Métodos e Propulsões Projetuais

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Métodos e Propulsões Projetuais RELATÓRIO DE METODOLOGIAS DE PROJETO E INVESTIGAÇÃO

THAÍS TRIZOLI



Métodos e Propulsões Projetuais RELATÓRIO DE METODOLOGIAS DE PROJETO E INVESTIGAÇÃO

THAÍS TRIZOLI

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MESTRADO EM DESIGN GRテ:ICO E PROJETOS EDITORIAIS Metodologias de Projeto e Investigaテァテ」o II 窶「 2014/2015

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Prefácio Durante o primeiro semestre do ano letivo de 20142015 ocorreram as aulas de Metodologias de Projeto e Investigação, vinculadas ao último ano do Mestrado em Design Gráfico e Projetos Editoriais. Essas aulas, estruturadas em torno de uma seleção de convidados, visavam inspirar-nos e auxiliar-nos na produção de nosso trabalho final. O foco deveria estar nos métodos utilizados em pesquisas e projetos já realizados, mas direcionou-se também aos diferentes interesses que guiam cada um dos palestrantes. A princípio ouvir por algumas horas sobre os questionamentos e interesses pessoais de terceiros – que nada possuem em comum com minha linha de pesquisa – soou como um grande esvaziamento do tempo, consumindo minutos preciosos que poderiam ser utilizados em minha dissertação. Aos poucos, entretanto, pincelei pequenos pontos de interesse nos depoimentos e explanações que acabaram por reverter o cenário em certa medida, preenchendo algum espaço vazio em minhas acepções sobre o processo de criação e o que nos move no design. É sobre essas acepções que pretendo discorrer nesse relatório, divagando sobre as interseções existentes entre minhas opiniões e as experiências relatadas. Dividido em duas partes, o relatório apresenta inicialmente os palestrantes e seus temas e, em seguida, ensaios sobre os temas “método no design” e “a paixão como energia motora”, ambos baseados nas palestras ministradas ao longo do semestre.

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Sumário

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PREFÁCIO

FRANCISCO PROVIDÊNCIA

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RAQUEL REI

JÚLIO DOLBETH

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ANA SIMÕES

JOÃO CRUZ

12

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HELENA BARBOSA

JOSÉ CARNEIRO

Rui Vitorino

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17 JOSÉ BÁRTOLO

18 MIGUEL CARVALHAIS

20 FERNANDO JOSÉ PEREIRA

36 PROPULSÕES PROJETUAIS

48 CONCLUSÃO

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O método no design

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Durante o período de 28 de outubro de 2014 a 24 de fevereiro de 2015 foram ministradas 11 palestras com temas diversos, mas sempre orbitando em torno das inquietações projetuais e pesquisas realizadas pelos palestrantes convidados. É verdade que a arte da oratória é dominada por uns e desejada por outros, mas o tom de relato estava presente em todas as palestras. Alguns mais próximos da conversa informal, enquanto outros claramente seguindo roteiros previamente utilizados, os convidados discutiram claramente sobre o processo envolvido no projeto de design. Nessa seção inicial são apresentados os personagens que discutiram amigavelmente suas carreiras e trabalhos com uma breve biografia e resumo de suas palavras aos alunos.

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28.10.2014

Raquel Rei é designer gráfica formada em design de comunicação pela Faculdade de Belas Artes do Porto e mestre em design gráfico e projetos editoriais pela mesma instituição. Editora da revista sobre design Pangrama, Rei também faz parte do estúdio Bright, voltado à produção de infografias na área da saúde.* A designer apresentou o seu projeto de conclusão do mestrado, intitulado “A infografia na tradução de conteúdos científicos: uma ferramenta para a comunicação em saúde”. De modo claro foram explicados todos os passos que levaram à conclusão do projeto, desde a escolha tardia do tema até o agendamento da defesa.

Detalhe da ilustração de infográfico acerca do câncer de mama

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* Extraído de: https://www.behance.net/raquelrei/resume. Imagem: http://www.thebrightinfo.com.

Raquel Rei


04.11.2014

Ana Simões Ana Simões é formada em design de domunicação pela Faculdade de Belas Artes do Porto onde também cursou o mestrado em design gráfico e projetos editoriais. Editora da revista sobre design Pangrama assim como Raquel Rei, Ana Simões já foi contemplada com um Gold e um Silver Graphis Design Annual Award.*

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Figura 21 - Logótipo desenvolvido para o projeto Fair.

físico será criado em parceria com a Biblioteca da Faculdade de B da Universidade do Porto, onde já constam alguns exemplares de coleção que se pretende manter em permanente crescimento. * Extraído de: https://pt.linkedin.com/in/anapaulasimoes. Imagem: “Fair: uma plataforma pra a publicação independente em Portugal”.

Logotipo da Fair, feira de publicações independentes produzida por Ana Simões

A designer apresentou o seu projeto de conclusão do Mestrado, derivado de um projeto desenvolvido anteriormente. A tese “Fair: uma plataforma para a publicação independente em Portugal” teve como foco sua paixão por livros e foi um desdobramento de feiras de publicações independentes já realizadas anteriormente. Segundo Simões, o projeto teve como mais-valia residual o arquivo de publicações independentes obtido em meio ao processo de criação das feiras e da tese.

