MIRA, 1ª Edição
mostrar o que eu queria, trabalhar com palavras é
Além de seus projetos pessoais, o audiovisual
isso: mostrar a sua intenção perfeitamente. Se você
na vida de Gabriela permaneceu presente
tem uma intenção e não conseguiu mostrar ela
inclusive na Bienal, da qual participou direta e
com palavras, vai adiantar de quê? Pra mim, não
indiretamente – como artista e registrando
adianta nada. Tem que saber explicar tudo
em tempo real os acontecimentos do evento.
resumidamente,
A jovem manteve o novo público trazido pela
detalhadamente,
palavra
por
palavra. Palavra derruba tudo.”
internet atualizado do que acontecia pelos
Gradualmente, Gabi vê-se mais conectada à necessidade
de
transparecer
suas
performances a partir do visual, fotografando a
si
mesma
e
outros
artistas,
concomitantemente com o ambiente digital devido à pandemia, trabalhando com as redes sociais e expondo suas produções a um novo público,
possibilitando-a
a
realizar
colaborações externas de maneira mais fácil.
corredores
da
residência,
utilizando
o
Instagram como principal veículo, fazendo uso novamente da videoarte, seduzindo novos espectadores a partir das lives, publicações e stories postados na página da Ouvidor. Apesar da magia, a vida dentro de uma ocupação é carregada de trabalho duro. Sendo apenas
1%
dos
moradores
com
carteira
assinada; segundo ela, afirma que a atividade é constante: “além de trabalharmos aqui para
#62
poder mostrar o nosso trabalho, a gente tem que trabalhar para poder permanecer no espaço, então é a outra visão de outras pessoas ou até da própria mídia que difama o que acontece, como se não estivessem fazendo nada ou simplesmente morando aqui e não é o
que
acontece
realmente”,
ela
também
enfatiza a valia de conservar o interesse de outros pontos de vista sobre a ocupação, mantendo a honestidade em primeiro lugar, concluindo:
“Depois que a gente ficou nesse regime mais
#63
fechado, intensificou a produção da música, tanto que pude fazer postagens no Spotify e trabalhos com outras meninas que é algo que eu quero trabalhar com mulheres – numa nova pesquisa, sobre empoderamento feminino e seguir por esse ramo. Então, o lockdown deu essa possibilidade de juntar, mesmo que a distância para poder fazer esses outros projetos saírem do papel.”
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54
#64
“A importância da ouvidor é mostrar para as pessoas aqui da região que a gente não tá aqui só pra ocupar um espaço e sim para proporcionar algo, que é a cultura e também mostrar que aqui não é aquilo que mostram na mídia, de que é um prédio invadido, que somos pessoas desocupadas, muito pelo contrário, somos pessoas que cultuam o seu corpo com a criatividade e que buscam todo dia aprender alguma coisa então acho que o viés da ocupação é trazer a possibilidade para outras
#65
pessoas de aprendizado.”
55
Revista MIRA, 1ª Edição
Joyce Camboim, também conhecida como o nome da região onde nasceu, Seridó, é uma multiartista, voltada principalmente para a poesia e a rua, entre tantos que ocupam a Ouvidor 63 no centro de São Paulo. Com seus cabelos curtos e coloridos, assume uma presença marcante por onde passa. Esse efeito não se restringe ao visual, sua obra e oratória se apresentam como potência para aqueles que com ela se deparam.
“Menina traquina, sem jeito, pelejada em inventar promoção e dá pinote. Sangue de índios repentistas, sobrenome Camboim, herança de painho. Fui "educada" pra ser mulher de macho, ter filhos, ir pra missa aos domingos, obedecer, usar salto e não ter medo. Quebrei as cancelas, arreganhei as porteiras e desabei no mei do mundão…” Quem melhor para descrever alguém do que a própria pessoa? Segundo a artista, foi preciso se distanciar para entender a importância de quem é. Formada em psicologia pela UNIFACEX - RN, começou a fazer rimas e poesia com um grupo de artistas nas ruas de Natal. Chegou em SP em 2018 e começou a se envolver com a galera da pixação e a assinar como Seridó. Foi quando percebeu a relevância de falar sobre o lugar onde nasceu.
