Tabloide Cultural Cearense
Tabloide Cultural Cearense O informativo que traz tudo o que você quer saber sobre cultura.
Nessa edição traremos o I Festival Internacional de Folclore do Ceará, o encontro dos mestres do mundo e uma entrevista com a presidente da comissão nacional de folclore a professora Lourdes Macena.
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Tabloide Cultural Cearense
» FESTIVAL DE FOLCLORE
Cores, ginga e curvas
Grupos de várias regiões do País se encontram em Fortaleza para reafirmar a cultura popular tradicional
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Centro Cultural Dragão do Mar e outros quatro espaços da cidade receberão o I Festival Internacional de Folclore do Ceará. Grupos que começaram pesquisando manifestações são hoje eles próprios difusores da tradição. Também será discutida a importância das danças populares como uma ação educacional. Desejo antigo dos artistas da cultura popular do Ceará, o festival envolve 18 grupos e, dessa forma, cores e baticuns com maracatu, vaqueiros de marajó, lundu, carimbó, ciranda, siriri, cururu, rasqueado, curussê, coco, pastoril e quando, por exemplo, o bumba-meu-boi do Maranhão pisar o terreiro será mostrando que é singular a velha história do boi que perdeu a língua por um desejo de grávida. Brasil de dentro
Até o fechamento da edição, foram confirmados grupos de quatro regiões do País. Cada um diz cores e ritmos que influenciam a Nação. Entre eles, os regionais do Ceará e representantes de etnias da Ucrânia e da Irlanda: Balé de Cultura Popular Mário Covas (RN), Cia de Projeções Folclóricas Raízes (PB), Grupo Folclórico Boi de Morros (MA), Grupo Parafolclórico Vitória Régia (MT), Cia de Arte Universo e Dança (RS), Balé Folclórico da Amazônia (PA), Grupo Folclórico Ucraniano Brasileiro Vesselka, Cia de Dança Irlandesa Banana Broadway. O Festival leva o nome de internacional (porque cita Ucrânia e Irlanda?), mas é tudo manifestação do Brasil - até quando se representa a cultura de um povo estrangeiro, é o olhar brasileiro quem o faz. E como isso não diminui em nada a sua importância, tantos retratos do Brasil formam um quadro mundial, dada a nossa formação
étnica. Então estamos resolvidos. A transfiguração, quando ganha curvas, cores e gingas, até parece que deixou de ser manifestação cultural popular quando começou em uma escola, como “resgate”. É também essa a discussão entre as manifestações folclórica e parafolclórica, sendo esta a projeção (geralmente didática e erudita) daquela (espontânea). Tudo se misturou e confundiu no Grupo Boi de Morros, que surgiu por vontade de uma professora da Escola Normal de Morros, pequena cidade no Maranhão. Reinventando a roda
Dona Maria Marlene queria uma forma de recrear a meninada. Criou, 36 anos atrás, o ´boizinho´ da escola, intitulando „A Alegria dos Estudantes“. Quando não pode mais tomar de conta, passou para José Lobato a tarefa, que, sem apoio, não resistiu mais que três anos. O filho dele nem queria saber de boi e Catirina, a donzela da história. Mas no leito de morte, Lobato Pai disse ao Lobato Filho que “não deixe o meu bumba-meu-boi acabar”. Dito e feito. O boi não só não morreu como ganhou músicas novas, danças novas e um roteiro que o diferencia dos outros “bumbas” espalhados pelo Brasil. O enredo é velho, mas é a forma como se conta que muda toda a história. “Fazemos um auto a céu aberto, teatralizando as falas de Chico e Catirina conforme o tema de cada ano. Amor, fraternidade, solidariedade, uma hora falando dos problemas sociais, em outro da preservação do meio ambiente. A nossa comunidade é pequena, pobre, mas com o boi levamos a nossa voz para o mundo”, afirma Lobato Filho, sem nenhum esforço de expressão:
