A Produção de Sentido no Cinema de Alfred

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Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Curso de Comunicação Social Disciplina: Projeto Experimental III Orientadora: Marta Neves

A Produção de Sentido no Cinema de Alfred Hitchcock

Autor Carlos Eduardo G. Araújo Leonardo de Queiroz Sancho Thiago Rodrigues F. Coelho Raquel Silva Mariano Roberta Lorraine

Matrícula 379015 344585

Telefone E-mail 31-86373884 carlosgandolfi@gmail.com 31-34446018 leosidious@hotmail.com

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Belo Horizonte NOVEMBRO/2010 1


PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

A Produção de sentido no Cinema de Alfred Hitchcock

Carlos Eduardo G. Araújo Leonardo de Queiroz Sancho Raquel Silva Mariano Roberta Lorraine Thiago Rodrigues Felipe Coelho

Orientadora: Marta Neves Comunicação Social Projeto Experimental III

Belo Horizonte NOVEMBRO/2010 2


Índice Justificativa_________________________________________________________4 INTRODUÇÃO_______________________________________________________6 METODOLOGIA______________________________________________________8 CAPÍTULO 1: Trajetória Cinematográfica de Alfred Hithcock________________10 1.1 Hitchcock e o “cinema industrial”___________________________________ 18 2-

CARACTERÍSTICAS

DISCURSIVAS

DO

CINEMA

DE

ALFRED

HITCHCOCK________________________________________________________21 2.1.Controle de Informações __________________________________________21 2.2.Provocação do Lado Perverso do Espectador ________________________ 26 2.3- Uso de Metáforas e Metonímias ___________________________________31 3 – ANÁLISE DOS FILMES DE HITCHCOCK______________________________38 3.1.1 - A história de Festim Diabólico___________________________________38 3.1.2 O suspense do crime ___________________________________________40 3.1.3 Filmagem _____________________________________________________43 3.1.4 O baú como uma gaveta de mistério _______________________________45 3.1.5 O Voyeurismo e o exibicionismo __________________________________46 3.2 Janela Indiscreta ________________________________________________49 3.2.1 A história de Janela indiscreta ___________________________________49 3.2.2 O controle de informações ______________________________________49 3.2.3 Metáfora _____________________________________________________50 3.2.4 Voyeurismo___________________________________________________52 3.2.5 O uso do som _________________________________________________54 3.3. Psicose _______________________________________________________55 3.3.1- O Enredo de Psicose __________________________________________55 3.3.2- Os Personagens ______________________________________________55 3.3.3- O Uso de Metáforas ___________________________________________ 57 A) Som ___________________________________________________________ 57 B) A filmagem em Preto e Branco______________________________________58 C) Figurino ________________________________________________________59 3.3.4 - Provocação do Lado Perverso do Espectador_____________________ 60 CONCLUSÃO ______________________________________________________61 Referências Bibliográficas ___________________________________________63

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JUSTIFICATIVA A obra de Alfred Hitchcock marcou a história do cinema com o refinamento dos filmes de suspense. O diretor dominava a função, fazendo com que sua presença ficasse marcada com uma forma singular de fazer filmes de suspense. Alfred Hitchcock estava intimamente ligado à sua obra, tanto que costumava fazer aparições relâmpagos em seus filmes. Ele estava todo o tempo na produção, queria que tudo saísse de acordo com a sua vontade e não se curvava a fórmulas prontas. Os filmes de Hitchcock traziam toda a experimentação, o inovador, a possibilidade de se fazer algo que ninguém fizera e assim permitia-se ousar. O diretor não gostava de interferências em seus filmes, mas sim de ele mesmo cuidar de cada detalhe. Hitchcock não aceitava a idéia de que falhas dos profissionais que trabalhavam com ele pudessem comprometer o resultado final do filme. Assim, ele passou a conhecer profundamente a técnica para ficar atento a cada detalhe. Alfred Hitchcock sentiu a necessidade de se proteger dos atores, dos produtores, dos técnicos, já que as menores faltas ou os menores caprichos de algum deles podem comprometer a integridade de um filme. Para ele, o melhor meio de para se proteger era tornar-se o diretor por quem todas as estrelas de cinema sonham ser dirigidas tornar-se seu próprio produtor, estar bem informado sobre a técnica que os próprios técnicos. (TRUFFAUT, 1986. pag.14)

Em 1950, Arnold Hauser escreve sobre o mal-estar dos escritores frente ao cinema. Podemos fazer a partir de suas palavras, uma relação com o tipo de cinema que Hitchock queria fazer, como o menor número de intervenções alheias possíveis. Habituados [os escritores] a proceder à vontade dentro de suas próprias quatro paredes, são agora solicitados a levar em conta produtores, diretores, roteiristas, câmera man, diretores de arte e técnicos de todos os gêneros, embora não reconheçam a autoridade desse espírito de cooperação ou, na verdade, a própria idéia de colaboração artística. Seus sentimentos revoltam-se contra a idéia de a produção de obras de arte ser entregue a uma organização coletiva, a uma "empresa", e consideram ser um rebaixamento da arte que uma ordem alheia ou, na melhor das hipóteses, uma maioria estranha deva dizer a última palavra em decisões cujos motivos, com frequência, são incapazes de explicar. (HAUSER, 1995, p. 957-92.)

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Hitchcock estava presente em cada detalhe de seus filmes, desde a escolha dos atores, figurino, música, enquadramentos, etc. Uma prova desta autonomia é o filme Festim Diabólico, rodado em 1948. A inovação começa na questão da cor, já que é o primeiro filme colorido do diretor. A técnica do filme era contínua, sem interrupções na história. O filme foi portanto feito sem cortes , em um único plano. Hitchcock apostou na inovação ao deixar de usar muitas possibilidades de montagens. Porém todos os movimentos de câmera e os movimentos dos atores reconstituíam exatamente a maneira como o diretor costumava dar forma aos seus filmes. Em Festim Diabólico eu rompia com todas as minhas tradições e renegava minhas teorias sobre a fragmentação do filme e das possibilidades da montagem para contar visualmente uma história.( TRUFFAUT,1986,p.107)

Essa pesquisa estuda a estética da obra desse cineasta, analisando a construção da linguagem e os efeitos que seus filmes podem provocar. Hitchcock, naturalmente, influenciou o cinema moderno, seu estilo de fazer suspense, de prender a atenção do espectador, gerou seguidores ao longo dos anos. Por seu caráter revolucionário de se fazer cinema, podemos dizer que ele inaugurou uma escola do suspense. Buscamos então perceber a singularidade presente na obra de Hitchcock, o que ele tinha de diferente, o que ele trouxe de inovador. Quando estudamos a linguagem cinematográfica, também estudamos o ser humano e seu comportamento diante dos meios de comunicação. A sétima arte alcança uma popularidade que não encontramos nas outras e engloba diferentes classes sociais, estando presente desde sua forma mais comercial, até sua forma mais alternativa.

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INTRODUÇÃO Alfred Hitchcock foi um diretor que em muito contribuiu para o cinema mundial e é considerado por muitos o “mestre do suspense”. Por sua relevância e pelo valor de suas obras que se tornaram clássicos do cinema, decidimos fazer uma análise de sua filmografia, procurando identificar as técnicas utilizadas por ele na produção de sentido pelo espectador. Este projeto aborda elementos constituintes de um discurso tipicamente “hitchcockiano” (controle de informações, exploração do lado perverso do espectador, uso de metáforas e metonímias através do tratamento do espaço, do som e dos objetos de cena). O projeto discute como seus filmes se diferenciavam dos demais, e o que determinava sua singularidade com relação aos outros diretores. A obra de Alfred Hitchcock marcou a história do cinema com o refinamento dos filmes de suspense. O diretor dominava a função, fazendo com que sua presença ficasse marcada pela forma singular de realizar suas produções. Isso contribuiu para que seus filmes fossem considerados como sendo pertencentes a de um mesmo universo dentro do qual há regras e parâmetros inconfundíveis e singulares. Truffaut afirma que Alfred Hitchcock se diferencia dos outros diretores, pois domina tanto a parte técnica quanto a narrativa. Na minha opinião, Hitchcock supera-os pois é mais completo.É um especialista, não de tal ou qual aspecto do cinema, mas de cada imagem, de cada plano, de cada cena. Ama os problemas de construção do roteiro, mas ama também a montagem, a fotografia, o som. Tem idéias criativas sobre tudo, ocupa-se de tudo muito bem, mesmo da publicidade, mas isso todos já sabem. (TRUFFAUT, 1983, pág. 23)

Esta pesquisa pretende estudar as obras de Hitchcock, fazendo uma análise de elementos discursivos que individualizam a obra desse diretor, conquistando a adesão e instigando a imaginação do público. Presente neste projeto também está uma revisão de sua trajetória como diretor, desde sua entrada para o mundo cinematográfico, passando por sua evolução como profissional, bem como sua relação com a história do cinema, já que sua filmografia se desenvolveu juntamente com o cinema industrial em si, passando pela inovação da cor, do som e da melhoria dos recursos disponíveis. Hitchcock, como um cineasta comercial, conseguiu em sua filmografia, conciliar 6


as exigências comerciais próprias do cinema com a experimentação, criando novas formas de fazer o que já vinha sendo feito à exaustão por outros diretores, adicionando novas características, novos conceitos, novos resultados. Mostrando assim que experimentação e popularidade podem andar juntas no cinema.

É feita também a análise aprofundada de três filmes com base em características do universo discursivo hitchcockiano, observadas no estudo de sua filmografia. Os filmes escolhidos para a análise são: Psicose (Psycho, 1960), Festim Diabólico (Hope, 1948) e Janela Indiscreta (Rear Window, 1954). Estes filmes foram escolhidos pelo fato de serem mais conhecidos do grande público, além de que observamos neles vários elementos usados para a produção de sentidos que podem ser discutidos neste trabalho.

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METODOLOGIA

Este trabalho discute os aspectos característicos do cinema de Alfred Hitchcock, a fim de criar um contexto de base para o entendimento dos elementos usados pelo diretor na produção de sentido pelo espectador. Nas palavras de Heitor Capuzzo (2003), “Alfred Hitchcock soube legar ao cinema uma filmografia que permite o aprofundamento sobre o cinema narrativo industrial, influenciando alguns dos principais nomes do cinema moderno. Para a pesquisa bibliográfica, foram utilizadas obras de autores como Antônio Costa, Jacques Aumont, Julio Castro de Paz Cabrera, Rodrigo Cunha, Frundt, François Truffaut, Marcel Martin, dentre outros. Para melhor compreensão do cinema de Hitchcock, é formado um “corpus” de filmes do diretor para discutir como o mesmo se estrutura.

Nosso estudo é embasado na leitura de obras que nos mostram a construção da imagem fílmica para assim compreender como cada elemento é colocado em cena para a produção de vários sentidos pelo espectador. Um dos autores que contribuir AM para este estudo é Marcel Martin. Em seu livro A Linguagem Cinematográfica ele cita que “um filme é constituído de diversos códigos que são interpretados de várias maneiras pelo espectador. São esses códigos que vamos sistematizamos em nosso projeto para poder, assim, analisar os processos de significação na obra de Hitchcock. O filme, a mensagem- é um objeto concreto porque suas fronteiras coincidem com aquelas de um discurso que preexiste a intervenção do analista. Cada movimento de câmera é uma mensagem( uma das numerosas mensagens do código dos movimentos de câmera. Um filme é suscetível de oferecer vários sistemas de interpretação,de admitir vários níveis de leitura. (MARTIN,1985)

Para estudar a produção de sentidos, precisamos também compreender a relação entre o espectador e a imagem. O autor Jacques Aumont, em seu livro A Imagem, fala das mensagens psicológicas e cognitivas relacionadas ao espectador. Ele pondera que “a abordagem de tratar o espectador como parceiro ativo da imagem, emocional e cognitivamente, é imprescindível na identificação dele com a obra” (AUMONT, 1990). A leitura deste livro constitui parte importante na metodologia deste 8


projeto, pois nos deu um embasamento teórico para compreender o modo como a imagem é recebida pelo espectador ao assistir a um filme. A partir desta leitura procuramos responder questões fundamentais tais como a forma como a imagem pode representar o real, e como ela produz significações. As emoções são um ingrediente necessário ao suspense (...) na situação clássica da bomba que explodirá à uma hora dada, é o medo, o temor por alguém, e esse medo depende da intensidade que o público coloca na identificação com a pessoa em perigo. (TRUFFAUT, 1983).

Paralelamente, realizamos uma discussão acerca da obra do cineasta com foco na construção estética e na forma como ele trabalha para envolver o público e as ferramentas que utiliza como a música, o enquadramento, a edição, a fotografia e a escolha dos intérpretes. Hitchcock se preocupava principalmente em causar emoções no público, então era normal que em determinado filme, para causar efeitos diversos, focalizasse apenas na questão técnica, se isso fosse necessário, e daria menos importância a todo o resto. A exemplo de seu filme Psicose, sobre o qual ele mesmo comenta da importância que teve a manipulação da parte técnica para impactar o público. O assunto me importa pouco,os personagens importam pouco; o que me importa,é que a junção dos trechos de filme,a fotografia,a trilha sonora e tudo aquilo que é puramente técnico podiam fazer o público urrar(...). Não foi a mensagem que intrigou o público. Não foi uma grande interpretação que transtornou o público. Não foi um romance muito apreciado que cativou o público. O que comoveu o público foi o filme puro.(HITCHCOCK in Apud Truffaut,1983, pág. 23)

Finalmente, são analisadas as obras de Hitchcock: Janela Indiscreta, Psicose e Festim Diabólico a fim de desenvolver uma análise mais aprofundada. Com embasamento literário, de autores como: Truffaut, Rhomer, Chabrol, Capuzzo, entre outros, buscamos aplicar as teorias sobre o cinema de suspense e discutir a significação e os recursos mais utilizados por Alfred Hichock.

