CHEMTECH 20 ANOS A HISTÓRIA DA ENGENHARIA EM VERDE E AMARELO
CHEMTECH 20 ANOS A HISTÓRIA DA ENGENHARIA EM VERDE E AMARELO
Mauro Santayana
Palavras Iniciais Há vinte anos éramos três jovens, recém-formados pelo Instituto Militar de Engenharia, que cursávamos a pós-graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro. O Brasil estava vivendo um momento difícil, com a crise econômica, a inflação alta e, no mundo, diante da queda do Muro de Berlim, as perspectivas da globalização assustavam. Os governos de Reagan e Thatcher haviam desmantelado os estados nacionais, com a desregulamentação das atividades econômicas e a reabilitação radical do laissez-faire e do liberalismo do século XIX. Como bons alunos de uma escola militar havíamos sido preparados para servir ao país e queríamos de alguma forma retribuir o conhecimento que tínhamos recebido durante nosso curso. Com a erosão do Estado, no entanto, não havia mais esta perspectiva. Pelo menos, nos moldes tradicionais. Resolvemos então criar uma empresa própria, mesmo com a renúncia a empregos atraentes que nos eram oferecidos na iniciativa privada. A ideia era criar uma organização diferente de tudo o que conhecíamos. Foi assim que fundamos a Chemtech. Não tínhamos outro capital além de nossos conhecimentos como engenheiros químicos (ainda com muito pouca experiência) e os nossos princípios. Alugamos uma pequena sala em Ipanema e nos apresentamos, com a modéstia de nossos meios, ao mercado. Foi o inicio de uma grande aventura brasileira. Hoje somos 1.300 engenheiros, estagiários em engenharia e profissionais de outras áreas que dão apoio à nossa atividade empresarial. Mesmo depois de 2001, quando passamos a integrar o complexo mundial da Siemens, mantivemos a condução dos negócios e a linha de trabalho da Chemtech. Para registrar estas duas décadas de trabalho, de dedicação e de muitas realizações, decidimos publicar este livro. Convidamos, então, o jornalista Mauro Santayana para escrever um ensaio introdutório sobre a história do conhecimento e a filosofia do engenheiro e para coordenar a preparação dos textos sobre os vinte anos da Chemtech no contexto da história política e industrial do Brasil durante o período. Somos uma empresa orgulhosa de manter rígidos padrões éticos nas relações com os funcionários, os clientes e toda a sociedade brasileira. Talvez por isso tenhamos, seguidas vezes, sido reconhecidos como a melhor empresa brasileira para se trabalhar. Mais do que os grandes projetos que temos desenvolvido nestes anos, com o reconhecimento de nossa capacidade tecnológica, orgulhamo-nos de constituir uma comunidade diferente na sociedade competitiva, imediatista e individualista de nossos dias. Espero que gostem do livro. Luiz Eduardo Ganem Rubião
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A Engenharia do Mundo
A Arquitetura do Infinito Não há outro vocábulo, na raiz das línguas indo-europeias, que
O Mestre e o Pantheon
seja tão forte e significativo quanto o grego genos (procedente
Um velho mestre de obras brasileiro, Nestor
do verbo sânscrito jánati, gerar uma vida). Mediante o latim
Bartolozzi,
genus, dele vieram genes e gênio, genialidade, engenhar, engenharia, engenheiro. Gênese é o primeiro livro da Bíblia,
descendente
de
italianos,
visitava Roma. Ficou encantado com sua arquitetura, ao ver o monumental Coliseu e os belos arcos do Fórum. Mas seu grande
tanto no original hebraico (o Livro de Moisés, do Torah), como
espanto se deu com o edifício do Pantheon,
na Vulgata, tradução de são Jerônimo para a Igreja Católica, no
e o grande vão, de 43 metros de diâmetro,
século IV. Os antigos hindus não tinham outro exemplo da experiência comum, que não fosse o ato de gerar um filho, para significar
sob a cúpula. Como se sabe, ele só foi superado no século XX, depois da invenção do concreto armado. Seu comentário foi o de que as escolas de engenharia do passado eram melhores
a raiz da vida. Só ele serviria para descrever o primeiro ato de
do que as de hoje, porque, naquele
criação. Quando Deus pensou o mundo e, com a palavra, o fez
tempo, construir uma cúpula sobre um
nascer, agiu como arquiteto, ou seja, engenheiro. Assim, a criação do mundo é um ato de engenharia.
vão daquelas dimensões, exigia profundos conhecimentos de cálculo e de resistência de materiais. Seu acompanhante lhe disse que não havia escolas de engenharia, tal
Em uma das versões apócrifas do Livro de Gênese, que circularam
como as conhecemos hoje. Seu espanto foi
em alemão na Idade Média, Deus cria, em primeiro lugar, o espaço,
ainda maior: quem construía, então?
e não a luz. Ele diz: haja aqui e haja ali (Es gibt da und dort).
Seu interlocutor lhe disse que o edifício
Para os autores dessa versão, Deus não poderia ter criado a luz,
fora concebido inicialmente por um político
sem dispor do espaço a iluminar. Mas, se atentarmos para a teoria do Big Bang, espaço, tempo e luz são criados no mesmo instante.
e militar, Marcus Vipsanius Agrippa, o mais importante ministro e genro do imperador Augusto, que começou sua construção, e foi concluído mais tarde pelo imperador
Uma das mais inquietantes hipóteses sobre o Universo é a de que
Adriano. Não havia escolas de engenharia,
o seu existir seja uma pausa, um intervalo. Mas, intervalo entre
completou
que eventos? É possível que a teoria do Big Bang esteja certa. Se
o
acompanhante,
mas
as
pessoas conheciam filosofia, logo, sabiam pensar. E quem sabe pensar, é capaz de
for assim, poderemos saber quando e como começou o universo.
resolver qualquer problema lógico, seja
Mas jamais saberemos o principal: por que começou, e para quê?
de arquitetura, seja de engenharia, ou de
Mesmo que admitamos a existência de Deus, por que Ele teve essa ideia? Nunca o homem desvendará o enigma e há uma razão para isso, que encontraremos na matemática. Nós fazemos parte
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matemática.
da equação, e um termo da equação, por si só, em si mesmo, não
Os Mortos e os Guerreiros
resolve o problema. Todas as teorias são possíveis, como a de
Os primeiros grandes desafios da engenharia,
universos paralelos, de outras dimensões do tempo, e, mesmo,
em grande escala, representaram à sua
a de uma vontade individualizada na figura de Deus. Todas são possíveis, porque nenhuma é provável; ou todas são prováveis, porque nenhuma parece possível.
maneira a materialização, para além do tempo, das grandes dúvidas filosóficas da antiguidade, relacionadas à negação da finitude da vida, à preocupação com os deuses, e à sobrevivência do homem após
Nós pensamos em um princípio e um fim para o universo, porque
a morte.
a ele estendemos a nossa própria experiência, feita entre o
Nesse raciocínio, a mumificação, fruto
nascimento e a morte, mas nada nos prova que estejamos
do desenvolvimento de conhecimentos
certos. Esta é a primeira indagação filosófica, para a qual não há
químicos e de anatomia, e a construção das pirâmides, que exigiu notável esforço com
resposta. Foi exatamente na especulação entre o ser e o nada,
relação à matemática e à astronomia, assim
o princípio e o fim, que o homem treinou a sua razão e vem se
como a complicada arquitetura do caminho
impondo no domínio daquilo que existe, ou parece existir.
A Medida do Conhecimento
da alma – descrita no Livro dos Mortos do antigo Egito – em sua peregrinação rumo à eternidade, por portais, trilhas, passagens e palácios, são os exemplos mais evidentes. Podemos apenas imaginar, hoje, o desafio que representou a construção – em apenas três gerações – das pirâmides de Queops, Quefren e Mikerinos, a maior delas com dois milhões de blocos de pedra, dois mil e quinhentos anos antes de Cristo, a organização de milhares de homens em equipes e a coordenação das diferentes operações por um longo período.
A logística para permitir a sua hospedagem
Não sendo um conjunto acabado, é possível ver o universo como
e alimentação, e para coordenar o corte dos
máquina, a machina mundi descrita por Lucrécio em De rerum
blocos de 2.500 quilos e o seu transporte até o local. Os cálculos para alinhar a sala
natura. Ele se inspirou em Epicuro, que, em Peri Physeios (o
do sarcófago com as estrelas certas, a
mesmo título, em grego, do livro de Lucrécio, “Sobre a natureza”)
colocação das pirâmides contra o poente,
desenvolve as ideias básicas da física atômica de Demócrito. O
o desenho e a construção dos labrintos, corredores,
falsas
passagens,
maciças
mundo é, assim, movimento, e, sendo movimento, processo a que
paredes de granito, destinadas a impedir
podemos chamar “mecânico”. O mundo é máquina, mas é também
o roubo dos tesouros reais e a profanação
balança, se pensamos na gravitação universal. É um sistema de
dos corpos pelos ladrões de túmulos.
equilíbrio entre massas.
Dois mil e duzentos anos depois, portanto, 300 anos antes de Cristo, a preservação da
A mecânica do mundo vem sendo explicada pela física desde
vida de seu imperador após a morte – como
Aristarco de Samos, mas a física tampouco é definitiva. Por isso, o
antes os egípcios haviam feito com seus
maior físico de nosso tempo, Einstein, pôde dizer que se é física,
faraós – levaria os chineses a realizarem mais
não é certo; se é certo, não é física. O conhecimento do mundo é
complexa, com a fabricação de milhares
também um processo, no qual as novas descobertas – que quase
de armas, cavalos, carruagens e soldados
sempre confirmam a intuição dos primeiros pensadores – conduzem
tarefa
semelhante,
mas
muito
de rostos diferenciados em tamanho natural, destinados a ajudar o Imperador Qin a conquistar o mundo do além e a eternidade. Quantos trabalhadores foram
a outros processos, a outras descobertas. A base da ciência (de scire, saber, conhecer) é a medição, e medir
necessários para criar as formas, assar as
é dominar. Medir é pesar, calcular as dimensões de alguma coisa
peças de terracota separadamente, juntá-
no espaço. E o próprio espaço faz parte da medida. Kepler (1571-
las, seguindo um esquema predeterminado,
1630), resumindo alguns de seus predecessores, associa, de forma
montando cada cavalo, peça ou carruagem, pintando-as finalmente, com laca, para
axiomática, o espaço à mente de quem o pensa: omnis locatio
depois transportá-las para junto do túmulo
mentis est opus, todo lugar é obra da mente. A mente – ou seja,
do Imperador Qin e finalmente enterrá-
a consciência da natureza, de que só o homem é portador – é
las, para que fossem redescobertas por um grupo de trabalhadores em 1974? Trinta e cinco anos depois, as escavações continuam, ininterruptas, e ainda não
instrumento que opera todos os outros meios e modos de medir, de saber.
se sabe a dimensão exata do Exército de
Trezentos anos depois de Kepler, Wittgenstein (1889-1951), em
Terracota, também conhecido como os
seu Tratado Lógico-Filosófico, repetiu, por outro ângulo, a mesma
Guerreiros de Xian.
ideia, ao afirmar que “um ponto no espaço não passa de uma situação de argumento”.
Ernst Cassirer (1874-1945) – que muitos reputam o pensamento
Borges, o Aleph e a Fronteira Computacional
mais lógico do século XX – dedicou seu interesse maior à análise
Jorge Luis Borges, na abertura de um de
da história do conhecimento, a partir do estudo sobre a filosofia
seus mais famosos contos, “O Aleph”, cita
das formas simbólicas. Em seu livro Sobre a Teoria da Relatividade,
A Posição e o Momento
Shakespeare em Hamlet e o Leviatã, para falar do infinitamente grande que pode estar contido
Einstein (Zur Einsteinschen Relativitätstheorie, Berlim, 1921),
no infinitamente pequeno.
desenvolve o mesmo raciocínio de Kepler e Wittgenstein:
O escritor argentino descreve nesse texto, de 1949, o seu contato com “O Aleph”, esfera de
É quase certo que o autor de Informe de Brodie,
fogo de cerca de dois ou três centímetros de
Tão importante quanto essa dúvida angular é a advertência de
restrito, mais próximo, repete-se em todos os isolados campos da
ficaria fascinado com o princípio da superposição
diâmetro, que seria “um dos pontos do espaço
na mecânica quântica, expresso pela metáfora
Werner Heisenberg (1901-1976), com seu princípio da incerteza,
física. Antes de iniciar a observação, o pensamento do físico deve
que contém todos os pontos”. O objeto estava
do gato de Schrödinger, e com a apropriação
a partir da física quântica de Planck. O raciocínio do físico (que
escondido no décimo nono degrau de um porão
do conceito de incerteza no nível atômico e no
escuro situado sob a sala de jantar de uma
tinha apenas 26 anos, quando o formulou, em 1927) é simples.
subatômico para a geração e manipulação de
velha casa da calle Garay, em Buenos Aires,
É impossível, no nível do universo atômico, determinar, ao
para o confronto e a coordenação das grandezas; e estabelecidas,
kbits. E, mais ainda, se soubesse da possibilidade
antes da sua definitiva demolição, sob a guarda
de utilização de sequências de ácidos nucleicos
pelo menos hipoteticamente, e de forma preliminar, determinadas
de um escritor que ele reputava louco. Nele,
em computadores de DNA, usando a mesma lógica
conforme o seu postulado, a situação da partícula no espaço, em
Borges teria “visto a un tiempo cada letra de
da máquina de Turing, com uma capacidade
cada página (de chico yo solía maravillarme
seu momentum exato. Ou você consegue uma coisa, ou a outra,
acentua Cassirer, toda medição contém um puro momento ideal: não
de cálculo com simultaneidade de bilhões de
de que las letras de un volumen cerrado no
moléculas/operações.
mas nunca ambas. Esse raciocínio é teoricamente entendido
é com os instrumentos de medição, sensíveis e reais, mas, melhor
se mezclaran y perdieran en el decurso de la
“Aquilo que se apresenta como exemplo específico em campo mais
sempre haver determinado, por si mesmo, as próprias normas de aferição. Deve ter sido estabelecido um determinado ponto de vista
constantes, antes de aplicar a medição concreta. Nesse sentido,
do que isso, com os nossos conceitos, que medimos – e comedimos – os acontecimentos naturais. Os princípios e os postulados são os próprios e verdadeiros instrumentos últimos de medição”.
noche), vi la noche y el día contemporáneo, vi un poniente en Querétaro que parecía reflejar el color de una rosa en Bengala, vi mi dormitorio sin nadie, vi en un gabinete de Alkmaar un globo terráqueo entre dos espejos
O trecho pode ser resumido na constatação de que a mente
que lo multiplicaban sin fin, vi caballos de crin
do observador que vai medir alguma coisa, ou determinado
arremolinada, en una playa del Mar Caspio en
fenômeno, com sua própria ética e visão da vida e do mundo (na linguagem filosófica alemã, sua Weltanschauung), determinará o processo de medição. Uma das principais tarefas da razão humana é distinguir entre
el alba, vi la delicada osadura de una mano, vi a los sobrevivientes de una batalla, enviando tarjetas postales, vi en un escaparate de Mirzapur una baraja española...” Não sabemos se Borges, um homem muito mais afeito aos livros do que às máquinas, teve
os instrumentos (mentais e físicos) que usamos para medir, e a
interesse em acompanhar, na segunda metade
coisa a ser medida. A perfeita exatidão das dimensões, tanto nas
de sua vida, a tremenda evolução das válvulas,
grandezas cósmicas, quanto nas partículas atômicas, é duvidosa.
transístores e placas de circuitos impressos,
Estamos sempre nas aproximações, o que nos leva àquela precaução
que possibilitariam a formulação da Lei de Moore. Ele morreu em 1986, totalmente cego,
de alguns matemáticos, de que um ângulo reto pode ser visto
e se tivesse conhecido o computador pessoal,
como eventualmente menor do que noventa graus – embora nunca
o celular e a internet, talvez fosse tentado a
além de um quarto da circunferência dada.