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25.11.2014

Professora e diretora da licenciatura em design da Universidade de Aveiro. O seu interesse particular incide na história do design português e na cultura material portuguesa. É responsável pelo conteúdo de um museu virtual on-line do cartaz (30.000 espécimes), projeto em desenvolvimento na Universidade de Aveiro. É membro do ID + Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura, membro do conselho editorial da revista científica “The Poster” publicada pela Intellect e membro da comissão científica da revista científica “Eme: experimental illustration & design”, publicada pela Editorial - Universitat de València.*

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Barbosa apresentou sua tese de doutoramento, intitulada “Uma perspectiva sobre documentar e comentar o design através do cartaz”. O projeto soou ambicioso ao princípio por propor-se a analisar quatro séculos de cartazes portugueses, mas remodelou-se ao longo de sua produção. A principal inquietação de Barbosa é a compreensão da utilização de documentos pelo design e a taxonomia dos mesmos. Ao longo dos seis anos de criação da tese, Barbosa recolheu uma amostra de cartazes, classificou-os e organizou-os estrategicamente, posteriormente apresentando comentários de terceiros sobre os mesmos.

* Extraído de: http://www.idmais.org/pt-pt/member/helenabarbosa/.

Helena Barbosa


02.12.2014

* Extraído de: http://www.idmais.org/pt-pt/member/franciscoprovidencia/. Imagem: http://www.fprovidencia.com.

Francisco Providência

Francisco Providência é professor associado convidado na Universidade de Aveiro. Nasceu em Coimbra em 1961 e formou- se em design de comunicação na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto em 1985. É doutorado em design, sob o tema da Poética como inovação em Design. Tem atelier próprio desde 1985, e foi distinguido em 1999 com o Prêmio Nacional de Design nas áreas da Comunicação, do Produto e do Ambiente, pelo Centro Português de Design. É consultor do Centro Português de Design e sócio fundador da loja e editora de design “Sátira design” (Porto).* Em sua apresentação Providência falou sobre sua trajetória profissional, dividindo seus trabalhos em dez tópicos que representam sua filosofia de criação. A introdução de sua palestra, originária de uma apresentação anterior, percorreu temas como ergonomia, poesia, referências, arquitetura e metodologia.

Lux Tubes Lighting, de autoria de Francisco Providência

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Julio Dolbeth Júlio Dolbeth nasceu em Angola em 1973, mas vive e trabalha em Porto, Portugal. É formado em design de comunicação pela Faculdade de Belas Artes do Porto, possui mestrado em arte multimedia e doutorado em ilustração. É co-fundador da galeria “Dama Aflita”, uma associação cultural e galeria de arte dedicada à ilustração e ao desenho em Porto. Dolbeth discorreu sobre sua tese de doutoramento, “Convergências entre Ilustração Contemporânea em Portugal e Património Popular Português”, defendida pelo ilustrador no final de 2014.

Ilustração de Julio Dolbeth

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* Extraído de: http://www.juliodolbeth.com/index.php?/about/bio/. Imagem: http://www.madismad.com.

09.12.2014


16.12.2014

* Extraído de: https://pt.linkedin.com/in/moountain. Imagem: http://cruz.at.

João Cruz Professor auxiliar na Faculdade de Belas Artes do Porto, nos últimos quinze anos leciona matérias acerca do design de comunicação, cultura digital e temas relacionados ao audiovisual. Formado em design de comunicação, João Cruz possui mestrado em arte multimídia e doutoramento em mídias digitais. É co-fundador do Crónica, um selo midíatico situado em Porto, e do estúdio Colönia, uma microgaleria e loja multidisciplinar. Cruz comentou sobre suas inquietações projetuais, em específico as abordagens e teorias do design que o inspiraram em sua tese de doutoramento. Em meio às referências, sobressaem-se o critical design de Dunne & Raby, o design fiction de Julien Bleecker, o design exploration de Daniel Fallman e o design future de Bruce Sterling, todas teorias voltadas à reinterpretação da função e dos objetivos do design, assim como de sua existência.

Intervenções de João Cruz

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José Carneiro

José Carneiro é professor auxiliar da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e diretor do mestrado em design da imagem na mesma instituição.* Em sua apresentação o designer falou sobre sua tese de doutoramento, “Prova de Contacto - Identificação de tipologias de apropriação fotográfica em capas de álbuns de música popular. Contributos para uma classificação”, defendida em 2014. O interesse por fotografia, música e design o levaram a procurar um ponto de contato entre esses três eixos, culminando no tema de sua tese. Carneiro comentou sobre as dificuldade em elaborar o projeto e as diversas alterações que realizou ao longo do seu processo, salientando a necessidade de explicitá-las na tese como parte do processo criativo e de design. Buscando uma tipologia para as

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fotografias apropriadas em capas de discos portugueses, o pesquisador acabou optando por uma amostra mais ampla ao notar as limitações da seleção inicial. Carneiro também comentou aobre a importância que o contato com designers e com arquivos de fotografias históricas tiveram em seu projeto, reiterando que muitas vezes o processo de descoberta não é ou necessita ser solitário. Em relação aos objetivos diretos da tese, o designer comentou que perguntou-se como a utilização de uma fotografia expressa o conteúdo sonoro, o que levou-o à identificar diferentes modos de apropriação por diferentes estilos musicais. Partindo desse princípio, Carneiro conseguiu encontrar uma classificação tipológica para a apropriação fotográfica em capas de álbuns sem relacioná-la apenas ao estilo, mas também ao modo de uso.

