Nas Linhas da Várzea: O legado do futebol de várzea em São Paulo

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Camila Lima, Guilherme Farias, Letícia Cislinschi, Mayara Nukamoto, Camila Lima, Guilherme Farias,Rezende Letícia eCislinschi, Mayara NukaNúbia Anacleto, Thamiris Thiago Fatichi moto, Núbia Anacleto, Thamiris Rezende e Thiago Fatichi




Projeto gráfico e diagramação Léo de Andrade Revisão Claudete Agua de Melo Impressão Planet Cop Projeto Experimental para Trabalho de Conclusão de Curso Bacharelado em Jornalismo UMESP - Universidade Metodista de São Paulo FAC - Faculdade de Comunicação Reitor: Márcio de Moraes (em cima da direção da FAC) Direção da FAC: prof. Dr. Paulo Rogério Tarsitano Coordenador do curso: prof. Ms. Rodolfo Carlos Martino Orientação: prof. Ms. Rodolfo Carlos Martino Coordenadora de Projetos Experimentais: Verônica Aravena Cortes

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Nas linhas da várzea / Camila Araujo Lima et al. 2013. 120 f. Livrorreportagem (graduação em Jornalismo) --Faculdade de Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2013. Orientação : Orientação: Rodolfo Carlos Martino 1. Futebol de várzea 2. Futebol - Brasil - História 3. Comunidade - Aspectos sociais 4. Jornalismo I. Lima, Camila Araujo CDD 070.4


Camila Lima, Guilherme Farias, LetĂ­cia Cislinschi, Mayara Nukamoto, NĂşbia Anacleto, Thamiris Rezende e Thiago Fatichi



“Que seria da bola de futebol sem um menino bem brasileiro na vida dela? Os dois nasceram, sob medida, um para o outro. Ambos gostam de brincar. Aliás, em qualquer lugar do mundo, todo garoto adora brincar. Toda bola adora ser brinquedo, seja no Brasil, seja na Patagônia. Aqui, no Brasil, porém, a história é diferente. Aqui, a bola é parceira, que ajuda o menino a fazer suas mágicas. O inglês inventou o futebol. O brasileiro inventou o futebol de delícias... o futebol de malícias. A mágica é facilmente explicável. Basta ver, através da história, um louro britânico jogando bola. O corpo apolíneo não ginga. Corre empinado, ereto. É a encarnação do futebol-força. Foi, então, que o brasileiro entrou em campo, desossando o futebol europeu, dos pés à cabeça. Amolecendo as juntas góticas do estilo europeu. Regando músculos mais frescos, até criar o jeito sestreiro de jogar futebol. Em vez da linha reta, a corrida sinuosa, célere, coleante, repleta de florões e arabescos. Tal como a capoeira, a irmã gêmea da finta, inspiração do chute de curva, do passe de calcanhar, pérolas do barroco brasileiro no campo de futebol. O brasileiro, vindo da taba e da senzala, inventa, então, a pelada, o futebol da medula. Que antes de pensar, intui. Que, antes de sentir, pressente. Leônidas da Silva não parou para pensar no instante em que fez gol de bicicleta. Nem Didi, quando inaugurou, nos campos, o chute de folha-seca. Muito menos Pelé, ao dar ao corta-luz a graça de um gesto de balé. Ou Garrincha, quando corria o campo todo, compondo, com seus dribles, espirais de vento e alegria”

Armando Nogueira



Começamos o curso de jornalismo quando a obrigatoriedade do diploma foi por água a baixo. Já não é fácil escolher essa carreira. No meio deste contexto então, é quase um drama. Mesmo assim, enfrentamos o desafio e decidimos embarcar nesta aventura louca de pautas, letras e apuração que é o jornalismo. Neste início, contamos com o apoio de nossos pais que, desde então, acompanharam cada noite em claro, cada gole de café e dificuldades que tivemos ao longo do caminho. Muito obrigado. Depois, somos gratos aos nossos professores que nos ensinaram cada fundamento que usaríamos no trabalho posteriormente. Eles nos indicaram livros que achávamos que não eram importantes e cortaram frases dos nossos textos que acreditávamos ser imprescindíveis. Hoje, entendemos as orientações e agradecemos tamanha dedicação para lapidar cada um de nós. Continuaremos aprendendo! Quando decidimos fazer o Nas linhas da Várzea, não tínhamos a pretensão de contar a história do futebol brasileiro. Nossa intenção é falar sobre pessoas que ajudaram de alguma forma a construir esse mundo mágico que é o da bola. Para


isso, contamos com fontes especiais que entregaram um pedaço de suas vidas a ser contadas por nós. A todos que estão expostos nas páginas adiante ou que, de alguma forma, nos ajudaram a chegar até eles: muito obrigado. Mesmo. Não podemos deixar de agradecer também a própria várzea e seus terrões que animam os bairros e integram pessoas desde 1950. Agradecemos cada um que mantém, de alguma forma, a essência do futebol, com uma pitada de alegria e emoção. Por último, mas talvez um dos mais importantes, fica nosso sincero agradecimento ao professor e orientador Rodolfo Martino. Um zagueiro, que por vezes arriscava de lateral ou volante, administrou com louvor as qualidades de cada um do grupo e serviu de inspiração para que o acreditássemos nesse sonho que é a várzea. Quando ninguém acreditou que poderíamos concretizar esse projeto, ele nos ajudou. Esse livro é mérito de sua paciência e trabalho quase que psicológico com todos nós. Sempre muito elegante, nos mostrou caminhos, indicou personagens, trouxe materiais para estudos e aprofundamento e, junto com a gente, viajou em uma longa imersão no tema. Foi um prazer. Muito obrigado!

O grupo.




Permitam-me, caríssimos leitores, apresentar Camila Lima, Guilherme Farias, Letícia Cislinschi, Mayara Nukamoto, Núbia Anacleto, Thamiris Rezende e Thiago Fatichi. São jovens e sonhadores – quem não o é aos 20 anos? Eles estão prestes a se formar em jornalismo e o desafio para este ano era desenvolver um trabalho de conclusão de curso. Escolheram elaborar um livrorreportagem e, como tema central, decidiram retratar, depois de muito ir-e-vir, a história da várzea paulistana, tida e havida como a precursora do futebol no País do futebol (foi aqui que Charles Muller e seus pares deram os primeiros chutes em uma pelota), celeiro de tantos e tantos craques e, principalmente, célula mater do chamado futebol-arte, razão de paixão e vida de 203 milhões de brasileiros. Quando me contaram sobre o tema, desconfiei. Às vésperas da Copa do Mundo no Brasil, em tempos de globalização e a turbulência da modernidade que se refaz a cada manhã, o que levaria a jovens estudantes a mergulhar, com a cara e a coragem, naqueles idos e vividos tempos da bola de couro, da chanca rudimentar, do amor à camisa e de certo provincianismo de uma Cidade que não mais existe.


Ou existe? Responder a esta preciosa questão foi a incumbência que a garotada se propôs a desvendar. — A várzea resiste, professor, um deles me confirmou em um dos nossos primeiros encontros. Não sabem a alegria que me deram ao me escolherem como orientador do projeto. Logo eu que, até os 16 anos, tive como limites geográficos e existenciais o Parque da Aclimação (onde havia o estádio distrital), a várzea do Glicério e os “sete campos”, no final da Rua Independência. O futebol, desde então, demarcou minha vida e meu caminhar. A única ressalva que fiz a eles é que seria impossível retratar a história da várzea paulistana, dada a premência dos prazos e amplitude. Sempre haveria algo a registrar. Também e sobretudo porque o futebol nesses cantos e becos da cidade se dá mais no imaginário de cada um de nós do que propriamente na poeira do terrão. Mistura sonhos e ilusões, realidade e ficção, vitórias e derrotas (que logo se esquece na festança que se faz, com os amigos e adversários, após a partida). Foi então que me trouxeram a solução. Simples e natural, como um grito de gol. No lugar de “história”, eles saíram atrás de “histórias” da várzea paulistana, com base em relatos de alguns de seus mais festejados adeptos: o construtor que, aos 71 anos, ainda se arrisca pelas canchas da periferia (mas, que não vacilou em destruir um campo para a construção de um prédio), o jornalista esportivo que é ‘treinero’ do Autônomos Futebol Clube, o tira-teima Preto versus Branco, o ex-secretário de Esportes que aposta no futebol como instrumento de integração social e outras tantas e tamanhas narrativas a nos colocar na beira do campo. Somos espectadores e personagens desse mosaico multicor chamado ‘Brasil, o País do Futebol’.


É exatamente aí que a bola rola e o sonho se inicia. E, como diz uma antiga canção, os sonhos não envelhecem... Boa leitura!

Rodolfo Martino, 62 anos, é mestre de comunicação da Universidade Metodista de São Paulo. Jogou por 43 anos em campos de várzea e passou por times como o Santos do Cambuci, Huracan da Várzea do Glicério, Sucatão do Clube Atlético Ypiranga, no Independência da Vila Carioca e, como ele mesmo diz, em “outros catados da vida”.



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“‘Vamos lembrar a velha história desse esporte Começou na Inglaterra e foi parar no Japão Habilidade, tiro cruzado, mete a cabeça, toca de lado Não vale é pegar com a mão E o mundo inteiro se encantou com esta arte” Pixinguinha



“O nosso estilo de jogar futebol me parece contrastar com o dos europeus por um conjunto de qualidades de surpresa, de manha, de astúcia, de ligeireza e, ao mesmo tempo, de brilho e de espontaneidade individual em que se exprime o mesmo mulatismo de que Nilo Peçanha foi até hoje a melhor afirmação na arte política. Os nossos passes, os nossos pitus, os nossos despistamentos, os nossos floreios com a bola, alguma coisa de dança e de capoeiragem que marca o estilo brasileiro de jogar futebol, que arredonda e às vezes adoça o jogo inventado pelos ingleses e por eles e por outros europeus jogado tão angulosamente” Gilberto Freyre, escritor, em 1936

“No Brasil, nada conduz à loucura como o futebol. Durante pouco tempo atividade refinada, irradiou-se por toda a sociedade e tornou-se emblema de hegemonia popular sobre a ‘cultura das elites” Florestan Fernandes, sociólogo, no livro Futebol Onírico


“A Europa podia imitar o nosso jogo e nunca a nossa qualidade humana (...) o brasileiro não se parece com ninguém, nem com os sul-americanos. Repito: o brasileiro é uma nova experiência humana. O homem do Brasil entra na história com um elemento inédito, revolucionário e criador: a molecagem” Nelson Rodrigues - jornalista

“Gol! A taça do mundo é nossa Com brasileiro, não há quem possa Êh eta esquadrão de ouro É bom no samba, é bom no couro O brasileiro lá no estrangeiro Mostrou o futebol como é que é... Ganhou a Copa do Mundo Sambando com a bola no pé” Música que foi tema da Copa do Mundo de 1958


ais uma vez os uruguaios triunfaram na ‘Coupe Jules Rimet’ – decepcionante a ação do quadro brasileiro.” A manchete do Jornal do Brasil, naquela fatídica manhã de segunda-feira, 17 de julho de 1950, expressava a tristeza e o desalento dos brasileiros que buscavam o primeiro título mundial de futebol naquele ano. O Brasil tinha deixado escapar a oportunidade na final contra o Uruguai na Copa do Mundo sediada em solo nacional. Por um gol de diferença, aos 34 minutos do segundo tempo, o Uruguai virou o jogo e levou a Taça Jules Rimet. Antes desse trágico final, o país vivia e respirava futebol. Nas ruas dos 26 estados e do Distrito Federal, na época ainda no Rio de Janeiro, o patriotismo estava estampado no semblante de cada torcedor. Na Zona Norte da capital nacional, nascia o gigante símbolo do esporte, o estádio do Maracanã, para sediar a Copa do Mundo de 1950. Depois de oito anos sem a disputa da Copa do Mundo em decorrência da Segunda Guerra Mundial, o Brasil foi escolhido para sediar o torneio já que a Europa estava


devastada e o país se apresentava como uma opção segura no cenário político internacional, até mesmo por causa da exacerbada paixão da sua gente pelo esporte. No decorrer dos jogos, o anfitrião do torneio apresentou uma campanha espantosamente proveitosa, que o transformou no favorito para vencer o campeonato: o Brasil tinha uma média de três gols por partida e uma sequência de goleadas na fase final de sete a um e seis a um contra a Suécia e a Espanha, respectivamente. Na decisão, cerca de 200 mil pessoas coloriam e agitavam as arquibancadas do jovem “Maraca” (construído especialmente para o Mundial) para viver a esperada vitória do Brasil dentro de casa e ver o Brasil ser reconhecido mundialmente como o melhor do mundo. Para colocar as mãos na taça, o time precisava apenas de um empate. O jogo desenhou-se no segundo tempo com o primeiro gol do Brasil, mas, como resposta, a equipe uruguaia fez dois gols e faturou pela segunda vez o título de melhor seleção do Mundo. A decepção da derrota diante do rival ficou conhecida como “Maracanaço”, a maior tragédia do futebol nacional e, oito anos depois, às vésperas do Mundial de 1958, Nelson Rodrigues, consagrou a célebre expressão “complexo de vira-lata”. Um trecho da crônica, publicada na revista Manchete: Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos julgamos “os maiores” é uma cínica inverdade. Em Wembley, por que perdemos? Porque, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de humildade. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo. Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: — e perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: — porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos.