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1- TRAJETÓRIA CINEMATOGRÁFICA DE ALFRED HITCHCOCK Neste capítulo iremos apresentar a trajetória cinematográfica de Alfred Hitchcock e, desde o início na Inglaterra até toda a carreira nos Estados Unidos. Alfred Hitchcock nasceu em 13 de agosto de 1899 em uma família católica londrina de Leytonstone. O cineasta estudou mecânica, eletricidade e acústica em uma escola especializada, tendo trabalhado após os estudos no setor de publicidade. Truffaut afirma que esta experiência foi decisiva na carreira de Alfred Hitchcock, já que ele começou a fazer desenhos ilustrando anúncios publicitários. (TRUFFAUT, 2002) Hitchcock cresceu junto com o cinema. Aos vinte anos ingressou na indústria de filmes britânicos, e aos vinte e seis já dirigia seu primeiro filme. Nessa época, o cinema começava a ganhar mercado. Era uma nova forma de arte, e não mais um mero caça-níqueis, pois agora descobria a possibilidade de ter mecanismos e espaços próprios. (FRÜNDT,1986)

A estréia de Alfred Hitchcock na direção de filmes acontece em 1925, com Pleasure Garden, graças a uma co-produção entre Inglaterra e Alemanha. Mesmo com problemas financeiros, The Pleasure Garden consegue um bom resultado. Mas é no ano seguinte com o filme O Inqulino (The Lodger, 1926) que o cineasta inglês consegue, aos vinte e sete anos de idade, sucesso de público e crítica, tornando-se uma celebridade nacional. (GOSETTI, 2002). Com The Lodger, Hitchock começa a definir seu estilo. Em conversa com Truffaut, ele afirma que o trabalho na Inglaterra desenvolveu e engrandeceu o seu instinto natural, o instinto das idéias. Mas a técnica continuou estável, para ele, a partir do filme O Inquilino. O diretor afirma ainda que nunca mudou de opinião sobre o modo de usar a câmera desde esse filme. (TRUFFAUT, 2002, pg.99). Segundo Fründt, o filme The Lodger nos mostra um Hitchcock experiente. Ele cita a cena em que os apavorados donos do imóvel não ouvem o inquilino andando de um lado para outro no andar de cima, mas a câmera mostra aos espectadores seus passos nervosos. Em 1928, Alfred Hitchcock filma O Ilhéu (The Manxman), cujo roteiro gira em torno de um triângulo amoroso. Este foi o último filme mudo do diretor. Os críticos de cinema elogiaram a fotografia de Jack Cox, que consideraram excelente. Eric Rohmer 10


e Claude Chabrol, dois críticos contemporâneos á realização do filme, no livro intitulado Hitchcock falam da abundância de motivos e temas que se expandem em outros filmes do diretor. Eles afirmaram que Hitchcock escrevia minuciosamente e completamente, sem fugir ao conflito entre três pessoas, que é trabalhado com maestria. A moral não é suficiente para solucionar os problemas criados por ele. (RHOMER, CHABROL, 1957) Quanto à influência da cultura inglesa nos filmes do diretor, esta acompanha as obras do autor também na sua fase norte-americana e é perceptível no humor negro, no comportamento moderado, na frieza de seus personagens no confronto com os fatos da vida. As histórias “hitchcockianas” retratam pessoas comuns, aparentemente sem problemas e normalmente ricas ou de classe média alta. As mulheres de seus filmes são freqüentemente loiras e sofisticadas. Em 1939, após rodar o seu vigésimo filme, o cineasta se transfere para os Estados Unidos, atraído pelas possibilidades técnicas de Hollywood. Uma vez no continente americano, dirige o filme Rebecca, a Mulher Inesquecível (Rebecca, 1940), vencedor do oscar de melhor filme. É certo que em Hollywood, ele teve à sua disposição os melhores equipamentos e as condições mais favoráveis para realizar as suas experimentações cinematográficas. Mas se viu limitado muitas vezes, devido ao fato de ter que se adequar às exigências daquele novo ambiente e submeter-se à supervisão do produtor David O. Selznick Porém a preferência do cineasta pelos filmes de gênero condizia com a lógica mercadológica da indústria cinematográfica dos Estados Unidos. Segundo afirma Truffaut, o próprio Hitchcock escolheu alguns de seus personagens visando a interpretação de populares galãs e divas da “indústria de sonhos”, Hollywood. Ele afirma ainda que segundo Hitchcock, o público se deixava envolver mais facilmente pelo filme quando os protagonistas eram interpretados por atores já famosos. Dessa forma, o cineasta garantia popularidade às suas obras e assegurava o caráter comercial dos seus filmes, como desejavam as casas produtoras para as quais trabalhava. No ano de 1945, o diretor filma Spellbound (Quando fala o Coração, 1945). Segundo nos mostra Heitor Capuzzo, o filme é uma mostra da habilidade do diretor em articular dramaticamente a ação.

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Alfred Hitchcock tem o controle das informações, conquistando assim a platéia.

O roteiro mostra uma médica num asilo de loucos e está

apaixonada por um doente acusado de ter assassinado o futuro diretor do asilo. O cineasta usa o jogo das reviravoltas, em que é possível acompanhar com tensão as jogadas do roteiro. Tudo pode ser subvertido a qualquer momento. (CAPUZZO, 1993, pág. 37)

Festim Diabólico (Rope, 1948) tem como ponto de partida um texto teatral de Patrick Hamilton. Neste filme, Alfred Hitchcock realiza um complexo processo de montagem de câmera. Segundo Truffaut, esse processo consiste no fato de que geralmente as sequências de filmes são divididas em planos que duram cada um de cinco a quinze segundos. Há geralmente seiscentos planos em um filme de uma hora e meia. Alguns filmes chegam a ter mil planos, como acontece em Os Pássaros, que tem 1360 planos. Em Festim Diabólico, os planos duram cada um dez minutos, ou seja, a totalidade da metragem de filme contida em um

carregador de câmera.

Segundo nos afirma Heitor Capuzzo, neste filme, é possível observar a obsessão do diretor por detalhes ao sintetizar as cenas a partir de expressões, olhares e, sobretudo, do silêncio. Na década de cinqüenta, Alfred Hitchcock dirige o filme Pacto Sinistro (Strangers on the train, 1951). Escolha pessoal do cineasta, este filme é baseado no romance de Patricia Highsmith. Mais uma vez, assim como havia feito em Murder (1930) e Rebecca (1940) o diretor aborda o homossexualismo, mas agora de maneira perversa e irônica. Nos anos cinqüenta, tal argumento era um tanto desagradável e, portanto, indesejado pela sociedade, que ainda enfrentaria a revolução sexual da década de sessenta. Mas Hitchcock soube como satisfazer o público, fazendo uso do tema de forma sutil, sem nenhuma menção explícita ou apelativa, segundo nos mostra Gosetti. (2002) Em 1954, foi rodado Janela Indiscreta, (Rear Window, 1954). Este filme é um exemplo do modo “hitchcockiano” de contar uma história, utilizando-se dos meios prestados pelo cinema, sem recorrer ao diálogo explicativo. Baseado em um conto de Cornell Woolrich, esta obra, como definiu Truffaut (2003), trata da indiscrição humana e da intimidade violada e da prática do voyeurismo de forma despudorada tanto por parte do protagonista, quanto do público.

Através do ponto de vista do protagonista Jeff, o público assiste às ações diárias dos vizinhos do repórter, ou seja, bisbilhota, da mesma janela e no mesmo 12


instante, aquilo que vê o protagonista. Com Janela Indiscreta, Hitchcock dá uma lição de linguagem visual aplicada à cinematografia. Como em uma música, os vários temas do filme – casamento, suicídio, decadência

e

morte

se

encontram

e

se

correspondem

harmonicamente, “em uma união de realismo, poesia, humor macabro e puro espetáculo” (TRUFFAUT, 2003, pág. 47)

Ainda na década de cinqüenta, Hitchcock dirige Ladrão de Casaca (To Catch a thief, 1955), O terceiro Tiro (The trouble with Harry 1956), O Homem que Sabia Demais (The man who knew too much, 1956) e o O Homem Errado ( The wrong man, 1957).

Alfred Hitchcock fez duas versões para o filme O Homem que sabia Demais. A primeira é de 1934. Segundo nos afirma Fründt, este filme segue o modelo hitchcockiano de colocar um malfeitor extremamente forte e agressivo para duelar com o protagonista, além de uma mocinha cuja sorte preocupa o espectador.

Ao fazer uma comparação entre as duas versões, Fründt nos mostra que na primeira, filmada em 1934, há o predomínio da ação rápida, e na segunda ele se ocupa de um retrato da vida familiar para, só depois, tornar evidente a ruptura que ocorrerá. A primeira versão é definida pela estrutura da perseguição, e a nova reforça mais os conflitos morais e emocionais. No primeiro filme há uma turbulenta cena de tiroteio, enquanto no segundo o conflito se apresenta internamente, entre os sentimentos contraditórios que não são tratados com ironia na versão de 1934 (FRÜNDT, 1986) Há diferenças só entendidas e explicadas pelo tempo. A essa altura Hitchcock já era americano, ou seja, já se naturalizara e perdera o medo de enfrentar a instituição Igreja de frente. Assim ele filma uma briga no interior de um templo de uma obscura seita. (FRÜNDT, 1986, pg.147)

Em 1958, Alfred Hitchock dirige Um Corpo que Cai (Vertigo, 1958). O filme foi baseado no livro de Boileau e Narcejac, autores franceses que escreveram especialmente para o diretor. O livro teve a sua história preservada, com exceção de 13


apenas um pequeno detalhe: no romance o leitor descobre a verdade sobre as duas mulheres junto com o detetive apaixonado, enquanto no filme o espectador recebe tal informação logo que a personagem Judy aparece e, portanto, muito antes do personagem de James Stewart. Quase todos os filmes de Hitchcock possuem um ritmo rápido e passagens de improviso, mas O corpo que Cai é diferente. Este é um filme lento, com um ritmo que pode ser definido como contemplativo e natural. Na justificativa de Hitchcock, isto se dá porque a história é contada a partir das emoções e do ponto de vista de um homem apaixonado. (TRUFFAUT, 1986, pág. 86)

Em 1959, o cineasta dirige Intriga Internacional (North by nortwest, 1959) em que o alvo é a guerra fria. Segundo nos mostra Heitor Capuzzo a corrida espacial acirra as relações entre potências. O autor afirma que Hitchcock se declara antisoviético. Para ele, o filme serve de preâmbulo para futuras produções, como a série James Bond, Intriga Internacional pode ser classificado como comédia ligeira, com toques românticos, tendo em sua estrutura dramática momentos onde o suspense pontua as seqüências mais expressivas. (CAPUZZO, 1993, pág. 38)

O autor afirma ainda que no filme Intriga Internacional, Alfred Hitchcock expõe outras matrizes usadas no cinema ao longo das próximas décadas, tais como perigo, aventura, fortes emoções, mulheres lindas e traiçoeiras que são ingredientes que o cinema usou á exaustão no decorrer dos anos sessenta.

Alfred Hitchcock inicia os anos sessenta dirigindo o seu filme mais famoso, Psicose (Psycho, 1960). Neste filme, o cineasta rompe o pacto de cumplicidade com o espectador (a identificação com o herói) para privilegiar o medo no seu estado mais puro (GOSETTI, 2002).

Segundo Truffaut Psicose é uma obra propositalmente em preto e branco. A princípio, Hitchcock não pensava em fazer um filme importante. Com a soma de oitocentos mil dólares, uma equipe televisiva e pouco tempo à sua disposição, rodou o filme pretendendo realizar experiências.

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Psicose (Psycho) é um marco decisivo na evolução de Hitchcock, e não apenas por ter sido um investimento de 800 mil dólares que deu um retorno de 20 milhões de dólares e que fez de Hitchcock um abastado milionário.

Psicose

funcionou

como

um

filme

de

horror

que

desencadeou, nos Estados Unidos, uma onda com os efeitos mais brutais que se possam imaginar. (FRÜNDT, 1986, pg. 168)

O cinema tradicional costumava seguir um esquema narrativo composto pela apresentação do conflito, o desenvolvimento deste, um único clímax e o seu desenlace. No entanto, Hitchcock rompe com a tradição e opta por recriar tal esquema, apresentando três pontos culminantes diversos na obra: a morte da protagonista, a morte do detetive e a busca pela verdade feita pela irmã da protagonista.

Também na década de sessenta, Alfred Hitchcock filma Os Pássaros (The Birds, 1963). A história do filme é inspirada no livro de Daphne du Maurier, aproveitando deste somente a idéia inicial: pássaros tomados por uma espécie de fúria atacam humanos, iniciando pelo campo até chegar na grande cidade, nas escolas e dentro das casas.

Do romance, Hitchcock não explicou o ataque dos pássaros, aliás, na obra não existe nenhuma explicação para este fato. À medida que o filme progride, os pássaros se tornam mais escuros, violentos e numerosos. Truffaut afirma que Hitchcock pensou em mostrar no filme que os pássaros sofriam de uma doença, provavelmente a raiva, mas achou que seria horrível demais utilizar esta desculpa, preferindo assim deixar o ataque sem explicações. Numa das cenas do filme, ele usou um experiência pessoal para retratar o momento em que a mãe do protagonista encontra um fazendeiro atacado pelos pássaros. Enquanto filmava, ele leu uma nota em um jornal de São Francisco sobre corvos que estavam atacando ovelhas bem próximas ao local onde o filme estava sendo rodado e que os pássaros arrancavam os olhos de suas vítimas. Assim surgiu a inspiração para a cena em que o fazendeiro é encontrado sem os olhos.

Diferentemente dos demais filmes de Hitchcock, em Os Pássaros não existe um assassino ou falso culpado. Permanece sim o suspense, o mistério e o medo comuns 15


nas obras “hitchcockianas”, mas desta vez acompanhados de um toque sobrenatural, segundo nos afirma Capuzzo.

O filme data de 1963, quando ainda não se usava o computador na construção de efeitos especiais para o cinema. Os recursos técnicos artificiais empregados pelo autor foram artesanais. Para tanto, Hitchcock contou com a ajuda do “mago dos efeitos”, Ub Iwerks, que, no filme, recebe os créditos como consultor visual – e do pintor Albert Whitlock. A trilha sonora é de Bernard Herrmann e não possui música. É composta somente por barulhos e sons emitidos pelos pássaros, mas montados precisamente como em uma partitura musical.

Na mesma década Hitchcock dirigiu Marnie Confissões de uma Ladra (Marnie, 1964), Cortina Rasgada (Torn curtain, 1966) e Topázio (Topaz, 1969).

Em Marnie Confissões de Uma Ladra, o diretor afirma em uma entrevista dada a Truffaut, que seu interesse era mostrar um amor fetichista. Um homem quer dormir com uma ladra exatamente pelo fato de ela roubar. Segundo afirma o próprio Hitchcock, o que faz com que o espectador se apaixone desta forma é o fato de que essa ladra tão corajosa dependa dele, já que ele conhece o seu segredo e só dependeria dele entregá-la a polícia.

Alfred Hitchcock inicia a década de setenta dirigindo Frenesi (Frenzy, 1972), que é um retorno às origens “hitchcockianas” não somente porque é filmado em Londres, com todos os personagens muito ingleses, mas porque remete ao seu segundo filme, The Lodger, já que em ambos existe a figura do assassino de mulheres. A história de um maníaco assassino, que parece retirado das páginas policiais de um jornal e que deveria aparecer muito real diante dos olhos do público. Para trazer realismo ao filme, o cineasta empregou alguns elementos narrativos. A cor e a atmosfera em Frenesi são muito reais, pois respondem a uma precisa idéia da cidade e são frutos de uma minuciosa escolha de detalhes.

Pela primeira vez, Hitchcock renunciou a protagonistas femininas do porte de Grace Kelly, fascinantes e sofisticadas. Em Frenesi, aparecem as mulheres comuns presentes no cotidiano de cada espectador. As atrizes Barbara Leigh-Hunt (Brenda Blaney), Anna Massey (Babs), Vivien Merchant (Mrs. Oxford) e Billie Whitelaw (Hetty 16


Porter) deram ao filme um maior peso realístico, aumentando a carga de veracidade da história parecida com aquelas das páginas policiais.

Em 1976, Alfred Hitchcock dirige seu último filme, Trama Macabra (Family Plot) que mais uma vez recorre a tramas paralelas que se mostram durante a narrativa, como já havia feito em Janela Indiscreta.

Se por um lado o sucesso comercial de seus filmes permitiu a Hitchcock obter, aos poucos, liberdade de experimentação narrativa, por outro pesou negativamente nos comentários dos críticos daquela época (GOSETTI, 2002). Somente na década de cinqüenta houve a reavaliação crítica do cinema norte-americano clássico e, conseqüentemente, das obras de Hitchcock. Tal acontecimento se dá graças à geração de cineastas franceses que, antes de se tornarem protagonistas (como cineastas) da conhecida Nouvelle Vague, sustentaram certa idéia de cinema nas páginas da Cahiers du Cinéma. Através daquela revista, nomes como Truffaut, Chabrol, Rivette e Rohmer conduziram uma verdadeira campanha de promoção e defesa das obras de Hitchcock, considerando-o como um autor. Hitchcock é um dos maiores inventores de formas de toda a história do cinema. Sobre este argumento somente Murnau e Ejzenstejn, talvez, podem sustentar uma comparação com ele (Hitchcock) (...) A forma, aqui, não enfeita o conteúdo: cria-o. Tudo de Hitchcock é contido nesta fórmula (CHABROL, 2002, pg. 137)

. A produção de sentido dos filmes de Hitchcock não é feita através do enredo, da fábula contada, mas através de elementos da linguagem cinematográfica. Como explicitado na anterior citação de Chabrol e Rohmer, o conteúdo é a forma nos filmes do diretor inglês. Hitchcock, prodigioso discípulo de Griffith e Murnau, revolucionou o cinema de seu tempo e impressionou os críticos da Cahiers por deter “a noção do movimento da câmera e da sua integração na montagem” e por “pensar a cena em termos dramáticos e dinâmicos como um todo , e não como uma sucessão de inquadraturas plásticas” (CHABROL; ROHMER, 2002, pág. 98)

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Em 1980, pouco antes de morrer, recebe o título de Knight Commander of the British, ou seja, o de cavaleiro inglês. Hitchcock morreu em 29 de abril de 1980, em Los Angeles. Realizou um total de 53 filmes e, entre 1955 e 1962, outras vinte produções para a televisão (GOSETTI, 2002). Em muitos de seus filmes, o diretor usou aquilo que é denominado de Camafeu - uma breve aparição de uma pessoa conhecida, neste caso o próprio Hitchcock. Ele pode ser visualizado em muitos de seus filmes em aparições breves, geralmente no início para criar elementos de distração da trama principal e evitar que o espectador se disperse caso a aparição do diretor acontecesse mais adiante no filme. Em Os Trinta e Nove Degraus (The thirty-nine steps, 1935), o diretor caminha numa rua, assim como em Festin Diabólico (Hope, 1948). Em Jovem e Inocente (Yong and innocent, 1937), aparece na saída do tribunal, segurando uma câmera de forma desajeitada. Em Psicose (Psyco, 1960), aparece na entrada do escritório onde Janet Leigh trabalha.