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- Seridó.
SERIDÓ
“Soltar o verbo é a missão em tempo de repressão”
#66
#67
A Chegada em São Paulo foi um ponto crucial
Joyce conta que conheceu a Ouvidor no ano
na produção da artista, quando estava em
em que chegou em São Paulo, começando a
Natal, já havia começado a se envolver com a
frequentar através de eventos e oficinas, e
arte urbana, vendia brigadeiro com poesia
desde 2019 passou a ocupar o prédio. Dentro
durante
do
a
faculdade
e
produzia
edifício,
compartilhando
vivências
e
principalmente na forma de Lambe, porém,
criando na companhia de outros artistas, foi
quando chegou aqui e se envolveu com a
onde ela percebeu o valor da união e da
pixação, outras linguagens começaram a fazer
multiplicidade para que ocorra uma expansão
parte de seus processos. Passou a se integrar
de ideias. Assim, a partir das diferenças
aos outros elementos do Hip-Hop, como o
culturais, ela viu a potência artística de seu
grafite, e percebeu que a sua poesia não estava
trabalho, procurando valorizar a pluralidade
apenas
da arte urbana brasileira, representando o
nas
palavras,
mas
em
todas
manifestações artísticas que produzia.
57
Revista MIRA, 1ª Edição
as
sertão do Rio Grande do Norte:
Quando questionada sobre a influência da sua formação em seu trabalho, Joyce respondeu que ao terminar a faculdade passou a ter uma percepção diferente: “Não quero curar, mas despertar a loucura … acho gente “normal” muito sem graça”. Para além disso, a artista reconhece a importância de sua formação, dizendo que aprendeu muito e conheceu ótimas professoras, mas que não foi fácil se manter no ambiente acadêmico. Além da temática do Sertão, que percorre todo o trabalho da artista, a resistência feminina é outro ponto crucial em sua poética. Seu sobrenome Camboim, de origem indígena, é uma palavra forte que designa uma planta, esta virou tatuagem, e marca o corpo e a obra de Joyce. Para além dessa, Autogamia é outra palavra de grande importância em seu trabalho. A autofecundação das plantas é
“Quero desamericanizar a Arte… eu não troco minha tapioca por um Mc Donalds”.
uma analogia à independência da mulher em todos os aspectos da vida, desde as escolhas pessoais até o trabalho e a sexualidade, que também é outra temática que se destaca em suas produções. Algo importante a ser destacado no trabalho de Joyce é a forte presença do subjetivo e da intuição. Além disso, seus estudos na área de arteterapia também são cruciais em suas dinâmicas processuais. Sua oficina "Mandala dos sonhos", tem como base alguns pontos importantes do pensamento de Carl Gustav Jung, tais como a Simbologia dos Sonhos, a energia criativa e o inconsciente coletivo. Segundo ela, a atividade visa acrescentar a busca de uma melhor qualidade de vida a partir do redirecionamento da libido em gerenciamento ao processo de criação e conhecimento de si mesmo. As dinâmicas são embasadas nas leituras cosmológicas e seguem o seguinte processo: leitura de textos e discussões, alongamento, meditação e construção de mandalas com elementos da natureza. A poética de Seridó também se espalha através de zines, prática valorizada na Ouvidor e que inclusive marca presença no prédio todas as quintas feiras com o fanzineiro Roger no 2º andar. O “Fanzine Revolução'' virou filme em 2021, sendo apresentado pela primeira vez no dia 03 de dezembro, durante a 3ª Bienal da Ouvidor. Joyce é uma das artistas que aparecem no filme e compartilha um pouco de seus processos. Em uma das cenas ela brinca que São Paulo tem mania de compactar as coisas “vocês pegam uma melancia e transformam em uma uva”, se referindo à forma como os zines são dobrados nas capitais. Segundo ela, em Natal o zine se apresenta como um livreto, enquanto aqui as dobraduras são mais comuns.
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Sobre a documentação de seu trabalho, a artista disse apenas manter uma conta pessoal na plataforma Instagram. Porém, disse ter vontade de montar um portfólio, mas que com a pandemia e toda a situação do país, esse plano foi adiado. De cabeça erguida em todos os registros, a força de Joyce e orgulho de ser quem se é, transparecem, não só nas imagens, mas em seu trabalho. Trabalho este, que assim como o de outros
artistas
da
Ouvidor,
resistem
reverberam para além da Ocupação.
