Monografia_Thamy Oliveira

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COMPLEXO NELSON CRUZ


UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

COMPLEXO NELSON CRUZ: A DINÂMICA DO MERCADO IMOBILIÁRIO E O DESAFIO DA MORADIA DIGNA

Thamy Luiza Silva de Oliveira Trabalho

de

Conclusão

de

Curso

apresentado à Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientadora: Viviane Manzione Rubio

São Paulo 2020


COMPLEXO NELSON CRUZ A DINÂMICA DO MERCADO IMOBILIÁRIO E O DESAFIO DA MORADIA DIGNA


Ă€ minha famĂ­lia e as amizades da faculdade.


AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer a minha família pelo patrocínio e suporte durante este período. Obrigado por tolerar minha ausência em momentos especiais e pelo apoio nos momentos difíceis. Em especial a minha mãe, que me acompanhava durante as madrugadas em véspera de entrega de projeto. Agradeço também aos professores que fizeram a diferença durante esses cinco anos e meio de faculdade. Lembrando dos professores chilenos, os quais tive o prazer de compartilhar meu aprendizado em um semestre incrivelmente horizontal em Santiago. E em especial os professores Guilherme Motta e Viviane Rubio, que apesar dos desafios deste ano de pandemia, não desistiram. As grandes amizades que conquistei durante esses anos. Sem elas, não teria chegado aqui, pois me auxiliaram nos trabalhos e o mais importante, muitas vezes foram meu suporte psicológico e emocional. Pelas ajudas nos trabalhos, festas, viagens e jogos, Ana, Bruna e Mirian, muito obrigada.


RESUMO O objetivo da monografia é compreender o crescimento, dinâmica e atuação do mercado imobiliário na cidade de São Paulo, além de identificar o impacto na qualidade de vida, do ambiente construído da cidade e verificar o papel do poder público e da iniciativa privada. Tendo como estudo de caso a Favela Nelson Cruz, no bairro do Belém em São Paulo, busca-se conhecer os aspectos da região na tentativa de proporcionar uma resposta adequada de projeto para o lugar. Propõe um projeto para habitação popular de maneira ampliada que possibilite a conexão com pontos importantes da região. O projeto pretende beneficiar os moradores da Favela Nelson Cruz proporcionando moradia digna em uma região privilegiada e onde vivem há muitos anos. O Complexo Nelson Cruz possui 644 habitações, distribuídas em seis torres, uma creche e dois andares comerciais, para servir de apoio para o grande fluxo de pessoas da região e os usuários do parque. A Vila Maria Zélia se conecta com o complexo através de um caminho verde, que é extensão do parque. PALAVRAS-CHAVE Favela Nelson Cruz, Mercado imobiliário, Moradia Digna


ABSTRACT The goal of the thesis is to understand the growth, dynamics and performance of the real estate market in São Paulo, to identify its impact on the quality of life , the built environment of the city, and also, verify the role of the government and private initiative. Based on the study of the Favela Nelson Cruz, in the district Belém of São Paulo, seeking to know the aspects of the region, in an attempt to provide an adequate design response for the place. It is proposed a project for popular housing in an expanded way, that allows the connection with important places of the region. The project aims to benefit the Favela Nelson Cruz residents by providing decent housing in a privileged region, where they have been living for many years. The Nelson Cruz Complex has 644 units, distributed in six towers, a day care center and two commercial floors, to support the large flow of people from the region and the park’s users. Vila Maria Zélia is connected to the complex through a green path, which is an extension of the park.

KEY WORDS Favela Nelson Cruz, Real Estate Market, Social Housing


SUMÁRIO

1

Introdução

10

2.1

O mercado imobiliário O mercado de terras no Brasil

13 15

2.2

O mercado imobiliário em São Paulo

22

2.3

As favelas e o mercado imobiliário

33

3.1

Bairro do Belém em São Paulo Vila Maria Zélia

47 56

3.2

Parque Estadual do Belém Manoel Pitta

64

3.3

Favela Nelson Cruz: UM ESTUDO DE CASO

70

4.1

Complexo Nelson Cruz: a dinâmica do mercado imobiliário e o desafio da moradia digna - O PROJETO Leitura urbana

79 80

4.2

Deficiências X Potencialidades

88

4.3

Partido do projeto

90

2 3

4 5 6

Considerações finais

113

Referências bibliográficas

117



10 INTRODUÇÃO A escolha do tema foi motivada pela observação de espaços da cidade onde entende-se que há a necessidade de transformação para melhorar a sinergia entre pessoas e lugares. O objetivo é expor as relações problemáticas frutos da dinâmica do desenvolvimento urbano e, mostrar caminhos mais saudáveis por meio de um projeto para um complexo apoiado no potencial de transformação em uma escala ampliada. A reflexão sobre o mercado imobiliário pretende demonstrar como esse mecanismo do capitalismo cresceu durante os anos e como pode ser ineficiente na busca por uma cidade mais democrática. Propõe a identificar como o poder público se posiciona frente ao movimento do capital privado com os planos propostos na tentativa de diminuir o déficit habitacional e a segregação socioespacial na cidade. Apresenta-se uma análise do bairro do Belém para mostrar as potencialidades da região, mas também, demonstrar o caminho do desenvolvimento adotado para a maioria dos bairros da cidade. A partir do histórico do lugar, da presença de um equipamento público e de uma ocupação irregular, verificase a inexistência de uma relação, apesar da pequena distância entre eles. Algumas perguntas nascem da pesquisa: Como os lugares se desenvolvem a partir do resquício histórico? Como os novos empreendimentos se relacionam com equipamentos públicos? Porque a reinvindicação de terrenos privilegiados para a implantação de HIS é tão importante?


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A monografia em questão, pretende por fim, propor um projeto que traga benefícios para a região e seus moradores, por meio de estratégias de conexão e da não segregação. Esta monografia se desenvolve em 3 capítulos principais: 2. O MERCADO IMOBILIÁRIO; 3. BAIRRO DO BELÉM EM SÃO PAULO e 4. COMPLEXO NELSON CRUZ: A DINÂMICA DO MERCADO IMOBILIÁRIO E O DESAFIO DA MORADIA DIGNA - O PROJETO. No capítulo 2 é discutido como o mercado imobiliário surgiu no país, como vem atuando na cidade de São Paulo e como suas ações consequentemente não auxiliam as pessoas em situações mais vulneráveis. O capítulo 3 aborda toda a análise que foi feita sobre o bairro do Belém, destacando três grandes pontos da região: Vila Maria Zélia, Favela Nelson Cruz e o Parque Estadual do Belém Manoel Pitta. Finalmente, no capítulo 4 é exposta a resposta de projeto, que pretende conectar esses pontos da região e melhorar a qualidade de vida da população da Favela Nelson Cruz.


IMAGEM CAP 2

Imagem 01: Favela Nelson Cruz Fonte: Fotografia autoral


2

O MERCADO IMOBILIÁRIO


14 O que se entende por mercado imobiliário? De acordo com o dicionário Michaelis o termo “mercado”, tem entre outros significados, “sistema por meio do qual as pessoas compram, vendem ou realizam trocas, geralmente seguindo uma demanda”. E a palavra “imobiliário”, significa “relativo a bens imóveis”. Quando unidas, o significado se transforma em “comércio no setor de imóveis que negocia terrenos ou qualquer ocupação construída em um dado espaço” (REIS, 2018). Mas para entender como esse termo foi empregado no cenário brasileiro, é necessário entender sua origem, melhor dizendo quando as terras se tornaram mercadorias e adquiriram valor.


15 2.1 O MERCADO DE TERRAS NO BRASIL Em 1500, ano do descobrimento, até meados de 1800, no Brasil as terras não possuíam valor, sendo comercializados com demais países, apenas as matérias primas e seus subprodutos como o pau brasil e a cana de açúcar, geravam lucro para Portugal. A princípio a coroa portuguesa era dona de todo o território, e com o objetivo de assegurar a posse da colônia, dividiu o território em 14 grandes faixas de terras, destinando sua administração a interessados, criando assim as Capitanias Hereditárias. O

Rei Dom João III de

Portugal, concedeu as terras para nobres de sua confiança, sendo

nomeados

Capitães

Donatários

que

considerados

a

eram

autoridade

responsável por administrar, proteger o território, fundar vilas

e

desenvolver

a

economia local, e sem a ajuda financeira da coroa, para esse empreendimento. Imagem 02 -Tratado de Tordesilhas Fonte: MAGALHÃES, Fernando. Disponível em: https://ocaisdamemoria.com/2017/06/07/em1494-e-assinado-o-tratado-de-tordesilhas/


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Após o fim da administração das terras por meio das Capitanias, em 1549 Portugal decidiu restabelecer o poder sobre a colônia, centralizando a administração em um Governo Geral. Naquele momento as sedes administrativas foram instaladas nas cidades mais desenvolvidas como Salvador e Rio de Janeiro, iniciando assim um período de grande exploração do território e atraindo cada vez mais pessoas para viver no Brasil. Tabela 01 - Estimativas do crescimento da população brasileira período (1500 – 1872)

Fonte: IBGE, 2015. Disponível em: https://www.colegioweb.com.br/populacao/crescimentoda-populacao.html

O aumento da população brasileira no século XVIII se deu em função do auge da exploração de ouro, passando dos 300 mil para cerca de três milhões. Naquele momento, foi necessário implantar um sistema amplo de divisão de terras, ligadas à mineração, sendo os lotes chamados de data. Seus arrendatários eram aqueles que buscavam ouro, a princípio era necessário fazer o pagamento pela autorização do exercício da mineração que realizavam nas datas e, além disso havia a obrigatoriedade do pagamento


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de impostos para a coroa. No primeiro momento o imposto devido era de um quinto dos valores retirados das terras, mas posteriormente outras formas de taxações foram impostas como a finta e a derrama, tornando então o direito de exploração da terra cada vez mais oneroso. Somente no final do século XVIII é que o governo¹ realiza a regulamentação do mercado de terras com novos planos urbanísticos, devido ao acelerado crescimento das cidades. A chegada da família real no Brasil em 1808, impôs um processo de regularização da posse da terra que juntamente com o movimento de abolição dos escravos iniciado em demais países² do mundo, se tornou um período conturbado para criação de leis que deveria atender uma corte europeia no Brasil e que ao mesmo tempo ignorava a nova parte da população formada por ex-escravos. A Lei de Terras em 1850 foi o primeiro dispositivo legal que buscava regulamentar a questão fundiária no Império.

