Habitar a cidade: o necessário existente e o utópico possível

Page 1

Habitar a cidade O necessário existente e o utópico possível



Habitar a cidade O necessário existente e o utópico possível


UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Trabalho Final de Graduação Habitar a cidade: o necessário existente e o utópico possível Thais Valente Petri Professores orientadores Abílio Guerra e Angelo Cecco

São Paulo, 2018


Habitar a cidade O necessário existente e o utópico possível Thais Valente Petri Orientadores Abílio Guerra e Angelo Cecco

FAU Mackenzie São Paulo, 2018


Agradecimentos Agradeço, primeiramente, aos meus pais, Maria Cristina Valente Petri e Norberto Antonio Petri, que tanto se esforçaram para que eu pudesse ter uma formação acadêmica e pessoal mais completa possível. À minha irmã, Vivian Valente Petri, por me apresentar o universo dos movimentos sociais, redirecionando meus caminhos. Ao meu irmão, Alex Valente Petri, por cada ensinamento metodológico e cada longa conversa à distância. Agradeço a todos eles pelos valores compartilhados, de busca por justiça social, determinação, solidariedade e amor. A cada pessoa que contribuiu, direta ou indiretamente, para que este trabalho pudesse se realizar, desde os profissionais da Prefeitura Municipal de São Paulo, colegas de trabalho de EDIF-3, aos meus amigos mais próximos. Em especial a arquiteta e urbanista, professora da FAU USP Rosana Helena Miranda, por me mostrar o valor de trabalhar com arquitetura para o setor público; às minhas grandes amigas Jéssica Oliveira, Marina Sala Leite e Sarah Elisa Candido e ao meu querido primo Rodrigo Colson Valente pelas contribuições diretas ao trabalho; ao meu companheiro Luiz Roque Miranda Cardia por todo amor, acolhimento, ensinamento e reflexão nas estratégias pela luta social no Brasil.


Ao meu orientador de projeto Angelo Cecco pelo grande envolvimento nesse processo de busca incessante de soluções projetuais a cada redesenho e pela ótima parceria que formamos. Agradeço imensamente ao meu orientador Abílio Guerra por ampliar minha visão em relação aos conhecimentos do campo da arquitetura e do urbanismo e renovar minha paixão por essa área a cada dia de encontro. Agradeço também às colegas de grupo de orientação Jennifer Oliveira e Laura Assef, juntamente ao nosso orientador, por todas as trocas, reflexões e contribuições ao meu trabalho. Muito obrigada!

7



Sumário Apresentação 08 PARTE I Habitar o centro 11 1.1 Requalificação da área central

13

1.2 As ocupações e o déficit habitacional

21

1.3 O centro e a noção de espaço público

27

PARTE II O papel do Estado na produção habitacional do Brasil

33

2.1 A inserção periférica do Brasil no mundo

35

2.2 Breve Histórico da habitação social no Brasil

39

2.3 Novos caminhos para a política habitacional do país

70

PARTE III Uma utopia possível 77 3.1 Alternativas de imersão urbana

80

3.2 Além do mínimo necessário

99

3.3 Habitar em segundo plano

119

Considerações finais 136 Lista de imagens 138

Referências Bibliográficas 144 9


Apresentação Este trabalho tem por finalidade apresentar uma alternativa de intervenção projetual no “centro velho” da cidade de São Paulo, na defesa da apropriação de uma área de valor histórico, cultural, social e político. A primeira parte do trabalho pretende abordar o afastamento das classes mais altas da região central da cidade, a partir dos anos de 1960, contribuindo para sua “decadência” e subutilização, tendo em vista a ampla infraestrutura urbana, o protagonismo dos pedestres em relação ao automóvel, demarcado pelos calçadões e galerias, e a multiplicidade do lugar (com sua diversidade social, cultural, de gênero e faixa etária). Também procura trazer à tona o valor do espaço público e os confinamentos das diversas bolhas sociais da cidade, demarcadas pelos conjuntos habitacionais, destinados à baixa renda, implantados distantes dos centros urbanos; ou pelos grandes condomínios fechados, voltados para pessoas de alta renda, alienados da cidade real. Além disso, traz a pauta da moradia social como uma questão, ao mesmo tempo, antiga e atual. Teve apoio dos governos municipais dos anos 1990 em São Paulo, e assim como as pessoas que ocupavam o Edifício Wilton Paes de Almeida – patrimônio histórico localizado no Largo do Paissandú, ocupado por 146 famílias, que desabou no mês de maio – outros diversos prédios vagos são ocupados por famílias de baixa renda. Mesmo destinando boa parte de suas rendas ao aluguel, moram sob condições precárias. Já a segunda parte do trabalho dispõe-se a trazer discussões que não podem ser descoladas do entendimento global da habitação social.


A partir de um breve histórico dessa produção e do entendimento de como o Brasil se insere no mundo sob condição de periferia, surgem necessidades e propõe-se possibilidades para que a habitação social no Brasil alcance a população que mais precisa, e para reduzir, ou até sanar, o déficit estrondoso do país. Por último, na terceira parte, é elaborada uma proposta de projeto arquitetônico de uso misto, mas, prioritariamente, residencial, voltado à baixa renda. O edifício localiza-se no centro de São Paulo, na Rua 24 de maio com a Rua Dom José de Barros, e deseja apresentar formas de habitar que considerem as necessidades de diferentes perfis de usuários, além do cotidiano, o que envolve sua vida concreta. O projeto tem ainda intenção de propor outras alternativas, não pretende delimitar uma solução única ou correta. A ideia é ser provocativa no sentido de pensar arquitetura além da necessidade mínima de sobrevivência e do que se está habituado, incentivando a convivência e troca da experiência coletiva.

11


12


PARTE I Habitar o centro 1.1 1.2 1.3

Requalificação da área central As ocupações e o déficit habitacional O centro e a noção de espaço público 13



1.1 Requalificação da área central A partir das análises do arquiteto e urbanista Flávio Villaça, sobre os centros principais, é notável o caráter mutante dos centros de regiões metropolitanas como São Paulo, Rio de Janeiro, e Salvador. No final do século XIX, manifesta-se o primeiro centro comercial de São Paulo, irrigado pelos dois extremos de transportes nas ruas XV de novembro. Nos anos 1940, o centro principal encontrava-se na região da Sé, das ruas XV de Novembro, Direita e Libero Badaró. A região era sede dos principais bancos da cidade, da rádio Record, da Faculdade de Direito, sede da Cia. Paulista de Estradas de Ferro, e toda servida por bondes.

[1]

[1] Rua XV de novembro. 1920.

Na década seguinte, de 1950, com o surgimento de um novo pólo central, ocorre a bipartição do centro que se estende para o outro lado do Viaduto do Chá, envolvendo a Praça Ramos de Azevedo, as ruas 7 de abril, 24 de maio e Barão de Itapetininga, constituindo, assim, um “novo” centro, onde são construídos diversos edifícios que passam a ser marcos da cidade. A classe alta da sociedade passa a frequentar esses espaços e o local torna-se um importante pólo econômico que serve a este grupo social. No fim dos anos 1950, com o centro dividido em duas partes pelo Vale do Anhangabaú: na região que tem como eixo a Rua Barão de Itapetininga, dotada de escritórios, consultórios, lojas, restaurantes, forma-se o centro das elites, o “novo centro”; e o centro voltado para o outro lado do Anhangabaú, torna-se o primeiro “centro velho” ocupado principalmente pelas camadas populares. A partir dos anos 1960, o “centro velho” e o “centro novo” se reconfiguram formando um único centro velho expandido, que se “submete” ao 15


[2]

16

[3]


[4]

[5]

[2] Cruzamento das Ruas Direita e Líbero Badaró. 1920. [3] Rua Direita. 1920 [4] Rua Barão de Itapetininga. 1920. [5]Rua Barão de Itapetininga. 1970. [6]

[6] Viaduto do Chá. 1920.

17


novíssimo “Centro novo”, deslocado para a região da avenida Paulista. Este tende a pulverizar-se, compondo novas centralidades urbanas, como é o caso das avenidas Faria Lima e Berrini. Villaça entende que centro principal remete à ideia de algo único e e se utiliza de alguns parâmetros para compreender este conceito. Para o autor, a origem da centralidade – do espaço principal urbano – “está na possibilidade de minimizarem o tempo gasto e os desgastes e custos associados aos deslocamentos espaciais dos seres humanos”1. As disputas que envolvem tempo de deslocamento e qualidade dos lotes seriam disputas entre classes sociais. Assim, ele acredita que “o centro e o não-centro são produzidos dialeticamente pelo mesmo processo sob a égide dessas disputas, pelo controle das condições de deslocamento”2. Outra particularidade de um centro principal é a diversificação de seu comércio e serviços, que não é o caso do “Centro novo”, já que é especializado. A avenida Paulista surge com a oferta de bancos, escritórios e cinemas e na Augusta um leque de butiques. E as lojas grandes e médias concentram-se nos shoppings centers, com produtos de altos preços. Portanto, surge um novo tipo de centro principal. Além disso, a delimitação do centro velho era pouco complexa, tratavase de um espaço compacto, diferentemente do caso no “Centro novo”, que é uma enorme área dispersa e complexa, pois pode envolver a região da avenida Faria Lima, da marginal Pinheiros e até a avenida Luís Carlos Berrini3. O que determinou o deslocamento do centro principal para o centro novo, que teve por consequência caracterizar o centro antigo como 18

1. VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. Fapesp, 2001, p. 242. 2. VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. Fapesp, 2001, p. 243. 3. VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. Fapesp, 2001, p. 279.


[7]

[8]

[7] Mapa de bairros centrais. [8] Centro expandido conectado com diversas regiĂľes, atravĂŠs das vias principais da cidade.

19


“decadente”, está relacionado ao deslocamento das classes altas da antiga região, possibilitado pelo uso do automóvel, e a interesses imobiliários que necessitam expandir-se por novos territórios hospedeiros em cidades como São Paulo. Villaça explica tal fenômeno: “Não foram deficiências internas dos centros principais que determinaram seu abandono por parte das camadas de mais alta renda. Esse abandono (...) foi motivado pela fragilidade da vinculação mútua entre nossos centros e a diminuta classe que o sustenta. Tal exiguidade impediu que se formasse um círculo de classes média alta e mesmo alta, em torno do centro, sustentando-o e assegurando estabilidade espacial mútua tanto ao centro como a essas classes(...). No Brasil a ruptura dessa estabilidade foi facilitada pelas novas condições de locomoção associadas à vulgarização do automóvel e articuladas a interesses imobiliários desejosos de abrir novas frentes para seus empreendimentos e continuamente renovar seu estoque construído”4.

Portanto, a região central de São Paulo não se esvaziou, no primeiro momento, por apresentar deficiências urbanas em si que afastassem a população de média e alta renda ou o mercado imobiliário e financeiro. Foi exatamente tal abandono que gerou tendências que contribuíram para sua degradação e decadência. Em realidade, a região apresenta diversas potencialidades e vantagens que podem atrair diversos setores da sociedade, caso as autoridades federais e até municipais, tomem frente da situação. Somado a esse cenário, é preciso considerar que enquanto existem espaços ociosos nesta região, nas periferias a população e a ocupação urbana tende a crescer cada vez mais, em bairros marcados pela pobreza, violência e urbanização deficiente. Segundo a arquiteta e urbanista Ermínia Maricato, “como se sabe, a extensão horizontal das redes de infraestrutura resulta mais cara nas grandes metrópoles. A circulação se torna muito complexa e impõe pesado ônus aos moradores da periferia que são obrigados a dedicar 20

4. VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. Fapesp, 2001, p.279. 5. MARICATO, Erminia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p. 138.


parte do dia e dos rendimentos mensais aos transportes”5. Desta forma, é necessário implantar novos trechos de cidade anexas às áreas residenciais. A infraestrutura deficitária das áreas periféricas pode ser saneada com soluções muito mais demoradas e extensas ao levar toda a infraestrutura necessária e equipamentos urbanos para novas áreas. É necessário instalar rede de energia elétrica (instalar novos transformadores, posteamento, cabeamento, redes de alta tensão e baixa tensão); criar rede de esgoto (instalar troncos de coleta de esgoto e estações elevatórias para transportar os resíduos); instalar rede de água potável (instalação de coletores, implantação de caixas elevadas transportadoras de água, reservatórios elevados para garantir a pressão hidrostática necessária); construções das vias e calçadas (pavimentação, terraplanagem, guias); implantar rede de comunicação (telefonia, internet, fibra ótica, TV à cabo); além de prover rede de transportes (linhas, corredores e terminais de ônibus, linhas e estações de metrô ou VLT). Enquanto a área central apresenta boa parte de toda esta infraestrutura básica necessária, e diversos imóveis ociosos, as autoridades ainda ignoram este fato e contribuindo para manter tamanho déficit habitacional, um preço altíssimo para a sociedade. Não há uma contradição em si na acumulação de capital e na arrecadação de impostos para a atuação do Estado em favor da maioria da sociedade, mas a questão central é como esses gastos serão otimizados e revertidos de forma eficiente ao maior benefício possível para a maioria da população. Trata-se de um Estado compromissado com os interesses e necessidades da população, longe de defender um Estado mínimo. 21


Há quem defenda prioritariamente levar infraestrutura para regiões mais distantes, argumentando que movimentar as relações dos governos com as empresas construtoras, empreiteiras e concessionárias, dinamizam a economia e geram emprego. Portanto, construir no centro beneficia a sociedade, mas contraria os interesses do mercado imobiliário especulativo e dessas empresas envolvidas no processo de implantação dessa infraestrutura urbana. A escolha por uma ou por outra política trata de priorizar os interesses de mercado em detrimento dos interesses da população em sua maioria. O próprio e o aparelho de Estado, teoricamente, tem como fim o compromisso de servir às necessidades públicas e não individuais.

6. ROLNIK, Raquel. Territórios em conflito: São Paulo: espaço, história e política. São Paulo: Três Estrelas, 2017.

22


1.2 As ocupações e o déficit habitacional Por todo o país existem diversos terrenos do solo urbano não edificados; com seus imóveis em condição de subutilização; ou não utilização. Segundo o art.182 do Estatuto da Cidade, nestes casos, o proprietário é induzido a promover seu aproveitamento adequado a partir da seguinte tríade de instrumentos urbanos legais: parcelamento ou edificação compulsória; IPTU progressivo no tempo; e desapropriação com o pagamento em títulos da dívida pública. Apesar da existência de tais instrumentos bastante importantes, atualizadas no Plano Diretor Estratégico de 2014, tal legislação até o momento foi pouco efetiva em transformar essa situação. Segundo a professora e urbanista Raquel Ronik, no Brasil somente o INSS é proprietário de 4 mil imóveis sem nenhum uso. Existem também 400 mil imóveis da Rede Ferroviária Federal, além de milhares de terrenos da União não edificados e sem cumprir sua função social6. O centro de São Paulo também apresenta alta taxa de vacância, com a presença de diversos de domicílios vagos, bem como edificações de antigo uso não residencial, como instalações industriais, unidades comerciais ou de serviços, que é o caso de um dos imóveis do projeto arquitetônico deste trabalho. O documento produzido a partir do ENANPUR 2017 (Encontro Nacional da Associação Nacional de põs graduação e pesquisa em planejamento urbano e regional) apresenta alguns dados sobre os distritos centrais de São Paulo, onde estão localizados 848 imóveis, o que corresponde a 76,5% do total de imóveis notificados (dentre as três categorias: não edificados, subutilizados ou não utilizados), e em relação à área total 23


[Tabela 1] 24

[Tabela 2]


corresponde a 37%, com aproximadamente 76ha (sendo consideradas áreas de terrenos não edificados e subutilizados, e a área construída dos não utilizados). Por outro lado, o déficit habitacional do país em número absoluto é de aproximadamente 6 milhões7 de unidades, sendo a região Sudeste a mais prejudicada, onde a região metropolitana de São Paulo apresenta valor mais alto em relação às outras RMs, com aproximadamente 623 8 mil habitações. Além disso, pode-se perceber que o percentual do déficit habitacional é muito maior para as famílias de mais baixa renda (até 3 salários mínimos). Tais informações demonstram a intenção de elucidar o quão alarmante é esta situação e elucidam que existe uma solução bastante evidente para o problema, que é unir duas questões complementares: a falta de moradia social, e a grande quantidade de imóveis vagos. As propostas de promover moradia social no centro, principalmente em edificações vazias ou subutilizadas, não são novas. Inclusive ao propor resgatar o valor da região, sua memória, suas preexistências e acertar condições de tombamento. Desde os anos 90 existe uma luta em torno destas pautas, quando ocorreram experiências de escala municipal na gestão da prefeita Luiza Erundina (1989-1993). No entanto, já se passaram quase 30 anos e esta situação alarmante persiste. Desta forma, é fundamental que esta luta social seja pauta destacada no meio da arquitetura e do urbanismo. Ermínia Maricato, inclusive, considera que em boa parte das escolas deste meio estuda-se de forma fragmentada “arquitetura”, “urbanismo” e “planejamento urbano”, e em poucas a “moradia social”, que é ainda entendida como algo à parte9. [9]

