Senhores do tempo

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Por Thuanne Silva Fotos Alvenir Jr.

Senhores

do tempo

Idosos buscam manter a qualidade de vida e o alto astral mesmo com as limitações da idade, dando lições de positividade às novas gerações

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izem que o tempo é o mestre de tudo e o grande senhor da razão. Ele voa, e com ele nós vamos. Para os mortais, viver é submeter-se à força do tempo, em um constante processo de envelhecimento. A cada dia que passa, ficamos um pouco mais velhos. Chegar à terceira idade com qualidade de vida é um desafio que enfrentamos diariamente. Quem vive a melhor idade em pleno século 21 arranja maneiras de envelhecer com dignidade. A Organização Mundial da Saúde classifica cronologicamente como idosas as pessoas com mais de 65 anos em países desenvolvi-

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dos e com mais de 60 anos em países em desenvolvimento. Já o dicionário Michaelis diz que idoso é “quem tem muitos anos”. A velhice é vista com maus olhos por muita gente, sendo preciso desmitificar esta fase, que é uma etapa natural na vida do ser humano. “O processo de envelhecimento é constante, não ocorre necessariamente na terceira idade. Envelhecemos desde o nascimento, envelhecemos enquanto estamos vivendo”, explica Thaís Bento Lima, presidente da Associação Brasileira de Gerontologia. Segundo a gerontóloga, é preciso ter toda uma vida saudável para que

se chegue à maturidade da melhor forma. A gerontologia é a ciência que estuda o processo de envelhecimento humano em suas dimensões biológica, psicológica e social, com ênfase na pessoa idosa e nas especificidades desta população. A geriatria está contida na gerontologia e trata de um ramo da medicina com atuação relacionada à saúde do idoso. Segundo a geriatra Alini Ponte, “o envelhecimento é um processo natural, de diminuição progressiva da reserva dições normais, não costuma provocar qualquer problema”.


No entanto, é preciso uma série de intervenções preventivas para que os idosos evitem a incapacidade, principal temor de quem envelhece, de acordo com Alini. O controle de fatores de risco que podem levar a doenças, como o infarto, acidente vascular cerebral (AVC, o popular derrame) e câncer, por exemplo, se faz com alimentação balanceada e afastamento de vícios, prática de atividade física e a manutenção de uma boa rede de relacionamento social. Para um envelhecimento ativo e saudável, é preciso priorizar o bem-estar físico, social e mental. “O envelhecimento ativo permite que as pessoas participem da sociedade de acordo com suas necessidades, desejos e capacidades”, esclarece Alini. Diferenças culturais - Segundo o IBGE, o número de brasileiros com mais de 65 anos irá quadruplicar até 2060. A estimativa é de que a população com esta faixa etária ultrapasse de 14,9 milhões, em 2013, para 58,4 milhões, em 2060. Neste futuro próximo, a expectativa média de vida do brasileiro deve aumentar de 75 para 81 anos. Os dados mostram que o índice populacional de idosos do Brasil em breve irá se assemelhar ao dos países desenvolvidos. O fenômeno não é exclusivo do país. Segundo o IBGE, estudos evidenciam que o número de pessoas idosas cresce em ritmo maior do que o número de nascimentos, acarretando a necessidade de mais investimento público em áreas importantes, como saúde e previdência social. O historiador Eric Hobsbawn refletiu sobre o “rejuvenescimento da sociedade”, que marcou a cultura ocidental a partir do século XX. Apesar de sermos mais velhos na expectativa de vida, do ponto de vista cultural, supostamente devemos ser eternos jovens, pois a cultura ocidental se ba-

seia no elogio à juventude e na negação da velhice. Para o filósofo Gilles Lipovetsky, a beleza e a juventude são valores exaltados incessantemente pelo discurso midiático na atualidade. O tratamento e respeito ao idoso é diferente quando falamos da cultura oriental. Em países como o Japão e a China, os anciãos são associados à sabedoria e recebem homenagens (como o Dia do Res-

peito ao Idoso, no Japão, e a Festa Chong Yang, na China, com o mesmo propósito) e celebrações da sua longevidade. Nesses países, o respeito ao idoso é considerado um dos pilares da cultura e uma virtude tradicional. Cenário muito distinto do que acontece na sociedade brasileira. “Há um desrespeito natural aos idosos em todos os lugares, seja no banco, na rua, no ônibus. A questão é educacional. Até o