Extraído de: http://sigarra.up.pt/fbaup/pt/func_geral.formview?P_CODIGO=244307.

06.01.2015


Extraído de: http://www.brevemente.org/tag/jose-bartolo/. Imagem: https://eduardocortereal.wordpress.com/2009/09/.

Ilustração de José Bártolo (terceiro à direita) por Eduardo Corte-Real

20.01.2015

José Bártolo

José Bártolo desenvolve atividade profissional de docência, investigação e crítica de design desde 1998. É professor coordenador da ESAD de Matosinhos e professor convidado na ESAD.CR nas Caldas da Rainha. É investigador no Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens da Univer-

O designer começou sua palestra afirmando que não se vê como uma historiador, ainda que grande parte de seus projetos estejam voltados à história do design português. Ele comentou sobre seus projetos de pesquisa anteriores e ainda não publicados, especificando as indagações

sidade Nova de Lisboa, autor do blogue Reactor e editor da revista Pli Arte & Design. Também é coordenador do site designportugues.pt, um arquivo digital com os grandes nomes da área em Portugal.*

por trás de cada um deles. Como interesses atuais citou o mercado internacional de design no século XIX e a ilustração portuguesa histórica, justificando-se ao afirmar que sem arquivo não existe história.

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Extraído de: http://www.carvalhais.org/about/. Imagem: http://at-c.org/?p=mmmm.

27.01.2015

Miguel Carvalhais

Designer e músico, atua como professor assistente na Faculdade de Belas Artes do Porto. Colaborador no projeto @c desde 2000 com Pedro Tudela, trabalha frequentemente com Lia em performances audiovisuais e instalações. Iniciaram em 2003 o selo Crónica lançando música eletrônica e experimental. Participou da organização da conferência xCoAx, com edições em Bergamo e Porto, além do simpósio Invisible Places e Inter-Face.*

Carvalhais comentou sobre sua dissertação de doutorado, “Towards a Model for Artificial Aesthetics: Contributions to the Study of Creative Practices in Procedural and Computational Systems”. O designer percorreu em sua apresentação cada etapa da produção da tese, salientando a estrutura e as referências, influências e teorias por trás de sua proposta de um modelo para analisar e classificar obras em função de seu caráter algorítmico.

Ilustração sobre imagem da Instalação M.M.M.M. de Miguel Carvalhais

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03.02.2015

Extraído de: http://www.viralagenda.com/pt/events/86904/a-ilustracao-de-rui-vitorino-santos. Imagem: http://ruivitorinosantos.tumblr.com.

Rui Vitorino Santos

Nasceu na Batalha em 1971, vive e trabalha no Porto. Professor de Design de Comunicação e Ilustração na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, paralelamente desenvolve projetos de curadoria e investigação na área da Ilustração e participa regularmente em eventos individuais e colectivos no campo da Ilustração. A par de Júlio Dolbeth, é autor do projecto de narrativas ilustradas on-line “www. pandoracomplexa.blogspot.com” e membro fundador da associação Dama Aflita e curador da Galeria Dama Aflita desde 2008.* O ilustrador discorreu em sua apresentação sobre dois temas: as suas referências e sua tese de doutoramento. Percorrendo o folclore português, a história da arte e questões de gênero ele demonstrou como diferentes fontes de inspiração culminam em seu trabalho pessoal. Em sua tese Vitorino Santos optou por afastar-se de seus projetos autorais e focar-se em álbuns ilustrados, tema próximo à sua realidade profissional mas abordado de modo científico e categórico. Em ambos os temas tratados enfatizou-se a necessidade de interessar-se pelo tópico abordado e de organizar-se em sua produção. Ilustração de Rui Vitorino Santos

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24.02.2015

Fernando José Pereira

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Possui licenciatura em Artes Plásticas pela Universidade de Porto e doutoramento em Belas Artes na Universidad de Vigo com a tese “Arte contemporânea. A utopia de uma existência exilada. Os desenvolvimentos numéricos como nova (im)posibilidade aporética” em 2011. Recebeu várias bolsas de estudo e investigação da Fundação Calouste Gulbenkian (1985/1989, 1997/98, 1999/2001), é co-diretor do projecto virose-org, e investigador no Instituto de Investigação em Arte e Design. Expõe regularmente em museus, galerias e outros espaços. Tem obras nas colecções públicas: Fundação de Serralves, Instituto de Arte Contemporânea, Centro Galego de Arte Contemporânea (CGAC), Museu do Neo-Realismo, Fundação Ca-