Obdulio Jacinto Muiños Varela era o capitão da seleção Celeste. Ele esfriou o Maracanã e, dedo em riste, desbancou o orgulho de cada homem vestido com a camisa da seleção. A derrota jamais seria esquecida. Todo brasileiro lembraria para sempre o sabor de ser um vira-lata. A nação voltava cabisbaixa para suas casas. Essa ferida jamais será cicatrizada e o nome do rival não será esquecido. Hoje, ela é apenas amenizada pelas cinco vitórias em Copas do Mundo. Outro trecho: Eis a verdade, amigos: — desde 50 que o nosso futebol tem pudor de acreditar em si mesmo. A derrota frente aos uruguaios, na última batalha, ainda faz sofrer, na cara e na alma, qualquer brasileiro. Foi uma humilhação nacional que nada, absolutamente nada, pode curar. Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor de cotovelo que nos ficou dos 2 x 1. E custa crer que um escore tão pequeno possa causar uma dor tão grande. O tempo passou em vã sobre a derrota. Dir-se-ia que foi ontem, e não há oito anos, que, aos berros, Obdulio arrancou, de nós, o título. Eu disse “arrancou” como poderia dizer: “extraiu” de nós o título como se fosse um dente. No mesmo ano em que Nelson escrevia suas crônicas, os jogadores sentiam o peso de vestir a camisa da seleção. Os torcedores viviam assombrados pelos fantasmas da derrota histórica. Na edição seguinte, numa decisão entre a Suécia e o Brasil, a glória e a qualidade finalmente predominaram dentro dos campos. No jogo final, cinco a dois para o Brasil e a glória suprema do primeiro título mundial. De quebra, o aparecimento de Edson Arantes do Nascimento, um garoto franzino de 17 anos que o Planeta aprendeu a reverenciar como o rei do futebol. A hegemonia do Brasil se consolidaria quatro anos depois no Mundial do Chile, em 1962. Dessa vez, com Pelé contundido e fora de jogo, quem se consagrou foi Mané Garrincha, o Anjo das Pernas Tortas. Para chegar ao bicampeonato, a seleção canarinho – apelido dado pelo radialista Geraldo José de Almeida em referência à


nova camisa amarela – venceu a Tchecoslováquia por três a um na grande final. O País atravessava um momento político instável, turbulento, indefinido. Mas a identificação com o futebol era única e indivisível. E foi por esse motivo que a dor pela humilhante derrota na Copa de 1966, na Inglaterra, foi imensurável. Desclassificado na primeira fase do torneio, o orgulho do brasileiro despencou das alturas, transformou-se em profunda depressão. Não é exagero dizer que nem o Golpe Militar que o País sofreu em março de 1964 abalou tanto o emocional do brasileiro. Outra vez, nossa gente viveu as trevas do desencanto. O Planeta Bola não era mais verde e amarelo. A Copa seguinte aconteceria em 1970, no México, quando o Brasil já vivia sob o tacão do AI-5 e as limitações de um regime ditatorial. Mesmo assim, para a maioria das pessoas, não era essa a questão que as afligia. De um modo geral, homens, mulheres e crianças não se davam conta da repressão em que viviam para entregar-se aos noventa minutos de emoção, propiciados pela seleção de Pelé, Tostão, Rivelino, Carlos Aberto, Gerson e Cia. Mesmo os chamados “grupos de resistência” – intelectuais, artistas, jornalistas, entre outros – alegraram-se com a inesquecível conquista do inédito tricampeonato mundial, com uma atuação coletiva jamais vista no futebol nacional que, na final, venceu a Itália por quatro a um. A população adotou a composição de Miguel Gustavo como hino e saiu às ruas, com a certeza de que era o mais feliz dos povos: Todos juntos vamos, pra frente Brasil, Brasil. Salve a Seleção. Às favas a estratégia dos militares para usar a Copa como uma tentativa de tapar os olhos para o contexto político. Valeram os dribles e os gols da seleção. Um


detalhe importante que pode ter gerado toda essa explosão de brasilidade: a nona edição da Copa do Mundo da FIFA foi a primeira a chegar ao vivo pela TV na casa dos brasileiros. Fato que só fez aumentar a paixão do brasileiro pela sua seleção. Éramos nós contra o mundo. E vencemos!

De repente é aquela corrente pra frente, Parece que todo o Brasil deu a mão, Todos ligados na mesma emoção, Tudo é um só coração. Depois de importantes atuações em campeonatos mundiais e a revelação de grandes craques como o rei Pelé, o Brasil tornou-se referência cultural positiva de um futebol que é jogado com uma ginga diferente dos demais e uma malícia que não se ensina em escolas, mas se aprende jogando. A menção de “o país do futebol” torna o país reconhecido e referenciado internacionalmente. Em qualquer lugar do mundo, o primeiro assunto lembrado quando se fala em Brasil é sempre a seleção e os grandes nomes da modalidade revelados no país. Participando de um programa popular da TV aberta, em outubro de 2013, a atual presidente do Brasil, Dilma Rousseff, admitiu que o futebol brasileiro é assunto frequente em reuniões com autoridades internacionais. — Toda vez que participo de uma reunião este assunto vira pauta. Por exemplo, num encontro do BRICS estavam os presidentes da China, da África do Sul, da Rússia e o primeiro ministro da Índia. Antes da conversa sobre o próximo encontro, eles estavam querendo discutir se eu iria convidá-los para vir para a Copa do Mundo. O futebol é um esporte que envolve o mundo e nós temos o melhor futebol do


mundo, os estrangeiros olham a Copa de 2014 e veem também atuação do Brasil. Depois de quase 64 anos da trágica final de 1950, numa terça-feira de outubro de 2007, o presidente da FIFA, Joseph Blatter, anunciou a segunda chance do Brasil. — O comitê executivo decidiu, unanimemente, dar não só o direito, mas também a responsabilidade de organizar a Copa Mundial da Fifa de Futebol de 2014 ao Brasil. Desde então, os holofotes voltados para o país se intensificaram em forma de cobrança de desempenho dos jogadores e de infraestrutura a ser oferecida para a realização de um torneio de sucesso. O governo federal estima que o país será a passarela de 1,1 milhão de brasileiros que devem viajar pelo país e 600 mil estrangeiros que virão ao Brasil para testemunhar a alegria e a paixão pela bola durante o mês da Copa do Mundo de 2014. O atual técnico da seleção brasileira, Luiz Felipe Scolari, sabe da responsabilidade que carrega nas costas. Ele leva em seus cabelos brancos e na fala mansa e arrastada típica de um gaúcho a experiência no mundo futebolístico. Felipão, como é conhecido em todo o Brasil, foi o técnico pentacampeão mundial na Copa de 2002 (Japão) e tem conhecimento da importância da atuação da seleção no torneio de 2014 e da cobrança dos torcedores para que aquele episódio trágico seja apagado de vez na segunda oportunidade proporcionada ao país do futebol. — A conquista da Copa das Confederações já passou. O foco é no campeonato mundial e só tem um lugar pra gente chegar à final e ganhar. Então, não é um peso para mim e para os jogadores. É só isso que resta. Temos que trabalhar. Essa cultura brasileira em torno da bola que mexe com a rotina da população


e até mesmo com a economia do país faz que, quando uma criança nasce, ela seja batizada com um nome, uma religião e um time de futebol pelo qual torcer e passar a tradição para outras gerações, o que exerce uma influência direta no nível de identificação do torcedor. O psicólogo da Federação Paulista de Futebol, Gustavo Korte, analisa a comoção exacerbada diante do esporte é analisada como forma excessiva de gostar. — O fanático é um apaixonado obsessivo pelo futebol, e ele acaba canalizando essa paixão para dentro da sua identidade. É uma maneira de se manifestar dentro

de um ambiente e isso acaba fazendo parte da vida do torcedor. Charles Miller, garoto paulista de descendência inglesa, quando regressou ao Brasil em 1894 com uma bola de capotão na bagagem jamais imaginou que o futebol da elite britânica ganharia o coração do brasileiro e receberia um toque verde e amarelo de qualidade e originalidade. Apesar do notável número de imigrantes no país no século XIX para trabalhar nas lavouras de café, as escolas só forneciam uma educação precária em comparação com o ensino de outros países europeus. A família de Miller prezava as origens e, então, com o objetivo de proporcionar aos filhos uma educação, formação e base britânicas, os levou para a Inglaterra. Miller não se parecia nada com o estereótipo de jogador encontrado no Brasil hoje em dia. Diferente dos meninos da comunidade, ele tinha pele clara, cabelos escuros e lisos e corpo muito magro. Nos dias atuais, seria facilmente chamado de


“frango” pelos jogadores. Quando chegou à Inglaterra com o irmão John, foram apresentados ao football logo no primeiro ano de colégio. O esporte ganhava espaço em todo o país, porém tratava-se de um desporto exclusivo da elite. Em pouco tempo de contato com o football, o garoto começou a apresentar intimidade com o esporte arriscando chutes a gol que desafiavam o goalkeeper da equipe adversária. Miller passou a defender a camisa do Southamptom Football Club, time da escola em que estudava desde que havia se mudado para a Inglaterra. Destacou-se dos outros jogadores por dominar as regras do esporte, o que o levou a apitar algumas partidas. O Hampshire, um dos grandes times da época, mostrou interesse em tê-lo como jogador da equipe e tornaram-se corriqueiras as propostas para jogar, estudar e representar universidades. Porém, em 1894 Charles Miller sofria o segundo falecimento na família. Dessa vez, perdia o irmão depois de apenas seis meses da morte do pai e ele, então, decidiu voltar para o Brasil. Antes de voltar à América do Sul, o paulista foi premiado como melhor jogador da temporada da Inglaterra e trouxe dentro da mala para o Brasil uma bola de capotão acompanhada da habilidade e paixão pelo esporte. No Brasil, apresentou o esporte à elite paulista e, do mesmo modo que acontecia na Inglaterra, ele era jogado apenas em eventos da sociedade paulistana influente na época. Os vestidos utilizados pelas madames tinham mais destaque do que jogadas dentro das quatro linhas. O esporte começou a ganhar força e Miller passou a promover, apitar e disputar campeonatos e, mais do que isso, ensinar a elite paulista como tocar a bola até chegar ao gol. Além das técnicas, o precursor do futebol no país também exercia influência no vocabulário futebolístico utilizado nos jogos, fazendo com que as posições ganhassem nomes estrangeiros. O meio era chamado de back, o goleiro


de goalkeeper. Isso se estendia para o placar, chamado de score, e para as partidas, de match. Outros termos foram adaptados para o português, como stadium, que passou a ser chamado de estádio. Charles Miller também coordenou partidas entre funcionários britânicos de companhias ferroviárias — transporte que ganhava fronteiras no país devido ao crescimento da economia cafeeira. A primeira partida disputada no país aconteceu em 1985, entre a Companhia de Gás de São Paulo (Gas Company of São Paulo) e a Companhia Ferroviária de São Paulo (São Paulo Railway Company), empresas cujos funcionários eram todos de descendência britânica. Dois anos depois da chegada de Miller, a cidade ganhou um novo espaço para a prática do football, um campo que atendia às exigências internacionais e era utilizado pelos times de elite. Em 1902 nascia em São Paulo a Liga da Elite Paulistana, responsável por organizar campeonatos oficiais que só aceitava times com jogadores influentes na sociedade e com alto poder aquisitivo. Porém, não demorou muito para a bola cair do outro lado do muro e conquistar também os arrabaldes da cidade. Os campos ocupavam as margens dos rios que cruzavam as cidades. A população brasileira, que apenas ouvia os murmúrios de fora das quatro linhas a respeito do esporte que chegava da Inglaterra, passou a promover em 1908 campeonatos populares que então tinham como campo a periferia da cidade de São Paulo e os espaços nas indústrias da cidade. O cenário do futebol mudava com a adesão da massa popular. Os espaços reservados para a prática do esporte eram substituídos pelas ruas e qualquer terreno baldio ou pedaço de calçada eram facilmente usados para bater bola no fim da tarde. Na ausência de traves, chinelos e pedaços de tijolos eram colocados para limitar o tamanho do gol. As chuteiras não eram essenciais, uma vez que o


pé descalço da criança suporta o peso da bola como se fosse uma pena; a bola, por sua vez, era também muitas vezes improvisada. As ruas e as margens do Rio Tietê foram adotadas como cenário oficial e popular dos novos jogadores de São Paulo. O esporte ganhou nome próprio “abrasileirado”: futebol. Como disse Armando Nogueira, em outra crônica inesquecível, o molejo brasileiro dava cor ao futebol e desenferrujava as articulações dos estrangeiros. O brasileiro entrou em campo, desossando o futebol europeu, dos pés à cabeça. Amolecendo as juntas góticas do estilo europeu. Regando músculos mais frescos, até criar o jeito sestreiro de jogar futebol. Em vez da linha reta, a corrida sinuosa, célere, coleante, repleta de florões e arabescos. Tal como a capoeira, a irmã gêmea da finta, inspiração do chute de curva, do passe de calcanhar, pérolas do barroco brasileiro no campo de futebol. O brasileiro, vindo da taba e da senzala, inventa, então, a pelada, o futebol da medula. Que antes de pensar, intui. Que, antes de sentir, pressente.

Surgia então o que se convencionou chamar de futebol varzeano, de base cem por cento popular. Nos campos irregulares e de terra vermelha, o futebol nacional começou a ganhar características próprias, forma e cor. É o que diz o técnico do Autônomos F. C., o jornalista do UOL e comentarista esportivo Vítor Birner. Ele enxerga na várzea a essência do futebol tupiniquim. — Várzea é uma equipe de bairro, do pessoal que é amigo, que se reúne e gosta de jogar bola, que sabe jogar, de caras que acreditavam que poderiam ter sido


jogadores, que se juntam com quem não acreditava e que acabam se apegando muito a uma camisa. Para se ter uma noção exata dessa realidade, basta acompanhar um jogo da equipe da Lapa. Os jogadores de 17 a 51 anos do time comandado por Birner chegam enlatados num carro de um dos atletas do grupo. O uniforme estava com o pessoal que havia jogado no dia anterior. Alguém corre para buscar. Ninguém se alonga e nem mesmo se aquece. Entram em campo e ajustam a posição de acordo com o tipo físico e a disposição para jogar. A poeira sobe quase dois metros enquanto a bola esgarçada rola no terrão do Clube Escola Mooca, na Zona Leste de São Paulo, do clube adversário. Aquele barro, que impregna o meião branco de qualquer jogador, dá a cor para o uniforme dos Autônomos F. C., que enfrenta do outro lado do campo, cheio de matos e buracos, os jogadores do Unidos do Belém. Debaixo de um sol escaldante, a bola não fica parada mais do que trinta segundos. Ela bate na árvore que está ao lado da quadra e fica presa num galho. A mira dos atletas parece confundir as redes do gol com a linha de fundo. A bola sai das quatro linhas diversas vezes durante os sessenta minutos de jogo. O juiz, contratado pela casa, tem cerca de 1,50 de altura. A característica é motivo de piada entre os jogadores do Autônomos, que pedem pênalti e falta a cada lance não apitado. Palavrão é comum entre eles. No segundo tempo, o time do Unidos do Belém marca um gol de cobertura no time de Birner. — Estava impedido, seu Juiz! —, reclamam em coro os jogadores do time. Não tem bandeirinha e se entrou na rede é gol. O tempo vai correndo mais rápido e a equipe já está cansada de correr sob o sol de 37°C e sem nenhuma nuvem no céu.