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Capa ‘coisa de velho’ é usado de forma pejorativa. Quantos netos dizem isso? E quantos são aqueles que dizem que os avós não sabem de nada?”, questiona Lucinha Palmeira, pedagoga, gerontóloga e diretora da Faculdade da Felicidade, voltada para o público da terceira idade. “É preciso que se reconheça a importância do idoso na sociedade porque ele viveu diversos acontecimentos sociais que o jovem não viveu e, além disso, ele tem uma sabedoria para lidar com a vida que os outros, normalmente, não têm. O idoso tem muito a nos ensinar sempre”, sustenta a psicóloga Sabrina Costa. A associação do idoso à ideia de “uma pessoa inútil, sem capacidade alguma e como uma sobrecarga aos familiares” deve ser desestimulada e a velhice deixada de ser vista como “doença”, e sim como uma fase que se caracteriza por limitações que podem ser superadas com criatividade e paciência.

tenho a idade que tenho, para mim, eu tenho meus 30 anos. Eu continuo com a mesma cabeça. Só não consigo correr, andar rápido, sou só um pouco mais calma do que vocês (jovens), mas o resto é a mesma coisa”, conta empolgada no intervalo entre uma aula e outra. Ser mais devagar em seus movimentos não parece ser um problema para ela. Laura costuma participar dos passeios promovidos pela instituição e já foi para Minas Gerais, Sergipe e Rio Grande do Sul. Sua colega, Joanita Santa Rosa, 77 anos, demonstra a mesma satisfação em participar da faculdade. “Eu gostaria que as aulas fossem de segunda a domingo”, brinca. “É muito bom para quem está nesta idade, é uma maneira de fazer amizade, de ficar por dentro das coisas que acontecem no mundo e de realizar atividades interessantes”, afirma.

Faculdade da Felicidade

A tendência da pessoa idosa é querer se isolar e ficar em casa, por isso é preciso estimular a realização de atividades e con-

A Faculdade da Felicidade é local para as pessoas que estão vivendo a maturidade e tem um objetivo de construir um novo projeto de vida com a sabedoria conquistada. Disciplinas como Oficina de Memória, Dança de Salão, Dança Cigana, Poesia, Arteterapia, Informática, Oficina de Tecido e trabalhos manuais são oferecidas. A cearense Laura Salvador, 72 anos, faz aula de dança cigana, participa do coral e toma aula de artesanato no local, onde é aluna desde 2008. Laura não vê muita diferença entre ser idosa e ser jovem e encara muito bem a terceira idade. “Pra mim esta fase está sendo muito boa, está sendo maravilhosa, na verdade. Eu não sinto que

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Vida ativa é vida saudável

vivência com pessoas da mesma idade. “A ociosidade, a falta de metas e a vida isolada por falta de opção são muito arriscadas para as pessoas idosas, elas comprometem não só a qualidade de vida como aumentam o risco de doenças, principalmente aquelas que afetam a capacidade cognitiva, como a depressão e as demências”, afirma a geriatra Alini Ponte. A aposentada Edelita Mattos Miranda, de 82 anos, acredita que participar de uma faculdade ajuda a manter sua rotina ocupada e ativa. “Eu já estava em casa, não estava mais trabalhando e não tinha mais o que fazer, então eu vim para cá preencher meu tempo e daqui só saio morta”, diz, brincalhona. “Agradeço a Deus que tenho saúde, não tenho problema nenhum. Vou levando minha vida de forma ativa e esta faculdade ajuda muito para que isso seja possível”, diz. O propósito da diretora da Faculdade da Felicidade, Lucinha Palmeira, é mostrar o lado bom da vida, focado no momento presente, no qual devemos aproveitar todos os minutos. “Eu mostro que é bom viver através de uma vida saudável, buscando alternativas para melhorar a memória, o corpo, o emocional. É preciso olhar para frente e não ficar olhando para as dificuldades e para o passado, porque todo mundo enfrenta dificuldades e adversidades na vida, independentemente de ser idoso ou não”, explica.

Outras iniciativa

A psicóloga Sabrina Costa diz que é preciso conservar e adaptar a rotina do idoso para que ele continue se sentindo útil para sua família e para a sociedade, permanecendo integrado nas relações sociais. Participar de instituições voltadas para a terceira idade, como universidades e


Contra a depressão

Manter a cabeça e o corpo ativos é recomendado principalmente devido aos idosos terem que lidar com a morte de uma forma que pessoas de outras idades não conhecem bem. “A maior probabilidade da sua própria morte e a perda de amigos e familiares nesta faixa etária leva as pessoas