Pereira discorreu principalmente sobre sua tese de doutoramento, voltada aos chamados “new media” e à ideia de exílio artístico, segundo a qual os artistas buscam produzir o que não cabe em um dado território temático ou estilístico. Segundo o artista plástico, toda obra em exílio torna o território elástico e passa a ser, portanto, não mais exilada. Sua linha de pensamento seguiu discutindo os problemas em importar métodos de outras áreas para a pesquisa em arte e design, afirmando que não há uma metodologia universal. A principal dificuldade seria o fato de que nas artes podemos considerar o absurdo e o acaso. Fernando José Pereira comentou também sobre a transdiciplinaridade,

louste Gulbenkian, Museu da Cidade, Lisboa, Colecção Fundação PLMJ, Fundação Ilídio Pinho e Universidade do Porto.

afirmando que esta é uma epistemologia híbrida que acaba por “condensar possibilidades sendo o centro de coisa nenhuma”.

Extraído de: http://dea.nea.fba.up.pt/user/73. Imagem: http://www.virose.pt/fjp/fjp_tralhas/2014/Pages/La_gran_maquina.html#0.

Imagem da obra “La Gran Maquina” de Fernando José Pereira


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Diversos temas foram abordados durante as palestras ministradas, desde a importância de um indíce como guia até à necessidade de revisão dos objetivos de um dado projeto. Dois assuntos em especial sobressaíram-se dentre os citados, a importância do método e a inspiração na origem do projeto de design. Ambos tratam de etapas fundamentais no desenvolvimento de qualquer trabalho, já que todo projeto deve ter uma origem e um processo. Os dois ensaios que seguem, “O método no design” e “Propulsões projetuais”, discutem brevemente sobre esses temas, incluindo divagações sobre a esquematização do processo criativo e o incentivo primordial por trás de uma obra.

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Ensaio

O MÉTODO NO DESIGN

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O MÉTODO. In: Dicionário da Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico. Porto: Porto Editora, 2003-2014. Disponível em: < http://www. infopedia.pt/dicionarios/ lingua-portuguesa/método>. Acesso em: 1 fev. 2015. 1

DESIGN ETHICS AND EPISTOMOLOGY apud TRABUCO, Francesco. How Design relates to Scientific Research. In: RAMPINO, Lucia. (Ed.). Design Research: Between Scientific Method and Project Praxis. Milano: Franco Angeli, 2012. 2

WRITGHT apud DARWIN, Charles. A Origem do Homem e a Seleção Sexual. Curitiba: Humus, 2002. 3

JOÃO-DE-BARRO. In: Enciclopédia Agrícola Brasileira. PEIXOTO, Aristeu M. (Coord.). Vol. 4 I-M. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. 4

JOHNSON, Steven. Emergência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. 5

CROSS, Nigel. Designerly ways of knowing. Basel: Birkhäuser, 2007. 6

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método é nada mais do que uma maneira ordenada de se realizar algo1, o meio para um fim ou uma receita que deve ser seguida para se obter o resultado desejado. No design, assim como em outras áreas, distingue-se o método de pesquisa do profissional. Enquanto um volta-se à descoberta científica, o outro ocupa-se da prática. Entretanto, em alguns momentos a pesquisa e a atividade profissional podem se confundir devido às similaridades entre os métodos. O método profissional, ou projetual, adquiriu traços científicos por volta da metade do século XX, sendo posteriormente questionado com o argumento de que a racionalização científica não seria realmente adequada aos problemas de design2. Essa dualidade ainda hoje está presente e permite à um designer, ao definir um método prático, apoiar-se na tradição científica ou empírica. Poderíamos supor que o método é um reflexo da obtenção do conhecimento e de sua transmissão, conectando o seu surgimento ao da linguagem. A construção de jangadas, ferramentas de caça e até mesmo o uso do fogo pelo homem primitivo devem-se ao “desenvolvimento dos seus poderes de

observação, memória, curiosidade, imaginação e razão”3, características que podemos relacionar à criação de um método. Todavia não podemos negar que o método não precisa ser transmitido para existir como tal e não é exclusivo da humanidade. É possível desenvolver um método e mantê-lo apenas para si e os animais também são capazes de criá-los, vide o caso do joão-de-barro, por exemplo. O pássaro natural da América do Sul constrói seus ninhos sempre com uma precisão arquitetural, dois cômodos com medida próxima à 30x15x25cm4, exibindo um comportamento encontrado em diversos outros animais, como as formigas5. O compartilhamento do método, ou ao menos a sua obrigatoriedade, poderia ser a barreira que separa a pesquisa e a prática no design. O método científico, utilizado largamente em pesquisas, precisa ser divulgado publicamente para que os resultados possam ser reproduzidos e/ ou validados, o que não é sempre o caso no design6. De fato, muitas vezes é primordial que o resultado obtido por um designer não possa ser copiado ou repetido. O desenvolvimento de uma metodologia do conhecimento é relacionado à revolução científica e à matematização da representação do mundo, sendo creditada


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VIDEIRA, Antonio A.P. Breves considerações sobre a natureza do método científico. In: SILVA, Cibelle C. (Org.). Estudos de História e Filosofia das Ciências: subsídios para aplicação no ensino. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2006. 7

8

Idem.