#68
#69
Assim como outros artistas da Ouvidor, Joyce acredita que a poesia se apresenta de diversas maneiras, desde um movimento, até a palavra que se transforma em música. Sendo também esta,
uma
das
linguagens
recentemente
abordadas pela artista. Seu clipe “Eu não sei se acredita” é o primeiro trabalho nesse sentido e foi publicado em 2019 no YouTube. De acordo com ela, o arranjo do trabalho foi produzido em parceria com seu amigo Bruno Pasquim, e mistura diversos ritmos, desde o rap embolado a maracatu, até o funk. A letra fala sobre o trabalho e as vivências da artista, exaltando
sua
potência
como
mulher
nordestina e faz citação à uma de suas referências, a psiquiatra e também nordestina, Nise da Silveira, conhecida por humanizar o tratamento
psiquiátrico
no
Brasil
e
ser
contrária às formas agressivas de tratamento de sua época.
59
Revista MIRA, 1ª Edição
e
PRINCESA VANDAL
#70
Princesa Vandal, nascida em São José do
COVID-19, o qual as ações da Ouvidor
Peixe, no Piauí, mas criada em São Paulo, é
ficaram voltadas exclusivamente para o
uma das artistas do 9º andar da Ouvidor 63,
público interno.
conhecido como o andar das manas. Em meio a conflitos e resistência se tornou
Vandal se inseriu na cultura da rua através
princesa, e por meio da tinta e poesia
do pixo. Com o tempo, foi percebendo que
começou a espalhar sua arte para o mundo.
sua marca não se enquadrava dentro da
Frequentando o prédio desde 2016, mas
categoria da pichação, e sim do Bomb, e a
ocupando a partir de 2021, Vandal foi uma
partir daí começou a se integrar com as
das incentivadoras para que a 3ª Bienal
outras
ocorresse, principalmente após um ano
denominar grafiteira.
vertentes
do
Hip
Hop
e
se
atípico, impactado pela pandemia da
Revista MIRA, 1ª Edição
60
Nesse
mesmo
período,
começou
a
se
relacionar com a rima e a poesia na região do Grajaú, onde cresceu. Através da sua arte, incorpora os 4 elementos do Hip Hop em seu trabalho: Grafite, Mestre de Cerimônias (MC), DJ e Bgirl. Dentro de suas performances, se divide entre os temas do amor e do ódio, improvisando em cima do que o público quer ouvir,
ou
apresentando
alguma
rima
já
preparada. Vandal trabalha com diversas linguagens além do seu trabalho como Dub poetry (espécie de poesia que surgiu na Jamaica e na Inglaterra
#71
no início dos anos 1970, influenciada pelos ritmos
da
música
reggae,
e
que
foi
incorporada ao hip-hop posteriormente). Segundo
ela,
sua
obra
se
divide
em
os pequenos, que consiste em criar junto a eles 4
temáticas principais: as crianças, a mulher, a juventude negra, e o dual amor e ódio. Dentro do grafite a artista trabalha com a tag “fé nas crianças”, que de acordo com ela, surgiu como uma esperança de depositar energia nos mais novos, incentivando a arte por um futuro melhor, e dando o exemplo que não teve quando pequena. Dentro de suas convicções acredita que as crianças devem ser inseridas nos debates:
“Não adianta falar de revolução e não incluir as crianças na discussão”.
um personagem não binário nas paredes. Fora isso, a dança e a rima fazem parte do processo dela, assim como as batalhas de slam das quais costuma participar. Outro ponto importante na obra de Vandal é a exaltação da potência e liberdade feminina. Trabalhando com colagens há 3 anos, ela desenvolve bastante a temática dentro dessa linguagem.