desde 2010 o grupo viaja pelo Brasil e países como China, Coreia do Sul, França, Holanda, Suíça e Bélgica. Vão a convite e patrocínio dos próprios festivais. “A depender de garantia dos governos a gente não saia nem da cidade”. Na origem, o Boi de Morros, do Maranhão, diferencia-se de manifestações folclóricas mais antigas, a exemplo do centenário Boi Pai do Campo da Faceira, numa comunidade de Limoeiro do Norte, sertão cearense. Aqui foram homens atravessando gerações fazendo do “boi-pai” o sagrado e recreativo. O tempo tem elevado o status do Parafolclore, como uma projeção didática da cultura popular tradicional. “É folclore mesmo, porque até sendo numa escola, não por causa dos valores culturais de uma comunidade, tudo tem seu começo”, diz Lobato. Boi de Morros, que começou da ideia de uma professora, hoje representa a vontade de um pedaço do Estado do Maranhão. Valorização
O I Festival Internacional de Folclore do Ceará é a oportunidade encontrada para as grandes manifestações do nosso Estado. “Temos um acervo cultural imenso nas áreas de dança, música, culinária, e precisamos valorizar isso”, afirma Sheila Fernandes, da comissão organizadora do evento. Uma oportunidade singular para os Cearenses do Afoxé Oxum Odolá, dentre tantos, apresentando amanhã a “dança dos orixás africanos”. Dança não vai faltar. Nem gente, nem debates. Em três dias, a reafirmação das singularidades em corpo e voz vai colorir o terreiro-Fortaleza.
Mais Informações: I Festival Internacional de Folclore do Ceará. De 23 a 25 de novembro, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura e outros espaços. Contato: (85) 3023.3064
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» FESTIVAL DE FOLCLORE
Encontro Mestres do Mundo
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Encontro Mestres do Mundo é um evento que reúne milhares de pessoas, artistas cearenses, de diversas partes do país e também de outros países. Não só artistas e a comunidade ele alcança, com ele junta quase uma centena de pesquisadores e curiosos da cultura popular. Oswald Barroso (2008) afirma que o encontro tem uma semana de duração, onde as pessoas terão diversas atividades, como a primeira delas, as rodas de mestres, que se dividem entre os mestres das artes e ofícios (artificies e artesãos), mestres brincantes (de festas e folguedos), mestres do sagrado (práticas religiosas e animistas), mestres da oralidade (poetas, improvisadores e contadores de histórias) e por último os mestres dos sons (músicos e dezenas de construtores de instrumentos). A partir de 2010 é encontrada uma mudança nos nomes dos grupos, onde ficou definido como Roda de Sons e Corpo, Sagrado e Oralidade e Roda das Mãos. A cada ano tem sido realizados Seminários com temas determinados, reunindo especialistas e pesquisadores para debater sobre os temas propostos. Os Mestres presentes ao Encontro têm um momento próprio entre si, que está na atividade Relato dos Mestres, onde discutem suas atuações junto aos seus grupos e comunidades e trocam experiências, possibilitando a aproximação entre os Mestres e grupos que vem de diversas partes do estado do Ceará. A quarta e última atividade do dia é a apresentação pública de espetáculos e brincadeiras nas praças das cidades. Além de toda essa programação encontramos
também barracas com exposições e vendas dos produtos artísticos e gastronômicos. Os Mestres da Cultura são registrados na lei estadual n° 13.351 de 27 de agosto de 2003. Em 2006 essa lei é revisada e é acrescentada a manutenção de grupos e coletividades, e recebem o nome de Tesouros Vivos da Cultura, onde terão um salário que ajudarão nessa divulgação do saber coletivo. Todos os anos abrem editais em nosso estado para receber novos mestres. São efetivados 10 mestres a cada evento, não ultrapassando os 60. O encontro proporciona também aos mestres, o reconhecimento. Servindo assim para estimular nossos tesouros vivos, mostrando sua importância no meio artístico. Os mestres recebem uma homenagem simbólica das mãos de representantes do evento, oficializando sua presença. As atividades são distribuídas em vários horários como pela manhã, onde é feito a parte prática, desenvolvendo a troca entre os mestres e os participantes. Á tarde são os seminários acadêmicos com temáticas predefinidas juntamente com pesquisadores e estudantes. Há também um espaço para o relato dos mestres, acompanhado de um facilitador que o ajudará em sua fala. É um momento em que são compartilhadas suas experiências, relatando numa conversa informal. Já á noite, é a hora em que todos partem para aproveitar as apresentações artísticas no palco mestre. No palco mestre é onde acontecem todos os shows, os encontros musicais e os espetáculos de dança dos grupos. Nesse espaço a comunidade, os estudantes, os partici-