Alfred Hitchcock também dirigiu filmes para a televisão. A série Alfred Hitchcock Apresenta foi uma antologia de filmes produzida pelo próprio diretor e a Shamley Productions. Essa série contou com, além de dezessete telefilmes dirigidos pessoalmente pelo diretor, cerca de 243 dirigidos por outros realizadores. Nos episódios, Hitchcock aparecia dando boas-vindas aos telespectadores e assim iniciava a introdução do episódio do dia, com um tom de voz geralmente irônico sobre o crime ou alguma questão truculenta, e eventualmente realizando aparições durante os intervalos comerciais.

Em cinqüenta anos como realizador, Alfred Hitchcock construiu uma carreira estritamente pessoal, curiosamente sempre atrelada ao esquema do cinema industrial. Seus filmes legaram matrizes dramáticas que até hoje podem ser detectadas nos principais nomes do cinema de grande apelo popular. (CAPUZZO, 1993, pág 11)

1.1 Hitchcock e o “cinema industrial” O cinema, de acordo com Heitor Capuzzo (1993), é um “produto cultural eminentemente industrial”, pois sua produção se baseia em alguns padrões técnicos como duração, sistema sonoro, etc. Segundo o autor, há cineastas que produzem 18


filmes bem artísticos e são depois absorvidos pelo esquema industrial, e aqueles que produzem filmes diretamente para o chamado “cinema industrial” e que logo são classificados como artesãos, produzindo o que de melhor há entre as produções cinematográficas, que é o caso de Hitchcock. Para Capuzzo (1993), a história de Hitchcock se confunde com a do próprio cinema, pois sua filmografia foi desenvolvida durante cerca de cinqüenta anos. Ele trabalhou com o sistema mudo, o sonoro, o surgimento da cor, com os primeiros equipamentos leves, com a sofisticação dos estúdios norte-americanos, com as vanguardas artísticas, mas, como esclarece o autor, o diretor manteve-se sempre fiel ao seu universo. “Ele soube retirar de cada fase de sua filmografia o máximo de experimentação, principalmente no nível da articulação fílmica” (CAPUZZO, 1993). O autor explica ainda que o cinema, por ser uma atividade que requer grande concentração de capital e tecnologia, precisa de todo um planejamento, racionalização da produção, e até uma rotina de consumo, com novos filmes sendo lançados a todo o momento para suprir a demanda das salas de exibição. O autor define essa forma de produção como “estrutura serial”. No chamado “cinema industrial” há uma série de regras básicas que são utilizadas na grande maioria dos filmes produzidos. O formato linear da trama, a presença de um protagonista e um antagonista, o desenvolvimento da narrativa com um final feliz (happy ending), são algumas delas. A utilização ordenada de recursos como montagem, apresentação de informações e detalhes, visuais ou sonoros, que ajudam no entendimento e garantem o desenvolvimento da trama, Capuzzo chama de “matrizes dramáticas”. De acordo com Capuzzo (1993) dentro da “estrutura serial”, tornou-se possível detectar matrizes dramáticas num inventário narrativo, tomando algumas como suporte para o vago conceito de linguagem cinematográfica. Entre elas o fato de que a câmera procura sua não explicitação, confundindo-se com o olhar dos espectadores de forma que eles se esqueçam dos ângulos e enquadramentos, concentrando sua atenção no tema e nos atores. Ainda segundo Capuzzo (1993) o cinema industrial obedece aos princípios da dramaturgia clássica grega, onde toda a ação obedece a uma lógica, é linear e ininterrupta, propiciando um crescimento dramático. A fotografia quase sempre procura 19


uma fotogenia límpida, sem grandes contrastes, onde tudo é iluminado, mantendo uma homogeneidade, uma organização compreensível, o que o autor define como “decupagem imagética”. “Alfred Hitchcock foi um dos mais completos cineastas que pesquisaram e aperfeiçoaram matrizes, extrapolado os caminhos até então apontados. Em suas mãos, o filme industrial confundiu-se com o cinema de ruptura. Matrizes utilizadas até o desgaste foram então renovadas

pela

complexidade

de

sua

dramaturgia.

Hitchcock

aperfeiçoou as possibilidades da narrativa no cinema, reinventando o filme industrial a cada novo título”. (CAPUZZO – 1993)

20


CAPÍTULO 2 2- CARACTERÍSTICAS DISCURSIVAS DO CINEMA DE ALFRED HITCHCOK Este capítulo trata da apresentação e análise dos elementos discursivos utilizados por Alfred Hitchcock, a fim de produzir os efeitos desejados no espectador, bem como a forma peculiar como o diretor os utilizava, tornando notório o seu trabalho em toda a sua filmografia, influenciando alguns dos principais nomes do cinema moderno. Alfred Hitchcock se preocupava principalmente em criar suspense em cada um de seus filmes. Para obter a cumplicidade do público, ele trabalha diversos elementos como som, montagem e matrizes dramáticas de forma peculiar. Reunimos aqui alguns recursos fundamentais do discurso de Hitchcock: controle de informações, a exploração do lado perverso do espectador, o uso especial de metáforas e metonímias associadas a objetos, espaço, ação, som e enquadramentos. 2.1- Controle de Informações O controle das informações é um fator decisivo nos filmes de Alfred Hitchcock. Ao fazer isso, o diretor tem nas mãos a chave para manter o suspense e surpreender o espectador. Em Festim diabólico o espectador sabe a todo o momento que o corpo de David está dentro do baú que está servindo de mesa para os convidados da festa. Essa informação nas mãos do espectador mantém a tensão do mesmo durante toda a projeção, pois nenhum outro personagem além dos assassinos sabe disso. O medo de que alguém descubra permeia o longa e cada ameaça a esse segredo aumenta a tensão. A forma com que Hitchcock mostra e esconde informações em Janela Indiscreta é estranhamente ordenada e, ao mesmo tempo muito natural. Há coisas acontecendo nos apartamentos vizinhos de forma simultânea e independente, mas que só podem ser vistas quando os mesmos estão diante das janelas, pois há paredes entre elas. Há momentos em que o fotógrafo troca as objetivas da câmera, para ver mais de perto um acontecimento, e o espectador passa a ver de acordo com essa nova perspectiva. Há ainda momentos em que um personagem interrompe sua observação, desviando sua 21


atenção. Há certo incômodo no espectador, como se alguém na cadeira ao lado desviasse temporariamente sua atenção. E há fatos importantes que irão acontecer exatamente nesses intervalos. O espectador tenta então preencher esses lapsos pela própria imaginação. A identificação espectador-personagem é imediata, pela própria natureza do ritual voyeurístico. (CAPUZZO – 2003) Janela indiscreta apresenta-se como um quebra cabeças. O tema é pouco interessante. Discutir eticamente o comportamento do fotógrafo também não será muito produtivo. [...] O fascínio maior está na análise da articulação dos fragmentos. O espectador passa a ser mais do que um assistente; sugere correlações entre os fragmentos que, em sua maioria são apresentados segundo a ótica do personagem central. (CAPUZZO – 2003, pág. 63)

No filme Os Pássaros, há a cena em que Melanie aguarda a saída da filha da escola. Enquanto aguarda impaciente, o playground é mostrado ao fundo. Pássaros vão se aproximando um a um, pousando no local, aumentando sua impaciência. Chega um momento em que o playground está lotado de pássaros, e Melanie olha aterrorizada e sai lentamente em direção à escola. Durante essa cena, o som de fundo é uma música infantil, entoada de forma crescente e repetitiva, contrastando com o pânico de Melanie. Isso torna a tensão crescente devido à estrutura acumulativa utilizada tanto no som, quanto nas imagens. Além do controle das informações por parte de Hitchcock. O espectador sabe do perigo dos pássaros e da presença deles no local, mas Melanie ainda não sabe, pois está ansiosa olhando para a escola.

É

quando o suspense se instaura. Na abertura de psicose, o controle de informações se dá logo na abertura do filme quando aparece o nome da cidade de Phoenx, onde acontece a história e até mesmo o horário. Isto foi feito, segundo Hitchcock para mostrar que aquela era a hora do almoço e que era o único momento que Marion podia fiar o seu amante Enquanto em Janela indiscreta a fragmentação das informações é o aspecto principal, em Festim diabólico ocorre o contrário. O filme foi feito em um planosequência. Alfred Hitchcock inovou ao realizar um filme em que as unidades de tempo e espaço são mantidas durante todo a narrativa. Embora tenha nove cortes, estes são imperceptíveis por não possibilitarem mudança no espaço ou no tempo da ação, o que dá veracidade aos acontecimentos da tela. É como se o conflito apresentado durasse 22


exatamente oitenta e cinco minutos – o tempo da projeção. (CAPUZZO – 2003) O diretor tem especial atenção aos detalhes, além de certo didatismo nas informações. Logo no início do filme, Hitchcock se encarrega de apresentar ao espectador todas as informações necessárias para que o mesmo se localize e entenda exatamente onde e quando os eventos irão acontecer. O que pode parecer uma forma de simplificar o conteúdo para alcançar um público maior é na verdade uma estratégia para focar a atenção do espectador no que realmente importa: o desenvolvimento dramático. A ambigüidade é uma constante nas tramas de Hitchcock. Mas essa ambigüidade se limita aos personagens, suas ações, suas mentes. Não há espaço para especulações sobre questões espaciais e temporais, pois pouco importam no universo criado pelo diretor. Heitor Capuzzo (2003) compara essa forma de Hitchcock conduzir seus filmes com um jogo. Segundo o mesmo, o diretor propõe um jogo ao espectador, apresentando logo no início as regras básicas necessárias para que este possa jogar. Cabe ao espectador decidir se irá jogar ou não. A forma com que o jogo irá se desenvolver é que trará as surpresas. Nos primeiros minutos de seus filmes, Hitchcock se preocupa em localizar o espectador no espaço ou mesmo geograficamente. E o faz por meio de letreiros informativos

sobrepostos

às

imagens

ou

aos

créditos

iniciais,

geralmente

acompanhadas de um plano geral do local. Por exemplo, em Interlúdio (Notorious – EUA – 1946), os créditos iniciais são sobrepostos à visão de uma grande cidade. E um letreiro informa: Miami – Flórida, 23h, 24 de abril de 1946. Logo depois se inicia uma seqüência de planos, do mais aberto ao mais fechado, localizando os personagens e nos deixando a par do contexto em que estão inseridos logo no início da trama.

A lógica temporal e espacial é essencial para que haja a ilusão de presente na projeção de um filme. Hitchcock utilizava de forma extremamente eficaz seus recursos para aprimorar essa sensação de que o que está na tela está acontecendo no presente. O posicionamento da câmera e o que ela mostra ou esconde do espectador é de fundamental importância. Quando o espectador tem acesso ao filme, o momento de criação já ocorreu. Cinema é simulacro. Só o registro do ocorrido é publicamente

23


oferecido, sob a ilusão de que o presente possa ser ainda compartilhado. Assim o cinema atinge sua especificidade. Trata-se de uma arte temporal, onde o tempo e o espaço são articulados de forma simultânea, dinâmica e pretérita. (CAPUZZO – 2003, pág. 48)

Ainda em Janela Indiscreta é onde se percebe o maior exemplo da importância do jogo de informações e da verossimilhança para o sucesso do filme. No início do longa, o espaço é apresentado predominantemente pela ótica do personagem principal. Nota-se rapidamente que o espaço em que a trama irá ocorrer é bastante limitado. E a visão que o espectador terá dos acontecimentos ficará quase sempre restrita ao olhar do personagem. O espaço é subjetivo. Essa constatação se dá pelas informações que Hitchcock apresenta de forma objetiva e clara nesse primeiro contato. O personagem central está imobilizado, numa cadeira de rodas devido a um acidente recente em seu trabalho como fotógrafo. As fotos nas paredes mostram quão movimentadas era sua vida antes do acidente. Isso nos remete ao “sonhar acordado” referido por Metz (1968) que corresponde a um estado psíquico que afasta o espectador dos problemas do dia-adia, trazendo um prazer imaginativo e compensando toda e qualquer situação ruim enfrentada no cotidiano. Essa seria a “situação cinema”, que se refere às condições que os freqüentadores de cinema buscam, de se isolar do mundo exterior com sua perturbação visual e auditiva, evitando se deparar com qualquer condição que os faça despertar da viagem á fantasia da história e voltar à realidade. (ISMAIL XAVIER, 1983) O espectador entra, assim, no mundo da ficção, crendo no que Capuzzo chama de o “real da tela”. Alonso (2010) explora esse sentido da verossimilhança. Sendo que esta, segundo o autor em um sentido comum, “é a qualidade ou o caráter do que é verossímil ou verossimilhante; e verossímil o que é semelhante à verdade, que tem a aparência de verdadeiro, que não repugna à verdade provável.” Ainda, segundo o autor, para a compreensão do que seja verossimilhança, a mesma é fundamental para o estudo da literatura e das artes em geral, desde a Poética de Aristóteles, que entendia que não é ofício do poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade”. (ALONSO, 2010) A verossimilhança está diretamente ligada à manipulação das informações, pois é a partir desse processo que acontece o envolvimento do espectador. A partir do conceito apresentado por Alonso (2010), pode-se perceber como a verossimilhança está presente em filmes, novelas e obras literárias. Pois, o autor 24


afirma que a verossimilhança mostra a ligação do consumidor com o produto final, que o observa, como parte de sua realidade.

Para Cabrera (2006), a verossimilhança está ligada inicialmente a cópia da realidade, como na poética aristotélica. Mas ele também deixa clara a forma como também segundo Aristóteles o poeta se distingue do historiador, pois, enquanto o historiador descreve os fatos como são, o poeta os descreve como deveriam ser.

Cabrera (2006), ainda, traça uma comparação entre a poética aristotélica e o neo-realismo italiano. Este último é analisado por meio do filme Ladrões de Bicicleta, integrante do movimento Neo-Realismo, originário na Itália no meio dos anos 40. Por outro lado, Cabrera (2006) problematiza apontando um possível comprometimento das idéias Neo-Realistas utilizando-se da linguagem do cinema em comparação com a poética aristotélica. Sendo assim, Cabrera (2006) cita que o próprio Alfred Hitchcock faz uma declaração a respeito de uma de suas obras-primas, que segundo ele, se trata da mais inverossímil obra-prima de suspense, Os 39 degraus de 1935. Hitchcock então afirma que: “O melhor do filme é a rapidez das transições. Tivemos de trabalhar muito para consegui-la, mas valeu a pena. Tratava-se de utilizar uma idéia depois de outra, privilegiando a rapidez em detrimento da verossimilhança. Enquanto escrevia o roteiro de 39 degraus, perdi o interesse pela plausibilidade da trama. Descobri que nenhuma ficção pode ser analisada desta forma. Pedir a um escritor que leve em conta a verossimilhança pareceria tão absurdo quanto pedir a um pintor que represente as coisas com exatidão. Para isto existe a fotografia. Ou, no caso do cinema, os documentários”(Citado por CABRERA, 2006, p. 87)

Cabrera (2006), ainda diz que o espectador espera ser enganado com algo que se pareça com a realidade, e muitas vezes, a mesma não cumpre este requisito. Desse modo a verossimilhança é a característica do que se parece com o real, imitando-o. Sendo que, nos filmes ela está ligada a um pouco de inverossimilhança, no sentido de que nada pode ser dito filosoficamente em um filme sem que antes a imagem se imponha, sendo integrada com todo o resto que compõe o filme. E como foi dito pelo próprio Hitchcock, não se pode exigir, por exemplo, que um pintor represente as coisas com exatidão. Para isso existe a fotografia. O que ele pretende 25


dizer com isso é que as pessoas não querem histórias verdadeiras, o espectador prefere uma verossimilhança possível, por isso ele explora as potencialidades da verdade e do possível em seus filmes.