“Conheci a colagem na escola, mas comecei a trabalhar mais com ela a partir de um curso que participei em 2019, na região do Grajaú.” O corpo se apresenta como um elemento
Ainda na temática da infância,os figurinos
crucial em suas composições, e as montagens
coloridos e saias de tule marcam presença nos
com frases recortadas de revista trazem o tom
eventos em que lida com esse público. A
direto das propostas.
dinâmica a qual ela chamou de arte terapia é uma das propostas que Vandal realiza com
61
Revista MIRA, 1ª Edição
Vandal, na abertura da Bienal Ouvidor 2021,
que aconteceu no dia 20 de novembro, a
Bienal, a artista disse estar procurando uma
artista apresentou uma série de trabalhos
casa de cultura para a doação dos trabalhos,
referentes à temática da negritude brasileira,
pois dentro da Ouvidor não consegue manter
na exposição Vidas negras importam. A série,
todas as obras.
formada por diversas colagens, traziam como temática
a
luta
anti-racista
e
o
Para Vandal, sua produção carrega um caráter
empoderamento dessas populações. Segundo
efêmero, onde ela “manda embora” aquilo que
ela, procurou com seus trabalhos não reforçar
já produziu para começar outra criação. O
a narrativa colonialista de dor e sofrimento
desapego às produções parece não ser uma
pela escravidão, mas trazer uma mensagem de
exclusividade dela, dentro de um ambiente tão
força e resistência para as obras.
mutável e de intensa produção como é a Ouvidor, o que se mostra mais importante
Além das temáticas, a materialidade é crucial
para os artistas é o processo e não o produto
no trabalho dela, que procura usar materiais
final.
recicláveis em suas obras. Dentro da série apresentada no dia da Consciência Negra, a peça Sobre o negro na música, foi feita a partir de uma tela reutilizada, uma caixa de fósforo, arame, agulha e recortes de revista.
#72
A obra tinha como intenção exaltar a presença negra na música, usando como representante o cantor Milton Nascimento, que é referência para Vandal. Outra obra do conjunto que também utiliza de matérias encontradas no lixo, é a tela Não tem arrego, feita a partir de colagens sobre um shape quebrado de skate, e que segundo a artista representa a luta e resistência por meio do amor. Sobre a catalogação do trabalho, diz que registra suas obras e posta nas redes sociais, mas
que
não
tem
outra
forma
de
armazenamento. A respeito das peças físicas, ela contou que vende algumas pela internet, ou dá de presente para alguma amiga. Sobre a série apresentada no primeiro dia da
Revista MIRA, 1ª Edição
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#73 "Não Tem Arrego" - Princesa Vandal, 2021. 59x21
#74
"Sobre o Negro na Música" - Princesa Vandal, 2021. 40x30
63
Revista MIRA, 1ª Edição
MIGUEL SHOW
#75
Miguel Selingardi ou Miguel Show, seu nome
durante o dia, e contou em entrevista que não
artístico, possui 8 anos e é muito ativa e
gosta muito da noite, por ter pesadelos de vez
comunicativa. Estando há 7 anos na Ouvidor
em quando.
63, o jovem fica animado em compartilhar as dinâmicas de convívio e os processos que
Quando perguntado sobre suas preferências:
desenvolve juntamente à sua família e amigos na Ocupação em que cresceu.
“Prefiro fazer na parede para todo mundo poder ver e fazer também. A parede é grande e tem mais
Falante e divertido, o pequeno artista mora
espaço, no papel não cabe muita coisa…”.
atualmente no 1º andar do edifício, junto de sua mãe, a artista e grafiteira Gab Selin, seu
Miguel também gosta das colagens, às vezes
irmão mais novo Benjamin, de 5 anos, e
tem uma ideia e vai em busca das imagens
outras famílias que ocupam o andar. Segundo
que imaginou para montá-la e enquanto
sua mãe, Miguel começou a pintar quando
folheia as revistas a ideia surge como uma
tinha apenas 3 anos, ainda no papel, mas
inspiração. Além disso, diz estar gostando de
atualmente divide suas expressões entre o
registrar seus processos em vídeos enquanto
desenho, a pintura, o zine, recortes e colagens.
está desenhando ou pintando.
