Sofrimento animal em debate - NB Plus

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Ciência Por Thuanne Silva Fotos Reprodução

em debate Sofrimento animal

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USO DE COBAIAS EM TESTES CIENTÍFICOS ACIRRA DISCUSSÃO SOBRE DIREITOS DAS OUTRAS ESPÉCIES QUE DIVIDEM O PLANETA COM OS SERES HUMANOS

om a invasão ao Instituto royal, em São roque (SP), realizada no fim do ano passado, o debate sobre a utilização de animais em testes farmacêuticos e cosméticos veio à tona com maior intensidade no Brasil. o laboratório foi invadido por ativistas que acusaram a instituição de maustratos aos animais e levaram cachorros da raça Beagle, coelhos e camundongos, todos

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utilizados como cobaias nos experimentos. Poucos dias após a invasão, o laboratório comunicou o encerramento das suas atividades em nota divulgada à imprensa. a razão foram as “elevadas e irreparáveis perdas e danos sofridos em decorrência da invasão”, “com a perda de quase todo o plantel de animais e de aproximadamente uma década de pesquisas”.

Desde 2005, o Instituto royal realizava testes pré-clínicos para o desenvolvimento de medicamentos para o tratamento de doenças, como câncer, diabetes, hipertensão, epilepsia, dentre outras. Segundo a empresa, todos os testes desenvolvidos atendiam aos princípios de boas práticas de laboratório (BLP) e também às normas para cuidados dos animais do Conselho Nacional de Controle e Experimentação animal (Concea), órgão do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), responsável por regulamentar o uso de animais em pesquisas no país. “o prejuízo causado ao Instituto royal não é mensurável. Mas é certo que o Brasil inteiro perde muito com esse episódio, lamentavelmente”, conclui a nota. Quem defende a prática argumenta que muitos testes com animais realizados em laboratórios já salvaram inúmeras vidas humanas, além de terem proporcionado o seu bemestar e o tratamento de doenças. a descoberta da eficácia da penicilina, a realização de transplante de coração e o tratamento para o mal de Parkinson são alguns exemplos. “Diversas drogas já foram colocadas no mercado com o uso seguro e eficácia no tratamento de doenças crônicas, como por exemplo, a morfina. os experimentos para se chegar ao uso clínico dessas drogas passam por diversos testes com animais. além disso, vacinas e medicamentos para pressão arterial também se utilizaram do uso de animais para os ensaios clínicos iniciais até a chegada no mercado”, afirma Marilene Lopes da rocha, Dra. em Produtos Naturais e Sintéticos Bioativos, na área de Farmacologia, do Departamento de Ciências Biológicas da universidade Estadual de Feira de Santana (uEFS). Entretanto, até que ponto os avanços da Ciência em benefício da humanidade estão acima do bem-estar e a da própria vida dos animais? No Brasil, a regulamentação sobre a


criação e a utilização de animais em atividades de ensino e pesquisa científica é feita pelo Concea e pelas Comissões de Ética no uso de animais (Ceaus), criados pela Lei arouca, sancionada em 2008. São esses órgãos que acompanham e devem garantir que os procedimentos utilizados nos testes sejam éticos e legais. Essa lei foi relatada pelo então deputado federal Sérgio arouca, sanitarista e ex-presidente da Fiocruz. Para a Fiocruz, “é fundamental ressaltar que, apesar de muitos esforços em todo o mundo, nas condições atuais, a ciência não pode prescindir do uso de animais em experimentação”, esclareceu a instituição através de comunicado online. a entidade ainda afirmou que os medicamentos, vacinas e alternativas terapêuticas disponíveis hoje para uso humano dependeram de fases anteriores de experimentação em animais. “as atividades de experimentação animal são necessárias, inclusive, no campo da veterinária”, pontua a nota. o Projeto Esperança animal (Pea) – qualificado como organização da Sociedade Civil de Interesse Público –, entidade ambiental

Diferentemente do que muitos pensam, os animais não estão aqui para nos servir

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que tem o objetivo de propiciar harmonia entre os seres humanos e o planeta, discorda: “Não é possível aceitarmos um comitê de ética para experimentação animal, pois consideramos que não existe ética nesse tipo de experimentação. Quando nos referimos aos animais, independentemente da espécie, raça, cor ou sexo, partimos do pressuposto que são vidas, sentem dor, medo e tudo mais que podemos sentir. Diferentemente do que muitos pensam, os animais não estão aqui para nos servir. É nosso dever respeitá-los e protegê-los como seres vivos”, esclarece a

entidade, através da sua página na Internet. a oNG é contra todo tipo de crueldade contra os animais e não considera a utilização destes na área médico-científica justificável, pois para eles trata-se de um retrocesso. advogada, vereadora e ativista da causa animal há mais de 15 anos, ana rita Tavares concorda com esse posicionamento. “Não temos explicação moral para usar animais não humanos como propriedade para satisfazer nossos propósitos. São seres sencientes, isto é, sentem dor, medo, fome, frio, assim como nós”, afirma. Segundo ela, neurocientistas da universidade de Cambridge, na Inglaterra, confirmaram que os animais não humanos também são dotados de consciência, além disso, dados publicados pelo órgão regulador de medicamentos dos Estados unidos (FDa) atestaram que 92% de todas as drogas aprovadas em testes clínicos realizados com animais falham em ensaios clínicos com humanos. “Diante desses fatos, e pelo respeito à vida, sou a favor da abolição dessas criaturas serem exploradas em testes para humanos”, posiciona-se.