2.3 – Provocação do Lado Perverso do Espectador Segundo Xavier (1983), comentando o pensamento de Jean-Louis Baudry, a linguagem cinematográfica é construída a partir da convenção existente instaurada no momento da Renascença, onde o olhar do espectador é o principio central da representação visual para a construção de coerência e ordem. O cinema clássico utiliza esse elemento, colocando o espectador como o centro de tudo. O público, nesse processo, agarra-se á representação do mundo que está na tela, desgarrandose, ao mesmo tempo, de sua própria realidade. Forma-se com isso a construção inconsciente de um sujeito ideal (o herói, o protagonista dos filmes) cultivado pelo homem ocidental através de uma ideologia embutida nas narrativas do cinema. Xavier (1983) ainda discute o pensamento de Baudry sobre as condições reproduzidas pela sala escura e o que elas produzem no espectador, associando a experiência á “fase do espelho” na criança. Segundo Baudry esta fase é de um certo período de aprendizagem e de autoconhecimento, em que a criança através de suas experiências se reconhece através de sua imagem no exterior, refletida através de sua relação com as outras pessoas. Hitchcock nos remete a uma experiência da “fase do espelho”, quando nos coloca em situações de questionamento da nossa personalidade,sugerindo a inversão de valores, quando em alguns filmes, faz com que os protagonistas tenham atitudes fora da lei e mesmo assim consegue brilhantemente que as pessoas torçam por eles. Em Psicose, por exemplo, vemos isso quando a garota rouba uma grande quantia de dinheiro, ao invés de depositá-lo no banco para seu chefe, querendo conquistar o seu sonho de ir morar com a pessoa que ama. O diretor coloca todos ao lado da moça que se vê sem saída ao passar por vários apuros até sua morte de forma trágica. Ou em Festim Diabólico, após o assassinato de um personagem logo no início da trama por dois jovens, que oferecem uma festa, os dois passam por vários momentos tão tensos, que o espectador se coloca ao lado deles, cogitando sobre o que os jovens poderiam ter feito para não serem descobertos. 26


Em Janela Indiscreta, devido á falta de mobilidade do personagem principal,o espectador está também imobilizado, já que sua visão é limitada pela situação em que se encontra o personagem. Mas isso só ajuda a identificação crescente entre eles durante a projeção. A partir do momento em que o personagem começa a espiar a vida alheia através das janelas, o espectador está junto dele, vendo exatamente o que ele vê, deixando de ver o que o personagem não vê e, conseqüentemente, criando hipóteses e tirando conclusões precipitadas a respeito. Isso demonstra a característica voyeurística presente nos filmes de Hitchcock. Segundo Machado (2002), as primeiras imagens cinematográficas surgem anteriormente ao cinematógrafo dos irmãos Lumirére, essas imagens foram produzidas através de instrumentos com visores individuais, cuja utilização tinha como objetivo principal observar intimidades de pessoas a partir da famosa “espiada”. Instrumentos como mutoscópio e o quinetoscópio, foram utilizados com esse objetivo de revelar detalhes fechados de cenas sigilosas que foram principais inspiradoras de obras cinematográficas. Machado (2002) enfatiza ainda que os temas dos filmes em que foi utilizado esse recurso de visualização individual sejam voltados para a sensualidade, propiciando ao olhar do espectador uma sensação, uma malícia que leva de forma inevitável à escopofilia, que é o erotismo embutido no olhar, em que se busca de maneira bisbilhoteira a imagem do outro, a fim de registrar fatos pessoais de sua intimidade sem ser percebido. O cinema foi concebido, desde suas origens, como um lugar (em geral escuro) onde se pode espiar o outro, onde a pulsão do olhar encontra um terreno propício para manifestação. O “pecado original” do Voyeurismo está na base do próprio dispositivo técnico do cinema, está nas máquinas de espiar através de buracos,

fendas

(fenaquisticópio,

zootrópio),

ou

através

de

visores

(mutoscópio, quinetoscópio), está nas salas escuras, cavernas e peepshows, onde se pode refugiar para ver sem ser visto. (MACHADO, 2002, pag. 124.)

O autor fala sobre a numerosa quantidade de filmes de voyeur surgidos nos primeiros 10 a15 anos do cinema, que retratavam o indiscreto ato do voyeur de observar as vidas alheias. Essa forma inaugural de se fazer filmes acabou por contaminar toda a linguagem cinematográfica, resultando em um dos mais importantes gêneros do princípio: o filme de buraco de fechadura, essa expressão remete a como era chamado esse tipo de filmes que mostravam pessoas espiando cenas da vida 27


íntima alheia. O autor fala sobre o voyeurismo comumente utilizado já nesse período nos espetáculos de lanterna mágica, o que nos mostra que o cinematógrafo apenas seguiu dando continuidade ao meio anterior a ele. Pressupõe-se que o filme de voyeurismo é o primeiro recurso a realizar tomadas de aproximação do ator, onde no quinetoscópio já se conseguia enquadramentos com possibilidades importantes de ampliação dos detalhes. Articulando possibilidades de preparar o espectador a adquirir novas experiências do olhar nesse sentido, são apresentados como exemplo enquadramentos mais próximos como o detalhe no primeiro plano do beijo do casal Irwin-Rice e o enquadramento da cintura para cima do halterofilista Sandow sem que haja estranhamento das imagens por parte dos espectadores da época. Porque essas imagens projetadas em tamanho grande poderiam dar a sensação de que o corpo dos atores tivesse sido “decepado”, mas no quinetoscópio a projeção individual não parecia estranha ao observador. Mas havia um recurso de enquadramento que evitaria o não reconhecimento do espectador, era o recorte de uma luneta ou de um microscópio, efeito esse que mais tarde seria muito bem empregado nos filmes eróticos, mesmo que de início as pessoas não houvessem se acostumado. O que não foi problema para Méliès, ao exibir imagens de cabeças gigantes nas telas causadas pelo primeiro plano. Machado (2002) (...) o filme voyeurista vai interessar sobretudo pelo papel que jogou, ao lado do filme de perseguição, na construção do novo modelo narrativo e na preparação do espectador para uma nova experiência do olhar, que hoje chamaríamos de subjetiva. (MACHADO, 2002, pag. 126.)

O espectador, naturalmente deixa de assistir ao filme com os seus próprios olhos, para experimentar um olhar já predisposto, induzido a se direcionar de acordo com a intenção dos produtores dos filmes, originando o olhar proporcionado pelo plano “subjetivo”, que é referente ao olhar do personagem, experimentando a possibilidade de se aproximar do filme, mais propriamente a sensação de contato com os protagonistas a ponto de entrar na história, entrar em cena e confundir-se com a posição da câmera. Nessas circunstâncias o espectador não se sente mais restringido pela platéia, muito pelo contrário, é como se não tivesse mais ninguém além dele e os personagens do filme. E ele quase pode tocar os personagens com os dedos, e lhe é permitido presenciar cenas que anteriormente lhe seriam proibidas, cenas da vida privada. (MACHADO, 2002). Segundo o referido autor, o olhar através do buraco da fechadura nunca foi 28


deixado completamente, prova disso são os filmes modernos que fizeram ótimo proveito desse recurso como Peeping Tom (A tortura do medo/1960), Blow Up (Depois daquele beijo/1966), Krotki film o milosci (Não amarás/1968) e finalmente Rear window (Janela indiscreta/1954) entre tantos outros, que também fazem o uso dessa técnica buraco da fechadura dentro de novas linguagens, proporcionando a compreensão do cinema como lugar de pulsão escópica. (Machado 2002)

Laura Mulvey nos fala da sociedade construída de maneira patriarcal em que a mulher apresenta uma ameaça inconsciente de castração e se limita simbolicamente a certos clichês em sua participação social. Isso proporciona a oscilação do olhar sobre a imagem da mulher como uma ameaça ou como figura materna. A mulher, desta forma, existe na cultura patriarcal como o significante do outro masculino, presa por uma ordem simbólica na qual o homem pode exprimir suas fantasias e obsessões através do comando linguístico, impondo-as sobre a imagem silenciosa da mulher, ainda presa a seu lugar como portadora de significado e não produtora de significado. (MULVEY, 1983, pag. 438)

Diante desse fato a imagem da mulher fica presa à ordem machista expresso em uma sociedade que limita sua atuação a ser significante do outro masculino, comprimindo sua participação enquanto cidadã a apenas existir, exprimindo sua imagem com uma aura de objeto fixo, calado e obediente permanecendo a proibição de qualquer ação que possa contribuir para a construção da esfera social. (Mulvey, 1983).

O desejo da mulher fica sujeito à sua imagem enquanto portadora da ferida sangrenta; ela só pode existir em relação à castração e não pode transcendê-la. (MULVEY, 1983, pag. 438)

O cinema é marcado principalmente pelo prazer de espiar e de ser observado, incorporando o desejo de tormar o outro como um objeto, através do olhar fixo e controlador direcionado ao observado. Vários elementos próprios do cinema de hoje são frutos de convenção pré-existentes herdadas por uma sociedade patriarcal, impregnados em várias formas artísticas com potencialidades grandes na produção de prazer e que por se tratar de linguagens da construção da organização social muitas 29


vezes são inquestionáveis ou imperceptíveis diante dos participantes. ( Mulvey, 1983) A idéia de voyeur se resume objetivamente na satisfação pessoal do sujeito de observar de forma anônima, ou seja, sem ser notado ou identificado outra pessoa em sua intimidade. Dessa forma, o cinema contemporâneo foi montado e estruturado para seguir esse formado já pré-estabelecido que por muitas gerações propicie satisfação ao seu público. Muitos são os aparatos existentes no cinema para isso e não propriamente em outras manifestações culturais. Daí vem a discussão de Ismail Xavier acerca desse assunto. Pode-se começar com o prazer proporcionado pelas salas escuras do cinema, ao espectador observar o que se passa diante de seus olhos sem que ninguém note a sua presença, dando a sensação de isolamento. Esse aspecto de total escuridão não se encontra, por exemplo, no teatro, mesmo porque nos intervalos os espectadores se colocam em contato com outros ao seu lado. Hitchcock brinca com essa questão quando em seu filme Janela Indiscreta, o jornalista observa de seu apartamento o senhor do prédio em frente, do qual se desconfia ser o autor do assassinato. Quando o referido suspeito descobre ser observado, volta o seu olhar ao observador, esse, ao perceber que não é mais uma figura anônima, logo se afasta para trás buscando a escuridão. Ou em Psicose quando o assassino leva a hóspede para o aposento ao lado do cômodo em que ela iria ficar, observa a moça em sua intimidade através de um buraco escondido em sua parede, que dá acesso visual à bela loura protagonista, apreciando o prazer de observar a vítima pouco antes de cometer o crime. Outro aspecto é o de que por mais que o ator do cinema saiba que será assistido na exibição das telas, ele realiza sua interpretação como se não fosse observado, seguindo suas tarefas até concluir o que o roteiro lhe pede. Diante disso quem presencia a exibição, por mais que saiba disso, cria uma falsa ilusão de que o ator/personagem não sabe ser observado. O filme não é exibicionista. Eu olho para ele, mas não ele pra mim a olhá-lo. Contudo, sabe que olho. Mas faz que não sabe. Esta denegação fundamental foi o que orientou todo o cinema clássico pelas vias da “história”, que apagou-lhe sem cessar o suporte discursivo... (METZ, Cristian. Historia/Discurso (notas sobre dois voyeurismos). In: A experiência do cinema / Ismail Xavier,1983, p. 407)

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O jornalista se vê com pouca atração por sua namorada, mesmo ela aparecendo em seu apartamento e desfilando com roupas da última moda para apimentar o relacionamento. Somente quando a donzela se projeta em seu ângulo de visão possibilitado por sua lente, quando ela invade o apartamento do vizinho que desconfiam ser o autor do crime, correndo risco de ser pega em flagrante no momento da invasão, é que ele retoma sua paixão e aumenta seu desejo pela garota. Ou mesmo, em muitos dos filmes de Hitchcock, quando ao situar o espectador na localidade onde se passa a história, ele inicia com uma panorâmica sobre a cidade, depois identifica o imóvel de algum personagem importante onde se iniciará alguma cena. Logo após ele se aproxima da janela adentrando a moradia e propiciando a sensação de invadir a intimidade dos personagens em cena. Como é o caso de Psicose ou Festim diabólico.

2.4- Uso de Metáforas e Metonímias

Determinados enquadramentos, objetos, trilha sonora ou até mesmo o silêncio podem ser usados nos filmes para a produção de diferentes interpretações parte do espectador. Alfred Hitchcock usou esses recursos de forma peculiar em seus filmes. Metáforas e metonímias eram constantes em suas tramas a partir do uso de objetos e elementos narrativos. Conforme define Marcel Martin (2003), metáfora consiste em substituir a significação própria de uma palavra por outra que não convém a essa palavra senão em virtude de uma comparação mental. Cherubine (1989) afirma que metáfora é uma “figura de linguagem em que se dá uma substituição da significação natural de uma palavra por outra em virtude de uma relação de semelhança subtendida”. Podemos definir ainda segundo Garcia (2008) que metáfora é uma relação de similaridade entre duas palavras ou expressões, como uma comparação implícita, sem a presença do elemento comparativo, o que a diferencia da comparação em que o objeto comparativo está presente. Já metonímia, é definida por Patrick Charaudeau (2004) como uma das 31


principais figuras do discurso junto com a metáfora, e designa, globalmente, as operações retóricas que jogam com a combinatória dos termos no interior dos enunciados. Operações que são de natureza trópica (substituição de termos). Ainda em seu dicionário, Charaudeau cita a definição de Fontanier (1968), mais específica, em que este afirma que a metonímia constitui um “tropo por correspondência”, que consiste na “designação de um objeto pelo nome de outro objeto, que constitui, como ele, um todo absolutamente à parte, e que lhe deve, ou ao qual aquele deve, de alguma forma, seja por sua existência, seja pela sua maneira de ser”. . Em Pacto Sinistro nota-se uma metonímia, na qual um pedaço do todo representa todo o resto. Na história, dois homens se encontram por acaso e acabam tramando um crime no qual ambos terão vantagens. Eles se unem para realizar a tarefa, mas no meio disso, um deles desiste e toma outros rumos. Nos créditos iniciais deste mesmo filme, dois trens, indo na mesma direção, mas em trilhos diferentes, uma hora se cruzam em uma interseção e o paralelismo é forçado durante alguns metros, mas logo se afastam novamente, indo cada um para o seu lado, fazendo alusão à trama que será mostrada no decorrer do longa. A continuidade visual encontrada no filme Festim Diabólico foi usada pelo diretor para evidenciar aquilo que é essencial á narrativa. Os objetos tornam-se metáforas, ganham assim um papel importante na trama, dando pistas de que algo aconteceu naquele ambiente. O baú, por exemplo, onde está localizado o corpo de David, acaba se tornando quase que um personagem, deixando de ser apenas um móvel.

Outro objeto importante no filme é o piano, que em determinado momento serve de refúgio para um dos assassinos, atormentado pelo medo e culpa. Segundo Capuzzo, até mesmo as portas ganham relevância neste filme de Alfred Hitchcock, destacando a da cozinha, em vai-e-vem, que permite ver a sala do apartamento. A porta da sala seria, portanto uma passagem simbólica entre o mundo externo e a reclusão em que os idealizadores do crime se encontram. Na cena final do filme, as janelas são finalmente abertas, o som invade o ambiente e o silêncio é quebrado. O ambiente agora não tem mais a imunidade de antes, pois todos poderão ver o que se passa dentro do apartamento. 32


O chuveiro e a banheira onde ocorre o assassinato de Psicose fazem parte do imaginário dos espectadores até hoje. Não tem como pensar no filme sem recordar esta cena. Fründt nos mostra que anos antes, no filme Chantagem e Confissão, de Hitchcock, há um diálogo em que uma vizinha fofoqueira conta histórias de crimes á criminosa, afirmando que,após ouvir contarem sobre um brutal assassinato numa banheira, não tem coragem de entrar na sua própria. Há três meses só usa o chuveiro.