O artista mirim prefere fazer suas produções A relação de Miguel com a família se dá de
Revista MIRA, 1ª Edição
64
maneira
muito
afetuosa,
com
ele
se
mostrando um menino gentil e paciente com o irmão mais novo, mesmo quando este se chateia durante o processo de produção da
quando questionado a respeito da preferência pela cor lilás:
“Gosto do lilás porque é o eclipse, a Mistura do Sol e da Lua.”
pintura na porta do quarto:
- Miguel Salingardi “ O Miguel está estragando o desenho”
A partir dessa resposta, foi possível perceber
- Benjamin Salingardi
não só sua afinidade com as artes visuais, mas
A mãe responde que não há certo ou errado na hora de pintar. Miguel não se chateia com a crítica de Benjamin e continua a trabalhar tranquilamente em sua obra, enquanto o irmão decide brincar de outra coisa.
também sua facilidade em encantar através de palavras. A fala foi dita em uma conversa casual entre o artista e uma das alunas da Unifesp, enquanto o pequeno trabalhava em sua porta, a qual chamou “A experiência das cores”.
Ainda pensando em suas dinâmicas familiares na Ouvidor, Miguel contou como se sentia com sua mãe sendo uma artista, dizendo que gostava e que aprendia muito com ela. Contou também sobre os eventos nos quais
Assim como Miguel, o seu irmão Benjamin, e várias
outras
Universo
crianças
Ouvidor,
e
fazem como
parte cada
do
andar
representa um grupo, nada mais justo do que
acompanhou a mãe:
as crianças também terem o seu próprio. O
“É divertido. Tem comida, música… e minha mãe
e artistas mirins, encontra-se no 4º andar do
espaço Ouvidor Mirim, destinado às crianças
tem várias amigas que pintam”.
prédio. Criado e pensado para que estes tivessem
- Miguel Salingardi
um
ambiente
apropriado
para
brincar e se expressar.
Sobre as temáticas de Miguel, são muito variadas segundo ele, mas são criadas a partir
Na ocupação residem cerca de 20 crianças,
dos seus sonhos, do que está imaginando ou
que variam de idade, há crianças de colo mas
vendo
a
também aqueles que transitam até 11 anos. As
paisagens , seres fantásticos ou alienígenas, o
crianças ao entrarem no espaço devem estar
menino se expressa de forma livre, não só em
acompanhadas por um adulto responsável,
seu andar no prédio, mas em outros espaços
não
da Ouvidor.
Segundo Jha, morador do andar, o espaço é
no
momento.
De
abstrações
é
permitido
organizado
de
que
maneira
fiquem
sozinhas.
coletiva,
todos
Demonstrando um grande interesse pela
assumem a responsabilidade de manter o
experimentação
o
ambiente organizado, inclusive as crianças,
pequeno deu uma resposta que só alguém
desde os brinquedos até as áreas de uso
envolto por arte e poesia poderia dar, quando
comum como a cozinha.
65
e
mistura
de
cores,
Revista MIRA, 1ª Edição
Há no andar atividades conduzidas, como as
Todos os fatores de organização e construção
que ocorreram durante a Bienal para crianças,
das
no dia 25 de novembro de 2021, entre elas:
potencializam
dança, pintura corporal, experiências como
poético dos artistas mirins da Ouvidor 63.
vulcão de bicarbonato e outras. Entretanto, em
Crescer em um ambiente que proporciona e dá
dias
têm
espaço para a liberdade criativa das crianças
autonomia e liberdade para escolher com
certamente fará com que esta geração tenha
quais
comuns, dos
as
crianças
materiais
inclusive,
é
entender
a
um
irão
ponto
relação
também
relações
pessoais, o
contribuem
desenvolvimento
e
geral
e
brincar.
Este,
um olhar mais sensível para o outro e para o
importante
para
mundo. Miguel, assim como tantas outras
estabelecida
entre
as
crianças, os adultos e o espaço.
crianças, tem muito a nos dizer e ensinar, e o Ouvidor Mirim é um espaço potente para a troca e o diálogo com o universo das crianças.
O pensamento horizontal se mostra efetivo até mesmo nessas relações. As crianças assumem um papel de relevância equivalente ao dos adultos que residem na ocupação, os diálogos que são estabelecidos não os inferiorizam, nem os infantilizam; suas falas, bem como suas
produções
artísticas,
são
igualmente
relevantes.
#76
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Artistas para conhecer.