¹Entende-se por Governo no século XVIII no Brasil como o Governo-Geral, criado por ordem do rei português D. João III em 1548. O primeiro governador-geral foi Tomé de Sousa, seu dever era promover a centralização administrativa da Colônia como forma de torná-la mais lucrativa. ²O comércio ultramarino de escravos no Brasil estendeu-se por três séculos e encerrou-se somente em 1850 com a promulgação da Lei Eusebio de Queiroz.


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[...] a única forma de acesso às terras devolutas da nação fosse através da compra ao Estado em hasta pública, garantindo, entretanto, a revalidação das antigas sesmarias, que era até então a forma de doação da terra por parte do Estado à iniciativa particular – prática existente desde os tempos coloniais – e das posses realizadas até aquele momento, desde que estas tivessem sido feitas de forma mansa e pacífica (ALMEIDA, 2019).

Ou seja, naquele momento o lucro da aquisição de qualquer terreno ia para a coroa. O governo também propôs a demarcação de terras devolutas³ destinadas à utilização publica, como fundação de povoações, colonização indígena, abertura de estradas e construção naval ou posterior colocação à venda. Assim as terras devolutas passaram a ser loteadas e adquiridas tornando-se um bem, uma mercadoria ser comercializada. Com o passar dos anos os donos de terras começaram a obter lucro com a venda, sendo este lucro investido em outros setores da economia do país. A compra e venda da terra, então virou um negócio fazendo parte ³Eram consideradas terras devolutas todas aquelas que não estavam sob os cuidados do poder público em todas as suas instâncias (nacional, provincial ou municipal) e aquelas que não pertenciam a nenhum particular, sejam estas concedidas por sesmarias ou ocupadas por posse. No período colonial, o termo “terra devoluta” era empregado para designar a terra cujo concessionário não cumpria as condições impostas para sua utilização, o que ocasionava a sua devolução para quem a concedeu. (CAVALCANTE, 2005)


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da economia do país, dando forma ao chamado mercado imobiliário. No Brasil, houve fluxos migratórios que ocorreram de forma mais intensa entre 1800 e 1950. As grandes migrações do campo para as cidades em busca de empregos e as imigrações estrangeiras facilitadas pelo governo de, principalmente, italianos e japoneses suscitaram a elaboração de planos e projetos urbanísticos. Tabela 02 - Planos diretores das capitais a partir da década de 1960

Fonte: ULTRAMARI, Clovis; SILVA, Roberto Carlos Evencio de Oliveira da., 2017

Somente na gestão do Presidente Vargas é que houve a preocupação com a habitação para a população de baixa renda. A Revolução de 1930 desencadeou uma transformação no Estado, o qual passou a interferir


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nos aspectos da vida econômica no Brasil, bem como na produção e no mercado de locação habitacional. Porém, as intenções de Vargas com essa nova política, incluíam o estabelecimento de uma sociedade urbanoindustrial. Deste modo, o Governo Federal, pela primeira vez, passou a investir na construção de moradias para os trabalhadores, estimulando a consolidação do conceito de casa própria. Alguns marcos legais destacam-se nessa época, como o Decreto-Lei do Inquilinato de 1942 e o Decreto-Lei n. 58/1938, a primeira lei congelou os aluguéis e a segunda lei, regulamentou a venda de lotes a prestação. A consequência desta segunda lei foi a criação das carteiras dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) e a criação da Fundação da Casa Popular, que foram as duas primeiras instituições a conseguir construir um alto número de habitação social. Até o início dos anos 1950, apenas 36% da população brasileira – cerca de 18 milhões de pessoas – vivia em cidades, e a taxa de fertilidade era de seis filhos por mulher. Ao longo da década, a população urbana quase dobrou, chegando, em 1960, a 32 milhões de pessoas. As cidades brasileiras ganharam 14 milhões de novos moradores apenas nos anos 1950 (LORES,2009).


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Gráfico 01 - Crescimento do número de habitantes no Brasil a partir de 1870

Fonte: Revista Veja, 2010. Disponível em: https://veja.abril.com.br/brasil/populacaobrasileira-cresce-menos-nos-anos-2000/

O crescimento populacional ampliou a demanda por empreendimentos imobiliários, chamando ainda mais atenção de investidores para o ramo da construção civil. Estabelece-se, então, uma aliança entre mercado imobiliário, empreiteiros e investidores que passaram a influenciar politicamente e economicamente o desenvolvimento urbano. A atuação desta classe de certa maneira transformou e continua transformando a paisagem.


22 2.2 O MERCADO IMOBILIÁRIO EM SÃO PAULO O território da cidade de São Paulo se transformou muito desde sua fundação em 1554, de passagem entre litoral e interior com grandes chácaras, a uma cidade onde uma elite que se espelhava na Europa comandava as transformações urbanas, a metrópole e grande mercado brasileiro. Toledo (1981) diz que a cidade foi reconstruída 3 vezes, e com isso houve um grande apagamento do passado, dado pelas inúmeras demolições do ambiente construído para dar lugar a cidade que se conhece atualmente, processo que é um contínuo. Em São Paulo, construía-se “em cima” em vez de se construir “ao lado”. Era a terceira cidade que surgiu em um século (TOLEDO, 1981). Além das grandes mudanças com relação a paisagem, a cidade se tornou um grande polo de atração que nem mesmo as crises econômicas, revoluções e guerras conseguiram impedir a curva de crescimento. Um fato histórico consolidou esse crescimento – o processo de industrialização. A cidade de São Paulo é um dos mais impressionantes casos em todo o mundo de intensa urbanização associada diretamente a um processo de industrialização. De uma relativamente pequena vila durante o período colonial e a maior parte do século XIX, São Paulo tornou-se uma das maiores cidades de todo o planeta, com cerca de 10,5 milhões de habitantes. A região metropolitana, composta por 37 municípios nos arredores da cidade, possui quase 18 milhões de moradores (FONTES, 2012)


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Essa industrialização citada por Fontes (2012), iniciada na metade do século XIX, só foi possível após a instalação da ferrovia na cidade, incentivada inclusive pela substituição da cultura da cana de açúcar pelo café no Vale do Paraíba. O desenvolvimento desta cultura permitiu que o estado se tornasse o maior produtor de café do mundo. A São Paulo Railway implantada em 1867, escoava a produção do café levando-a de Jundiaí ao porto de Santos, movimento que impulsionou o crescimento da capital paulista, moldando em muitos aspectos o uso e a ocupação do solo na cidade. As indústrias demandavam muitos trabalhadores, assim o êxodo rural e as migrações do nordeste dispararam e a cidade recebia cada vez mais habitantes. No entorno e junto às plantas fabris se implantavam muitas vezes vilas operárias, assim bairros como Mooca, Lapa e Barra Funda se tornaram bairros operários. O desenvolvimento, no entanto, foi profundamente desigual e marcado por conflitos e péssimas condições de vida para os trabalhadores e para a maioria da população paulistana, uma vez que a implantação de infraestrutura não alcançava o movimento da população e a expansão horizontal da cidade. O atendimento da Light a essa expansão era desigual. Pressionada pelo congelamento de tarifas, a empresa priorizava os bairros nobres como Higienópolis e Avenida Paulista, deixando sem atendimento as principais concentrações operárias criadas na virada do século. (ANELLI, 2007)


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A partir da década de 1930, entretanto, surgem propostas da prefeitura4 na tentativa de organizar o crescimento da cidade, uma vez que a expansão se dava ao longo da estrutura de transporte público, como as linhas de bonde. Naquele momento se destaca, na estrutura administrativa da cidade o Secretário de Obras e Viação da Prefeitura de São Paulo, Francisco Imagem 03 - Mapa de São Paulo 1810

Fonte: COSTA, Rufino José Felizardo, 1810. Disponível em: http://www.arquiamigos.org.br/ info/info20/i-1810.htm 4

Organograma da estrutura administrativa de São Paulo: Prefeito, Sub prefeito, Secretários.


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Imagem 04 -Mapa de São Paulo 1881

Fonte: SANTOS, Domingues dos, 1881. Disponível em: http://www.arquiamigos.org.br/info/ info20/i-1881.htm


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Prestes Maia. Prestes Maia e o Engenheiro João de Ulhôa Cintra elaboram o Plano de Avenidas que propunha a organização da cidade por meio de um sistema radial perimetral de avenidas e viadutos, uma vez que o sistema existente não era suficiente para atender ao crescimento da população na cidade. Sobre a negação da expansão do transporte sobre trilhos, que seria uma opção melhor a implantação de inúmeras vias, Meyer em 1930 atribui ao modelo de expansão adotado na cidade, que se baseava em um modelo de cidade com centro vertical denso e extensão periférica horizontal, ambos produzidos por interesses imobiliários. Deste modo, o sistema rodoviarista representaria então, a flexibilidade adequada para circular desde o centro até os bairros periféricos. Cabe lembrar que a indústria automobilística se instalaria na cidade na década de 1940, ampliando o afluxo de população para a cidade em busca de melhores condições de vida, além de justificar a implantação de novas vias.5 5 Francisco Prestes Maia foi prefeito de São Paulo entre os anos de

1638 a 1945, quando implementa o plano de avenidas iniciando a construção de importantes avenidas na cidade.

Imagem 05: Plano de Avenidas Prestes Maia Fonte: MAIA, Francisco Prestes. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Plano_de_Avenidas_ de_S%C3%A3o_Paulo



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Na primeira metade do século XX, enquanto os planos para reorganização da cidade eram implementados, grandes empreendimentos imobiliários se assentavam por sobre exemplares arquitetônicos importantes. Observa-se naquele momento um movimento do poder público em favor da iniciativa privada, inclusive no código de obras6 , que permitiu o uso abusivo do solo. Acrescenta-se a esse panorama a ineficiência do governo na regularização do solo, na implantação de infraestrutura e na oferta de habitação popular frente à crescente demanda, o mercado imobiliário com seu auxílio ocupava e produzia para outra classe social. Diante deste cenário surgem os primeiros assentamentos precários na cidade. Considera-se o mercado imobiliário como maior investidor no setor habitacional e responsável pela relação entre a maioria dos edifícios e a cidade, sendo um mecanismo que visa a reprodução de capital, deixando de lado muitas vezes a qualidade do espaço. Harvey (2014) faz uma reflexão sobre a visão de Lefebvre sobre a cidade de Paris na década de 1970. O autor discorre sobre como a cidade estava se transformando O contraste com a nova Paris que vinha surgindo e

ameaçando engolir a antiga era dramático. Os “gigantes” construídos ao redor da Place d’Italie ameaçavam invadir a velha cidade e dar mãos à horrível Tour Montparnasse (HARVEY, 2014). 6

O primeiro código de obras de São Paulo foi publicado em 1992.