Ao que tudo indica, o diretor não conseguiu esquecer a vizinha, e trinta anos depois, com a cena de Psicose, deve ter feito a tal senhora evitar a banheira novamente. (FRÜNDT, 1986).

Os espelhos também foram muito usados por Hitchcock em seus filmes. Segundo Fründt, eles representam a personalidade fragmentada dos personagens. O espectador pode ser também um reflexo do criminoso, podendo inclusive cometer os mesmos atos que ele. Pode-se dizer mesmo que os diversos personagens do filme são aspectos de uma única pessoa... O espectador. Um indício disso são os inúmeros espelhos no filme Psicose, dispostos onde tudo é reflexo: ou da mente do diretor ou da mente dos espectadores. (FRÜNDT, 1986, pág. 87)

Os objetos, portanto, ganham relevância através de um enquadramento, de uma movimentação de câmera, estando em movimento ou mesmo estáticos. Ismail Xavier nos mostra que o objeto no cinema pode adquirir uma fisionomia que é própria dele, que independe do espectador, e outra determinada pelo ponto de vista do espectador e pela perspectiva da imagem. Durante o filme, porém, essas duas perspectivas se fundem, tornando-se quase que imperceptíveis para os espectadores. Assim, o enquadramento poderá ser feito para mostrar contornos que expressam o caráter objetivo do objeto ou pode interessar mostrar mais o estado de espírito do personagem através dele.

No filme Festim Diabólico, durante a cena em que um dos assassinos interpretado por Farley Granger toca piano, a luz do abajur é acesa pelo personagem de James Stewart. O assassino então logo pede para que ele apague a luz. Podemos 33


perceber que a luz acesa dá um tom de interrogatório, de descobrir a verdade sobre o assassinato, tudo que o personagem de Granger não quer naquele momento. Enquadramento e composição dão as imagens num filme paixão ou charme, uma objetividade fria ou fantásticas qualidades românticas. A arte da angulação e do enquadramento significa para o diretor e para o operador de câmera o mesmo que o estilo significa para o narrador, e é aqui que a personalidade do artista criativo se reflete de forma mais imediata. (XAVIER, 2003, pág. 85)

Ismail Xavier (1983) mostra ainda que o enquadramento e o ângulo podem

fazer com que as coisas se

tornem odiosas, adoráveis, aterradoras ou ridículas

conforme a vontade do diretor . Alfred Hitchcock faz com que um baú velho de livros ganhe contornos mórbidos ao fazer dele um esconderijo para um cadáver. Durante o jantar em Festim Diabólico, as velas colocadas sobre ele dão um ar fúnebre à cena, fazendo com que o baú pareça um caixão e os convidados da festa pareçam velar um morto. . Capuzzo (2003) reforça que o espaço ganha dimensão dramática nas mãos de Hitchcock. Assim como fez na cena do piano em Festim Diabólico, Alfred Hitchcock faz um jogo entre luz e escuridão, no filme Janela Indiscreta. Quando Grace Kelly, que interpreta a noiva do personagem central aparece pela primeira vez, a sala do apartamento fica iluminada através dos abajures. Com a presença do assassino, o ambiente fica escuro novamente. Essa escuridão dá ao espectador uma mostra do que irá acontecer, ou seja, de que algo ruim está para acontecer. Ao mesmo tempo em que quando a noiva do fotógrafo aparece, podemos ter a sensação de que ela é uma pessoa boa. Heitor Capuzzo afirma que neste filme, os objetos ganham nova dimensão dramática, como por exemplo, as lâmpadas que se quebram no final. Esses objetos que emitem luz delimitam ou expandem o espaço, modificando-o. No cinema de Hitchcock, os objetos não estão na cena por acaso, eles adquirem relevância à medida que a história é contada e muitas vezes, acabam se tornando personagens do filme, dependendo do enquadramento e do ângulo em que são filmados. No cinema, é a arte da angulação e do enquadramento que revela essa fisionomia antropomórfica de cada objeto, e um dos postulados da arte cinematográfica diz que nem um centímetro de imagem deve ser neutro e sim expressivo, deve ser gesto e fisionomia (XAVIER, 2003, pág. 64)

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Não só os objetos, mas até mesmo os animais são usados por Hitchcock para evidenciar momentos de tensão em seus filmes. Conforme Fründt, os pássaros exemplificam esse argumento. No filme Chantagem e Confissão (Blackmail,1929), quando Anny Ondra recobra os sentidos e se veste, nervosa,as aves cantam interrupta e agitadamente, Aves como sinal de confusão ou de perturbação mental aparecem com freqüência nas obras de Hitchcock, como no filme Os Pássaros. Em O Marido Era o Culpado alguns pássaros estão junto ao agente que tenta proteger a assassina; gaivotas sobrevoam o cadáver encontrado no porto em Jovem e Inocente; em A Dama Oculta, pombas voam por toda a parte quando Redgrave e Lokwood procuram a dama que sumiu; Kim Novak (Um Corpo que Cai) traz sempre consigo uma gaivota; em Ladrão de Casaca, Hitchcock senta-se no ônibus ao lado de Cary Grant levando uma gaiola; em Topázio, gaivotas aparecem bicando migalhas no chão enquanto o casal de agentes fotografa o porto. Fründt afirma que quanto mais assistimos aos filmes do diretor, mais serão encontrados exemplos de pássaros mensageiros da infelicidade, metaforicamente. O som também é um recurso explorado com maestria por Alfred Hitchcock. Mesmo tendo iniciado sua carreira quando o cinema ainda era mudo, ele soube aproveitar cada possibilidade desta inovação, dando tratamento especial a esta área.

Em Psicose, a famosa cena da banheira se tornou clássica devido ao som. Na cena, os acordes musicais é que fazem os cortes no corpo de Marion. Em Janela indiscreta, o som adquire ainda mais complexidade. Mesmo quando o personagem está observando os vizinhos com a câmera, o som continua em plano geral. Não há como ouvir as falas dos vizinhos à distância, obrigando o espectador a construir um som subjetivo para as seqüências. Na parte final do filme, quando o assassino resolve procurar o fotógrafo, ouvem-se passos e ruídos que permitem refazer imageticamente o trajeto possível da aproximação do assassino, elevando a tensão á o nível de tensão a nível sufocante.

Em Festim diabólico o silêncio predomina. A ação se desenvolve sem nenhuma trilha ao fundo, exceto nas horas em que o personagem de Farley Granger toca piano. O silêncio predominante reforça o tom natural do desenvolvimento da trama. Os únicos momentos em que o som aparece são para reforçar fatos absolutamente marcantes, e mesmo assim, sem quebrar a naturalidade proposta, pois o som é 35


sempre o do piano. Como na cena em que Phillip está sendo argüido pelo professor Rupert. Ele tem medo de ser descoberto pelo assassinato do amigo e está extremamente ansioso. Ele toca uma música lenta, a fim de tranqüilizar-se, ao mesmo tempo em que conversa com Rupert. Quando o professor lhe faz uma pergunta ameaçadora, ele começa a tocar mais rapidamente, e com um tom mais alto, ratificando a tensão do personagem.

Alfred Hitchcock aguçava o medo presente em cada um de nós, mesmo estando implícito. Segundo Chabrol e Rohmer, o diretor trabalha com as regiões onde existem os medos, as fobias, as obsessões e todo tipo de paixões em sua forma mais pura. Conforme Fründt, Alfred Hitchcock explora o mundo dos pesadelos, com imagens que penetram mais profundamente na consciência do espectador. No clímax fantástico de suas obras, encontramos a representação mais clara de um mundo de pesadelos, retratando o eu interior das pessoas. Ao lado de toda a audácia técnica, Hitchcock sempre encontra imagens que expressem esse mundo perfeitamente, isto é, sem palavras, puramente cinematográfico (TRUFFAUT, 1983, pág. 72)

Em Os Pássaros, no sétimo ataque, o barulho produzido pelo ataque dos pássaros é ensurdecedor e a sensação de ameaça à família que se esconde na casa é tangível. Estilhaços das janelas são ouvidos, aumentando a tensão, pois algum deles pode ter entrado. Em instantes o som cessa bruscamente e surge o silêncio, num momento de distensão repentina. Os Pássaros, sem dúvida,é uma obra de arte em todos os sentidos,desde a trilha sonora, concebida por Bernard Herrmann, até a apresentação das asas batendo dilacerando as palavras do título. Os gritos de pássaros produzidos eletronicamente criam um efeito sonoro enervante. (FRÜNDT, 1986, pág. 59)

As características discursivas do universo hitchcochiano fizeram com que seus filmes se diferenciassem dos demais diretores,além de não perder a originalidade ao longo dos anos. O cineasta Truffaut afirma logo após a morte de Alfred Hitchcock:

O homem estava morto, mas não o cineasta, pois seus filmes realizados com um cuidado extraordinário, uma paixão 36


exclusiva, uma emotividade extrema mascarada por um domínio técnico raro, não deixarão de circular difundidos através do mundo, rivalizando com as produções novas, desafiando a usura do tempo, confirmando a imagem de Jean Cocteau falando de Proust: “Sua obra continuava viva como os relógios no pulso dos soldados mortos”. (TRUFFAUT, 1986, pág. 24)

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CAPÍTULO 3 3 – ANÁLISE DOS FILMES DE HITCHCOCK Este capítulo tem por finalidade fazer uma análise de três filmes de Hitchcock. Sendo eles: Festim Diabólico, Janela indiscreta e Psicose. O objetivo é aprofundar em suas obras, para melhor compreensão das mesmas bem como da atuação do diretor. Para evitar repetição de temas, focaremos nas características essenciais e mais marcantes de cada produção. 3.1 - FESTIM DIABÓLICO

3.1.1 - A história de Festim Diabólico Festim Diabólico tem uma história que é simples, mas repleta de personagens que tornam o filme complexo e dinâmico, no sentido de ser imprevisível. É levemente baseada em um caso real. Em 1924 os jovens Leopold e Loeb de 19 e 18 anos respectivamente, raptaram e mataram um garoto de 14 anos chamado Bobby, na cidade de Chicago. Sendo assim, o caso teve grande repercussão em jornais da época. Ambos foram julgados, mas conseguiram escapar da pena de morte, sendo apenas aprisionados. Loeb morreu na prisão, e Leopold saiu dela após 45 anos, morrendo no início dos anos 70. Era quase evidente que ambos eram homossexuais, o que nunca foi tido como certo. (Koball, 2004). Para Alexandre Koball (2004), em Festim Diabólico, Hitchcock pegou apenas a premissa geral para criar o roteiro e manter uma suspeita de homossexualismo, da forma mais sutil possível, tanto que muitas pessoas nem desconfiam quando assistem ao filme. Segundo Koball (2004), Festim Diabólico é um dos melhores suspenses de todos os tempos. Pois, para ele, assistir ao filme pela primeira vez, é enfrentar uma tensão crescente que poucos diretores já conseguiram passar para as telas. Nada de fantasmas ou aparições. Portanto, Festim Diabólico trata do real, apresentando os maiores defeitos e qualidades das emoções humanas, funcionando tanto como um simples entretenimento quanto um estudo aprofundado de personagens. (Koball, 2004). Sendo assim, Festim Diabólico analisa de forma magistral o doentio desejo do ser humano de ser superior aos seus semelhantes, com um trabalho não só de um 38


gênio do Cinema, mas de um conhecedor da alma humana. O público então torce para que o crime perfeito se concretize. (Armani, 2010). Capuzzo (1993) destaca que no começo de Festim Diabólico, são apresentados uma rua, um prédio, uma janela e ouve-se em off um grito. Após em primeiro plano uma pessoa é enforcada e os assassinos são apresentados aos espectadores. Eles colocam o corpo no baú e abrem a cortina da sala. Assim como em Pavor nos Bastidores e em Pacto Sinistro, as cortinas se abrem para avisar que o espetáculo irá começar. Hitchcock, então deixa espaço para que os espectadores conheçam os assassinos e se preparem para que o espetáculo do suspense comece, deixando o baú da sala com uma conotação mórbida ao se saber que o morto está lá. Pois, os objetos em Festim Diabólico, são tratados de forma dramática, quase na mesma proporção que os atores. (CAPUZZO, 1993) Outro aspecto que destacamos é a presença marcante de uma personagem feminina, a namorada do personagem David,Araújo (1984), fala da importância do significado da mulher, presente nos filmes de Hitchcock. Para começar o autor cita a questão da sexualidade do próprio Hitchcock, que havia confessado a Truffaut que há anos não tinha relações com sua esposa “Alma”, por isso ele compara a vida pessoal do diretor que era de certa forma moderada, com o erotismo presente em seus filmes. O autor diz ainda que nos filmes de Hitchcock, o “casal” tem que passar por várias situações de risco, para encontrar-se unido no final, pois a mulher é o símbolo do perigo e da fraqueza masculina. O autor vai comparar as personagens de Hitchcock, com outras do mesmo estilo americano da época onde a mulher pode arrastar o homem para a desgraça e a morte, ao contrário do que o diretor fazia. Pois as personagens de Hitchcock tocam apenas com o olhar e demonstram frieza, e apesar disso, permanecem intocadas, exceto em Psicose onde a relação com a sexualidade é explícita. A indiferença da mulher, citada pelo autor é percebida no filme Festim Diabólico, na namorada de David (Janet) que não se mostra preocupada com o sumiço dele. Por exemplo, na cena em que o professor (Rupert) pergunta por David na hora do jantar, ela simplesmente diz que está com fome, não se importando com o motivo do namorado não estar presente. (ARAÚJO, 1984) Rangel (2007), também cita a figura feminina Hitchcockiana, pois essas mulheres estão sempre bem vestidas e enfeitadas. Apesar de mostrar discrição em seu figurino, as atrizes fazem papéis de mulheres sérias e ao mesmo tempo sensuais. O autor afirma que Hitchcock, remete à sexualidade na tela, mas não explicitamente. 39


Janet de Festim Diabólico é da forma como o autor descreve as personagens de Hitchcock, está bem vestida, arrumada, mas com descrição. Assim como ela, as outras personagens do filme, duas senhoras, estão igualmente elegantes. Machado (2002), fala do cinema hollywoodiano que freqüentemente trabalha com o desejo do público, ativando seus sonhos e seus pensamentos do inconsciente, sendo ao mesmo tempo, moralista, controlador, mas mostrando aquilo que por outro lado o público quer ver, ou seja, o que ele mesmo censura. O fato de mostrar e esconder se torna então um jogo que envolve e aguça o espectador. Dessa mesma forma, Hitchcock trabalha suas personagens femininas, ele apenas desenvolve no público o desejo de ver, mas não mostra explicitamente a sexualidade de suas personagens. Os assassinos de David, Philip e Brandon são personagens que se destacam em Festim Diabólico. Rangel (2007) fala da importância da figura dos assassinos nos filmes de Hitchcock, que em algumas obras se apresentam como assassinos dissimulados e falsos, em outras como verdadeiros vilões. No Caso de Festim Diabólico, temos a figura dos assassinos que estão a todo o momento sendo dissimulados com os outros personagens da historia. Fazendo com que todos acreditem que David uma hora ira chegar à festa, sendo que ele já está morto. Enquanto Philip se mostra preocupado, Brandon toma um drink como se nada estivesse acontecendo. Neste filme, há um confronto de personalidades dos assassinos. Estes, a todo o momento reagem de formas diferentes nos momentos de questionamento ao desaparecimento de David. Isto mostra que poderia ser qualquer pessoa da festa o assassino, pois mesmo com personalidades diferentes, Brandon e Philip, se tornam iguais ao desejarem a morte do amigo. Hitchcock, então compara os assassinos com pessoas comuns, já que qualquer pessoa poderia ter cometido aquele delito.