25


Não à toa, a busca de terreno para intervenção, que se utilizou de uma deriva pelo território de estudo deste trabalho, sobrepõe o mapeamento de edificações subutilizadas, ou vazias, feito pelo Observatório de Remoções, além de outros vazios residuais que serão apresentados e analisados posteriormente. Trata-se de dois níveis de leitura: edificações ocupadas por movimentos de moradia (em sua maioria); e vazios residuais entre empenas cegas. Existe um forte movimento de criminalização dos movimentos de moradia. Algumas das acusações tendem a tratar o morador das ocupações como alguém que pouco trabalha, como oportunista, criminoso e invasor. Mas ao se aproximar da realidade destes movimentos e compreender sua situação como um todo, é possível entender tal situação com toda sua complexidade, e perceber que essa visão maniqueísta, na qual o morador das ocupações é o “mal”, e o governo ou o proprietário do imóvel seriam os corretos, o “bem”, não se sustenta. Isto sendo que o poder público se ausenta ao não garantir moradia a quem necessita, sendo este um direito do cidadão. Já os proprietários também desrespeitam a legislação ao desconsiderarem que os imóveis devem cumprir sua função social, e que, muitas vezes buscam beneficiarem-se especulativamente ao aguardarem a sua valorização financeira dos imóveis. Outro dado importante é que os moradores que se instalam nestes edifícios, em sua maioria, trabalham longas horas, muitas vezes no setor informal, sem regulamentação de suas jornadas de trabalho e outros direitos básicos do mercado formal. Já aqueles que não trabalham, em geral, estão à procura de emprego, excluídos por diversos motivos do mercado de trabalho. Além disso, pagam boa parte do valor de 26

7.[Tabela 1] Déficit Total e por região.Dados da Fundação João Pinheiro. 8.[Tabela 2] Déficit habitacional por faixa de renda familiar em porcentagem. Dados da Fundação João Pinheiro. 9. MARICATO, Erminia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.


[9] Edifício Winton Paes de Almeida, patrimônio histórico da cidade, que desabou após incêndio em maio de 2018, quando ocupado pelo movimento de moradia MLSM. O edifício pertencia à União e estava sem cumprir sua função social de propriedade. Como este, outros edifícios subutilizados ou abandonados estão em condição irregular de funcionamento e até risco de desabamento. Esta condição é utilizada como argumento de criminalização dos movimentos de moradia, que são a alternativa mais forte para encontrar alternativas e coletivamente lutarem reivindicando seus direitos.

[10]

[10] Integrantes da Frente de Luta por Moradia ocupam prédio na região central de São Paulo, na Av. Ipiranga. [11]Moradores da Ocupação Mauá melhoram condições da construção. Executam pintura da fachada e de ambientes internos coletivos, a troca de tubulações de esgoto, e o conserto do quadro de luz.

[11]

27


seu salário nos aluguéis para pessoas que vivem de renda. Em uma cidade como São Paulo, até mesmo locais de condições precárias de moradia tem alto valor de locação, como é o caso de muitos cortiços, geralmente insalubres, estreitos e pouco higienizados. Neste sentido, ser locatário beneficiário dos aluguéis, ser agente financeiro (banco) da produção de habitação ou empresa envolvida nas construções de edificações e infraestrutura urbana, tem sido um grande negócio às custas dos sacrifícios da população de baixa renda e desprovida de condições mínimas de sobrevivência e do habitar de um “lugar”. Sobre essa temática, Raquel Rolnik acrescenta que a ocupação de longa duração traz: “a possibilidade de experimentar e “prefigurar”, ou seja de exercer formas de organização, de tomada de decisão, de autogoverno e de gestão da vida coletiva, e de instaurar alternativas no presente, ensaiando futuros possíveis”10.

Segundo Rolnik, a “guerra dos lugares” se dá no dia a dia dos fronts dessa luta: “Ela está em cada resistência a despejos e remoções, em cada luta antiprivatização e homogeneização do espaço, em cada apropriação do espaço coletivo como lugar da multiplicidade e da liberdade. Está, enfim, no exercício cotidiano de formulação e de luta pelo direito à cidade”11.

10. ROLNIK, Raquel. Guerra dos Lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São paulo: Boitempo, 2015, p. 377. 11. ROLNIK, Raquel. Guerra dos Lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São paulo: Boitempo, 2015, p. 378. 12 |13. CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de Muros: Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2003.

28


1.3 O centro e a noção de espaço público

[12]

A autora do livro “Cidade de Muros”, Teresa Caldeira, aborda como a “fala do crime”, nas conversas cotidianas, brincadeiras e comentários, faz o medo proliferar e como tal “fala” promove uma reorganização simbólica com potencial estruturador e de segregação dos espaços urbanos. Ela discorre que existe uma diferenciação entre “bem” e “mal”, capazes de gerar dois modos de discriminação, aquela que fortalece o discurso a favor da utilização de uma segurança privatizada cada vez mais sofisticada e a reclusão de alguns grupos sociais em enclaves fortificados. Tais processos tem um papel segregador dos espaços urbanos e modificam as noções de espaço público e privado, contribuindo para uma noção individualizada de morar, afastando a noção de habitar da vida coletiva na cidade. “Os enclaves fortificados são espaços privatizados, fechados, e monitorados, destinados à residência, lazer, trabalho e consumo. Podem ser shopping centers, conjuntos comerciais e empresariais, ou condomínios residenciais”12.

Este modelo de segregação separa os grupos sociais de forma tão explícita que vem impactando a qualidade dos espaços públicos, pois contribuem para que se agrave a violência e a desigualdade social, além do distanciamento das múltiplas potencialidades e trocas da vida urbana13.

[12] Imóveis cadastrados como não edificado; não utilizado; e subutilizado.

É possível considerar que o centro de São Paulo, que é o foco de estudo, apresenta uma lógica espacial que foge desta forte tendência de articulação espacial em bolhas de classes sociais diferentes. Ele apresenta uma disposição espacial densa; os acessos de boa parte das edificações se dão próximos ao alinhamento da calçada, se utilizando menos de grandes recuos frontais murados ou gradeados; amplia os 29


espaços para pedestres com seus grandes calçadões; trata-se de uma área de grande mobilidade urbana, dotada de ampla infraestrutura de transportes coletivos (estações de metrô, corredores de ônibus, ciclovias); suas quadras são permeáveis; o pavimento térreo dá vida à cidade nos horários comerciais; é um espaço que apresenta grande diversidade de empregos e, portanto, pessoas de classes sociais variadas, indo na contramão da composição dos espaços que acirram a desigualdade social, através de seu potencial de diferenciação. O centro de São Paulo é capaz de dissolver as diferenças sociais e colocar em confronto diversas realidades. Este potencial tem um caráter revolucionário por si só, pois tal aproximação espacial e física, de indivíduos das mais variadas noções de mundo, pode gerar tanto empatia e maior capacidade de identificação com o outro, quanto conflitos. Estes colocam em evidência a necessidade e vontade de ambas às partes de transformar tal realidade, mesmo que seja em seu próprio benefício, mas o incômodo acontecendo aproxima as pessoas da política, do agente transformador social. Já nos “enclaves fortificados”, “espaço livre da heterogeneidade dos espaços públicos”14, existe uma noção fragmentada de realidade, alienada e potencialmente alienante quando disseminado tal ideal de habitar. O geógrafo Milton Santos aborda essa questão da seguinte forma: “No lugar – um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas e instituições – cooperação e conflito são a base da vida em comum. Porque cada qual exerce uma ação própria, a vida social se individualiza; e porque a contiguidade é criadora de comunhão, a política se territorializa, com o confronto entre organização e espontaneidade”15.

30

14. ROLNIK, Raquel. Territórios em conflito: São Paulo: espaço, história e política. São Paulo: Três Estrelas, 2017. 15. SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo. Razão e Emoção. São Paulo: Edusp, 2006, p.258. 16. SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo. Razão e Emoção. São Paulo: Edusp, 2006. 17. CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de Muros: Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2003. 18. ROLNIK, Raquel. Guerra dos Lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São paulo: Boitempo, 2015, p 31.


Acrescenta que o lugar é o palco de ordens e ações condicionadas, mas também das paixões humanas, que através da capacidade comunicativa geram um espaço criador e espontâneo no cotidiano.

[13]

Quando o autor trata do papel da proximidade entre indivíduos, ele alega que ao se estudar a situação de vizinhança, devem ser apreendidas as relações em sua totalidade, não apenas econômicas. “É assim que a proximidade (...) pode criar a solidariedade, laços culturais e desse modo, a identidade”16. Em “Cidade dos muros”, Caldeira afirma que: “Os enclaves fortificados que estão transformando cidades contemporâneas como São Paulo, exemplificam a emergência de um novo padrão de organização das diferenças sociais no espaço urbano. É um modelo que vem sendo empregado pelas classes médias e altas nos mais diversos países, gerando um outro tipo de espaço público e de interações dos cidadãos em público”17.

Já o centro de São Paulo se apresenta como uma alternativa evidente de contenção dessa lógica espacial alienante. Além de estar em condição de subutilização referente ao uso residencial e ser dotado de tais qualidades espaciais e sociais especificadas, sugere outras formas de habitar, de sociabilidade, de vivência dos espaços coletivos. Ainda sobre a pauta da segregação espacial urbana e discriminação social, Raquel Rolnik, abordando a questão da violência urbana, aponta que: [13] Condomínio de alto padrão em Campinas, SP. O espaço evidencia a segregação urbana e a utilização de muros para proteção e isolamento do resto da cidade.

“a percepção da violência pela população é um dos elementos mais importantes para entendermos seus efeitos: ela afeta principalmente a conivência urbana e impessoal, produzindo enclausuramento das classes média e alta em seus condomínios fechados e shoppings centers, o abandono das ruas, privatizando as por meio de vigilância ostensiva”18. 31


A região central gera repulsa de parte da população por medo das ocorrências de violência, que ocorrem devido à sua falta de residências, que torna o local ermo e escuro fora de horários comerciais. Além disso, este esvaziamento da região por conta do medo de frequentá-la tem seu fundamento, em partes, em um senso comum baseado na “fala do crime”. Tal discussão foi resgatada recentemente, quando inaugurado o SESC 24 de maio. Em entrevista sobre este projeto, o arquiteto Paulo Mendes da Rocha invoca as pessoas: “Venham para o centro!” e “Quem tem medo do centro, tem medo da liberdade”19. Segundo Raquel Rolnik: “A expansão dos condomínios fechados, shopping centers e hipermercados dialoga com o uso do carro e reforça a dependência em relação a este”20. Ela explica que esses enclaves localizam-se em antigas áreas industriais e ferroviárias, além de terem ocupado as margens das grandes avenidas e marginais. São acessíveis principalmente através do uso automóveis, e, portanto, apresentam grandes áreas de estacionamento que provocam o esvaziamento dos espaços públicos, reduzindo-os a um suporte de circulação motorizada. Em contrapartida, ao contrário do que ocorre nos encaves, em que os espaços públicos são locais de passagem de automóveis, no centro existem espaços de permanência e de passeio no ritmo do pedestre. Com a saída das classes médias das ruas, os espaços públicos vêm sendo abandonados. A preocupação com a qualidade dos espaços (mesmo que questionável) ainda está atrelada à presença de classes mais altas, portanto soluções para esta questão pedem que os projetos ou espaços urbanos tenham diversidade social. Nem os conjuntos residenciais, hipermercados e shopping centers, destinados a pessoas 32

[14]

19. ROCHA, Paulo Mendes da. Paulo Mendes da Rocha: Quem tem medo do centro tem medo da liberdade. Entrevista por Denize Bacoccina, A Vida no Centro, 2017. Disponível em: <http:// avidanocentro.com.br/gente_no_centro/paulomendes-da-rocha-quem-tem-medo-do-centrotem-medo-da-liberdade/>. Acessado em: 20 de ago 2017. 20. ROLNIK, Raquel. Guerra dos Lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São paulo: Boitempo, 2015. 21. ROLNIK, Raquel. Guerra dos Lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São paulo: Boitempo, 2015, p. 374. 22. ROLNIK, Raquel. Guerra dos Lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São paulo: Boitempo, 2015, p. 376.


de média e alta renda, nem mesmo os grandes conjuntos habitacionais destinados a pessoas de baixa renda, longe dos centros urbanos, que algumas vezes até se tornam guetos, são alternativas saudáveis ao espaço público, coletivo. Tal fenômeno está gerando um distanciamento da vida em comum. Talvez o individualismo seja uma das “doenças” sociais de alcance global mais nocivas às cidades.

[15]

No entanto, “o paradoxo da globalização econômica neoliberal é justamente enfraquecer e ativar as forças sociais de resistência simultaneamente”21.É no espaço público onde se desenrolam as “batalhas” e se tem voz para fazer reivindicações e se produzir “contra espaços”, que enfrentam os espaços produzidos para o capital. Além disso, através da ocupação de ruas, praças e edifícios tem-se fortalecido intervenções de coletivos culturais e de movimentos semteto, formulando alianças e estratégias de atuação. Raquel Rolnik aponta que este é o resultado de um duplo movimento: “do lado da arte, desde meados dos anos 1990 e em várias partes do mundo, temos a imersão crescente de coletivos artísticos em problemáticas situacionais, trabalhando a partir da cidade e nela intervindo através de representações e situações performáticas. Já do ponto de vista dos movimentos sociais, temos a contestação das formas tradicionais de representação política, como parlamentos, partidos e sindicatos, e a proliferação de grupos autonomistas e anarquistas e de novas formas de auto representação”22.

[14] Empreendimento em Guarulhos, SP. Exemplo de produção do segmento econômico que contribui para o desprezo da arquitetura com a rua como espaço público urbano.

Com a luta pela construção dos “contraespaços”, na “guerra dos lugares”, o conceito de direito à cidade está vivo e nas ruas.

[15] Performance com temática na PEC de gastos (PEC 55). 2017.

33


34


PARTE II O papel do Estado na produção habitacional do Brasil 2.1 2.2 2.3

A inserção periférica do Brasil no mundo Breve Histórico da habitação social no Brasil Novos caminhos para a política habitacional do país 35



2.1 A inserção periférica do Brasil no mundo Para analisar as transformações da habitação social brasileira é preciso levar em conta a lógica imperialista da economia política internacional que se impõe ao Brasil. Sua decorrente condição de país periférico acaba por reproduzir políticas externas ou responder à conjuntura internacional na formulação da política e cultura do país. Segundo Caio Prado Jr, a história do Brasil é marcada pelo “sentido da colonização”23. Desde o período colonial nossa economia foi organizada de forma a favorecer interesses externos, seja de Portugal como metrópole imperial, ou de potências estrangeiras, após a Independência, como a Inglaterra na época do Império, ou os EUA, que estabeleceram indiscutível hegemonia sobre os países latino-americanos no século XX. Esse sentido de inserção periférica do Brasil no mundo se expressa também nas políticas habitacionais. No período entreguerras, em alguns países, a provisão pública de habitação passa a ganhar lugar, mas ainda de forma tímida. Já do final da Segunda Guerra Mundial até os anos 70, essa tendência passa a ser recorrente e define a política social e econômica de Welfare State. Neste momento a política de habitação ganhou destaque em um pacto redistributivo entre capital e trabalho que sustentou três décadas de crescimento.