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fazer um paralelo com o estranho objeto que imaginou em Buenos Aires na década de 20.
Se o espaço só existe do ponto de vista de quem o observa, todo espaço e todo tempo são, antes de mais nada, informação. Se o universo que existe é o que dele temos conhecimento, e a
mesmo tempo, a posição de uma partícula e sua velocidade. Ou,
quando trata do infinitamente pequeno, mas não de massas maiores. Ainda assim, ele suscita indagações com relação às grandes massas cósmicas.
medida que se expande o nosso conhecimento
Sem medir, não conhecemos; sem conhecer, não dominamos. Toda
sobre ele se expandem para nós suas fronteiras
ciência, ou seja, todo conhecimento, sendo lógico, pertence,
e sua história – Borges teve razão de sonhar
como entendeu Marcuse (1898-1979), à ordem de domínio.
com a existência de um objeto infinitamente pequeno que pudesse conter todo o universo
Conhecer é, de certa forma, possuir, e é também se defender. Essa
conhecido dentro dele.
preocupação de conhecer para dominar e defender-se pode ser
Do ponto de vista biológico, podemos dizer
percebida entre os animais. Quem conhece a vida rural sabe que,
que já temos algo parecido nas bilhões de
ao transferir-se um rebanho de uma propriedade para outra, os
combinações contidas na fita de DNA de
animais, ao chegar ao território desconhecido, correm para todos
cada uma das células do nosso corpo. Quanto ao conhecimento, é possível afirmar que,
os lados, até as cercas confinantes. Eles procuram apropriar-se
no futuro, poderemos construir um Aleph
da realidade em que estarão contidos, ao localizar as fontes de
para cada ser humano que tiver acesso aos
água, os pastos mais tenros, os perigos da topografia, como as
computadores quânticos e moleculares que serão desenvolvidos ainda nesta geração.
voçorocas, as pedras, os brejos.
O Contrato com o Absoluto Uma hipótese – que percorre as especulações da antropologia
A Fugacidade da Vida
filosófica – é a de que o homem buscou, no conhecimento,
Um dos maiores poetas gregos, Pindaro, ao
forma de resistência contra as forças sobrenaturais. A busca do
elogiar um campeão dos jogos olímpicos,
conhecimento começa no céu – espaço inatingível – onde se encontram o sol e as estrelas, de onde caem as águas e os raios
disse que “o homem não é mais do que o sonho de uma sombra”. Para os astrofísicos, não é só o homem, mas o planeta que o
incandescentes. Duas foram, a partir de então, as estradas da
acolhe, uma centelha no tempo.
percepção. Uma delas, a da inteligência especulativa; outra, a
O
da entrega do destino ao Criador presumido de todas as coisas,
formado pela Sorbonne, que foi destacado
mediante a fé. Hans Blumenberg (1920-1996) é autor de instigante estudo sobre as relações entre a ciência e a fé (Die Legitimität der Neuzeit,
físico
brasileiro
Ubirajara
Brito,
pesquisador do Centro Nacional para a Pesquisa Científica, da França, presidente do CNPq e ministro interino da Educação, é um desses céticos. Em trabalho recente, Brito enumera alguns fatos inevitáveis e
Suhrkamp Verlag, Frankfurt, 1966). Ao encerrar sua obra com
alguns perigos latentes que ameaçam a
um ensaio conclusivo sobre a independência do pensamento de
Terra.
Giordano Bruno (1548-1600), faz importante observação sobre
Dentro de 50 milhões de anos, o Sol se
o mito da encarnação, presente em quase todas as religiões, incluídas as politeístas: “A ideia da encarnação foi – e pouco importa que isso não tenha sido intencional – o fortalecimento infinito da estima do homem por si mesmo. É graças a esta ideia que a figura assumida de Deus
chocará com a estrela Vega, uma das mais próximas do nosso sistema, se, antes disso, não expandir-se até a órbita de Marte. A Terra, nesse caso, seria incinerada no inferno de gases em combustão. Antes disso – e a qualquer momento – poderemos ser atingidos por um dos três
não é mais qualquer uma e provisória, mas se torna o destino do
mil asteroides que circulam em um cinturão
homem, próprio e durável. É neste aspecto definitivo do pacto
entre Marte e Júpiter. Se um deles, com 50
que se situa o jogo teológico. Ele contém a garantia apodíctica do
quilômetros de diâmetro, chocar-se com a Lua, ou for atraído diretamente pelo nosso
lugar eterno, da mesma forma que a metamorfose tem o caráter
planeta, não haverá salvação. E há alguns
episódico, mas implica que tudo poderá devir”.
(como Ceres) com mais de 500 quilômetros
Essa relação com o sobrenatural conduzirá a ciência por um
asteroide, seríamos jogados para fora da
caminho óbvio. A astrologia foi a grande impulsora da ciência, até
órbita, que – em uma variação de menos
os tempos mais recentes quando se transformou em astronomia, com Tycho de Brahe e Kepler, na passagem do século XVI para o século XVII . Não se trata de mera transição semântica a mudança
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de diâmetro. Nesse caso, o da queda de um
de 5% para mais longe, ou para mais perto do Sol – eliminaria a vida no planeta, pelo calor ou pelo frio.
do nome da ciência: com Brahe (1546-1601) e Kepler, o nomos,
Há ainda as ameaças periódicas do
ou seja, a ordem das leis, constitui passo adiante ao discurso
ajustamento das placas tectônicas, com
descritivo do logos. A astronomia, naqueles séculos inquietos, se afasta da teologia dogmática, com o testemunho de martírio de alguns grandes
de ilhas e surgimento de outras. E não nos esqueçamos das tempestades solares, como a ocorrida em 1856, com o intenso bombardeio de nosso planeta por prótons,
homens, entre eles, Giordano Bruno, levado à fogueira em 17 de
de tal maneira que a aurora boreal pôde
fevereiro de 1600, no Campo di Fiori, em Roma. Com ela, em sua
ser vista nos trópicos. Se coisas mais graves
posição proeminente naquele momento, todas as outras ciências buscam autonomia com relação à Fé.
A Ação da Mente e a Astúcia da Abstração
terremotos, maremotos, desaparecimento
não ocorrerem com a exacerbação das tempestades magnéticas, todos os sistemas de comunicação eletrônica entrarão em colapso, com o silêncio entre os povos do
O Eu e seu Cérebro
O conhecimento de cada homem de nada valeria à espécie se
Dois dos mais instigantes estudos sobre a
não fosse comunicado aos outros. Os animais têm experiência,
mente e o cérebro foram reunidos em um
mas só podem transmiti-la precariamente. As imagens, os
só livro, O eu e seu cérebro. O filósofo Karl Popper (1901-1994) e o neurobiologista
É nas estrelas que os homens buscarão suas próprias pegadas no
mundo e, mesmo, entre os vizinhos.
mundo – e o seu futuro.
Brito é, como os cientistas antigos, um
independentes, sem que um conhecesse o
filósofo. Como filósofo e humanista, ao
trabalho do outro. Daí a força do livro.
Embora haja muitos e excepcionais pensadores que procuraram
John
Eccles
escreveram
seus
textos
sentimentos, a memória de cada um, só podiam conservar-se na comunicação com os outros, mediante símbolos comuns, que todos entendessem.
negar a existência de Deus, resume sua
(e ainda procuram), com convicção, harmonizar a ciência e a fé,
Eccles foi cristão durante a vida inteira,
Esses símbolos são abstratos; mesmo quando se aproximam
constatação metafísica: se Deus criou o
Popper era agnóstico. O texto de Eccles é
é evidente que os ateus e os agnósticos, com sua independência
universo, não deixou nele um único lugar
extremamente preciso do ponto de vista
de imagens da vida cotidiana, como os hieróglifos, não as
para si mesmo. Cabe ao homem assumir
científico. Ele mostra minuciosamente
sua própria responsabilidade com a justiça
o funcionamento dos neurônios, cujas
primeira das formas simbólicas (e voltamos a recorrer a Cassirer)
e a felicidade da espécie.
de ação investigativa, têm contribuído mais do que os crentes no caminho da ciência e da tecnologia. Uma constatação interessante
reproduzem com exatidão. É preciso um código simbólico. A
ligações (sinapses) foram uma descoberta
é a de que os biólogos modernos se encontram mais próximos
é a da linguagem gestual e vocal. Os estudos linguísticos mais
que lhe deu o Prêmio Nobel.
da ideia da criação divina do que os cientistas que trabalham
avançados se fizeram com as línguas indo-europeias, a partir
Para a grande surpresa dos leigos, Eccles
com a física e a química inorgânica. Um grande exemplo é o
revela que os melhores estudos sobre o
das raízes sânscritas. Nesses estudos, verificamos que os sons
do contemporâneo John Eccles (1903-1997), neurofisiologista
assunto se fizeram a partir do cérebro dos
australiano, Prêmio Nobel de Medicina, pelas suas investigações sobre o cérebro, e a descoberta dos mecanismos eletroquímicos de comunicação entre os neurônios.
gatos. Popper, entre outras ideias, duvida da importância do homem no universo. Em uma passagem inquietante, o filósofo Popper imagina o diálogo entre uma inteligência estranha ao universo e outra inteligência também a ele alheia. E uma das inteligências, ao dizer a outra que, em algum tempo, aquele conjunto de focos gasosos em combustão e esferas girando em torno seria habitado pelo homem, recebe em resposta uma pergunta: para quê? O brasileiro Henrique del Nero, médico psiquiatra e engenheiro em computação, publicou também interessante estudo sobre a semelhança entre o cérebro e os computadores, “O sítio da mente”, que vem sendo referência sobre o tema em nosso país.
das palavras podem ter algo a ver com as coisas e atos que representam, mas são, de qualquer forma, abstrações. O grande avanço veio com a representação gráfica das palavras, ou seja, com a invenção dos alfabetos. Eles surgiram, mais ou menos na mesma estação histórica, em diferentes civilizações.
Os Números e as Dimensões Os Rabinos e a Programação dos Golems Dos monstros da antiguidade, passando pelos
autômatos
e
outras
máquinas
mecânicas da Idade Média – há um divertido romance histórico sobre isso, A máquina de xadrez, de Robert Löhr – , e por Frankenstein, o homem sempre sonhou com seres e máquinas que o obedecessem.
teria criado um golem para defender o
Para que se entendesse a convivência entre o movimento e o
gueto de Josefov em Praga contra ataques
tempo, e, enfim, para que se estabelecessem todas as relações,
antissemitas. A primeira versão publicada dessa história apareceu em 1847 em uma
foi preciso que o homem – contando apenas com a observação e
coleção de contos judaicos intitulada
o trabalho da mente – encontrasse, nos números, representações
Galerie der Sippurim, publicada por Wolf
gráficas para as quantidades. O melhor sistema de representação,
Pascheles, de Praga. Cerca de 60 anos mais tarde, um conto de ficção foi publicado
para favorecer o cálculo, é o decimal, que – a obviedade é clara –
por Yudl Rosenberg (1909). De acordo
surgiu dos dedos das mãos. Os gregos e os romanos se utilizavam
Em alguns casos, chegou-se a antever
com a lenda, o golem teria sido feito
até mesmo uma espécie de “software” e
das letras para definir os números, e isso fazia muito difíceis e
com a argila do rio Moldava. Seguindo
de programação. Podemos encontrar um
rituais específicos, o rabino construiu o
complicados os cálculos no mundo mediterrâneo. A necessidade
interessante exemplo no folclore judaico,
golem e fez com que ele ganhasse vida
em um ser mítico chamado Golem, ligado
recitando um encanto especial em hebreu e
à Cabala e à tradição mística do judaísmo.
escrevendo na sua testa a palavra “emet”,
Golem, que, no Talmud serve para se referir
que significa “verdade”.
Alexandre, em 332 a.C, na boca do Nilo, foi o ponto de baldeação
O golem deveria obedecer ao rabino,
da cultura grega para a romana. Logo em seus primeiros anos,
ajudando e protegendo o gueto judaico.
nela surgiu Euclides, cuja geometria orientou toda a ordem da
Durante o dia, o rabino escondia o golem
matemática – a partir de sua tradução ao latim, no século XII,
a um embrião ou substância incompleta – o salmo 139:16 usa a palavra “gal´mi”, significando
“minha
substância
ainda
informe” – e que no hebraico moderno pode significar “estúpido”, “tolo”, ou “imbecil” – designa um ser inanimado, feito de barro, que pode ser “ligado” ou “desligado” mudando a palavra que está escrita em sua testa – que pode ser um dos nomes de Deus – ou que está gravada em uma placa de cerâmica (imaginamos imediatamente um chip) colocada dentro da sua boca.
no sótão de uma sinagoga. Porém, o golem cresceu – os golems têm a propriedade de crescer absorvendo a terra do solo por onde passam – e se tornou violento, começando
impunha sinais distintos dos usados para o registro das palavras. A cidade de Alexandria, fundada pelo grande conquistador
feita por Adelardo de Bath –, até o século XIX. Também em Alexandria, quase 600 anos mais tarde, em 250
a atacar indiscriminadamente as pessoas.
de nossa era, Diophantus voltaria aos teoremas do mestre, para
A população de Praga prometeu então ao
desenvolvê-los e formular equações algébricas simples, que foram
rabino que a violência contra os judeus
desenvolvidas muito depois pelo matemático hindu Aryabhata (476-
pararia se o golem fosse destruído. O rabino Loew concordou e destruiu o golem
550). São as chamadas equações diofantinas, sempre congruentes
apagando a primeira letra da palavra
e com o uso apenas de integrais. A matemática, com Aryabatha,
A mais famosa história de golem envolve
“emet”,
o rabino Judah Loew, de Praga, durante
voltava à primeira fonte do saber ocidental, ou seja, à Índia. De lá,
“met”, que significa “morte”, o que
o século XVI. A tradição conta que ele
transformou o golem em terra novamente.