REI, Raquel. xxxx. Palestra. Porto: Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, 28 out. 2014. 9

BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Perspectivas, 2002. 10

MUNARI, Bruno. Das Coisas nascem Coisas. Lisboa: Edições 70, 1981. 11

12

Idem.

à Galileu Galilei (1564-1642), Francis Bacon (1561-1626) e William Harvey (1578-1657), além de René Descartes (1596-1650)7. O método científico rapidamente tornou-se não apenas um modo de conduzir descobertas, mas também um certificado de que o conhecimento obtido através do mesmo seria verdadeiro, objetivo, fundamentado e racional8. Essa visão permanece nos dias atuais, em que o método científico é utilizado e exigido em pesquisas ou trabalhos acadêmicos inclusive na área do design9. A credibilidade atribuída ao método científico reside na divulgação de seus procedimentos, os quais devem estar em concordância com parâmetros reconhecidos. Todo método científico deve apresentar a sequência: (I) levantamento do cohecimento sobre um tema; (II) seleção do problema; (III) formulação do problema; (IV) aplicação de uma abordagem para solucioná-lo; (V) proposta de solução; (VI) aferição da solução; (VII) avaliação da solução; (VIII) revisão; (IX) estimativa do impacto; e (X) avaliação final10. Entretanto esse mesmos passos podem ser encontrados em métodos práticos do design. A bem da verdade, alguns designers assumem essa proximidade, como é o caso de Bruno Munari (1907-1998). 28

O designer defende que não se deve procurar a solução para um problema de design sem um método, afirmando que “a série de operações do método projetual é feita de valores objectivos [sic] que se tornam instrumentos de trabalho nas mãos do projectista [sic] criativo”11. Em “Das coisas nascem coisas”, Munari apresenta a seguinte sequência para o método projetual: (I) identificação do problema; (II) definição do problema; (III) componentes de problema; (IV) recolha de dados; (V) análise dos dados; (VI) criatividade; (VII) compreensão dos materiais e tecnologia; (VIII) experimentação; (IX) criação de modelos; (X) verificação; (XI) desenho construtivo; e (XII) solução 12. Ainda que não seja exatamente igual à sequência canônica do método científico, o método de Munari é realmente próximo. Ainda segundo o designer, o uso do método diferenciaria o projetista profissional do romântico, reafirmando a sua opinião de que a objetividade científica é parte da prática na área. Assim, a diferença entre o método científico e o prático em tal situação seria apenas a obrigatoriedade de divulgação pública do primeiro para validação, já que não precisamos conhecer o processo de criação de uma cadeira, por exemplo, para


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JONES, John Christopher. Design Methods. New York: John Wiley & Sons, 1992. 13

BURDEK apud PARSONS, Tim. Thinking: Objects Contemporary Approaches to Product Design. Lausanne: AVA Publishing, 2009. 14

MOOREY, Peter R. S. Ancient Mesopotamian Materials and Industries: The Archaeological Evidence. Winona Lake: Eisenbrauns, 1994. 15

POUNDS, Norman J. G. The Medieval City. Westport: Greenwood Press, 2005. 16

HAMILTON, Sarah E. From Publicity to Intimacy: The Poster in Fin-de-siecle Paris. Tese de Mestrado em Artes. College of Fine Arts da Texas Christian University, 2008. 17

ENSICI, Ayhan. Dieter Rams. In: DESIGNOPHY. Disponível em: <http://www.designophy. com/interview/design-article-1000000002-dieter-rams. htm>. Acesso em: 1 fev. 2015. 18

PROVIDÊNCIA, Francisco. Poiesis. Palestra. Porto: Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, 02 dez. 2014. 19

sabermos que seu resultado como peça de mobiliário é válido e funcional. Mas o método prático no design nem sempre é uma receita sequencial com passos próximos ao do método científico. A discussão do método na área do design tem início entre as décadas de 1950 e 1960 com a ampliação e racionalização das indústrias13. Á medida que novas técnicas racionais de produção e construção foram adotadas, os procedimentos subjetivos e emocionais foram afastados da prática do design, o qual beneficiou-se da integração real à esfera da indústria que o método científico garantiu14. Assim, podemos apenas assumir que, previamente à racionalização dos meios de produção, o método empregado no design não era necessariamente científico, mas empirista e prático. Entretanto, mesmo em meio à fase “artesanal” do design haviam procedimentos para a criação e manufatura dos artefatos, o que denominamos como “técnica”. A técnica em si é um método com objetivos práticos e com inúmeros exemplos na história da humanidade, como a produção de miçangas para a joelharia na antiga Mesopotâmia15, de tecidos na Idade Média16 ou de cartazes litográficos no final do século XIX17 , por exemplo.