0 0 0 0 0 _ _ _ y a r @ : m a r g ats n I
#77
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Raissa Nosralla Fotografia e Criação de Máscaras A artista reúne diversos elementos para compor suas produções. A mesma é a responsável pelas máscaras que circundam a Ouvidor 63 em algumas ações performáticas. Raissa deve ser descoberta pela sua composição criativa na criação de máscaras e de suas fotografias.
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AGRADECIMENTOS ¡Gracias a todos los que nos ayudaron con MIRA!
Os agradecimentos são direcionados a todos que durante 3 meses, trabalharam arduamente para que os trabalhos artísticos e iniciativas sociais que ocorrem dentro da ocupação pudessem ser apresentados e levados para novas pessoas que não não tiveram a oportunidade de conhecer o Ouvidor. Um especial obrigada aos amigos, parentes e companheiros que promoveram indiretamente o desenvolvimento da revista, nos apoiando com sua continuação. Estamos orgulhosos dessa edição, e isso também é mérito de quem esteve conosco.
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FICHA TÉCNICA Essa documentação foi realizada pelos alunos da Universidade Federal de São Paulo, na busca pela compreensão do exercício artístico da ocupação. Todas as imagens e relatos aqui presentes tiveram o uso previamente autorizado por seus portadores. A revista MIRA é uma publicação online que propõe dialogar entre as linguagens que se desenvolvem na Ouvidor 63. Atividades Domiciliares Especiais (ADE) UC - Laboratório de Pesquisa e Práticas em História da Arte III: curadoria e mediação Orientadores Vinicius Pontes Spricigo Pedro Fiori Arantes Monitores Isabel Barboza Thiago Tozawa Coordenadores Enzo Nicolas Pereira Lorenzeti - R.A 148529 Thaíssa Machado Gonçalves - R.A 150320 Editores Amanda Eugênia Raiol de Moraes - R.A 149157 Gabrielle Albuquerque Arruda - R.A 148822 Giulia Peroba Panzetti - R.A 149581 Jéssica Nayara de Oliveira - R.A 150958 Katarina Tavares Ribeiro - R.A 150289 Yngrid Ferreira - R.A 150517 Design Giulia Peroba Panzetti - R.A 149581 Thaíssa Machado Gonçalves - R.A 150320 Colaboradores Alexandre Leão Mariano Alves - R.A 46.437 Amanda Eugênia Raiol de Moraes - R.A 149157 Amanda de Sousa Ferreira - R.A 148092 Ananda Elisa Matuck Beatriz Monteiro Ferraz - R.A 150091
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Revista MIRA, 1ª Edição
FICHA TÉCNICA Bessém (Alexandre Santos Andrade) Camila Martins - R.A 150.956 Charlie (Alicia Cristina C. Curado) Enzo Nicolas Pereira Lorenzeti - R.A 148529 Gabrielle Albuquerque Arruda - R.A 148822 Giulia Peroba Panzetti - R.A 149581 Isabella Mendes Marques dos Santos - R.A 150424 Jéssica Nayara de Oliveira - R.A 150958 Katarina Tavares Ribeiro - R.A 150289 Luana Aparecida dos Santos Bento Luíza Camargo Luciano Ap. Vicente - R.A 148624 Marcelo Lauton Marcella Marin de Andrade - R.A 150962 Mariana Castro - R.A 148776 Marina França Aquilina - R.A 151553 Patrícia Pinheiro Antunes de paula - R.A 85299 Ravele Alves Campos de Matos - R.A 149177 Thaíssa Machado Gonçalves - R.A 150320 Thatiane Moreira da Silva - R.A 150964 Vanessa Cristina Oliveira - R.A 92917 Yngrid Ferreira - R.A 150517 Artistas Anfitriões Aline Tabone / André Coronel / Bryan Meza / Daniela Sabino / Jorge Huamán / Lucas Cruz / Princesa Vandal / Sofia Denise Lecuna / Sol Emanuel Calderón Vargas / Tamyris Soares Artistas Contemplados nessa Edição (01) Aline Tabone / Ana Silva / André Coronel / Gaabriela / Juba / Kicu Lina / Luana Lua Lucas (Jardinagem) / Loss / Manuel Mendoza / Miguel Show / O Poeta / Princesa Vandal Raissa Nosralla / Roger Beat Jesus / Rose Seteinmetz / Seridó (Joyce Camboim) / Sol Emanuel Calderón Vargas /Tamyris Soares / Thigresa
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EQUIPE MIRA Entrevistadores (Todos os Alunos)
Direção de Revista Enzo Lorenzeti / Thaíssa Machado Gonçalves
Direção de Imagens Enzo Lorenzeti / Giulia Panzetti / Katarina Tavares / Thaíssa Machado Gonçalves
Edição e Produção Textual Amanda Raiol / Gabrielle Albuquerque / Jéssica Nayara / Katarina Tavares / Yngrid Ferreira / Thaíssa Machado Gonçalves