“verdade”,
restando
apenas
ela retornaria ao Mediterrâneo, mediante os persas e árabes. Esse retorno se fez via Bagdá, no momento alto da civilização islâmica, ainda sob os vinte anos do iluminado Califato de Al-Mam’mun (que durou de 813 a 833). Durante o resto do século – e com influência remanescente, mesmo depois de deslocada a sede do Califato para Samarra – Bagdá foi o centro mais importante da cultura do tempo, com a Dar al-Hikma (Casa do Saber), criada por Al-Mam’mamun.
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Ali, pagos pelo califa, trabalharam excelsos pesquisadores,
A Sequência de Fibonacci
entre eles Al-Khwarizmi (780-850), autor de um dos livros mais
Trabalhando, na mesma época, sobre as
importantes para o desenvolvimento da matemática: o “al-Kitab al-
possibilidades do ábaco, Leonardo Fibonacci
mukhtasar fi hisab al-jabr wal-muqabala” (Compêndio de cálculo por conclusão e balanço), publicado em 845. Nele, o astrônomo, físico
descobriu
uma
aparentemente
sequência simples,
mas
numérica que
se
revelaria enigmática em sua relação com o
e matemático da Casa do Saber emprega os números hindus, que
universo: (1-1,2,3,5,8,13,21,34,55,89...).
hoje conhecemos como algarismos arábicos. Os nomes algarismo
Ela se obtém mediante a soma dos dois
e algoritmo, como é fácil de depreender, derivam exatamente de
números anteriores. Se a expressarmos em termos geométricos – usando o esquema
seu divulgador. Em seu livro, Al-Khwarizmi desenvolveu também
pitagórico dos quadrados – e partirmos, com
o raciocínio algébrico.
uma curva espiral, do centro do primeiro
Embora as equações já fossem conhecidas, o termo álgebra vem
assim por diante, formaremos uma espiral
de al-jabr, de seu livro, e não, como alguns supõem, do alquimista
perfeita. É a espiral perfeita, com as
árabe Jabir ibn Hayyan, que, vivendo na Espanha no século anterior, teve seu nome latinizado para Geber.
quadrado para o segundo e o terceiro, e
mesmas proporções, que encontramos na natureza, na carapaça dos caracóis, em certas flores e na formação das grandes nebulosas.
O livro de al-Khwarizmi chegou a alguns sábios islâmicos na Espanha muçulmana e há registros de sua presença no início do século X. Sua divulgação, no continente europeu, se dá a partir da tradução latina (algoritimi de numero indorum), também de Adelardo de Bath, o tradutor de Euclides, no fim do século seguinte, ainda de leitura restrita a um pequeno círculo. A sua difusão ampla no Ocidente se deve ao trabalho do grande matemático de Pisa, Leonardo Fibonacci, com seu manual para o uso do ábaco (liber abaci), publicado em 1202. Fibonacci redigiu um manual para orientar, principalmente, os mercadores em sua atividade – que se desenvolveria rapidamente a partir do século seguinte. O ábaco favorecia os cálculos e induzia ao sistema vertical das operações aritméticas, mediante os algarismos arábicos. A ciência matemática teria insignificantes avanços até o século XVII, a sua grande época, com a contribuição de inúmeros pensadores, entre eles Fermat (1601-1665), Pascal (1646-1662), Descartes (1596-1650), Leibniz (1646-1716). São esses filósofos, e mais os seus precursores nas pesquisas físicas e químicas, que conduzirão à grande síntese de Isaac Newton (1642-1727), com sua obra maior, Philosophiae naturalis principia Mathematica.
20
A Ciência e o Poder Político O desenvolvimento da ciência, nos Seiscentos, corresponde
O Nascimento do Homem
ao impulso histórico da burguesia como classe dirigente, em
A inteligência do homem deve ter nascido
associação, em alguns momentos, e no confronto, em outros, com
em certa articulação das circunstâncias.
a nobreza. O conhecimento se torna indispensável ao sistema de domínio político que começara a delinear-se com o Renascimento e se desenvolveria, a partir da Revolução Inglesa, contra os Stuarts.
Embora
seja
quase
certo
que
esse
fenômeno se tenha produzido lentamente em centenas de milhares de anos (e, conforme achados modernos, em milhares de séculos), podemos imaginar um desses
A República de Cromwell, em sua curta duração, deu-lhe o impulso
momentos.
criador, que a contrarrevolução de Carlos II não pôde conter, até a
É de se supor que, em determinado
fundação da democracia moderna na Glorious Revolution de 1689.
momento,
Só a inquietação política, na luta dos vários setores sociais –
antepassados, pela sua observação e
entre eles os servos das glebas, liderados pelos puritanos – e
um
de
nossos
recuados
experiência, tenha deduzido existir, sob uma pedra, colônia de térmitas, com
a ascensão dos proprietários de terra sem títulos de nobreza, a
seus ovos e larvas. Não podendo levantar,
gentry, com seu efeito dialético em toda a sociedade, conduziriam
sozinho, a rocha, e, avistando, à distância,
ao vendaval da inteligência na Inglaterra daquele século. Marcado pela presença poderosa de Francis Bacon (1561-1626), com suas obras nucleadoras da filosofia das ciências, Novum
um semelhante, é possível que lhe tenha endereçado um grunhido, acompanhado do gesto para que se aproximasse. Juntos, ao tentar, sem êxito, deslocar a pedra, podem ter encontrado um galho de árvore
(dialética, retórica, gramática). Trata-se de arte ancorada na
Organum e Instauration Magna, de 1620; de John Milton (1608-
apropriado e o usado como alavanca. Nesse momento, se o momento houve, tal
mensuração do som, que as notas e os compassos expressam.
1674), de Thomas Hobbes (1588-1679), e de John Locke (16321704), o pensamento inglês influenciaria toda a Europa, daria novo impulso ao Renascimento e conduziria à Revolução Francesa e à independência dos Estados Unidos.
como o imaginamos, surgiram, no mundo, a linguagem, o trabalho e a solidariedade. E a engenharia.
Essa constatação do adolescente – a de que todos os fenômenos podem ser mensuráveis – será exposta, em plena maturidade, em Il saggiatore (O ensaísta) de 1623, no trecho em que, mais do que outros, revela seu pensamento filosófico:
O italiano Galileu (1564-1642) foi o mais destacado predecessor de Newton. Seu interesse pela física começou na adolescência,
“A filosofia é escrita neste grande livro que é o universo,
quando participou das experiências feitas por seu pai, o músico
continuamente aberto ao nosso olhar. Este livro não pode ser
Vicente Galilei, sobre a relação entre a duração das notas e a
entendido, sem que primeiro aprendamos a compreender sua
tensão das cordas dos instrumentos. Como os gregos tinham
linguagem e as letras com as quais é composto. Ele é escrito na
percebido, mais de dois mil anos antes, a música é uma ciência
linguagem da matemática e seus caracteres são os triângulos,
matemática, faz parte do quadrivium (aritmética, música,
os círculos e outras figuras geométricas, sem as quais é
geometria e astrologia), em oposição às ciências da expressão
humanamente impossível entender uma só de suas palavras.”
22
Duas, entre outras contribuições de Galileu – ambas em íntima
Giordano Bruno (1548-1600), nascido cinco anos depois da
associação – marcaram o tempo e abriram caminho aos cientistas
morte de Copérnico e 16 anos mais velho do que Galileu, além de
que o sucederam. Uma delas foi a invenção do telescópio (embora
se alimentar do pensamento islâmico, teve como grande mestre
haja quem a ele credite apenas o aperfeiçoamento das lentes).
Nicolau de Cusa. Ele vai além de Cusa, na grande questão que
A outra, a adesão à teoria de Copérnico, que deslocava a Terra
animava a cosmologia do tempo: o mundo é ou não finito? Nicolau
da posição de centro do universo e a substituía pelo Sol. A
de Cusa considerava difícil fixar limites ao universo; Bruno afirma
nova hipótese se revelaria também falsa pelo avanço da ciência,
que é impossível haver tais limites. Diz-se seguro de que jamais
mas, naquele momento, era uma revolução, porque negava o
será possível encontrar uma razão, mesmo semiprovável, pela
enunciado ptolomeico, tido como dogma pela Igreja. Outra
qual haja limite a este universo físico e, em consequência, que
contribuição importante foi a de seus estudos sobre a gravidade
os astros contidos neste espaço sejam em número finito.
e o movimento do pêndulo.
Por isso mesmo, proclama, com entusiasmo, que Deus, em sua
Essas experiências possibilitaram o avanço espetacular obtido
excelência e grandeza, não poderia ter agido de outra maneira, a
por Newton, no século seguinte, em suas investigações sobre as
não ser construindo o universo infinito, coerente com a infinitude
leis da gravitação, e incitaram à revolucionária descoberta de
de seu próprio poder. A Igreja se viu assim contestada por Bruno
Foucault (1819-1868), com seu pêndulo, no século XIX.
e por Galileu. Contra Bruno, ela agiu com a crueldade conhecida,
Corrida de Revezamento
fazendo-o desfilar pelas ruas de Roma com a língua cortada em uma caixa transparente, antes de atá-lo vivo à fogueira. Galileu conseguiu, com a abjuração, evitar a condenação à
Quando examinamos a história do conhecimento, percebemos
morte, talvez com a astuta conclusão de que seu ato não
que há uma corrida de revezamento: os pensadores se sucedem,
mudava a realidade. Mas se Galileu foi melhor cientista – com
recebendo de seus antecessores o registro das informações e
suas experiências comprovadas – Bruno foi homem maior,
ideias, e retomando as investigações naquele passo. No caso
morrendo pela liberdade de pensar. Antes do veredicto, disse,
da cosmologia, isso é muito claro. Deixando de lado as buscas
com firmeza, que os seus juízes teriam muito mais temor em
mais antigas, fiquemos nos dois séculos decisivos, o XV e o XVI.
proferir a sentença que o condenava, do que ele, ao ouví-la. Ele
Nicolau de Cusa nasceu em 1401 e morreu em 1464. Não foi
pode ser considerado o paladino da ética do direito à dúvida e
astrônomo, mas teólogo e filósofo. Mesmo dentro da hierarquia
da liberdade de expressão do pensamento.
da Igreja – como um de seus bispos – não ousou opinar sobre a finitude ou não do universo, mas estabeleceu, de forma clara, que todo o cosmos se move.
Mais do que na defesa de suas ideias, Bruno morreu para que todos pudessem ter ideias e expressá-las. Nisso foi maior do que Sócrates, que admitiu sua condenação à morte como a aplicação
Ao fazê-lo, abriu caminho para que Copérnico (1473-1543),
da lei ateniense. Bruno rejeitava a legitimidade divina a que a
nascido nove anos depois de sua morte, ousasse deslocar a
hierarquia se arrogava, como única intérprete da verdade.
Terra da posição de centro do universo, adotada pela Igreja, substituindo-a pelo Sol. O enunciado constituiu uma heresia. Felizmente, para Copérnico, seu livro clássico sobre o tema foi publicado dias depois de sua morte repentina. Assim, não foi atingido pela perseguição do Santo Ofício.
O Magneto Terrestre
de Davy diziam que sua maior descoberta
explica o seu profundo conhecimento de filosofia – era apenas
fora o próprio Faraday, não obstante
razoável em matemática.
seus grandes êxitos na química, como a separação dos componentes do sódio e do potássio. Também Einstein conta que seu interesse pela física surgiu quando,
O jovem Newton, golpeado pelos dramas familiares chegou a Cambridge em 1661, ano-chave para a ciência, porque
aos 12 anos, observou, maravilhado, o
correspondeu ao nascimento da química moderna, com a publicação
comportamento da agulha de uma bússola.
de The sceptical chymist, de Robert Boyle (1627-1691).
O mundo se encaminhava para a grande síntese de Isaac
As Raízes da Coincidência
Newton. Um médico de Essex, William Gilbert (1544-1603), cuja
Jornalista
reputação científica o levara a ser o assistente pessoal da rainha
nos anos 30, Arthur Koestler (1905-
penicilina, são debitadas ao acaso. Mas
estudante, mas quatro delas se destacam, do ponto de vista
Elizabeth I (1533-1603) e de seu sucessor, James I (1556-1625),
1983) dedicou-se, em sua maturidade,
o acaso não seria – e essa é a tese de
prático: a de Galileu, de quem será o excelso continuador, a de
aos estudos científicos e à história do
Koestler – uma forma de intromissão
conhecimento. Insaciável em suas buscas,
do sobrenatural, sob a máscara da
não titubeou em associar a ciência ao
coincidência?
misticismo, a inteligência humana aos
O escritor Horace Walpole (1717-1797)
favoreceu bastante o sábio de Cambridge, com seus estudos sobre o magnetismo e a energia elétrica. A partir da bússola, um dos mais antigos instrumentos de navegação, Gilbert foi pioneiro no campo da energia elétrica,
e
ativo
militante
Algumas político
quanta, a parapsicologia aos átomos.
das
descobertas
mais
científicas,
surpreendentes como
a
da
baseou-se em uma lenda persa, a dos
Muitas foram, assim, as grandes raízes de que se nutriu o jovem
Descartes (1596-1650), de quem discordava, a de Gilbert e a de Robert Boyle (1627-1691). Em Newton, a alquimia, já convertida em química por Boyle (que pela primeira vez emprega o vocábulo sem a partícula árabe al), se encontra com a física.
Como resultado dessa busca, escreveu The
príncipes de Serendip, uma ilha do Ceilão
roots of coincidence, no qual tenta dar
– que andavam pelo mundo, sempre
Newton nunca abandonará seu interesse pela antiga alquimia,
magnet of the Earth. Supõe-se que em um momento qualquer
encaminhamento lógico às coincidências.
procurando uma coisa e achando outra
embora, a partir de Boyle, e outros de seus discípulos e
os chineses ou os gregos, muitos séculos antes de Cristo, se
Não
contemporâneos, aquele ramo do conhecimento tenha deixado
com seu livro On the magnet, magnet bodies, and the great
mas
– para cunhar a expressão serendipity,
associação dos fenômenos, que confluem
hoje um dos sinônimos da inexplicável
dentro de um campo misterioso, a que
coincidência, se assim podemos qualificar
os postulados místicos. A partir da experiência com o ar de Boyle
metais ferrosos. O acaso talvez os tenha levado, pelo movimento
nossa inteligência ainda não teve acesso.
o fenômeno.