3.1.2 O suspense do crime Nos anos 20, Hitchcock cria aos poucos o gênero do suspense em seus filmes, que se acentua no filme Blackmail. Foi nesse filme que Hitchcock introduziu som, o que foi vital para o gênero. Outra inovação, também está presente em Festim Diabólico, pois foi o primeiro filme de Hitchcock a ser rodado em cores. (ARAÚJO, 40


1984). Araújo (1984) cita que, Hitchcock dizia que “quanto mais bem sucedido o vilão, melhor o filme”. O autor diz que seus vilões ocupam sempre uma culpa menor do que realmente deveriam ter, fazendo que o público até torça por eles. O que acontece em Festim Diabólico, onde o público fica na expectativa, por exemplo, para que a empregada não abra o baú e desvende o assassinato antes da hora, enquanto os assassinos estão distraídos, cria-se então o suspense típico de Hitchcock. Hitchcock enriqueceu os personagens, criando vilões, que freqüentemente são apenas homens comuns que cometeram erros e que merecem o perdão do espectador. Nesse contexto Araújo (1984) fala sobre a exploração do bem e do mal nos filmes de Hitchcock, onde os dois sentimentos se confrontam diretamente. Esse confronto entre o bem e mal que está presente nos filmes de Hitchcock, também é característico dos dois assassinos de Festim Diabólico, onde Brandon se mostra mais confiante e Philip mais vulnerável e inseguro em relação ao crime, se debatendo entre o certo, o errado e o medo de ser descoberto. Ainda a respeito do suspense presente nos filmes de Hitchcock, o autor fala da identificação do olhar do público, com o olhar câmera, onde o papel da câmera é muito mais significativo, pois ela entra na investigação e cada ângulo é escolhido com um propósito a fim de criar sentido à cena. Despertando no espectador o voyeurismo e a perversidade presente em cada um, assim as pessoas se vêem envolvidas na trama e seu olhar investigativo entra no filme tornando-se parte dele. (ARAÚJO, 1984). Capuzzo (1993) afirma que Festim Diabólico é um exemplo de como Hitchcock, tem habilidade em articular dramaticamente a ação, direcionando o olhar do espectador. Segundo ele, o diretor conquista a platéia, através do controle das informações que ela deve obter a cada momento do filme.

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Figura 1. Quadro retirado do filme Festim Diabólico (1948)

Em Festim Diabólico, Hitchcock mostra para o público o assassinato de David e que seu corpo se encontra dentro do baú. O diretor vai então, explorar o lado perverso do espectador mostrando, por exemplo, a reação da empregada, que estranha os convidados sendo servidos num baú, e, em uma determinada ocasião, resolve guardar ali alguns livros. Enquanto todos conversam distraidamente, a câmera acompanha a empregada que vai retirando vagarosamente os objetos de sobre o baú. Ao remover a toalha e ao tentar alçar a tampa, um convidado resolve ajudá-la, mas ambos são interrompidos por um dos assassinos, este afirma que os livros deverão ser guardados noutro dia. Antes de ela abrir o baú, a platéia já se angustia com a possibilidade de descobrimento do corpo no baú. Um detalhe colocaria tudo a perder. Rangel (2007) cita em seu livro trechos da entrevista de Truffaut com Hitchcock, onde ele vai esclarecer a diferenciação entre suspense e surpresa: Truffaut: O suspense é a dilatação de uma espera? Hitchcock, aceitando o desafio, assim se expressou: “Na forma comum do suspense, é indispensável que o público esteja perfeitamente informado dos elementos presentes...” e acrescentou: “as emoções são um ingrediente necessário ao suspense, ao contrário do whodunit, uma curiosidade desprovida de emoções. Uma bomba debaixo desta mesa, e nossa conversa banal, de repente: bum, explosão. Isso é um exemplo de surpresa, algo inesperado que ocorreu. Já na situação: A bomba está sob a mesa, e o público sabe disso porque viu o anarquista colocá-la. O público sabe que a bomba explodirá à uma hora e sabe que faltam quinze para uma – há um relógio no cenário; a mesma conversa anódina torna-se, de repente, muito interessante porque o público participa da cena. Tem vontade de dizer aos personagens que estão na tela: vocês não deveriam dizer coisas tão banais, há uma bomba sob a mesa, e ela vai explodir logo”.(RANGEL, 2007, pág. 49).

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3.1.3 Filmagem Lourcelles (2009) faz uma análise das filmagens de Festim Diabólico, onde afirma que o filme foi o primeiro de Hitchcock a ser rodado em cores, Segundo o autor: Enquanto que um filme em média comporta entre duzentos e seiscentos planos, Festim só tem onze (respectivamente, o de 1‟54, 9‟36, 7‟51, 7‟18, 7‟09, 9‟57, 7‟36, 7‟47, „0‟, 4‟36, 5‟39). As dez mudanças de planos se operam da seguinte maneira: 1) mudança de plano correspondente a uma mudança de lugar (é o único do filme: passamos do exterior ao interior do apartamento); 2) sobre as costas de John Dall; 3) normal; 4) sobre as costas de Douglas Dick; 5) normal; 6) sobre as costas de John Dall; 7) normal; 8) sobre as costas de John Dall; 9) normal; 10) sobre a cobertura do baú onde está o corpo. (Lourcelles, 2009, pág. 59)

Para Filho (2010), Hitchcock sempre foi um diretor arrojado. Festim Diabólico foi sua primeira obra independente e em cores, o primeiro filme com Stewart e com ele ensaiou novas técnicas. Ele encarou o desafio de produzir o filme, baseado na peça teatral de um só cenário chamado: Rope's End, de Patrick Hamilton inspirada num caso real, dos assassinos Leopold e Loeb (que também inspirou o longa-metragem ''Estranha Compulsão'', 1959).

Figura 2. Quadro retirado do filme Festim Diabólico (1948)

Capuzzo (1993), diz que Festim Diabólico possui apenas o plano inicial externo. A quase totalidade da narrativa acontece num único espaço para as filmagens Isso dá ao filme uma unidade de tempo, lugar e ação, sendo que o cenário de Nova York vira a paisagem para a mudança de tempo quando a cidade muda de cor. 43


Em 1948, dez minutos de filme eram o máximo que um rolo permitia gravar. Como havia esta limitação técnica, Hitchcock criou pontos estratégicos para fazer a troca do rolo de filme, ou seja, assim que algum ator passasse em frente à câmera. Com isto ele simulava visualmente a ilusão de não-interrupção do filme, como se não houvesse cortes. E mesmo com estas dificuldades tecnológicas o diretor conseguiu manter seu estilo. No entanto, fiz esse filme tal como ele tinha sido previamente montado; os movimentos da câmera e os movimentos dos atores reconstituíam exatamente meu modo habitual de decupar, ou seja, eu mantinha o princípio da mudança de proporções das imagens em relação á importância emocional de determinados momentos. Claro que tive muitas dificuldades para fazer isso, e não só com a câmera. (HITCHCOCK citado por INDRUSIAK, 2009, p.129)

Capuzzo (1993) destaca que em Festim Diabólico, o diretor utiliza a síntese de tempo para mostrar em cena somente o que interessa ao publico, sendo que o filme foi idealizado como uma continuidade visual, mas não se pode afirmar que nele o tempo também seja contínuo e ininterrupto. Produzir o filme em apenas oitenta e cinco minutos demonstra como Hitchcock empregou esta técnica temporal. Analisando a obra, vemos que durante a festa muitos acontecimentos ocorrem simultaneamente e sendo assim, ao retirar de quadro tudo o que possa desorientar a concentração dramática, o realizador direciona o olhar do espectador, pois o tempo cronológico certamente seria outro. O diretor perseguiu este diferencial em sua obra, algo que, posteriormente, ele mesmo chegaria a considerar uma cilada. [Truffaut] Chegamos a 1948. É uma etapa importante na sua carreira, pois você vai se tornar seu próprio produtor, com Festim Diabólico, que será também o seu primeiro filme em cores e ao mesmo tempo um enorme desafio técnico. Primeiramente eu lhe perguntaria se a adaptação se afasta muito da peça de Patrick Hamilton. [Hitchcock] Não, não muito. Trabalhei um pouco com Hume Cronyne os diálogos são em parte da peça e em parte Arthur Laurents. De fato, não sei por que me deixei arrastar para essa cilada do Festim Diabólico, só posso chamar isso de cilada. A peça durava o mesmo tempo que a ação, era contínua, desde que a cortina subia até que o pano descia, e fiquei pensando: como é que, tecnicamente, posso filmar da mesma maneira? A resposta era, evidentemente, que a técnica do filme também seria contínua e que não faríamos nenhuma interrupção ao longo de uma história que começa ás 19h30 e acaba às 21h15. Então imaginei essa idéia meio maluca de fazer um filme que consistiria em um único plano. (TRUFFAUT, 2004, p.177)

CAPUZZO (1993), diz ainda, que Hitchcock tira vantagem de um recurso de transição espaço-temporal por meio da reconstituição do crime em Festim Diabólico, 44


quando o professor vai concluindo o assassinato até encontrar o local onde o corpo está. O professor está sempre atento aos indícios que os descuidados assassinos revelam. Por exemplo, toda vez que o professor se aproxima de Philip, sua expressão se altera de repente.

Figura 3. Quadro retirado do filme Festim Diabólico (1948)

Assim, a câmera praticamente desliza entre os personagens, mostrando seus adereços e acessórios, “amarrando” então a trama, dando voltas entre eles. O autor ainda compara o filme Festim Diabólico com Janela Indiscreta, pois no primeiro a câmera é ininterrupta e o segundo já é composto pela fragmentação. (CAPUZZO, 1993). 3.1.4 O baú como uma gaveta de mistério

MORAES (2006), disse que quando imaginamos uma gaveta, podemos ter várias possibilidades de leituras. Pois, as gavetas para uns são a anti- sala da lata de lixo e já para outros são o hall de entrada do coração, um lugar importante onde se guardam coisas de que se gosta. Portanto, alguns pensam nelas como o esconderijo do pensamento, lugar onde se escondem as coisas para ninguém ver. Para MORAES (2006), a gaveta pode ter um complemento, pois, ela sempre 45


vem acompanhada de um símbolo que a complementa. Como por exemplo: as gavetas de um criado mudo têm um sentido, as gavetas de uma penteadeira ou as gavetas de um armário podem ter outra leitura. Portanto, essa relação criada com cada gaveta é diferente, depende da gaveta, da pessoa que utiliza e do que se coloca dentro dela. Pode-se esconder nas gavetas aquilo que é particular, que não queremos tornar público. Se for muito particular, ainda se pode guardar dentro de sacos plásticos e dentro das gavetas. Só descobrirão com o tempo, o tempo de confiar e abrir as gavetas. (MORAES 2006) Uma das características de uma gaveta é ser fechada dos lados e aberta em cima. De alguma forma é vedada a parte de cima para ninguém ver o que há dentro da mesma. O baú é uma das formas em que a gaveta se manifesta uma grande gaveta que é capaz de esconder um corpo dentro dela. (MORAES 2006) Segundo Moraes (2006), o baú no filme Festim Diabólico é um dos personagens da história. Pois, em vários momentos ele está presente no filme e várias vezes o espectador torce para ele ser descoberto e às vezes encoberto. Sendo assim, uma gaveta com um corpo dentro pode desvendar muitas coisas e analisar o enquadramento de um filme em plano-seqüência é abrir a gaveta, o baú de um grande diretor. Uma metáfora se apresenta como uma substituição de palavra por analogia, freqüentemente ligada a uma “comparação abreviada” (QUINTILIANO. citado por CHARAUDEAU, 2004, p. 328) O baú como uma gaveta de mistério em Festim Diabólico é uma metáfora, pois ela apresenta o ponto principal do filme que é o mistério. (CHARAUDEAU, 2004) Segundo Black (citado por CHARAUDEAU, 2004) a metáfora consiste em fazer interagir em um enunciado, dois campos semânticos, em que um forma o foco do outro, que é a moldura da figura, onde tal interação não substitutiva cria uma entidade conceitual inédita. Os dois campos ou as duas coisas associadas na metáfora não têm qualquer relação lógica, sendo sua ligação surpreendente. Em Festim Diabólico, por exemplo, o baú é como se fosse uma moldura de uma gaveta, onde as pessoas podem imaginar várias coisas. Por outro lado, embora o baú e a gaveta não tenham ligação direta, daí um funcionar como metáfora do outro e, mais ainda, do mistério do assassinato no filme, pode-se pensar no baú como metonímia também. A metonímia é uma figura de linguagem através da qual um objeto designa outro por uma relação qualquer de 46


correspondência entre ambos, como um conteúdo substituído por aquilo que o contém, ou uma totalidade substituída por uma parte, e assim por diante. No caso de Festim Diabólico, o baú pode ser considerado como substituto de todo o universo de suspense do filme e até mesmo dos filmes em geral de Hitchcock.

3.1.5 O Voyeurismo e o exibicionismo

Hitchcock sabia explorar como ninguém a imagem voyeur cinematográfica, ou seja, o prazer do olhar, a perversidade de surpreender através da espiada. Roland Doron e Françoise Parot (1991) fazem uma ligação do voyeurismo com o exibicionismo construindo um elo entre esses tipos de conduta. Doron e Parot falam sobre a forte relação de prazer existente nesses dois tipos de condutas, ambas consideradas perversas, que podem ser realizadas sem que o outro perceba sua intenção. Ou em outra situação, ambas da mesma maneira, podem ser arquitetadas intencionalmente com intenção de serem percebidas a fim de causar impacto nas pessoas focadas. Assim como o voyeurismo é uma das marcas presentes nos filmes de Hitchcock, o exibicionismo também o acompanha ao longo de sua trajetória de criação de suas tramas. Em Festim diabólico (1948), quando logo no início do filme, o diretor na abertura sugere com a câmera que o espectador irá entrar no apartamento de Brandon Shaw e Phillip Morgan. Após fazer uma tomada de imagens da vida cotidiana lá fora a câmera foca uma janela de um prédio e mostra o seu interior. Em seguida todos irão presenciar o assassinato de David realizada por esses dois jovens donos do estabelecimento. O crime foi executado com as cortinas fechadas e com as luzes apagadas, logo após a morte da vítima, os assassinos colocam o seu corpo no baú e dão uma curta pausa, refletindo sobre o momento.

Durante essa pausa Brandon

manifesta um suspiro prazeroso, e acende a luz, seu parceiro Phillip o repreende e pede para apagar a luz pedindo para ficarem assim um minuto. Logo em seguida, Brandon acende um cigarro e aproveita esse intervalo saboreando uma tragada. Depois diz que seu amigo havia ficado triste por causa da escuridão presente naquele lugar e abre as cortinas. Ele continua e sugere enquanto arrumavam o ambiente, que poderiam ter cometido o assassinato com as cortinas abertas. Essa

cena,

particularmente

aborda

vários

elementos

voyeurísticos

e 47


exibicionistas, por exemplo, o diretor dá a sensação de invasão de privacidade ao entrar em um apartamento e presenciar uma cena realizada secretamente sob cortinas fechadas, por se tratar de uma única câmera a captar as cenas, e acompanhar cada ação dos personagens principais, principalmente por oferecer pouquíssimos cortes (ou “nenhum” corte) durante o longa. Outro fato importante a ser destacado sobe a cena, é sobre o prazer demonstrado pela dupla em aproveitar algum tempo sob as luzes apagadas, brincando com a situação de se regozijar com as atitudes sigilosas no escuro sem que ninguém perceba. Hitchcock brinca com um fato tão comum dentro do cinema, o fato de espiar na escuridão das salas, separado das outras pessoas pelo véu da escuridão, lembrando o prazer voyeur daquele momento por parte dos espectadores. O cinema oferece um número de prazeres possíveis. Um deles é a escopofillia. Há circunstancias das quais o próprio ato de olhar já é uma fonte de prazer, da mesma forma que, inversamente existe prazer em ser olhado. (MULVEY, 1983, pag. 440.)