Pesquisa e Conteúdo Amanda Raiol / Enzo Lorenzeti / Gabrielle Albuquerque / Jéssica Nayara / Katarina Tavares / Yngrid Ferreira / Thaíssa Machado Gonçalves
Design de Revista e Logo Giulia Panzetti / Thaíssa Machado Gonçalves. O conteúdo dos artigos é de exclusiva responsabilidade dos autores. Todos os direitos reservados. Revista MIRA #01 (Janeiro de 2022)
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LISTA DE FIGURAS #00 Capa: Sem título, Amanda Ferreira, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #01 Contra capa: Sem título, Enzo Lorenzeti, 2021, fotografia digital,. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #02 Faixada do Ouvidor, Amanda Ferreira, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #03 Sem título, Amanda Ferreira, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #04 Nono andar do Ouvidor 63 , Giulia Panzetti, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #05 Banheiro Ouvidor, Enzo Lorenzeti, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #06 Rumo Artes Visuais, Enzo Lorenzeti, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #07 Sem título, Luciano Vicente, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #08 Sem título, Luciano Vicente, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #09 Sol, Thaíssa Machado, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #10 Sem título, Sol E. Calderón, 2018, fotografia digital, São Paulo, Brasil. #11 Reflexos, Sol E. Calderón, 2018, fotografia digital, São Paulo, Brasil. #12 Autorretrato, Rose Steinmetz, fotografia digital. #13 Sem título, Rose Steinmetz, fotografia digital. São Paulo, Brasil. #14 Bryan Meza em Performance, Rose Steinmetz, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #15 Sem título, Rose Steinmetz, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #16 Lucas, Aline Tabone, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #17 Sem título, Lucas Cruz, 2021, fotografia digital de Obra. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #18 Aline e Filho, 2017, Acervo da Artista. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil.
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LISTA DE FIGURAS #19 Aline Tabone e seu filho, 2017, fotografia digital. Acervo da Artista. São Paulo, Brasil. #20 Sem título, Aline Tabone, 2021, fotografia digital. Acervo do Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #21 Aline Tabone pintando rosto de criança, 2021, fotografia digital. Acervo do Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #22 Aline Tabone, 2021, fotografia digital. Acervo do Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #23 André, 2021, fotografia digital. Acervo do Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #24 Performance Coletiva, Rose Steinmetz, 2021, fotografia digital. Acervo do Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #25 Tag, André Coronel (Esbulho), 2021, fotografia digital. Acervo do artista. São Paulo, Brasil. #26 André em apresentação com Bryan Meza, Rose Steinmetz, 2021, fotografia digital. Acervo do Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #27 Loss, Guilherme Fernandes, 2021, fotografia digital. Acervo de Loss. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #28 Loss, Guilherme Fernandes, 2021, fotografia digital. Acervo de Loss. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #29 Loss, Juba, 2021, fotografia digital. Acervo de Loss .Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #30 Exposição Loss, Amanda Ferreira, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #31 Ana Silva, Giulia Panzetti, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #32 Desenhos de Ana Silva, Giulia Panzetti, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #33 Lugar de criação, Giulia Panzetti, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #34 JUBA, Giulia Panzetti, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #35 As paredes conversam comigo, Giulia Panzetti, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil.