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Essa comparação entre cidade “antiga” e “nova”, é fruto do desenvolvimento pelo qual todas as cidades do mundo tendem a passar. Quando o autor se utiliza dos adjetivos “dramático” e “gigante”, expõe os produtos desse desenvolvimento, que nem sempre levam em conta a história do local e a qualidade da cidade que está sendo criada. Esse cenário pode ser observado em São Paulo, no que diz respeito ao patrimônio que por diversas vezes é ignorado em detrimento da preferência ao valor do bem e do lucro. Além disso, o mercado ocupa grande parte da cidade, ganhando o cabo de força, onde quem não pode pagar o valor da terra em determinados lugares é forçado a buscar por outro lugar para morar, na maioria da vezes nas periferias onde é mais barato construir e viver, mas onde a infraestrutura e os equipamentos são mais escassos. Como sintetiza Harvey (2014) agindo desta maneira, o mercado priva muitos do direito a cidade. [...] o que faremos diante das imensas concentrações de riquezas, privilégios e consumismo em quase todas as cidades do mundo, no torvelinho daquilo que até as Nações Unidas descrevem como um explosivo “planeta de favelas”? Reivindicar o direito à cidade no sentido que aqui proponho equivale a reivindicar algum tipo de poder configurador sobre o processo de urbanização, sobre o modo como nossas cidades são feitas e refeitas, e pressupõe fazê-lo de maneira radical e fundamental (HARVEY, 2014).



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O direito a cidade é, portanto, a possibilidade de o indivíduo participar e ter lugar de fala na construção da cidade. O que não acontece quando o mercado imobiliário tem grande influência sobre o estado e essa agenda neoliberal que é uma grande polarização de regiões desenvolvidas e outras nem tão desenvolvidas, como explica Harvey abaixo. Os resultados dessa crescente polarização na distribuição de riqueza e poder estão indelevelmente inscritos nas formas espaciais de nossas cidades, que cada vez mais se transformam em cidades de fragmentos fortificados, de comunidades muradas e de espaços públicos mantidos sob vigilância constante (HARVEY, 2014).

Diante do exposto acima brevemente, sobre o movimento do mercado imobiliário em São Paulo, observam-se consequências drásticas produzidas pelas transformações por ele impostas na ocupação Imagem 06: Bairro do Morumbi Fonte: VIEIRA, Tuca, 2008. Disponível em: https://br.pinterest.com/ pin/223702306466427336/

do território da cidade.


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A imagem ao lado explicita o modo de construir que o mercado impõe, enaltecendo o individualismo,

Imagem 07: Edifício no bairro do Belém

concentrando serviços e benesses em um edifício protegido por muros da dinâmica urbana. Ou seja, as soluções que o mercado encontra para os novos edifícios, podem parecer progressistas, mas ao contrário, ampliam ainda mais o desequilíbrio na ocupação das cidades e o abismo social entre um conjunto de habitantes que seguem segregados. O cenário pode ser ainda pior, se para a implantação de tais empreendimentos inúmeros imóveis são demolidos e a sua população afastada, uma vez que o processo de deslocamento provocado pela desapropriação ou remoção impõe o apagamento das histórias. Com isso, o direito a cidade é oferecido a uma parcela limitada da população e quem não está incluso neste grupo fica a margem da sociedade e da cidade. São Paulo é extremamente desigual. Os investimentos, as oportunidades de emprego e a oferta de bens de serviço urbanos são concentrados em uma pequena parcela central do território, enquanto a vulnerabilidade predomina nas áreas periféricas

Fonte: Fotografia autoral, 2020.

(PMSP, 2014).

Rua Conselheiro Cotegipe.

Nota: Apesar de ser um condomínio de médio-alto padrão, localizado na Av. Celso Garcia, em frente ao Parque Estadual do Belém e Favela Nelson Cruz, possui entrada somente pela


33 2.3 AS FAVELAS E O MERCADO IMOBILIÁRIO Em um dado momento as novas construções em São Paulo deixaram de ser casarões, imitando a arquitetura neoclássica europeia, apresentando uma transformação no modo de construir. Lores (2009). As permissões do poder público governo permitiram inovações que se concretizaram em edificações como o Conjunto Nacional, Edifício Esther, COPAN, Edifício e Galeria Califórnia, dentre outras (LORES,2009). Essa transformação pode ser observada também em alguns conjuntos habitacionais como aqueles construídos pelos IAPs. O Conjunto Várzea do Carmo no Cambuci é um deles, mas mesmo com inovação e esmero na qualidade arquitetônica e urbanística não Imagem 08: Croqui do Conjunto Várzea do Carmo no Cambuci

foi possível alcançar a produção da inciativa privada seja regular ou irregular ampliando o desequilíbrio socioespacial. No cenário de conservadorismo de 1964, no qual o Banco Nacional da Habitação (BNH) foi criado, as propostas de reforma urbana deixaram de ser prioridade,

Fonte: Revista Municipal de Engenharia, 1942. Disponível em: https:// arquivo.arq.br/projetos/conjunto-residencial-da-varzea-do-carmo#&gid=1&pid=3

sendo adotado como prioridade difundir e consolidar o conceito de propriedade privada, baseando a política e os programas relativos no financiamento da habitação.


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Neste contexto, a política habitacional foi utilizada como um instrumento de combate aos ideais comunistas. Entre 1950 e 2000, a população urbana brasileira cresceu de 16,3 milhões para 138 milhões, com um acréscimo superior a 120 milhões de pessoas, fortemente concentrado nas regiões metropolitanas e grandes cidades (BONDUKI, 2014).

Em 1975, mesmo com o novo presidente Mauricio Schulman, o BNH manteve a linha que era apoiada pelo setor da construção civil. A inexistência de programas e o investimento de recursos para a urbanização de assentamentos precários e para a autoconstrução da moradia popular, restringiu o atendimento à demanda por moradia da população de baixa renda. A promoção de habitação popular no Brasil, desde o SFH/BNH, apesar de cerca de 4 milhões de moradias produzidas pelo BNH, em cerca de vinte anos, não logrou êxito em atender a população de renda abaixo de 5 salários-mínimos, uma vez que não tinha programas específicos para este segmento da população. (ANTONUCCI et all, 2019) Dos 100% da produção de habitação no Brasil, durante os anos de 1964 e 1986 - período da atuação do BNH - somente 26% foram financiados pelo banco, portanto construídas com recursos públicos. O Programa PROMORAR criado em 1979, paralelamente às ações da


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prefeitura nas favelas, coordenado pela COHAB7 , construiu 5 mil unidades habitacionais do tipo embrião destinadas ao atendimento das famílias removidas no âmbito de programas de erradicação de sub-habitações. (FRANÇA, 2009) Entre a forte crise econômica e apolítica do início dos anos 1980, que afetou fortemente o SFH e o BNH, e a criação do Ministério das Cidades , em 2003, quando uma nova política habitacional foi estruturada, o Brasil percorreu um dos mais interessantes e emocionante processo de transição de uma ditadura para o regime democrático (BONDUKI, 2014).

Alguns marcos políticos foram fundamentais para esse processo de redemocratização, sendo a promulgação da Constituição Federal em 1988 o mais importante e que consolidou o Plano Diretor8 como principal instrumento de planejamento e promoção de políticas públicas, inclusive habitacionais. 7 Em São Paulo a COHAB órgão responsável pela gestão e promoção da política habitacional

do Município de São Paulo, deveria formatar a política de acordo com as normas estabelecidas pelo BNH. (Lei n°6738 de 19/11/1965). O Programa PROMORAR criado em 1979, paralelamente às ações da prefeitura nas favelas, coordenado pela COHAB, construiu 5 mil unidades habitacionais do tipo embrião destinadas ao atendimento das famílias removidas no âmbito de programas de erradicação de sub-habitações. (FRANÇA, 2009) 8

O PDE é um instrumento urbanístico de planejamento do ordenamento, da ocupação e

uso do solo da cidade que já foi usado pelo poder público em diversos momentos da história de São Paulo, servindo ao direcionamento da aplicação de recursos público e privados na cidade. Mas a partir da publicação do Estatuto da Cidade em 2001, ele passa a ganhar o conceito de estratégia, além da obrigatoriedade da participação popular na sua construção.


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Em 2002 o Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo, passa a enfrentar o desafio e gerar diretrizes para o planejamento do ordenamento socioespacial da quarta maior cidade do mundo, com aproximadamente 10 milhões de habitantes (IBGE, 2000). Dentre os inúmeros instrumentos urbanísticos criados pelo PDE de 2002, as zonas de especial de interesse social (ZEIS) - ZEIS 1, ZEIS 2, ZEIS 3 e ZEIS 4 - são aquelas que possibilitam junto às Operações Urbanas Consorciadas se estabelecem como um conjunto de medidas, com a participação dos proprietários e iniciativa privada, com o objetivo de implantar melhorias urbanísticas estruturais, sociais e ambientais. De acordo com o plano, as medidas propostas

Tabela 03: ZEIS no Município de São Paulo por tipo e superfície

foram: a recuperação das áreas degradadas; cidade desconcentrada e poder descentralizado; urbanização e regularização dos bairros irregulares;

melhorias

no transporte; espaços públicos mais seguros; nova fase de industrialização; diversificação e expansão do setor de serviços; centro principal requalificado; novos centros; melhoria na paisagem urbana; qualificação da construção civil; desenvolvimento da economia

Fonte: CALDAS, 2009. Disponível em: https://www.fau.usp.br/docentes/ depprojeto/c_deak/AUP823/6talun/2016/m1/zeis-tanaka-minoru. pdf


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solidária; melhores oportunidades de estudo, trabalho, cultura e lazer; diminuição radical da violência, e maior inclusão social e melhor qualidade de vida. A taxa de crescimento populacional se estabiliza, porém o déficit por moradias ainda é da ordem de centenas de milhares e gera pressão pela urbanização extensiva sobre áreas ambientalmente sensíveis do município (PDE, 2014).