Alfred Hitchcock também reflete da mesma forma sobre a relação entre os tipos de prazeres contidos no ato de espiar e de ser espiado, o prazer exibicionista de Brandon em se desejar ser observado no momento da ação do crime quando sugere ao amigo que poderiam ter feito tudo com as cortinas abertas, expondo seu gozo em extrema satisfação no desejo de ser observado. O sujeito age sob o domínio de um impulso e, em certos casos, o desejo de surpreender ou de chocar a testemunha de sua exibição é conscientemente percebido. (DORON, PAROT, pag 43, 1991.)

Nesse mesmo filme, enquanto a câmera seguia os dois protagonistas em seus diálogos com todos os convidados da festa, , quando Brandon, convidado após convidado, ele expunha todos os defeitos secretos de cada um, como em seu ato de acender a luz e abrir as cortinas depois de seu crime, a câmera bisbilhotava a vida das pessoas envolvidas nas conversas, simulando o olhar do espectador, captando as mais secretas intimidades das pessoas.Naquela ocasião festiva, era exposto por Brandon o lado cínico e moralista das pessoas. Encobertos por sua posição social, aparentemente intactos, elas sempre se posicionavam como pessoas corretas defensoras dos bons costumes, mas, por trás dos discursos, era revelado a sujeira 48


escondida por baixo do tapete. E como aqueles personagens fictícios criados por Hitchcock, possuem vários defeitos escondidos por detrás de mascaras erroneamente aceitas por todos. Hitchcock comemora com todos que souberam perceber a sutileza desse filme, a celebração da morte do cinismo, que significou muito mais do que uma simples morte de um anônimo, mas a morte de todas as máscaras escondidas por muitos quando Brandon diz que os Davids desse mundo deveriam morrer, revelando a falsidade existente na vida de aparências, compartilhada por muitos atores da vida real, infiltrados na sociedade. Como uma dobra, uma manipulação adicional do processo normal da visão, que, em alguns casos o revela, Hitchcock usa o processo de identificação normalmente associado com a corretude ideológica e o reconhecimento da moral estabelecida para desmascarar seu lado perverso. Hitchcock nunca escondeu

o

seu

interesse

pelo

voyeurismo

cinematográfico

e

não

cinematográfico. (MULVEY, 1983, pag. 449)

3.2 Janela Indiscreta

3.2.1 A história de Janela indiscreta Em Janela Indiscreta (Rear Window – EUA – 1954), Alfred Hitchcock apresenta a história do fotógrafo Jeff (James Stewart), que ao se acidentar no trabalho, passa a ficar confinado em uma cadeira de rodas em seu apartamento. Para passar o tempo, munido de um binóculo, ele passa a observar o cotidiano dos vizinhos dos apartamentos do prédio ao lado, através das janelas abertas. Com o tempo, o que era apenas um passatempo torna-se uma obsessão, ao presenciar um possível assassinato em um dos apartamentos. Com a incerteza do acontecido, Jeff passa a espionar cada vez mais, especulando sobre o possível crime e, com a ajuda da pretendente Lisa (Grace Kelly), tenta desvendar o mistério. 3.2.2 O controle de informações Nota-se que Hitchcock, através de uma premissa simples, cria uma narrativa complexa em sua execução, cheia de referências e peculiaridades, que resultam numa experiência de tensão crescente. O diretor nos apresenta o personagem já em sua condição de limitação. O apartamento é mostrado sob o ponto de vista do personagem, criando a sensação de confinamento. A câmera mal se move, reforçando 49


que o espaço para que o personagem se movimente é muito limitado. A localização espacial no início do filme é feita de forma muito natural e apresenta ao espectador a situação do personagem por meio de várias informações. Não se trata apenas de mera localização espacial, e sim de uma rápida aferição das regras do jogo. Os créditos iniciais ocorrem numa janela onde as cortinas se abrem Surge, ao fundo, um conjunto residencial. A geografia entre os prédios é detalhada. Plano geral em panorâmica sobre os vários edifícios, ressaltando as janelas com os excêntricos vizinhos. Um termômetro indica calor. Surge a testa de um homem que transpira. Percebe-se que ele está imobilizado, com uma perna quebrada. Vê-se, a seguir,

uma

câmera

fotográfica

destruída.

Na

parede,

fotos de

desastres

espetaculares. Ao lado, um fotolito de uma capa de revista; do outro, a revista expressa. CAPUZZO (1993) afirma que través destas informações o espectador fica a par das premissas a partir das quais a trama irá se desenrolar. Os acontecimentos são apresentados quase que exclusivamente de acordo com a ótica do fotógrafo. Segundo Heitor Capuzzo, o espaço intermediado adquire conotação dramática informativa sobre o fotógrafo. O que ele vê, o que lhe interessa, o tempo que ele dedica a cada detalhe, o que ele imagina entre um detalhe e outro possibilitam uma estreita identificação entre espectador e personagem. (CAPUZZO, 1993) Janela Indiscreta é caracterizado por esse cuidadoso controle das informações. E isso acontece de forma muito natural. O fato de Jeff estar imobilizado apenas contribui para isso. O espectador vê apenas o que o fotógrafo vê. Ele acompanha os acontecimentos nos apartamentos do prédio vizinho enquanto estes acontecem de frente para a janela. Mas sua visão, e a do espectador, são interrompidas quando a ação acontece fora do campo de visão das janelas. Não há, como nos outros filmes, uma

câmera

onipresente

que

adentra

qualquer

recinto

e

acompanha

os

acontecimentos em seu interior. Conforme salienta Capuzzo, o segredo do possível assassinato está cerrado entre as janelas do prédio vizinho. Não foi explicitado visualmente. O fotógrafo é obrigado a reconstituir aquilo que suas objetivas não captaram. (CAPUZZO, 1993) Ao contrário do que acontece em Festim Diabólico, onde a continuidade é a chave para alcançar o objetivo de dar verossimilhança à narrativa, em Janela Indiscreta Hitchcock opta pela fragmentação das informações. Heitor Capuzzo afirma que é na análise da articulação dos fragmentos que está o ponto mais interessante do longa. É como um quebra-cabeças. O espectador passa a ser mais que um assistente; 50


sugere correlações entre os fragmentos, que em sua maioria são apresentados segundo a ótica do personagem central. (CAPUZZO, 1993)

3.2.3 Metáfora

Alfred Hitchcock parece fazer uma referência entre seu filme e o esquema utilizado nos grandes espetáculos teatrais. Conforme bem exemplifica Heitor Capuzzo, no início do longa cortinas se abrem, anunciando o início do espetáculo. O espectador esta ali, numa posição privilegiada de observação da vida alheia. Filme de estúdio, Janela Indiscreta é ostensivo na estrutura teatral da cenografia, que ao longo do filme não se altera, como quando assistimos a uma peça com unidade de lugar. (XAVIER, 1983) “Não são poucos os elementos que permitem expandir a metáfora teatral e tomar a visão de Jeff como a do observador à lá Broadway – não falta a forma curiosa como as persianas do apartamento se abrem gradativamente na apresentação do filme para “descortinar” o cenário em frente, havendo inclusive um movimento de câmera que vem ressaltar a presença do “fosso”. Se vale a metáfora do espectador de cinema, vale também a do espectador de teatro, pois a geometria é indubitável.” ( XAVIER, 2003 pág. 74)

A partir do momento em que Jeff começa a observar os acontecimentos exteriores através da janela, a visão que o espectador tem destes acontecimentos é a mesma do personagem. O espectador, assim como o fotógrafo, está imobilizado, sendo colocado na posição de voyeur. “Essa identificação espacial transcende o filme e participa do ritual da sala de exibição. [...] O que lhe interessa é a tela-janela de seu prazer voyeurístico. Os ângulos são variados. A imaginação se põe a trabalhar. Isso também ocorre com o personagem do filme. A estrutura metalingüística de Janela Indiscreta baseia-se fundamentalmente na síntese espacial, uma vez que a trama pertence mais ao real da tela do que ao cotidiano do espectador médio.” (CAPUZZO, 1993, pág. 67)

Se no início do filme o personagem está numa posição privilegiada, observando de longe e com total controle da situação o ambiente externo, sua situação muda completamente a partir do momento em que acredita ter descoberto um crime. A partir daí ele deve esconder-se para conseguir novas provas. Finalmente, quando ele é 51


descoberto pelo assassino, o eixo do olhar volta a mudar. O espaço, portanto, evolui. O alvo agora é o apartamento do fotógrafo. Dessa vez, sim, a presença da luz delimita uma nova leitura do local, estranha até para o morador. (XAVIER, 1983) Hitchcock usa a metáfora também para reforçar a dramaticidade de certos acontecimentos. Segundo Capuzzo, a luz, por exemplo, é usada para criar um clima positivo ou negativo ao apartamento de Jeff. Quando sua noiva aparece pela primeira vez, os abajures são acesos. O ambiente se ilumina. Ela irradia luz. Agora, com a presença do assassino, as trevas invadem o local. Lâmpadas são quebradas. Flashes disparados. O ambiente é recortado. O que outrora foi límpido, agora é ambíguo. (CAPUZZO, 1993) Outro exemplo interessante é o uso das cores para sugerir alterações na personalidade, no estado de espírito dos personagens, ou mesmo no clima geral do filme. Em Janela Indiscreta, no início da projeção, Lisa está sempre vestida de branco. Nessa parte do filme conhecemos uma Lisa serena, doce e frágil. Com o desenrolar da trama, ela se mostra uma mulher forte e destemida, com coragem suficiente para enfrentar grandes desafios e perigos, inclusive de ser apanhada pelo possível assassino. Nesta parte do filme notamos que ela está vestida de preto.

3.2.4 Voyeurismo Hitchcock em Janela Indiscreta também faz referência ao Voyeurismo. aparecendo ao lado o exibicionismo representado de maneira sutil James Stewart e Grace Kelly interpretam o casal Jeffries e Lisa. Jeffries, um fotógrafo que se encontra afastado do trabalho graças à fratura em uma das pernas, Lisa, namorada de Jeff, que seria capaz de realizar qualquer coisa para conseguir mais atenção do namorado, que no momento ocupa seu tempo direcionando sua atenção a um velho hábito de espiar a vida dos vizinhos nos apartamentos em frente ao seu. MULVEY (1983) sugere que a história é a metáfora para o cinema, em que Jeffries representa a platéia e os apartamentos observados por ele em frente ao seu, representam a tela. À medida que o drama acontece, a dimensão erótica se apresenta, como por exemplo, a exposição da charmosa vizinha em suas diárias sessões de ginástica. Em Hitchcock, pelo contrário, o herói vê precisamente o que a platéia vê. Entretanto nos filmes que discutirei aqui, ele fica, fascinado com uma imagem através de um erotismo escopofílico, enquanto assunto do filme. Além disso, nesses casos, o herói exibe as contradições e tensões experimentadas pelo espectador. (MULVEY.pag.

52


449)

Para conseguir roubar mais atenção do fotógrafo, Lisa decide ajudá-lo a desvendar o mistério de um suposto assassinato ocorrido na vizinhança. A jovem garota invade o apartamento do suspeito com intuito de conseguir pistas, e é surpreendida pelo senhor que desconfiam ser o autor do assassinato. Sabendo que era observada o tempo todo pelas lentes de Jeffries, ela se vira para a janela posicionando as mãos de forma a facilitar a visão do namorado para sinalizar a aliança como uma pista para o caso. Quando ela cruza a barreira entre seu quarto e o bloco em frente, o relacionamento dos dois renasce de forma erótica. Ele não mais a vê através de suas lentes, como uma imagem distante, cheia de significado, ele também a vê como uma intrusa culpada, exposta a um homem perigoso que a ameaça com punição, e finalmente a salva. (MULVEY, 1983, pag. 450)

Jeffries, enquanto observava Lisa ser abordada pelo homem suspeitamente perigoso, e se vendo impotente diante do fato sem a possibilidade de ir ajudá-la no apuro, fica atormentado pela atitude de sua namorada e toda a situação que os envolvia. Entretanto, sua inatividade, que o prende a uma cadeira como um expectador, coloca-o diretamente na posição de fantasia da platéia do cinema. (MULVEY, 1983, pag. 450)

E surpreendentemente, logo após o desfecho da história, ao desvendarem o culpado pelo assassinato, quando todos estavam bem, o filme mostra que após essa aventura de Lisa para chamar a atenção de seu namorado, o diretor revela que a jovem loura consegue o que sempre quis. Que era mais do que apenas chamar a atenção do fotógrafo, já que após esse fato ele visivelmente se tornou um amante mais atencioso para com sua amada, mas o filme ainda sugere que a garota consegue fisgar o fotógrafo de vez, quando a mostra fazendo planos de acompanhar o futuro marido em suas viagens de trabalho, através das revistas que mostram artigos sobre o estilo de fotos tiradas pelo profissional fotográfico. Hitchcock explicitamente menciona os efeitos e as intenções do exibicionismo, em conseguir provocar o observador a fim de despertar a sua atenção (Mulvey, 1983). O exibicionismo de Lisa já havia sido colocado pelo seu interesse obsessivo em roupas e moda, pela sua imagem passiva de perfeição visual; o voyeurismo de

53


Jeffries bem como sua ocupação também já haviam sido estabelecidos pelo seu trabalho como foto-jornalista, escritor e produtor de imagens. (MULVEY, 1983, pag. 450)

3.2.5 O uso do som

O som é um dos pontos de destaque de Janela Indiscreta, adquirindo grande complexidade. O filme se passa inteiramente no apartamento de Jeff e ele observa os mais diversos acontecimentos, às vezes de perto, com a ajuda do zoom da câmera. Mas o som continua em plano geral. O som dos apartamentos observados continua inaudível, obrigando o espectador a construir um som subjetivo para as seqüências. E esta suposição nem sempre concorda com o que os personagens discutem no apartamento do fotógrafo. O som também é apresentado de forma fragmentada. Algumas frases ditas pelos personagens observados são audíveis, como por exemplo, quando a bailarina recebe vários homens em seu apartamento e acontece uma festa no local. Alguns deles assediam-na várias vezes. Mas como são apenas poucas frases soltas, é necessário uma constante complementação da platéia para adquirirem sentido. Heitor Capuzzo observa que, quando o fotógrafo e a noiva comentam a ação, Hitchcock cria um novo paralelismo, uma vez que a relação entre ambos está definida. A noiva observa que a pobre bailarina não ficará com nenhum dos homens que a cortejam. O diálogo não é um simples comentário da ação. Serve também para reforçar a relação ambígua entre o fotógrafo e sua noiva. (CAPUZZO, 1993) Janela Indiscreta é um filme marcado principalmente pelo som, embora muitos estudiosos ressaltem a ação imagética como ponto forte da narrativa. Hitchcock chega inclusive a resolver através do som, o momento-chave da tensão dramática. Quando o assassino resolve procurar o fotógrafo, que está imobilizado, ouve-se passos e ruídos que permitem refazer imageticamente o trajeto possível da aproximação do assassino, numa das seqüências mais tensas de sua filmografia. (CAPUZZO, 1993, pág. 89)

54


3.3. Psicose

3.3.1- O Enredo de Psicose

Este é um dos filmes mais conhecidos de Alfred Hitchock e um dos clássicos do gênero suspense em todo o mundo. Psicose foi e continua sendo referência para diretores em todo mundo. Estas características fazem deste filme de Alfred Hitchcock um dos grandes clássicos do cinema mundial. O enredo traz a história de Marion, uma secretária que dá um desfalque de milhões de dólares na imobiliária onde trabalha. Ela então inicia uma fuga que a levará para o hotel do estranho Norman Bates. A história foi extraída de um livro barato do jornalista Robert Block e se tornou uma das grandes referências do gênero suspense. Abordaremos a seguir os seguintes aspectos usados por Hitchcock no filme Psicose para a produção de sentidos por parte do espectador: os personagens, o uso de metáforas e a provocação do lado perverso do espectador. 3.3.2- Os Personagens Marion, a personagem central da história, poderia ser qualquer secretária que trabalha há muito tempo em um escritório. A personagem vive um conflito amoroso pelo fato de ter um caso com um homem recém divorciado e ter que viver ás escondidas. Sua história até então não é tão diferente de outras que poderiam acontecer com qualquer mulher. Isto poderia fazer com que ao assistir o filme, pessoas com os mesmos problemas de Marion se identificassem com o drama da secretária em não poder assumir o seu romance. A temática do amor é uma forma de identificação do personagem com o público. Dificilmente alguma mulher não se comoveria com a história de Marion e torceria por ela. Até mesmo quem nunca viveu uma história parecida poderia no momento da projeção filme desejar uma experiência parecida cheia de aventura e suspense mesmo que fosse apenas em sonho. Assim desenvolve-se a nossa vida de sentimentos, de desejos, de receios, de amizade, de amor, toda a gama de fenômenos de projeção-identificação desde os estados de alma inefáveis ás fetichizações mágicas. Basta considerarmos o amor, projeção-identificação suprema; identificamo-nos com o ser amado, com as suas alegrias e tristezas, sentindo os seus próprios sentimentos; nele nos