A gente tem que agradecer a Deus todos os dias. Pelo dia de hoje, de ontem e de amanhã, que vai ser belo também

especializadas, além dos centros e núcleos de convivência e das Unidades de Serviço Social do Comércio (SESC) é importante, principalmente, para diminuir a presença de sintomas depressivos e índice de doenças crônicas. A Universidade Aberta à Terceira Idade, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), oferece em Salvador e outras cidades, para pessoas acima de 60 anos de idade, oficinas e cursos distribuídos em quatro eixos temáticos: teórico, comunicação e informação, artes manuais e vivências corporais. O SESC da Rua Chile, no Centro Histórico de Salvador, conta com um Centro de Convivência da terceira idade que realiza encontros de Arte, Lazer e Cultura voltados para este público, além de outras atividades.

idosas a encarar mais esta temática, que é estimulada a não ser olhada pela sociedade”, explica a psicóloga Sabrina Costa. Por essa razão, é natural que ocorra um desconforto psicológico. “As perdas, de todos os tipos, acontecem com maior frequência e intensidade nesta etapa da vida, o que também pode contribuir para o sofrimento”. Norma Nunes, 80 anos, lidou com essa situação quando o marido faleceu devido a um câncer. Seu casamento durou 54 anos e a partida do esposo a deixou desestruturada. Com o apoio das filhas, resolveu se matricular em uma faculdade para ajudar a se reestabelecer. Apesar da tristeza de não ter mais o seu companheiro de décadas, seu maior conforto foi o fato de o marido não

ter sofrido. “Olha, eu não fiquei revoltada, nem nada. A gente está vendo que tem coisas que têm de acontecer. Quando chega a hora, não tem jeito, mas isso daqui está me fazendo um bem danado, muito mesmo”, confessa, se referindo a instituição. Apesar de ser a única certeza da vida, ninguém está preparado para a morte. Entretanto, muitos idosos se mostram satisfeitos com a vida que levaram e assumem uma postura conformista no que diz respeito ao assunto. “Em vez de chorar pelas coisas do passado, eu agradeço a tudo que Deus me deu de bom ao longo dessa vida. Com relação às perdas, eu vou esperando o dia de me encontrar com Ele lá em cima”, declara Edelita Mattos. Joanita Santa Rosa também é bastante otimista e enxerga a vida com olhos de gratidão. “A gente tem que agradecer a Deus todos os dias. Pelo dia de hoje, de ontem e de amanhã, que vai ser belo também. Eu agradeço de coração a tudo que Ele faz de bom pela minha família e pelos meus amigos”, revela a idosa, que também não teme a morte: “Minha mãe morreu aos 105 anos”. l

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Família é essencial para

envelhecimento saudável Relações com os parentes são determinantes para garantir bem-estar do idoso

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os últimos meses, a história do estudante gaúcho Fernando Aguzzoli, de 21 anos, ganhou destaque na imprensa após tomar grandes proporções na Internet. O jovem decidiu largar a faculdade de Filosofia e o emprego que tinha para se dedicar exclusivamente aos cuidados da sua avó, Nilva Aguzzoli (ou a vovó Nilva, como ficou conhecida nas redes sociais), diagnosticada com Alzheimer cinco anos antes. Fernando criou uma página no Facebook na qual passou a relatar com bom humor as histórias sobre o dia a dia de uma família com um membro portador de Alzheimer. Apesar de a vovó Nilva ter

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falecido, Fernando se transformou em um exemplo de dedicação, carinho e amor, proporcionando momentos muito felizes para ela, mesmo antes de partir. “As relações familiares exercem uma influência muito importante sobre a qualidade de vida do idoso. A tarefa de apoiar um idoso é, na maioria das vezes, desempenhada por familiares, sendo a família reconhecida legalmente pela Constituição Brasileira como responsável pelo cuidado necessário ao seu membro idoso”, explica a geriatra Alini Ponte. Um estudo da Harvard Women’s Health Watch destacou que a falta de laços sociais pode ser determinante na vida de

alguém. Pessoas insatisfeitas com seus laços sociais têm 50% mais chances de morrer prematuramente. É por isso que uma boa convivência familiar é extremamente importante, já que é a família o laço social mais forte da pessoa idosa. “Sinto que os familiares não têm paciência de lidar com os idosos. O próprio estresse da vida não permite que se tenha paciência. O papel principal deles é colaborar, facilitar e impulsionar o idoso. Os filhos trabalham e o idoso é quem está com o seu tempo livre, então é preciso facilitar as coisas”, opina a gerontóloga Lucinha Palmeira. Valorizar a experiência de vida, honrar sua sabedoria e o legado de valores ensi-