pantes em geral aproveitam para colocar o que aprenderam com os mestres. Ouvindo e dançando a boa música folclórica numa espécie de arena. No local acolhe não só pesquisadores, mas também a família. Como crianças e adolescentes acompanhados de seus pais, avós formando uma verdadeira festa popular. Outro ponto nessas atividades é palco território, um espaço democrático onde as pessoas, artistas se apresentam de forma espontânea, sem ter nada definido, é uma área em que é livre para apresentações, já para haver essa interação com o público e também uma inovação no meio de todo o encontro dos mestres. A terreirada, também chamada de mestre convida, é um momento em que um dos mestres mostra seu dia a dia para os outros mestres, de maneira onde haja uma interação. É uma troca importante entre esses tesouros, pois mantem cada vez mais vivo essa “chama” da cultura popular. Voltando a falar sobre o seminário, o encontro dos mestres nesse momento passa a discutir sobre várias questões, como dito anteriormente com temas predefinidos, usam o espaço para colocar planos, e ideias para que se consolide trazendo a cada ano novas temáticas e um melhor evento e contribuindo para que haja dentro dessas políticas públicas a preservação do patrimônio.
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» ENTREVISTA
Maria de Lourdes Macena
Doutoranda em ciência da tecnologia pela Universidade do Paraguai, conselheira cultural do estado, possui Mestrado Profissional em Turismo com dissertação sobre festas populares e graduação em Licenciatura Em Música pela Universidade Estadual do Ceará. Atualmente é ativa permanente classe especial do Instituto Federal do Ceará(IFCE).É presidente da Comissão Nacional de Folclore. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Folclore/ cultura popular, atuando principalmente nos seguintes temas: cultura cearense tradicional, arte-educação, arte nordestina, folclore cearense e turismo cultural.
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TCC - Além do seu trabalho, existem outros trabalhos na cidade. O que você tem a dizer sobre eles? Maria de Lourdes Macena - Cada grupo se organiza, tem um objetivo, uma ideologia, um perfil com o seu trabalho. Então, assim por exemplo, tem alguns grupos que tem um objetivo puramente artístico, o que não é errado. Ele tem um objetivo de fazer um bom espetáculo tendo como tema de inspiração para seu trabalho a tradição popular, mas que ele quer, por exemplo, é fazer uma performance que dentro da sua estética esteja coerente com o que ele acha que , com essa coisa do bonito esteticamente. Então de repente , ele acha perfeitamente correto colocar elementos que são esteticamente necessários para aquilo, para atender um público, mas que na verdade aqueles elementos não condizem no contexto daquela expressão cultural utilizada. Acho que cada grupo tem que está coerente com os objetivos de seus trabalhos. O que não pode é o grupo dizer que está trabalhando em prol de difundir a questão da identidade cultural e distorcer seu foco. Ai ele estará vendendo gato por lebre. TCC - No geral, a Lourdes Macena se dedica nos dias de hoje a quais atividades? Maria de Lourdes Macena - Bom,hoje estou me dedicando a questão do doutorado, por que estou escrevendo um trabalho e tenho que defender em janeiro, então estou tentando driblar a situação de uma maneira que eu possa me dedicar mais a isso. Estou desenvolvendo dois projetos e um desses está ligado ao meu doutorado que é o Digital Mundo Mira Ira que