Wolfpire

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WOLFPIRE

O que acontece quando uma lobisomem ĂŠ mordida por um vampiro?

Camila Mello


I Book Judy Transformações

Eu adorava aquela cidade. Ficava ao sul da Noruega e chamava-se “Fanía”. Era uma terra muito chuvosa, com muitas montanhas, vegetação e pouco Sol. Eu sentia bastante falta do calor do Sol, eram raros os dias em que ele aparecia. Quando isso acontecia, eu passava o dia todo em campo aberto me banhando com seus raios. Não que eu precisasse - minha pele já era morena o suficiente mas eu gostava. Era fevereiro e estava chovendo. Acordei com muita fome. Seria mais um dia de intenso treinamento, e só de pensar, já me sentia cansada de novo. Esse último meses têm sidos complicados para mim. Sempre soube que um dia me tornaria uma lobisomem, mas descobri que não estava preparada para isso ainda. Tudo aconteceu de repente. Estava voltando para vila, quando vi minha mãe sendo ameaçada por caçadores. Ela estava transformada e eu sabia que ela era forte quando estava assim. Porém tratavase de seis homens munidos de armas a encurralando em uma árvore, e tive medo que ela não se salvasse. Inesperadamente comecei a sentir todo o meu corpo tremer. Mal conseguia me manter de pé com os tremores involuntários quando um calor imenso me atingiu. Por um momento pensei que pudesse ser a raiva que estava sentindo, mas estava enganada. Meu corpo todo se inchou e a roupa não pôde se moldar ao meu novo tamanho. Quando dei por mim, estava sob quatro patas e cercada de pêlos marrons. Fiquei muito assustada. Eu sempre imaginei que isso aconteceria comigo, mas não assim, não com 17 anos. Não precisei pensar muito, os instintos fizeram o serviço por mim. O perfume daqueles humanos era fascinante e, se não fosse o instinto de salvar minha mãe, eu os teria aniquilado. Soltei um rosnado ensurdecedor e deixei meus dentes afiados à mostra. Os caçadores se viraram para ver de onde vinha o grunhido – eu estava atrás deles -. Aterrorizados, deixaram suas armas caírem no chão e saíram correndo na direção contrária a minha e da minha mãe. Disseram-me que era muito cedo para a transformação e que isso só aconteceu, devido à liberação exagerada de adrenalina. Por um lado, eu fico feliz que isso tenha acontecido àquela hora. Quem sabe se minha mãe estaria aqui hoje caso contrário? Isso faz apenas cinco meses, e eu ainda não me acostumei. O treinamento começou porque há três semanas eu persegui um casal de humanos que trocavam


carinhos na selva. Eu estava andando pela selva à procura de animais para me alimentar – não que não tivesse comida humana em casa, mas eu precisava aprender a caçar e lutar com os animais para uma eventual emergência. Infelizmente, o cheiro do casal me atraiu de uma forma monstruosa. Comecei a perseguir o cheiro, com as narinas infladas. Era mais forte que eu. Nem passou pela minha cabeça me concentrar. Como eu já havia saído de casa há muito tempo, meus pais foram até a selva ver o porquê da minha demora. Eles me encontraram bem na hora que eu estava quase saltando sobre casal para mordê-los e me impediram. Todos nós estávamos em forma de lobo, mas os humanos não chegaram a nos ver. Apenas ouviram um estrondo enorme quando meu pai pulou em cima de mim e me jogou no chão, mas nada que eles pudessem contar a ninguém. De lá para cá, fui obrigada a passar por um treinamento. Ele consistia em aprender a controlar meus instintos e minha fome. O cheiro da carne humana era deliciosa para os Lobisomens. Nós a chamávamos de “droga”, porque era assim que ela era para nós. Uma vez sentido o cheiro, era extremamente difícil de controlar a fome e o impulso. O que eu fiz aquele dia, não foi nada mais do que seguir minha vontade. Não era motivo de repulsa, mas era errado. O nosso bando tinha como princípio básico não tirar a vida de humanos inocentes. Perto de Fanía, havia uma cidade muito populosa, Oslo. Então, frequentemente os humanos entravam nas selvas e vilas para fazerem trilhas, explorar. E eu corria o perigo de atacar mais pessoas. Eu julgava importante o treinamento, mas era cansativo. Fisicamente e mentalmente. Transformei-me ainda em casa, era extremamente desconfortável quando eu voltava ao meu estado normal, nua na frente de todos aqueles lobos. Apesar de saber que era natural, ainda não estava acostumada a isso. Minha mãe fez um café da manhã reforçado para mim. Eu poderia caçar antes de ir lá, me sustentaria mais, mas era muito cedo e eu queria chegar descansada ao treinamento. A academia do Professor Thompson ficava perto de onde eu morava. Era um espaço pequeno e aberto, todo de terra. Havia alguns cercados - espécies de arenas - onde os lobos praticavam os golpes em lutas. Fui até lá correndo e cheguei em apenas dois minutos. Para um humano normal correndo, o percurso demoraria cerca de quinze minutos. Os lobos eram naturalmente mais velozes do que os humanos. As quatro patas nos davam mais velocidade e firmeza. O espaço da academia não era muito utilizado. Geralmente, só os mais avançados ficavam lá. Os menos experientes, como eu, treinavam na selva. Esse era o primeiro estágio. Aprendíamos a lidar com a selva e seus perigos. Conhecíamos tudo, treinávamos nossos movimentos em meio às árvores e pedras que ali ficavam.