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LISTA DE FIGURAS #36 Red Bull Station, Giulia Panzetti, 2021, fotografia digital. Centro, São Paulo, Brasil. #37 Thigresa, Giulia Panzetti, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo,Brasil. #38 Performance de Thigresa Giulia Panzetti, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #39 Navalha, Giulia Panzetti, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo,Brasil. #40 Thamyris, Luciano Vicente, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #41 Thamyris, Rose Steinmetz, 2021, fotografia digital. Acervo da artista. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #42 Thamyris Performando, Aline Tabone, 2021, fotografia digital. Acervo da artista. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #43 Thamyris, 2021, fotografia digital. Acervo da artista. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #44 Lua apresentando, 2021, fotografia digital. Acervo da Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #45 Lua, Rose Steinmetz, 2021, fotografia digital. Acervo da Rose S. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #46 Kicu Lina, Sara Soares, 2020, fotografia digital. Acervo da Artista. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #47 Manuel Mendoza, 2021, print de publicação no Acervo do Artista. #48 Kicu Lina se apresentando, 2019, fotografia digital. Acervo da Artista. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #49 Manuel, Mafe Cano, 2021, fotoggrafia digital. Acervo do Artista. #50 Brian Meza na Bienal, Rose Steinmetz, 2021, fotografia digital. Acervo da Rose S.. Ouvidor63, São Paulo, Brasil. #51 Projeto Motor Humano, 2021, fotografia digital. Acervo do Motor Humano Internacional. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #52 Brian Meza na Bienal, Rose Steinmetz, 2021, fotografia digital. Acervo da Rose S.. Ouvidor63, São Paulo, Brasil. #53 Brian Meza na Bienal, Rose Steinmetz, 2021, fotografia digital. Acervo da Rose S.. Ouvidor63, São Paulo, Brasil.
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LISTA DE FIGURAS #54 Roger BeatJesus no Mês da Consciência Negra, Rose Steinemtz, 2021, fotografia digital. Acervo da Rose S.. Ouvidor63, São Paulo, Brasil. #55 Fanzines, Roger BeatJesus, 2021, fotografia digital. Acervo do artista. Ouvidor 63, Sâo Paulo, Brasil. #56 Fanzines, Roger BeatJesus, 2021, fotografia digital. Acervo do artista. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #57 Roger BeatJesus, 2021, fotografia digital. Acervo do artista. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #58 Fanzines, Roger BeatJesus, 2021, fotografia digital. Acervo do artista. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #59 Daniela Sabino, Luciano Vicente, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #60 Daniela Sabino em Performance Coletiva, Rose Steinmetz, 2021, fotografia digital. Acervo de Rose S. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #61 Gaabriela, Sol E. Calderón, 2021. fotografia digital. Acervo da artista, São Paulo, Brasil. #62 Gaabriela, Rose Steinmetz, 2021, fotografia digital. Acervo do Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #63 Gaabriela, Print de Vídeo postado no Youtube do Ouvidor 63. São Paulo, Brasil. #64 Gaabriela, Robson Lucena, 2021, fotografia digital. Acervo da artista. São Paulo, Brasil. #65 Gaabriela, Robson Lucena, 2021, fotografia digital. Acervo da artista. São Paulo, Brasil. #66 Seridó, Amanda Ferreira, 2021, fotografia digital editada. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil #67 Seridó, Amanda Ferreira, 2021. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil #68 Seridó, 2021, fotografia digital. Acervo da artista. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #69 Seridó em Palco, Rose Steinmetz, 2021. Acervo da Rose S.. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #70 Princesa Vandal, Amanda Ferreira, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil.
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LISTA DE FIGURAS #71 Princesa Vandal e obra "Guerrreira", Amanda Ferreira, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #72 Princesa Vandal, Amanda Ferreira, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #73 "Não tem Arrego" de Princesa Vandal, Amanda Ferreira, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #74 "Sobre o Negro na Música" de Princesa Vandal, Amanda Ferreira, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #75 Miguel e Benjamin pintando a porta do quarto, Amanda Ferreira, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #76 Ouvidor Mirim, Marcella Marin, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #77 Rayssa Nosralla, 2021, fotografia digital. Acervo da artista. Brasil #78 Cadeiras, Luciano Vicente, 2021. fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #79 Garagem, Isabella Mendes, 2021, fotografia digital. Ouvidor 63, São Paulo, Brasil. #80 Vibrações do Ouvidor, Thaíssa Machado, 2021, fotografia manipulada. São Paulo, Brasil.
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