Imagem 09: Dados negativos sobre São Paulo em 2002

Uma das formas mais recentes encontradas para diminuir o desequilíbrio da ocupação do solo e a distribuição das benesses oferecidas pela vida na cidade em São Paulo é a estratégia de adensamento apresentada

pelo

Plano

Diretor

Estratégico

do

Município de São Paulo em 2014. O principal objetivo do PDE é garantir a melhoria da qualidade de vida em todos os bairros, por meio das seguintes estratégias: Fonte: Seminário “Planejamento, Desenvolvimento Urbano e Sustentabilidade”, 2012. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/ cidade/secretarias/upload/planejamento/escola_de_formacao/arquivos/cursos/presenciais/pde-pres-escola-servidor-23mar12-final.pdf

nas áreas consolidadas diminuir o potencial construtivo e impor um gabarito máximo, prevendo um limite para a produção imobiliária. E aumentar o potencial construtivo perto dos corredores de transporte público coletivo, estimulando também o uso misto. (PMSP, 2014)


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Além das estratégias alguns instrumentos adicionais foram criados de modo a viabilizar as ações correlatas: • A adoção do coeficiente de aproveitamento básico 1 para todo território municipal, sendo que o potencial construtivo adicional dos terrenos pertence à sociedade paulistana, ou seja, o ganho desses casos que excedem o coeficiente é investido em melhorias urbanas: equipamentos públicos, praças, transporte, drenagem e habitação; • Destinação mínima de 30% do Fundo de Desenvolvimento Urbano (FUNDURB), para aquisição de imóveis bem localizados, onde há empregos e infraestrutura e, no mínimo 25% dos recursos arrecadados em Operações Urbanas Consorciadas (OUC) para garantir fontes de financiamento perenes para habitação de interesse social; • Ampliação das zonas especiais de interesse social (ZEIS 2 e 3), para assegurar o direito à moradia digna; • O Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios (PEUC) e o IPTU Progressivo no Tempo, para combater a ociosidade e a retenção especulativa dos imóveis que não cumprem sua função social; • Criação da Cota de Solidariedade, que destina o equivalente de 10% da área computável de novos empreendimentos de grande porte para a produção de HIS (PMSP, 2014).

Sendo assim, para enfrentar a crise habitacional o PDE (PMSP, 2014) estabeleceu diretrizes para a política habitacional da cidade, priorizando o


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atendimento à população de baixa renda, reconhecendo o direito à moradia digna e a necessidade de promoção de habitação adequada e bem localizada, como de qualificação de assentamentos em áreas de vulnerabilidade urbana e ambiental. Defender um projeto de cidade democrática inclusiva, ambientalmente responsável, produtiva e com qualidade é, portanto, o que o PDE pretende. O PDE de 2014 ampliou o número de Zonas Especiais de Interesse Social, (ZEIS)9 na cidade de São Paulo. As Zonas Especiais de Interesse Social são porções do território destinadas, predominantemente, à moradia digna para a população da baixa renda por intermédio de melhorias urbanísticas, recuperação ambiental e regularização fundiária de assentamentos precários e irregulares, bem como à provisão de novas Habitações de Interesse Social – HIS e Habitações de Mercado Popular – HMP a serem dotadas de equipamentos sociais, infraestruturas, áreas verdes e comércios e serviços locais, situadas na zona urbana. (PMSP, 2014)

9A

denominação de ZEIS surgiu inicialmente no Recife na década de 1980, e posteriormente

como AEIS no Rio de Janeiro, e tinha como premissa a regularização urbanística e fundiária dos assentamentos precários. Em 1988 o instrumento ZEIS passa a figurar no texto da Constituição Federal e em 2001 foi regulamentado pelo Estatuto da Cidade, que é uma legislação federal. (RUBIO, 2011)


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Sendo o zoneamento o conjunto de regras de parcelamento, uso e ocupação do solo, que definem as atividades que podem ser implantadas em determinados locais na cidade, o plano definiu as ZEIS para a capital paulista e demarcou seus perímetros no território. São elas: I - ZEIS 1 são áreas caracterizadas pela presença de favelas, loteamentos irregulares e empreendimentos habitacionais de interesse social, e assentamentos habitacionais populares, habitados predominantemente por população de baixa renda, onde haja interesse público em manter a população moradora e promover a regularização fundiária e urbanística, recuperação ambiental e produção de Habitação de Interesse Social; II - ZEIS 2 são áreas caracterizadas por glebas ou lotes não edificados ou subutilizados, adequados à urbanização e onde haja interesse público ou privado em produzir Empreendimentos de Habitação de Interesse Social; III - ZEIS 3 são áreas com ocorrência de imóveis ociosos, subutilizados, não utilizados, encortiçados ou deteriorados localizados em regiões dotadas de serviços, equipamentos e infraestruturas urbanas, boa oferta de empregos, onde haja interesse público ou privado em promover Empreendimentos de Habitação de Interesse Social; IV - ZEIS 4 são áreas caracterizadas por glebas ou lotes não edificados e adequados à urbanização e edificação situadas na Área de Proteção aos Mananciais das bacias hidrográficas dos reservatórios de Guarapiranga e Billings, exclusivamente nas Macroáreas de Redução da Vulnerabilidade e Recuperação Ambiental e de Controle e Recuperação Urbana e Ambiental, destinadas à promoção


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de Habitação de Interesse Social para o atendimento de famílias residentes em assentamentos localizados na referida Área de Proteção aos Mananciais, preferencialmente em função de reassentamento resultante de plano de urbanização ou da desocupação de áreas de risco e de preservação permanente, com atendimento à legislação estadual; V - ZEIS 5 são lotes ou conjunto de lotes, preferencialmente vazios ou subutilizados, situados em áreas dotadas de serviços, equipamentos e infraestruturas urbanas, onde haja interesse privado em produzir empreendimentos habitacionais de mercado popular e de interesse social.

Imagem 10: Tipos Zonas Especial Interesse Social

Fonte: Secretaria Nacional de Desenvolvimento Urbano, 2014. Disponível em: https://forumpopularvv.wixsite.com/vilavelha/single-post/2017/10/08/Zonas-Especiais-de-Interesse-Social---ZEIS


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Outro instrumento que a administração pública elaborou em 2016, na tentativa de regularizar e promover a produção e o atendimento da população de baixa renda, foi Plano Municipal de Habitação (PMH)10 . Pela dimensão da problemática em São Paulo, esse plano estabelece que a política habitacional do município deve oferecer uma solução de longo prazo, para o acesso definitivo à moradia (PMSP, 2016). Esse é um ponto de partida importante para a previsão do atendimento à questão da habitação popular, pois sem um olhar efetivo e perene a crise e o déficit não serão resolvidos perdurarão. Além da ideia da continuidade das medidas para que o problema seja efetivamente resolvido, outro ponto essencial do plano é a indicação sobre a origem os recursos, bem como a menção sobre as estratégias de ação, sendo necessária a organização da 10

Cabe ressaltar que este plano ainda é um projeto de lei PL 619/2016, que segue aguardando

votação na Câmara Municipal. O Projeto de Lei 619/2016 revisa o Plano Municipal de Habitação (PMH) de 2011, em conformidade com o artigo 293 do Plano Diretor Estratégico (PDE), Lei n° 16.050, de 31 de julho de 2014, que determina a revisão do Plano Municipal de Habitação como ação prioritária da Política de Habitação Social da cidade. A revisão do PMH se insere no ciclo de revisão de todo o marco regulatório da política urbana municipal, iniciada com a revisão do PDE, já no primeiro semestre de 2013, seguida pela revisão da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (Lei Municipal n° 16.402, de 22 de março de 2016), do Código de Obras e Edificações e das leis específicas de operações Urbanas Consorciadas e outros planos setoriais. Além disto, a legislação federal, Lei Federal n. 11.124 de 16 de junho de 2005, determina a necessidade da existência de um Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS) para que o município possa participar dos financiamentos com recursos do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) (PMSP, 2016).


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estrutura administrativa e também a integração com os programas habitacionais das instâncias federais e estaduais, bem como a busca de investimentos de capital internacional. Observa-se que a questão da habitação de interesse social (HIS)11 , tem um histórico truncado e pouco efetivo no país, com políticas sem a integração necessária e o mais grave sem a continuidade devida, mesmo com o governo possuindo recursos, e de certo modo não sendo estabelecida como prioridade. Em função da dimensão da problemática e seus desdobramentos relativos, entende-se que a questão habitacional deveria ser uma política de Estado e não de Governo, sendo tratada como prioridade nacional.

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A Habitação de Interesse Social, em termos gerais, é aquela voltada à população de baixa

renda que não possui acesso à moradia formal e nem condições para contratar os serviços de profissionais ligados à construção civil. Segundo o ONU-HABITAT, habitação acessível é aquela adequada em qualidade e localização, que não custa tanto a ponto de impedir seus moradores de arcar com outros custos básicos de vida ou ameaçar seu gozo de direitos humanos básicos. (MOREIRA,2020)


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[...] Durante muito tempo, as soluções apresentadas pela arquitetura oficial, responsável por definir os espaços dos empreendimentos habitacionais destinados à população de menor poder aquisitivo, foram alvos fáceis de críticas que, normalmente, não levavam em conta as premissas e limites técnico-financeiros da produção. É verdade também que há escassez de pesquisas para o tratamento dos espaços urbanos, habitacionais ou tecnológicos com foco na produção de moradias destinadas de interesse social. (PMSP, 2016)

No sentido contrário da produção de HIS, encontra-se o movimento do mercado imobiliário aproveitando os novos coeficientes de aproveitamento, estabelecidos pelo PDE e pela Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo Lei 16402/2016, produzindo edifício verticalizados no limite máximo em áreas onde a oferta de infraestrutura, bens e serviços públicos é abundante. A oferta de empreendimentos imobiliários verticalizados em projetos que preveem o adensamento excessivo, mas que também não se destina a camada da população com menor renda. Um exemplo recente é a verticalização em muitos bairros da zona leste, próximos a linha vermelha do metrô, uma das mais antigas e mais utilizadas da cidade e ao longo da Radial Leste, via essencial do deslocamento de saída e entrada na região. Atualmente há muitos lançamentos de empreendimentos habitacionais próximos a infraestrutura de mobilidade, mas uma pequena quantidade é acessível para população de baixa renda.


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Entende-se que mesmo com as estratégias e ações previstas no PDE e que serão observadas a longo prazo, em um sistema capitalista, o mercado imobiliário sempre estará adiante e oferecendo empreendimentos em números maiores que os do poder público. Sobre essa disparidade entre iniciativa privada e poder público, Rolnik (2015) apresenta uma discussão sobre a grande mudança econômica, política, e territorial que tem ocorrido nas cidades do planeta, sob a égide do consumismo triunfante na era da hegemonia do pensamento e das práticas da gestão neoliberal. A autora acrescenta que esse movimento neoliberal tem ponto de encontro e de conflito. As grandes transformações percebidas em função da globalização que ampliou o acesso, ao mesmo tempo trouxeram a impermanência com a inclusão precária das populações mesmo nas parcerias com o poder público (ROLNIK, 2015).