Assim que avistei o Professor Thompson, ele me levou para a floresta. Já transformado em lobo, ele era mais rápido e maior do que eu. Seu pêlo era grisalho e isso não se devia aos seus 49 anos. Desde jovem ele era grisalho, mesmo na forma humana. Ele ia à frente e eu tinha de alcançá-lo, essa era a primeira lição: ser ágil. O professor era extremamente rápido e eu quase nunca conseguia chegar até ele. Estava disposta a acabar logo com essa estatística. Quanto mais rápido e melhor eu conseguisse fazer as tarefas, mais rápido acabaria com aquilo. Empenhei-me muito, dei o melhor de mim, corri, corri, corri... e alguns quilômetros depois, eu o peguei. Saltei em cima do lobo e ele parou de correr. - Há! Cheque-mate cachorro – uivei para ele ainda em cima dele. Quando estávamos transformados, não falávamos feitos humanos e sim uivávamos. Era totalmente entendível, saía como uivos aos ouvidos humanos, mas para nós eram perfeitas palavras. Ele sorriu com o que eu disse e me tirou de cima dele. - Parabéns Judy. Está bem melhor. Logo não precisará vir aqui mais, menina. – seu tom sempre bastante carinhoso comigo. O professor me chamava sempre de menina. Ele dizia que eu era muito nova para ser encarada como uma lobisomem adulta – eu ainda tinha 17 anos. Voltamos, novamente correndo, para a academia de treinamento, e iniciamos o próximo treino. Esse era o mais difícil. Ele me guiava até perto de Oslo e eu era obrigada a farejar o cheiro dos humanos, e me controlar. Era bastante arriscado, várias vezes eu me descontrolei e quis entrar como lobo na cidade. Por isso, o professor sempre ia junto, e me segurava quando necessário. Dessa vez chegamos bem perto da cidade, mais do que das últimas vezes, e o cheiro era insuportavelmente maravilhoso. A droga estava bem perto de mim e minha boca salivava aos montes. Era impressionante como ele lidava bem com isso. Esperava um dia chegar ao mesmo nível que ele. Eu estava sendo consumida por aquele cheiro. Cheguei a dar um passo para frente. Minhas narinas queimavam de fome e de desejo. O professor me olhava intensamente, como quem diz “você consegue menina”. Desviei meu pensamento da droga. Pensei em como eu tinha conseguido ganhar do professor hoje, como estava feliz. Fazia quinze precisos minutos que eu estava ali, e não havia dado mais nenhum passo. Olhei para o Sr. Thompson, e ensaiei um sorriso. Não poderíamos uivar ali, todos ouviriam e os caçadores poderiam ser avisados. Mesmo sem uma única palavra, ele me entendeu. Dei meia volta e voltamos para a academia. - Parabéns de novo Judy! Hoje você está se superando – esfregou seu focinho perto do meu, em


forma de carinho. - Obrigado, professor – abaixei minhas orelhas para receber seu agrado. A última parte do treinamento era para trabalhar o equilíbrio e a agilidade em quatro patas. Eu subia e descia em árvores, pulava obstáculos, quebrava galhos e outras coisas com as patas e os dentes; enfim tudo que me deixasse mais rápida e esperta. Aprendíamos isso para nos defender dos caçadores e de animais maiores - e nada mais além disso. Não usávamos muitas vezes todas nossas habilidades, mas precisávamos estar preparados sempre. Voltei para minha casa feliz e ansiosa para contar as novidades para minha família. Para chegar à Fanía de Oslo pegava-se uma estradinha curta de terra. De carro dava uns 10 minutos. Era distância o suficiente para o cheiro não nos incomodar e também para não sermos vistos em formas não-humanas. Minha casa, cor de creme, tinha dois andares. Eu e meus pais dormíamos em cima – eu era filha única. Em baixo ficava a sala, dois banheiros, a cozinha e a varanda. A entrada da minha casa dava de frente para vila que morávamos. Era a principal vila de Fanía. Meu pai se chamava Carl Stanley e ele era um lobo de meia idade, nascido em 1959. Bastante forte e alto, ele era o lobo alfa. Era conveniente como a aparência do meu pai transpassava exatamente seu jeito. Sua face redonda vinha sempre acompanhada de uma barba grossa e preta. Seus olhos eram grandes e incisivos. Seu cabelo liso chegava a tocar seus ombros, mas mesmo assim, davam um ar sério a ele. A pele escura remetia a uma vida saudável ao ar livre e, bom, em partes, podemos dizer que aquilo era verdade. Contaram-me que ele queria um filho homem, mas, por sorte, eu também sofri a transformação e isso o deixava feliz. Ele não queria que nossa família se perdesse. Eu não poderia ser um lobo alfa, mas meu marido seria, e nossos filhos também. E o trono continuaria a ser nosso. Meu avô paterno era um lobo alfa também, mas minha vó nunca se transformou. Por sorte meu pai seguiu a linhagem. Carl trabalhava em uma marcenaria em Oslo. Ele já estava acostumado com a droga, então não tinha problemas para ele. Além da marcenaria, meu pai tinha o dever de “tomar conta” de Fanía. O alfa sempre tem o poder e a voz em um clã. Isso às vezes o perturbava, o poder nunca o atraiu, mas ele sabia que era importante haver regras. Minha mãe, Sarah Stanley, era igualmente uma loba de meia idade. Diferente do meu pai, mamãe tinha uma aparência tranquila. Seus cabelos ondulados iam até o meio da cintura e seus olhos eram bem claros - verdes como esmeralda. Essa era a característica mais marcante da minha mãe. Seus