23. PRADO Jr, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 19-32

Já no Brasil, a Ditadura Militar, com apoio dos EUA, interessados em bloquear governos progressistas da América Latina, criou o Banco Nacional de Habitação, e teve forte apoio das elites conservadoras do país. O BNH é alvo de críticas de arquitetos e urbanistas, pois suas unidades se encontram em glebas distantes dos trechos de cidade dotados de infraestrutura urbana, apresentam padronizações 37


tipológicas, formais e volumétricas e boa parte dos conjuntos habitacionais são deficientes em espaços de convivência. Estas características revelam que pouco consideram as necessidades sociais, atendendo apenas aos interesses financeiros do mercado imobiliário, em um momento de ascensão política desse segmento. Além disso, o BNH atendeu principalmente a classe média e não setores de mais baixa renda. Em seguida, se agrava uma conjuntura de recessão econômicofinanceira de ordem global, a partir de meados da década de 1970, quando os governos limitam seu papel de provedores de habitação para “facilitadores”, além de darem significativo suporte à expansão dos mercados privados24. Essa política continua ganhando força até o momento presente e gerando discussões e divisões sobre o assunto. A promoção de habitação social pelo Estado brasileiro foi substituída, ao longo dos anos 80, por uma política de estímulo à compra da casa própria como uma alternativa de acesso à habitação, através dos créditos subprime (créditos de risco, sem garantias de retorno): “A presença desses créditos e a desregulação do mercado de aluguéis também podem ser consideradas medidas de destruição das opções existentes de acesso à moradia implementadas para estimular a compra da casa própria como única via de acesso à habitação”25.

Com a propagação da ideologia da casa própria e da socialização do crédito, consumidores de média e baixa renda passam a ser incluídos nos circuitos financeiros e abre-se uma nova fronteira para acumulação de capital. Estas são tendências atuais em âmbito internacional e que influenciam fortemente o Brasil, inclusive estes modelos influenciaram governos mais progressistas da América do Sul. Ou seja, os 38

24. ROLNIK, Raquel. Guerra dos Lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São paulo: Boitempo, 2015 25 | 26. ROLNIK, Raquel. Guerra dos Lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São paulo: Boitempo, 2015 26.ROLNIK, Raquel. Guerra dos Lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São paulo: Boitempo, 2015. 27. BONDUKI, Nabil. Os pioneiros da habitação social no Brasil: Cem anos de política pública no Brasil. Moderno, volume 1. São Paulo: Editora Unesp: Edições Sesc São Paulo, 2014. 28. MARICATO, Erminia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.


investidores, através dos altos fluxos de capital – ações, títulos da dívida pública, títulos privados, aplicações bancárias e outros – passam a buscar novos campos de aplicação como commodities, financiamentos estudantis e planos de saúde, além de habitação social, que se torna um ativo financeiro rentável26. Nesse contexto é instituído o Programa Minha Casa Minha Vida, em 2009, com a participação de entidades empresariais, como uma ação emergencial anticíclica de apoio ao setor privado, visando evitar o agravamento da recessão de 2008 e o aumento do desemprego,27 evidenciando mais uma vez o reflexo externo na política habitacional. Apesar de ser utilizada como política anticíclica contra o desemprego, a própria gestão do Partido dos Trabalhadores acabou por adotar uma política econômica neoliberal ao entregar o controle dos projetos e da escolha dos terrenos para o setor privado. Tal política econômica acaba por interferir na produção habitacional do país que passa a apresentar problemas no âmbito da arquitetura e do urbanismo, da noção de cidade e de “lugar”, com o Programa Minha Casa Minha Vida. Este acaba adotando uma prática semelhante ao BNH durante regime militar, apesar da importante diferença de que o PMCMV atendeu principalmente setores sociais de baixa renda, e não apenas a classe média como o BNH. A urbanista Ermínia Maricato28, em “Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana.”, destaca que a habitação é uma mercadoria especial, porque está vinculada à macroeconomia, já que é atrelada à regulamentação fundiária e subsídios ao financiamento, pois envolve demanda de terra urbanizada, financiamento de sua produção e venda. 39


Neste sentido, pensar em promover e melhorar a condição de moradia envolve compreender que existe participação de uma série de agentes, de interesses e de valores enraizados na sociedade. A moradia está atrelada à questão fundiária, que assegura o direito de propriedade; à lógica de especulação imobiliária; ao planejamento urbano; às falhas da aplicação da legislação, à disputa dos mais diversos interesses políticos, de mercado, sociais, etc. Esse contexto apresenta a complexidade da questão e a necessidade de se pensar soluções para que ela cumpra sua função social e seja tratada como um direito. Para se apresentar soluções frente ao déficit de habitação à maior parte da população é importante haver uma visão holística de toda produção habitacional no país, compreendendo todas as formas pela qual a habitação é produzida e apropriada, seja pelo mercado formal privado, seja pelo poder público, ou ainda pelo mercado informal, através da autoconstrução29. Quando os programas estiverem restritos às escalas municipal e estadual será mais difícil escapar dos limites dos modelos e experiências piloto para atingir uma escala ampla. Tais governos, porém, devem implementar a iniciativa para tornar menos dramática a condição de habitação nas cidades brasileiras. “A questão da moradia social em áreas centrais urbanas tem solução satisfatória apenas nos marcos de uma política habitacional nacional que inclua a regulamentação do mercado e os programas subvencionados destinados àqueles que não têm acesso ao mercado privado”30.

Deste modo, para pensar alternativas de políticas habitacionais para o Brasil, é preciso compreender sua evolução histórica.

40

29. MARICATO, Erminia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. 30. MARICATO, Erminia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p128. 31. BONDUKI, Nabil. Os pioneiros da habitação social no Brasil: Cem anos de política pública no Brasil. Moderno, volume 1. São Paulo: Editora Unesp: Edições Sesc São Paulo, 2014.


2.2 Breve histórico da produção habitacional no Brasil Para que se possa pensar e eleger alternativas para a questão habitacional é importante observar a história da política habitacional no Brasil. Ela é capaz de nos ensinar, nos mostra falhas, acertos e contradições, além de nos indicar possibilidades. Por conta disto é necessário dar um panorama geral das fases da produção habitacional do país, neste trabalho que tem como papel investigar soluções. Forma-se uma politica habitacional de maior escala, quando passa a ser considerada um problema público, na primeira fase de sua produção, de 1889 a 1930, marcada pela atuação dos rentistas. Esse período coincide com o período da abolição da escravatura e da República Velha no Brasil,, quando ocorre o primeiro surto de crescimento urbano. Assim, surgem alternativas a abrigar a classe trabalhadora, como várias modalidades de alojamentos coletivos e as vilas operárias, empreendidas por investidores para locação ou por empresas para abrigar seus empregados31. Ainda com o predomínio da uma concepção liberal e da condição do país de economia agrário-exportadora, o investimento privado passa a ser favorecido. Tal negócio era vantajoso para a produção rentista, pois havia forte demanda por moradia; proporcionava alta rentabilidade e baixo risco, devido à desregulação do valor dos aluguéis; além de se beneficiarem com a valorização imobiliária. Desta forma, a vila operária, modalidade de maior interesse arquitetônico e urbanístico da época, apesar de funcionar através do mecanismo de locação social, foge ao discurso e na prática não alcança as classes mais baixas, que acabaram por instalar-se nos 41


cortiços, ou casas de cômodos, considerando que não havia controle sobre os valores dos aluguéis. Além disso, a produção de moradia do governo federal foi praticamente nula, destacando-se apenas uma experiência, com a implantação do Bairro Operário Marechal Hermes da Fonseca (1912), quando o presidente enfrenta a oposição do Congresso Nacional, mas consegue força política para promovê-la. Por outro lado, independente de seu público alvo, trata-se de uma produção seriada, atingindo maior escala de produção de moradias. Boa parte das vilas operárias visavam a proximidade das fontes de energia, afastando sua implantação das áreas dotadas de infraestrutura urbana e sendo necessário construir conjuntamente novos trechos de cidade. Neste período de urbanização ocorre simultaneamente um processo de industrialização, compondo pequenos núcleos urbanos próximos das grandes fábricas, concentrando a força de trabalho com moradia, serviços e equipamentos. Outras Vilas como a Maria Zélia, em São Paulo, foram construídas por apresentarem um mercado de trabalho significativo nas proximidades, como, por exemplo, a presença de mulheres e crianças como mão de obra destinadas a trabalhar para as indústrias têxteis. Algumas também se justificavam pela necessidade de manter o trabalhador sempre por perto para poder convocá-lo quando necessário, além de mantê-lo sob controle.

[16]

“Os patrões procuravam garantir as regras da moral burguesa, contando com equipamentos coletivos – escolas, igrejas, enfermarias, clubes, pequenos comércios – administrados pelo dono da empresa, visando moldar o trabalhador”32.

Tal tendência, em alguma medida, ocorre até os dias de hoje, por exemplo, no próprio PMCMV, que apresenta disposições que 42

32. BONDUKI, Nabil. Os pioneiros da habitação social no Brasil: Cem anos de política pública no Brasil. Moderno, volume 1. São Paulo: Editora Unesp: Edições Sesc São Paulo, 2014.


[17]

[16] Vila de Pedra, construída junto à uma fábrica de tecidos em Alagoas. [17] Cia Economizadora Paulista. Produziu diversas vilas sem equipamento coletivo como era comum neste período. Obteve grande rentabilidade, através da valorização imobiliária, por urbanizar áreas vazias bem localizadas.

consideram os valores da classe burguesa e a família tradicional brasileira como parâmetro. Por outro lado, apesar da Vila Operária constituir-se em um espaço de certo confinamento do trabalhador – em uma bolha longe de contaminações ideológicas e morais de outros lugares – a experiência de proporcionar encontros nestes equipamentos coletivos e favorecer a vida social mostra um aspecto relevante, além da noção de proximidade de moradia e emprego. Já alguns conjuntos habitacionais mais recentes, como BNH e PMCMV, foram instalados em locais onde ainda existe a falta desses equipamentos básicos, implantados em periferias distantes dos centros urbanos e destinados a uma classe social específica: média e baixa, respectivamente. Tal período apresenta também outra modalidade de habitação: as vilas particulares, habitação de mercado como produção rentista, promovidos por pequenos investidores, grandes empresas construtoras e sociedades mutuárias. Visando o maior rendimento possível do investimento, estes empreendimentos buscavam terras mais baratas em miolos de quadras, racionalização e otimização dos projetos e economia de materiais, tendências semelhantes aos ideais modernos, porém apresentando a ideia de rentabilidade de forma mais agressiva. Tais delimitações determinaram uma arquitetura característica desse modelo: sobrados geminados, planos contínuos de telhados, áreas livres mínimas e ausência de recuos. Tem como vantagem a inovação na diversidade arquitetônica. As companhias mutuárias e sociedades imobiliárias controlavam as poupanças de cidadãos para aposentadoria, e passaram a deter grande volume de recursos, aplicados na construção de casas de aluguel. Uma delas era a Companhia Economizadora Paulista, que também 43


[19]

[18]

[20]

44


[21]

[22]

Vila maria Zélia, alojava os operários da Companhia Nacional de Tecidos de Juta. Projeto de Paul Pedraurrieux, em Santana. [18] Inauguração da Vila Maria Zélia, em 1917. [19] Sala de aula [20] armazém onde os operários se abasteciam os produtos ncessários para o dia a dia sem precisar sair da cidadela. [21] Jardim de infância [22] Cia Nacional de Tecidos da Juta, onde trabalhavam 2500 funcionários moradores, na filial do Belenzinho da tecelagem [23] Escola dos meninos. 1917.

[23]

45


apresentava a ideia de racionalização e maior obtenção de rendimentos, como explica Nabil Bonduki: “A aplicação dos fundos das sociedades mutuárias na produção de moradias de aluguel mostra a segurança e rentabilidade garantidas por esse negócio e ajuda a entender porque as caixas de Aposentadoria e Pensões dos Trabalhadores em empresas de serviços públicos, como os ferroviários, que surgiram a partir de 1923 e os Institutos de Aposentadoria e Pensões, instituídos na década de 1930, criaram carteiras prediais e resolveram aplicar os seus fundos previdenciários na construção de conjuntos residenciais destinados ao aluguel”33.

Já o cortiço era a opção acessível à população das mais baixas camadas sociais, ainda que fosse um alojamento de condição abaixo do nível mínimo recomendado pela legislação sanitária desta época. Embora condenado, proibido e, muitas vezes, ameaçado de demolição, era uma alternativa muito utilizada, não apenas por ser a única alternativa para o trabalhador de mais baixa renda, mas porque proporcionava vantagens aos locatários: o investimento para edificar um cortiço era muito menor por metro quadrado; não era necessário cuidado com sua localização, situado até em áreas alagadiças; a construção era com material de pior qualidade; e a ausência de instalações sanitárias reduzia bastante os custos. O poder público passa então a construir vilas operárias em diversas regiões do país tendo em vista a aceitação dos grupo de visão higienista, interessados em difundir um ideal de moradia salubre, e dos empreendedores, que viam vantagem em aumentar seus rendimentos, além do próprio Estado ser bem visto frente à população com tal iniciativa. O estado-liberal oligárquico passa a tratar a questão sanitária das habitações com a disseminação da cólera e da febre amarela, de um 46

33. BONDUKI, Nabil. Os pioneiros da habitação social no Brasil: Cem anos de política pública no Brasil. Moderno, volume 1. São Paulo: Editora Unesp: Edições Sesc São Paulo, 2014, p.27.


[24]

[24 e 25] Vila Matarazzo, em São Paulo, bairro do Brás. Construído nas primeiras décadas do século XX.

[25]

47


ponto de vista repressivo e ditado pela ordem sanitária. O autoritarismo patronal procurava sanear os males da cidade, através da eliminação de seus sintomas na vigia aos moradores por meio de visitas domiciliares, com a legislação de combate aos cortiços, promovendo vistorias de “desinfecções” arbitrárias e interdições de prédios. A partir da Revolução de 1930 até a ocorrência do Golpe Militar de 1964, ocorre uma profunda transformação do Estado brasileiro, que visa impulsionar a formação e o fortalecimento de uma sociedade de cunho urbano-industrial e capitalista, mediante uma forte intervenção estatal em todos os âmbitos da atividade econômica34. O Estado na Era Vargas, ao promover habitação social, visa reduzir o custo da reprodução da força de trabalho, afinal, em termos gerais, o trabalhador passa a ter moradia garantida. Isto reduz os gastos cobertos por seu salário e beneficia o dono da fábrica, mas aumenta o poder de consumo do trabalhador e melhora sua qualidade de vida. Além disso, o governo visa desestimular o investimento em casas de aluguel de modo a concentrar a aplicação de capitais nos setores considerados estratégicos como a indústria35. Tais iniciativas estão atreladas ao projeto nacional desenvolvimentista, com o intuito de favorecer o capital produtivo e o trabalhador, portanto impulsionar a indústria e gerar emprego. Neste contexto, este projeto nacional desestimula o rentismo, enquanto na conjuntura atual neoliberal tratase de direcionar os rendimentos ao benefício do trabalhador e não do capital financeiro. Além disso, o Estado teve papel transformador para a compreensão dos direitos do cidadão, tanto em relação às leis trabalhistas quanto 48

34. BONDUKI, Nabil. Os pioneiros da habitação social no Brasil: Cem anos de política pública no Brasil. Moderno, volume 1. São Paulo: Editora Unesp: Edições Sesc São Paulo, 2014, p. 35. BONDUKI, Nabil. Os pioneiros da habitação social no Brasil: Cem anos de política pública no Brasil. Moderno, volume 1. São Paulo: Editora Unesp: Edições Sesc São Paulo, 2014.