IMAGEM CAP 3

Imagem 11: Paróquia São José do Belém Fonte: TORRES, Felipe, 2019. Disponível em: https://www.facebook.com/paroquiasaojosedobelem/photos /a.550692935012205/3050084155073058


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BAIRRO DO BELÉM EM SÃO PAULO


48 O bairro do Belém e o mercado imobiliário Imagem 12: Localização bairro do Belém

Fonte: Elaboração da autora,2020

A região do atual bairro do Belém, na zona leste de São Paulo, por volta de 1880 era conhecida na cidade pela altitude privilegiada, pelo ar puro e pelos muitos pomares que ali existiam. Essas condições atraíram famílias da elite paulistana que adquiriram chácaras onde construíram seus solares e mansões. Enquanto os bairros vizinhos passavam por transformações, o Belém se manteve ainda por muito tempo com grandes glebas e casarões. A formação do bairro se deu no entorno da paroquia de São José do Belém, quando a gleba foi desmembrada e separada de outra igreja, a do Bom Jesus do Brás em 1897. Em 1899, o distrito do Belém foi criado e atualmente possui seis quilômetros quadrados de área e 36 mil habitantes, ocupando a 26ª posição em IDH, sendo considerado entre os 96 da cidade, um dos distritos mais seguros da cidade. (IBGE,2010)

Imagem 13: Bairro do Belém 1930 Fonte: Levantamento Sara Brasil, 1930. Disponível em: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx



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Imagem 14: Linha do tempo de fatos importantes do bairro do Belém

Fonte: Elaboração da autora,2020

A história da região é marcada por um processo intenso de industrialização iniciado em 1910, induzindo o adensamento e a consolidação do bairro com o afluxo dos operários das fábricas e suas famílias. As vilas operárias construídas para abrigar as famílias daqueles operários trouxeram a região e seus moradores um caráter de cidade de interior, onde todos se conheciam, criando um sentimento bairrista.

12

12

No livro Vamos Falar do Belenzinho?, um projeto da Editora Matarazzo, foram reunidas

diversas histórias de pessoas que vivem ou já viveram no bairro. Geraldo Nunes fala sobre Manoel Pitta, morador que viveu sua vida toda no bairro. Manoel foi presidente da Sociedade Amigos do Belenzinho (SAB) por 35 anos. Também dedicou grande parte da vida a conquistar melhorias e o reconhecimento da região, exemplo disso era a questão que fazia de o bairro ser chamado de Belenzinho, um termo mais intimista. (Editora Matarazzo, 2017)


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A nomenclatura Belém surgiu quando implantaram a linha 24 para o bonde 24 que servia o bairro. A palavra Belenzinho era muito comprida e só cabia no bonde a legenda Belém, mas esse nome não tem a ver com as nossas tradições (relato de Manoel Pitta em 2015, 2017).

Manoel Pitta, Presidente da Associação de Moradores conseguiu como melhoria a instalação de uma Base Comunitária de Polícia Militar, na Avenida Celso Garcia, sendo um dos fatos importantes, por trazer segurança aos moradores vizinhos de uma unidade da Fundação do Bem Estar do Menor (FEBEM), área que era considerada violenta quando haviam rebeliões. Atualmente, o terreno da FEBEM deu lugar ao Parque Estadual do Belém que recebeu o nome de Manoel Pitta. Mas a importância do bairro não é dada pelo histórico marcante e pelos personagens pitorescos, mas pela estrutura urbana dada por vias, como a Marginal do Tietê e a Avenida Salim Farah Maluf. A Radial Leste é o limite sul e a Avenida Celso Garcia corta a região de leste a oeste. Muitas linhas de ônibus passam pela Avenida Celso Garcia, que fazem a distribuição de passageiros para grande parte da zona leste. A implantação da linha vermelha com a estação Belém do metrô, em 1981, incrementou a dinâmica do transporte público da região. Desta forma pode se inferir que a região é bem servida quanto ao transporte público. Uma curiosidade da região é que apesar de ao longo dos anos ter passado


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por diversas transformações, a Avenida Celso Garcia não adquiriu uma identidade particular, podendo estar localizada em qualquer lugar da cidade. Essa questão pode ser explicada pela ausência de identidade atribuida ao esvaziamento da região pela saída das indústrias. Apesar disso, a implantação de equipamentos importantes como a Escola Técnica (ETEC) Parque Belém e o Parque Estadual do Belém, a avenida adquiriu um aspecto diferenciado. Atualmente no bairro, chama a atenção a intensa atuação de incorporadores imobiliários, que atraídos pelo potencial dos grandes lotes das antigas indústrias aliados a oferta de transporte público. Somado a isso, o Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2014 indica o adensamento no entorno dos equipamentos de mobilidade. Deste modo, a região, como outras da Zona Leste, se tornaram campo fértil para a produção de empreendimentos imobiliários financiados pela iniciativa privada. Apesar de o PDE de 2014 incentivar o adensamento habitacional do entorno das estruturas de transporte público voltados a população de baixa renda, é possível

Imagem 15: Vias de mobilidade importantes do bairro do Belém Fonte: Elaboração da autora, 2020


Marginal do TietĂŞ

Av. Salim Farah Maluf Av. Celso Garcia

Radial Leste

LEGENDA: Vias de mobilidade


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notar o grande investimento em empreendimentos de médio e alto padrão que além de não serem acessíveis a população de baixa renda, não agregam qualidade à cidade, pois não proporcionam a permeabilidade e integração com o entorno. Algumas notícias mostram as características do processo que o mercado está em curso no bairro:

Segundo o portal de imóveis da zona leste, ZL Imóvel, (www. zlimovel.com.br), o valor do metro quadrado de um apartamento para venda no bairro do Belém, com dois dormitórios e uma vaga de garagem, é aproximadamente R$ 4.700,00 (quatro mil e setecentos reais). Já o valor do aluguel dos apartamentos com dois dormitórios e uma vaga de garagem no bairro do Belém é de aproximadamente R$ 1.300,00. (NOGUEIRA, 2013)

Imagem 16: Propaganda de novo empreendimento habitacional de médio/alto padrão no bairro do Belém

Contrastando com essa realidade, o número de pessoas em situação de rua vem crescendo no bairro desde 2016. Em janeiro de 2020 a Prefeitura de São Paulo apontou que a população em situação de rua aumentou em 53% em quatro anos, de15.905, em 2015, passou para 24.344 em 2019.

Fonte: Fotografia autoral,2020.


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A subprefeitura da Mooca, da qual o distrito do Belém faz parte, é a segunda região com maior número de moradores de rua, atrás da Sé. O viaduto Guadalajara, parte da Radial Leste e a Rua Cajuru estão tomados por barracas, colchões e 13

pessoas que não têm para onde ir. (RIBEIRO,2016)

Mesmo com iniciativas como a implantação de tendas de apoio, um centro de acolhida e um centro Imagem 17: Moradores em situação de rua, em baixo do viaduto Guadalajara no bairro do Belém

de convivência, a prefeitura não consegue atender a grande demanda.

13

De acordo com relatos do Padre Júlio Lancelloti, que está à

frente da Pastoral de Rua e morador do Belém, a política higienista Fonte: RIBEIRO, Joyce, 2016. Disponível em: https://cbn.globoradio. globo.com/grandescoberturas/seubairro-nossa-cidade-sp/2016/09/06/ CRESCIMENTO-DA-POPULACAODE-RUA-PREOCUPA-MORADORESDO-BELEM.htm

que é crescente na região, é preocupante. Segundo um estudo do CONSEG do Belém, mais de 300 pessoas em situação de rua estão espalhadas pelo distrito, sendo que 75% delas apresentam problemas como dependência de álcool e drogas. Disponível em: https://cbn.globoradio.globo.com/grandescoberturas/seu-bairronossa-cidade-sp/2016/09/06/CRESCIMENTO-DA-POPULACAODE-RUA-PREOCUPA-MORADORES-DO-BELEM.htm)


56 3.1 VILA MARIA ZÉLIA Imagem 18: Linha do tempo de fatos importantes relacionados à Vila Maria Zélia

Fonte: Elaboração da autora,2020

A chegada da ferrovia em São Paulo em 1867, trouxe velocidade ao crescimento da cidade, uma vez que possibilitava o transporte de mercadorias, pessoas e até informações com maior rapidez. Com o advento daquele meio de transporte, tornava-se mais vantajosa a instalação das fabricas na capital. No bairro do Belém as primeiras industriais, as vidrarias, chegaram em 1910, depois foram as tecelagens. Com isso, atraídas pelas oportunidades de emprego, muitas pessoas se mudaram para o bairro, triplicando a população em um ano. A Cia Nacional de Tecidos da Juta do médico e industrial Jorge Street chegou à região e ocupava uma gleba situada na Avenida Celso Garcia e que se estendia até as margens do Rio Tietê, que ainda possuía traçado sinuoso. Por ser médico, Street tinha uma grande preocupação com o bem estar de seus funcionários, e assim construiu a primeira vila operária do Brasil.


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A Vila Maria Zélia foi a resposta para a primeira demanda habitacional em massa do bairro. O início da construção em 1912 previa abrigar 2100 funcionários que trabalhavam na fábrica. O arquiteto responsável pelo projeto foi o francês Paul Pedraurrieux, escolhido por Street por acreditar que ele poderia colocar em prática suas ideias para a construção de moradias dignas para os operários. A vila foi inaugurada somente em 1917 e recebeu o nome da filha falecida de Jorge Street. Paul Pedraurrieux se inspirou nas vilas que estavam sendo construídas na Europa no início do século XX, cujo projeto se baseava tanto no Imagem 19: Vila Maria Zélia e Fábrica de Tecidos de Juta

parcelamento, espaços comuns com a inclusão de equipamentos públicos, mas também na qualidade das residências. O programa da vila era composto por 250 residências de 75m² a 110m², um edifício para abrigar um jardim da infância, um ambulatório, dois armazéns e uma igreja. Apesar da prosperidade da fábrica, Street acumulou

Fonte: Folhapress,1919. Disponível em: https://www1.folha.uol.com. br/cotidiano/2018/09/moradoresde-vila-operaria-e-historica-de-spganham-premio-de-preservacao. shtml

muitas dívidas, decidindo então em 1924, vender a vila e a fábrica para a família Scarpa. Os novos proprietários decidiram mudar o nome da vila para Vila Scarpa. Mas em 1929, com a crise econômica nacional, reflexo do