O método prático também pode revelar uma filosofia de criação ou propósito assim como o método científico o faz em relação às “verdades universais”. É o que nota-se em Dieter Rams (1932-) e seus dez mandamentos do bom design18, por exemplo: (I) o bom design é inovador; (II) o bom design faz o produto ser útil; (III) o bom design é estético; (IV) o bom design ajuda a entender o produto; (V) o bom design é discreto; (VI) o bom design é honesto; (VII) o bom design é durável; (VIII) o bom design é meticuloso; (IX) o bom design é ambientalmente correto; e (X) o bom design é o mínimo de design possível. Não se trata de um método, mas sim de uma lista de propósitos que devem guiar o designer ao longo de seu processo de criação de acordo com uma filosofia. Semelhante abordagem metodológica nota-se em Francisco Providência (1961-), que ao explanar sobre a sua trajetória profissional comenta acerca de suas preocupações funcionais e estéticas. Sua poiesis seria guiada pelo (I) mínimo esforço construtivo; (II) linha quebrada; (III) forma sugerida; (IV) plano oblíquo; (V) tipografia banal; (VI) o que separa liga; (VII) recuperar em vez de demolir; (VIII) imaginar o futuro; (IX) patrimônio coletivo e (X) laboratório poético19. 33


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PROVIDÊNCIA, Francisco. Poiesis. Palestra. Porto: Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, 02 dez. 2014. 20

FEYERABEND, Paul. Against the Method. New York: Verso, 2002. 20

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Idem.

CRUZ, João. João Cruz. Palestra. Porto: Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, 16 dez. 2014. 23

O designer também raciocina sobre as diferenças de abordagem entre a ciência, a arte e o design. Segundo Providência a ciência atua com um pensamento dedutivo, enquanto a arte é indutiva e o design apresenta um pensamento abdutivo20. Essas distinções poderiam ser visíveis nos objetivos por trás dos métodos utilizados, sejam eles descobrir uma verdade, induzir um pensamento ou absorver conceitos reprodutíveis em um artefato. Novas abordagens em relação ao caráter do método não surgem apenas em seus objetivos, mas também em sua adequação. É o caso de Paul Feyerabend (1924), que defende que o método ou a abordagem metodológica nem sempre é útil à ciência ou apropriada à seus propósitos21. Em “Against the Method” Feyerabend afirma que o método científico impossibilita grandes descobertas científicas, engessando o seu utilizador22. O autor assume que o método científico poderia tornar-se mais próximo ao profissional, apoiado não em regras determinadas, mas nas particularidades de cada caso e utilizando diferentes abordagens para comprovar sua pesquisa. Assim, caberia ao pesquisador decidir qual a abordagem correta em um cenário classificado como anarquismo teórico.

Em certa medida isso já é realidade no design, uma vez que na área convivem o método científico e método empírico e prático. Todavia, o espaço de atuação de ambos é tradicionalmente delimitado, mantendo-se o método científico atrelado à pesquisa e ao academicismo e o prático à atuação profissional e da “vida real”. Essa delimitação é rompida por vezes, entretanto, ainda parece haver um grande preconceito no sentido contrário, ou seja, na adoção de abordagens subjetivas e empíricas no âmbito da pesquisa. Esse preconceito pode estar relacionado ao fato de que a pesquisa ainda está ligada à ciência tradicional e que a pesquisa em design ainda necessita desenvolver-se de acordo com suas particularidades. Fica claro, portanto, que há uma distinção entre a pesquisa acadêmica e a prática profissional, distinção essa representada pela diferença entre o método científico e o prático e que por fim corporifica a problemática da abordagem no design. Supõe-se que enquanto houver uma dualidade acirrada entre o design voltado à resolução de problemas e o design voltado à discussão de questões23 é provável que o preconceito entre os métodos mantenham-se vivos como representações de diferentes vertentes do design. 35


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Ensaio

PROPULSÕES PROJETUAIS

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U INSPIRAÇÃO. In:Dicionário de Português Online Michaelis. [S.I.]: Editora Michaelis, 19982009. Disponível em: <www. http://michaelis.uol.com.br>. Acesso em: 2 fev. 2015. 1

MUNIZ, Fernando. Apresentação. In: MUNIZ, Fernando (Org.). As Artes do Entusiasmo: a Inspiração da Grécia Antiga à Contemporaneidade. Rio de Janeiro: 7Letras, 2011. 2

BRODSKAYA, Nathalia. Toulouse-Lautrec. New York: Parkstone International, 2011. 3

4

Idem.

m tópico comum na justificativa projetual é o interesse pelo assunto abordado, verbalizado muitas vezes como uma paixão ou uma simpatia. A familiaridade com o tema certamente pode facilitar o desenvolvimento de um projeto, mas este não deve ser entendido como o único combustível que impulsiona a criação: o incômodo também parece agir como uma força propulsora tão forte quanto o apreço. O que nos move enquanto criadores ou projetistas responde por diversos nomes, entre eles “inspiração”. Entendemos esse conceito como uma “sugestão de origem transcendente ou psíquica, ou [como] qualquer objeto que tem virtude genética sobre o artista para o excitar à produção e lhe orientar”1; algo próximo à uma vontade exterior que toma um sujeito. As origens desse conceito são religiosas, sendo que o termo “inspiração” é nada mais do que a tradução em latim para o sopro divino sobre as ações humanas designado em grego como “entusiasmo”2. Nota-se que em nenhuma das definições, seja a de “inspiração” ou a de “entusiasmo”, há uma indicação de que o estímulo ao indivíduo é direcionado à algo prazeroso ou familiar ao mesmo.