(e, em seguida, com os gases que o compõem) – ela se torna a
das limalhas, a descobrir a direção norte-sul do ímã, e usá-la na
Temos um exemplo curioso na vida
Muitos cientistas, e isso é mais frequente
mais exata das ciências.
orientação geográfica.
cotidiana, examinado, entre outros, por
na química, quando buscam um efeito
Freud. Quando lemos sobre alguma coisa
na combinação de duas substâncias,
Gilbert retornou à bússola e à eletricidade estática descoberta
nova para nós, ou conhecemos alguém com
encontram outro, às vezes mais importante
pelos gregos, mediante a atração do âmbar (resina petrificada
nome diferente, podemos estar certos de
do que o procurado.
que, nas horas seguintes, encontraremos
pode ser a sorte, mas os atos confluem em
outras referências sobre o assunto ou sobre
uma coincidência.
tenham detido ao exame da propriedade da magnetita em atrair
de pinheiro, elektron, em grego) e desenvolveu seus estudos
há,
assim,
coincidências,
pioneiros. Coube-lhe empregar, pela primeira vez, termos como
o nome que nos impressionou.
atração elétrica, força elétrica e polo magnético.
Na
A principal dedução de Gilbert foi a de que a Terra é, em si mesma,
ciência
as
“coincidências”
são
Pode ser o acaso,
O Pluralismo Intelectual Tal como Boyle e outros de seus contemporâneos e predecessores, Newton não foi especialista. Eles eram filósofos, no velho entendimento da palavra, ou, seja, dedicados ao exame de todas
numerosas. Por exemplo, a da influência
as manifestações da natureza, da vida, da política. Ganhavam a
da bússola na vocação dos físicos. Gilbert
um grande magneto, imenso ímã, e que os corpos se mantêm no
vida como professores, médicos, preceptores de jovens nobres,
descobriu que a Terra é, em si, um ímã, a
céu mediante atração e repulsão. Ele publicou seu livro no mesmo
partir da bússola. A notícia sobre a bússola
assessores dos poderosos. Aristóteles, o modelo de grande
ano (1600) em que Bruno era levado à fogueira em Roma. No mesmo ano (1642) em que Galileu morria, na Toscana, exatamente quatro dias antes, nascia, na aldeia de Woolsthorpe,
encantou o menino Faraday, que aprendera a ler em uma escola religiosa dominical e trabalhava com um encadernador. Lendo
O homem de Cambridge reuniu os conhecimentos de sua
aleatoriamente os livros, com eles tudo
atualidade, da física de Galileu às leis magnéticas de Gilbert, das
aprendeu, antes que o verbete sobre
experiências com os gases de Boyle à geometria de Descartes,
em Lincolnshire, Inglaterra, Isaac Newton. Newton, que não
eletricidade, na 3ª. edição da Enciclopédia
conheceu o pai, morto antes que nascesse, e odiava o padrasto,
Britânica, o levasse a buscar trabalho como
foi um aluno distraído, criado pela avó. Bom em latim – o que
pensador, foi o mestre do adolescente Alexandre Magno.
para construir sua obra monumental. Nela sintetizou todo o
aprendiz no laboratório de Humphry Davy,
saber então disponível sobre a natureza. Embora não se tenha
onde praticou química. Os contemporâneos
dedicado particularmente à química, ainda que conhecesse muito
A Produção da Modernidade
dos postulados da alquimia, em seus estudos sobre a ótica há indicações importantes para o desenvolvimento da ciência. É impossível analisar a vida e a obra de Newton em dois ou três parágrafos, a que estaríamos limitados pelo espaço. Há excelente estudo sobre ele, de Richard Westfall: “Never at rest. A biography of Isaac Newton”, publicado em 1980 pela Cambridge University Press. A física de Newton abriu o caminho para as grandes experiências
O Inventor do Refrigerante
Mas se a física contribuiu para a construção do mundo moderno,
Joseph Priestley (1733-1804) foi um dos
não foi menos importante a química, com o desenvolvimento da
mais destacados químicos de seu tempo,
energia para o uso industrial e a produção de novos materiais. A
dos séculos XIX e XX. Sem ela, não haveria pesquisadores como
graças aos estudos sobre os gases, que
John Dalton (1766-1844), Michael Faraday (1791-1867), e James
ele considerava tipos diferentes do ar,
Clerk Maxwell (1831-1879) – considerado o elo entre o pensador
conforme seu livro principal (Experiments and observations on different kinds of
química tem, sobre a física, a vantagem de que os seus axiomas podem ser confirmados na prática de todos os dias.
de Cambridge e Albert Einstein (1879-1955). Tal como ocorrera
air). Ele conseguiu isolar o dióxido de
A alquimia, com todo o seu misticismo, partia de uma verdade que
com Newton com relação a Galileu, Einstein nasceu no ano em
carbono, o oxigênio e o nitrogênio, entre
seus praticantes apenas intuíam, a de que os átomos são de idêntica
outros gases, quando tentava identificar a
natureza e só diferem no peso – e que as substâncias e elementos
que morreu Maxwell. A partir de Dalton, Faraday e Maxwell, multiplica-se o número de grandes físicos que se destacam na investigação do átomo,
natureza do flogisto, hipotético elemento que provocava o fogo, segundo os antigos.
se formam a partir da combinação e do número de átomos em cada
Não só descobriu a natureza comburente
campo particular em que se agrupam, a que chamamos molécula.
do oxigênio, como o comportamento de
como Rurtheford (1871-1937), Niels Bohr (1885-1962), Enrico
Essa descoberta, ainda que incipiente e incompleta, foi feita por
numerosos gases.
Fermi (1901-1954) e Robert Oppenheimer (1904-1967), entre
John Dalton (1766-1844).
Ao identificar o dióxido de carbono,
tantos outros. Enfim, sem Newton, não haveria Faraday; sem
Priestley conseguiu misturá-lo à água
Embora com suas dificuldades de pesquisa e comprovação, Dalton
Faraday seria difícil que surgisse Maxwell, e sem Maxwell, Max
comum. Provou-a e descobriu o gosto
possibilitou a Michael Faraday (1791-1867) tornar-se uma das
Planck (1858-1947) não chegaria aos quanta, nem Einstein às
um pouco ácido, mas agradável. Adoçou a mistura e inventou, assim, as bebidas
maiores figuras da ciência no século XIX, como o precursor de
duas teorias da relatividade. Planck e Einstein nutriram-se de
gasosas. É um caso típico de serendipity.
Maxwell e o primeiro físico a estabelecer o vínculo prático entre
Newton em dois caminhos diferentes, e sem o amparo em um
Ao pesquisar o fogo, Priestley foi o
a eletricidade e a química. Como químico, Faraday descobriu o
protoinventor da soda-limonada.
benzeno e conseguiu liquefazer gases. Seu trabalho no campo
ou no outro, a ciência moderna provavelmente teria empacado. Einstein é o exemplo moderno de que tudo é produto da mente, e os instrumentos de medição servem apenas para corroborar ou negar uma teoria (teoria, em grego, significa contemplação, observação).
eletromagnético – tendo partido, praticamente, do ponto em que Gilbert deixara seus estudos sobre o ímã no início dos Seiscentos – foi básico para a utilização industrial da energia elétrica.
Os seus cálculos sobre a relação entre a massa e a velocidade da
Ele definiu precisamente o que hoje chamamos campo magnético,
luz foram feitos em pequeno cômodo que ele ocupava em Berna,
e, mediante um disco de cobre, construiu o primeiro dínamo, com
quando trabalhava no Escritório de Patentes da Suíça. Ali ele não
o qual chegou ao motor elétrico. O grande feito teórico se deu ao
podia contar senão com a mente, lápis e papel.
estabelecer as relações entre a química e a eletricidade, com o comportamento particular das substâncias, sob o efeito de fortes campos magnéticos. Podemos, assim, concluir que, com Faraday, química e física, que pareciam, até então, campos separados do conhecimento, passam
28
a depender – e, sempre mais – uma da outra. Outra contribuição
Vai Adão, Vai Eva
emblemática para a reunião da física à química foi a Tabela Periódica
A ideia da construção de seres artificiais,
dos Elementos, estabelecida, em 1871, por Mendeleyev (1834-1907).
que possam substituir o homem em tarefas penosas, é muito antiga. Talvez o
E assim chegamos ao século XX, no qual a ciência é, mais do que
exemplo histórico mais notável tenha sido
antes, uma busca em todas as direções. E nenhuma outra ciência
o do boneco construído por Alberto Magno
se desenvolveu tanto, nos dois últimos séculos, quanto a química.
(1200-1280), contemporâneo e amigo de Tomás de Aquino (1224-1274), de quem
por Karel Capek (pronuncia-se Tchápek)
Dos Seixos aos Elétrons
em 1920, com sua peça R.U.R. (Rossum’s Universal Robots). A história é singela,
Os mais primitivos instrumentos de calcular foram pequenos seixos
mas portadora de inquietante mensagem
(em latim, calculus), com os quais se realizavam as operações básicas.
moral.
Grande
empresário
americano
instala uma fábrica de autômatos, que
Das pedrinhas aos computadores modernos, o longo caminho passou
começam a substituir os homens em quase
pelo ábaco e pelas tentativas de construção de máquinas, ainda no
todas as tarefas – menos a de pensar. Um
século XVII e XVIII, por cientistas como Pascal e Leibniz.
dos engenheiros criadores desses seres –
Há, entre as pesquisas químicas e o desenvolvimento industrial,
foi mestre.
fantástica interação. De certo modo, foram as necessidades do
em tudo semelhantes aos homens, embora
Alberto Magno levou 40 anos para construir
Nessa busca, as especulações matemáticas se desenvolveram passo
metálicos – decide lhes dar nervos. Ao
processo industrial que determinaram as pesquisas. Em muitos
um autômato, capaz de abrir a porta de sua
inserir os nervos metálicos em seu sistema,
a passo com a física e a mecânica. Enfim, hardware e software, como
casos, os empreendedores se adiantaram, encontrando, eles
casa, a partir do movimento da aldraba.
deu-lhes ideias e sentimentos. Os robôs se
Quando o testou, enviou mensagem a
revoltam contra os homens e os eliminam,
de Nicolai Lobachevski (1792-1856), Janos Bolyai (1802-1860) e
Tomás de Aquino, convidando-o à sua casa.
dessa natureza foi o do produtor de porcelana Josiah Wedgwood
com a exceção do engenheiro que cuida
Segundo versão corrente na época, quando
Carl Friedrich Gauss (1777-1855) e, sobretudo, sem a teoria dos
deles. No final, quando o técnico vê dois
(1730-1795), de Staffordshire, que se dedicou exaustivamente à
o visitante soou a aldraba e a porta se
robôs construídos à imagem de homem e
abriu, com o boneco fazendo-lhe mesura
mulher, conversando a respeito de uma
sistema numeral binário, que parte da oposição entre um e zero (o
gentil, o futuro santo assustou-se e, com
casinha branca, ao lado de jardim e de
seu cajado, destruiu-o a bordoadas.
conjunto cheio e o conjunto vazio do grande matemático alemão).
pequeno lago, coloca a mão em seus
Como se sabe, a palavra robô – do eslavo
ombros e diz: vai, Adão, vai Eva.
mesmos, soluções práticas para os seus problemas. Um caso típico
pesquisa das propriedades da argila e da composição dos esmaltes. A partir da descoberta de campos petrolíferos nos Estados Unidos, e do motor à explosão, o refino do óleo e a obtenção de seus subprodutos, a química conseguiu avançar consideravelmente. A síntese química da anilina – que havia sido obtida da natureza pela destilação do índigo anil, realizada em 1883, por Bayer – possibilitou a fabricação dos primeiros plásticos, indústria que se desenvolveria na criação dos polímeros, logo depois da Segunda Guerra Mundial. Mas o progresso se tornou espetacular nas últimas décadas.
rabota (trabalho extenuante) – foi criada
até hoje, tiveram que andar juntos. Sem a geometria não euclidiana,
conjuntos de Georg Cantor (1845-1918) não se desenvolveria o
A partir do sistema binário, o injustiçado matemático britânico Alan Turing (1912-1954) pôde criar teoricamente o computador em 1936 – aos 24 anos. Ele completaria o seu trabalho ao construir o Ferranti Mark I, em Manchester, em 1948. A partir de então, milhares e milhares de matemáticos e engenheiros trabalharam e continuam trabalhando no aperfeiçoamento dessas máquinas. O mundo passou a ser impensável sem a rede mundial de computadores, mas a inteligência e os sentimentos humanos foram
Em 1965 – há menos de 50 anos – havia 500.000 substâncias
profundamente abalados com o seu aparecimento. O homem comum
conhecidas, entre as naturais e as obtidas mediante recombinação
já recebia, desde as primeiras décadas do século XX, centenas de
molecular. Hoje há mais de 8.000.000 delas. Apesar desse avanço
informações, todos os dias, pelos jornais, pelo rádio – e, a partir
considerável, há fatos curiosos. Em 1850, o químico alemão Justus
dos anos 50 – pela televisão. Com a integração dos computadores
Liebig (1803-1873), pioneiro na utilização industrial das pesquisas
à rede mundial, essas informações se multiplicaram ainda mais. São
químicas, comentou que a riqueza de uma nação podia ser medida
imagens e textos – na maioria das vezes incompletos – simples
pela produção de ácido sulfúrico. O ácido sulfúrico ainda é um dos
flashes, nos quais a informação pura se confunde com a propaganda,
principais produtos necessários aos processos de produção química
e, pelo seu número e velocidade, confundem o receptor, porque
nos países industrializados.
não lhe permitem refletir, avaliar o conteúdo, compará-lo com seu
Os materiais plásticos, obtidos a partir dos polímeros, reduziram consideravelmente a pressão pelo uso dos metais na indústria, ainda que seu emprego esteja sempre crescente, com as exigências
conhecimento anterior e, acima de tudo, aferir-lhe a origem e a veracidade. Há dois versos de T.S. Eliot que resumem a angústia do homem moderno, diante da avalanche de informações recebidas:
da sociedade contemporânea. Hoje já há muitos países que utilizam
Where is the wisdom we have lost in knowledge? Where is the
mais polímeros do que as ligas metálicas em sua indústria.
knowledge we have lost in information?