[27]

[26]

[26] Cortiço localizado no bairro do Bexiga. Varanda coletiva utilizada para secagem de roupas [27]. Vista dos fundos do Vaticano. Casarão tranformado em casa de cômodos. [28]. Complexo de cortiços Pombal. Vista de frente e do fundo. [28]

49


com relação à própria moradia como necessária e de responsabilidade do poder público. O governo age regulamentando as relações entre locadores e inquilinos, passando a produzir a moradia do trabalhador, através de autarquias estatais, e de segurança jurídica aos adquirentes de lotes para estimular a difusão da casa própria36. Um marco histórico para a configuração das cidades e da segregação socioespacial foi o Decreto da Lei do Inquilinato (1942), que congela o valor dos aluguéis e proíbe os despejos. Essa medida, na prática, não beneficia a vida do trabalhador, pelo contrário. Ermínia Maricato quando aborda a questão da moradia de aluguel, associa o fato dela também ter declinado no século XXI a aspectos macroeconômicos e de legislação específica, e fundamenta referenciando historicamente que “o congelamento dos aluguéis definido em lei federal na década de 1930 desestimulou o investimento privado no setor. A autoconstrução em loteamentos ilegais nas periferias urbanas e os domicílios em favela tornaram-se prioridade para a habitação dos trabalhadores e da população pobre de um modo geral, durante o período de industrialização, a partir de 1930”37. Embora a população urbana tenha crescido de 8 milhões em 1930 para 32 milhões em 196038, é possível considerar que relativamente à fase anterior da produção rentista, que praticamente nada produziu, a promoção habitacional foi significativa, construindo 175 mil unidades de 1930 a 1964. Nesta segunda fase, ainda nos governos de Vargas, destaca-se a produção dos Institutos de Aposentadoria (IAPs) e da Fundação da Casa Popular (FCP). O primeiro representou a estatização da 50

[29]

36. BONDUKI, Nabil. Os pioneiros da habitação social no Brasil: Cem anos de política pública no Brasil. Moderno, volume 1. São Paulo: Editora Unesp: Edições Sesc São Paulo, 2014. 37. MARICATO, Erminia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. 38. BONDUKI, Nabil. Os pioneiros da habitação social no Brasil: Cem anos de política pública no Brasil. Moderno, volume 1. São Paulo: Editora Unesp: Edições Sesc São Paulo, 2014. 39. BONDUKI, Nabil. Os pioneiros da habitação social no Brasil: Cem anos de política pública no Brasil. Moderno, volume 1. São Paulo: Editora Unesp: Edições Sesc São Paulo, 2014.


previdência social, e em seus espaços se concentrava a concepção de proteção integral do trabalhador, pois além de moradia, tinham garantido assistência social com atendimento de saúde, educação, lazer e recreação, o que mostra um sentido relativamente abrangente de habitar, não restrito a apenas um teto para se morar. Por outro lado, ainda baseava-se na lógica rentista, pois priorizava antes a rentabilidade em relação ao atendimento habitacional, pois os institutos utilizavamse da inversão imobiliária para obter elevado retorno financeiro acima da taxa mínima atuarial prefixada, que conseguia corrigir os efeitos negativos da desvalorização da moeda neste período. Mas, expondo sua ambiguidade, a inversão imobiliária era considerada uma atividade segura de capitalização e a locação dos imóveis garantia também bom retorno aos fundos, de modo que se mantinha a ação de revertê-los aos próprios trabalhadores através de moradias. [30]

[29] Inauguração de conjunto habitacional do IAPI, com a presença de Dutra. [30] A imagem representa a falta de moradias de aluguel, o incentivo pela compra da casa própria e a forte valorização imobiliaria da Era Vargas.

Com relação à FCP, seu anteprojeto era bastante ambicioso, pretendia atuar de maneira abrangente, envolvendo desenvolvimento urbano social e econômico. A FCP tinha como objetivo promover um atendimento universal, incorporando trabalhadores informais e da zona rural. “Além da construção de casas populares, previa-se financiar obras de infraestrutura urbana; atuar no serviço social; abrir linhas de financiamento para as indústrias de materiais de construção; e apoiar pesquisas de processos construtivos e estudos sobre as tendências regionais das moradias, incluindo arquitetura, hábitos, clima, materiais e mão de obra”39. No entanto, a oposição ao programa da FCP foi enorme considerando a grande disputa em torno dos recursos previdenciários, instrumento fundamental do padrão de financiamento da economia brasileira neste período. Com isso, seu orçamento era 51


estreito e obteve soluções arquitetônicas e urbanísticas tradicionais, pobres e desprovidas de urbanidade. Portanto, é importante que se compreenda as disputas políticas que envolvem a questão habitacional, e que, decorrente delas, bons projetos que visam enfrentar o problema do déficit habitacional não conseguem sair do papel e se alteram na prática por problemas de governabilidade e da lógica do sistema capitalista. Nesse período, já passam a ser introduzidas soluções modernas e funcionais e processos industrializados para os projetos arquitetônicos. Mas no período seguinte, a partir de 1964, a tendência ao pragmatismo acaba sendo levada a um extremo, e críticos ao programa habitacional BNH condenam a replicação de arquitetura como “carimbo”. Os conjuntos habitacionais são implantados em regiões distantes de infraestrutura urbana, onde terra era mais barata, desconsiderando diferenças de regionalidades, culturais, diversidade arquitetônica tipológica, volumétrica, formal, e as possibilidades e potencialidades urbanas de cada trecho do tecido da cidade. No período ditatorial que se inicia com o Golpe de 1964, o governo militar desconsidera o grande avanço conceitual que se tinha chegado na fase anterior de produção habitacional, com as discussões da Reforma Urbana que foram retomadas apenas no fim do século XX. Promove moradia à população apenas com intenção de conter possíveis revoltas e o avanço do comunismo. O governo de João Goulart (1961-1964), interrompido pelo golpe, tomou medidas sobre a pauta da moradia como o tabelamento dos aluguéis, mas não chega a permanecer, pois gerou forte reação dos conservadores. Interessava para tais setores o ideal da casa própria, da família tradicional, do 52


[31]

[31] A imagem mostra a grande quantidade de terrenos adquiridos a baixo custo pela Cohab-SP, na Zona Leste de São Paulo . [32] Obra de impacto ambiental, com grande movimentação de terras promovida pela CohabSP, na Cidade Tiradentes, Zona leste de São Paulo.

[32]

53


patriarcado, e o individualismo que garantem, no caso da moradia, a crença na necessidade de possuir tal bem material, mesmo que seja preciso endividar-se e passar anos acumulando boa parte de seu salário para constituir uma poupança. O Banco Nacional de Habitação, que surgiu como ideia desde o segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954), caracteriza a estruturação de uma política nacional de habitação e acaba por ter resultados quantitativos efetivos, criando uma política de habitação em massa. Financiado pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH), em 22 anos produziram cerca de 4,3 milhões de unidades. Por esta razão, tal política poderia ter sido bastante transformadora das condições socioespaciais das cidades, no entanto resultou em criar novas problemáticas arquitetônicas e urbanísticas como foi dito anteriormente. É nesta terceira fase da produção habitacional, com forte apoio norte americano e das elites do país, que os bancos e grandes empresas ganham espaço no cenário político e acabam por interferir na provisão pública da casa própria. As unidades habitacionais passam a ser financiadas por aqueles que têm maiores condições econômicas e dariam importante apoio ao governo, a classe média. Segundo o arquiteto e urbanista Nabil Bonduki, foram marcos do período que estruturaram a construção civil: o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que eliminou a estabilidade do emprego, facilitando a rotatividade da mão de obra; e o estímulo da poupança popular, que tornou possível investir em projetos de desenvolvimento nacional que promoveram o conhecido “ milagre brasileiro”. Independente do caráter antidemocrático da gestão dos militares, nesta fase, são promovidos certos avanços que poderiam ter alcançado bons resultados. São 54

[33]


eles: o apoio a programas que visavam reabilitar áreas de urbanização precária; ações com relação a política fundiária com a formação de bancos de terras públicas para implantação de conjuntos habitacionais em áreas de expansão; além de, em âmbito municipal serem criadas novas leis urbanísticas que limitam o direito de propriedade como leis de uso, parcelamento e ocupação do solo (que na prática, baseando-se em padrões ideais, acabam por estimular a expansão de assentamentos informais).

[34]

[33] Conjunto Residencial do Realengo, projetado pelo arquiteto Frederico Ferreira. Empreendimento do IAPI localizado no Estado do Rio de Janeiro. [34] O período de redemocratização retornou uma série de pautas das lutas sociais e no Brasil desejavam as Reformas de Base, anunciadas por Jango. A reação das oligarquias e da classe média, apoiada pelos militares, instaurou a ditadura militar.

Inicia então o que é possível classificar como quarta fase da produção habitacional do Brasil, entre os anos de 1986 e 2002, período o qual não conta com um projeto de âmbito nacional para a questão, mas que está longe de representar duas décadas perdidas, já que é quando ocorre o processo de redemocratização do país e fomentam o debate de questões sociais, urbanas e políticas. Trata-se de um período de contradições, em que o país está em crise econômica, mas no qual é gerado um modelo baseado na participação e controle social capaz de interferir na formulação de políticas públicas. Neste momento se constitui o Movimento Nacional pela Reforma Urbana, que retoma esta pauta deixada de lado, para formular uma plataforma unitária referente ao direito à cidade e à habitação. Com a Constituição de 1988, a moradia passa a ser um direito do cidadão e torna-se uma atribuição dos três níveis de governo. Acentuase uma tendência a descentralização dos programas habitacionais. Organizações nacionais, movimentos sociais urbanos e entidades profissionais articulam-se na elaboração de uma emenda que recebeu 130 mil assinaturas, protocolada no Congresso Nacional Constituinte em 1987. Tal emenda apresenta questões urbanas importantes às quais 55


ainda hoje devemos retornar, pois tal legislação não foi suficiente para que funcionasse na prática. Bonduki apresenta as propostas: “Entre as principais propostas destacavam-se: a subordinação da propriedade à função social; a separação do direito de construir do direito de propriedade, com a criação do solo criado; desapropriação de imóveis ociosos pelo valor histórico, com pagamento de títulos da dívida pública em vinte anos; tributação progressiva no tempo para terrenos ociosos e subutilizados, com parcelamento e edificação compulsórios e desapropriação por interesse social; usucapião especial urbano ou usucapião coletivo após três anos de ocupação em terrenos de até 300 m²”40. [35]

Com o aumento dos poderes municipais, e com o uso de recursos do município, São Paulo na década de 1990 teve liberdade para investir em propostas inovadoras em diversos tipos de intervenções. Este período foi marcado pela produção de moradias por autogestão e mutirão, além de assistências técnicas e jurídicas gratuitas, soluções ainda longe de serem ideais para a vida dos trabalhadores, mas que são alternativas que levam em consideração o funcionamento da cidade real, e demonstra que quem mais produz habitação social no país é a própria população que necessita dela. O Programa de habitação por mutirão, além de impulsionar grande mobilização social, viabilizou a produção de moradias de boa qualidade a custos reduzidos, e utilizavam-se técnicas avançadas e racionalizadas, como usinas de pré-fabricação de componentes no canteiro de obras e a implementação de diversos equipamentos sociais. Essas práticas foram essenciais para somar à noção de habitar, o convívio social e a compactação dos locais mais frequentados no cotidiano, próximos da moradia. Outras medidas como os projetos de urbanização e regularização fundiária de favelas e loteamentos clandestinos também foram bastante 56

40. BONDUKI, Nabil. Os pioneiros da habitação social no Brasil: Cem anos de política pública no Brasil. Moderno, volume 1. São Paulo: Editora Unesp: Edições Sesc São Paulo, 2014.


[36]

[37]

[35] Pré-fabricação de construção de multirão. Em São Matheus, Zona Leste. [36] Multirão em São Matheus, Zona leste. [37] Favela Nossa Senhora Aparecida, emem obra, na Ermelino Matarazzo, Zona Leste.1992. Obras de urbanização de favelas foram realizadas durante a gestão de Luiza Erundina, em São Paulo.

57


[38]

[40]

[39]

58


Multirão União da Juta, localizado na zona leste de São Paulo. Grupo de famílias que juntamente com a assessoria técnica USINA CTAH constrói conjunto habitacional com 160 unidades e um centro comunitário. A gleba e o financiamento foram providenciadas pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do governodo estado de São Paulo (CDHU). O processo teve inicio em 1992 no governo Erundina, com a troca de gestão o processo foi conturbado até ser inaugurado em 1998.

[41]

[38 e 39] Imagens do Multirão União da Juta em construção. [40] Multirão União da Juta finalizado. [41] Implantação apresenta um desenho limpo, projeto facilitado para execução, mas com jogo geométrico diversificado e dinâmico. [42] Uma das tipologias do projeto.

[42]

59


inovadoras no período, como por exemplo no governo de Luiza Erundina. Tais projetos incluíam a “cidade informal” ao plano estratégico de desenvolvimento social. Além disso, os projetos de reurbanização de favelas foram importantes para alterar a política de remoções praticada no regime militar, tendo por objetivo melhorar as condições do lugar, mantendo a noção de identidade das comunidades. Neste período, a prefeitura de São Paulo, assim como outros governos municipais, desapropriaram glebas e lotes vazios, muitos deles, na região central, para implantar projetos de habitação social. Este instrumento urbano teve grande importância, pois representou uma política de reforma urbana implementada na prática. Tinha objetivo de reduzir o custo da infraestrutura, aproximar a moradia do local de trabalho, dar melhor aproveitamento às redes de serviços, equipamentos urbanos, e transporte coletivo, evitando o surgimento de bairros dormitórios, como os projetos produzidos pelo BNH41. O governo federal, como dito, não promoveu políticas habitacionais de impacto, mas implantou o projeto Pró-Moradia, e outros semelhantes, que se utilizava de modalidades de acesso ao crédito, como o financiamento de imóveis usados, sem promover novas unidades. Essa forma de promover habitação, de concepção neoliberal, acabou por reduzir o espaço de intervenção dos agentes públicos na execução das políticas de habitação, sobretudo no que se refere à urbanização de áreas precárias, ação que somente pode ser realizada maciçamente pelo setor público42. Essa característica acaba por ocorrer de forma semelhante no período seguinte, a partir de 2003, mesmo considerando que foi marcado por políticas sociais e transformações importantes.

60

41. BONDUKI, Nabil. Os pioneiros da habitação social no Brasil: Cem anos de política pública no Brasil. Moderno, volume 1. São Paulo: Editora Unesp: Edições Sesc São Paulo, 2014, p 91. Imagens p. 99. 42. BONDUKI, Nabil. Os pioneiros da habitação social no Brasil: Cem anos de política pública no Brasil. Moderno, volume 1. São Paulo: Editora Unesp: Edições Sesc São Paulo, 2014, p.104 43. AMORE, Caio; SHIMBO, Lúcia; RUFINO, Maria Beatriz. Minha casa... E a cidade? Avaliação do programa Minha Casa, Minha Vida em seis estados brasileiros. Observatório das Metrópoles. 1. Ed. – Rio de Janeiro, Letra Capital, 2015, p. 15.


A partir do início do século XXI, a pauta da habitação de interesse social amplia seu lugar no âmbito dos discursos, de algumas práticas e, principalmente, da legislação. Alguns exemplos marcos desse momento são a inclusão do direito à moradia na Constituição (2000); a aprovação do Estatuto da Cidade (2001); a criação do Ministério das Cidades, (2003); e o Plano Nacional de Habitação (2008). A principal política habitacional do período foi a criação do Programa Minha Casa Minha Vida. O PMCMV é um programa habitacional de alcance federal e que surgiu no ano de 2009, durante o segundo governo Lula. É destinado à população de baixa renda, e organizado em 3 categorias (até 3 salários mínimos; de 3 a 6 sm e 6 a 10 sm). O programa teve um processo complexo de formulação, prometia grandes transformações arquitetônicas, urbanísticas e sociais, mas acabou sendo alterado para ser implementado rapidamente na intenção de enfrentar, enquanto política anticíclica, a crise financeira internacional vinda dos EUA para o Brasil. Essa resposta visava estimular a economia, a construção civil e promover empregos: “O Minha Casa Minha Vida é na origem um programa econômico. Foi concebido pelos Ministérios de primeira linha – Casa Civil e Fazenda – em diálogo com o setor imobiliário e da construção civil, e lançado como medida Provisória (MP 459) em março de 2009, como uma forma declarada de enfrentamento da chamada crise dos subprimes americanos que recentemente tinha provocado a quebra de bancos e impactado a economia financeira mundial”43.

Diante da urgência da implementação de uma política anticíclica de enfrentamento à crise, o controle da formulação e execução do PMCMV foi entregue aos agentes privados do mercado que para realizar a grande empreitada de construção de alguns milhões de casas, “suplantou preocupações com aspectos como a qualidade urbanística 61


[Tabela 3]

[Tabela 4]

62


do entorno dos empreendimentos e a articulação da oferta habitacional com uma política fundiária abrangente”44.