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O apito do juiz anuncia o fim da partida e o início da confraternização. Quem disse que jogador de várzea se recupera com água? Pós-jogo é regado com carne de segunda e cerveja de primeira. A várzea é o coração do futebol brasileiro. Com a paixão, emoção e intensidade que cada jogada merece. A partir daqui, este livro-reportagem se propõe a contar novas histórias sobre o universo varzeano que, como diz a música de Jorge Aragão, não tem “nem grana, nem glória”, mas que representa o início da paixão nacional por um esporte e a essência do futebol, que é eternizada nos campos de terra vermelha de todo o país.




Levantamento feito pelo site UOL Esporte mostra onde estão os campos de várzea na cidade. São quase 300 locais, levando em conta apenas os Clubes da Comunidade, os Clubes Escolas e os parques públicos. Outros 200 campos ainda estão em processo de reconhecimento pelos órgão públicos.



“A várzea era a realização de um sonho. Por um dia, por um final de semana, você ser o centro das atenções”

César Sampaio



K “Cá entre nós, essa mistura do bairro com o time de várzea é uma mistura muito legal né? E os moradores torcem mesmo. São fanáticos de brigar e tudo. Por isso que tinha aquela coisa de um jogo no meu campo e outro jogo no seu campo” Juarez Soares - jornalista esportivo e ex-jogador de várzea

“Todos os bairros têm um time de várzea e todos têm muito mais essência de futebol do que um Real Madrid, um São Paulo, um Corinthians de hoje em dia. Não estou falando da história desses times, estou falando do que eles são hoje” Vitor Birner - jornalista esportivo e treinador do Autônomos F.C.


“Um caminhão parava num ponto do bairro e pegava todo mundo para levar para o jogo. Nós íamos amassados na carroceria. De tanta gente, o caminhão chegava a virar e capotar. Ia todo mundo solto, sem proteção nenhuma. Era igual pau de arara, só que para ir pro terrão. Era uma delícia” José Eumilton Costanzi jogou no Parque da Mooca na década de 70

“Eu trabalhei em uma firma que me contratou para jogar bola. Se eu faltasse de segunda a sexta e fosse jogar no sábado tudo bem, agora se eu trabalhasse todos os dias e faltasse no jogo no sábado era demissão. Era apaixonada por futebol” Antônio Fortunato da Silva, conhecido como Tio Bita


melhor maneira de dar início à nossa história é contar fatos e peculiaridades dos anos de ouro da várzea paulistana — para os historiadores, as décadas de 1950 e 1960, com alguns resquícios nos anos 1970. Se no futebol profissional o auge é conquistar uma Copa do Mundo, para a várzea a grande conquista é ver milhares de pessoas vivendo intensamente os prazeres e as tradições de fazer a bola rolar num campo de terra. Jogar futebol de várzea é muito mais que defender ou atacar. É sentir algo que não existe no futebol praticado em outros pisos, como o de salão, o society ou até mesmo num belo campo de grama. Numa cidade em que praticamente não há lazer, a várzea foi adotada como destino preferido de muitos homens nos finais de semana. Um destino sagrado, mas sem local fixo. Seja em bairros isolados da Zona Leste de São Paulo, na tradição da Zona Norte ou nas margens dos rios Tietê e Pinheiros, onde o marrom dos campos de terra dava cor à poluída água cinza. Terra que foi substituída por asfalto. Na beira dos rios que cortam a cidade de São Paulo se localizava grande parte dos campos de várzea. Esses campos pertenciam a


grandes empresas, que escalavam uma verdadeira seleção com jogadores que faziam parte do seu quadro de funcionários. No currículo eles levavam os nomes dos times e títulos regionais. Muitas vezes, homens que se destacavam dentro de campo eram contratados para trabalhar em multinacionais com sede na capital simplesmente para vestirem a camisa da indústria. A várzea sempre teve como característica a organização, que somada à união dos jogadores poderia minimizar os problemas do trânsito de São Paulo. Dia de jogo era dia de carro lotado. Nada de “a gente se encontra lá”. Pequenos carros pareciam criar espaços, era igual coração de mãe, sempre cabia mais um. Outros veículos, bem menos seguros, também eram usados. Waldir de Souza Cruz, conhecido no mundo da bola como Tatu, lembra-se de histórias inesquecíveis, algumas bastante arriscadas. O comerciante de 63 anos, morador atualmente da cidade de Mongaguá, atuou em diversas equipes da Zona Norte e da Zona Leste da capital. – Na maioria dos times que joguei o meio de transporte usado era o caminhão. Chegamos até mesmo a enfrentar uma situação meio perigosa. Uma vez, estávamos voltando num caminhão basculante e o motorista estava bêbado. Sem querer ele levantou a caçamba e deu um baita susto em todo mundo. O jogador de várzea e comentarista esportivo, Juarez Soares, tem sua experiência refletida nos cabelos brancos e na voz baixa. Ele diz sobre os anos dourados da várzea com o brilho nos olhos pequenos e puxados que lhe renderam o apelido de “China”: – A várzea se organiza por si só. Tudo acontece nos finais de semana. É aí que, ao redor de um campo, reúnem-se as famílias e os torcedores, tanto no sábado quanto no domingo. O pessoal quer mais é se divertir. A várzea não tem raça, não tem crença e não tem cor. Até por isso, viveu seus grandes momentos nas décadas de 1950, 1960 e 1970. Nesse período, a imprensa e as grandes empresas se interessavam pelos jogos e, inclusive, em patrociná-los.


Os jornais esportivos abraçaram o futebol varzeano e ajudaram a colocar times frente a frente. O mais popular diário da época, A Gazeta Esportiva, dava espaço para a modalidade em várias páginas e publicava chamadas dos times que gostariam de achar adversários para amistosos. Com ar de saudades, Tatu lembra os requisitos para anunciar no jornal. — Eram páginas e mais páginas anunciando times. As equipes colocavam o telefone, onde ficava o campo e os horários disponíveis para marcar o confronto. Mesmo com a inquestionável utilidade dessas publicações, o acerto para marcar uma partida era mais comumente feito pelo envio do chamado “ofício” de um clube a desafiar o outro. A partir desse convite feito em papel timbrado com a assinatura do presidente ou de um dos diretores, formalizava-se o duelo. Algo bem romântico — ingênuo, até — para quem vive nessa geração de internet que, com um rápido e-mail ou aplicativo, marcaria o confronto. — Todos os clubes, na época, tinham o bloco de papel timbrado. Se eu quisesse jogar com um determinado time, eu fazia o ofício nesse papel e enviava para eles, como se fosse um desafio. Depois, eles respondiam se aceitavam ou não. Outra forma de marcar o encontro era nas Ligas que reuniam os representantes dos principais times para formar uma programação de jogos. — Todo mundo se encontrava lá, numa travessa da Avenida Celso Garcia, no Brás. Os times que tinham campo abriam seus calendários e as diretorias começavam a organizar os jogos pelas datas. A Gazeta Esportiva, o maior jornal de esportes da época, não se limitou apenas a anunciar e noticiar placares dos jogos amadores. O jornal quis ter o próprio campeonato. Patrocinou e organizou a Primeira Festa Esportiva Varzeana de A Gazeta Esportiva no final de década de 1950. Criou-se um torneio reunindo os melhores craques da várzea em seis “seleções” que se enfrentaram para definir a equipe campeã.


Assim como jogar um campeonato mundial, participar do torneio da Gazeta era muito difícil e disputado. Apenas um jogador de cada equipe de várzea de São Paulo podia se inscrever. Walter Garófalo, que hoje tem 74 anos e vive no Espírito Santo, lembra com orgulho da disputa. Ele foi o selecionado para representar o Huracán Futebol Clube, equipe da várzea do Glicério. — Cada time escolhia um jogador que o representaria no torneio. Para ser selecionado entre todos, o procedimento era o seguinte: a Gazeta tinha uma parceria com a Coca-Cola, então tinha que juntar certo número de tampinhas do refrigerante e levar à sede do jornal. Cada tampinha que uma pessoa levava, era considerado um voto para o jogador e o clube que você queria ajudar. Os mais votados eram chamados para formar as seis “seleções”. Outra característica era que, além de terem a oportunidade de participar de um grande campeonato varzeano, os jogadores tinham o privilégio de serem treinados por um ex-atleta profissional. — Os técnicos das seis seleções eram craques do passado. Do meu time, o treinador era o Armando Del Débbio, que tinha jogado no Corinthians e no Boca Juniors. Nós fizemos apenas uns três treinos para o pessoal se conhecer porque praticamente ninguém nunca havia se visto na vida. Como a maioria dos boleiros varzeanos, Walter, ou Waltinho como era chamado dentro dos campos da Liberdade, sonhava em ser atleta profissional. A chance tão esperada se tornava mais real ao participar do campeonato de A Gazeta Esportiva. Muitos “olheiros” compareceram ao estádio do Pacaembu, palco da final, em busca de um grande jogador. O lateral esquerdo Waltinho, que garante que era habilidoso, estava lá, representando sua seleção e conquistando o título da competição. Mesmo com a taça nas mãos, o convite para fazer parte de uma equipe profis-


sional não veio, algo comum numa profissão tão disputada. O jeito então foi partir para outra área. Walter virou protético e se juntou a metalúrgicos, motoristas, jornalistas e outros tantos profissionais que se encontravam na várzea na tentativa de satisfazer o desejo de infância que ainda resistia no coração. Por falar em jornalistas, muitos dizem que a grande maioria dos que trabalham com esporte são boleiros frustrados. No entanto, esse não parece ser o caso de Rozinaldo Fiedler, que, apesar de se orgulhar dos tempos de jogador de várzea, demonstra muito mais sentimento pelos anos vividos dentro de uma redação. Rozinaldo trabalhou durante 24 anos em A Gazeta Esportiva, tempo mais que suficiente para relatar e criar histórias da várzea. — O Gazeta sempre foi o carro-chefe da várzea. No jornal de final de semana eram quatro páginas só falando sobre os jogos. E vendia igual água. Mas ao contrário do que muitos pensam, a gente não cobria nada, não ia repórter para acompanhar os jogos. Na redação tinha uma urna, os representantes dos times iam até lá e preenchiam um papel com os dados da partida. Informações básicas, apenas o placar e os nomes dos autores dos gols. O restante do texto ficava por conta do jornalista responsável. Era um texto mais ou menos assim: “O Jaú da Penha jogou ontem contra o Tricolor de Santana. No primeiro tempo, José fez boa jogada e marcou um golaço para o Jaú. Na segunda etapa, o artilheiro marcou novamente, dessa vez de cabeça, e garantiu a vitória por dois a zero”. A criatividade de Rozinaldo ficava só dentro da redação. Dentro de campo, o jornalista, atualmente aposentado que vive no litoral paulista, assume que não era dos mais originais. A grande função de Rozinaldo na várzea era acabar com a jogada dos adversários. — Sempre joguei como zagueiro. Meu apelido era Cafuringa, que foi um jogador do Fluminense que corria muito. Não vou ficar me elogiando, mas em todos os


clubes que passei fui titular. A lista de times no currículo de Rozinaldo não é muito extensa, mas conta com algumas das mais tradicionais equipes da capital paulista: Jaú da Penha, Tricolor de Santana e Parque da Mooca, sendo este último o que lhe rendeu mais lembranças. Boas e ruins. — O time do Parque da Mooca era muito violento. Sempre tinha briga lá no campo deles. Uma vez eu fui jogar contra eles, quando estava no Tricolor de Santana, e tinha chovido o dia inteiro. Quando chegamos lá, o campo era só lama. Eu disse para um amigo: “Não vou jogar aqui. Só tem lama, não dá nem para correr”. Quando terminei a frase, o cara do meu lado já respondeu: “Aí branquelo, você vai jogar sim. Vai se trocar logo lá”. Não pensei duas vezes e fui. Apesar do respeito, ou medo se preferir, o jornalista garante que as brigas que aconteciam não passavam de pequenos tumultos, nada comparado à violência que estamos acostumados a ler nos jornais hoje em dia. — Não tinha violência. Todas eram brigas de moleques. Hoje em dia, as coisas já são bem mais complicadas. A fama do Parque da Mooca não foi só lembrada por Rozinaldo Fiedler. José Eumilton Constanzi também recordou facilmente das brigas presenciadas no campo do time da Zona Leste de São Paulo. O comerciante de 65 anos atuou na equipe durante três anos, mas entre tantas recordações tem uma das piores lembranças da vida de um jogador: o banco. — Por muitos jogos, o técnico do Parque da Mooca me deixou na reserva. Aí, eu me irritei e saí de lá para jogar no Aliança Clube, de São Bernardo do Campo. Se nos dois anos que ficou na Mooca, Constanzi não conseguiu conquistar o lugar efetivo de titular, o tempo foi suficiente para ele entender a filosofia da equipe e descobrir como havia começado a fama de equipe mais briguenta da várzea.


