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Sim, Sou Portuguesa (e Chinesa)
Não é fácil falar sobre identidade quando a tua família é imigrante e as pessoas do país onde nasceste têm características físicas diferentes das tuas. E é essa a realidade em que vivi toda a minha vida.
Confesso que nem sempre foi fácil - apesar de não existir nenhuma barreira que impede a comunicação entre mim e eles, era, e ainda sou, julgada. Comentários como ‘já falas tão bem Português!’, ‘o teu Português é tão bom!’ são cansativos, e ainda os recebo hoje em dia, mesmo quando explico que nasci (e cresci) em Portugal. A verdade é que o facto de eu saber falar “bem” Português não é nada surpreendente quando uma pessoa nasceu e cresceu em Portugal. Será assim tão difícil de acreditar que por ter uma família de origem Chinesa não afeta, de maneira nenhuma, o meu nível de Português?
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E só mais tarde percebi que não tem nada a ver com o facto de saberes a língua ou não. És diferente, logo, não pertences ao povo. És vítima dos estereótipos, de afirmações ignorantes, de acusações injustas, e alvo de admiração quando convém. Mesmo quando cresceste no mesmo país que eles. Quando comecei a estudar no Reino Unido, tive a oportunidade de conhecer pessoas da China, a origem da minha família. Porém, apercebi-me que, naturalmente, não me sentia à vontade. A verdade é que, apesar de partilharmos a mesma etnia, temos diferentes valores.
Apesar de ter essa conexão com a outra parte da minha identidade, inevitavelmente, comecei a sentir saudades. Saudade, a palavra tão admirada pelos estrangeiros, cuja não pode ser traduzida, pelo menos para a língua inglesa. Saudades de ouvir e
de Cristiana Wu
falar Português. Saudades de ver as típicas avós nas janelas das suas casinhas. Saudades do sol. Saudades da comida feita pela minha Avó Portuguesa, a minha segunda família (Nando’s, infelizmente, não consegue substituir um bom frango assado duma churrasqueira local). Por vezes, a alma de fadista invade-me, tornando impossível não escrever sobre as saudades e a nostalgia que sinto. Estudar em Birmingham certamente mudou-me. Comecei a dar mais valor ao país onde nasci, e concordo plenamente com o escritor António Lobo Antunes, que afirmou: “Cada vez gosto mais de ser Português e cada vez tenho mais orgulho no meu país.” Assim, apesar de não parecer uma típica Portuguesa, digo orgulhosamente que sou de Portugal. Acredito que um dia as pessoas não irão questionar mais sobre a minha nacionalidade e identidade. Posso ser muito bem ambasPortuguesa e Chinesa - sem ter de desistir de uma delas. Verdade seja dita, usufruo do melhor que ambas as culturas têm para oferecer. Tenho o privilégio de poder caminhar entre dois mundos completamente diferentes, compreendendo ambos. Nós, filhos da primeira geração de imigrantes, tantas vezes questionamos o que há de errado em nós e, ao mesmo tempo, enterramos os costumes e tradições do nosso sangue, porque dói termos orgulho da nossa origem. Questionamos: porque é que não somos totalmente aceites? E só mais tarde percebemos que a culpa nunca foi nossa, mas sim da sociedade a qual pertencemos, que aponta o dedo ao que é diferente.
Um dia, acredito que as pessoas irão aceitar naturalmente que pessoas de etnias diferentes podem ter a mesma nacionalidade que eles. A aparência exterior deixará de ser um obstáculo que impede a integração genuína numa sociedade. Afinal, no interior, somos todos iguais. O que ganhamos com divisões baseadas na superficialidade? A verdadeira beleza do mundo encontra-se em nós –nas diferentes tradições e culturas – e essa mesma diversidade deve ser valorizada e celebrada.
theuoblinguist.co.uk