[Tabela 3] BONDUKI, Nabil. Os pioneiros da habitação social no Brasil: Cem anos de política pública no Brasil. Moderno, volume 1. São Paulo: Editora Unesp: Edições Sesc São Paulo, 2014, p.119. [Tabela 4] BONDUKI, Nabil. Os pioneiros da habitação social no Brasil: Cem anos de política pública no Brasil. Moderno, volume 1. São Paulo: Editora Unesp: Edições Sesc São Paulo, 2014, p.122. 44. ROLNIK, Raquel et al. O Programa Minha Casa Minha Vida nas regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas: aspectos socioespaciais e segregação. São Paulo, Cad. Metrop., vol. 17, n. 33, maio de 2015, p. 131. 45. ROLNIK, Raquel et al. O Programa Minha Casa Minha Vida nas regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas: aspectos socioespaciais e segregação. São Paulo, Cad. Metrop., vol. 17, n. 33, maio de 2015, p. 132-133.

No mesmo sentido, as definições da inserção territorial das moradias populares produzidas pelo programa se deram pelo interesse das empresas em utilizar seu estoque ocioso de terras. Os terrenos de propriedade do setor imobiliário são invariavelmente periféricos, devido aos baixos preços procurados para que a especulação de investimentos futuros seja altamente rentável, devendo cumprir apenas exigências mínimas de infraestrutura. Sendo assim, o Programa Minha Casa Minha Vida, apesar de realmente consistir em importante avanço no sentido de diminuir o déficit habitacional, reproduz a estruturação desigual histórica da moradia, perpetuando a segregação social pelo território: “A escolha dos terrenos pelas empresas, fator determinante para a taxa de retorno do empreendimento, segue uma equação complicada, sendo condicionada por variáveis com o custo do metro quadrado e as exigências estabelecidas na legislação quanto ao acesso a redes de infraestrutura, equipamentos e serviços. Devem ser periféricos o bastante para minimizar a porcentagem do investimento gasta com o terreno, mas não distantes a ponto de não atenderem às exigências mínimas para a aprovação de uma operação, ou demandarem custos adicionais com a expansão de redes de infraestrutura básica. (...) o programa reitera processos históricos de segregação socioespacial ao reafirmar a lógica do assentamento da população de baixa renda em conjuntos habitacionais implantados em áreas periféricas, reproduzindo um padrão de apropriação desigual do espaço urbano, ainda que em patamares diferentes”45.

Além do exposto, para que essa política pública fosse ainda mais proveitosa do ponto de vista das construtoras, era preciso que fossem construídas unidades habitacionais que demandassem pouco gasto no processo de produção. Em outras palavras, as construções deveriam ser realizadas em escala e padronizadas para que o programa fosse 63


economicamente viável para o empresariado da construção civil. Referida padronização compreende a utilização do mesmo tipo de material, mesma forma de execução e casas de mesma medida. Neste sentido, vale ressaltar que, apesar de terem sido entregues ao público alvo cerca de 2,6 milhões unidades habitacionais, beneficiando cerca de 10,5 milhões de pessoas46 desde a sua implementação, as casas construídas pelo Programa Minha Casa Minha Vida foram implantadas em áreas periféricas (pelo baixo preço do lote – bancos de terra das construtoras), e apresentam um modelo padronizado que não corresponde à demanda das famílias atendidas. O programa também visou atender as demandas sociais, diferentemente do BNH, e principalmente, as camadas de mais baixas rendas. A meta era produzir 400 mil unidades (40% do total inicial) para famílias de renda até três salários mínimos, o que seria viabilizado com 70% do valor de todo o investimento (16 bilhões de reais). A intenção era, inclusive, priorizar as regiões Nordeste e Sudeste, onde o déficit habitacional é maior47. As arquitetas Denise Morado e Simone Parrela, no artigo “Programa Minha casa Minha vida: a (mesma) política habitacional no Brasil”, explicam que o programa não apresenta um resultado à altura dos conceitos e reflexões acadêmicas a respeito da problemática do déficit habitacional no Brasil, bem como procura atrelar política habitacional com a indústria da construção civil, além de se afastar de questões relevantes em torno do conceito de direito à cidade. Também criticam a forma como o mercado privado, com protagonismo sobre questões fundamentais dos projetos, tratam a causa social de forma excessivamente pragmática e padronizada a partir de valores 64

46. MINHA CASA MINHA VIDA. Brasília, 2016. Disponível em: <http://www.minhacasaminhavida. gov.br/resultados-do-programa.html>. Acesso em: 17 de nov 2016. 47. AMORE, Caio; SHIMBO, Lúcia; RUFINO, Maria Beatriz. Minha casa... E a cidade? Avaliação do programa Minha Casa, Minha Vida em seis estados brasileiros. Observatório das Metrópoles. 1. Ed. – Rio de Janeiro, Letra Capital, 2015. 48. NASCIMENTO, Denise Morado; TOSTES, Simone Parrela. Programa Minha Casa Minha Vida: a (mesma) política habitacional no Brasil. Arquitextos, São Paulo, ano 12, n. 133.03, Vitruvius, jun. 2011. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ arquitextos/12.133/3936>. Acessado em: 4 de out 2017.


conservadores. Este setor promove também menos habitação social a quem mais precisa, deixando a primeira categoria (de renda até 3 sm) comprometida, pois tal população possui baixo valor aquisitivo para adquirir moradia através de métodos financeiros esquematizados pelo mercado. Além disso, algumas predeterminações sobre o tamanho das unidades são embasadas em uma noção que foge, muitas vezes, da realidade da vida das pessoas. Baseiam-se em uma estrutura familiar conservadora e anacrônica, desconsiderando que algumas casas são chefiadas por mulheres sem cônjuge, ou que existem famílias ampliadas, compostas de membros com graus variados de parentesco e ligação: noras, genros, sobrinhos, netos, afilhados. São também projetadas edificações ainda apoiadas numa ideologia individualista da casa própria. As autoras acrescentam que isso é reflexo da lógica modernista da arquitetura europeia no começo do século XX. São falhas das padronizações sobre um conceito genérico de morar, de impactos significativos na vida dos que devem ser beneficiados: “A consideração de cômodos funcionais tais como sala, dormitório, banheiro, cozinha, todos rigidamente separados e definidos de antemão indicam uma consideração das demandas do morar em termos de necessidades universais e genéricas – dormir, cozinhar, descansar, circular – como se estas demandas não fossem culturalmente informadas e singularizadas, passíveis de gerar configurações, arranjos e combinações bastante diversificados”48.

Outra questão de não adequação às diversas condições e estruturas das famílias é o rígido dimensionamento dos espaços, que provoca gastos aos moradores quando são necessárias alterações. Portanto, a padronização do modo de vida, a estrutura familiar conservadora, o “mobiliário mínimo”, a falta de flexibilidade arquitetônica, a 65


[44]

[43]

[45]

66


[46]

[47]

Produção financiada pelo Programa Minha Casa Minha Vida em diferentes regiões do país, que pouco considera as diferentes regionalidades ao projetar diversos conjuntos habitacionais. [43, 44 e 45] Natal; Campinas; Rio de Janeiro. [46, 47 e 48] Conjuntos habitacionais do Programa Minha Casa Minha Vida em Manaus; São Paulo; Porto Alegre.

[48]

67


desconsideração de variação das culturas regionais e da complexidade do morar são críticas de diversas personalidades da área da arquitetura e do urbanismo ao analisarem os projetos do programa habitacional, como de Denise Morado e Simone Parrela, que colocam: “O processo de morar, que deveria pressupor escolhas, participação e tomadas de decisão em diversos níveis e ao longo do tempo, se vê empobrecido e resumido à mera relação de compra de um produto como outro qualquer, com o esvaziamento e empobrecimento de sua dimensão política” 49.

Outra questão é a discussão sobre a real necessidade de se obter a casa própria e como a falta de “liberdade de escolha” acabam prejudicando a vida do trabalhador, visto que este passa boa parte de sua vida endividado e sem flexibilidade para aproximar sua moradia do local de trabalho. Neste sentido, adotar como solução o aluguel parece ser benéfico ao morador, portanto, colocam-se em questão as prioridades do programa: atender aos interesses do agente financiador ao invés de colaborar com o trabalhador compreendendo suas dificuldades. “A cada vez que se reforça e veicula o “sonho da casa própria”, (e neste sentido o PMCMV não difere em nada das políticas habitacionais do século XX), a modalidade do aluguel é desvalorizada.” 50 . As autoras apontam ainda que, segundo o geógrafo Milton Santos, existe uma tendência à modernização tecnológica, que nos países periféricos, como é o caso do Brasil, provoca a falta de emprego na indústria e na agricultura. Sua consequência é a segregação daqueles que tem acesso a bens e serviços oferecidos e dos que não têm tal oportunidade, e na maioria das vezes, são remunerados pelo trabalho temporário ou informal. 68

49. NASCIMENTO, Denise Morado; TOSTES, Simone Parrela. Programa Minha Casa Minha Vida: a (mesma) política habitacional no Brasil. Arquitextos, São Paulo, ano 12, n. 133.03, Vitruvius, jun. 2011. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ arquitextos/12.133/3936>. Acessado em: 4 de out 2017. 50. NASCIMENTO, Denise Morado; TOSTES, Simone Parrela. Programa Minha Casa Minha Vida: a (mesma) política habitacional no Brasil. Arquitextos, São Paulo, ano 12, n. 133.03, Vitruvius, jun. 2011. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ arquitextos/12.133/3936>. Acessado em: 4 de out 2017 51. NASCIMENTO, Denise Morado; TOSTES, Simone Parrela. Programa Minha Casa Minha Vida: a (mesma) política habitacional no Brasil. Arquitextos, São Paulo, ano 12, n. 133.03, Vitruvius, jun. 2011. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ arquitextos/12.133/3936>. Acessado em: 4 de out 2017


A segregação socioespacial das cidades é sustentada pela lógica especulativa do setor imobiliário, que em terras valorizadas, dotadas de infraestrutura urbana, expulsa a população de baixa renda para as periferias distantes dos centros urbanos, visando morar onde é possível, em terrenos de baixos valores desprovidos da estrutura necessária para ter uma qualidade de vida mínima. Trata-se da divisão da cidade para “cidadãos” e “não cidadãos”. Enquanto as pressões dos grandes proprietários de terras, do setor imobiliário e da indústria da construção civil se sobrepuserem ao desejo do poder público não teremos grandes transformações e melhorias sociais. Para isso, o setor público precisa obter terrenos bem localizados, construir adequadamente, e apresentar soluções para as problemáticas referentes à função social da propriedade através da regularização fundiária e imobiliária. Desta forma se estabelece o “dentro” e o “fora”; o centro urbano e a periferia, com o espaço público sendo pensado de modo simplista, uma exterioridade, algo que se localiza além dos limites dos espaços privados, e como tal, automaticamente disponibilizado e favorecido. As autoras afirmam: “Embora o compartilhamento de espaços seja o pressuposto para que os cidadãos se conheçam e, de fato, vivenciem a cidade, a resposta da arquitetura tem sido a proposição de espaços alicerçados por estratégias que controlam o estranho ou estimulam a vigilância – zonas monofuncionais, condomínios, conjuntos habitacionais, centros comunitários, shopping centers, clubes, guaritas, muros e cercas”51.

Pode-se concluir que o PMCMV atuou muito mais por uma política imobiliária do que pela moradia social para população de mais baixa renda. O programa Minha Casa Minha Vida não conseguiu se diferenciar essencialmente em relação ao programa habitacional anterior estabelecido pelo regime militar. A preocupação com a 69


racionalização e mecanização dos processos de produção de habitação em grande escala, baseados nos interesses da construção imobiliária e civil, apresentaram a mesma lógica financeira predominante sobre a execução de tais programas. As análises do Estado de São Paulo, do grupo de pesquisadores e instituições do Observatório das Metrópoles, no livro “Minha casa e a cidade?” envolvem diversas outras questões. A partir de um estudo de adequação ao meio físico, experimentando o mobiliário estritamente especificado, percebem que as circulações ficam limitadas. Através do estudo de legislação específica, comprovou-se que boa parte dos projetos foi construída com normas ajustadas ao Minha Casa Minha Vida na dimensão dos ambientes e em alguns quesitos urbanísticos. Nas análises do conforto ambiental constataram: os testes de conforto térmico apresentaram falhas na orientação de fachadas e ausência de elementos de proteção solar, havendo excesso de exposição ao sol em ambientes de permanência; nas avaliações de conforto acústico, em todas as unidades que mediram os ruídos, estavam acima do permitido no interior dos ambientes; já os níveis de iluminâncias estiveram

adequados com relação ao conforto visual. O sentido destas avaliações se dá em considerar que muitos dos resultados fora das normas e determinações ocorreram devido à extrema necessidade de racionalizar e padronizar os projetos, e aumentar ao máximo os rendimentos para que se alcançassem o retorno desejado para as empresas envolvidas. Apesar disto, a velocidade no atendimento do déficit é algo importante a ser atingido.

Não há dúvidas de que o Programa melhorou a vida de grande quantidade de pessoas nas regiões onde foi implementado, uma vez 70


que a população de baixa renda passou a ter onde morar. No entanto, outros fatores de sociabilidade urbana não foram levados em conta, o que compromete sua própria qualidade de vida. Além disso, se habitar é mais do que uma necessidade, é um modo de vida, então nossa tarefa como arquitetos e urbanistas envolve sermos críticos a tal redução da arquitetura e da urbanidade, que devem ter sua essência evidenciada em um projeto arquitetônico.

71


2.3 Novos caminhos para a produção habitacional do país A partir de uma reflexão sobre o comportamento do capital, é possível perceber que ele apresenta uma tendência a buscar novos territórios “hospedeiros”. Ou seja, necessita parasitar novos locais para se instalar e se fortalecer, destruindo a identidade e memória destes lugares. Tanto a globalização pulsante, num âmbito internacional, quanto o fenômeno de disputa entre novas centralidades urbanas e o centro principal, coração da cidade de São Paulo, são reflexos dessa tendência do capital a se renovar e continuar existindo. Desta forma, os efeitos desta lógica indicam a necessidade de contenção de seus danos às cidades brasileiras para que possam ter um funcionamento mais “saudável”. Nesse sentido, a globalização, sendo um instrumento, e simultaneamente, consequência da expansão do capital precisa alcançar novas fronteiras e se estabelecer em novos territórios facilmente manipuláveis. Frente a isto, de forma resumida, a ideia do nacional-desenvolvimentismo traz uma resposta que inclui a capacidade de conter essa expansão desordenada, baseia-se nos moldes do capitalismo, mas estabelece limites ao poder do capital, para que este sirva às pessoas e às cidades e não o inverso, que é o que se tem estabelecido nesta fase do capitalismo; na atual era das finanças. Dentro de um projeto nacional-desenvolvimentista, a forma de contenção aos impactos do capital, no âmbito das cidades, seria propor e lutar pela redução de seu crescimento horizontal do centro às periferias. Segundo Villaça, a partir dos anos 1960, se desfaz a estrutura de um centro principal associado a subcentros submetidos ele. Isto 72

52. VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. Fapesp, 2001.


ocorre com a ampliação do uso do automóvel, das estações de metrô, das redes de ônibus e da tecnologia, criando novas centralidades urbanas, como a Faria Lima e Berrini, que passam a competir com o centro velho e a contribuir para que ele se torne decadente52. Este “Novo centro” tem como característica a necessidade de pulverizarse, ou seja, não possui forma e limites definidos. Trata-se de fortes polos econômicos, que atraem o mercado imobiliário e potencializam o consumo e a segregação espacial. O centro de São Paulo é um espaço repleto de infraestrutura urbana no sentido mais amplo possível, dotado não apenas do estabelecimento de condições físicas mínimas, como saneamento básico, rede de transportes, mas também de diversidade de usos do solo, social, de culturas e de expressões urbanas, vivências, movimentos sociais, e de memória. O conceito de “cidade compacta” que visa proteger novas áreas de preservação ambiental que podem ser invadidas, e evitar a incorporação de novas áreas que ensejariam de alto custo para levar tal infraestrutura, incorpora a necessidade de se ocupar o centro tradicional em seu sentido pleno. Algumas formas possíveis de ocupar esse território é apropriar-se de edificações vazias sem função social; e, num futuro possível, ocupando vazios residuais em um segundo plano, através de uma expansão vertical comprometida em dar possíveis respostas ao déficit habitacional do país. Considerando a hipótese de existir um centro como espaço de apropriação plena, simultaneamente, se combina com surgimento de uma nova concepção de habitar coletivamente, não necessariamente em espaços fechados, ou até, empilhando famílias em bolhas sociais e físicas, nos chamados enclaves fortificados. Esses conjuntos que 73


existem tanto no espaço segregado de alta renda, quanto no de baixa renda distante dos bairros dinâmicos da cidade. Essa nova forma de conceber a vida coletiva pretende romper com a ideia de conjuntos habitacionais tradicionais que surge prematuro desde a implantação das vilas operárias nos anos 1920. Tal concepção tem seu período áureo no modernismo, dotado de propostas revolucionárias para a época, em que compreendem o espaço térreo como público, promovem espaços de encontro, ampliando a noção de morar coletivamente, e produzem habitação em larga escala, acompanhada da industrialização e ampliação de novas tecnologias. Porém, após nos apropriarmos das qualidades espaciais e programáticas da arquitetura moderna, é interessante transcender e avaliar equívocos, pensando até que ponto tal racionalização e definição de espaços e suas funcionalidades é benéfica para o usuário de uma arquitetura residencial. Talvez seja mais enriquecedor para o usuário ter a maior liberdade possível e ser receptor de incentivos para que crie e encontre seu espaço de morar em um sentido pessoal. Esta ideia se associa a uma reflexão no âmbito da arquitetura e do urbanismo, sobre qual o papel do arquiteto, que naturalmente, mas não necessariamente um problema, imprime seus valores e aspirações no ato de projetar. A partir de uma análise da história e da conjuntura internacional no âmbito da produção habitacional, na maior parte do tempo as iniciativas em torno desta pauta acabaram por beneficiar prioritariamente o setor privado e a classe média, em relação à população de mais baixa renda. Atualmente, no contexto neoliberal vigente, a responsabilidade e controle de questões econômicas e sociais do país ficam a mercê de interesses particulares que não têm, e, legalmente nem precisam ter, real compromisso com a melhoria da vida da população brasileira como 74


um todo. Tendo em vista o caráter dos projetos arquitetônicos aos qual este cenário histórico e político promovem, surgem questões provocativas que enfatizam a busca por alternativas de projetuais que contribuam para a formação de um lugar como espaço de vida, de apropriação, de encontro, de expressão, de defesa de direitos do cidadão, de identificação; um lugar permeável, que considere seu entorno imediato, que valorize a vida pública e os espaços coletivos, que amplie as possibilidades da forma arquitetônica e da sua materialidade; que apresente uma infraestrutura urbana mínima e melhor qualidade do solo e de sua localização. A escolha do objeto deste trabalho – habitação social no centro de São Paulo – baseia-se em colocar em oposição duas estruturas de lugar, duas espacialidades possíveis. Um lugar já existente: como “ativo financeiro”, que tem em sua essência gerar retorno, antes de ser o que é, e servir a quem irá ocupá-lo de fato. E o lugar que existe imerso ao seu entorno, considerando a existência da cidade, o qual serve a quem se apropria dele, seria o “contraespaço”. Este contraste é relevante talvez como forma de denúncia da promoção de um “não lugar”, ou de uma redução do conceito de “habitar”. Evidentemente as condições de governabilidade política são extremamente complexas e acabam por alterar a origem dos projetos de programas sociais, mas, de qualquer jeito, é importante existir autocrítica e promover reflexão objetivando alcançar uma linha de atuação e as diversas possibilidades em torno dela. Para que se possam traçar novos caminhos da moradia social, é 75


preciso um planejamento urbano que admita como eixo uma política fundiária para habitação de sentido inverso à esta máquina de produzir favelas, envolvendo o transporte público e o saneamento53.Para que se possa ampliar o acesso à habitação, essa população que vive em assentamentos precários, e está fora do mercado formal, precisa ser inserida novamente a ele, segundo a seleção da urbanista Ermínia Maricato dentre as medidas do Instituto Cidadania (2000), sendo necessário promover: “uma reforma financeira que regule o mercado em nível nacional e garanta subsídios escalonados de acordo com a renda familiar para alcançar determinado poder aquisitivo; uma reforma urbana que viabilize o produto solo urbanizado a preços regulados, visando diminuir e ampliar a oferta; e uma estrutura institucional que abarque os vários níveis de governo, e os diversos agentes da sociedade civil, lucrativos ou não”54.

Na escala do edifício, o arquiteto e urbanista João Whitaker, em seu livro “Produzir casas ou construir cidades?”, elenca parâmetros de qualidade arquitetônica ao abordar a questão habitacional do Brasil. Na obra o autor apresenta uma visão global e técnica que considera a pluralidade dos grupos sociais, características de inserção urbana e qualidades espaciais, alegando que boas soluções devem estar comprometidas com “a redução dos impactos ambientais, e sobretudo, com o conforto do usuário, no correto dimensionamento dos ambientes e na adoção de orientações adequadas das edificações, que privilegiem a captação dos ventos dominantes e da iluminação natural, e nos arranjos dos ambientes nas unidades, de modo a atender aos diferentes perfis, composições familiares e grupos sociais”55.

Assim, o livro mostra a importância de se considerar a diversidade social, o conforto dos ambientes, noções de sociabilidade, diversidade tipológica e a noção de flexibilidade atreladas às novas tecnologias e a 76

53. MARICATO, Erminia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. 54. MARICATO, Erminia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p.136-137. 55. WHITAKER, João. Produzir casas, construir cidades? Desafios para um novo Brasil urbano. São Paulo, SP: Fupam, 2012, p. 93.


capacidade de replicabilidade para promover uma produção em larga escala. Estas características presentes nesta proposta de política habitacional devem inserir-se em um projeto nacional de desenvolvimento mais amplo. Portanto, deve conectar-se à questão da industrialização e inovação tecnológica, que são necessárias para gerar de renda para financiar as políticas públicas habitacionais, bem como incorporar o planejamento urbano e a regularização fundiária no âmbito deste projeto nacional. É preciso ainda enfatizar a questão da correlação de forças políticas do relacionamento do setor privado e público, no qual deve prevalecer o interesse do conjunto da sociedade, sem prejuízo dos interesses econômicos dos setores relevantes para a produção habitacional. Desta forma, é preciso levar em conta os problemas e limites colocados historicamente pelo projeto nacionaldesenvolvimentista para conciliar a expansão capitalista e o interesse público.

77


78


PARTE III Uma utopia possível 3.1 3.2 3.3

Alternativas de imersão urbana Além do mínimo necessário Habitar em segundo plano 79



[49] Projeto de habitação social no centro de São Paulo. Fotografia da maquete mostra a proposta de imersão na malha urbana, em espaços residuais, subutilizados.

[49]

81


3.1 Alternativas de imersão urbana A partir das diversas questões expostas em torno da produção da habitação de interesse social no Brasil, este trabalho apresenta uma proposta de projeto de um terreno específico localizado no centro velho do município de São Paulo. Levando em consideração o alto déficit habitacional do país e, principalmente, da região metropolitana de São Paulo, bem como a falta de habitação no centro – a região é escura nos períodos noturnos e apresenta espaços ermos nos horários comerciais – no processo de escolha da área de intervenção foi feita inicialmente uma deriva em um trecho da cidade nesta região. A escolha envolveu também a sobreposição de edifícios vazios ou subutilizados e de vazios residuais entre empenas cegas, pensando em habitar em segundo plano, verticalmente. A implantação do projeto apresenta uma passagem em “L”, que da acesso ao edifício pelas Ruas 24 de Maio e Dom José de Barros, em frente ao SESC 24 de maio, inaugurado recentemente. Localiza-se próximo de pontos históricos da cidade, como Praça da República, Praça Ramos de Azevedo, Teatro Municipal, Largo do Paissandu, Vale do Anhangabaú e Largo São Bento. Região que compôs o antigo “centro novo” em relação ao centro “original” do outro lado do Vale do Anhangabaú, com o qual se unificou e, posteriormente, formou o “centro velho”. Este antigo “centro novo”, entre os anos 1950 e 1960, tinha como eixo a Rua Barão de Itapetininga, área da cidade que servia às classes mais altas.

82


[50] Mapa de sobreposição de imóveis ocupados em vermelho e vazios empenas cegas em verde água.

[50]

83


[51]

[52]

84


[53]

[51] Mapa de uso do solo. [52] Mapa de densidade demogrĂĄfica. [53] Mapa de 1930 do recorte de estudo. [54] Mapa de 1954 do recorte de estudo.

[54]

85


[55]

[56]

86


O terreno escolhido é composto pela divisão de quatro lotes. A região apresenta ampla infraestrutura urbana, equipamentos sociais e de lazer, além de ser irrigada por diversas estações de metrô, as mais próximas sendo República (Linha 3-Vermelha e Linha 4-Amarela), Anhangabaú (Linha 3-Vermelha) e São Bento (Linha 1-Azul). Um dos terrenos já está destinado a promover habitação social por se tratar de uma Zona de Interesse Especial (ZEIS 3), porém é estreito para se construir uma quantidade significativa de unidades. São Paulo tem 464 anos de história, e, conta com esta antiga região da cidade que, como uma extensa colagem, composta de preexistências de diversas temporalidades, expressa sua memória. Tal história está retratada no conjunto do edifício, já que em três dos lotes do projeto existem construções de antigos períodos, diferentes uns dos outros. Um deles é da década de 1990, construído em alvenaria e reformado em concreto, de aspectos arquitetônicos classificados como ecléticos. Atualmente, neste lote está presente um hotel – Hotel Joamar – portanto, de uso temporário. [57]

[55 e 56] Plantas de situação, proximidade de pontos importantes da cidade. [57] Vazio entre as empenas cegas da ocupação e do prédio vizinho tombado. Fachada mantida de área envoltória dos imóveis tombados ao lado.

O outro edifício é datado posterior a 1930, consta no mapa de 1954 até os dias de hoje. Trata-se de um edifício corporativo que esteve vazio há muitos anos e foi ocupado por movimentos de moradia algumas vezes, tendo sua última remoção no ano de 2011, quando estava ocupado pelo movimento MMPT (Movimento Moradia para Todos). Atualmente está ocupado por 24 famílias, há dez meses, segundo o “organizador” da ocupação. Por último, o terceiro terreno, atualmente é usado como estacionamento e conta com uma fachada preexistente cadastrada como área envoltória aos bens tombados do entorno, posterior aos anos 1930. 87


[58]

88

[59]


[60]

[58] Planta de usos existentes. [59] Planta estrutural prĂŠ-existente. [60 e 61] Fotografias da maquete. Projeto inserido no entorno.

[61]

89


[62]

90


[63]

91


[64]

[62 e 63] Imagens do hotel vistas da abertura transparente do SESC 24 de maio. [64] Hotel Joamar. Prédio da década de 1910. [65]Vazio entre empenas cegas. Aberturas da fachada pré existente servem compõem uma janela de vista para a cidade, das varandas projetadas que localizam-se imediatamente atrás da fachada.

[65]

92

[66] Na imagem, respectivamente, da esquerda para a direita, encontra-se o comécio a ser demolido, o edifício ocupado por 24 famílias atualmente, e a fachada em lâmina pré-existente.


[66]

93


A ideia é que esta proposta específica faça parte de um programa habitacional de ampla escala, de intervenção na região central em áreas residuais simulando o controle e protagonismo do poder público na atuação do anteprojeto e na execução. Tem intenção de criar um, ou mais, conjuntos habitacionais em explosão, não mais como se faz tradicionalmente, implantando grande quantidade de unidades em lâminas concentradas em lotes extensos localizados em áreas pobres em infraestrutura urbana. Estes agrupamentos que seriam as lâminas destes conjuntos habitacionais, na proposta são frações de residências que ocupariam estes espaços residuais, mas que formariam um todo mesmo que disperso. A edificação do projeto em sua totalidade apresenta 90 unidades habitacionais, que se somariam a outros edifícios habitacionais próximos a ela. A partir da visão do arquiteto finlandês Juhani Pallasmaa, o projeto em questão propõe relacionar as propriedades do espaço vivido com as noções de arquitetura, ou seja, busca considerar as emoções que surgem resultantes do encontro entre o homem e o espaço, do confronto entre a mente e a matéria. Desta forma, a proposta é projetar pensando nas ações reproduzidas pelas pessoas quando vivenciam os ambientes56. Neste sentido, o pavimento térreo apresenta uma passagem que abre os dois acessos ao conjunto, seguindo a linguagem das galerias do entorno que ampliam as possibilidades do caminhar do pedestre, através da permeabilidade das quadras. Esta proposta somada à noção de uso misto faz com que a implantação permita que convivam quaisquer pessoas que queiram estar no espaço, não apenas os moradores da edificação. A praça central também acontece com este intuito de ser um lugar de convivência e contemplação. 94

Escala Gráfica [67] 5

[67] Implantação

10

20



Uma importante proposta de imersão urbana é a implantação de um muro vazado em chapa perfurada na cor terra avermelhada. No pavimento térreo o muro é interativo, apresentando encaixes para bicicletário, facilitando a presença de ciclistas, e bancos (de madeira plástica ecológica) de tamanhos e alturas diversas, para sentar, deitar ou até para crianças se divertirem de forma livre subindo de um para o outro. Este painel em chapa perfurada, que sobe até o oitavo andar, apresenta grandes recortes feitos a partir de uma malha que se baseia na geometria das pinturas do artista neerlandês Mondrian. Tais trechos vazados permitem que se veja a empena cega do vizinho existente, passível de intervenções urbanas e grafites. Ainda sobre o painel, mais ao fundo do lote, são criadas visuais diversas para cada posição que o morador se encontre, em cada varanda dos pavimentos superiores. Aqui o “espetáculo”, ou o evento, é o próprio confronto com a cidade real, com a noção de estar imerso em um conjunto, em uma sociedade. O programa do nível da rua busca ser um atrativo a artistas, movimentos sociais, intelectuais, pessoas de diversas classes sociais e interesses em frequentar o local. Este pode ser fechado durante a noite, ou quando necessário com o auxilio de chapas perfuradas móveis, mas o intuito é que seja um espaço aberto, de livre circulação. Próximo da Rua 24 de Maio existe uma área de descanso e permanência semelhante a outros locais, como por exemplo, os bancos públicos em madeira da Rua 7 de abril. Ao lado, existe uma área destinada e sugerida a ser um sebo que envolva doações e trocas de livros, tendo em vista o distanciamento de boa parte da população em relação à leitura e da possibilidade da atividade desenvolver seu raciocínio crítico ou sensibilidade. Adentrando ao lote, atrás dessas duas áreas citadas, 56. PALLASMAA, Juhani. Habitar. GG, 2017.

96


[68]

[68 e 69] Fotografias da maquete que mostram como a proposta está inserida na malha urbana, a relação com os prédios existentes.

[69]

97


existe um café, que tem pretensão de ser um local agradável com vista a uma pequena área verde, além de ser um lugar de grande potencial para gerar encontros. Junto à praça existe um amplo espaço destinado a expressões artísticas, a debates e aulas expositivas, além de apresentações ou aulas de teatro e dança. O espaço tem vedação em policarbonato, material translúcido que permite a entrada de luz e torna o ambiente um pouco menos exposto em relação aos de vedação transparente. Imediatamente ao lado encontram-se salas designadas à produção de mídias alternativas, inspirados em um atelier existente no bairro do Bexiga e que reúne salas de produção gráfica e reunião a serem alugadas por movimentos sociais e mídias. Servindo estes espaços existe uma área de cantina e sanitários dispostos de forma semelhante aos do SESC 24 de Maio, fraldário sem limitação de acesso às mulheres. Pela Rua Dom José de Barros, é possível acessar o conjunto, permanecer em uma área livre para descanso e convívio social, ou até entrar diretamente no hotel preexistente. Estas ideias apresentadas fazem parte de um raciocínio de projeto diretamente relacionado à cidade, promovendo uso misto e diversificado no plano térreo de uso público, mesclar classes sociais e acontecimentos simultâneos diversos.

98


[70]

[70] Fotografia da maquete mostra o vazio entre a contrução nova e antiga (hotel), além do jogo dos brises que dão fechamento às varanas. [71] A fotografia da maquete apresenta o muro vazado em chapa perfurada, com recortes para o espaço urbano. É possível perceber o jogo de varandas no vazio da lateral esquerda.