— O time foi formado por dois briguentos que tinham o apoio do bairro inteiro. Eram os irmãos Zé Índio (que chegou a ser vereador em São Paulo) e Maurício. Se eles levassem um chute ou uma entrada forte, começava uma briga. A Mooca inteira saía na porrada para ajudar os Índios. Ninguém aparecia armado, era na base da porrada mesmo, na força. Hoje em dia, um cara armado acaba com a briga, mas lá atrás não. Até mesmo os árbitros tinham receio de arranjar confusão com os irmãos. Normalmente, temendo revolta dos torcedores, os árbitros favoreciam as equipes mandantes. Mas essa regra era invertida quando do outro lado do campo estava o Parque. — Na época, o juiz apitava a favor do time da casa, mas o pessoal do Parque da Mooca tinha tanta fama de encrenqueiro que o árbitro ficava com medo e acabava ajudando a eles. Se ocorria uma falta a favor do time da casa, eles deixavam de marcar, mas qualquer encostada na área era desculpa para ele arranjar um pênalti para o pessoal da Mooca. Os motivos das brigas eram variados. Tatu sentiu na pele a experiência de ser um alvo do pessoal do Parque da Mooca. – Joguei uma vez no Juventus e tinha saído uma briga. Para piorar, arrumei uma namorada de lá e na época existia uma regra: nenhum rapaz poderia namorar menina de outro bairro. O pessoal da Mooca me descobriu na casa dela e foi me pegar. Eles soltaram um pastor alemão e eu tentei escalar um muro, mas não consegui. Os caras começaram me dar paulada e tapa na orelha. Costanzi lembra que a torcida do time – cerca de cem pessoas – não era das maiores da várzea (que costumava lotar as arquibancadas, levar batucada e, algumas vezes, até fogos de artifício), mas que muitas vezes se unia com o intuito errado. – Apesar de tudo isso, éramos um time muito unido, que se gostava muito. No fim das contas, todo mundo se juntava e tomava cerveja, dava risada depois, inclu-


sive com os adversários. A várzea era assim. O pessoal brigava e depois ficava tudo certo. As amizades permanecem até hoje e constantemente encontro o pessoal pelo bairro. A fama do alvinegro da Mooca não é só negativa. O time é uma das equipes varzeanas mais vencedoras de toda a história. Fundado em 1924, o Clube Atlético Parque da Mooca coleciona títulos dos mais importantes já disputados dentro de um campo de terra. Na década de 1970, talvez a última do auge da várzea, a equipe conquistou em duas oportunidades o Campeonato Amador da Capital e sagrou-se campeão do Estado, título que lhe rendeu um momento histórico. Com aproximadamente 150 mil pessoas no estádio do Morumbi, o Parque da Mooca teve a primazia de vencer a final em partida preliminar ao amistoso entre a seleção do Brasil e a Áustria em 1971. Tantas glórias no início dos anos 1970 foram colocadas em xeque num torneio que surgiu quase no final da década. Criado pela TV Record, o Desafio ao Galo, que era exibido aos domingos pela manhã, surgiu para maximizar e dar visibilidade para as equipes amadoras de São Paulo. O torneio era um pouco diferente da tradicional várzea a que os times estavam acostumados. No Desafio ao Galo, não tinha árbitro favorecendo nenhum clube e, em caso de briga, o time era excluído da competição. Problemas para o Parque da Mooca? Não, a equipe comandada pelos irmãos Índios também sabia brigar dentro do campo. A briga legal, de disputa e de querer ganhar. O time da Mooca sagrou-se campeão do Desafio ao Galo duas vezes, além de carregar o status de ter mantido a maior invencibilidade da história do torneio, com dez vitórias consecutivas. Juarez Soares diz que, apesar de o torneio ter aparecido mais tarde, ainda foi um dos “momentos consagrados” da época. — Não era campeonato, era só pra ver quem ficava com a fama de “Galo” da


várzea paulistana. O time que ganhava – antes de tudo era preciso bancar a taxa de inscrição – continuava enfrentando novos desafiantes. O Desafio ao Galo foi muito popular aqui em São Paulo. Garantia uma boa audiência para a TV Record nas manhãs de domingo, e além do mais as torcidas adoravam. Tanto que lotavam o CMTC Clube, lá na Avenida Cruzeiro do Sul. Só tinha jogo bom e havia uma identidade entre os torcedores e as equipes. O Desafio ao Galo teve altos e baixos. O torneio se encerrou e reapareceu em três oportunidades. O problema é que cada vez que ressurgia parecia voltar mais fraco, tanto dentro quanto fora de campo. O jornalista Juarez Soares, que comentou algumas partidas do torneio na TV Record, falou sobre os motivos que culminaram com o fim do Galo. — O Desafio teve uma fase espetacular, mas como tudo na vida, acabou. O diretor da Record disse “isso é ótimo, mas eu não quero mais”. Como o torneio tinha conquistado um bom nome, o Desafio ao Galo foi revivido duas vezes, mas não voltou com a mesma força. Além disso, o objetivo do torneio também mudou, virou um grande negócio. O time que pagasse tinha vaga para jogar todos os domingos. Além de Juarez Soares, o Desafio ao Galo tem em sua história a participação de outros grandes nomes do jornalismo brasileiro. Joseval Peixoto, Fausto Silva e Thiago Leifert, em épocas diferentes, também deixaram suas marcas nos anais. Depois de ter tido experiência no futebol amador, o ciclo da vida de um jogador que saiu dos campos de terra é inevitável: voltar à várzea. Serginho Chulapa, atacante que disputou uma Copa do Mundo pela seleção brasileira em 1982 e até os dias atuais é o maior goleador da história do São Paulo Futebol Clube, se rendeu aos prazeres da várzea após o término da carreira profissional. Apesar da correria do dia-a-dia, Chulapa, que hoje trabalha na comissão técnica do Santos Futebol Clube, marca presença em algum campo de terra sempre que pode.


— A emoção de entrar num campo de várzea será sempre a mesma. O que não é mais igual é o meu preparo físico. Mas mesmo assim é bom poder voltar no tempo. Fazer um jogo, uma confraternização, rever os amigos é sempre importante para matar as saudades. O caminho de volta também foi a escolha do ex-atacante Dinei. Mesmo tendo rodado o Brasil defendendo grandes clubes e se destacado com a camisa do Corinthians, clube em que conquistou um Mundial de Clubes da FIFA, a fama não lhe subiu a cabeça, e a várzea continuou sendo uma boa opção para os finais de semana. — Meu pai jogou na várzea, então desde criança eu vivo esse clima. Depois da minha carreira profissional eu voltei porque para mim o que importa é isto, encontrar com meus amigos, comer um churrasco e beber uma cerveja. A várzea me possibilita voltar a jogar com caras que são “máster”, para não dizer velhos. Jogadores que eram meus ídolos, como Chulapa, Ataliba e Capitão. Como não se render à poeira da bola rolando no campo, aos laços de amizade e à cervejinha pós-jogo? Como não reviver uma história marcada por bons contos e lances? A várzea cativou jogadores por todo o país e, como diz o ditado, o bom filho à casa torna. E os filhos da várzea são muito bons. Quem vai, volta.


“Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola” Nelson Rodrigues



“Eu tinha as tatuzetes. E elas tinham até líder de torcida. O pessoal ficava com calo na mão de tanto bater palma para mim” “Eu era um mascarado. Quando os fotógrafos vinham bater foto, colocava a mão no rosto para não dar ibope” Waldir de Souza Cruz, conhecido como Tatu, passou por diversos times da Zona Norte e Leste de São Paulo

“Futebol é feito de oportunidades e talento. Muitas vezes, a pessoa tem talento, mas não tem oportunidade. Outras vezes, aparece a oportunidade, mas não ele tem talento e, às vezes, o jogador tem talento e oportunidade, mas não aproveita” Juarez Soares - jornalista esportivo e ex-jogador de várzea


“Quando jogava bola nos paralelepípedos mal encaixados da minha rua, eu tabelava com os melhores jogadores, fazia os gols mais bonitos e a torcida gritava meu nome. Isso tudo brincando sozinho, com os balanços da pracinha ao lado a me observar” Leandro Lainetti, em Crônica de um sonho passado

“Quando eu era criança, que ainda dava os primeiros chutes, já sonhava em ser um grande jogador. Eu via os jogos na TV e sonhava um dia fazer aquilo que eu estava vendo. Eu sonho desde quando eu descobri que eu tinha talento para jogar bola” Elias, jogador do Flamengo com passagens pelo Corinthians e seleção brasileira. Foi revelado pela várzea


homem é do tamanho do seu sonho.”

Essa frase do escritor, poeta e filósofo português, Fernando Pes-

soa, é o resumo deste capítulo que vamos acompanhar agora. Dentre os muitos sentimentos que essa montanha-russa que o mundo do futebol pode nos proporcionar, a frustração é a mais recorrente entre jovens que sonham a vida inteira com um lugar nos clubes profissionais. Carreira desejada pela maioria dos garotos brasileiros, os grandes clubes não têm espaço para todos e, nessa hora, a várzea se torna um espaço de identidade que, muitas vezes, mantém acesa a chama dessa ilusão. Mesmo sem render fama, carrões e uma conta bancária milionária, o futebol varzeano mantém vivo o prazer de calçar uma chuteira, vestir o uniforme de um time e entrar em campo para defender uma camisa. É provável que Fernando Pessoa, nascido em 1888 e falecido em 1935, nunca sentiu esse prazer, mas mesmo assim foi capaz de escrever a frase acima, que pode resumir a vida de muitos boleiros dos terrões.


— Tá louco? Meu sonho é bem maior do que eu. Tenho só 1,69 metro de altura. Hoje eu vivo futebol. A bola é tudo na minha vida. O autor da declaração acima, não tão genial quanto a de Fernando Pessoa, é Wendel Santos, mas pode chamar simplesmente de Nenê. — Minha avó tinha dificuldade para falar meu nome e me chamava assim, aí ficou. Nascido e criado numa casa de três cômodos em Diadema, na Grande São Paulo, Nenê apresenta muitas características de um boleiro: estilo meio marrento, pele morena, calça de agasalho e ouve samba. Só faltou mesmo a bola embaixo do braço que ele deixou de lado enquanto contava as experiências vividas durante os seus 27 anos de vida. Colocar a chuteira do patrocinador, entrar pelo túnel que leva ao campo, pisar num gramado verde e regular, sentar-se ao lado do técnico, aquecer-se e ouvir a torcida gritando seu nome é o ritual de que desejam participar todos os que sonham em viver da bola. Nenê quer tudo isso desde a infância. — Desde os 10 anos eu quero ser profissional. Sonhava jogar num time grande e famoso. Não importava se fosse aqui no Brasil ou no exterior. A vontade ganhou força junto com a virada do século. Em 2000, quando Nenê tinha 14 anos, surgiu a oportunidade de o corintiano fazer testes para entrar na categoria de base do Palmeiras. — Um rapaz que morava na rua aqui em baixo me levou para fazer teste no Palmeiras. O nome dele é Gerson, mas eu o chamo de Gersão. Treinei lá e fui aprovado. Fui convidado para continuar indo fazer a seleção que levava os melhores para jogar na base do clube, lá em Guarulhos. Nenê não soube se foi um dos aprovados. O sonho, ou pesadelo, de defender as cores do Alviverde, foi rapidamente desfeito pela falta de dinheiro para o transporte entre uma cidade e outra da região do Grande ABC, em São Paulo.


— A peneira estava acontecendo em São Caetano do Sul e eu não tinha dinheiro para ir todos os dias. Depois de um mês comecei a aparecer no treino de quinze em quinze dias. Até que chegou uma hora que eu não tinha mais dinheiro para o ônibus; aí não fui mais. Dias depois de abandonar o Palmeiras, o jovem recebeu uma promessa de outro vizinho. — O pai de um amigo que morava na minha rua e jogava na Portuguesa sempre falou que me levaria para fazer um teste. Esse convite demorou para acontecer, mas um dia ele bateu aqui no portão e disse: “Vamos lá, Nenê”. Depois de o coração bater mais forte de ansiedade, a resposta no teste foi positiva e a falta de dinheiro foi novamente obstáculo para que o sonho se realizasse. Depois de quatro meses, Nenê foi novamente obrigado a abandonar o clube. —Enquanto meu vizinho estava jogando lá, eu ia com ele. Só que quando ele saiu, foi a mesma coisa. Parei de ir porque não tinha dinheiro. Com a pele morena e 1,65 metro de altura, dona Regina, mãe do Nenê, é bem parecida com o filho. Com o salário de diarista, ela sustenta sozinha o filho e a neta Camile, de 4 anos. Mesmo com dificuldades financeiras, Regina é a principal incentivadora do primogênito. — Não foi só o dinheiro que atrapalhou a carreira do meu filho. A falta de alguém para acompanhá-lo nos treinos também faz diferença. Pena que não consegui ajudar como deveria. Eu trabalhava direto e ele sempre dependeu só de mim. Não tinha para quem apelar, era só eu e eu. Quem poderia ter feito isso para ele era o pai, mas nosso casamento durou muito pouco e logo que nos separamos ele faleceu. Enquanto prepara o jantar, a diarista recorda com muita alegria o dia que recebeu a notícia de que o filho dedicaria sua vida a ser jogador de futebol. — Foi a melhor coisa que aconteceu. Essa vontade do Nenê de ser jogador me


ajudou na criação dele. Sabia que com a paixão pelo futebol ele não iria se envolver com drogas para não se prejudicar no esporte. Com a frustração no Palmeiras e na Portuguesa, Nenê ficou longe dos clubes, mas nunca da bola. — No caminho da minha casa para a escola, eu passava em frente a um campo de futebol e olhava para ver se tinha alguém batendo bola. O pessoal já me chamava para jogar. Ficava naquela indecisão entre matar aula e ir estudar, e eu sempre escolhia entrar na quadra para uma partida. Foi nos campos improvisados de Diadema que, aos 17 anos, a carreira de Nenê decolou. E não se trata de uma expressão ou figura de linguagem. Conexão Diadema-Belém do Pará. — Apareceu um empresário (nem lembro o nome dele), que tinha um clube em Belém do Pará, o Carajás. Ele me viu jogando no Ana Sofia (clube de várzea de Diadema) e quis me levar para lá de qualquer jeito. Falei que não ia por causa dos estudos, mas esse empresário me garantiu que lá eu teria escola e moradia num alojamento. Conversei com minha mãe, e ela me apoiou, dizendo que se aquele era meu sonho, eu deveria ir. — Fiquei lá um ano treinando e jogando nas categorias de base do Carajás. Eu recebia R$ 35,00 por semana. Nas férias, voltei para São Paulo para ficar junto da minha família. Depois das festas de fim de ano, já estava me preparando para retornar para o Norte, quando me ligaram avisando que o clube havia falido. A indecisão de prosseguir no futebol tomou conta da cabeça de Nenê. Aos 18 anos, ele viu seus amigos ingressando no mercado profissional e outros terminando os estudos enquanto ele ainda se dedicava ao futebol. Para o psicólogo Gustavo Korte, já citado em capítulos anteriores, a pressão sobre esses jovens é muito grande e as transições de ciclos deveriam ser acompanhadas por um profissional