Não há dúvidas de que deve haver algo que contribua para o ato de criar, seja esse algo transcendental ou não, mas a exterioridade em relação ao artista não parece ser a norma para esse impulso. De fato, se analisarmos a história do design ou da arte em geral veremos que não são poucos os casos em que a dita “inspiração” se trata na verdade de uma apreciação pessoal por um tema, uma facilidade de aproximação e acesso ou até mesmo de uma obsessão em alguns casos. No final do século XIX os peintres maudits, encabeçados por figuras como Toulouse-Lautrec (1864-1901), Gauguin (1848-1903) e van Gogh (1853-1890), contribuíram com a imagem do artista como um ser auto-destrutivo3; em partes pelo seu comportamento, mas também pelos temas aos quais se dedicaram. Toulouse-Lautrec, em especial, incorporou em seus temas o hedonismo decadente do fin-de-siècle influenciado, ou “inspirado” se preferirem, pelas suas condições físicas e pelo ambiente dos cabarés franceses que frequentava4. Exemplos como esse podem ser tomados como o denominador comum entre muitos outros artistas de diversas áreas. Muitos são dominados pelos seus temas, seja por apreço ou devido à outros sentimentos menos agradáveis. 39


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CRUZ, João. João Cruz. Palestra. Porto: Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, 16 dez. 2014. 5

AMBROSE, Gavin; HARRIS, Paul. Design Thinking. Lausanne: AVA Books, 2010. 6

PROVIDÊNCIA, Francisco. Poiesis. Palestra. Porto: Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, 02 dez. 2014. 7

SAINSBURY, Mark. Lógica Indutiva versus Lógica Dedutiva. Disponível em: < http:// www.each.usp.br/camiloneto/ tadi/logica.indutiva.versus. logica.dedutiva.pdf>. Acesso em: 23 fev. 2015. 8

FONSECA, Flávio Netto. Philosophy. Disponível em: < http://www.philosophy.pro.br>. Acesso em: 23 fev. 2015. 9

10

Idem.

SAINSBURY, Mark. Lógica Indutiva versus Lógica Dedutiva. Disponível em: < http:// www.each.usp.br/camiloneto/ tadi/logica.indutiva.versus. logica.dedutiva.pdf>. Acesso em: 23 fev. 2015. 11

CHIBENI, Silvio Seno. Notas sobre tipos de argumentos. Disponível em: < http://www. unicamp.br/~chibeni/textosdidaticos/argumentos.pdf>. Acesso em: 23 fev. 2015. 12

FORTY, Adrian. Objetos de Desejo. São Paulo: Cosac Naify, 2008. 13

WHITELEY, Nigel. Design for Society. London: Reaktion Books, 1998. 14

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Idem.

No caso do design em específico, há toda uma tradição em “criar soluções para problemas”5 que pressupõe que a relação pessoal com um tema não é o único motivador projetual; o design pode até mesmo ser definido como um processo que transforma um requerimento em um produto final ou solução6 independentemente de qual seja a origem desse requerimento. Muitos poderiam ceder à tentação de substituir a “inspiração” pela “inovação” no que se refere ao incentivo projetual no design, mas essa troca é enganadora: “inspiração” refere-se aos antecedentes enquanto “inovação” às conclusões. Ainda que os objetivos de um projeto de design possam ser a inovação ou revolução de um conceito, não se deve confundi-los com suas reais razões de existência. Afim de evidenciar mais claramente a distinção entre objetivos e motivações podemos apoiar-nos no tipo de raciocínio aplicado à área. Providência7 afirma que os três pensamentos analíticos, dedutivo, indutivo e abdutivo, relacionam-se, respectivamente, à ciência, à arte e ao design. A dedução seria o campo da ciência por excelência, no qual deduz-se uma conclusão dada como verdadeira a partir de uma situação generalizada real8 e busca-se compreender casos individuais9.

A indução, raciocínio supostamente artístico, baseia-se na experiência sensível e busca apreender o todo pelas partes10 ao apresentar respostas que não necessariamente são as corretas11. A abdução apresenta “a melhor explicação para os fatos anunciados na premissa”12, posicionando o design como uma área em que se conjuram alternativas. Desse modo, o objetivo do projeto de design seria a criação de possibilidades a partir de uma realidade prévia: a criação de alternativas seria o resultado esperado, mas não necessariamente a intenção por trás do ato em si. É claro que os objetivos podem ser confundidos com as motivações: Forty13 afirma que a origem do design industrial não pode ser dissociada do capitalismo e do comércio, insinuando que uma das propulsões projetuais da área é financeira. Nessa mesma linha de exemplos podemos citar as motivações éticas, ou se preferirem inquietações morais, de Victor Papanek. Em “Design for the Real World”, a bíblia do design responsável, o autor manifesta-se contrariamente ao design consumista que ignoraria os impactos sociais e ecológicos de suas criações14. Whiteley15 afirma que Papanek foi motivado pela discrepância entre o poder e 43