O Engenheiro e o Arquiteto
A expansão romana – favorecida pela
Cabia aos arquitetos e engenheiros, planejadores e construtores
utilização
do passado, como ainda lhes cabe hoje, negociar com a natureza,
do
arco
–
possibilitou
a
disseminação do mesmo estilo de vida, da urbanização e da cultura entre as
submeter à sua razão as condições do espaço, dos ventos, do solo,
populações bárbaras nas fronteiras do
da temperatura e dos materiais disponíveis. A estrita especialização
Império, de Londinium, na Britânia,
exigida pela sociedade industrial contemporânea pode representar
a Douga, no norte da África, a antiga Cartago.
uma gaiola para a razão do engenheiro. Ele deverá estar sempre atento para a experiência do passado, quando o conhecimento não
A especialização separou o engenheiro do arquiteto, mas um
Civilização e Barbárie
A engenharia nos deu também grande
bom engenheiro será sempre aquele que entenda a totalidade do
Qualquer um que tenha visitado a Fontana
contribuição na construção de cidades
era fragmentado, como é hoje. Todas as ciências (ou seja, todos
mundo e, nela, a diversidade de informações das quais retirará, em
di Trevi, em Roma, com o magnifíco
planejadas para se projetarem no tempo,
os conhecimentos) interagem para a tomada de uma decisão, que
Netuno, de Pietro Bracci, ali instalado no
e redesenhar o equilíbrio político e estratégico de sua época. Alexandre,
será sempre o resultado do livre-arbítrio de quem a toma.
século XVIII, pode imaginar o trabalho que deu, ainda no ano 19 antes de Cristo,
Adriano, Constantino, Augusto e outros,
O grande exemplo do homem do Renascimento é o de Leonardo
as coisas humanas, da necessidade. Para sair das grutas, construir
para construir o Aqueduto Aqua Vergine,
reis, generais e imperadores, construíram
um dos muitos que abasteceram durante
cidades
da Vinci. Ele foi, antes de tudo, um engenheiro, bem-sucedido
os abrigos na superfície, foi preciso reproduzir, com os materiais
numerosos séculos a cidade, sede do Reino,
em tributo à vida e a si mesmos, mas
em várias de suas invenções, embora não tenha conseguido o
da República e do Império.
como marco do poder nacional e de
maior objetivo, que era o de construir um veículo aéreo. Sua
desenvolvimento e ocupação territorial,
ânsia de saber, que dele fez um engenheiro e designer, para
situação inversa a da indagação linear de Eliot, o conhecimento e a sabedoria para planejar e fazer. A engenharia nasceu, como todas
disponíveis na natureza, as condições dos abrigos anteriores, que protegiam das tempestades e dos animais predadores. Podemos considerar a construção de tais abrigos como o início da engenharia civil, mas ela foi a segunda etapa histórica do ato
Em uma época em que não existiam escolas de engenharia – a primeira seria fundada na França, por Luís XIV, em 1675, para engenheiros militares, e a segunda, para
e
monumentos,
não
apenas
enquanto os faraós egípcios deixaram pirâmides destinadas a serem habitadas
usar o neologismo corrente, também o levou à anatomia e aos
apenas pelos mortos.
rudimentos de fisiologia, na dissecação de cadáveres, a fim de
de engenhar, de inventar, de fazer. O primeiro foi de natureza
engenheiros civis (daí o termo engenharia
Sem Brasília e sem JK – para ficar em um
conhecer a dimensão dos músculos, nervos e artérias. Para que
militar, com a invenção (e invenção, de acordo com seu étimo, é
civil, contraposto ao de engenheiro militar)
exemplo mais próximo – não podemos
fosse pintor, visitou com sua inteligência todos os cenários da
seria instalada no reinado de Luís XV, seu
imaginar como seria o Brasil de hoje.
vida. A pintura era sua identificação com o pensamento filosófico,
descobrir) do arco e da flecha. Ao longo dos milênios, o princípio do arco e da flecha continua o mesmo, na produção das armas.
sucessor – os romanos aperfeiçoaram o arco etrusco e outros conhecidos,
Trata-se de aumentar sempre o poder de destruir o inimigo, com o
criando o arco “romano”, uma de suas
aperfeiçoamento do projétil (a ponta da seta), do vetor (a flecha)
maiores contribuições para a evolução da
e do propulsor (o arco). Esse contínuo aperfeiçoamento levou à balestra, à catapulta, aos canhões e às plataformas lançadoras
engenharia. Sem o acesso à água, facilitado também
com a inquietude em tudo saber. Uma de suas anotações, em seu Tratado sobre a pintura, é nisso clara: “Assim, a pintura é filosofia, porque trata do movimento dos corpos, na instantaneidade de sua ação, e a filosofia sempre trata
pelo arco romano e o aproveitamento da
do movimento”. A mesma ideia do movimento servirá para um de
dos foguetes intercontinentais. Os seixos das fundas e as pontas
gravidade, o homem não poderia ter feito
seus pensieri:
das setas, feitas de sílex e de ossos, são hoje as ogivas nucleares.
a transição, em várias regiões, para o
A vocação das armas é a de ir sempre mais longe, em menos tempo, e em produzir mais danos em seu impacto. A tecnologia reproduz a dupla natureza humana, que identificamos como o bem e o mal. O aprimoramento das armas serviu ao desenvolvimento de ferramentas e produtos para a conservação da vida, e a busca do conhecimento para a paz tem contribuído para a obtenção de novas armas, químicas e orgânicas, de destruição em massa. Essa dupla identidade da ciência tem sempre ocupado a razão ética do mundo.
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universo urbano, que possibilitou a troca de
“O movimento é a causa de toda vida. Com o tempo, todas as
ideias e de conhecimento, com a evolução
coisas vão variando”.
da ciência, da filosofia e da democracia. Seiscentos anos antes, os gregos já haviam estabelecido a base das grandes cidades, com a construção da Acrópole, dedicada à deusa Atena, retomando a senda dos povos mais antigos, como os sumérios.
A Universidade e o Conhecimento douto,
correntemente
corporação de ofícios. Havia a universidade dos carroceiros e dos
universo,
significava
sapateiros, dos comerciantes e dos marceneiros. No fim do século XI, passaram a residir em Bolonha, quase que por acaso, alguns eminentes estudiosos de Direito Civil e Direito
Maria Skolodowska tinha 24 anos, em
Hoje, uma das grandes dificuldades da instituição universitária
1891, quando chegou a Paris, para
é a sua presunção de monopolizar o saber. Essa situação se está
1893, começou a trabalhar no laboratório
A Cabeça de Lavoisier
ao
Não se exigiam diplomas, para que se pudesse exercer a profissão.
estudar física na Sorbonne. Formada em
Na Idade Média, a palavra universidade, além de seu significado associado
As Mulheres e a Ciência
modificando, com as exigências do mundo contemporâneo, quando
de Gabriel Lippman. Nesse mesmo ano,
todas as informações de natureza técnica estão disponíveis na
encontrou-se com o físico Pierre Curie, oito
grande biblioteca do mundo, que é a internet.
anos mais velho. Casaram-se – e surgiu a mais importante associação entre marido
A proliferação das escolas superiores privadas no Brasil, sem
Lavoisier (1743-1794) foi um dos mais
e mulher da história da ciência. Não obstante os grandes méritos do marido
condições técnicas, nem intelectuais, tem abastardado o ensino.
importantes químicos do século XVIII e compartilhou, com Priestley, a descoberta
– que morreria acidentalmente em 1906,
das qualidades do oxigênio e de outros
quando foi atropelado por uma carroça, na
gases. Mas, ao mesmo tempo, foi um
rue Dauphine – Marie Curie, como passara a
financista,
à
chamar-se, foi extraordinária cientista. Foi
O pensamento acadêmico, de forma geral, se fecha dentro
que
enriqueceu
graças
As universidades públicas, não obstante suas dificuldades orçamentárias, continuam à frente na produção do conhecimento.
concessão do Estado para a coleta de
a primeira mulher a ganhar o Prêmio Nobel
da corporação de professores, e, talvez, em razão disso, as
Canônico, entre eles, Irnério, o mais importante glosador – ou,
taxas do monopólio sobre a venda do sal
de Física, juntamente com Henri Becquerel
seja, exegeta – dos antigos códigos romanos, como o corpus juris
(1852-1908) e o próprio marido, pelas
universidades sejam acusadas de extremo conservadorismo. Na
e do tabaco, realizada por uma das muitas empresas contratadas pela Ferme Génerale.
descobertas no campo da radioatividade.
A fortuna lhe permitia tranquilidade nas
E foi também a primeira mulher a ganhar
que por elas passaram, as universidades estiveram à margem
despesas com as pesquisas. A concessão
o Prêmio Nobel de Química, em 1911,
das grandes mudanças. Não participaram do Renascimento, nem
continuou em vigor até os primeiros anos
por haver conseguido isolar o rádio. Foi
da Revolução. Lavoisier foi aconselhado a
ainda a primeira pessoa a ganhar tanto
do Iluminismo. Ausentaram-se da Revolução Francesa e dos
a primeira universidade do Ocidente, embora a Escola de Medicina
deixar o país, quando o período do Terror
o Prêmio Nobel de Física, quanto o de
movimentos políticos dos séculos seguintes, até os nossos dias.
de Salerno já existisse desde o século anterior.
se iniciou. Ele, no entanto, que pertencia
Química. Foi também a primeira mulher a
Só os alunos costumam mover-se, como se moveram, em 1968,
à Academia de Ciências, acreditava que se
ser admitida no corpo docente da Sorbonne.
estimulados por velhos professores, como Theodor Adorno (1903-
Em Bolonha, no princípio, chamava-se “universidade” ao conjunto,
encontrava a salvo, porque a Revolução
Em uma época difícil para as mulheres,
1969) e Herbert Marcuse (1898-1979), os jovens estudantes da
civilis, de Justiniano (também conhecido como Digesto). Talvez seja correto admitir que as aulas de Irnério, iniciadas em 1084, tenham consolidado o centro intelectual de Bolonha como
ou seja, à corporação de professores e alunos de Direito. Não havia edifícios para acolher os alunos. Os professores davam aulas em
precisava de homens como ele. Enganouse. Em maio de 1794, juntamente com 26 outros membros da sua companhia
sua própria casa e, em alguns casos, nelas acolhiam os discípulos,
de financistas, Antoine Laurent Lavoisier
como pensionistas. No início, os alunos já eram homens maduros.
foi guilhotinado. O matemático Lagrange
As universidades se multiplicaram, a partir de então, mas só se
um instante, e que outra igual não haveria
tornaram realmente importantes com o Renascimento. Entre todas,
comentou que a sua cabeça foi cortada em em cem anos.
Marie Curie, que nascera na Polônia e começara a educar-se na Rússia, foi obstinada defensora dos direitos femininos, incansável trabalhadora, dedicada companheira – e mãe cuidadosa. Algum tempo depois da morte do marido, comentaria que estava trabalhando tanto, que pouco tempo lhe sobrava para nele pensar.
tornou-se um esplêndido centro de estudos a de Florença, que
Como outros pesquisadores, Marie Curie
começou a existir com os Médici. O propósito das universidades
foi vítima de seu trabalho. A exposição à
era o do ensino do humanismo, ou seja, da História da Antiguidade Clássica, mediante a qual a Itália – e, com ela, a Europa – renascia. O termo “renascimento”, no entanto, só seria criado pelo historiador Jules Michelet, no século XIX. As universidades se dedicavam, até recentemente, em termos históricos, e de forma prioritária, à formação humanística e, adjetivamente, ao ensino de técnicas profissionais. Não lhes cabia, como hoje, o monopólio para autorizar o exercício profissional.
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radioatividade levou-a à leucemia, que a matou em 1934 – aos 67 anos.
História, não obstante o papel revolucionário de grandes homens
Universidade da Califórnia e da Sorbonne.
A Construção da Nacionalidade
A Engenharia e a Consciência Nacional As circunstâncias históricas mantiveram a Península Ibérica alheia ao pensamento científico europeu no Renascimento e nos dois séculos seguintes. O obscurantismo católico, que se manifestara de forma trágica contra a ciência, na Itália, amordaçara a inteligência na Espanha e em Portugal, mediante a Inquisição ibérica, chefiada por Torquemada. O terror impediu as investigações mais profundas sobre a natureza, aquelas que poderiam colocar em dúvida os dogmas da Igreja, garantidores do poder dos papas, da hierarquia e da ordem social. Os portugueses puderam avançar apenas na arte da marinharia, com os descobrimentos. Na indústria naval já haviam sido pioneiros, com o plantio dos pinhais de Leiria, pelo rei Dom Diniz (1261-1325), no século XIII, e seu desenvolvimento, no século seguinte, com Dom Henrique (1394-1460), a Escola de Sagres e a participação de navegadores genoveses. Com suas caravelas e seus instrumentos de marinhar, os portugueses tiveram alto momento na História. Esse desempenho nos mares encontrou o seu apogeu com a descoberta do Brasil. Mas, o dogmatismo católico lusitano acompanhou os primeiros portugueses ao Brasil. A nova terra, sendo dedicada à Cruz, consagrou-se, na realidade, ao Vaticano que, naquele ano de 1500, estava entregue a um dos três papas mais nefastos da História da Igreja, e talvez o pior deles, Rodrigo Bórgia (1431-1503), que, sob o nome de Alexandre VI, reinou de 1492 até sua morte. Os outros dois foram seus sucessores Giuliano della Rovere (1443-1513), com o nome de Júlio II, entre 1503 e 1513, e Giovanni de Médici (1475- 1521), papa com o nome de Leão X, de 1513 até 1521.