qualificado a fim de evitar prejuízos psicológicos. — Hoje em dia, um jovem escolhe a profissão por volta dos 17, 18 anos, mas não quem quer ser jogador de futebol. Este, assim como o ginasta, já deve estar num grande clube nessa idade para ter um futuro promissor, isso porque a profissão necessita do desenvolvimento físico e da capacidade de aprender as técnicas e táticas. Então, a pressão é realmente muito grande. Ela se intensifica nos casos de jogadores que sonham com isso para dar uma condição melhor para sua família. Nenê, naquele momento, não se enquadrava nessa situação. Ele voltou a morar em Diadema e optou pelo caminho da bola. — Pensei comigo: quer saber, vou continuar no meu sonho. Se não der certo, continuo jogando na várzea e recebendo uma ajuda aqui e outra ali para tocar a vida. Enquanto ele batalhava no terrão dos campos de várzea do ABCD paulista, a história se repetia na Zona Norte de São Paulo. Mais precisamente na Vila Maria. Era lá que vivia outro jovem sonhador: Elias Mendes Trindade. Conhecido como Tico, o jovem também teve a primeira oportunidade na Sociedade Esportiva Palmeiras. — Quando eu tinha 12 anos, meu pai viu que eu tinha talento e começou a procurar peneiras em alguns clubes. Uma das primeiras que fiz foi no Palmeiras e, logo de cara, fui aprovado para jogar na categoria de base. O acompanhante do jovem Elias nos treinamentos é Elizeu, pai e que durante muitos anos da vida também se dedicou ao futebol de várzea. Sem sucesso dentro das quatro linhas, a alternativa encontrada foi estudar para virar advogado e apostar no talento do filho. — Eu me lembro muito bem do dia desse teste. O Elias era uma criança e eu o acompanhava todos os dias nos treinos. Ele começava mostrar uma qualidade acima da média e agradou aos treinadores dessa peneira do Palmeiras. Tanto esforço rendeu resultados. Elias jogou no Palmeiras durante oito anos,


onde cresceu como jogador e como homem, mas o reconhecimento pelos anos dedicados ao clube não aconteceu. Elias nunca foi aproveitado no time profissional, e o máximo que conseguiu foi integrar o time B do “Palestra”. Se a bola e os empresários levaram Nenê para o Pará, o destino de Elias foi o Recife. Com 20 anos, e muitas dúvidas na cabeça, o menino da Zona Norte viajou para defender o Náutico. Na chegada, as semelhanças físicas lhe renderam o apelido de “Robinho do Nordeste”. — Eu tinha consciência de que as coisas não andam como os torcedores querem ou como os torcedores acham. Eles agem muito na emoção. A gente é até parecido, o pessoal confunde muito, mas o nosso futebol é totalmente diferente. Robinho, o original, já era bicampeão brasileiro pelo Santos, estrela do Real Madrid, da Espanha, e uma das esperanças da seleção brasileira para a Copa do Mundo de 2006, realizada na Alemanha. O do Nordeste, por outro lado, não viveria bons momentos. — Com 20 anos, era minha primeira vez saindo de São Paulo, a primeira vez que eu ia para uma equipe como profissional e em dois meses o Náutico me dispensou. No primeiro mês fiz pré-temporada e no outro joguei apenas duas vezes. Não deu tempo de mostrar meu trabalho para as pessoas me julgarem dentro de campo. É muito frustrante, porque eu ainda era um jogador desconhecido e poucos clubes abririam as portas pra mim. A frustração pode mexer muito com a cabeça desses jovens sonhadores, podendo até mesmo fazer com que entrem em depressão. Korte explica que o ideal seria que as categorias de base dos clubes tivessem profissionais qualificados para fazer o acompanhamento dos jovens jogadores que estão vivendo essa situação. — O ideal é que esses jovens tenham uma complementação psicológica, principalmente nesses momentos de transição. Isso deixaria esses garotos mais prepa-


rados para as dificuldades futuras, porque nem sempre eles ultrapassarão todas as fases e barreiras para virar um jogador profissional. Apesar dos tropeços, Elias e Nenê se levantaram para seguir firme em busca do objetivo. Mais um empresário surgiu na vida do agora homem de Diadema e, mais uma vez, ele embarcou numa viagem em busca do sonho. Hora de romper fronteiras em prol do futebol. Nenê foi para a Argentina para defender o Newell’s Old Boys, clube baseado na cidade de Rosário e que tem como grande feito a descoberta do craque Lionel Messi. — Estava há dois anos jogando no Guarani-B, em Diadema. Um dos diretores do clube começou a me “empresariar” e apareceu a possibilidade de ir para a Argentina. Junto comigo foi outro garoto que também jogava no time. Quando chegamos lá, nada aconteceu do jeito que a gente imaginava. Não sei se era por causa da nossa cor ou se eles não gostam de brasileiros. Não deixaram a gente treinar e ficamos duas semanas sem sair do hotel. Não fazíamos nada. Depois disso, conversamos com alguns diretores e conseguimos voltar para casa. O vestibular da bola é mesmo complicado. Depois das viagens frustradas, os dois sonhadores resolveram recomeçar essa história. O cenário escolhido foi o mesmo: um campo de várzea. Nenê virou destaque da seleção de Diadema, enquanto Elias foi defender o Lagoinha, no campeonato da elite da várzea paulista, a Copa Kaiser. — Quando voltei do Recife, fiz testes no União São João e na Portuguesa, mas aconteceram alguns problemas e não deu certo. Fui jogar na várzea para manter esse espírito de competitividade, a forma física e o ritmo de jogo que são muito importantes para um jogador. Foi nos campos de terra que ambos ficaram mais perto da profissionalização. Em 2007, Elias foi convidado para jogar no São Bento, clube do interior paulista, e


que era comandado pelo ex-jogador Rincón. Na mesma época, Nenê embarcava no maior desafio de sua vida. — Surgiu a oportunidade de ir para o Qatar. O empresário Marcos Bocato, que trabalhava na Secretaria de Esportes de Diadema, me viu jogar na seleção de Diadema e se interessou por mim. Ele comprou minha passagem, me ajudou a tirar o passaporte e eu fui para jogar no Al Sadd. Mais uma vez, Nenê disse ter sido enganado. O empresário teria passado dois meses com o sonhador e depois o abandonou lá. — Eu não sabia falar inglês e não conseguia me comunicar com as pessoas. A minha sorte é que no clube havia outros três brasileiros: o atacante Emerson Sheik, que agora está no Corinthians, o meia Felipe, que jogou no Vasco e está no Fluminense, e um cara que trabalhava na Comissão Técnica, o seu Luís. Com a proximidade dos companheiros, Nenê conseguiu sair e aproveitar o lugar. Pela primeira vez, ganhou dinheiro como jogador profissional e gastou tudo em roupas e eletrônicos. Diferente dos outros jogadores que via na televisão, ele diz não ter se envolvido com mulheres. — Não. Paquerar não dava. As mulheres de lá andam todas cobertas, só com o olho para o lado de fora. A comida também não agradou ao jogador. — Ave Maria! Que comida ruim! Era arroz, aquelas uvas-passas, com bastante pimenta e um pedaço de carne de carneiro. Superando as dificuldades, ele passou três anos no Qatar. Nenê atuou algumas vezes pelo time principal do Al Sadd e garante até ter recebido sondagem para se naturalizar. O sonho parecia estar realizado. Mas só parecia. — Perto das férias do final do ano a minha avó faleceu. Eles me liberaram para


voltar para o Brasil mais cedo. Passei o Natal e o ano-novo com a minha família, e depois voltei para o Qatar. Quando cheguei lá, o técnico já não me escalava para o time principal e nada acontecia de diferente na minha vida. Em sua temporada no Brasil, Nenê engravidou uma menina e teve sua filha, Camile. — Tive que mudar totalmente os planos. Além de não estar feliz no Qatar, queria ficar perto da minha família. O período que Nenê ficou no Qatar foi mais que suficiente para Elias explodir no cenário nacional. Depois de passar pelo São Bento, o ex-atacante virou volante e brilhou defendendo a Ponte Preta no Campeonato Paulista de 2008, chamando a atenção do Sport Club Corinthians Paulista, que o contratou. O sonho estava realizado. — Foi um sonho, ainda mais pelo fato de eu ser corintiano. Foi um presente porque fui apresentado no Corinthians no dia 16 de maio, data do meu aniversário. Foi o melhor presente que recebi na minha vida, depois do meu filho. A decisão de Nenê de se dedicar aos seus familiares não significava abrir mão do futebol. Foi aí que o agora famoso Elias virou referência para o ainda desconhecido sonhador de Diadema. — Resolvi me jogar de cabeça no futebol de várzea. Estava empolgado porque vi o Leandro Damião e o Elias saindo da várzea e dando certo. Se o Elias conseguiu, eu também poderia. Korte questiona quantos dos milhares de jogadores que existem no futebol de várzea conseguem se destacar no futebol profissional e a idade média em que isso ocorre. — Vai ser muito difícil um clube aceitar um jogador de 27 anos para fazer peneira. A não ser que ele seja muito bom. Porém, se esse fosse o caso, ele já teria despontado. Muitas vezes, o jogador não consegue ultrapassar uma fase e vai ficar jogando só na segunda ou na terceira divisão. Talvez porque o nível dele não vai avançar mais ou porque nos momentos que ele teve oportunidade algo deu errado.


Além de inspiração, Elias virou causador de alegrias para o corintiano Nenê. Com a camisa do clube paulista, o volante conquistou o título da Série B do Campeonato Brasileiro, o Paulistão e a Copa do Brasil. — Foi meu primeiro título nacional, passou muita coisa pela minha cabeça. O tempo que eu fiquei parado, o tempo de várzea, o tempo que eu fui correr atrás. Passa um filme na nossa cabeça. Aquele dia eu me senti realizado, meu sonho se concretizou, ser campeão numa grande equipe e ser reconhecido nacionalmente. De 2009 até agora, muitas partidas foram disputadas, muitos apitos soaram e muitas redes balançaram. Na vida de ambos. Elias defendeu a seleção brasileira e rodou o mundo jogando no Atlético de Madrid, da Espanha, no Sporting, de Portugal, e atualmente no Flamengo. Nenê preferiu guardar o passaporte e continuar no Brasil, onde defendeu o Cepa, de Santo André, o Sacadura, de São Bernardo, e o Bafô, vice-campeão da Copa Kaiser de 2012. E, apesar dos 27 anos, a vontade de se tornar um jogador profissional ainda faz parte da rotina. — O único dia da semana que não jogo futebol é na quarta-feira. Tem gente que fala assim: “Ah, você já está com 27 anos, já deu. É melhor procurar um emprego”. Mas para quem tem um sonho, nunca tem um ponto final. Já vi jogadores com 27, 28 anos aparecendo no futebol profissional. A gente nunca pode desistir de um sonho. Até penso em estudar Educação Física para trabalhar com futebol. Mas e a coragem? Procurar uma carreira alternativa é o conselho do psicólogo. — Ele pode ter essa ilusão, que é o que faz com que ele se dedique e tenha um comprometimento, mas ele deve ter um plano B. Parar para pensar: e se não der, o que eu vou fazer? Buscar uma área que esteja ligada com o esporte pode ser positivo para ele. Apesar de apoiar o filho, dona Regina também teme pelo futuro do rapaz.


— Eu não sei quanto tempo mais o Nenê aguenta correr atrás de bola e não sei se ainda tem porta aberta para ele no futebol. Se não der certo, eu peço para ele ir procurar serviço. Ele não vai me ter para o resto da vida e já que ele não traz dinheiro para dentro de casa, falo para pegar os R$ 200,00 que ganha com a várzea e investir nas coisas dele. O pai de Elias diz que sabe da ilusão que envolve o mundo do futebol e que só vai incentivar seu filho persistir na vida de jogador até certa idade. — Considero o futebol uma arte, e nem todos nasceram com o dom de praticá-la. Se fosse o meu filho, Elias, que não tivesse despontado na hora certa, já teria falado para fazer um curso e entrar para outra área. A idade é determinante para um jogador. O filho de Elizeu mede as possibilidades e opta por um discurso de jogador. — Não serei eu e nem ninguém que vai tirar esse sonho da cabeça dele. Mesmo sendo quase impossível pela idade que ele tem hoje, o Nenê tem que ir atrás, lutar e batalhar. Nenê não se rende e promete um futuro glorioso pela frente. Ele aproveita o espaço para pedir uma ajudinha ao jogador que também passou pelas dificuldades do terrão. — Se eu pudesse falar com o Elias, pediria para me colocar num time. Me dá uma oportunidade para jogar, cara!