olhos claros destoavam totalmente de seu rosto escuro. Eles a faziam brilhar, era como Sol em meio à noite. Meus avós maternos eram lobos, os dois e seria raro se ela não se transformasse. Ela não trabalhava fora de casa. Sarah cuidava de mim e dos afazeres domésticos. Ela era bastante doce comigo e, segundo meu pai, permissiva demais. Ele era mais severo comigo. A primeira coisa que fiz ao chegar em casa, antes de contar as novidades, foi voltar a ser humana. Ali, não costumávamos ficar sobre quatro patas, só em raras exceções. - Mãe, pai, corram aqui – eu os chamei para a sala. Minha mãe foi a primeira a chegar, com um pano de prato na mão – ela estava secando a louça, como de costume. - Judy, que foi querida? Como foi no treinamento? – mamãe chegou em um segundo na sala, assustada com meu berro. Meu pai chegou logo depois. - O que foi Judy, está tudo bem? - Pessoal escutem essa: eu consegui pegar o professor na corrida e fiquei vários minutos à beira de Oslo e não precisei que ele interferisse. Saí de lá limpa – esse era o termo que usávamos para dizer que resistimos à droga – e todos permaneceram ilesos. Isso não é ótimo? – eu falava acelerada. - Judy, não acredito! – minha mãe disse isso já com os braços envolta de mim, me dando um abraço. - Parabéns filha, eu sabia que você conseguiria logo! – disse meu pai passando as mãos pesadas em meus cabelos. - Obrigado. Eu estou tão feliz – falei ainda abraçada à minha mãe. Ela me soltou, e então meu pai me deu um beijo no rosto. - Estou orgulhoso da minha princesa – suas palavras eram doces. Dei um largo sorriso para eles. Sarah sempre dizia que meu sorriso clareava meu rosto. Eu tinha a pele morena e bastante quente – devido a minha condição de lobisomem – e os dentes brancos destoavam. Meus cabelos eram compridos e ondulados em cachos mal definidos, parecidos com os da minha mãe. Sua tonalidade era amarronzada, o que combinava com meus olhos jabuticaba. Eu estava ficando mais alta com o passar do tempo. Desde que me transformei pela primeira vez, cresci seis centímetros – o que não me fazia muito alta; antes eu era muito pequena. As corridas, apesar de estar na forma de loba, estavam me deixando definida. Felizmente, isso não tirava minha feminilidade. Eu até gostava. Terminados os elogios, subi para meu quarto. Estava cansada, precisava dormir. Aproveitaria que


estava com o tempo livre desde que acabei o colégio. Eu o havia terminado e ainda não tinha decidido que faculdade eu faria. Se eu fizesse alguma. Poucas pessoas em Fanía chegavam a fazer faculdade, mas eu queria muito. Era um sonho muito antigo meu, era uma meta em minha vida. Não tinha pressa porque sabia que precisava antes me acostumar com meu novo eu. Durante todo o colegial eu ainda era apenas humana, então não foi um problema a convivência com eles. Minha escola era em Oslo e eu fiz bastante amigos lá. As duas pessoas que eu sinto mais falta são Layla e Mel, as duas da escola. Desde que me descobri loba não pude mais vê-las. Tinha que admitir que elas eram tentações para mim, e não queria pô-las em risco. Sempre que precisávamos fazer trabalho para a escola, íamos à casa de uma das duas, nunca na minha. Não poderia levar humanos lá, além do perigo dos recém-transformados as fazerem de comida, elas poderiam ver algum lobo andando tranquilamente por lá. E isso não era nada bom. Algumas vezes elas me telefonaram depois do fim das aulas, mas foram poucas vezes. Eu conversava com elas, mas inventa uma desculpa para não ir vê-las. Era bastante doloroso para mim. Esperava que pudesse mudar isso em breve. Também por isso que eu estava me dedicando bastante aos treinos. Aqui em Fanía, eu não tinha amigos. Todos eram iguais aqui - ou pelo menos compartilhavam do mesmo segredo, mas eu não era a mais popular da tribo. Apesar de mim, não éramos simplesmente uma alcatéia, éramos uma família, sólida. Com os últimos acontecimentos, eu estava ficando cada vez mais amiga de Newton Scot. Ele havia se transformado á dois anos e me ajudava muito com as novidades. Ele tinha dezenove anos. Quando ele estava em forma de lobo, seu pêlo era curtinho e cinza. New era um dos maiores lobos de lá e tinha nascido com uma característica única: ele podia correr até 400 km/h – quando a maioria dos lobos corria em torno de 200 km/h. Ninguém mais tinha esse poder, só ele. Isso era resultado de uma mutação genética inexplicável – seus pais eram normais. Com os treinos, isso se intensificava. A cada dia ele estava mais rápido, parecia um raio. Quando estava em forma humana, ele era bastante alto e forte, com o cabelo cortado sempre bem curto, quase raspado – apesar de sua condição, ele dizia que os pêlos o incomodavam. Seus olhos tinham um tom mais claro que os meus e eram menores. Ele era bonito, como dizia minha mãe, um tipão. Ele gostava de mim, eu sabia. Newton nunca havia falado claramente – só quando nós éramos crianças - mas era visível. Apesar de ele ser a melhor pessoa que eu já havia conhecido na vida, não me apetecia a idéia de ter um relacionamento amoroso com ele. Eu estava no meu quarto, exausta. Ele era o que podia se podia chamar de organizado. Sou muito ordeira. Odeio coisas espalhadas pelos cantos. Minha cama rosa ficava bem no centro do cômodo.