nados, respeitar as limitações que são intrínsecas ao envelhecimento (em alguns casos, aceitar a existência de doenças e ajudar em seu tratamento) são passos necessários para que a família saiba como lidar da melhor forma com a pessoa idosa, segundo a psicóloga Sabrina Costa. “É preciso ter mais paciência e flexibilidade, porque realmente é desafiador lidar com o idoso devido às suas inúmeras demandas. Contudo, a criatividade e a maleabilidade podem ajudar”, afirma ela. A estudante Luana Cardoso, 22, tem uma ótima relação com sua avó, Joselita Calazans, de 72 anos. “Conversamos sobre tudo, rimos, saímos. Eu me sinto à vontade para falar de tudo com ela. Quando nos falamos por telefone, passamos horas e horas rindo”, conta. “É aquela avó para dar bronca, para aconselhar, incentivar, defender, dengar, ensinar”. Joselita adora passear, receber as amigas em casa e se divertir com a família, principalmente em festas. Flora Silva, 80 anos, tem 14 netos e três bisnetos. “Minha família me apoia muito, eles são maravilhosos para mim”, afirma. Apesar da família numerosa, Flora prefere viver sozinha em sua casa, que anda sempre repleta com a presença dos netos e filhos. Com relação ao apoio e cuidado às avós e avôs, a geriatra Alini Ponte recomenda que haja a partilha entre os membros da família. “Os cuidados devem ser divididos entre todos os que puderem participar para que existam vários olhares atentos em busca da eficiência e múltiplas responsabilidades para dividir”. A psicóloga Sabrina Costa concorda: “Para os tratamentos dos idosos terem resultado positivo é preciso que os familiares se cuidem também”. Corpo são, mente sã - Manter a boa saúde é importante para preservar a autonomia do idoso por mais tempo possível. É natural que com o envelhecimento, o organismo humano diminua a capacidade funcional. Um dos principais problemas para os idosos é a dificuldade de locomoção e a possibilidade de sofrer quedas e acidentes. “Por conta do processo de envelhecimento, é comum que a partir dos 30 anos de idade aconteça uma redução no nível de massa muscular. Este é um dos principais motivos que levam o idoso a perder sua capacidade física”, explica Glauco Corrêa, preparador físico especialista em Treinamento Funcional. Com isso, o idoso perde a capacidade de realizar atividades cotidianas com eficiência e autonomia. “A redução de massa muscular implica diretamente sobre a ca-

Para os tratamentos dos idosos terem resultado positivo é preciso que os familiares se cuidem também

pacidade que o idoso possui de gerar força e potência muscular, que são requisitos básicos para qualquer atividade, seja ela das mais simples, como caminhar, até as mais complexas, como se recuperar após um tropeço”, acrescenta Corrêa. É por isso que realizar atividades físicas – como um treino funcional – traz muitos benefícios para a saúde do idoso. Entre os benefícios para a terceira idade podem ser citadas a melhora da condição cardiovascular, redução da gordura corporal e diminuição da incidência de quedas. “Dentro do treino também são explorados trabalhos de coordenação, flexibilidade, velocidade de reação, entre outros”, comenta o preparador físico. Segundo a preparadora física Deise Sacramento, praticar atividades físicas na terceira idade ajuda na manutenção de uma vida ativa e no controle e prevenção de algumas doenças cardíacas, respiratórias e também da hipertensão, obesidade e diabetes, dentre outras. “Vale ressaltar também que a prática da atividade física traz aos idosos benefícios como a autonomia, bem-estar físico e mental, independência nas atividades diárias, volta ao ciclo social, memória, atenção e concentração”, destaca. É preciso lembrar que para fazer qualquer atividade física, deve-se contar com o devido acompanhamento de profissionais especializados e a realização de exames para uma avaliação médica. l

Dicas para viver melhor com pessoas idosas 3 Já pensou em praticar exercícios físicos com seus avós? Independentemente do estado de saúde, sempre existe alguma forma de exercício que o idoso pode fazer (mesmo que sentado em uma cadeira). Estudos mostram que atividades regulares contribuem para um envelhecimento saudável. Encoraje os seus entes queridos a adicionarem mais exercícios em seu cotidiano. 3 Compartilhe momentos. Que tal reunir todos para contar histórias em família e mostrar álbuns de fotografias? Estes encontros especiais aproximam ainda mais e relembram momentos de felicidade. Aproveite e distribua fotos para toda a família. 3 Saia mais com seus avós. Existem muitas opções de lazer, como museu, teatro, passeios ao ar livre. O mais importante aqui é se mexer. 3 Estimule seus entes queridos idosos a manterem o cérebro conectado. Matricule-os numa escola para aprender outro idioma, tocar um novo instrumento, ou melhorar seus conhecimentos de informática. Nunca é tarde demais para aprender. Pesquisas recentes confirmam que manter a mente sempre ativa e passar mais tempo com outras pessoas promovem a saúde cerebral e deixam o sistema imunológico mais forte, além de melhorar o humor. *Fonte: Right at Home

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