“Cada vez que destrói um campo de várzea, você dá uma facada na alma do futebol” Vitor Birner



“A várzea mudou devido a especulação imobiliária dentro de São Paulo. Agora, já não existe mais o campo de terra, que era do bairro. Só em São João Clímaco a gente tinha 24 campos, na Vila Carioca tinha mais oito. Fora os que tinham na Vila Mariana e Vila Prudente” Wilson Pires da Silva, um dos fundadores do futebol PretoxBranco

“Hoje você só vê cidade de pedra e prédios que acabam com os campos de várzea. Depois a gente pergunta por que não tem mais moleque bom no futebol amador. A resposta é clara: não tem mais campo. Antigamente em um só bairro existiam dez áreas de terrão” Dinei - ex-jogador de futebol e praticante do esporte nos campos de várzea

“Os campos vão diminuindo, e diminuindo e diminuindo e você para pra pensar: onde é que essa molecada vai jogar?” Juarez Soares - jornalista esportivo e ex-jogador de várzea


“A várzea mudou muito. Na minha época, era um mundo de terra e não existia praticamente prédio nenhum. Do lado, tinhas várias casas e a gente se reunia principalmente no domingo pela manhã. Os campos eram o divertimento que nós tínhamos, não existia mais nada” “Eu cheguei a ser presidente do Grêmio Esportivo Centenário, que era a equipe que tinha no Alto do Ipiranga. Lá também fechou por que, assim como acontece em todos os campos, começaram a construir em cima. E hoje por sinal sou eu que construo e acabo com os campos que tem por ai, não é isso?” Milton Bigucci, dono da construtora que leva seu nome, já destruiu campos de várzea para novos empreendimentos

“Cada vez que eu vejo um prédio sendo levantado e acabando um campo de várzea me bate uma tristeza imensa, porque é dali que deixarão de surgir grandes jogadores” Sérgio Chulapa - ex-jogador de futebol profissional e eterno nos campos de terra


um terreno da Zona Sul de São Paulo cresceram mais duas torres que compõem o cenário verticalizado da quinta cidade mais populosa do mundo. O condomínio de alto padrão Ville de France na Rua Gaspar Fernandes, na Vila Monumento, interrompeu a história de um tradicional time de várzea, o Esporte Clube Corinthians Paulista de Vila Monumento. Assim como tantos outros empreendimentos, o prédio erguido pela construtora M. Bigucci é apenas um dos tantos blocos de concreto e ferro que acabaram com um campo de várzea e dezenas de sonhos que se formaram por ali. Fundado em 1º de abril de 1939, o time da Zona Sul participou ativamente da história do futebol varzeano e de competições importantes como o Desafio ao Galo. O presidente do “Corintinha” (apelido do clube), Israel Bruno, expressa na voz rouca e firme o rancor por ter perdido o terrão do time para a construtora. O nervosismo e o incômodo que esse assunto que lhe causam são visíveis nos movimentos repetitivos das pernas. — Desde 1968 o Corintinha da Vila Monumento jogava lá no campo da Rua


Gaspar Fernandes. O campo tinha sido feito pelos antigos diretores do clube. Ali era tudo barranco e a diretoria transformou em campo e conservou para não deixar ninguém invadir e não ter favela por perto. Do outro lado, Milton Bigucci, de 70 anos, carrega na bagagem 54 de experiência na várzea. Dono da construtora e incorporadora que leva seu nome, ele jogou no Clube Atlético Centenário e também passou pelo Atlético Ypiranga, além de outras agremiações varzeanas. Foi a assinatura dele que decretou a compra do campo popular do INSS, onde o Corinthians de Vila Monumento fazia suas partidas, para a construir o Ville de France. — Se não fosse eu, outro ia lá comprar e construir do mesmo modo. A finalidade do campo era esta: fazer dois empreendimentos grandes, e lá construímos dois prédios bonitos e de alto padrão. Por baixo do terno e da pose de empreendedor, existe uma paixão e uma história de casamento com o futebol amador de São Paulo que Bigucci lembra com nostalgia. — Comecei a jogar na várzea com 14 anos e jogo até hoje. A sensação de acabar com um campo é de tristeza, claro. Excelente como negócio, mas para mim, como ser humano, é uma tristeza. Era também meu passado que estava ali. A venda do terreno causou um impacto negativo no time alvinegro da Zona Sul, que fez com que ele ficasse dois anos longe do terrão. Atualmente, o time aluga um campo da prefeitura na Aclimação três vezes por mês e paga uma taxa de 77 reais por dia. Ainda com a voz embargada pela emoção, Israel relembra de todas as pessoas que cuidaram do terreno para transformá-lo num rotineiro ponto de encontro aos domingos para o tradicional futebol. —Ficamos dois anos sem jogar e foi péssimo. Perdemos o único lugar que tínhamos para bater uma bola, competir e nos encontrar. Nossa casa já não existe mais.


A história do Esporte Clube Corinthians Paulista de Vila Monumento não difere da de tantos outros times nascidos no terrão que buscam espaços para sobreviver na metrópole. São Paulo tem o maior Produto Interno Bruto do país e um crescimento imobiliário exorbitante — principal fator para o declínio da várzea paulista. A urbanista do Instituto Polis, Natasha Menegon, diz que a extinção dos campos de várzea é causada pelo ritmo acelerado da urbanização de São Paulo, que está acontecendo sem o devido planejamento. — A capital teve um espaço muito grande ocupado num período muito curto. A urbanização se intensificou no final do século XIX por causa da industrialização, e o segundo boom aconteceu nas décadas de 1960 e 1970 com uma expansão intensa. Trata-se de um período de tempo muito curto para um crescimento efetivamente rápido. Entre 1882 e 1934 cerca de quatro milhões e meio de imigrantes chegavam ao país e mais de metade deles veio para São Paulo, impulsionada pela economia cafeeira e posteriormente pela industrialização. As cidades ofereciam novas oportunidades de trabalho, diferentes técnicas agrícolas e a mecanização da agricultura. Não demorou muito para que se espalhasse por todo o país que as regiões Sul e Sudeste tinham poder de enriquecer o homem, atraindo assim a população das zonas rurais para os grandes centros urbanos. A disputa por espaços influenciou diretamente a supervalorização dos terrenos da cidade e o aumento do interesse do setor de construção civil. Os terrenos utilizados para a prática do futebol de tornam um negócio de baixo custo e alta rentabilidade. A veia empreendedora de Milton Bigucci predomina quando ele tem que decidir entre o mundo dos negócios e a paixão. — Hoje em dia, um terreno no Ipiranga é caríssimo; então, não tem como deixar um terreno de 10 mil metros quadrados parado para uma pelada de domingo.


Construir novos lares é o meu ganha-pão. Se eu tivesse que destruir outro campo com certeza destruiria, hoje o que prevalece é o negócio. O jornalista esportivo Juarez Soares atribui a culpa pela extinção dos campos de várzea ao segmento imobiliário. — Um campo de várzea não precisa ter as medidas oficiais, ele pode ser grande, pequeno, usado por um time tradicional ou não. Se for um terreno plano, as imobiliárias não vão demorar muito para tentar construir ali. Além do crescimento imobiliário, o comportamento da população também mudou. Os condomínios que são verdadeiros clubes, com varandas gourmet, piscinas de todas as formas e quadras poliesportivas deixam as pessoas mais preguiçosas e as visitas aos terrões vão se tornando cada vez mais raras. O sumiço dos campos faz Israel Bruno acreditar na decadência da várzea paulistana por falta de espaços. — Agora só tem campo bem longe da cidade. A várzea vai acabar logo, agora tudo é prédio. As construtoras têm muito dinheiro e compram em qualquer lugar. O idealizador do confronto Preto x Branco que acontece todo final de ano no Heliópolis, Pneu, que você irá conhecer no próximo capítulo, identifica na várzea atual reflexos provocados pelo crescimento e desenvolvimento da cidade. — A várzea mudou muito por causa da especulação imobiliária, agora não tem mais campos. Antigamente tinha muitos, você tira por base a região de São João Clímaco, subdistrito do Ipiranga, lá tinha 24 terrões. Ao todo, na Vila Carioca, na Vila Mariana e na Vila Prudente havia oito. Agora não, a especulação tomou tudo e São Paulo não tem mais campo. Juarez Soares vê como alternativa para a conservação dos terrões a possibilidade de as comunidades e times transformarem os campos num ponto de encontro local onde seriam realizados desde partidas de futebol até batizados e funerais. — O grande erro da várzea é que os campos são utilizados apenas nos finais de


semana, ou seja, no sábado e no domingo. São esquecidos no restante da semana, e ficam sem uso de segunda à sexta-feira. O presidente do Corintinha compartilha da mesma opinião que o jornalista, porém ressalta que a verba teria de vir de outros fundos, já que os recursos dos times amadores são limitados. — O Corinthians de Vila Monumento já pensou em transformar o campo num espaço para a comunidade, porém não tem quem ajude. Se não fosse pela participação de dez ou quinze amigos que colaboram, não teria nem como suprir as necessidades básicas do local, quanto mais ampliar seu funcionamento. A escassez dos campos abriu a porta para outra modalidade do futebol: o society. A modalidade adaptada do futebol de campo tem como principais características o espaço físico reduzido, grama artificial, iluminação para partidas noturnas, uso de coletes para diferenciar os times e o menor número de jogadores, sendo sete de cada lado. A popularidade desses campos nos centros urbanos afastou os terrões para as periferias da cidade, e a tendência é que se afastem cada vez mais com o desenvolvimento e a ampliação do número de prédios e pontos de comércio. Ironicamente, ao contrário do presidente do Corintinha, Milton Bigucci não acredita no declínio da várzea, muito menos no seu fim. — A várzea não vai acabar nunca. Ela vai se abrindo nas cidades, os campos vão sendo criados cada vez mais fora do raio central e os campos vão sendo feitos mais longe. Com o afastamento dos terrões dos grandes centros só ficará na várzea o jogador e o torcedor que carregam no peito a verdadeira paixão pelo futebol amador paulista. Sairão de seus condomínios e de suas grades de proteção aqueles que têm o sangue verde e amarelo, que vivem o futebol na sua beleza e na essência.



“No país do futebol o sol nasce para todos, mas só brilha para poucos E brilhou pela janela do barraco da favela onde morava esse garoto chamado brazuca Que não tinha nem comida na panela Mas fazia embaixadinha na canela e deixava a galera maluca” Gabriel Pensador



“Perto do futebol de rua qualquer pelada é luxo e qualquer terreno baldio é o Maracanã em jogo noturno. Se você é homem, brasileiro e criado em cidade, sabe do que eu estou falando. Futebol de rua é tão humilde que chama pelada de senhora” Luis Fernando Verissimo, escritor, em Futebol de Rua

“O futebol nos dá uma potente lição de democracia, pois, vendo nosso time jogar, as leis têm de ser obedecidas por todos, são universais, são transparentes, e há um juiz que as representa no calor da disputa. Além disso, fica assegurado que, diferentemente da experiência política corriqueira, as regras não podem ser mudadas por quem está perdendo ou por quem está ganhando” Roberto DaMatta, antropólogo, no livro Universo do Futebol 1: Esporte e Sociedade Brasileira


“Eu lembro que na Vila Zatt, em Pirituba, tinha um campo chamado “Buracanã”, que de fato era um buraco. Se você não esticasse o pescoço na calçada, você não o via. Lá também tinham algumas casas que eram quase uma arquibancada. Eu queria morar em uma dessas. Era uma quebrada, uma favela. E eu, com a simplicidade de um criança, queria ficar ali” Diego Viñas - jornalista esportivo

“O campo de futebol é um ponto de encontro da comunidade. Ele tem um aspecto social, de reunir as pessoas daquela região, de integrar. Isso não significa que a comunidade não precisa de um hospital ou um posto de saúde e sim que ela também precisa de um local de lazer” Juarez Soares - jornalista esportivo e exjogador de várzea


pressão imobiliária empurrou – e ainda empurra – o futebol de várzea para as periferias da cidade. São nesses bairros mais distantes – e geralmente precários, ainda em formação – que ainda prevalece o conceito de comunidade, onde as pessoas se organizam e se ajudam tendo em vista um objetivo comum: melhor qualidade de vida. O esporte, com o universo lúdico que proporciona, logo se torna um ponto de apoio e integração entre as pessoas do lugar. Essa interação começa cedo. Ainda na infância. Nesses lugares, um par de chinelos ou uma pilha de tijolos se transformam facilmente nas traves de um gol. Os limites da rua determinam o espaço do campo que fica lotado de crianças, adolescentes e, não raras vezes, adultos correndo atrás de uma bola comprada na lojinha da esquina ou improvisada com uma meia. O futebol, seja o de rua ou o de várzea, é o único lazer das comunidades que sobrevivem com pouco, mas que resgatam a alegria do esporte em cada novo jogo. Qualquer rua sem saída, terreno baldio ou espaço sem uso passa a ser palco de grandes jogadas e lances que minimizam os problemas geográficos do campo e inspiram a


criatividade para novos dribles. Para o psicólogo desportivo da Federação Paulista de Futebol, Gustavo Korte, a bola de futebol é um precioso objeto para o aprendizado da criança. — Por ser um presente barato, que qualquer pessoa pode comprar ou improvisar, a bola normalmente é o primeiro brinquedo dado por um pai da comunidade para seu filho. Além da facilidade do presente, os benefícios são inúmeros: estimula o esporte e a atividade em grupo, mantém o corpo saudável e ensina regras. Um raio X das comunidades brasileiras realizado em 2011 mostra que a capital paulista ainda têm 2.627 favelas com 994.926 famílias morando em situação de risco. Grande parte delas tem um ou mais times que representam a região e, em geral, levam o nome do bairro na camisa. Exemplo disso é o Noroeste Vila Formosa, que leva o futebol do bairro da Zona Leste com mais de 300 mil habitantes na camisa e nos campos de terrão espalhados na região. O diretor de esportes e treinador da equipe, Gilberto Frade, tem 55 anos – mais de quinze deles dedicados ao “Norusca” (apelido do clube) – e diz que a dedicação ao time se dá em decorrência dos laços criados no local. — A paixão pela comunidade é algo de origem. As amizades que a pessoa forma aqui não acontece no meio profissional, onde os outros se aproximam por causa do dinheiro, dos carrões, da glória ou da fama. Aqui jogaram os pais, os filhos e agora jogam os filhos dos filhos. Joga quem vem jogar. Por isso tem gente de todas as idades. É onde estão os verdadeiros amigos. Gostam de jogar aqui porque foram criados aqui e criaram uma identidade com o lugar. No bairro, casarões dividem o mesmo espaço com barracos e puxadinhos. O comércio não para. É possível deparar com cenas que eram comuns na São Paulo de tempos idos, quando ainda havia um resquício de provincianismo. Um rapaz anuncia as promoções de um lado, enquanto do outro lado outro rapaz vestido de palhaço apita para cha-


