Ensaio Visual - Ponto de Fuga

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ENSAIO VISUAL: PONTO DE FUGA – UM DIÁRIO DE (TRANS)BORDO

Thaysa Aussuba @aussuba @aussub.art

Figura 1 - Capa do caderno-diário de estágio, 2018.

Sinopse do ensaio “Força é abolir o abstrato, Encarnar poesia física, Apreender coisa real, Planificar o finito;”1

Apresento, neste ensaio, os diversos pontos de fuga, observados durante um semestre de estágio curricular na Educação Básica, nos últimos anos do Ensino Fundamental, numa escola pública na periferia onde resido, no município de Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco. Enquanto estudante de licenciatura em Artes Visuais de uma universidade pública eu percebo, nas anotações presentes neste cadernoensaio, que “Força é abolir o abstrato” da educação pautada na transferência de uma cultura hegemônica, reforçada nas referências oferecidas, como um roteiro para ser alguém possuidor de mais e melhor conhecimento, em sala de aula. Ao tratar de minha experiência enquanto educadora de artes visuais em formação, neste ensaio não posso deixar de ser o sintoma de um corpo periférico que aprendeu, nos mesmos moldes educacionais, a demarcar a distância com que se elaboram artes e artistas atribuindo-os certo local de privilégio. Não posso deixar de perceber que “encarnar a poesia física” é investigar-se, reconhecer os vestígios alienantes do passado escravocrata brasileiro deixado nas vielas da periferia, o qual estimula, ainda hoje, com seus desejos consumistas, o sonho de ascender de classe social, encapando indivíduos com modelos prontos de fazer e pensar. Não dá para “apreender coisa real” se a educação com que se faz a autonomia da classe trabalhadora, pouco aprende a “planificar o finito”, pouco sabe de si própria, sua identidade, sua história. Provocar o aprendizado pela experiência é o grande desafio do educador, já que a sala de aula pautada na exatidão numérica da nota aprova e desaprova semestralmente os estudantes. Ponto de fuga, título 1

Murilo Mendes, Murilograma a João Cabral de Melo Neto, Poema do Livro Convergências, 2014.


deste caderno-ensaio, foi a primeira lei que aprendi ao desenhar, há dez anos, na qual todas as paralelas convergem a um mesmo ponto, lei geométrica, para um desenho exato. Aos poucos, ao encontrar outros pontos de fuga invisíveis no caminho, tais como atravessar a cidade cotidianamente em trechos periferiacentro, pude desaprender as regras do meu traço. Pude aprender o traço do caminho. Este caderno-ensaio tem o comprimento de minhas mãos, desaprende o traço acostumado, aprende outros significados possíveis do ponto de fuga. Tem páginas dobráveis que combinam as possíveis visões diferentes a partir de cada dobradura, desenhos, relatos de estágio, poesia, traços e fita isolante.

Figura 2 e 3 - Contracapa e primeiras folhas do caderno-diário de estágio Ponto de Fuga, 2018.


Justificativa – O ponto de fuga e a tarja preta: como não condicionar o olhar? “Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura. Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me consome e me imobiliza.”2

Reaprender a olhar, aprender a desaprender. Este diário de (trans)bordo, é o atravessamento, ‘através de’ (trans), uma marinheira de primeira viagem (bordo) que, embora de sonhos antigos sobre uma outra educação possível, foi formada na Educação Técnica Profissionalizante. Estudante de escola técnica e, por este motivo, vestida com tarjas pretas, proibida de sua própria realidade desde a sala de aula até o primeiro trabalho numa indústria de emborrachados. Aprender a ser máquina para operar outra máquina. Intervir no mundo, como inspira Paulo Freire (2015), não nega o “desengano que me consome e me imobiliza”, é, portanto, força alimentada pelo descontentamento. Pois a educação que deveria servir ao educando nos parece prestar contas às classes dominantes, em suas resoluções reduzidas dos fatos históricos, e no senso crítico empobrecido baseado na meritocracia. É urgente raspar as tarjas pretas, as proibições in-visibilizadas, embora potentes, do olhar sensível, é preciso tomar o re-aprendizado possível do nossos pontos de fuga, para traçar trajetórias entre um eu-mercado para um eu-presente-no-mundo. Este ensaio é escrito e ilustrado pela história de quem vê outra educação possível, ainda que seja uma visão partindo da pratica de um estágio acadêmico, em uma escola pública, sem recursos materiais para a aula. Este caderno, do tamanho de minhas mãos, foi também o tamanho de outras mãos que o fizeram com suas histórias e compartilhamentos.

Figura 4 – Dobras e dobras de experiências silenciadas do cadernodiário Ponto de Fuga, 2018. 2

Paulo Freire, recorte de Ensinar Exige Compreender que a Educação é uma Forma de Intervenção no Mundo, do livro Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa, 2015. p. 100 –101.


Figura 5 – Questionário aberto à turma da graduação de Licenciatura em Artes Visuais para compartilhamentos de de visões sobre uma educação emancipadora, 2018. visões sobre uma educação emancipadora, 2018.


Figura 6 – Sensações compartilhadas no caderno-diário de estágio Ponto de Fuga, 2018.

Figura 7– Acima: ‘Grades?’ Abaixo: ‘Eu sou a Beira’ caderno-diário de estágio Ponto de Fuga, 2018.

Figura 8– Acima: ‘Grades?’ Abaixo: Rabiscos da observação do estágio, Ponto de Fuga, 2018.


Figura 9– Anotações no caderno-diário de estágio Ponto de Fuga, 2018.

Figura 10– Anotações no caderno-diário de estágio Ponto de Fuga, 2018.


Figura 11– Anotações-Observações e ‘coisas que funcionam’, no caderno-diário de estágio Ponto de Fuga, 2018.

Figura 12– Ponto de Fuga e ‘Fileiras?’ no caderno-diário de estágio Ponto de Fuga, 2018.


Figura 13– Ponto de Fuga e ‘Pauta?’ no caderno-diário de estágio Ponto de Fuga, 2018.

Figura 14– ‘Viver à margem dá margem de lucro?’ no caderno-diário de estágio Ponto de Fuga, 2018.

Figura 15– Vista posterior do ‘Viver à margem da margem de lucro?’ no caderno-diário Ponto de Fuga, 2018.


Referências FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2015. p. 100-101. MENDES, Murilo. Convergência. São Paulo: Cosac Naify, 2014. p. 115.

Figura 16 e 17 – Capa, contracapa e últimas páginas do caderno-diário Ponto de Fuga, 2018.


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