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Esses três homens foram responsáveis pela corrupção e pelo
O Nilo e o Atlântico É
provável,
investigadores,
de
acordo que
as
alguns
deboche que infestaram o Vaticano durante aqueles anos,
descobertas
conduziram à revolta de grande parte do clero, sob a direção
com
marítimas só tenham sido possíveis com a técnica empregada para a subida do Nilo pelos veleiros mais antigos, que usavam panos triangulares, enquanto as naves
de Martin Lutero, e ao movimento da Reforma. Nesse período, a Igreja foi corrompida pelos poderosos
do Mediterrâneo eram impelidas pelas
homens de negócio do Renascimento, entre eles os Fugger,
velas gregas, quadradas. O fato é que
que se tornaram seus agentes financeiros e se encarregavam
os árabes, na Idade Média, começaram
de recolher e administrar o dinheiro procedente da venda das
a navegar pelo Mediterrâneo com barcos armados de velas triangulares. As velas latinas – embora nada tivessem com os romanos, péssimos navegadores – com sua
indulgências. Os Fugger se associaram à história latino-americana, no episódio
inclinação de 45 graus, permitiam vencer
da eleição de Carlos I da Espanha (1500-1558), como Carlos V
o vento contrário, coisa impossível com as
do Império, em troca de concessões futuras no território hoje
velas quadradas. Graças a isso foi possível
compreendido pela Colômbia e pela Venezuela; compraram, com
dispensar os remeiros.
dinheiro vivo, grande parte dos príncipes eleitores, que fizeram
Usando-as nas caravelas, os navegadores genoveses
instruíram
os
portugueses
da Escola de Sagres, e os navegadores espanhóis de Cadiz, para a aventura do Mar Oceano. As
velas
latinas
foram
importantes
do austríaco, da Casa dos Habsburgo, filho da espanhola Joana, a Louca, o homem mais poderoso de seu tempo. A descoberta da América – e de seus habitantes – foi o maior feito da História, mas, até o século XIX, de interesse quase
também para ensinar ao homem que, para
exclusivo da Europa. A narração dos primeiros navegadores pode
avançar em determinado rumo, às vezes é
ser comparada às informações dos astronautas sobre a Lua. Os
necessário ir por etapas, em zigue-zague,
objetos levados para a Europa corresponderam às pedras lunares
como lhes permitiam as velas latinas, manejadas com perícia pelos marinheiros.
trazidas do satélite e fragmentadas em presentes oferecidos pelos Estados Unidos aos principais países do mundo. A primeira dúvida que surgiu, no campo teológico, foi sobre a natureza do índio. Ele teria alma, ou seria uma nova espécie de animal? O preconceito contra os negros, considerados espécie sub-humana e, assim, naturalmente destinados à escravidão – como aceitava oficialmente a Igreja – se transferia para os ameríndios. É interessante registrar que, deste período, o primeiro texto conhecido – e articulado com lógica política – contra a escravidão, não foi assinado por alguém da Igreja, mas pelo pensador francês Jean Bodin (1530-1596). Em seu grande tratado (Six livres de la république), ao propor a plena igualdade dos homens, insurge-se contra a violação do direito natural de todos os seres humanos ao livre-arbítrio.
41
A Grande Multinacional
Os costumes dos indígenas fascinaram alguns dos descobridores,
Para contrariar a conhecida tese de
que criaram a mitologia do bon sauvage, a partir dos relatos,
Max Weber, sobre o protestantismo e a
não só de Pero Vaz de Caminha mas, em seguida, de Américo
moral do capitalismo, a primeira grande multinacional do mundo foi a empresa dos
Vespúcio. É conhecido, e clássico, o ensaio de Montaigne
católicos Fugger, fundada por Hans Fugger,
(1533-1592) sobre os índios brasileiros, baseado nos relatos
modesto tecelão de Graben, na Suábia, que
dos franceses que estiveram naquele momento na costa. Como
enriqueceu com a tecnologia da produção
registra a história, Paraguaçu e seu marido português, Diogo
de panos finos, importada do Oriente. A divisa de seu mais importante herdeiro, Jacob, o rico, era a de ganhar o máximo,
Álvares, o Caramuru, foram levados à França pelo explorador Jacques Cartier. Ali, em Saint-Malo,
em 1528, a índia foi
enquanto pudesse. Em algumas décadas,
batizada como católica e casada, em cerimônia católica, com o
eles se meteram em todos os grandes
primeiro branco povoador da Bahia.
negócios da época, instalaram filiais nas capitais da Europa, inventaram o
Como, no decorrer do processo de ocupação, o índio não se
jornalismo de negócios, com boletins
submetesse à escravidão, e resistisse com a manutenção de
enviados a seus funcionários e clientes, e se tornaram os grandes agentes do Papado,
seus costumes, entre eles o
canibalismo, os portugueses
a partir de Alexandre Bórgia.
passaram a vê-los como inimigos, embora a eles se aliassem,
Os Fugger se dispersaram no século
eventualmente, na luta contra invasores de outros países.
XVII – depois de 300 anos de expansão. Falidos
algumas
vezes,
conseguiram
recuperar-se facilmente. Não há dúvida que abusaram, na história do capitalismo do Renascimento, do costume de corromper os poderosos. Sua influência, na Europa e
O Açúcar e a Escravidão A primeira indústria no Brasil foi açucareira, com os engenhos
no mundo, foi imensa: Lutero se valeu da
de São Vicente, no litoral de São Paulo e, em seguida, no
denúncia de sua associação com o Papado,
Nordeste. Os portugueses já tinham razoável experiência na
a fim de promover a Reforma da Igreja.
produção de açúcar, com mão de obra escrava, na ilha de São
Eles financiaram a eleição de Carlos V para o Sagrado Império Romano, ao comprar os príncipes eleitores europeus. Em seguida, com o fortalecimento do calvinismo, entraram em declínio.
Tomé, na África Ocidental. Havia escravidão em todos os continentes e, assim, ocorria também na África. Os portugueses compravam os escravos de outros africanos, geralmente habitantes do litoral, que os caçavam nas regiões centrais ou os adquiriam dos chefes tribais do interior. Ao estabelecer seus primeiros engenhos, no litoral paulista, os portugueses tentaram usar os índios como escravos, mas, pouco a pouco, acharam melhor trazer os negros. Não foram eles os primeiros a importá-los para a América, embora fossem os primeiros a levá-los para a lavoura no Alentejo. A vinda dos escravos negros para o continente americano foi iniciativa de Nicolás de Ovando (1451-1511),
43
governador espanhol da ilha La Española, hoje dividida entre a
O Engenheiro Tiradentes
Tratado de Methuen
Entre eles, de forma notável, os mineiros Álvares Maciel e
República Dominicana e o Haiti.
O alferes Joaquim José da Silva Xavier
I. Sua Majestade ElRey de Portugal promete
Vicente Telles, e o santista José Bonifácio, que se dedicaram ao
era homem de várias habilidades, que
tanto em Seu proprio Nome, como no de
demonstravam o seu interesse científico e
Seus Sucessores, de admitir para sempre
estudo de mineralogia e química. A Álvares Maciel fora confiada
ainda em 1502, importou alguns, já nascidos na Europa. Assim
espírito altruísta. Conhecedor de botânica
daqui em diante no Reyno de Portugal os
se iniciou o tráfico para a América. Coube a Bartolomeu de
e fitoterapia, era primo de frei José
Panos de lãa, e mais fábricas de lanificio
Rica. É bom registrar que José Bonifácio era fiel servidor da
Mariano da Conceição Veloso (1742-1811)
de Inglaterra, como era costume até o
monarquia lusa e só se tornaria “brasileiro” pouco depois de seu regresso ao nosso país.
A brutal escravização dos índios os dizimara na ilha, e Ovando,
Las Casas (1474-1566), que o assessorava (antes de se tornar
considerado o maior naturalista brasileiro,
tempo que forão proibidos pelas Leys, não
dominicano), a ideia de substituir os índios por negros – ato
e usava ervas para curar enfermos;
obstante qualquer condição em contrário.
de que se arrependeria para o resto da vida.
dentista prático, sempre viajava com seus instrumentos cirúrgicos. Mas foi também
Os primeiros técnicos em produção de açúcar no Brasil foram
engenheiro. Durante algum tempo teve
trabalhadores negros, que dominavam o conhecimento prático
pequena propriedade rural perto de Juiz
da atividade, assim como os primeiros técnicos em mineração
de Fora, onde montou sistema hidráulico de força para a mineração. É autor de um
de ouro, em Minas, eram negros da Costa do Ouro, que já
projeto para o abastecimento de água no
conheciam esse trabalho.
Rio de Janeiro. Ele não foi a término em
Vários foram os fatores para que o Brasil se visse afastado
de Vila Rica.
razão de seu envolvimento na Conspiração
a fabricação de pólvora para as armas dos inconfidentes de Vila
II. He estipulado que Sua Sagrada e Real
A imensa maioria dos jovens preferia o estudo de Direito, que
Magestade Britanica, em seu proprio Nome
conferia status social e abria caminho para o poder político e
e no de Seus Sucessores será obrigada para
os grandes negócios.
sempre daqui em diante, de admitir na Grã Bretanha os Vinhos do produto de Portugal, de sorte que em tempo algum (haja Paz ou Guerra entre os Reynos de Inglaterra
O século XVIII, tendo sido o do Iluminismo, foi o do início do que podemos chamar de tecnologia industrial moderna.
e de França), não se poderá exigir de
Naqueles anos intensos, o saber e o fazer passaram a constituir
Direitos de Alfândega nestes Vinhos, ou
binômio fascinante e incontrolável, porque a filosofia voltou a
debaixo de qualquer outro título, directa
do desenvolvimento do mundo durante o período colonial. O
ou indirectamente, ou sejam transportados
mais importante foi a escravidão, que, ao vincular o trabalho
para Inglaterra em Pipas, Toneis ou qualquer outra vasilha que seja mais o que
interessar-se pela política, ao libertar-se da Escolástica. Nisso foi decisiva a ação dos enciclopedistas, tendo à frente
se costuma pedir para igual quantidade, ou
Diderot (1713-1784) e D’Alembert (1717-1783), que se
Portugal e na Espanha, contra os que se dedicavam ao trabalho
de medida de Vinho de França, diminuindo
amarraram aos grandes precursores da liberdade de pensamento
produtivo. A isso se acrescenta a brutalidade dos senhores
ou abatendo uma terça parte do Direito
dos séculos anteriores. Houve o entrelaçamento das ciências
manual aos escravos, agravou o preconceito, que já existia em
contra os negros, atingidos não só em seu corpo, mas em sua dignidade. Assim como não eram senhores de seu corpo, tampouco eram
do costume. Porem, se em qualquer tempo esta dedução, ou abatimento de direitos, que será feito, como acima he
da física e da química. O desenvolvimento da ciência e das
declarado, for por algum modo infringido
artes promoveu a aplicação do conhecimento na produção de
e prejudicado, Sua Sagrada Magestade
bens e de serviços e deu outro valor ao ensino e ao trabalho
de seus sentimentos de afeto. Pais e filhos se separavam,
Portugueza poderá, justa e legitimamente,
quando vendidos, muitas vezes para nunca mais se verem, e
proibir os Panos de lãa e todas as demais
assim também ocorria com os casais que se formavam. Esse preconceito persistiu até o fim da escravidão e ainda não se desfez de todo. Os nascidos no Brasil só iriam ter real consciência do mundo
políticas, do humanismo do Renascimento e das experiências
fabricas de lanificios de Inglaterra. III. Os Exmos. Senhores Plenipotenciários prometem, e tomão sobre si, que seus Amos acima mencionados ratificarão este Tratado, e que dentro do termo de dous meses se passarão as Ratificações.”
na Europa. É nesse momento que o engenheiro passou a ser um profissional qualificado. O Brasil, com a exploração organizada de suas jazidas auríferas e diamantíferas, começou a ter importância econômica maior
a partir do século XVIII, quando o ouro de Minas possibilitou
no mundo. E como os movimentos aparentemente autônomos
a ida de estudantes brasileiros às universidades europeias.
se encadeiam, a fim de conduzir a História, o século XVIII é
Assim mesmo, só os que se dirigiram à França (às universidades
também o do auge do imperialismo inglês.
de Paris e de Montpellier), além daqueles que, de Coimbra, estenderam seus estudos a universidades nórdicas, tiveram alguma noção de ciências exatas.
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O pensamento iluminista chegou imediatamente ao Brasil, e mais precisamente a Minas, inspirando a Inconfidência. Essa contemporaneidade dos fatos é marcante: em março de
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1789, dois meses antes da convocação dos Estados Gerais, na França, em maio, o traidor Joaquim Silvério dos Reis delatava ao governador da Capitania o movimento autonomista dos mineiros. O século XVIII econômico se iniciara, em 1703, com o Tratado firmado em Lisboa pelo embaixador britânico John Methuen e o marquês de Alegrete, Manuel Teles da Silva, em nome do rei Pedro II, de Portugal. O Tratado de Methuen deu base à veloz industrialização britânica, a partir da indústria têxtil, que foi, até recentemente, considerada a mãe das indústrias. Ao mesmo tempo, o acordo impediu a industrialização de Portugal, e determinou a estagnação econômica e social do Brasil. O acordo estabelecia vantagens para os vinhos portugueses na Grã-Bretanha, em troca da exportação, sem taxas alfandegárias, de tecidos ingleses para Portugal e suas colônias, sobretudo o Brasil. Foi um dos mais astuciosos tratados internacionais da História. Sem o ouro de Minas Gerais e sem a prata dos Andes (que vinha sendo explorada em Potosi, hoje Bolívia) desde o século XVII, não haveria o homem econômico moderno, de acordo com o historiador Werner Sombart (1863-1941). O ouro de Minas, a partir do Tratado, fluiu quase todo para os cofres ingleses.
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As Fortalezas Militares Como na América do Sul se reproduzia a história antiga das civilizações, as primeiras obras de importância no Brasil foram construções militares. Ergueram-se inicialmente as fortalezas nas cidades do litoral e um marco dessas edificações foi o Forte dos Reis Magos, totalmente construído em 1549, mas em taipa e sobre a areia; assim, castigado pelos ventos marítimos e pelas tormentas, em dez anos se arruinou. Somente no século seguinte, ele seria reconstruído. Outros fortes se levantaram, não só nos pontos estratégicos do litoral, na defesa das primeiras povoações. O grande construtor dessas fortalezas brasileiras foi o português Francisco Frias de Mesquita, nomeado Arquiteto-Mor para as partes do Brasil, que aqui chegou em 1603. Francisco Mesquita construiu a Fortaleza de Lage, em Recife, em 1608. O Forte de São Diogo de Salvador foi levantado entre 1609 e 1612. Em seguida coube-lhe dirigir a edificação dos fortes de São Filipe, São Francisco e Guaxendube, edificações menores, que lhe consumiram apenas os anos de 1614 e 1615, sendo que, em 1614, ele reedificara o Forte dos Reis Magos, de Natal. A partir de então, levantou as fortalezas de São José, no Maranhão, em 1616, de Cabo Frio e o de Cabedelo, na Paraíba, em 1622. O grande desafio dos construtores dos fortes foi a defesa dos limites amazônicos, sobretudo a partir da consolidação das nossas fronteiras, com o Tratado de Madri, de 1750, que nos assegurou a posse daquela região, com o reconhecimento do princípio do utis possidetis. É este o caso do grande Forte Príncipe da Beira, cuja construção se iniciou em 1776, para terminar em 1783, na fronteira com a Bolívia, em Guajará-Mirim. O material de construção teve que
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chegar pelos rios, enfrentando meses de navegação. Erguido em pedras de grande tamanho, ainda hoje podem ser vistas suas ruínas imponentes. O projeto, de autoria do engenheiro militar Domingos Sambucetti, foi riscado sob o modelo dos fortes do arquiteto militar francês Sebastien Le Prestre de Vauban (1633-1707), o mais importante engenheiro militar da França, que serviu durante o Reinado de Luís XIV. Da obra se encarregou o engenheiro José Pinheiro de Lacerda, e seu custo foi elevadíssimo para a época: 480 contos. Outro imponente forte, com o modelo de Vauban, foi o de Macapá, na fronteira com a Guiana Francesa, que se iniciou em 1764, e teve a chefia do engenheiro militar Gaspar de Gronfeld.