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Ciência

Métodos alternativos

“É importante afirmar que apesar de todo esforço por parte dos pesquisadores para encontrar métodos alternativos, ainda estamos longe de alcançar tal objetivo, pois existem métodos complementares, mas que por si só não substituem o uso de animais”, explica a doutora em Farmacologia Marilene Lopes. a pesquisadora afirma que existem métodos alternativos que substituam o uso de animais, como a cultura de células e tecidos, micro-organismos, além de modelos matemáticos. “a utilização de animais pode ser substituída quando se chega a validar algum experimento que comprove a eficácia do teste e da segurança na resposta que o estudo da droga requer. Entretanto, vale ressaltar que para diversos testes ainda não foi possível essa mudança devido à seguridade e validade do modelo experimental”. Por essa razão, Marilene acredita que enquanto não há a validação com relação a métodos alternativos, “a forma mais sensata é a diminuição do número de animais que são utilizados, a associação com diferentes técnicas alternativas, e a minimização do desconforto dos animais com técnicas cada vez mais refinadas”. Para ela, a não realização desses testes com animais dificultaria em excesso a compreensão do funcionamento dos organismos mais complexos como os mamíferos – incluída a espécie humana. De acordo com a Fiocruz, as pesquisas científicas realizadas pela instituição envolvendo animais são pautadas pelos princípios de bem-estar animal, adotando-se, dentre outros critérios, os de redução. a instituição procura utilizar o menor número possível de animais a cada experimento e substituir o uso de animais por outra estratégia sempre que tecnicamente viável, tendo sido uma das primeiras instituições regidas por um Comitê de Ética de uso de animais. Para ana rita Tavares, as alternativas menos prejudiciais aos seres vivos são aquelas que preservam sua dignidade, ou seja, as que não são realizadas neles para fins de outras espécies. “Experiências in vitro (utilização de células e tecidos cultivados em laboratório), simulações computadorizadas e voluntários humanos são alguns exemplos de métodos mais eficazes e éticos”, enumera a advogada e ativista da causa animal. os ativistas da oNG PEa concordam. “Já existem inúmeros métodos substitutivos eficientes e eficazes que podem e já estão sendo usados nessa área. Isso sem falar dos modernos processos de análise genômica e sistemas biológicos in vitro, que vêm sendo 24

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Legislação

muito bem utilizados por pesquisadores brasileiros. Sem falar que culturas de tecidos, provenientes de biópsia, cordões umbilicais ou placentas descartadas, dispensam o uso de animais. Vacinas também podem ser fabricadas a partir da cultura de células do próprio homem”, esclarecem. “Hoje existem métodos avançados com células-tronco para que se evite utilizar animais como cobaias em laboratório. Com toda a tecnologia que existe, acredito que os experimentos com animais são arcaicos”, afirma a veterinária Mônica de aguiar, da Vitalpet. Segundo Mônica, esses experimentos são bastante prejudiciais aos bichos, pois causam muita dor, os deixam estressados e eles muitas vezes são mutilados. “É extensa a lista de consequências desastrosas aos animais em razão desses testes”, concorda ana rita Tavares. a ativista enumera: “dor, sofrimento, distúrbio comportamental e metabólico, lesões irreversíveis e morte”. o Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz), em parceria com a agência Nacional de Vigilância Sanitária (anvisa), criou em setembro de 2012, o Centro Brasileiro de Validação de Métodos alternativos (BraCVaM). a ideia é que o BraCVaM recomende ao Concea a oficialização de métodos substitutivos, contudo, o processo de validação precisa ser oficializado para que possa ser implantado. atualmente, o Brasil ainda não valida métodos e nem obriga a substituição das práticas dos laboratórios. l

a Lei arouca, de 2008, que estabelece procedimentos para o uso científico de animais, prevê que experimentos que possam causar dor ou angústia devem ser desenvolvidos sob sedação, analgesia ou anestesia adequada. No Brasil, ainda existe a Lei nº 9.605, de 1998, que estabelece como crime a realização de experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem meios alternativos. “além dessas duas Leis Federais mais específicas, foi aprovada neste ano, a Lei nº 15.316, do Estado de São Paulo, que proíbe a utilização de animais para desenvolvimento, experimento e teste de produtos cosméticos e de higiene pessoal, perfumes e seus componentes”, ressalta a advogada ana rita Tavares. Essa lei, pioneira no país, traz um grande avanço ao debate, embora o país ainda necessite de punições mais severas e de uma legislação federal mais firme a respeito do assunto. o Brasil não proíbe a experimentação com uso de animais na indústria de cosméticos, mas, por conta da grande pressão por parte dos consumidores, muitas empresas brasileiras não se utilizam desses testes, como a Natura, Bio Extratus, Contém 1g, o Boticário, Jequiti e rocco, dentre outras. Nesse quesito, países da união Europeia, além de Israel e Índia, estão à frente, com leis que proíbem a experimentação com animais para fins da indústria de beleza. Na contramão está a China, que ainda exige que sejam realizados testes. os Estados unidos e o Canadá também não têm ainda legislações que proíbam os experimentos.


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