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crash da Bolsa americana, os Scarpas também abriram mão desse patrimônio, vendendo o conjunto para o Grupo Guinle, que reestabeleceu o nome original Vila Maria Zélia. No início da década de 1930, devido a débitos fiscais com o Governo Federal, a vila e a fábrica foram confiscadas pelo Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI), atual INSS. De acordo com Ponciano (2004), quando a tecelagem foi desativada a vila tornou-se um presídio político na ditadura do Estado Novo, entre 1936 e 1937. Em 1938 a fábrica da Goodyear é instalada no conjunto de edifícios, adquirindo parte da vila e a anexou ao terreno da fábrica. Durante

alguns

anos

os

moradores

puderam

permanecer no local sem pagar, pois não estava decidido o destino para os imóveis residenciais. A partir de 1939 os moradores tornaram-se inquilinos, pagando aluguel ao IAPI até o ano de 1968, quando finalmente foram autorizados a comprar os imóveis em que moravam por meio do (BNH). Assim, em 1970, deixou de ser uma vila particular, sendo as ruas internas

Imagem 20: Vila Maria Zélia e Fábrica de Tecidos de Juta Fonte: Vista aérea da fábrica, Vila Maria Zélia e arredores, 1954. Disponível em: https://saopauloantiga.com. br/80-anos-do-primeiro-pneufabricado-em-sao-paulo/



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e equipamentos transformados em espaços públicos. A Vila naquele momento possuía 171 casas e cerca de 400 moradores. já a capela que segue funcionando é administrada pela Paróquia de São José do Belém, mas as escolas e os armazéns, que permanecem até hoje como propriedade do INSS, estão abandonados há décadas. Atualmente, mesmo com as transformações vividas pela cidade, os moradores da vila mantem o sentimento de fraternidade de sempre. Em 1981 foi criada a Sociedade de Amigos da Vila, e tinham o

Imagem 21: Brasão da Sociedade de Amigos da Vila Maria Zélia

objetivo de unir a comunidade na preservação e bom funcionamento da vila, mantendo-a ativa até hoje. Além disso, a Associação é responsável por organizar eventos para a integração e diversão dos moradores, como festas juninas, jantares, dentre outros, além de cuidar do departamento esportivo, que integra escolas de futebol e de vôlei. No ano de 1992 a vila e parte da fábrica foram tombadas pelo CONDEPHAAT de acordo com a resolução 43 e pelo CONPRESP de acordo com a resolução 39/92.

Fonte: GOMES, André, 2013. Disponível em: https://www. facebook.com/SAVMariaZelia/


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Imagem 22: Planta da Vila Maria Zélia. Documento do processo de tombamento

Fonte: CONPRESP, 1992. Disponível em: http://www.ipatrimonio.org/wpcontent/uploads/2013/12/36052_02_ APT_Vila_Maria_Zelia_mapa.jpg photos/a.145464382303575/145464385636908

A Prefeitura do Município de São Paulo, por meio de sua Secretaria Municipal de Cultura e do Departamento do Patrimônio Histórico Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo publicam a Resolução nº. 39/92. O Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo CONPRESP, no uso de suas atribuições legais e nos termos da Lei no 10.032/85, com as alterações introduzidas pela Lei no 10.236/86, e Considerando a importância da memória dos moradores e trabalhadores da Vila Maria Zélia e da antiga Fábrica Maria Zélia; Considerando o valor urbanístico representado pelas soluções adotadas na ocupação da Vila Maria Zélia; e Considerando o valor históricoarquitetônico, ambiental e afetivo das edificações que compõem essa Vila e das remanescentes da antiga Fábrica Maria Zélia, RESOLVE: Artigo 1o - Ficam tombados na área da VILA MARIA ZÉLIA e da antiga FÁBRICA MARIA ZÉLIA (atual Companhia Goodyear do Brasil), localizados no Bairro do Belenzinho, Distrito do Belém. (PMSP, 1992)


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Em 2018, os moradores da vila receberam do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade pelas ações de preservação da memória, patrimônio e cultura do local. O valor recebido foi de R$30 mil e foi concedido à Associação Cultural Vila Maria Zélia. A vila foi reconhecida pois no seu centenário, em 2017, a associação promoveu palestras sobre a história da vila, visitas guiadas e criou um centro de memória, lançando um livro de contos sobre o bairro, além de uma exposição fotográfica das construções e um documentário, entre outras atividades. O Iphan reconheceu esses eventos. Apesar de todas as medidas que os moradores realizam para preservar a vila, ao visitar o local é possível notar o estado de abandono dos edifícios públicos. Eles possuem as placas de reforma colocadas pelo governo, mas não há indícios de início de obras para recuperação. Além disso, sem a relação inicial que possuía com a fábrica e com a retificação do rio Tietê, a vila se encontra isolada e escondida em meio as fabricas adjacentes, edifícios e ruas sem saída. É um retrato de como o patrimônio é tratado no país e como a urbanização liderada pela iniciativa privada não respeita o histórico dos lugares.


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Imagem 23: Estado atual de preservação dos edifícios públicos da Vila Maria Zélia

Fonte: Fotografia autoral, 2020.


64 3.2 PARQUE ESTADUAL DO BELÉM MANOEL PITTA Na Avenida Celso Garcia na altura do número 2231, estava instalado o Complexo Tatuapé da FEBEM, com área de 255 mil metros quadrados, criado no início da década de 1900 para receber jovens abandonados ou que tivessem cometido algum crime. Implantado na Chácara do Belém, local que na época ficava distante do centro da cidade, chegou a ter 18 unidades de internação, onde cerca de 1.500 funcionários eram responsáveis pelo atendimento de 1.200 jovens. No local ocorreram eventos que atribuíram um olhar negativo ao complexo, como diversas rebeliões e o constante conflito com a polícia. Durante muito tempo o Estado tentou mudar o conceito da instituição, implementando uma filosofia socioeducativa e não punitiva. Neste contexto, complexos como este se

Imagem 24: Internos após rebelião no complexo Tatuapé da Febem

tornam obsoletos, pois o grande número de internados dificulta a realização de atividades que proporcionariam um efeito positivo. A Mudança de Febem para Fundação Casa partiu da necessidade de dar uma solução para a superlotação e inúmeras unidades instaladas na cidade, além do baixo índice de sucesso das reinserções na sociedade.

Fonte: LOPES, Moacyr, 2006. Disponível em: https: https://www1. folha.uol.com.br/folha/galeria/ album/p_20060405-febem-01.shtml


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Em

2006,

novas

unidades

começaram

a

ser

construídas

no

interior. Além disso, a mudança do nome da instituição foi uma das ações para melhorar a qualidade educacional dos internados. [...] Era o início de uma nova história, que seria materializada com a criação da Fundação CASA, por meio de lei sancionada em 22 de dezembro de 2006 pelo então governador Cláudio Lembo (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2010).

Para Berenice Giannella, Presidente da Fundação CASA, a desativação 14

do Complexo do Tatuapé foi um grande desafio enfrentado por ela.

A

mudança do formato da administração e do atendimento tradicional da FEBEM, possibilitou a abertura em 2006 de uma licitação para a demolição do complexo e a construção de um parque, a exemplo do que já foi feito com o Complexo Imigrantes da FEBEM, que deu lugar ao Parque Estadual Fontes do Ipiranga (PEFI), e a Casa de Detenção do Carandiru, que teve parte demolida, dando lugar ao Parque da Juventude.

14

Nesses últimos anos, além da construção de 60 novos centros espalhados pelo Estado,

pautada no ECA e agora no Sinase, foram postas em prática uma série de ações para melhorar o atendimento socioeducativo aos adolescentes. Disponível em: http://fundacaocasa.sp.gov. br/View.aspx?title=governo-de-sao-paulo-inaugura-novo-parque-no-tatuape&d=1381


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Imagem 25: Parque da Juventude, no bairro do Carandiru em Sáo Paulo

Fonte: LEAL, Sheilla, 2017. Disponível em: https://spcity.com.br/conheca-o-parque-dajuventude/

Segundo a proposta do governo de 2006, o projeto para o parque previu a implantação de uma praça de acesso, com marquise e de uma portaria, que abrigaria um mirante de onde seria possível ver boa parte do parque, além disso, a construção de uma ciclovia, que terá início na Praça de Acesso e portaria todo parque. A estrutura de circulação existente foi composta por uma alameda com árvores alecrins-de-campinas e a via perpendicular foi recuperada e integrada à nova alameda. Foram previstos ainda a preservação e o manejo da vegetação arbórea existente.


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Imagem 26: Mapa do Parque Estadual do Belém Manoel Pitta

Fonte: Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente de São Paulo, 2012. Disponível em: https:// www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/cpp/pe-do-belem-manoel-pitta/

O Parque Estadual do Belém Manoel Pitta foi inaugurado em 2012, após 6 anos de construção e com um investimento de R$37 milhões. O Parque tem área total de 210 mil m², sendo 14 mil m² de área construída e com uma área verde de 144 mil m². Além da estrutura para lazer e diversão, a requalificação da área incorporou ao parque uma Fábrica de Cultura, que oferece cursos de iniciação artística para jovens dos 8 aos 19 anos, além de atividades de difusão para toda a


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comunidade no

Café

Concerto –

espaço com

capacidade para 270 pessoas que funciona como o teatro da Fábrica. A Fábrica está instalada em um edifício da década de 1930 que abrigou o Reformatório para Meninas e foi quase destruído em um incêndio na década de 1990. Com a reforma, o prédio recebeu salas de aula para realização de ateliês de artes plásticas, circo, dança, música, multimídia, teatro e xadrez. A reforma manteve aspectos originais do edifício, principalmente nas fachadas e no gradil das janelas, acrescentando elementos contemporâneos no interior, com novas estruturas de concreto e metal que integram e facilitam a circulação entre os pavimentos. O prédio principal tem 4,5 mil m² de área construída dedicados à cultura.

Imagem 27: Fábrica de Cultura no Parque Estadual do Belém

Em uma área anexa ao parque, funciona desde o primeiro semestre de 2010, a ETEC Parque Belém. O prédio que abriga a escola também fazia parte do Complexo da antiga FEBEM e foi totalmente reformado e adequado às necessidades atuais. Atualmente, 1.072 alunos estão matriculados no ensino médio e em nove cursos técnicos: Informática, Informática para Internet,

Fonte: Fotografia autoral, 2020.