[71]

99


[72]

[73]

100


3.2 Além do mínimo necessário Em diversos momentos da história, como na produção do BNH e até do PMCMV, a arquitetura acabou por ser reduzida, em relação ao seu amplo potencial de diálogo com diversas áreas do conhecimento, a apenas a categoria de dormitório. Muitos destes projetos, ao objetivar prioritariamente ampliar seus rendimentos, além de criarem bolhas sociais nas periferias das cidades, com pouca heterogeneidade social, também simplificaram excessivamente as construções, as condições específicas do lugar e o modo de vida ao habitar. Neste sentido, a proposta deste trabalho pretende ampliar o olhar frente a possibilidades relacionadas às questões colocadas anteriormente. Em relação à falta de heterogeneidade social, o centro mostra grande potencial frente a este problema, pois já é palco de confrontos sociais, de aproximação e de conflito, apresentando contribuições positivas para a cidade. Já com relação à importância de se considerar a identidade do lugar e as especificidades e variações de modo de vida das pessoas, a proposta apresentada se constrói a partir do imaginário do cotidiano, das ações individuais e encontros nestes espaços. Também busca diferenciar as condições das famílias, e considerar diferentes laços de proximidade desse grupo de pessoas que moram juntos.

[72] Vista da Rua 24 de maio. [73] Vista da Rua Dom José de Barros.

Esta construção, em contrapartida a este modelo analisado, e através de experimentações volumétricas e tipológicas, sugere grande diversidade e complexidade espacial. Tanto o jogo das passarelas e das varandas de cada tipologia, quanto os balcões de vista para a rua 101


[74]

[75]

Escala Grรกfica [82] [83] [84] [85] 5

102

10

20


[76]

[77]

[74] Planta do primeiro pavimento, nível 4.5m. [75] Planta do segundo pavimento, nível 7.5m. [76] Planta do terceiro pavimento, nível 10.5m. [77] Planta do quarto pavimento, nível 13.5m.

103


[78]

[79]

Escala Grรกfica [82] [83] [84] [85] 5

104

10

20


[80]

[81]

[78] Planta do quinto pavimento, nível 16.5m. [79] Planta do sexto pavimento, nível 19.5m. [80] Planta do sétimo pavimento, nível 22.5m. [81] Planta do oitavo pavimento, nível 25.5m.

105


[82]

[83]

Escala Grรกfica [82] [83] [84] [85] 5

106

10

20


[84]

[85]

[82] Planta do nono pavimento, nível 28.5m. [83] Planta do décimo pavimento, nível 31.5m. [84] Planta do décimo primeiro pavimento, nível 34.5m. [85] Planta do décimo segundo pavimento, nível 37.5m.

107


[86]

108


ou para a praça do miolo do projeto, pretendem dinamizar a forma e volumetria espacial, possibilitando diversas condições e sensações espaciais. Além disso, do primeiro ao nono pavimento existem unidades de tipologias duplex voltadas para a Rua 24 de Maio, semelhantes à unidade de Marselha do arquiteto modernista Le Corbusier. São arranjos de três pavimentos, que têm a vantagem de economizar em áreas de circulação das passarelas em trechos de dois destes pavimentos, no total, em seis pavimentos, de nove das tipologias duplex, além de sobrepor circulações verticais em uma única caixa, em um único eixo. Os espaços de convivência, de cooperação em tarefas cotidianas, de mobilização social, e de lazer, concentram-se nos três últimos pavimentos, em uma caixa “parasita” e no vazio onde ficam as varandas, as centrais são coletivas, para uso dos moradores. Esta caixa anexa que parasita o edifício é envolta por vidro transparente voltado à fachada, e na lateral, para não formar nova empena cega, revestida por policarbonato translúcido.

[86] Perspectiva da esquina.

O programa deste bloco de área coletiva pretende sugerir uma forma de convivência mais cooperativa. No décimo andar existe um refeitório, que pode ser utilizado como salão de festas; uma cozinha cooperativa, para que possam compartilhar alimentos e refrigeradores, e se ajudar a cozinhar no cotidiano; e uma lavanderia coletiva, para uso daqueles que não tiverem condições de ter sua própria máquina de lavar roupa, ou simplesmente, para quem vê vantagem em compartilhar aparelhos eletrodomésticos. Subindo ao décimo primeiro andar encontra-se um espaço de biblioteca para leitura e descanso em horários de almoço, à tarde, ou finais de semana, bem como um lugar para crianças 109


[87]

110


brincarem ou jovens estudarem; além de uma grande área de depósito para deixarem objetos que não têm sido utilizados com frequência, ou que não cabem nos apartamentos. O décimo segundo pavimento conta com uma sala de jogos para lazer; uma grande sala de reunião ou auditório para mobilização social e organização da vida coletiva; um varal na cobertura para secar as roupas; e uma área de playground e respiro para olhar a vista da cidade. Em uma sociedade extremamente individualista, tanto por parte das classes mais altas, quanto por parte da camada de baixa renda, em alguns casos, é preciso certa utopia no sentido de incentivar tais possibilidades de trocas solidárias e sugerir outra forma de habitar, em que as pessoas sejam capazes de experimentar as vantagens que um modo de vida menos egocêntrico pode proporcionar.

[87] Perspectiva do edifício.

Em relação à materialidade, além das escolhas estéticas da semelhança com a madeira do tetrapak, da cor terra avermelhada das chapas perfuradas, e do efeito produzido pelo policarbonato translúcido, a ideia é apresentar uma variação que se adeque a cada uso específico. Considerando que o conjunto habitacional se apresenta imerso e mesclado com seu entorno imediato, garantir boa iluminação e ventilação foi um dos desafios de projeto, e uma das alternativas para captar maior iluminação e entrada de sol se deu em aumentar o vão das aberturas de altura do pé direito (3 metros). Para amenizar esse excesso de luz, nem sempre confortável, as chapas perfuradas atuam tornando a entrada de sol e luz mais agradável, mantendo a ventilação e garantindo conforto térmico. Já as chapas opacas em madeira plástica – tetrapak – têm como função bloquear a entrada de luz, em períodos noturnos, ou até para assistirem filmes, e também barrar a circulação 111


Pavimento Superior

Pavimento Intermediรกrio

[88]

Pavimento Inferior [89]

Escala Grรกfica [88] e [89] 5

112

10

20


[90]

[91]

[92] Escala Gráfica [90] [91] e [92] 5

10

20

[88] Diagrama de tipologias e metragens quadrada. [89] Diagrama de tipologias Duplex. [90, 91 e 92] Cortes das tipologias duplex: Corte CC’, Corte DD’ e Corte EE’. [93] Layout das unidades no piso intermédiário do arranjo a cada três pavimentos.

Escala Gráfica [93] 1

5

[93]

113


[94]

[95]

Escala Grรกfica [94] e [95] 1

114

5


[96]

[94] Diagrama de tipologias duplexPavimento Superior [95] Diagrama de tipologias duplexPavimento Inferior. [96] Fotografia da maquete. Acesso pela Rua 24 de Maio mostra a forma como o projeto incorpora as preexistencias ressaltando sua linguagem. [97] Fotografia da maquete. Mostra as passarelas, acima do espelho d’água, que dão acesso às tipologias do terceiro andar de disposição livre e os balcões ao fundo que permitem ver a praça no térreo.

[97]

115


[98]

116


[99]

117


118


do vento, talvez em estações mais frias do ano, ou em outras situações, quando desejado. A madeira plástica é um material bastante aceito e utilizado para residências. Envolve vantagens em relação à durabilidade, pois não exige manutenção por pelo menos dez anos. Outra importância de tal material se da em seu caráter 100% ecológico. Tais características são interessantes para se implementar em projetos de habitação em larga escala, providenciada pelo poder público, pois reduz os gastos, se compromete com questões ambientais e ainda reduz custos de manutenção que oneram os cofres públicos. Outro material utilizado e repleto de vantagens é o concreto celular, escolhido, principalmente, por garantir um fechamento substancialmente mais leve, além de ser facilmente cortado, com precisão e menor desperdício. Foi escolhido, primeiramente, pensando nas unidades em “arquitetura parasita” que serão expostas no próximo item. Essa intervenção busca instigar e defender a procura e experimentação em torno das escolhas formais, volumétricas e da materialidade do projeto, ou seja, pensar em todo o leque de possibilidades que a arquitetura apresenta, em cada “atmosfera” de diferentes sensações, como propõe o arquiteto suíço Peter Zumthor. [98] Vista da Rua 24 de maio. [99] Vista da Rua Dom José de Barros. [100- à esquerda] Varandas coletivas centrais e particulares de cada tipologia. Parte delas tem vista para a cidade através dos rasgos da chapa perfurada.

O arquiteto Juhani Pallasmaa considera que o ato de habitar: “É fundamentalmente um intercâmbio e uma extensão; por um lado, o habitante se acomoda no espaço e o espaço se acomoda na consciência do habitante, por outro, esse lugar se converte em uma exteriorização e uma extensão de seu ser, tanto do ponto de vista físico quanto mental”57.

119


Neste sentido, tais campos do conhecimento e aplicações são de impacto real sobre a vida das pessoas, estão conectados, inevitavelmente, às necessidades básicas de sobrevivência e dignidade da população, e, mais do que isso, ao seu cotidiano, às relações tecidas entre indivíduos ao longo do tempo, às condições de locomoção, ao ato de ir e vir, e ao ato de celebrar a vida. Portanto, se todos pertencem ao espaço e este a todos os indivíduos, a produção e concepção da arquitetura e do urbanismo devem estar atreladas ao existir da população. Somado a isto, é importante acrescentar que tanto o processo de redução e simplificação da arquitetura, quanto o distanciamento e alienação da vida concreta seguem na contramão da arquitetura social. O arquiteto tem o poder de escolha entre produzir uma arquitetura funcionalista, estetizada, ou aquela que incorpore parte destes conceitos e ainda se entenda como social destinada a atender às demandas coletivas. De acordo com Pallasmaa existe também uma tendência inversa à redução da arquitetura, aquela que vem se tornando: “cada vez mais desprovida de qualquer significado mental mais profundo; resta apenas o desejo de estetização. No mundo obscenamente materialista de hoje, a essência poética da arquitetura está sendo ameaçada simultaneamente por dois processos: a funcionalização e a estetização”58.

Portanto, a escolha de se promover arquitetura social é um ato efetivo, prioritariamente, em busca da real melhoria de vida da população, e não apenas um modo de se facilitar e organizar a vida, nem de contemplar objetos arquitetônicos isolados de seu contexto amplo e periférico.

120

57. PALLASMAA, Juhani, Habitar. GG, 2017. 58. PALLASMAA, Juhani. Habitar. GG, 2017. 59. IANDOLI, Rafael. O que é a arquitetura parasita. E como ela ganha espaço em cidades. Nexo Jornal. 2017. Disponível em: <https://www. nexojornal.com.br/expresso/2017/09/05/O-que%C3%A9-a-arquitetura-parasita.-E-como-elaganha-espa%C3%A7o-em-cidades>. Acessado em: 18 de set 2017.


3.3 Habitar em segundo plano Como já apresentado, uma tendência do capitalismo é as cidades se expandirem horizontalmente e o capital imobiliário busca novos hospedeiros para parasitar. No entanto, boa parte da infraestrutura e dos equipamentos públicos e sociais necessários ao “habitar” encontram-se compactados nos centros principais das cidades. Desta forma, construir em um segundo plano, acima da “high line” urbana, pode ser uma estratégia aliada ao conceito de “Cidade Compacta” proposta por Richard Rogers, no sentido de favorecer melhor apropriação do lugar. Para locais densos e verticalizados, que é o caso da área de intervenção, uma solução utilizada é o conceito de “Arquitetura Parasita”. O termo “parasita”, a partir do sentido biológico, pode insinuar uma relação de prejuízo entre a nova e antiga construção, quando a preexistente é desfavorecida e a nova estrutura implantada se beneficia. Entretanto, Rafael Iandoli, a partir das ideias dos arquitetos holandeses Merel Pit, Karel Steller e Gerjan Streng, compreende o conceito de outra forma: “No caso da arquitetura, esse dano ao hospedeiro é quase sempre inexistente. O termo, nem por isso, pode ser considerado inapropriado. Além de existir a relação física visível de exploração de um corpo original para a existência de outro, que chegou depois, a arquitetura parasita também se coloca como uma forma de provocar um choque no sistema de imunidade das cidades”59. [101] Elevação - Vista da Rua Dom José de Barros. [102] Corte BB’, apresenta a treliça que suporta em sentido transverasal o vão de 20m entre as empenas cegas vizinhas.

O autor entende que o corpo parasita gera um desconforto nas cidades de potencial transformador. Pois esta arquitetura parasitária pretende agir contra o sistema, ou funcionamento preestabelecido a partir do aceitável “subentendido” na cidade. 121


Escala Grรกfica [101] 1

5

10

Escala Grรกfica [102]

[101]

122

1

5

10


[102]

123


[103]

124


[104]

[105]

[103] Estrutura em aรงo do bloco parasita. [104] Treliรงa dos pavimentos centrais entre os quatro totais do bloco parasita. [105] Perspectiva da estrutura metรกlica que conecta as quatro treliรงas em sentido transversal e vigas longitudinais.

125


Esta proposta de arquitetura provocativa e de ocupar espaços menos óbvios nas cidades, como os vazios entre empenas cegas, foi utilizada em uma parte do projeto, com a construção acima do hotel preexistente. Trata-se de um volume de quatro pavimentos de acesso viabilizado pela circulação vertical do conjunto e por passarelas que ligam o anexo parasita ao edifício principal, composto de quatro unidades por pavimento, totalizando dezesseis unidades. Este volume de quatro pavimentos necessita do hotel estabelecido para existir, mas a partir de uma nova composição estrutural, é capaz de mesclar a antiga estrutura com a nova, e ainda fortalecer a preexistência estruturalmente. A técnica utilizada que permite essa fusão é a estacaraiz inclinada para reforços estruturais. A estaca perfura a fundação existente, que pode ser em bloco ou sapata direta, coloca-se sua armação, e é injetado o concreto que se solidifica de forma a fundir o que era antigo e o novo. Outro aspecto que visa mesclar os dois projetos em um único é a utilização de um único sistema hidráulico para todo o conjunto, inclusive o hotel. Ainda com relação ao sistema estrutural do volume parasita, ele também é estruturado em aço, como todo o conjunto. Sua vedação se dá em concreto celular, por ser leve, tendo sua densidade de 500 a 600 Kg/m³, mas com as mesmas características mecânicas da alvenaria convencional; é facilmente manuseado; precisamente cortado sem desperdícios; e pode ser vazado vedando a passagem das tubulações hidráulicas e da fiação elétrica. Além disso, a nova construção complementa seu potencial. Um dos fatores que torna esta característica perceptível é que apesar de 126

[106]


[107]

Escala Gráfica [107] 5

10

20

[106] Estaca raíz inclinada reforçando estrutura existente em bloco. Esta solução também pode ser utilizada para sapatas, caso seja o tipo da fundação existente.

[108] Escala Gráfica [108] 1

5

[107] Plantas de cobertura, e caixa d’água e casa de máquinas. [108] Detalhe Mostra a sustentação das varandas através da conexão das lajes com perfis metálicos que localizam-se entre a empena vizinha e a chapa perfurada como muro.

127


Escala Grรกfica [109] e [110] 1

128

5

10


[109] Corte AA’. Evidencia as novas áreas coletivas do décimo andar à cobertura, que formalmente contrasta com a estrutura préexistente em degraus para varandas. [110]

[110] Elevação - Vista da Rua 24 de maio.

129


ser proposta a demolição dos três últimos pavimentos anexados ao hotel mais recentemente, foi criada uma cobertura que atrai maior quantidade de pessoas a ele, gerando benefícios econômicos ao dono, e qualidades arquitetônicas que elas podem desfrutar. Esta laje de cobertura ocupa o espaço do terceiro andar de todo o conjunto. Ela apresenta dois espelhos d’água (altura: 50cm), possíveis de serem construídos após a demolição daqueles três pavimentos; área destinada a um redário, restaurante e serviços relacionados; sanitários; e espaço amplo de descanso do trabalho no cotidiano ou de lazer nos finais de semana, de convívio social e de contemplação da cidade. As tipologias das unidades deste bloco são de disposição livre, com a possibilidade dos usuários determinarem seu modo de vida, seu espaço de moradia, além de escolherem com quem habitar por graus de parentesco e proximidade. Como exposto, a delimitação de excessivo rigor das funções e destinos dos ambientes e especificação do mobiliário, além do dimensionamento dos espaços reduzidos, que ocorre nos projetos do PMCMV, pode ser um fator problemático por não contemplar necessidades diversificadas para pessoas que não se enquadrem nesses padrões preestabelecidos. Por isso, esta liberdade visa dar abertura àqueles que quiserem experimentar outras formas de morar, novos laços no habitar, noções diversas de intimidade e proximidade, possibilitando também a criatividade ao acrescentar o mobiliário, decoração, determinação de novos usos cotidianos para cada ambiente. Um exemplo é a utilização do espaço de se alimentar e cozinhar também para interação social, ao invés de, necessariamente, como a sala de estar.