Tinha um criado mudo ao lado da cama, com um despertador em cima – que eu odiava – e um abajur de madeira. No canto esquerdo tinha uma escrivaninha que eu usava para fazer meus deveres quando estava estudando. O armário ficava no canto direito do quarto, embutido na parede com os pegadores cor de violeta. Não era um quarto muito grande e sim aconchegante. Joguei-me na cama e esparramei meu corpo em cima do lençol – eu não usava cobertores, meu corpo já era quente o suficiente. Meus músculos doíam como se eu tivesse malhado por horas. Liguei o ventilador de teto no interruptor ao lado da minha cama, e fiquei ali, deitada. Não me lembro o que sonhei. Estava cansada demais para sonhar. Quando acordei, já era noite. Olhei para meu despertador e vi que os números vermelhos digitais marcavam 19:00 horas. Sentiame descansada, pronta para a próxima – não que eu realmente quisesse uma próxima tão cedo. Desci até a sala, e encontrei meus pais lá, vendo TV. Hoje era sexta, e eu estava muito feliz que amanhã não tinha treinamento. Foi estabelecido que eu teria o fim-de-semana de folga, com tanto que eu me mantivesse longe de Oslo. - Oi, Judy, está com fome? – Sarah indagou-me. - Uhum – murmurei -, já jantaram? - Já, mas eu esquento a comida para você. Vi meu pai revirar os olhos. - Ela esquenta, querida. Fique aqui – meu pai a envolveu em seus braços, sem tirar os olhos da pequena TV em sua frente. - Você nem vai sentir minha falta, amor – mamãe respondeu, já saindo da concha que os braços do meu pai faziam a sua volta. Papai revirou os olhos e se manteve quieto. - Vai sair hoje, filha? – perguntou-me enquanto eu comia uma pizza de calabresa. - Não sei, não tenho planos ainda, mãe. - Newton te ligou enquanto você dormia. Talvez você deva retornar. Sarah e Carl gostavam muito de Newton. Ele era um lobo forte, vindo de uma família cheia de filhos machos, e eles queriam a mesma sorte para mim. Sabiam que eu estaria em boas mãos, e assim, não corriam o perigo de eu me apaixonar por nenhum humano. Se isso acontecesse, seria uma tragédia, por dois motivos. Primeiro, meus filhos poderiam nascer inteiros humanos e a linhagem se perderia; Segundo, o nosso segredo seria relevado. Uma vez, uma loba se apaixonou por um humano. Foi um caos. O humano e a família toda dele


descobriram nosso segredo. A loba chegou a se casar com ele e eles foram morar em outro país. Mas, os boatos correram e é por isso, que até hoje – 126 anos depois – somos caçados. Escondemos-nos em Fanía e nunca revelamos a ninguém nossa verdadeira origem. É muito perigoso para a espécie. Depois desse caso, nunca mais isso voltou a acontecer. Mas, meus pais podiam ficar tranqüilos quanto a isso. Mesmo que eu nunca namorasse com Newton, não o faria com humanos também. Eles são muitos normais para mim – além do perfume deles ser tão atrativo. Não conseguiria viver por muito tempo com um sem mata-lo. - Vou ligar mãe. Talvez ele tenha algum programa legal para hoje – continuei a conversa. Ela não disse mais nada, apenas sorriu. Carl veio até a cozinha nos dar boa noite, ele ia dormir. - Já pai? Não são nem oito horas da noite ainda! - Eu acordei ás cinco hoje Judy – o trabalho dele exigia que ele chegasse cedo para poder dar conta de tudo. - Ah, boa noite então, pai. - Boa noite querido, eu já vou subir te fazer companhia. Só preciso lavar aqui antes – minha mãe era muito companheira do meu pai. Ele assentiu com a cabeça depois de dar mais uma revirada nos olhos. A mania de limpeza dela e seu favoritismo por mim ás vezes o incomodava. Entretanto, Carl chegou mais perto de mim e me deu um beijo na cabeça. Saiu da cozinha e subiu para seu quarto. Eu havia terminado de comer. A pizza que minha mãe fazia era maravilhosa. Aliás, tudo que minha mãe fazia era maravilhoso. Ajudei-a com a louça e fui para sala, pegar o telefone. - Oi, New. - Judy! Que bom que retornou, como está? – ele sempre me atendia animado. - Estou bem e você? - Bem também. Quer vir aqui em casa hoje? Podemos ver um filme. - Claro, seria ótimo. Quem mais estará aí? – não que eu não quisesse ficar á sós com ele, mas era bom saber. - James estará em casa – ele era seu pai. - Er – eu disse, dando uma risada singela – Além dele. - Só. Mas se quiser chamar alguém... A Maila talvez – estava óbvio que ele não queria que eu a chamasse.


Maila era uma outra amiga nossa, mas que ainda não havia se transformado. - Não, Maila está com Jonas agora – namorado lobo dela – Hoje é sexta, esqueceu? - Hm, então venha sozinha. Estou esperando – ele se animou novamente. - Ok. Tchau. Fui até a garagem e peguei minha moto amarela. Não era grande coisa, parecia mais uma bicicleta com motor, mas, nunca havia me deixado na mão. Eu costumava ir de moto para casa do New, porque não gostava de ficar toda hora me transformando. Era incômodo ficar pondo e tirando roupa, além do cansaço depois. A casa do Newton ficava a um quilômetro de casa, ali mesmo em Fanía, e eu cheguei rápido. Estacionei na porta de sua casa, ao lado de sua moto vermelha – bem mais linda e potente que a minha - e quando fui apertar a campainha, ele abriu a porta. - Seja bem-vinda, Judy – a mesma voz animada de antes, agora acompanhada de um abraço. - Oi, New. Obrigada! – retribui seu abraço. Mesmo eu tendo crescido um pouco, eu continuava pequena perto dele. Sua altura era algo em torno de 2 metros – eu devia estar com 1,65 cm agora. Entramos na casa dele. À primeira vista, parecia com a minha casa, mas com outras cores e objetos. Sua TV também era maior e de plasma, além do sofá de couro preto. Mas, a arquitetura da casa era a mesma: uma sala, dois banheiros, dois quartos, uma cozinha, dois andares. - Cadê James? – perguntei estranhando o silêncio dentro da residência. - Ah, ele precisou dar uma saída. Mas não deve demorar. – ele coçava a cabeça enquanto respondida. - Ah, ok. - Vamos ao que interessa não é? – falou ele mais alto – O filme! Ele estava com um DVD na mão. O nome do filme era “Sanguessugas”. A foto na capa era um homem com dentes pontudos sujos de sangue com uma capa vermelha e preta, e o fundo escuro. - Vampiros? - Sim – ele apontou para a capa do DVD e imitou a foto, deixando seus dentes á mostra e fazendo uma careta. - Ah, que filme light para uma sexta à noite. Apesar de eu não saber muito sobre eles... - Não sabe? – ele me interrompeu antes de eu continuar – Não te preveniram sobre eles? - Preveniram? Do que? – do que ele estava falando?