mar a atenção para as ofertas do dia. Padarias novas e modernas fazem frente com bares apinhados onde a cerveja gelada diária não falta no balcão. A dez minutos do Centro, a sede do Noroeste da Vila Formosa fica nas entranhas do bairro, onde as ruas tornam-se mais estreitas e a iluminação diminui. O clube tem sede própria, mas sem requintes. A casa tem paredes de tijolos irregulares pintadas precariamente de vermelho e branco, as cores do Norusca. Sentado numa das cadeiras do local está Toninho, apelido de Antônio João Fabiano, de 62 anos, atual presidente do time e também o mais velho da diretoria. Duas pulseiras de ouro, anel com um santo protetor e uma corrente dourada sobre o peito formam o visual típico do dono da bola. Confortável no papel de autoridade máxima, ele fala com carinho das personalidades que compõem o time e o clima do lugar. — É difícil falar sobre essa área. Hoje em dia, não se pode mais chamar de favela. Tem que dizer comunidade. A verdade é que, apesar do termo politicamente correto, isso aqui é uma favela mesmo. Todo mundo igual, junto e misturado. Ninguém vai recriminar o cidadão porque ele bebe, e muito menos pedir para não usar mais drogas se nunca causou um problema ao time. Aqui no Noroeste, ninguém impede ninguém de jogar. O campo do time fica a poucos minutos dali. Como os outros facilmente encontrados nas periferias, a área é um lugar universal para os meninos da comunidade, que se adaptam rapidamente às quatro linhas em qualquer lugar do país. O chão de barro, as marcações feitas com cal e o gol muitas vezes sem rede têm o poder de igualar as pessoas. Dentro das quatro linhas não existe rico ou pobre, gordo ou magro, branco ou negro. As diferenças passam a ser medidas pelo melhor drible, passes de calcanhar, fintas, rolinhos e chapéus dados no adversário. O diretor do clube entende que é essa diversidade entre classes, culturas, gírias e maneiras de levar a vida que formam o verdadeiro futebol amador. — A várzea hoje é o que reúne pessoas diferentes. É a união de toda essa gente for-


mando uma bagunça organizada. É o futebol jogado por amor, por simpatia, por alegria. Antônio Fortunato da Silva, conhecido como Tio Bita, tem 60 anos e ocupa o cargo de 2º secretário do Noroeste. É ele quem define com mais emoção o que a reunião de amigos e jogadores representa. — Gosto mais da várzea do que do futebol. Prova disso é a minha filha, que vem desde bebê para o terrão. Aqui, família e futebol andam juntos. Durante a semana, não vejo a hora de o sábado chegar para estar na beira das quatro linhas, não me vejo fazendo outra coisa. É gratificante ver a torcida nos incentivando, gritando por nós. O jornalista esportivo e ex-secretário dos esportes de São Paulo, Juarez Soares, lamenta a extinção de lugares de lazer como esse, onde as pessoas se conhecem em sua essência e têm oportunidade de um espaço para integração entre os vizinhos da comunidade. — O que a gente faz com as crianças que não podem ser sócias de clubes? Se elas não jogam, não desenvolvem o futebol e, por consequência, também não desenvolvem as próprias habilidades. Não ter um campo, um lugar de lazer, por mais simples que seja, é um transtorno. Quando você garante um campo de várzea, ela se organiza por si só. O local pode até mesmo ser usado para as crianças jogarem bolinha de gude, peão, brincar de pega-pega e outras atividades de lazer. O psicólogo desportivo Gustavo Korte explica que o campo é, muitas vezes, a única opção de lazer dos moradores da região. Ele ressalta que presença de um local numa comunidade influencia diretamente a sociedade à sua volta. — Se você insere um campo no local e desenvolve uma rotina de treinamento, dá para as pessoas que moram ali a possibilidade se integrarem e progredirem, inclusive diminuindo os índices de criminalidade da região. O jornalista diz que a ausência dos campos de várzea impossibilita o descobrimento de novos ídolos. — Agora, imagina se esse pessoal ganha um campo de futebol. De onde veio o


Pelé? Da várzea. Ele é tanto da várzea que ninguém sabe da onde veio esse apelido. Maradona veio de onde? Da várzea e da favela de Buenos Aires. Mané Garrincha veio de onde? Ele jogava descalço nos campos de barro com os amigos. Depois de se profissionalizar, ainda brincava lá. Então, o futebol só tem razão de existir se ele for parte integrante da nossa vida. Depois do jogo, os jogadores fazem hora extra e as conversas se estendem até os bares, ao churrasco na casa do vizinho, à feijoada e aos encontros com os amigos. Para manter essa tradição varzeana, o time promove cerca de três eventos por ano com a ajuda da comunidade. Uma prova de que a comunidade se sobrepõe a qualquer diferença é o confronto Preto x Branco. Essa festividade acontece há quarenta anos sempre no mês de dezembro no bairro do Heliópolis ou em São João Clímaco. Pneu vem de lá. Wilson Pires da Silva tem 68 anos e é um dos fundadores do encontro anual de amigos. Sujeito ímpar, chapéu panamá, mãos cruzadas atrás das costas e com a fala dura, ele ressalta que o festival é uma forma de celebrar o futebol e rever amigos. — Não, não é campeonato. O futebol Preto x Branco é um encontro entre amigos. Nosso pós-jogo tem cerveja, futebol e samba. É uma confraternização mesmo. Chiquinho Caponero tem 70 anos e nasceu no Sacomã. Ele começou a jogar com 12 anos, quando a bola ainda era de pano, e ainda integra a equipe dos brancos. Hoje, trabalhando como cabeleireiro, ele relembra as histórias entre um corte de cabelo e outro. — São amigos, conhecidos e colegas que se unem para se divertir. A gente se divide em dois times com onze jogadores de cada lado, como no futebol comum. A única diferença é a que são brancos contra negros, dos reservas ao técnico. Até a torcida se separa. Chega a ser engraçado. Ele explica, a rivalidade só existe dentro de campo e, mesmo assim, sem preconceito. — Antes, a competição era dos casados contra os solteiros, depois passou para os


de colete contra os sem colete e aí se consolidou o Preto x Branco. Não existe isso de preconceito. Todos são queridos, mas durante o jogo viramos adversários como em outra partida qualquer. Um xinga o outro, um briga com o outro, só que sempre com respeito. Sabemos que, apesar de ser uma competição, tudo não passa de uma brincadeira. Pneu se diverte lembrando as partidas disputadas nos campos de terrões. Apesar de não haver nenhum registro a respeito da primeira partida do Preto x Branco, ele garante que ganhou o jogo, e ainda tirou um sarro do oponente. — O primeiro jogo nós é que ganhamos. De três a um, e eu fiz dois gols. O Litão, dos brancos, pegou um cacho de banana para dar de troféu para a negrada. Só que, no fim do jogo, ele teve que comer tudo. O melhor amigo dele, Newton Sergio Pereira, o Teia, faz parte do time dos brancos. Sorridente, ele diz que já cansou de ser chamado de “branquelo azedo”, mas que isso não tem impacto na relação com seus colegas. — Aqui não tem briga fora de campo. Já houve desentendimentos durante o jogo, mas nunca com conotação racial. Esse tipo de coisa aqui não existe, tanto é que o Pneu está aqui e eu o considero meu melhor amigo. A Zona Sul de São Paulo é a vice-colocada no ranking de campos de futebol de várzea na cidade de São Paulo, com 91 pontos de terrão para prática do esporte. Em outro ponto da região, na favela do Paraisópolis, acontece a Copa da Paz, que reúne times de diferentes comunidades para um torneio entre clubes. Com objetivo de reduzir os índices de criminalidade nas vielas do bairro, o festival integra as pessoas de todos os cantos da cidade para torcer pelo time do coração. A várzea desperta o melhor das pessoas e até a sua quinta edição, em 2012, nunca houve indícios de confusões ou violências. No curta-metragem sobre a disputa, A várzea na comunidade do Paraisópolis, os moradores do bairro se unem, se integram e se ajudam para arrumar o local e preparar uma


grande festa. O futebol cumpre novamente sua função. A casa é o campo do Palmeirinhas, também chamado de Morumbi da favela. Antes de o apito soar, as ruas do bairro-sede, que estão cheias de bandeirinhas por toda parte, se esvaziam. A música cantada por Elis Regina descreve o clima do lugar, que espreme seus 80 mil habitantes nas arquibancadas para ver o time jogar.

Brasil está vazio na tarde de domingo, né? Olha o sambão, aqui é o país do futebol No fundo desse país Ao longo das avenidas Nos campos de terra e grama Brasil só é futebol Nesses noventa minutos De emoção e alegria Esqueço a casa e o trabalho A vida fica lá fora Dinheiro fica lá fora A cama fica lá fora Família fica lá fora A vida fica lá fora E tudo fica lá fora Korte explica que, nos pés descalços dos meninos da favela, há também a esperança de um futuro diferente daquele que vivem hoje em dia. — A responsabilidade que é colocada sobre essas crianças é enorme. Quando começam a jogar bola, fazem isso para se divertir para se integrar com os amigos,


não para ganhar dinheiro, como alguns pais e técnicos querem que elas façam. O futebol de várzea é mais do que um campo de terra. É aqueles que o praticam e fazem dele uma passarela de grandes lances capazes de emocionar a torcida e fazer valer a pena os esforços de manter um time com a identidade do lugar. A comunidade resgata o romantismo já esquecido em meio às fortunas do mundo futebolístico e faz brilhar os olhos de quem os vê jogar. Na comunidade, o futebol é jogado sem frescuras e os dribles se tornam naturais. Com os pés no chão, da maneira mais democrática e igualitária, todos sabem que dentro das quatro linhas não há classe social. A robotização do esporte é impossível na comunidade, onde moram os terrenos irregulares e os sonhos mais profundos. A favela transpira futebol.


“A várzea existiu, existe e talvez não morra nunca. Pouco importa se não conservou o romantismo do passado. Ou a cidade de São Paulo continua a mesma?” Flávio Adauto



“Hoje, sem exagero, eu posso dizer que a gente joga no time que a gente torce. É uma coisa utópica que não iria acontecer no futebol profissional” Paulo Silva Júnior - jogador do Autônomos F.C.

“O futebol nos dá uma potente lição de democracia, pois, vendo nosso time jogar, as leis têm de ser obedecidas por todos, são universais, são transparentes, e há um juiz que as representa no calor da disputa. Além disso, fica assegurado que, diferentemente da experiência política corriqueira, as regras não podem ser mudadas por quem está perdendo ou por quem está ganhando” Roberto DaMatta, antropólogo, no livro Universo do Futebol 1: Esporte e Sociedade Brasileira


“A vantagem da Copa Kaiser é a divulgação. Se o Pioneer, da Vila Guacuri, foi campeão em 2010, automaticamente se faz a pergunta ‘Onde é a Vila Guacuri? ’.” “Não acho que a várzea vá acabar a longo prazo. Acredito que ainda tem muito espaço para ela. Não que existam muitos campos, mas sim pessoas interessadas apenas em jogar amistosos. A essência da várzea ainda pode ser encontrada sem grandes dificuldades” Diego Viñas - jornalista esportivo

“Mesmo jogando em campo de grama, os técnicos não conseguem robotizar os jogadores brasileiros. Eles se esforçam pra copiar o futebol da Europa, pra tentar mecanizar os jogadores, mas o futebol está no sangue do brasileiro” Juarez Soares - jornalista esportivo e ex-jogador de várzea


ão Paulo, 20 de outubro de 2013. Domingo de muito sol e clima de decisão na capital paulista. A Avenida Marquês de São Vicente, na Zona Oeste, lembra um estacionamento de carros a céu aberto, com uma lotação tão grande que andar um quilômetro pode levar quase meia hora. Torcedores e ambulantes vendendo refrigerantes, cervejas e lanches completam o cenário de aquecimento para a Copa do Mundo de 2014. A intensa movimentação tem dois motivos: a decisão das séries A e B da Copa Kaiser, maior torneio varzeano da atualidade. Criada em 1995, a competição é considerada por alguns o retrato da nova várzea brasileira. Campeonatos organizados, Comitê Disciplinar que analisa os lances dos jogos e suspende os jogadores, e a inserção da várzea no mundo virtual. A inscrição no torneio é feita por meio de um formulário que deve ser preenchido no site oficial, bem diferente de algumas décadas atrás quando o ofício era o modo costumeiro de se marcar um duelo. O palco das finais de São Paulo é o Estádio Nicolau Alayon, que pertence ao


Nacional Atlético Clube. Policiamento reforçado, seguranças particulares, torcedores uniformizados e presença de jornalistas para cobrir o evento. Nada ali se parece com a várzea de algumas décadas atrás. Na briga pelos títulos, quatro equipes de bairros diferentes. Na segunda divisão da Copa Kaiser, a disputa é entre o Santa Cruz, do Jardim Sinhá, e o Classe A, da Barra Funda. Enquanto na elite do torneio amador, o título será decidido entre o Leões da Geolândia, da Vila Medeiros, e o Família 100 Valor, do Jardim Panamericano. Hora de a bola rolar no belo campo de grama. Sim, nessa nova fase da várzea patrocinada, esse tipo de solo se faz presente nos grandes campeonatos. O jogo começa e logo de cara é possível perceber as semelhanças e diferenças em relação ao futebol profissional. Massagistas e maqueiros à beira do campo prontos para atender algum jogador lesionado. Arbitragem composta por cinco pessoas: juiz, dois auxiliares nas laterais e outros dois nas linhas de fundo. No melhor estilo padrão FIFA. Mas as semelhanças dentro das quatro linhas param por aí. Alguns jogadores até demonstram qualidade, mas o toque na bola, o lançamento e principalmente o preparo físico deixa escancarada a diferença entre a várzea e o profissional. No jogo entre o Santa Cruz e o Classe A, muitos erros de passes, finalizações para fora e um gol para cada lado. Empate e decisão do campeão da Série B nos pênaltis. A carreira de Rogério Ceni está perto do fim e, se o São Paulo Futebol Clube quiser um novo goleiro-artilheiro, poderá buscá-lo no Jardim Sinhá. Com aproximadamente 1,80 metro de altura, o arqueiro Maurício foi uma muralha no gol. O camisa 12 defendeu três cobranças. Não satisfeito em brilhar embaixo da trave, Maurício pediu a bola para cobrar o pênalti decisivo. Bola de um lado, goleiro do outro, e Santa Cruz campeão da segunda divisão da Copa Kaiser. Na saudosa várzea, ganhar uma partida ou um campeonato era o grande obje-


tivo. Hoje, ser campeão é apenas um degrau de uma escada muito alta. Jovens participam da Copa Kaiser na esperança de serem descobertos por um grande clube do futebol brasileiro. Isso porque, além de familiares e amigos, olheiros costumam marcar presença nas partidas decisivas do torneio. Nessa hora, todo mundo que está dentro de campo faz parte de uma vitrine de profissionais. Robson Ferreira Oliveira tem apenas 20 anos, 1,60 de altura e o desejo de se tornar um gigante da profissão mais xingada do país. Ele tenta se destacar nas beiradas do campo, da linha para fora, como bandeirinha. Inspirado pelo pai, que foi juiz amador, Robson foi árbitro assistente na final da segunda divisão da Copa Kaiser e vê na várzea um bom caminho para chegar ao futebol profissional. — Foi um sonho participar dessa final, porque eu trabalho muito para conquistar meu espaço no futebol. Faço curso na Federação Paulista, onde a gente passa por treinamentos psicológico, emocional e físico. A média de idade para chegar no profissional é de 25 anos, mas espero conseguir esse feito alguns anos antes. Um sonhando com o futuro e outro perto de se despedir dos feitos do passado. Considerado em 2013, pela Federação Paulista de Futebol, o segundo melhor árbitro do estado, Wilson Luiz Seneme, que carrega no peito o distintivo de árbitro FIFA, também marcou presença na final da Copa Kaiser. Aos 43 anos de idade, Seneme só pode apitar mais dois anos profissionalmente, e por isso mantém laços estreitos com o futebol varzeano, possível destino depois da aposentadoria. — Eu iniciei minha carreira na várzea. Apitei muitos anos em campos de terra e depois que fiz o curso na Federação consegui entrar no futebol profissional. Mas nunca deixei de trabalhar na várzea, todos os anos faço alguns jogos e participo de algumas finais.