69

Logística, Nutrição e Dietética, Segurança do Trabalho, Eventos, Química e dois integrados, Meio Ambiente e Nutrição e Dietética. (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2012) Apesar de trazer um grande ponto de lazer para a região o parque não possui uma boa interface com a cidade. Existem apenas dois acessos, um na Rua Nelson Cruz e outro na Avenida Celso Garcia. A portaria da Rua Nelson Cruz permanece fechada, indicando essa condição em função da existência da Favela Nelson Cruz do outro lado da rua. A existência da favela afasta do parque Imagem 28: Etec Parque Belém

grande parte do público, que por preconceito prefere utilizar o lazer interno aos condomínios que estão no entorno, ao invés de usufruir do equipamento público. Além das portarias serem muito distantes uma da outra, as calçadas da Avenida Nelson Cruz não possuem qualidade para a caminhabilidade, sendo fatores que não contribuem para que o equipamento seja utilizado plenamente.

Fonte: Governo do Estado, 2019. Disponível em: http:// desenvolveitaquera.com. br/2019/11/07/vestibulinho-da-etecparque-belem/


70 3.3 FAVELA NELSON CRUZ: UM ESTUDO DE CASO O Centro de Estudo da Metrópole (CEM), com base nos dados do Censo, desenvolveu uma metodologia de análise dos dados socioeconômicos dos setores subnormais e que permite identificar territórios de precariedade que não foram classificados como setores subnormais, mas cujas características são similares a estes, e foram classificados como setores precários. Portanto, a soma dos setores subnormais aos setores precários compreende o conjunto de assentamentos precários. (PMSP, 2016)

Tabela 04: Domicílios e população de assentamento precários em São Paulo

Fonte: Elaboração do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) a partir de dados do CENSO, 2010


71

Em São Paulo não é necessário caminhar muito para encontrar uma pessoa 15

em situação de rua ou um assentamento precário . O déficit habitacional é um grande desafio a ser enfrentado na cidade.

Tabela 05: Síntese dos domicílios por condição de adequação e faixas de renda

Fonte: Elaboração do CEM a partir de dados da Fundação Pinheiro, 2010

15

O Ministério das Cidades (2007) utiliza o termo para designar um território urbano ocupado

fisicamente à revelia da legislação de uso e ocupação do solo e edilícia vigente na cidade, de maneira não convencional; um assentamento que possui uma situação espacial muito peculiar e diversos níveis diversos de irregularidade jurídica em relação à propriedade da terra, evidenciando a precariedade e a insalubridade das edificações ali construídas. Os Assentamentos Precários estão divididos em quatro categorias: 1. Favelas, 2. Loteamentos irregulares de moradores de baixa renda, 3. Cortiços, e 4. Conjuntos habitacionais degradados (Brasil, Ministério das Cidades, 2007).


72

Gráfico 02 - Déficit habitacional no Brasil X São Paulo

Fonte: FUNDAÇÃO JOÃO Pinheiro, 2015

Gráfico

03

-

Estimativa

demanda por linhas de ação Fonte: PMH (PMSP, 2016)

da


73

Em São Paulo existem 1.730 favelas com 391.489 domicílios. Uma delas é a Nelson Cruz localizada no Bairro do Belém. Localizada em toda a extensão esquerda dos 306 metros da Rua Nelson Cruz a favela ocupa uma área de 18.750,45m² com número estimado de 600 moradias. A renda média dos moradores é de R$ 442,07, ou seja, aproximadamente 40% do salário-mínimo (R$ 1.045,00). Essa renda dificulta o acesso e a melhoria da qualidade de vida das famílias.   A favela possui abastecimento de água, mas o esgoto é ligado de forma irregular na rede pública, assim como para o fornecimento de energia elétrica. A proximidade com batalhão da polícia militar, faz com que a favela seja objeto de constantes reclamações. Um Tenente Coronel fez um requerimento à PMSP listando muitas inconformidades da área, pedindo intervenção da subprefeitura. Apesar de todas dificuldades que os moradores enfrentam, são muito unidos e formaram a Associação Nelson Cruz em 2006 que está à frente da organização do local, bem como nas negociações sobre as demandas com a subprefeitura. Duas instituições religiosas fazem parte do conjunto, um centro espírita e uma igreja evangélica que proporcionam eventos para as pessoas e auxiliam quando alguma família passa por alguma dificuldade, como por exemplo o incêndio de 2005, que deixou 1000 desabrigados no local.


Favela Nelson Cruz


75

A ocupação teve início em 1977, quando o bairro ainda não era considerado como centralidade de São Paulo e quando o transporte público para a região era insuficiente. Diferentemente da atualidade, que há a oferta de transporte e equipamentos importantes, utilizados pelas famílias moradoras, que lutam para permanecer no local e para que não seja transferida para áreas distantes de onde construíram suas relações e cotidiano. A luta pela permanência no local é constante. Em 2014 uma ação movida pela Prefeitura de São Paulo para desocupação de parte da área (1.169,40m²), com alegação de que o avanço das construções sobre a calçada, estavam sobrepostas a tubulações subterrâneas da rede de distribuição de gás da COMGÁS. O terreno pertencia a Victoria Dabbur Zeido, que em 2011 alienou o bem a CDHU, a atual proprietária do terreno. A Prefeitura perdeu a ação sob a alegação Imagem 29: Localização da Favela Nelson Cruz no bairro do Belém Fonte: Google Earth, 2020

de ilegitimidade da ação por pleitear a retomada de imóvel onde se situa a favela, pois a Municipalidade jamais teve a posse do terreno. (TJ-SP, 2014)


76

Vale ressaltar que a Nelson Cruz não está incluída em nenhuma intervenção ou limite de operação urbana, ou seja, não existe por parte da prefeitura um plano com o envolvimento da iniciativa privada com o objetivo de transformações urbanísticas, melhorias sociais e implantação de infraestrutura, para a região. Sendo assim a favela está inclusa em planos mais genéricos, que não possuem potencial de qualificação e sem prioridade de ação a curto prazo.

Imagem 30: Moradores da favela Nelson Cruz realizando atividades com adolescentes na entrada da comunidade Fonte: Associação Nelson Cruz, 2013. Disponível em: http://spressosp. com.br/2013/04/22/estamos-sendoestigmatizados/?__cf_chl_jschl_tk__ =c6cc89545bda6c235c981f714a1769 d1ccce3cf6-1606798187-0-Aa3hESg_



IMAGEM CAP 4

Imagem 31: Projeto do Complexo Nelson Cruz Fonte: Elaboração da autora, 2020


4

COMPLEXO NELSON CRUZ: A DINÂMICA DO MERCADO IMOBILIÁRIO E O DESAFIO DA MORADIA DIGNA - O PROJETO


80 4.1 LEITURA URBANA Localizado no bairro do Belém, na zona leste de São Paulo, a quinhentos metros da Vila Maria Zélia, na Avenida Celso Garcia e em frente do Parque Estadual do Belém encontra-se a Comunidade Nelson Cruz, local de intervenção projetual. Imagem 32: Localização da área de estudo em 1930

1

3 2 Legenda: 1. Vila Maria Zélia 2. Favela Nelson Cruz 3. Parque E. do Belém Fonte: Levantamento Sara Brasil, 1930. Disponível em: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/ PaginasPublicas/_SBC.aspx

Observa-se no mapa: a. Leito original do rio Tietê e proposta de sua retificação; b. Vila Maria Zélia e Fábrica Cia Nacional de Tecidos da Juta; c. Grandes lotes de fábricas; d. Início da ocupação perto das fábricas e ao longo da Av. Celso Garcia.


81

Imagem 33: Localização da área de estudo em 1954

1

3 2 Legenda: 1. Vila Maria Zélia 2. Favela Nelson Cruz 3. Parque E. do Belém Fonte: Mapa Vasp Cruzeiro 1954. Disponível em: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/ PaginasPublicas/_SBC.aspx

Observas-se no mapa: a. Ainda o leito original do rio Tietê; b. Expansão da fábrica sobre lotes da Vila; c. Intensificação da ocupação do bairro; d. Implantação da Febem no lote do atual Parque Estadual.


82

Imagem 34: Localização da área de estudo em 1958

1

3

2

Legenda: 1. Vila Maria Zélia 2. Favela Nelson Cruz 3. Parque E. do Belém Fonte: Mapa Geoportal 1958. PaginasPublicas/_SBC.aspx

Disponível

Observa-se no mapa: a. Retificação do rio em andamento

em:

http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/


83

Imagem 35: Localização da área de estudo em 1988

1

3 2 Legenda: 1. Vila Maria Zélia 2. Favela Nelson Cruz 3. Parque E. do Belém Fonte: Mapa Vegetação 1988. PaginasPublicas/_SBC.aspx

Disponível

em:

http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/

Observa-se no mapa: a. Retificação do rio finalizada; b. Criação da Marginal do Tietê; c. AME- Ambulatório Médico de Especialidades Maria Zélia; d. Expansão do projeto da Febem no lote do atual Parque Estadual; e. Ocupação dos lotes da várzea do rio;


84

Imagem 36: Localização da área de estudo em 2004

1

3 2 Legenda: 1. Vila Maria Zélia 2. Favela Nelson Cruz 3. Parque E. do Belém Fonte: Mapa MDC 2004. Disponível em: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_ SBC.aspx

Observa-se no mapa: a. Lote de fabricas cedendo lugar a grandes empreendimentos imobiliários; b. Lotes da várzea do rio já ocupados; c. Instalações da Febem finalizada; d. Aparição da ocupação da Favela Nelson Cruz pela primeira vez no Mapa.


85

Imagem 37: Localização da área de estudo em 2017

1

3 2 Legenda: 1. Vila Maria Zélia 2. Favela Nelson Cruz 3. Parque E. do Belém Fonte: Mapa PMSP 2017. PaginasPublicas/_SBC.aspx

Disponível

em:

http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/

Observa-se no mapa: a. Aparição de mais empreendimentos habitacionais; b. Parque Estadual do Belém Manoel Pitta concluído.


86

Imagem 38: Análise do entorno imediato

Fonte: Elaboração da autora com base nos dados do Google Maps, 2020

Imagem 39: Análise de mobilidade, equipamentos e usos da área de estudo Fonte: Elaboração da autora com base nos dados do Geosampa, 2020



88 4.2 DEFICIÊNCIAS X POTENCIALIDADES Após a leitura da região é possível destacar algumas questões: os novos empreendimentos não valorizam os edifícios com importância histórica da região, portanto, novos projetos devem ter como principal objetivo integrar as pré-existências. Na região existem ocupações irregulares e população em situação de rua, situações que poderiam ser evitadas se os grandes lotes vazios, pelo deslocamento das plantas fabris, localizados próximos a equipamentos de mobilidade que poderiam ser aproveitados pelo poder público para a construção de HIS. Existem alguns equipamentos, mas poucos são públicos, ou com localização acessível a todos os moradores. Deste modo. os futuros projetos devem criar mais equipamentos públicos e privilegiar o acesso aos existentes.