Ele foi rapidamente até o telefone da sala, sem falar uma palavra, e ligou para minha casa. - Sra. Stanley, preciso falar urgente com a senhora. Eu estava aflita. O que estava acontecendo? Ele ficou por minutos no telefone com a minha mãe, e eu não entendia nada do que ele falava. Ele estava indignado, nervoso, e acho que ela o acalmou. - O que foi Newton? Exijo que me fale agora! – berrei isso por diversas vezes em suas orelhas, mas ele parecia nem me notar ali. Até que ele finalmente desligou o telefone. Pegou-me pelo braço e me levou até o sofá de couro da sala. - Preciso te contar uma coisa – que expressão era aquela? Terror? - O que foi? Fala logo, estou nervosa! - Olha, eu estou incrédulo de que não tenham te contado nada sobre os vampiros. Presta atenção, ok? É importantíssimo! - Claro! – assenti sem pensar duas vezes, devia ser mesmo importante. - Há muitos anos – ele começou, sua expressão séria como eu nunca havia visto antes - que vampiros e Lobisomens são inimigos letais. Não sei te dizer exatamente o motivo, mas isso é real. É uma rixa muito antiga. Sabe aquele lugar na selva, para o lado leste, que nós “somos proibidos de ir”? - Sei. Meus pais dizem que lá é muito perigoso, passam muitos caçadores. - Então, não é bem isso – ele coçou a testa - O problema lá são os caçadores, mas não são os mesmos que você está pensando. São os vampiros. O lado leste é o território deles, e nós não devemos entrar. Assim como eles não entram no nosso. - Uau, vampiros mesmo? De verdade? - Sim, vampiros de verdade. Sanguessugas horríveis e destrutivos! - Nossa, e por que mentiram para mim? - Foi o que eu perguntei à sua mãe. Ela alegou que quando você era criança ela tentou falar com você sobre isso, mas sentiu que você não estava preparada ainda, então deixou para lá. - Não lembro de ela ter tentado falar comigo sobre isso – tentava buscar em minha memória a cena, mas não encontrava nada. - Ela disse que foi através de um presente. Não entendi muito bem. - Presente? – fitei o vazio procurando respostas - Não lembro. De qualquer forma, me fale mais


sobre os vampiros. O que eles fazem, além de sugar sangue? - Eles voam, são muito fortes e rápidos. A pele deles é muito dura e fria, e sua mordida pode ser letal. Se o veneno se espalha pelo corpo e a pessoa não “morre”, ela vira um vampiro também. Isso sem dizer que eles possuem uma beleza inumana, o que ajuda a atrair a presa. Como você pode saber tão pouco sobre eles? Mesmo que não tenham te contado, todos sabem sobre eles. Até mesmo os humanos, apesar de acharem que são lendas. - Eu os acho assustadores, por isso nunca quis saber mais do que sei. - Judy, é importante que você entenda que não tem condições ainda de lutar com eles. Em hipótese alguma, atravesse o lado deles. - Não seja tonto. Não farei isso, eu tenho medo deles! - É o melhor que você faz! – New ainda parecia muito alterado e preocupado. - Mas, responda-me uma coisa – fiz uma pausa, enquanto pensava na pergunta - Eles bebem sangue de animais ou de humanos? - Os dois. Mas o sangue dos humanos para eles, é como a carne para nós. Uma droga. Porém, esses que moram no leste, não atacam humanos para se alimentar. - Quem são eles? - Existem várias famílias reunidas. Não sei te dizer ao certo. Não falamos com eles há séculos. Está entendido? - Sim, não se preocupe! Já disse, não irei lá. Assistimos ao filme, e este, me ajudou a compreender melhor os vampiros. Eles eram realmente lindos, mas eles não eram bonzinhos – pelo menos não os do filme. Era horrível vê-los mordendo pessoas inocentes e dormindo em caixões. Lembrei de quando eu quase mordi o casal na selva – teria sido grotesco. Estaria me sentindo péssima agora. Que coisa mais sombria! Eu definitivamente, não queria contato com eles. - Gostou do filme? – New perguntou - Não, estou chocada. É horrível – a cena do vampiro mordendo a mulher não saia da minha cabeça. - É. Sabemos que é só um filme, mas é exatamente assim. Você viu como eles são rápidos e precisos? – ele queria me mostrar como era essencial ficar longe dos sugadores. - Claro, muito. Foi muito bom ver esse filme. Ajudou a me situar. - Que ótimo. Fico feliz.