tem a ver com a educação patrimonial nas escolas públicas e o outro que o grupo ganhou do PROERT que é Mira Ira Sertão adentro que é um trabalho que iremos fazer em nove municípios com IDH mais baixo. Então vamos viajar com 40 alunos para esses municípios atuar lá de maneira que esse resultado desse trabalho possa colaborar com as escolas deles. TCC - O que é a Comissão Cearense de Folclore? Maria de Lourdes Macena - A comissão cearense de folclore é um dos braços da Nacional. A comissão nacional de folclore tem em cada estado um braço, que é a atuação da nacional ali naquele local, através de um eixo que é regionalizado. A comissão existe desde a década de 40 quando essas comissões foram criadas.Ela no inicio trabalhou com muitas figuras ilustres como o apoio da família Galeno, é tão verdade que sua sede funciona desde seu inicio na casa de Juvenal Galeno, que hoje é tombada pelo patrimônio do Ceará. Teve a frente Dalva Estela, Miriam Carlos, Eduardo Campos e eu. Hoje quem coordena é Clerton Martins. Atualmente na Comissão ingressou jovens pesquisadores, pois por muito tempo ficava com um grupo de estudiosos de uma idade mais avançada. TCC - Hoje um dos maiores eventos voltados a cultura popular, tradição e a troca de experiências dos profissionais de folclore é o Encontro
dos Mestres do Mundo. O que Lourdes Macena pode nos dizer sobre esse evento? Maria de Lourdes Macena - Primeiramente, quando a gente ver os outros estados na federação, essa preocupação com a questão da organização dos mestres, da lei dos mestres da cultura popular, essa questão da valorização dos saberes tradicionais, isso trouxe coisas assim extraordinárias. Impulsionou os mestres locais de maneira que isso estabelecesse um olhar de valorização sobre eles. Há uma particularidade no evento dos Mestres do Mundo que é essa preocupação em fazer um evento não com eles para os outros mas um evento deles para eles, então assim a coisa mais importante é o encontro deles mesmos. No encontro você ver a roda dos saberes das mãos onde vão vários artesãos compartilhar suas experiências uns com os outros, e assim vão os de oralidade, religiosidade popular e os mestres do corpo que trabalham com essa questão da dança. Defino como um momento singular, ímpar. TCC - Como é a relação da mídia e a cultura popular nos dias de hoje? O conteúdo que eles possuem e transmitem é coerente? Maria de Lourdes Macena - Eu dou muita entrevista, tenho muitos contatos, tenho na parte do jornal como também na TV. O olhar que eu tenho hoje é que isso tem me favorecido uma certeza, acho que há uma má formação nos cursos para trabalhar com cultura popular. Eu digo isso pelas perguntas que são elaboradas, na forma de como eles não tem idéia nenhuma com o conteúdo que vão trabalhar com os profissionais, não tem noção da arte local, entendeu? As vezes nós temos que orientá-los para poder a gente não ter que dizer “ao vivo” que aquilo é uma besteira. Sei que as pessoas não precisam saber de tudo, mas a cultura do seu lugar, acho que é o mínimo que a universidade poderia dar, um envolvimento com esses saberes. TCC - Como funciona a oferta de espaços cedidos pelo governo para quem assim como você desenvolve este tipo de trabalho? Existe esse amparo cultural? Tanto no governo do estado como no governo municipal, eles é que fazem os projetos. Por que é uma coisa que eu não tenho conseguido compreender. Eu não acho que seja função do governo fazer evento. O governo é um administrador de recursos para poder facilitar os eventos dos artistas. Quem vai organizar isso são os artistas. Eles fazem os projetos, dentro deles já estabelecem um cachê. Por que ele acha o seguinte, se ele vai contratar uma banda que vem não sei de onde, ele vai pagar vinte mil reais, trinta mil reais, mas se ele vai pagar o grupo de coco do Iguape, ele que está fazendo o projeto já diz “nós vamos botar aqui 500 reais”. A minha resposta é, existe projeto sim, mas na forma como o governo entende que deve apoiar essas camadas populares. •