55


projetamos. Isto é, identificando-o conosco, amando-o com todo o amor que a nós próprios dedicamos. (Morin, 2003, pág.67)

O que torna esta personagem surpreendente é que em certo dia comum de trabalho ela decide roubar quarenta mil dólares que devia ter depositado no banco para seu chefe. A partir daí sua vida tomará rumos que terminam com seu assassinato em um banheiro de um hotel de estrada. Podemos fazer uma reflexão de que se ela tivesse continuado a levar sua vida de secretária dedicada, não teria roubado o dinheiro do chefe e provavelmente não conheceria o atormentado Normam Bates, seu assassino. A maneira como Alfred Hitchcock constrói e reconstrói a personalidade de seus personagens, dando a eles características e atitudes diferentes das que poderíamos esperar é evidente no filme Psicose. Afinal, dificilmente poderíamos imaginar que uma garota bonita e simpática como Marion seria uma ladra. Um dos personagens, o detetive particular que investiga o desaparecimento de Marion chega a afirmar que temos a tendência de duvidar de pessoas que têm reputação de honestas. Apesar de Marion ter cometido um crime, não conseguimos ter raiva ou culpá-la pelo que fez. A ladra tem a simpatia do público apesar de seu ato incorreto. Segundo nos mostra Ismail Xavier (1983) a questão da inocência ou culpa incomodava os chefões do estúdio de um ponto de vista diverso: culpa significa antipatia e ninguém quer ver uma protagonista antipática. Alfred Hitchcock surpreende com o assassinato de Marion na metade do filme, fazendo com que o espectador comece a sentir um clima de suspense crescente provocado pelo estranho Norman Bates, o solitário dono do hotel. O personagem interpretado pelo ator Antony Perkins, encontra em Marion alguém para conversar e fugir de sua aparente solidão. Outro personagem recorrente nos filmes do diretor que aparece em Psicose é o detetive Alborgast disposto a desvendar o mistério. O personagem que pressiona o assassino para obter respostas é importante na narrativa. Mais uma vez a polícia se mostra incapaz de esclarecer o desaparecimento de Marion, fazendo com que sua irmã tenha que tomar a iniciativa da investigação após o assassinato do detetive. Esta narrativa envolvendo a incompetência da polícia em resolver crimes é bem típica da obra de Alfred Hitchcock.

56


Norman Bates, personagem interpretado pelo ator Antony Perkins é juntamente com Marion, personagem central de Psicose. Aparentemente um garoto tímido e solitário que ganha a simpatia de Marion e a nossa simpatia também. Norman não tem uma vida de grandes emoções, vive com a mãe em um hotel afastado. Em um primeiro momento podemos até pensar que Marion seria a salvação de Norman e que os dois poderiam formar um casal perfeito. Marion teria finalmente o seu sonhado casamento

feliz,

enquanto

Norman

estaria

salvo

da

mãe

controladora

e

consequentemente da solidão. 3.3.3- O Uso de Metáforas Assim como em outros de seus filmes, Alfred Hitchcock utilizou-se de metáforas em Psicose. A primeira dessas imagens é em geral um elemento da ação, mas a segunda (cuja presença cria metáfora) pode ser retirada também da ação e anunciar a seqüência do enredo, ou então constituir um fato fílmico sem nenhuma relação com a ação, tendo valor apenas pelo confronto com a imagem precedente. (Martin, 2003). No filme em questão percebem-se algumas metáforas associadas aos itens a seguir. A) Som Em Psicose, Hitchcock montou uma das cenas mais famosas da história em que a protagonista do filme, a secretária Marion,é assassinada enquanto toma banho. Os acordes simples do violino ganham novos contornos que geram ainda mais suspense. Ao contrário do que era moda na época, Alfred Hitchcock dispensou as grandes orquestras. O único som que se ouve além das facadas na cena do assassinato, é a música marcante de Bernad Herrmann ,que aumenta a dramaticidade da cena. Bernard Herrmann foi o responsável por outras trilhas de filmes famosos tais como Cidadão Kane, além de outro filme de Hitchcock, Vertigo. A música do filme resume por si, todos estes processos e efeitos. É, por natureza cinestésica – matéria afetiva em movimento. Envolve e embebe a alma. Os seus momentos de intensidade envolvem e muitas vezes coincidem com o primeiro plano. É ela que determina o tom afetivo, que dá o lá, que sublinha com um traço( bem grosso)a emoção e a ação. ( ....) a música é um verdadeiro catálogo de estados da alma (Morin, 2003, página 48)

O acorde dos violinos aparece sempre que uma pessoa vai ser assassinada. É 57


como se a música dissesse para o espectador que algo ruim vai acontecer. Podemos ouvir o som dos violinos nos assassinatos do detetive e quando o assassino se aproxima para tentar matar outros personagens. A música exprime o momento de maior tensão e suspense no filme. Ela situa o espectador em relação aos acontecimentos, pois antecede fatos importantes relacionados a situações extremas como assassinato ou luta corporal. Os acordes criados por Bernard Hermann tornaram-se indício de suspense e viraram um dos toques de celular mais usados na atualidade. O grande público pode até nunca ter assistido a Psicose, mas certamente em algum momento, já ouviu sua música mais famosa. Bernard Hermann conseguiu sincronizar a música com o som das facadas durante o assassinato de Marion.

Capuzzo (1993) afirma que são os acordes

musicais que fazem o corte no corpo de Marion. A trilha sonora com saltos entre o agudo e o grave feitos bruscamente também evidencia a personalidade conturbada de Norman Bates. O filme também possui muitas cenas mudas ou sem diálogos. Na clássica cena do chuveiro, a produção de sentidos se dá através da fragmentação de imagens, fazendo com que o espectador possa ver a cena em diferentes ângulos e pontos de vista. Não existem diálogos, mas a música de Bernad Hermann é responsável por aumentar a dramaticidade da cena. B) A filmagem em Preto e Branco Em 1960, ano em que Psicose foi filmado, já era possível fazer filmes em cores. Mas contrariando as expectativas, Alfred Hitchcock filmou Psicose em Preto e Branco. Em suas entrevistas ao cineasta Truffaut, ele afirmou ter decidido fazer o filme a partir da idéia de um assassinato, baseado no romance de Robert Block. Para o diretor, a seqüência do assassinato de Marion já é suficientemente violenta para não a esquecermos, e na medida em que o filme vai sendo projetado, as seqüências vão se tornando menos agressivas. Este foi um dos motivos que levou Hitchcock a filmar em preto e branco, pois acreditava que havia muito sangue na tela para ser filmado em cores. Hitchcock mais uma vez não fica preso ao que era mais comum na época, que eram os filmes em cores. Marcel Martin (2003) afirma que são raros os diretores que tentam combater o imperialismo das cores violentas e agressivas que caracterizam o 58


nosso meio ambiente atual, sobretudo com a influência da publicidade. A partir da cena do assassinato de Marion é possível perceber outra inovação do diretor relacionada à montagem. A cena dura apenas 45 segundos, mas Hitchcock surpreende ao realizá-la em 70 tomadas que necessitaram de seis dias para ser filmada Essa seqüência é considerada uma das mais elaboradas do cinema por possuir cortes rápidos tornando o ritmo frenético. Apesar da brutalidade do assassinato, em nenhum momento é mostrada a faca penetrando no corpo de Marion. Percebemos que o diretor é sutil e consegue o resultado esperado de chocar o espectador sem ser apelativo. C) Figurino Nos filmes de Alfred Hitchcock, até mesmo pequenos detalhes expressam alguma coisa. Sendo assim, até mesmo uma lingerie usada pela personagem Marion deixa de ser apenas uma peça de roupa para se transformar em uma metáfora. Na cena inicial do filme, ela está com uma lingerie branca. Neste momento, ela ainda não é uma ladra, mas sim uma garota apaixonada que vive um dos momentos de intimidade com seu namorado. Após o roubo dos R$40 mil dólares, na cena em que é observada por Norman Bates através do buraco na parede, Marion já não está de branco, mas sim com uma lingerie preta. A peça de roupa da atriz evidencia o caráter de suspense que vai crescendo conforme a história acontece. Segundo afirma Marcel Martin, assim como a iluminação ou os diálogos, o vestuário faz parte do arsenal dos meios de expressão fílmicos (Marcel Martin, 2003). A utilização de peças do vestuário como metáforas, é o que Marcel Martin chama de elemento simbólicos do filme. Segundo o autor, para esses elementos, a exatidão histórica não importa, e o vestuário tem antes de tudo a missão de traduzir simbolicamente caracteres, tipos sociais ou estados de alma. O personagem de Norman Bates utiliza um figurino comportado, com camisas fechadas, que ajudam na composição de um personagem recatado e cheio de conflitos. Se quisermos considerar o cinema um olho indiscreto que gira ao redor do homem, captando suas atitudes, seus gestos, suas emoções, precisamos admitir que o vestuário é o que está mais próximo do indivíduo, embelezando-o ao expor sua forma ou, ao contrário, distinguindo-o e confirmando sua personalidade. ( Jacques Manuel citado por Marcel Martin- A linguagem

59


Cinematográfica, 2003. pág. 61)

3.3.4 - Provocação do Lado Perverso do Espectador Uma das cenas mais impressionantes de Psicose é quando Norman Bates, após o assassinato de Marion limpa calmamente toda a cena do crime. A maior preocupação do assassino de Marion é com a limpeza do banheiro. Ele chega a colocar a cortina do box no chão para não sujar o quarto. Nós, os espectadores, assistimos a este momento com total calma sem nos preocuparmos com o fato de que o corpo de Marion já sem vida está no chão.

Participamos juntamente com Norman

Bates deste ritual de limpeza, assim como no momento em que ele joga o corpo de Marion que está dentro do carro no pântano. Neste momento nos identificamos com o estranho. Compartilhamos com ele o desprezo com o outro ser humano. Participamos da frieza de Norman Bates quando ele se preocupa muito mais em limpar o quarto do que com o assassinato que acabou de acontecer. O filme excita assim tanto uma identificação com o semelhante como uma identificação com o estranho, sendo este segundo aspecto o que quebra nitidamente com as participações da vida real.

Ou antes a

nossa parte maldita ( MULVEY, 1983, pág.39)

Em Psicose, Alfred Hitchcock recorre mais uma vez ao voyeurismo como forma de produzir sentido por parte do espectador. Em uma das cenas, Normam Bates, através de um pequeno buraco feito na parede e escondido com um quadro, consegue observar Marion trocando de roupa.

Neste momento também estamos olhando a

secretária juntamente com Norman Bates.

Segundo Mulvey (1983), o cinema é

marcado principalmente pelo prazer de espiar e de ser observado, incorporando o desejo de tornar o outro como um objeto através do olhar fixo e controlador direcionado ao observado. Aspecto comum em relação à mulher nos filmes de Hitchcock, a protagonista Marion é bonita, desejada pelos homens e sempre vestida em impecáveis figurinos. No início de Psicose, ela aparece de lingerie e os espectadores podem perceber a beleza do corpo da secretária. Mulvey (1983) afirma que as figuras femininas nos filmes de Alfred Hitchcock são caracterizadas propositalmente como mulher objeto, sempre charmosas e desejadas pelos homens. As figuras femininas portanto ganham 60


um papel fascinante. Nos dois momentos citados do filme, a limpeza da cena do crime, e quando o personagem de Norman Bates observa Marion trocar de roupa, participamos de suas ações sem nenhum constrangimento. Hitchcock tem a habilidade de provocar no espectador o que Ismail Xavier (2003) chama de lado maldito, essa nossa tranqüilidade diante do que é errado, daquilo que vai contra as regras estabelecidas pela sociedade. Um cidadão comum em seu cotidiano não poderia observar um assassinato tranquilamente e depois continuar olhando o assassino limpar a cena do crime com tamanha atenção e calma. O cinema de Alfred Hitchcock nos proporciona isto, à medida que saímos da sala de cinema sem nenhuma culpa por esses atos perversos. Pelo contrário, saímos satisfeitos com as imagens que vemos.

Conclusão Este projeto experimental nos mostrou, que Alfred Hitchcock foi, de fato, um grande cineasta e em muito colaborou na história do cinema internacional. Há nos filmes de Hitchcock inovações narrativas que vão desde os tempos do cinema mudo até os dias atuais. Ao dedicar sua vida ao cinema na produção de filmes que entraram para a história do cinema mundial, Hitchcock emprestou toda a sua genialidade e habilidade técnica para fazer um cinema que consegue ser comercial sem perder a qualidade. Segundo TRUFFAUT (2004) o domínio exercido por Hitchcock permitiu que ele realizasse um cinema muito singular de um autor capaz de discursar sobre o mundo em que vivia, transmitindo suas impressões, trazendo-as ao público, colocando em seus filmes termas modernos, sempre através de um olhar humano e com uma sensibilidade de quem se envolve com a história tanto quanto o público. Alfred Hitchcock conseguiu romper com antigas matrizes dramáticas e trazer inovações que posteriormente foram copiadas por outros diretores. O filme sem cortes em Festim Diabólico, a morte prematura da protagonista em Psicose, as várias histórias que se cruzam em Janela Indiscreta são exemplos de um diretor que conseguia realizar filmes inesquecíveis a partir de livros baratos de escritores desconhecidos. XAVIER (2003) cita a característica de Alfred Hitchcock em ser um diretor 61


completo, que dominava tanto a parte técnica quanto a narrativa do filme. Segundo ele, o diretor conhece o segredo maior, pois sua construção não se esgota na performance da cena, não envolve apenas o controle do local do crime. Exige o controle do lugar do espectador; pois é ele quem deve completar a geometria do espetáculo. (XAVIER, 2004, pág.82) Hitchcock participava ativamente de todas as fases do filme, tanto da fotografia, quanto da montagem, escolha da trilha sonora, etc. Característica que o tornou tão singular na história cinematográfica. TRUFFAUT (2004) observa que o diretor era um especialista não desse ou daquele aspecto, mas de cada imagem, de cada plano, de cada cena. Gostava dos problemas de construção do roteiro, mas também gosta da montagem, da fotografia, do som, dominava todos os elementos de um filme e impõe idéias pessoais em todas as etapas de direção. Através da análise mais específica de três filmes do diretor, Festim Diabólico, Janela Indiscreta e Psicose, foi possível perceber mais concretamente os recursos utilizados pelo diretor para incentivar a produção de sentidos por parte do espectador, tais como: uso de metáforas e metonímias, provocação do lado perverso do espectador e o controle de informações.Ficou evidente também que nada nos filmes de Hitchcock estava ali por acaso, tudo tinha um sentido, até mesmo um objeto, que pode se tornar um personagem como ocorreu em Festim Diabólico. Concluímos também que seria pertinente uma posterior análise da influência de Alfred Hitchcock no trabalho de outros diretores para perceber como ele conseguiu perpetuar sua forma de fazer cinema através da história. Desta forma, seria possível explicitar as influências do universo fílmico de Hitchcock sobre alguns dos novos cineastas, não somente no que diz respeito à técnica, mas também com relação ao desenvolvimento dramático das obras, ou mesmo na atitude dos diretores que ainda hoje lutam para inserir ideias novas nos filmes atuais que são predominantemente feitos para vender, seguindo uma espécie de cartilha, há muito desgastada. Hitchcock, portanto, levou seu trabalho para sua vida pessoal e viveu intensamente, conforme citado durante esse projeto, ele nos faz perceber que, na verdade, a vida pode ser muito mais do que apenas uma passagem, mas sim uma grande emoção.

62


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