- Obrigado por ter me contado a história New. Você é sempre ótimo comigo. Estávamos sentados no sofá um ao lado do outro. Ele estava a minha direita. Eu me virei para ele e baguncei seu intocável e curto cabelo – uma forma estranha de agradecer. Em reação a minha brincadeira, ele me pegou pelou pela cintura e me derrubou, delicadamente, no chão da sala. Enquanto eu estava embaixo dele, deitada e imobilizada, ele começou a me fazer cócegas nas costelas. - Pára New! Par – risadas – ... ÁAAAA!- eu estava gargalhando, quase sem ar. Eu não era forte o suficiente para tirá-lo de cima de mim, e as cócegas me deixavam fraca. Ele ria mais que eu com as minhas gargalhadas, até que parou. - Adoro te ver sorrir assim. Ele estava em cima de mim, com uma das pernas no meio das minhas e a outra para o lado de fora do meu corpo. Seu peito estava encostado no meu e suas mãos seguravam as minhas em cima da minha cabeça, apoiadas no carpete azul da sala. Por um momento, senti o desejo de beijá-lo. Ele sentiu o mesmo. Suas mãos soltaram as minhas – fazendo com que o sangue do meu braço voltasse a circular livremente – e desceram calmamente para minha cintura. Ele levantou um pouco meu corpo e eu fiquei mais próxima dele. Seus olhos dançavam pelo meu rosto e ele mordiscava o lábio. Não havia reparado como ele era mais bonito de perto, e fui atingida por uma verdadeira e nova atração. Nossas peles, juntas – mesmo com os tecidos das roupas no meio – estavam extremamente mais quentes do que o natural. Senti uma gota de suor descendo pelas minhas costas – estava ansiosa por sua atitude. Levantei meu rosto deliberadamente para conseguir alcançar sua boca carnuda, e, lentamente, encostei meus lábios nos dele. Ele retribuiu o beijo com desejo. Tirou uma de suas mãos da minha cintura – deixando a outra no mesmo lugar – e pegou em meu cabelo, na nuca. Nos beijamos verdadeiramente. Era um beijo quente, macio. Sua boca era convidativa. Ele sabia ser sedutor. Mas sabia que aquilo não era certo. Ele era meu amigo e não era bom confundir as coisas. Não demorou muito mais e eu me afastei. Empurrei-o para trás e me sentei no chão, arrumando os cabelos. Ele fez o mesmo, me olhando desconfiado. - Por que você parou? – ele estava passando os dedos na boca ao falar isso. - New – fiz uma pausa enquanto me levantava do chão -, não é certo. Nós somos amigos. Ele levantou-se também e veio mais perto de mim. - E o que tem isso? Não podemos ser amigos que se gostam e evoluem para algo mais? – ele não ia desistir assim fácil.


- O problema – tive cuidado para não magoá-lo – é que eu gosto de você como amigo. - E como você pode saber que é só isso? - Eu simplesmente sei – não tinha certeza, mas não podia dar esperanças. - Você gostou do beijo? – ele me pegou pelas bochechas ao falar isso. - Sim, mas um relacionamento não pode ser baseado em um beijo. Ele veio rapidamente para frente e me deu um selinho. Eu me afastei. - New... - Em um beijo talvez não, mas se fizermos disso um hábito... – ele ainda estava falando quando eu o interrompi. - Não será um hábito. Foi único, me desculpe. Saí pela porta correndo, liguei minha moto e fui embora, o mais rápido que eu pude. Se ele quisesse, poderia me alcançar facilmente, mas ele não fez isso. Acho que o havia magoado. Era o certo a se fazer. Não podia correr o risco de perder uma amizade como a dele. Também não podia iludi-lo e depois fazê-lo triste. Não era justo. Cheguei em casa logo em seguida, e subi para meu quarto. Precisava organizar os pensamentos. Mas pelo visto, não teria tempo. Carl e Sarah esperavam-me na porta. - Ainda acordado pai? – sabia bem porque, mas quis ser simpática. - Sim Judy, nós precisamos conversar querida. - Se vocês forem me falar sobre os vampiros, não precisa. O Newton já me contou tudo. - Nós sabemos – minha mãe quem falou dessa vez -, mas precisamos reforçar. Judy, entenda que eles são nossos inimigos mortais. Então, nunca fale com eles mesmo que eles estejam do nosso lado da selva. Se isso acontecer um dia, você nos avise e não se meta com eles. Está claro? – meu pai quem continuou. - Está claro. Não se preocupem. Eu não tenho interesse em virar uma vampira-lobisomem – minha cara era de deboche. Dado o recado, eles saíram do meu quarto. Poderia, enfim, pôr meus pensamentos em ordem. Aquele beijo não estava nos meus planos, e confesso que fiquei mexida. Seria perfeito estar com Newton. Nos conhecíamos bem, nos dávamos bem, meus pais o amavam, ele era bonito, beijava bem... Mas faltava alguma coisa. Apesar disso tudo, não era o suficiente para eu firmar um compromisso com ele.