Os Templos Barrocos A arquitetura e a engenharia brasileira não nasceram apenas da necessidade da defesa militar, mas, da mesma forma, do compromisso com a fé católica. Antes mesmo de alguns dos grandes fortes, levantaram-se as igrejas, principalmente em Salvador, Olinda, Recife, Rio de Janeiro e nas cidades mineiras. Quase todas eram barrocas, embora houvesse algumas de inspiração gótica. Uma das primeiras igrejas construídas em Minas, e de inspiração gótica, ergueu-se em área então pertencente à diocese de Olinda, em Matias Cardoso, provavelmente em 1670, em tijolos cozidos – isso antes da febre do ouro. As margens do São Francisco, por iniciativa de Garcia d’Ávila e seus sucessores, já vinham sendo povoadas por criadores de gado desde o século anterior. Em razão da necessidade das edificações religiosas, muitos dos nossos primeiros arquitetos e engenheiros foram sacerdotes, que não só se dedicaram a desenhar, calcular e administrar a construção dos templos, mas, da mesma forma, cuidar de outras obras de engenharia. O Forte dos Reis Magos, de Natal – a primeira de nossas fortalezas –, foi obra do jesuíta espanhol Gaspar de Samperes.
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Os Arcos da Lapa Ainda no século XVII, iniciamos uma grande obra de engenharia, no Rio de Janeiro, com o Aqueduto da Carioca, que só terminaria em 1723, mas de forma rudimentar. Só em 1744, durante o governo de Gomes Freire de Andrade, seria reconstruído o Aqueduto (os Arcos da Lapa), com projeto do famoso engenheiro militar José Fernandes Pinto Alpoim, nascido em Portugal e o mais importante arquiteto e urbanista do Brasil no século XVIII. Alpoim, além da grande obra – que pode ser admirada até hoje, em seu desenho e solidez, desde que serve de viaduto para o tráfego de bondes – realizou outros importantes trabalhos, como a edificação dos conventos de Santa Teresa e da Ajuda, e do Palácio dos Governadores, futuro Paço Imperial. Em Minas, ele levantou o Palácio dos Governadores de Vila Rica (hoje sede da Escola de Minas de Ouro Preto) e fez o traçado das ruas de Mariana. A engenharia, até então, e durante muito tempo mais, era a das edificações e da construção naval. Não havia a profissão de engenheiro, nem escolas que os formassem. Os grandes engenheiros e arquitetos – fora das atividades militares – foram matemáticos e artistas plásticos, como Michelangelo, Bernini, Leonardo e, dois milênios antes deles, Fídias – o escultor ateniense que dirigiu os arquitetos Ictínio e Calicrato, na construção do Partenon, o belo conjunto da Acrópole de Atenas – em 447 a.C. A primeira escola de engenharia civil, como assim a podemos identificar, foi a École Nationale des Ponts et Chaussées, de Paris, em 1747, já no clima do Iluminismo. A ela se seguiram, também na França, a École Nationale des Mines, e a Escola de Engenharia Militar de Mézières.
53
O Brasil e o Iluminismo Estivemos, os brasileiros, desde os primeiros tempos, na órbita do
produções do Brasil as que fazem todo
produção do ferro e do aço, em escala comercial, só viria a ocorrer no
fundo e base, não só das permutações
Brasil a partir do século XIX, em Minas e em São Paulo.
mercantis, mas da navegação e comércio entre meus leais vassalos habitantes destes reinos, e daqueles domínios, que devo animar, sustentar em benefício
O Alvará de 1785
Da mesma forma que as necessidades militares contribuíram para o desenvolvimento da indústria de construção civil, promoveram
comum de uns e outros, removendo na
também a indústria naval. Construíram-se, a partir do século
sua origem os obstáculos que lhes são
XVI, muitas naves, tanto na Bahia, quanto no Rio de Janeiro e
prejudiciais e nocivos. Em consideração de
em Recife, de acordo com a técnica portuguesa. Assim, tivemos
todo o referido, hei por bem ordenar que
Iluminismo. Essa influência do pensamento europeu – mas, acima de
Eu a rainha faço saber aos que este alvará
tudo, do pensamento dos enciclopedistas franceses – se fez notar com
virem:
maior nitidez em Minas. Ali, conforme arguta observação de Affonso
que sendo-me presente o grande número
Arinos de Mello Franco, reuniram-se as três condições básicas para a
de fábricas e manufaturas que de alguns
tafetás, ou qualquer outra espécie de seda;
anos por esta parte se têm difundido em
de belbuts, chitas, bombazinas, fustões,
diferentes capitanias do Brasil, com grave
ou de qualquer outra fazenda de linho,
ouro; a cultura, com a Escola de Minas e o conhecimento das letras
prejuízo da cultura, e da lavoura, e da
branca ou de cores; e de panos, droguetes,
jurídicas, e as artes.
exploração de terras minerais daquele vasto
baetas, ou de qualquer outra espécie de
A construção de estradas, do litoral sul para o interior, era dificultada
continente; porque havendo nele uma
tecido de lã; ou que os ditos tecidos sejam
pela muralha da Serra do Mar. A ascensão para o Planalto do Piratininga,
Talvez em razão disso mesmo, a Metrópole tratou de manter os
grande, e conhecida, falta de população,
fabricados de um só dos referidos gêneros ou misturados, e tecidos uns com os outros;
pela Serra, se fazia, normalmente, nas costas de índios, que usavam
montanheses sob férrea vigilância. Em Minas, desde o início, eram
é evidente que, quanto mais se multiplicar o número dos fabricantes, mais diminuirá
excetuando-se tão somente aqueles ditos
o dos cultivadores; e menos braços haverá
teares ou manufaturas em que se tecem,
de comunicação direta entre o litoral de Santos e São Paulo. Eram
para que não se desviasse a mão de obra escrava dos trabalhos de
que se possam empregar no descobrimento,
ou manufaturam,
fazendas grossas de
comuns os acidentes mortais, quando os viajantes decidiam dispensar a
mineração. Tudo o que se consumia na região aurífera vinha de fora.
e rompimento de uma grande parte
algodão, que servem para o uso e vestuário
daqueles extensos domínios que ainda se
de negros, para enfardar, para empacotar,
ajuda dos índios. Só em 1790 – dois séculos e meio depois das primeiras
As moendas de cana, para a simples produção de rapadura, eram
acha inculta, e desconhecida.
e para outros ministérios semelhantes;
vilas paulistas – o governador Bernardo José de Lorena incumbiu o
vigiadas, a fim de impedir a fabricação de cachaça – para não
Nem as sesmarias, que formam outra
todas as mais sejam extintas e abolidas
brigadeiro engenheiro João da Costa Ferreira de construir um caminho
prejudicar a importação das aguardentes portuguesas. Essa medida
considerável parte desses mesmos domínios,
por qualquer parte em que se acharem em
calçado de pedras, que pudesse ser percorrido em qualquer época do
construção de um Estado: a riqueza, proporcionada pelas jazidas de
desestimuladas a agricultura e a indústria, mesmo rudimentar,
repressiva se estendia às outras capitanias, onde só os teares rústicos, de madeira, podiam funcionar, para a produção de tecidos de algodão
poderão prosperar, nem florescer, por falta do benefício da cultura, não obstante ser esta a essencialíssima condição com que
cru e uso dos escravos. Os outros tecidos – já sob as obrigações do
foram dadas aos proprietários delas. E
Tratado de Methuen – vinham da Inglaterra, via Lisboa.
até nas terras minerais ficará cessando
Quando as relações de troca começaram a ser demasiadamente
diminuído,
desiguais, começaram a surgir teares de ferro clandestinos em Minas. Um alvará de 1785, de Dona Maria I, mandou que eles fossem
de todo, como já tem consideravelmente a
extração
de
ouro,
e
diamantes, tudo procedido da falta de braços, que devendo-se empregar nestes úteis e vantajosos trabalhos, ao contrário
localizados e desmantelados pelos funcionários da Metrópole – e
os deixam, e abandonam, ocupando-se de
essa foi uma das causas laterais da Inconfidência. Mesmo com a
outros totalmente diferentes, como são
repressão reinol, havia, no país, forjas rudimentares, que produziam
todas as fábricas, manufaturas ou teares
excelente indústria naval durante o Segundo Império. Embarcações
de galões, de tecidos, de bordados de ouro
de grande porte começaram a ser construídas quando o Arsenal do
e prata, de veludos, brilhantes, cetins,
Rio de Janeiro iniciou, em 1764, as suas atividades, com o navio
meus domínios do Brasil, debaixo de pena de perdimento, em tresdobro, do valor
São Sebastião, lançado ao mar três anos depois. Foi um dos maiores navios de seu tempo.
trilhas imemoriais. Durante dois séculos e meio não havia outro meio
ano. A estrada ficou conhecida como “a Calçada do Lorena”. Esse e
de cada uma das ditas manufaturas, ou
outros caminhos não eram estradas carroçáveis, e só serviam para o
teares, e das fazendas que nelas houver
trânsito de pedestres e de cavaleiros, além dos animais de carga. As
e que se acharem existentes dois meses
estradas carroçáveis, em trechos longos, para ligar o litoral ao interior,
depois da publicação deste; repartindose a dita condenação metade a favor do
só surgiriam depois de avançado o século XIX. Além das dificuldades de
denunciante, se houver, e outra metade
construção, havia empecilhos políticos. Os caminhos para Minas eram
pelos oficiais que fizerem a diligência; e
estritamente vigiados, a fim de impedir o contrabando do ouro. A Zona
não havendo denunciante, tudo pertencerá aos mesmos oficiais.
da Mata de Minas e o Vale do Rio Doce, daquela Capitania, foram áreas vedadas à presença humana, porque poderiam servir para o acesso
as referidas fábricas e manufaturas. E
ao Espírito Santo e a seus embarcadouros. O trânsito em veículos de
consistindo a verdadeira e sólida riqueza
tração animal entre o Rio e Juiz de Fora só foi possível, de forma segura
ferramentas. Segundo todas as indicações históricas, a primeira delas
nos frutos e produções da terra, os quais
e confortável, com a Estrada União e Indústria, iniciativa de um grupo
foi construída por Affonso Sardinha, em São Paulo, ainda em 1597. A
somente se conseguem por meio de
fundição de ferro – bem como a de outros metais – em escala menor, é operação simples, já dominada há milênios pelo homem. Mas a
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colonos e cultivadores, e não de artistas e fabricantes. E sendo, além disso, as
de mineiros de Juiz de Fora, liderados por Mariano Procópio. A estrada, pavimentada, começou a ser construída em 1856 e foi inaugurada em 1861 – cinco anos depois.
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Os Caminhos de Ferro Com todas as reservas que podem ser feitas – entre elas a de que não se tratou de um ato de vontade, mas do império das circunstâncias (como, oitenta e um anos depois, Pedro II situaria a sua deposição) –, a vinda da Família Real constituiu uma revolução econômica, abrindo passo às mudanças políticas. A abertura dos portos, que se encontravam vedados ao acesso de navios não portugueses, foi o primeiro e grande passo, seguido por outros, como a criação do Banco do Brasil e da Imprensa Régia. Essa presença coincidia com o impetuoso desenvolvimento industrial da Europa, impelida pelos motores a vapor e as primeiras estradas de ferro. Como sabemos, as estradas de ferro são anteriores às locomotivas. Os trilhos – inicialmente de madeira – foram inventados para o curso das vagonetas, no interior das minas, provavelmente nas minas de prata de Kutná Hora, no atual território da República Tcheca, ainda no século XIII. Como o fundo das galerias é normalmente enlameado, iniciou-se o método de construir os trilhos para facilitar o transporte dos minérios, pelos carrinhos com rodas. A junção das duas ideias – a da força motriz do vapor com a dos trilhos – resultou nas ferrovias, que surgiram entre 1825 e 1829, na Inglaterra. Menos de trinta anos depois, em 1852, por concessão imperial, Mauá iniciaria a construção da primeira estrada de ferro. Em 5 de setembro de 1853 testava-se o primeiro trecho de dois quilômetros. A estrada se destinava a ligar o porto de Mauá, em Magé, à Raiz da Serra de Petrópolis – um trecho inicial de apenas 15 quilômetros. Mauá não fora o primeiro a pensar em estradas de ferro no Brasil. Ainda em 1828, o governo imperial oferecera privilégios a quem se dispusesse a investir nas ferrovias – apenas três anos depois do primeiro trecho ferroviário,
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com locomotivas a vapor, e explorado comercialmente, ter
Mauá e o Imperialismo Inglês
sido aberto na Inglaterra, entre Stockton e Darlington. Mas
Nenhum empresário brasileiro – e talvez
ninguém se interessou. Só em 1839, um médico inglês, de
poucos no mundo – superou Irineu
grande presença na sociedade brasileira, Thomas Cochrane, solicitou ao parlamento o privilégio para a construção de uma ferrovia unindo Pavuna a Resende, na Serra do Mar. Cochrane era primo do almirante do mesmo nome, Thomas Cochrane, que comandara a Marinha Brasileira nas guerras da Independência. Vivia no Rio, e foi sogro do escritor e político
Evangelista de Sousa, barão e depois Visconde de Mauá, na ousadia, na dedicação ao trabalho e na visão de desenvolvimento
econômico.
Menino
1877, o seu contentamento: “Basta aqui
Outro desafio, na mesma época, foi o da Santos Jundiaí (São
dizer que o resultado deste prolongado
Paulo Railway), um empreendimento de Mauá que contou com
pleito não pôde deixar de ser vantajoso ao Brasil, provando, como prova, que os
capitais e técnica inglesa, para a transposição da Serra do Mar,
interesses dos capitalistas ingleses estão
mediante um sistema de cremalheiras.
tão bem-garantidos ali como em nosso próprio país”.