130

Escala Gráfica [111] 1

5

[111] Tipologias C, D, E e A. A tipologia A, de disposição livre, apresenta caixas laterais demarcando as áreas molhadas. Toda a tubulação chega dentro das placas de concreto celular vazadas. Essas paredes localizam-se entre o alinhamento de pilares preexistentes do hotel e o alinhamento dos novos pilares laterais que sustentarão ,juntamente com a treliça, o vão de 20m.


[111]

131


A livre disposição tipológica retorna à questão do cuidado que o arquiteto precisa ter para não imprimir suas próprias necessidades, aspirações e valores ao projetar para o outro. Inevitavelmente vai haver certa influência, mas o exercício do descolamento de sua própria condição e realidade é bastante importante para se aproximar do outro e satisfazer as necessidades e ambições reais do usuário. Nestas tipologias foram delimitadas as áreas molhadas rentes às empenas vizinhas, como caixas laterais de fechamento vazado em chapa perfurada, que quando em áreas íntimas como no sanitário, apresentariam internamente uma chapa opaca em concreto celular (altura 1.70m e espessura 7,5cm) junto a ela. Por fim, o projeto procura soluções relativamente facilitadoras, moderadamente econômicas, mas expõe as “imperfeições” ou as sobreposições das camadas de diferentes temporalidades e como seus rearranjos permitem alcançar soluções que fogem do usual. Trata-se, assim, de desejar e comprovar uma utopia possível. [112]

132


[113]

[112] Vista da Rua 24 de maio [113] Fotografia da maquete. Mostra o vao entre o predio existente e o novo bloco parasita. Está presenta a caixa de escada (do hotel) em material translúcido (policarbonato), espelho d’água com passarela de transição entre dois lados da laje. [114] Fotografia da maquete onde pode-se visualizar as passarelas de acesso às unidades do bloco de tipologias A; os vazios que permitem a incidência de luz e sol às unidades, e o espelho d’água da laje do terceiro pavimento.

[114]

133


134


135


136


137


Considerações finais É interessante e forte visualizar o potencial transformador do centro da cidade, verificar o que provoca nas pessoas, a forma como desconstrói indivíduos e faz repensar valores e condições. A identidade deste lugar é traduzida em diversidade, que se dá pelas camadas do tempo, mas também pelas sobreposições e interconexões das individualidades, que são múltiplas. Desta característica acontece também o conflito, pelas diferenças de necessidade, de interesses, de desejos, de entendimentos de mundo. Este encontro – ou confronto – é o que tem poder de colocar as pessoas umas frente às outras, mas principalmente, diante de si mesmas. Para que se possa pensar amplamente uma noção de habitar que aproxime trabalho moradia e lazer, e incentive trocas pelas pessoas cotidianamente, é preciso que se identifique que o Brasil é um país rico, e que tem condições de redistribuir renda. Para isso é necessário um estado firme que se posicione e defenda as demandas sociais, para que elas determinem os caminhos da produção habitacional e promova emprego e renda. É preciso considerar que para sanar o déficit habitacional a produção de moradias deve ser em larga escala, eficiente, e deve-se utilizar dos benefícios da indústria e da tecnologia, investindo em inovação. Tudo isso, sem desconsiderar os motivos reais que conduzem este processo, sem haver descolamento entre as proposições e as necessidades e desejos daqueles para quem se pretende transformar e melhorar a vida cotidiana.

138


Portanto, as lutas sociais relacionadas ao tema da moradia são importantes para que se saiba aonde se pretende chegar com uma proposta de desenvolvimento nacional, e o que se pretende compreender por “habitar”, e por “lugar”. É preciso perceber o potencial destes conceitos em transformar radicalmente a vida das pessoas a partir de novas experiências e do aperfeiçoamento para contemplar desejos e visões de modo de vida. É preciso se distanciar da estrutura consolidada existente e do mínimo necessário, para que se consiga enxergar novas formas de se relacionar com a sociedade e com o espaço, para que se possa pensar uma utopia que seja uma possibilidade real.

[115, 116, 117 e 118] Perspectivas de projeto.

139


Lista de imagens [1] Sampa Histórica (acervo do arquivo histórico), São Paulo, 2009. [2] Sampa Histórica (acervo do arquivo histórico), São Paulo, 2009. [3] Álbum de fotografias de São Paulo. [4] Sampa Histórica (acervo do arquivo histórico), São Paulo, 2009. [5] Sampa Histórica (acervo do arquivo histórico), São Paulo, 2009. [6] Sampa Histórica (acervo do arquivo histórico), São Paulo, 2009. [7] Viva o centro, São Paulo. [8] Viva o centro, São Paulo. [9] Pessoal, São Paulo, 2017. [10] Acervo Agência Brasil, São Paulo, 2016. [11] Acervo Projeto Mauá, 340, São Paulo, 2013. [12] Geosampa, São Paulo, 2017. [13] Whitaker, São Paulo, 2012 [14] Whitaker, São Paulo, 2012 [15] Gnn, São Paulo, 2016. [16] Nabil Bonduki, São Paulo, 2014. [17] Nabil Bonduki, São Paulo, 2014. [18] São Paulo Antiga, São Paulo, 2012. [19] Nabil Bonduki, São Paulo, 2014. [21] Nabil Bonduki, São Paulo, 2014. [22] São Paulo Antiga, São Paulo, 2012. [23] Nabil Bonduki, São Paulo, 2014. [24] Nabil Bonduki, São Paulo, 2014. [25] Nabil Bonduki, São Paulo, 2014. [26] Nabil Bonduki, São Paulo, 2014. [27] Nabil Bonduki, São Paulo, 2014. 140


[28] Nabil Bonduki, São Paulo, 2014. [29] Nabil Bonduki, São Paulo, 2014. [30] Nabil Bonduki, São Paulo, 2014. [31] Nabil Bonduki, São Paulo, 2014. [32] Nabil Bonduki, São Paulo, 2014. [33] Nabil Bonduki, São Paulo, 2014. [34] Blog do Gusmão, Cidadania, política e sustentabilidade, 2014. [35] Nabil Bonduki, São Paulo, 2014. [36] Nabil Bonduki, São Paulo, 2014. [37] Nabil Bonduki, São Paulo, 2014. [38] USINA CTAH, São Paulo. [39] USINA CTAH, São Paulo. [40] Whitaker, São Paulo, 2012. [41] USINA CTAH, São Paulo. [42] Nelson Kon, São Paulo. [43] Whitaker, São Paulo, 2012. [44] Whitaker, São Paulo, 2012. [45] Whitaker, São Paulo, 2012. [46] Whitaker, São Paulo, 2012. [47] Whitaker, São Paulo, 2012. [48] Whitaker, São Paulo, 2012. [49] Pessoal, São Paulo, 2018. [50] Pessoal, São Paulo, 2017. [51] Geosampa, São Paulo, 2017. [52] Geosampa, São Paulo, 2017. [53] Geosampa, São Paulo, 2017. [54] Geosampa, São Paulo, 2017. [55] Geosampa, São Paulo, 2017. 141


[56] Geosampa, São Paulo, 2017. [57] Pessoal, São Paulo, 2017. [58] Pessoal, São Paulo, 2017. [59] Pessoal, São Paulo, 2017. [60] Pessoal, São Paulo, 2018. [61] Pessoal, São Paulo, 2018. [62] Pessoal, São Paulo, 2017. [63] Pessoal, São Paulo, 2017. [64] Pessoal, São Paulo, 2017. [65] Pessoal, São Paulo, 2017. [66] Pessoal, São Paulo, 2017. [67] Pessoal, São Paulo, 2018. [68] Pessoal, São Paulo, 2018. [69] Pessoal, São Paulo, 2018. [70] Pessoal, São Paulo, 2018. [71] Pessoal, São Paulo, 2018. [72] Pessoal, São Paulo, 2018. [73] Pessoal, São Paulo, 2018. [74] Pessoal, São Paulo, 2018. [75] Pessoal, São Paulo, 2018. [76] Pessoal, São Paulo, 2018. [77] Pessoal, São Paulo, 2018. [78] Pessoal, São Paulo, 2018. [79] Pessoal, São Paulo, 2018. [80] Pessoal, São Paulo, 2018. [81] Pessoal, São Paulo, 2018. [82] Pessoal, São Paulo, 2018. [83] Pessoal, São Paulo, 2018. 142


[84] Pessoal, São Paulo, 2018. [85] Pessoal, São Paulo, 2018. [86] Pessoal, São Paulo, 2018. [87] Pessoal, São Paulo, 2018. [88] Pessoal, São Paulo, 2018. [89] Pessoal, São Paulo, 2018. [90] Pessoal, São Paulo, 2018. [91] Pessoal, São Paulo, 2018. [92] Pessoal, São Paulo, 2018. [93] Pessoal, São Paulo, 2018. [94] Pessoal, São Paulo, 2018. [95] Pessoal, São Paulo, 2018. [96] Pessoal, São Paulo, 2018. [97] Pessoal, São Paulo, 2018. [98] Pessoal, São Paulo, 2018. [99] Pessoal, São Paulo, 2018. [100] Pessoal, São Paulo, 2018. [101] Pessoal, São Paulo, 2018. [102] Pessoal, São Paulo, 2018. [103] Pessoal, São Paulo, 2018. [104] Pessoal, São Paulo, 2018. [105] Pessoal, São Paulo, 2018. [106] Téchne, São Paulo, 2007. [107] Pessoal, São Paulo, 2018. [108] Pessoal, São Paulo, 2018. [109] Pessoal, São Paulo, 2018. [110] Pessoal, São Paulo, 2018. [111] Pessoal, São Paulo, 2018. 143


[112] Pessoal, São Paulo, 2018. [113] Pessoal, São Paulo, 2018. [114] Pessoal, São Paulo, 2018. [115] Pessoal, São Paulo, 2018. [116] Pessoal, São Paulo, 2018. [117] Pessoal, São Paulo, 2018. [118]Pessoal, São Paulo, 2018. [119] Pessoal, São Paulo, 2018. [120] Pessoal, São Paulo, 2018. [121] Pessoal, São Paulo, 2018. [122] Pessoal, São Paulo, 2018. [123] Pessoal, São Paulo, 2018. [124] Pessoal, São Paulo, 2018. [125] Pessoal, São Paulo, 2018. [126] Pessoal, São Paulo, 2018. [127] Pessoal, São Paulo, 2018. [128] Pessoal, São Paulo, 2018. [129] Pessoal, São Paulo, 2018. [130] Pessoal, São Paulo, 2018. [131] Pessoal, São Paulo, 2018. [132] Pessoal, São Paulo, 2018. [133] Pessoal, São Paulo, 2018.

144


Tabelas [Tabela 1] IBGE e PNAD, 2015. [Tabela 2] PNAD, 2014. [Tabela 3] Nabil Bonduki, São Paulo, 2014. [Tabela 4] Nabil Bonduki, São Paulo, 2014. Imagens das aberturas das três partes do trabalho [1] Pessoal, São Paulo, 2017. [2] Blog Eco House Group, Londres, 2013. [3] Pessoal, São paulo, 2018.

145


Referências bibliográficas Livros, artigos e documentos: AMORE, Caio; SHIMBO, Lúcia; RUFINO, Maria Beatriz. Minha casa... E a cidade? Avaliação do programa Minha Casa, Minha Vida em seis estados brasileiros. Observatório das Metrópoles. 1. Ed. – Rio de Janeiro, Letra Capital, 2015. ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo in SADER, Emir & GENTILI, Pablo (orgs.) Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade: FAPESP, 2017. _______. Os pioneiros da habitação social no Brasil: Cem anos de política pública no Brasil. Moderno, volume 1. São Paulo: Editora Unesp: Edições Sesc São Paulo, 2014. BONDUKI, Nabil; KOURY, Ana Paula (orgs.). Os pioneiros da habitação social no Brasil: Inventário da produção pública no Brasil entre 1930 e 1964, volume 2. São Paulo: Editora Unesp: Edições Sesc São Paulo, 2014. _______. Os pioneiros da habitação social no Brasil: Onze propostas de morar para o Brasil. Moderno, volume 3. São Paulo: Editora Unesp: Edições Sesc São paulo, 2014. CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de Muros: Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2003. 146


CARDOSO, Adauto. O Programa Minha Casa, Minha Vida e seus Efeitos Territoriais. Observatório das Metrópoles, Rio de Janeiro, Letra Capital, 2013. COSTA, Fábio. Notas sobre o combate a imóveis vazios no Centro de São Paulo: constatações, possibilidades e utopias da reforma urbana. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. XVII ENANPUR, São Paulo, 2017. DUMÉNIL, Gerard; LÉVY, Dominique. A Crise do Neoliberalismo. São paulo, Boitempo, 2014. IÑAKI, Ábalos. La buena vida, visita guiada a las casas de la modernidad. Barcelona, GG, 2000. KOWARICK, Lúcio. Escritos Urbanos. São Paulo: Editora 34, 2009. MARICATO, Erminia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. PALLASMAA, Juhani. Habitar. Tradução: Alexandre Salvaterra, Brasil, GG, 2017 PRADO Jr, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1992. ROGERS, Richard; GUMUCHDJIAN, Philip. Cidades para um Pequeno Planeta. GG. 2014 ROLNIK, Raquel. Guerra dos Lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São paulo: Boitempo, 2015. _________. O Programa Minha Casa Minha Vida nas regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas: aspectos socioespaciais e 147


segregação in Cad. Metrop., São Paulo, v. 17, n 33, pp 121-154, maio 2015. _________. Territórios em conflito: São Paulo: espaço, história e política. São Paulo: Três Estrelas, 2017. SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo. Razão e Emoção. São Paulo: Edusp, 2006. SEVERINO, Joaquim Antônio. Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo: Cortez, 2007. VIGLIECCA, Héctor & Associados. Hipóteses do Real: Concursos de Arquitetura e Urbanismo. São Paulo: Arquirteto Héctor Vigliecca e Associados Ltda, 2012. VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. Fapesp, 2001. _________. O Terceiro Território: Habitação Coletiva e Cidade. São Paulo: Arquirteto Héctor Vigliecca e Associados Ltda, 2014. WHITAKER, João. Produzir casas, construir cidades? Desafios para um novo Brasil urbano. São Paulo, SP: Fupam, 2012. Links: Arquitetura parasita: ampliando o uso dos espaços urbanos. Disponível em: <https://www.polobauru.com.br/single-post/2017/09/20/Arquiteturaparasita-ampliando-o-uso-dos-espa%C3%A7os-urbanos>. Acessado em 22 de out 2017. Arquitetura parasita: entenda o conceito que é bem mais legal do que o 148


nome sugere. Disponível em: <https://blogdaarquitetura.com/arquitetura-parasita-entenda-oconceito-que-e-bem-mais-legal-do-que-o-nome-sugere/ >. Acessado em: 20 de set 2017. Arquitetura parasita: ocupação, criatividade e transformação. Disponível em: <https://wikihaus.com.br/arquitetura-parasita-ocupacao-criatividade-etransformacao/>. Acessado em: 18 de set 2017 Blocos de concreto celular: Principais características e vantagens. Disponível em: <http://engenhariaconcreta.com/blocos-de-concreto-celular-principaiscaracteristicas-e-vantagens/>. Acessado em 25 de ago 2017. BREGATTO, Paulo Ricardo; SILVA, Tiago Holzmann da. Construir no construído: pré-existência e coexistência. Relato de uma experiência didática .Vitruvius, Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/ read/arquitextos/09.101/102>. Acessado em: 3 de out 2017 IANDOLI, Rafael. O que é a arquitetura parasita. E como ela ganha espaço em cidades. Nexo Jornal. 2017. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/09/05/O-que%C3%A9-a-arquitetura-parasita.-E-como-ela-ganha-espa%C3%A7oem-cidades>. Acessado em: 18 de set 2017. Imagens: chapas de fibro cimento. Disponível em: <https://www.google.com.br/

149


UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Trabalho Final de Graduação Habitar a cidade: o necessário existente e o utópico possível Thais Valente Petri Professores orientadores: Abílio Guerra e Angelo Cecco São Paulo, 2018


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.