Tomei um banho e troquei de roupa. Deitei, mas o sono não estava muito presente, talvez se eu forçasse, conseguiria dormir logo. Fiquei quieta e em alguns minutos, peguei no sono. Finalmente sábado. Acordei tarde – hoje meu despertador não me incomodou – e sabia que seria um dia nada cansativo. Desci para sala e vi que meus pais estavam almoçando na cozinha. Fui até lá. - Boa tarde – disse a eles. - Boa tarde, filha – Sarah respondeu – Sente-se, vou preparar seu prato. - Não estou com fome ainda mãe. Acabei de abrir os olhos. Ela apenas assentiu e continuou comendo. Meu pai estava quieto, como sempre. Ele só falava quando era importante. Não costumava jogar papo para o ar. Fiquei ali sentada um tempo com eles, observando-os. Sarah comia toda delicada, nem parecia uma loba. Carl era mais sem modos. Parecia que o prato ia fugir se ele não comesse logo. Era engraçado. Ás vezes eu gostava de ficar olhando meus pais e encontrar que parte deles eu puxei. Os cabelos ondulados em cachos mal definidos eu atribuía a meu pai – que mesmo com cabelo curto, tinha ondas bem salientes – e meus olhos grandes, á minha mãe. Minha personalidade não lembrava nenhum dos dois. Diferente do meu pai, eu não era quieta, e diferente da minha mãe, eu não era falante. Diferente dos dois eu era atirada, fazia o que me dava vontade, sem me preocupar com conseqüências. Minha mente mudou de foco e foi parar na cena de ontem, do beijo. Eu precisava falar com o Newton hoje. Explicar para ele o que eu pensava, dizer que eu não quero magoá-lo. Eu o amo como amigo. Mas será que ele iria querer me receber, depois do fora de ontem? - Mãe, vou até o Newton. Volto pro jantar. - Vai de moto? - Sim. - Tenha cuidado – advertiu meu pai. - Não se preocupem. Lá estava eu de novo, fazendo o mesmo caminho de ontem. Minha moto era velha e não estava em ótimas condições, mas eu me sentia bem com ela. Meu pai havia me dado ela quando terminei o colegial – há alguns meses. Ela era amarela e já tinha cinco anos de vida. Seu antigo dono – um amigo de meu pai – não havia cuidado com muito carinho, então ela já era idosa. Em todo caso, ela corria o suficiente para eu me sentir livre.


O caminho era bonito. Havia bastante mata verde em volta. As árvores eram enormes e havia flores por todo o caminho - em sua maioria, amarelas e roxas. Mas o percurso era pequeno. Estacionei minha moto, na frente da casa dele, e apertei a campainha. Dessa vez, a porta demorou mais para ser aberta, e quem abriu, foi James. - Judy, tudo bem querida? – disse James, me dando um beijo carinhoso no rosto. - Tudo bem, Jay. Newton está? - Ele está lá em cima, pode subir. - Não é melhor ele descer? Ele pode não querer me receber lá em cima – ele podia estar bravo comigo. - Ora, não seja tola Judy, suba lá – e me deu um empurrãozinho de leve em direção à escada. Subi apreensiva. A porta do quarto dele estava semi-aberta e pude ver ele sentado em cima da cama, lendo um livro. Espiei pela abertura da porta e ele me viu. - Que susto, Judy! – não me parecia bravo, apenas surpreso. - Desculpe, New. Posso entrar? - Claro – e abriu a porta para mim – Fica à vontade. Ele estava sem blusa – e isso me deixou inquieta. O ventilador estava no máximo, e eu fiquei agradecida por isso – estava realmente quente lá dentro. Eu estava vestindo apenas um short curto com uma regata branca e estava suando. Ele também estava, e seu suor me atraía. Eu tinha que me focar no que havia ido fazer ali, não podia me deixar levar. Sentamos na cama dele, e ele começou. - E então Judy, por que veio aqui? - Quer que eu vá embora? – pareci meio grosseira, mas ele foi primeiro. - Não antes de saber o que você veio fazer aqui – ele franziu o cenho ao dizer isso. - Então vamos direto ao assunto – eu ia ser direta – Vim aqui porque quero pedir desculpas por ontem. Entenda que não quis ser estúpida com você. Só preciso que você entenda que somos amigos e ponto. Só isso. - Se você me disser que não me quer, eu te deixo em paz – ele estava confiante. Eu o queria, claro. Mas não do jeito que ele me queria. Nossos corpos eram como ímã. Gostava do seu calor, do seu cheiro, do seu toque... Mas ele queria mais do que eu poderia dar. - New, eu o quero. Mas não vou ter nada sério com você. È atração, não podemos basear um relacionamento disso.


- Me deixe te conquistar com o tempo. - Você já me conquistou, como amiga. Essa minha última frase, o irritou. Ele deu um murro na cama e levantou-se, rapidamente. Andou até a parede no canto esquerdo do cômodo e apoiou um braço na parede, cobrindo o rosto com o outro braço. Ele começou a tremer e eu pensei que ele fosse se transformar, mas ele se acalmou e me disse. - Judy, por favor, vá embora. Não acho que devamos mais ser amigos – sua voz era seca. - Não, New. Não faça isso, podemos nos entender – eu andei até onde ele estava na parede, e tentei abraça-lo. A amizade dele era muito importante para mim – Não me abandone. Eu te amo! - Não fale isso. Você não me ama! – ele se esquivou de mim ao berrar isso. - Amo sim, de uma forma diferente da que você gostaria, mas amo. E muito! - Não vai dar certo desse jeito. Eu te amo, de verdade - seus olhos estavam cheios de lágrimas, mas ele as reprimia de cair. Seu tom agora era baixo, ele não queria brigar. Fiquei muda, não teria nada à altura para responder – não do jeito que ele esperava. - Vá, por favor – ele disse entre dentes cerrados. Olhei para ele uma última vez, e saí de seu quarto. Passei por James e berrei tchau para ele, que estava na cozinha. Saí da casa atordoada, eu precisava extravasar. Deixei minha moto ali estacionada, e me transformei. Fui em direção à mata, e comecei a correr. Ainda bem que nesta forma, não poderia chorar. Como ele podia jogar nossa amizade pela janela assim? Eu sabia que aquele beijo arruinaria tudo, por isso o evitei por meses. Estava entrando á fundo na selva, como nunca havia feito antes. Sabia que não devia ir muito longe, mas não conseguia parar. De alguma forma, correr me fazia bem. Além do mais, eu não queria voltar para casa agora, e ter que responder as perguntas dos meus pais. Já estava triste o suficiente para ouvir suas lamentações. Comecei a ouvir barulhos atrás de mim. Parei repentinamente e meus olhos percorreram todo o local. Não havia nada, mas eu continuava a ouvir o barulho de galhos se mexendo além do normal e pés pisando com força no chão, como se fossem pulos. Poderiam ser animais, mas o cheiro que eu sentia, não era característico de animais. Era um cheiro extremamente forte e ruim. Mal conseguia respirar. Minhas narinas queimavam, mas era uma ardência diferente da que acontecia com a droga, era insuportável. Não me atraía, me dava repulsa, nojo. Eu queria parar de senti-lo, e comecei a correr mais rápido, mas não passava. Ao contrário, eu o sentia mais forte ainda, como se estivesse mais perto. Alguém, que eu não sabia quem, estava atrás de mim. Eu corria, corria, corria. Minhas