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HELLER, Steven. In: HELLER, Steven; VIENNE, Veronique (Ed.).The Education of an Art Director. New York: Allworth Press, 2008. 16

ADG BRASIL. O Valor do Design. São Paulo: Editora SENAC, 2002. 17

FARIAS, Marcelo. Objetos anônimos da casa brasileira: o design sem assinatura. Disponível em: < http://fariasmarcelo.com/145/>. Acesso em: 23 fev. 2015. 18

AFINIDADE. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. 2013-2015. Disponível em: < http://www.priberam.pt/dlpo/ afinidade>. Acesso em: 23 fev. 2015. 19

GOLEMAN, Daniel; KAUFMAN, Paul; RAY, Michael. O Espírito Criativo. São Paulo: Cultrix, 1992. 20

influência do design e a falta de responsabilidade moral da profissão, confirmando que inquietações podem ser propulsores criativos tão potentes quanto as paixões. Não podemos deixar de relacionar as inquietações à limitações projetuais. Se partirmos do pressuposto de que o incômodo é gerado pela ausência ou presença de algo então assumimos que tratase de solucionar uma limitação ocasionada por essa ausência ou presença. Trata-se, todavia, de um tipo de limitação muito particular que não deve ser tomada como uma das muitas que assombram os projetos de design. Os obstáculos aos objetivos de um projeto são muitos, assim como as diretrizes que devem ser seguidas. Ambos constituem limitações comuns ao design, mas não podem ser consideradas motivações. Exemplos claros são a direção de arte, na qual um conjunto de conceitos visuais e formatos são definidos para aplicação em um dado projeto16, e as limitações de custos e prazos, condicionantes usuais da viabilidade17. A limitação como propulsor criativo está relacionada ao estado da arte de um dado tema ou área e não à concretização de um projeto ou obra: trata-se mais da necessidade do que da viabilidade. 46

É o caso do projeto do lava-arroz, criado por Therezinha Zorowich em 1959. O utensílio doméstico foi desenvolvido a partir da necessidade identificada por Zorowich de lavar-se pequenos grãos de arroz sem derrubá-los na pia, o que causaria seu entupimento18. Nesse caso os objetivos e motivações são claramente originados de uma limitação prática e não de uma paixão pessoal. Mas não poderíamos assumir que a inquietação em si é apenas uma dentre as muitas espécies de apreço? Afinal, tratase de um tipo de interesse, tanto quanto a familiaridade ou a simpatia. Se recorrermos ao significado de afinidade teremos que esta refere-se à apenas uma relação19, sem indicação de que essa é movida pela paixão ou inquietação. Desse modo, a justificativa projetual pode mencionar tanto uma afinidade amistosa quanto inquisidora, atribuindo à ambas as situações, de apreciação e inquietação, o papel de propulsão ou motivação primordial do projeto. Seja a motivação emocionalmente positiva ou negativa, ela está por trás de qualquer projeto de design e é absolutamente essencial à estes: “a criatividade começa pela afinidade com alguma coisa”20, seja ela amável ou odiosa.


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A utilidade usualmente traduz-se na aplicação proveitosa. Embora não seja possível afirmar que as palestras tenham influenciado diretamente meu projeto final de mestrado, é inegável que exerceram algum direcionamento de opiniões. As intenções por trás de um projeto tornaramse pessoalmente um tópico constante de indagação, assim como a esquematização projetual agora parece-me mais do que nunca necessária (ainda que o esquema seja não possuir esquema nenhum). Ao início do ciclo de palestras minha própria dissertação já estava em sua fase inicial, com proposições, objetivos e métodos definidos. Ao final das aulas, momento em que redijo esse relatório, meu projeto final está avançado e arrisco afirmar que, se é necessário traduzir seu está-

gio em valores percentuais, seria correto deduzir que encontra-se cerca de 70% finalizado. Talvez também seja apropriado comentar que, devido à fase em que minha dissertação encontravase ao início das palestras, os temas abordados soaram tardios. Durante o período das aulas teria sido proveitoso ouvir sobre as alterações que ocorrem concomitantes ao desenvolvimento de um projeto e sobre como os diferentes palestrantes lidaram com tais questões. Afinal, supostamente todos deveriam estar em pleno processo de desenvolvimento do corpo de seus trabalhos durante esse período. Em suma, ainda resta uma certa curiosidade sobre como lidar, no campo do design, com a alteridade encontradas nas suposições que tomamos inicialmente como as “verdades” dos projetos.

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© The Metropolitan Museum of Art p.36-37 Self-Portrait with a Harp Rose (Adélaïde Ducreux) p.38 Soap Bubbles (Jean Siméon Chardin) p.40-41 The Toilette of Venus (François Boucher) p.42 Mrs. Horton, Later Viscountess Maynard (Sir Joshua Reynolds) p.44-45 The New Bonnet (Francis William Edmonds ) p.47 Madame Grand (Élisabeth Louise Vigée Le Brun).

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