Dos 43 anos de vida de Seneme, quinze deles foram dedicados ao futebol. Experiência mais que suficiente para aconselhar o promissor árbitro assistente, Robson Ferreira Oliveira. — A Federação não fica procurando árbitro na várzea. É diferente no caso de jogador, que há olheiro que fica assistindo aos jogos. Mas é lógico que quem apita na várzea leva vantagem. A experiência da várzea ajuda muito quem está chegando para apitar no futebol profissional. Soa o apito de Wilson Luiz Seneme e a bola começa a rolar para a final da elite da Copa Kaiser de 2013. De um lado os jogadores do Leões da Geolândia, do outro os do Família 100 Valor. O clima de decisão volta a tomar conta do Estádio Nicolau Alayon. Torcidas uniformizadas, gritos na ponta da língua – muitos para xingar o juiz – e até fogos de artifício. Assim como no jogo anterior, o forte calor em São Paulo parecia acabar com o preparo físico dos boleiros que fizeram uma parada técnica para retomarem o fôlego. Apesar da organização em campo, a qualidade técnica dos times (ou a falta dela) era parecida, e estava claro que quem aguentasse correr mais ganharia a partida. Foi justamente usando a velocidade que em dois contra-ataques os jogadores do Leões da Geolândia conseguiram marcar dois tentos e faturar o título da elite da Copa Kaiser. Festa dos jogadores, da torcida e de toda a Vila Medeiros. Por mais que a Copa Kaiser seja a menina dos olhos de muitos times de várzea de São Paulo, ela está longe de ser unanimidade. Equipes mais tradicionais relutam em participar do torneio, que por muitos não é considerado um campeonato varzeano. A várzea deste início de século não é só feita de campos de grama, times com patrocínios e campeonatos organizados. A essência varzeana ainda se faz presente em muitos cantos da cidade. Partidas em campos de terra, times formados por moradores do mesmo bairro e a desorganização no momento de ir para os jogos. Tudo para


tentar manter, ou resgatar, uma tradição que está caindo no esquecimento da sociedade. Centro-avante do time Autônomos F. C., Bruno Leite Cabral, conta que apesar do campo com grama ser melhor, o terrão carrega histórias que o verde não tem. — Prefiro jogar num campo de grama, mas a várzea é tradição. Se eu jogar o ano inteiro em campo de grama vou enjoar, vai ficar monótono. Quando a gente joga na várzea e vem para um lugar diferente, vive outras experiências, é bacana. Se eu jogar um ano na grama, por exemplo, vou sentir falta do terrão. Tradição que talvez tenha começado durante os festivais e o campeonato de A Gazeta Esportiva (ainda nos anos 1950) e depois se consolidado na época do Desafio ao Galo (décadas de 1970 e 1980), uma espécie de Copa Kaiser da antiga geração. As semelhanças são muitas: um campeonato organizado, que contava com o apoio da imprensa e era visto com maus olhos por algumas equipes. O Toninho, presidente do Vila Formosa, atrela o patrocínio e a estrutura elitizada ao declínio do futebol de raiz. — O Desafio ao Galo não era várzea. Era mais profissional, igual à Copa Kaiser é hoje. Se não tivesse dinheiro você não entrava lá. Para um clube participar do Desafio ao Galo tinha que pagar uma taxa de R$ 1.500,00. O jornalista Juarez Soares entra para o time daqueles que acreditam que a competição não faz parte do mundo mágico do futebol de várzea. — Os jogadores que participam da Copa Kaiser jogam pelo menos três vezes num final de semana. Eles ganham quase R$ 1.000,00 para fazer isso. É um padrão diferente da várzea, não é mais aquele que o olheiro ia ver o cara jogando sem chuteira, que o pessoal honra a camisa do bairro, que os jogadores têm que driblar os adversários e os buracos do campo. Esse lado romântico fica de fora desses torneios. Os torcedores também não parecem satisfeitos. O que antes era um encontro entre amigos para se divertir e beber uma cerveja, agora virou um passeio


organizado de forma profissional. Na final da Copa Kaiser, ainda que a patrocinadora seja uma marca de cerveja, a venda de bebida alcóolica estava proibida, irritando alguns torcedores na fila da lanchonete. — Esta Copa Kaiser está parecendo mais uma Copa Minalba. Só vende água. Não é só a falta de cerveja que afasta alguns fãs e times do torneio. O Autônomos, como o próprio nome já deixa subentendido, é uma união de pessoas que lutam contra um sistema e batem o pé quando o assunto é a Copa Kaiser. Vitor Birner, que você já conheceu em capítulos anteriores, é o treinador da equipe há quase três anos. O jornalista confessou já ter pensado em inscrever o Autônomos na disputa, mas a diferença de ideologia entre os times participantes o fez mudar de ideia. — Equipe de várzea é uma equipe de bairro, do pessoal que é amigo, que se reúne e gosta de jogar bola. Ninguém no Autônomos sonha em ser jogador profissional. É preciso ter os pés no chão e noção de quais são os limites éticos em relação ao seu hobby. Precisa haver um limite. Se, por exemplo, a prefeitura de São Paulo decidisse colocar na camisa do Autônomos um patrocínio, nós não aceitaríamos. Não vamos aceitar. Não aceitamos patrocínio nenhum. Equipes saudosistas, como o Autônomos, preservam rituais sagrados na várzea. O transporte público de hoje é muito mais acessível do que era há cinquenta anos, mas na hora de unir a equipe e ir para a partida, todos preferem ir apertados num carro popular. No terrão não tem bandeirinha. O juiz sofre mais. A torcida escala o alambrado e se pendura em árvores para ver o time jogar. No campo marrom, às vezes vermelho, as diferentes gírias se fazem entender. Os nomes dão lugar para os apelidos e o tempo de partida é reduzido. Daniel Carvalho, o D2, atacante do segundo quadro do Autônomos, conta que as condições precárias da estrutura


são compensadas pelo laço de “irmandade” que o clube formou. — A gente joga trinta ou sessenta minutos. Depende do sol, do quanto a gente aguenta. O que eu mais gosto do nosso time é essa bagunça. A gente não aquece, não alonga, mas estamos lá em campo. Formamos uma família mesmo. A várzea continua sendo um lazer. Um prazer. Vivendo numa cidade em que a pressa é a principal característica dos moradores, alguns poucos e bons ainda reservam algumas horas da semana para a bolinha com os amigos. — Ficar desesperado quando o pessoal responsável pelo uniforme demora para chegar, dar risada junto, montar a estratégia do jogo, xingar o cara que erra o passe, tomar a cerveja depois do jogo, enfim, tudo isso faz com que a gente queira continuar neste mundo da várzea. Dinheiro, fama e status. Tudo parece girar em torno disso na sociedade atual. O mundo capitalista em que vivemos passou a marcar presença nos antes humildes campos de terra. As chuteiras agora são coloridas, iguais às das estrelas do futebol. O cabelo imita o do ídolo. O mundo profissional entrou no varzeano. Mas ele não irá dominar. Onde existir um espaço para uma criança chutar uma bola ali estará a essência do futebol de várzea. Seja num gramado com estrutura profissional ou num campo de terra. Seja entre amigos ou entre competidores. Seja para se divertir ou para ganhar. Seja para buscar um sonho ou apenas para sentir o prazer de chutar uma bola. Seja na Zona Norte, Sul, Leste ou Oeste. Mas seja várzea. Seja, viva, conviva e compartilhe. Essa rica parte da história do nosso futebol pentacampeão do mundo não pode morrer.




Maspoli, goleiro do Uruguai, consola Zizinho, da Seleção Brasileira / Crédito: Reprodução


Itália e Brasil prontos para a final da Copa de 70 / Crédito: CBF/Reprodução

Charles Miller (quarto da fileira do meio), pai do futebol brasileiro, com o São Paulo Athletic Club / Crédito: Reprodução



Uma das equipes mais tradicionais, a SDR, posa para foto em uma das edições do Desafio ao Galo Crédito: Portal Terceito tempo/Que fim levou


Equipe do SDR agradece à Record pela transmissão do Desafio ao Galo / Crédito: Portal Terceiro Tempo/Que Fim Levou


“Team Leaders” do Desafio ao Galo / Crédito: Portal Terceiro Tempo/Que Fim Levou


Uma das diversas equipes em que Tatu fez parte / Crédito: Núbia Anacleto

Tatu com uma foto de sua juventude nos campos de terra / Crédito: Núbia Anacleto


Tatu mostrando diversas fotografias das épocas douradas do terrão / Crédito: Núbia Anacleto


Chulapa e Dinei, ambos que começaram a carreira no terrão, em evento no Grêmio Esportivo Dramático e Recreativo 7 de Setembro / Crédito: Site do G.D.R. 7 de Setembro


Tatuagem que rendeu o apelido a Tatu / Crédito: Núbia Anacleto


Álbum de recordações da várzea de Chiquinho / Crédito: Camila Lima


Chiquinho lembra com saudades das hist贸rias do PretoxBranco / Cr茅dito: Camila Lima


Pequena parte da parede de fotos do Flor de São João Clímaco / Crédito: Camila Lima

Equipe Preta, em uma das edições do PretoxBranco / Crédito: Camila Lima


Benedito Sapateiro (fundador do Flor de São João Clímaco), Pneu e Teia / Crédito: Camila Lima

Projetos sociais na várzea são essenciais para as crianças da comunidade / Crédito: Thiago Fatichi



Campo à esquerda, linha do trem no centro e construção de um condomínio à direita / Crédito: Thiago Fatichi


Com a especulação imobiliária, muitos campos acabaram se tornando condomínios / Crédito: Thiago Fatichi

Ainda hoje vários campos resistem à força do concreto / Crédito: Thiago Fatichi


Prédios cada vez mais fazendo parte da paisagem dos campos de várzea / Crédito: Thiago Fatichi


Passaporte de NenĂŞ com carimbo do Catar / CrĂŠdito: Mayara Nukamoto


Jornal do Catar com reportagem sobre Nenê / Crédito: Núbia Anacleto


NenĂŞ e seus primeiros passos na carreira / CrĂŠdito: Arquivo pessoal


Nenê atuando pelo Ajax na Copa Kaiser / Crédito: Milton M. Flores/UOL

Elias comemorando gol com Ronaldo / Crédito: Daniel Augusto Jr/Ag. Corinthians


Medalhas de NenĂŞ / CrĂŠdito: Mayara Nukamoto



Hoje_01 – Decisão por pênaltis na final da Série B da Copa Kaiser / Crédito: Thiago Fatichi

Torcida do Leões da Geolândia na final da Copa Kaiser / Crédito: Thiago Fatichi


Jogadores do Autônomos durante partida contra o FFLCH / Crédito: Thiago Fatichi

Exposição de camisas de várzea no encontro “Estéticas das Periferias”, no Museu do Futebol / Crédito: Thiago Fatichi


União do Autônomos F.C. / Crédito: Thiago Fatichi


Vitor Birner orienta os atletas do Autos / CrĂŠdito: Thiago Fatichi



Santa Cruz levanta troféu da Série B da Copa Kaiser / Crédito: Thiago Fatichi



Autônomos também garantiu seu troféu em 2013 / Crédito: Reprodução



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Sete apaixonados por esporte e jornalismo resolveram resgatar a essência do futebol brasileiro, mergulhar nos campos de terrão da cidade de São Paulo e escrever um livrorreportagem que contasse os sonhos e histórias de pessoas que viveram e vivem nesse meio apaixonante. Camila Lima, Guilherme Farias, Letícia Cislinschi, Mayara Nukamoto, Núbia Anacleto, Thamiris Rezende e Thiago Fatichi são estudantes da Universidade Metodista de São Paulo estão concluindo o curso e fazem desta obra a etapa inicial para se consagrarem em grandes empresas de comunicação do país. Comandados pelo professor Rodolfo Martino, dividiram o time e se empenharam para apresentar um livro que resgatasse as boas memórias dos leitores que já tiveram uma bola de capotão nos pés ou um sonho com o futebol na cabeça.


O livrorreportagem Nas Linhas da Várzea conta histórias que resgatam o amor pelo futebol de raiz, jogado em campos irregulares de terra e com disputa intensa entre os times, normalmente formados pelos amigos do bairro. O clima de disputa e festividade alegra a torcida e faz entender por que o Brasil é o país do futebol. Entre as histórias de vida aqui selecionadas, aparecem o sonhador que acredita em um futuro com a bola e o jogador que saiu da várzea e chegou à Seleção Brasileira. O livro também conta histórias de pessoas que viveram no auge do futebol amador brasileiro, com todos seus perrengues e jogadas que ficarão guardadas para sempre na memória. Você também conhecerá o dono de uma construtora que destruiu o campo em que jogou (“se não fosse eu, seria outro”) e terá opiniões de comentaristas esportivos, jornalistas e psicólogos desportivos que o auxiliará a entender o mundo do terrão.

A várzea nunca morre.


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