patas não agüentavam mais, mas, mesmo assim, eu continuava correndo. Parei por um instante e fitei a selva. Pude ver o vulto de alguma coisa pulando de uma árvore para outra. Era rápido demais, não conseguia distinguir suas feições. O cheiro estava pior. Devia ser daquela coisa. Era ele quem estava me perseguindo, mas por quê? Eu temia o pior, e voltei a correr. Até que um erro. Um galho de uma árvore, e eu estava no chão. Tentei me levantar, mas senti um corpo forte sobre o meu – forte e gelado. Eu não conseguia me virar para ver do que se tratava. A mão – ou garra, ou seja lá o que fosse aquilo, pegou-me pelo pescoço, e me girou. Pude ver quem estava em cima de mim. Meu Deus! Pelos meus conhecimentos, era um vampiro. Minha mente repetiu o nome mais uma vez, vampiro. Era um pesadelo! Seus olhos eram vermelhos intensos, sua pele pálida e gélida, dura como concreto, e seu rosto era uma perfeição. Era um homem, com cabelos negros curtos e lisos. Feito para o pecado, com certeza. Ele me encarou bem dentro dos meus olhos com uma expressão cruel, sarcástica. Ainda segurando meu pescoço, ele o levantou com muita facilidade – ele era muito forte – e levou sua boca em direção á ele. - Lugar de cachorro é no canil – sua voz era doce e calma, seu tom soberbo. Ele estava feliz de me ter imobilizada em seus braços – Pobre menina, estava no lugar errado, na hora errada. Então, seus dentes pontudos ficaram á mostra e, lentamente, ele os cravou em meu pescoço. Foi fácil como morder cera. Os caninos do monstro rasgaram minha pele. Uma dor insuportável me invadiu. Minhas veias se incharam com o acúmulo de líquido dentro delas. Senti-me tonta, minha visão se embaçou e eu me sentia caindo. Eu não tinha onde me apoiar, não tinha em quem me segurar. Eu queria gritar, mas não tinha forças para isso. Eu não mandava mais em meu corpo. Era como ter morrido, mas mais doloroso, acredito. Os graus da quentura só aumentavam. O inferno deveria ser menos quente! Meu corpo todo estava tomado pela dor. Sentia-me queimando viva, como as bruxas há anos atrás. Eu tentava me lembrar quando mereci aquilo. O que de tão errado eu havia feito em minha vida para passar por tamanha dor? Por tamanho castigo? Lembrei de meus pais. Ah, meus pais! Como eu os queria ali. Como eu queria que alguém me explicasse o que estava acontecendo. Até quando iam me atirar fogo? Talvez se eu falasse alguma coisa, se eu mexesse alguma parte do meu corpo, perceberiam que eu estava viva e parariam de me machucar. Era isso, eu precisava fazer alguma coisa!!! Tentei mexer meu dedo da mão, do pé, dobrar meus joelhos… mas nada. Foi em vão. Eu não consegui mexer um milímetro do meu corpo. Deviam ter me prendido em algum lugar. Ou então poderiam ter me anestesiado. Não, não era possível. Se alguém tivesse me anestesiado, eu não sentiria tanta dor. Sentiria? Então, comecei a sentir minha perna formigando. Meu coração batia acelerado, de um jeito enlouquecedor. Parem com isso!!! O centro do meu tórax se debatia sozinho, como em convulsão. E


mesmo assim, eu ainda não tinha o poder sobre meus atos. Estava muito tonta, meus olhos reviravam e eu podia sentir a pálpebra machucando. Comecei a sentir alguma coisa densa se mover dentro de mim. Estava subindo pela minha garganta. Ardia demais. E, sem que eu pudesse reagir, um jorro de alguma coisa líquida foi lançado para fora do meu corpo. Eu estava oca. Não havia mais nada dentro de mim. A não ser, meu coração. Meu guerreiro coração, que sobrevivia corajosamente, porém, cansado. Senti-o falhar, uma vez, duas vezes… NÃO! VAMOS LÁ! NÃO ME DEIXE! Eu queria desesperadamente sobreviver. Mas me sentia pequena. Não podia mais me manter disposta diante daquilo. Então era isso, era assim que ia terminar! MALDITO VAMPIRO!!! MALDITO!! ELE HAVIA METIRADO A VIDA!! E era claro que eu não resistiria, era meu fim. Era a morte. Doce morte, que me livraria da dor. Não haveria de ser pior. Apenas venha, aconchegue-se a meu leito e me leve com você, para nunca mais sofrer assim. A escuridão me tomou. Eu me sentia agradecida por isso.


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