89

Imagens 40: Fotografias do bairro do Belém, em vermelho destaca-se o que pode melhorar

Estado de preservação dos edifícios públicos da Vila Maria Zélia

Moradia

digna

para

população da Favela Nelson Cruz

Melhorias na interface do Parque Estadual do Belém Manoel Pitta

Fonte: Fotografias autorais, 2020


90 4.3 PARTIDO DO PROJETO

Com a intenção de integrar a Vila Maria Zélia à Favela Nelson Cruz e o Parque Estadual do Belém, o projeto prevê sua conexão, reforçando a importância da valorização e preservação do patrimônio. Além de incentivar o uso do parque, melhorando sua interface com a cidade, proporcionando moradia digna para a população moradora da favela, no mesmo local onde vive há mais de três décadas. Com relação a inserção urbana, que vai além do projeto implantado no terreno da Favela Nelson Cruz, a proposta prevê uma conexão com a Vila Maria Zélia por meio do prolongamento da Rua Nelson Cruz, atualmente sem saída. A ideia é criar uma extensão do Parque Estadual do Belém, por meio de um percurso verde com o plantio de vegetação e tratamento paisagístico, e o prolongamento da ciclovia.


91

Imagens 41: Implantação geral do projeto

Fonte: Elaboração da autora, 2020


92

Ao contrário da proposta do mercado imobiliário, essa conexão pretende reforçar a importância histórica do

Imagem 42: Detalhe do piso intertravado e imagens do projeto

local. O percurso que tem início no parque, termina em uma praça arborizada ao lado da Vila Maria Zélia. Com decks de madeira que servem para a implementação de diversos programas, inclusive programas de caráter gastronômico, uma das deficiências da região. Com o prolongamento a Rua Nelson Cruz desemboca na Marginal do Tietê, criando a conexão do bairro com duas vias importantes, Av. Celso Garcia e a Marginal.

Fonte: Elaboração da autora, 2020

Imagem 43: Implantação praça Fonte: Elaboração da autora, 2020


93


94

O projeto a ser implantado no terreno da favela pretende atender a demanda por moradia digna. O terreno com localização privilegiada, onde no entorno são encontrados diversos equipamentos. O parque será conectado à casa de 644 famílias, número que excede a demanda de famílias que vivem atualmente na Nelson Cruz. O terreno possui um desnível de 3 metros que foi utilizado na implantação dos dois blocos que possuem duas torres cada. Deste modo os blocos podem ser construídos em 3 fases. O faseamento é uma estratégia para a remoção das famílias também em fases, sem que seja necessário o deslocamento de muitas delas ao mesmo tempo. Esta estratégia de implantar os edifícios em etapas foi utilizada em São Paulo na construção do Conjunto Habitacional Jardim Edite.

Imagem 44: Análise realizada sobre a construção em etapas do Conjunto Habitacional Jardim Edite Fonte: Elaboração da autora, 2020


95

Imagens 45: Implantação geral do projeto, imagem do projeto e elevação 1

Fonte: Elaboração da autora, 2020


96

O térreo do conjunto será um espaço público, que por meio de tratamento paisagístico que inclui uma grande quantidade de vegetação, e alguns pontos de permanência. se estabelece como uma continuação do parque. Foram propostas faixas de pedestre com piso elevado levando ao parque, deste modo pretende convidar ao passeio e a utilização do equipamento.

Imagem 46: 3D esquemático e perspectiva térreo e 1° pav. FASE 1

Imagem 47: Imagens do projeto

Fonte: Elaboração da autora, 2020

Imagem 48: Planta térreo FASE 1 Fonte: Elaboração da autora, 2020

Fonte: Elaboração da autora, 2020


97


98

O embasamento do edifício é formado por dois andares de comércio dispostos em uma galeria que interliga os blocos. O tema comércio é bem crítico para a região, principalmente na Av. Celso Garcia, que possui um grande fluxo de pessoas, porém conta com poucos estabelecimentos comerciais e se torna uma área de pouca permanência e de convívio das pessoas.

Imagem 49: 3D esquemático e perspectiva térreo e 1° pav. FASE 2

Imagem 50: Imagens do projeto

Fonte: Elaboração da autora, 2020 Imagem 51: Planta térreo FASE 2 Fonte: Elaboração da autora, 2020

Fonte: Elaboração da autora, 2020


99


100

A presença do parque sendo uma grande potencialidade foi o encaixe perfeito para desenvolver a galeria em frente. Também há a aposta no setor gastronômico como as lojas âncoras, que estão dispostas principalmente nas extremidades, perto da rua, para atrair mais pessoas. Com relação as áreas de lazer, a intenção é incentivar a utilização do parque, assim o projeto oferece pequenos espaços para os moradores. Mas, para reforçar o censo de comunidade um grande espaço para confraternizações foi pensado, além de três lavanderias comunitárias, uma para cada bloco, que além de promover o encontro será uma grande economia para o condomínio e para cada família. Imagem 52: 3D esquemático e perspectiva térreo e 1° pav. FASE 3

Fonte: Elaboração da autora, 2020


101

Imagem 53: Planta térreo FASE 3

Fonte: Elaboração da autora, 2020


102

Imagem 54: Detalhes passarela auto portante metálica

Fonte: Elaboração da autora, 2020 Imagem 55: Imagem do pátio interno da creche e detalhe do cobogó

Fonte: Elaboração da autora, 2020 Imagem 56: Corte BB

Fonte: Elaboração da autora, 2020


103

No térreo também foi prevista uma creche que pode atender até 150 crianças, deste modo será uma solução para o déficit por creches observado na cidade de São Paulo. A creche é um equipamento necessário para a região, além de estar vinculado a um conjunto habitacional de interesse social. Essa composição foi proposta Le Corbusier em 1953 na Unidade Habitacional de Marselha, onde a cobertura abriga uma creche, e que funciona até hoje.

Imagem 57: Creche na cobertura da Unidade Habitacional de Marselha

Fonte: Autor desconhecido. Disponível em: https://www.pinterest.pt/ pin/195343702574056342/?amp_client_id=CLIENT_ID(_)&mweb_unauth_id=&from_amp_pin_ page=true


104

Imagem 58: Detalhe fachada térreo, 1° pav. e pav. habitacional

Fonte: Elaboração da autora, 2020


105

Aproveitando o Coeficiente de Aproveitamento (CA) permitido na área de até 4 vezes a área do terreno, o projeto conta com um CA de 3,92, indo ao encontro do conceito de “cidade compacta”, que preconiza o adensamento máximo em áreas servidas de infraestrutura urbana e de transporte público consolidada.

Tabela 05: Dados de uso e ocupação do projeto

Fonte: Elaboração da autora a partir das informações do projeto, 2020


106

No Conjunto Habitacional Jardim Edite o projeto privilegiou o conforto ambiental da habitação, cuja ventilação se dá através de um corredor ventilado, proporcionando grande circulação de ar e incidência de luz diretamente nas unidades. Esta estratégia serviu de referência para o projeto do Complexo Nelson Cruz, onde a ventilação se dá pelas duas fachadas das habitações. No Brasil, porém, atender a demanda por Habitação de Interesse Social (HIS) muitas vezes está relacionada à produção massiva de habitação que não atende às demais necessidades como espaço e conforto, e por vezes de qualidade construtiva inferior. Imagem 59: Análise realizada sobre o conforto das habitações do Conjunto Habitacional Jardim Edite

Fonte: Elaboração da autora, 2020


107

Uma das prioridades do projeto é o bem estar das pessoas que ali viverão, visando o conforto, o projeto previu uma solução de circulação horizontal externa, como uma varanda comum, onde é possível oferecer um sistema de ventilação cruzada e de iluminação natural para todas as unidades. Do ponto de vista das unidades habitacionais o projeto previu duas tipologias, uma com área de 52m² e outra com 74m², sendo que a maior área atenderá famílias com maior número de integrantes.

Imagem 60: Corte AA

Fonte: Elaboração da autora, 2020


108

Imagem 61: Planta tipo habitacional e esquemas da circulação horizontal metálica

Fonte: Elaboração da autora, 2020


109

Imagem 62: Tipologia de 54m² e 74m² e elevação 2 Fonte: Elaboração da autora, 2020


110

Após o estudo das tipologias da Unidade Habitacional de Marselha, foi possível entender que aquelas não atenderiam as famílias do Complexo Nelson Cruz, uma vez que o mezanino não respeita às normas de acessibilidade vigentes aqui no Brasil, além de a largura de 3,66m das unidades prejudicar a insolação natural. Imagem 63: Análise realizada sobre tipologias das habitações da Unidade Habitacional de Marselha

Fonte: Elaboração da autora, 2020


111

Na cobertura das torres está prevista implantação de painéis solares, de modo a contribuir com a sustentabilidade e economia coletiva. Assim será possível economizar um terço do valor da conta de energia elétrica de cada família. Nesta linha, o projeto previu a implantação de três grandes lavanderias coletivas em cada bloco. Imagem 64: Planta cobertura e lavanderia

Fonte: Elaboração da autora, 2020


IMAGEM CAP 5


5

CONSIDERAÇÕES FINAIS


114 É difícil encarar a realidade da produção de unidades habitacionais populares no Brasil e principalmente em São Paulo, onde a prioridade do mercado imobiliário é a habitação de mercado que está tomando conta dos bairros da cidade e mantendo a população de baixa renda longe das oportunidades e benesses oferecidas pela cidade. Ainda mais difícil é perceber a ausência de ações do poder público para dar prioridade à questão da habitação social. Em São Paulo, a cidade mais rica do país tem aproximadamente 25 Mil pessoas em situação de rua, em condições miseráveis. O bairro do Belém é um exemplo de vários outros em São Paulo que tem seu histórico ignorado ou apagado pelos novos empreendimentos. É necessário que o passado coexista com o presente e com futuro. O apagamento de estruturas, e consequentemente de memórias, tornam as cidades mais vazias e sem identidade. A exaltação e adoração que os povos latinos possuem pela Europa, se deve principalmente, pela organização das cidades e preservação do patrimônio. Por que não se pode fazer o mesmo aqui? A Favela Nelson Cruz é um dos muitos exemplos de resistência, por manterse ocupando um território privilegiado há anos, pois se recusam a serem reassentados para cada vez mais distante.


115 É uma luta incansável, que só será vencida quando o Estado cumprir seu papel na promoção e produção de habitação social, a moradia digna, que não é esmola, e sim direito constitucional e um direito humano Universal.

[...] Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bemestar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis (Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948).


IMAGEM CAP 6


6

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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