Ottoni antevia um sistema ferroviário nacional que levasse os
pobre de Arroio Grande, órfão de pai aos
Mauá
da
trilhos do Rio Grande do Sul a Belém e aos confins do oeste. Na
5 anos, rejeitado pelo padrasto, Irineu
corretagem da venda de café, poucos dias
primeira etapa, a ideia era a de se dividir a ferrovia, transposta a
veio para o Rio de Janeiro aos nove anos,
antes da proclamação da República, em
quando começou a trabalhar no balcão
outubro de 1889.
Serra do Mar, em dois ramos principais – um, em direção ao norte,
de um armazém, 14 horas por dia, em
morreu
pobre,
vivendo
até o Rio São Francisco, em Minas, e o outro, em direção ao sul
troca de cama e comida. Aos 15 era
e ao oeste, a partir de São Paulo. Christiano viveu bastante.
recursos necessários, o médico desistiu do privilégio. A ferrovia
guarda-livros de outro patrão. Aos 17
Quando morreu, em 1906, em plena República, aos 95 anos, a
de Mauá servia apenas para encurtar a viagem do Rio para
foi trabalhar em uma firma importadora,
estrada, que começara a construir 51 anos antes, havia chegado
cearense José Martiniano de Alencar. Mas sem conseguir os
de propriedade de um escocês, Richard Carruthers. Aos 23 era gerente e aos 25,
a Corinto, e já estava próxima do São Francisco, aonde chegaria
uma estrada que favorecesse o transporte de mercadorias de São
sócio da empresa. Aos 26, com o regresso
quatro anos depois, com a estação de Pirapora.
Paulo – principalmente o café – para o Rio de Janeiro. Assim,
do sócio escocês à Europa, tornou-se o
Petrópolis. O desenvolvimento da economia estava exigindo
o próprio governo brasileiro estimulou a constituição de uma companhia mista, com o capital previsto de 38.000 contos – soma fabulosa para a época –, a fim de iniciar a construção da que
proprietário do negócio. Daí por diante fez carreira fulgurante como industrial. Mauá lutou em duas frentes. A interna, contra
as
oligarquias
rurais,
que
seria a espinha dorsal do sistema ferroviário brasileiro, a Estrada
não queriam ceder o poder político
de Ferro Pedro II, mais tarde Central do Brasil. Ainda que da
aos comerciantes e industriais, e o
A Obra do Século Todas as dificuldades técnicas enfrentadas por Christiano Ottoni, e seus sucessores (ele deixou o empreendimento dez anos depois
imperialismo inglês, que o queria como
de iniciado) foram menores do que as encontradas na construção
sócio menor e subordinado nos negócios
da Estrada de Ferro Paranaguá-Curitiba, que se encontra em
brasileiros.
mineiro Christiano Benedicto Ottoni – o idealizador do projeto.
pleno funcionamento até hoje. A ideia de abrir a estrada surgira
O fastígio de Mauá, como bem observa
Ele pertencia a uma família de homens de estado e de ação
Edgar Rebello, foi o fastígio do Império;
em plena guerra do Paraguai, em 1868, diante das exigências
empresarial, constituída na Vila do Serro, e era, sem dúvida,
com o declínio do Império, ele começou a
execução da obra tenham participado engenheiros estrangeiros, a concepção e direção do empreendimento foram confiadas ao
o príncipe dos engenheiros brasileiros de seu tempo. Aluno
decair. O golpe final contra o empresário foi o da Justiça Brasileira, primeiro do
estratégicas de acesso ao Atlântico, sem a volta tremenda que representava o uso dos rios Paraná e Paraguai.
brilhante da Escola de Engenharia Naval, de que foi professor,
Tribunal da Relação de São Paulo e,
O projeto inicial da estrada foi dos engenheiros Antonio Rebouças
autor de livros didáticos, de matemática e de geometria, que
em seguida, do Supremo Tribunal de
(irmão de André Rebouças), Antonio Monteiro Tourinho e Maurício
Justiça do Império. Os dois tribunais
Schwartz, que obtiveram do governo a concessão da ferrovia
serviram para a educação de engenheiros durante várias décadas, Christiano Ottoni foi nomeado presidente da Estrada de Ferro
reconheceram a jurisdição dos tribunais britânicos, em 1875-76, no pleito de
em janeiro de 1871. A ferrovia partia do porto de Antonina,
Pedro II, em 1855. O grande desafio – um dos primeiros e mais
Mauá contra os ingleses, que o haviam
no litoral, até Curitiba, passando pelo porto de Paranaguá e
importantes da engenharia brasileira – era o de transpor as
expelido da sociedade acionária da São
pela localidade de Morretes. Durante os dois anos seguintes,
Paulo Railway (hoje Santos-Jundiaí).
Antonio Rebouças levantou o trajeto da ferrovia, projetando as
montanhas. Na Europa, até então, usavam-se cremalheiras a
Suspeita-se, até hoje, de que os ingleses
fim de vencer a gravidade. Christiano optou pelos túneis nos
“convenceram” os juízes a aceitar os
suas principais obras de arte, mas não se iniciaram as obras.
trechos necessários e pela manutenção da técnica da aderência,
argumentos. O fato é que, como conta
Antonio Rebouças morreu em 1874, em trabalho de campo para a
Alberto Faria, em seu estudo sobre Mauá,
Cia. Paulista de Estradas de Ferro. Caducada a concessão, outra
mantendo a rampa máxima de 1,8% e as curvas com o mínimo de 250 metros de raio.
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o London Times registrou, em janeiro de
foi outorgada à companhia francesa Cie. Generale des Chemins
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A Selva Invencível
de Fer Brésiliens, que entregou a construção a uma empreiteira
O Telefone Sem Fio em 1900
Farquhar e o Contestado
belga, a Dyle et Bacalán. Os trabalhos finalmente se iniciaram
Um padre gaúcho, Landell de Moura, usando
Durante mais de quarenta anos, o aventureiro
em 1880.
caminho diferente do que tomaria Marconi,
norte-americano Percival Farquhar atuou
descobriu a radiotelecomunicação 14 anos
no Brasil. Seus admiradores o viam como
e a resistência da natureza amazônica. Ainda no século XIX,
Os empreiteiros estrangeiros trouxeram uma equipe de técnicos
antes do italiano, fez demonstrações
empreendedor dedicado em desenvolver
com o crescimento da procura da borracha, surgiu a necessidade
e engenheiros, chefiados pelo italiano Antonio Ferrucci, que
públicas de seu invento, documentadas
o país e explorar os seus recursos,
pela imprensa, patenteou seus inventos
sobretudo os minerais. Uma visão mais
econômica e estratégica de um caminho para contornar as
nos Estados Unidos, em 1904, mas não
objetiva mostra-o como
até Morretes. Mas para o confronto com a montanha foi convocado
conseguiu avançar. O governo brasileiro
transformá-lo, habilmente, em
colônia
os confins da fronteira boliviana até o Atlântico. Era a ideia
o engenheiro João Teixeira Soares, por Francisco Pereira Passos
não acreditou nele. Não dando sequência
norte-americana. Ele teria sido um patriota
a suas descobertas, o padre foi vencido por
ianque, determinado em estabelecer vínculo
de uma ligação interoceânica, com uma passagem dos Andes
Marconi e outros.
imperial entre o Brasil e os Estados Unidos,
construiu o primeiro trecho, sem problemas maiores, na baixada,
– então na direção da empresa belga. Era a primeira vez que uma empresa estrangeira, com técnicos estrangeiros, era dirigida
interessado em
A história da Madeira-Mamoré é a crônica da luta entre o homem
corredeiras dos rios Madeira e Mamoré e facilitar o tráfego entre
ao Atlântico Norte – isso bem antes da abertura do Canal do
dentro do projeto mais amplo de Washington
Panamá. Em 1867 – também em plena Guerra do Paraguai, o
de domínio universal do mundo.
que demonstra a visão estratégica dos brasileiros – o Ministério
wireless telephone, wireless telegraph, e
Ao mesmo tempo em que seus interesses no
da Agricultura contratou dois engenheiros alemães (os irmãos
wave transmitter, em 1904. A transmissão
minério de ferro de Minas eram contidos pelo
O grande desafio estava nos 38 quilômetros de subida da serra,
de voz sem fio era obtida mediante o uso
governo montanhês, Farquhar se dedicava
Keller) para estudar as alternativas da ligação. Durante os
no sentido litoral – Curitiba, trecho entre Morretes e Roças
de uma bobina de Ruhmkorff (Heinrich
às ferrovias e portos. Enquanto construía
Daniel Ruhmkorff, 1803-1877), com um
a Madeira-Mamoré, que seria um fracasso,
membros da expedição – quase todos brasileiros do litoral –
microfone eletromecânico, que abria e
promoveu a construção dos trechos que
tombaram, vitimados pela insalubridade da área.
fechava o circuito. Mais do que isso,
faltavam na Estrada de Ferro de São Paulo
Novas. A partir de então, a ferrovia já chega ao Planalto de
Landell descobriu como transmitir a voz
ao Rio Grande do Sul. A estrada havia sido
Em 1871 – quatro anos depois – criou-se, em Londres, a Madeira-
Curitiba. Não há dúvida de que foi a mais desafiadora obra
mediante a luz, o que o faz precursor da
concedida anos antes.
Mamoré Railway Co. O incorporador da empresa foi o norte-
Um incidente diplomático entre a Argentina
americano Georges Church, que contratou a empreiteira dos
por um brasileiro – Pereira Passos – e os trabalhos de campo entregues a outro brasileiro, Teixeira Soares.
Novas. Foi preciso vencer um desnível de 883 metros, até atingir 955 metros de altitude na entrada do túnel de Roças
de engenharia ferroviária do século XIX, no mundo. Até hoje
É interessante lembrar que as suas patentes, nos Estados Unidos, foram registradas como
transmissão em meio óptico.
trabalhos de levantamento, a selva reagiu, e forte. Inúmeros
Tal como Santos Dumont com seu avião,
e o Brasil, provocado pelo ministro argentino
Landell de Moura fez experiências na
Zeballos, que falsificou um telegrama,
presença de testemunhas e de jornalistas,
interceptado pelos argentinos, de Rio Branco
seguinte, o primeiro (e único) escalão da construtora chegou ao
viadutos, com mais de mil metros, em plena serra, e 101 muros
primeiro a partir de um colégio de freiras,
para a embaixada brasileira no Chile, levou
porto de Santo Antônio, no Rio Madeira, com seus instrumentos
de arrimo, ao longo de mais de três quilômetros – e isso sem o
no bairro de Santana, e no ano seguinte,
o Brasil a admitir a hipótese de uma guerra
na avenida Paulista, que então se abria,
entre os dois países. Era necessário, portanto,
de trabalho e os primeiros materiais de construção.
com o testemunho também de autoridades
concluir logo a ferrovia, a fim de garantir a
estrangeiras.
defesa eficiente das fronteiras do sul.
não se conhece coisa parecida. Foram perfurados 13 túneis, somando 1.690 metros de extensão, 64 pontes, pontilhões e
emprego do concreto armado. Embora houvesse estrangeiros nos canteiros da obra, o projeto e a resposta técnica aos problemas da construção foram totalmente
noticiadas
Suas
descobertas
foram
em 1902, pelo jornal New
York Herald. O governo brasileiro de então
de brasileiros. E brasileiros foram os trabalhadores, sendo que
negou ao padre Moura o empréstimo de dois
centenas deles morreram acidentados durante os quatro anos
navios – com os quais testaria o invento a
de construção. Outra epopeia vivida pelos brasileiros – essa
longa distância – com o argumento de que o inventor era insano, ao prever que um dia
mais conhecida por trabalhos jornalísticos e pela ficção, foi a
a sua descoberta serviria às comunicações
abertura da ferrovia Madeira-Mamoré.
interplanetárias.
Não houve a guerra no sul, mas violento e dramático conflito interno no Paraná e em
Dez meses depois, sem nem um metro de trilhos instalados, a Public Works abandonava o trabalho, deixando centenas de mortos, pelas enfermidades, entre elas as febres e a varíola, e
Santa Catarina, a Guerra do Contestado,
todo o material. O coronel Church era obstinado, e tratou de
provocado exatamente pela construção
contratar outras empreiteiras americanas (a Dorsay & Caldwel,
da ferrovia e as concessões do governo a
em 1873, e a P&T Collins, em 1877). Novos mortos, novas
Farquhar. Sua empresa, a Brazil Railway, obtivera uma faixa de terras de 15
desistências. Em 1878, o próprio Philip Collins se embrenhou
quilômetros de cada lado da ferrovia, o
na selva com uma grande expedição de cinco navios. Depois da
que equivalia a centenas de milhares de
deserção em massa dos trabalhadores, ferido por uma flechada,
hectares.
disparada pelos índios, ele enfim desistiu, abandonando a
Ao tentar apossar-se dessas glebas imensas,
obra juntamente com os sobreviventes americanos, e deixando
a empresa encontrou a resistência dos caboclos que ali se encontravam e viviam, aos que se haviam somado os trabalhadores
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Estados Unidos Public Works Construction, Co. Em julho do ano
no local uma locomotiva Baldwin, que ali ficou como relíquia da aventura.
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Em 1907, diante da decisão do governo brasileiro, e a entrada, no
dispensados da construção da ferrovia.
projeto, do grande investidor norte-americano Percival Farqhuar, o
Conduzidos por líderes messiânicos, entre
trabalho começou. Não houve, na história moderna da engenharia,
eles o “monge” José Maria, que pereceu em combate, e a fantástica personalidade da
e provavelmente não tenha havido, nem mesmo nas grandes obras
menina Maria Rosa, de apenas 15 anos, que
da Antiguidade, no Egito e da China, empreendimento que, em
o substituiu, esses caboclos enfrentaram as
números relativos, tenha custado tantas vidas humanas. Mais de vinte mil trabalhadores, entre operários e engenheiros, recrutados
forças combinadas do Exército e da Força Pública do Paraná. Morreram milhares de brasileiros, e alguns imigrantes europeus,
no mundo inteiro, deslocaram-se para os confins amazônicos,
para que os interesses de Farquhar fossem
e 6.200 deles ali ficaram sepultados, a maioria eliminada pelos
garantidos.
eficientes defensores da selva, como os anófeles, mosquitos
No bolso de um combatente morto, as forças
transmissores da malária. Outros morreram vitimados pelos próprios companheiros, enlouquecidos pelas condições da floresta e da brutalidade a que eram submetidos durante o serviço. O
repressoras encontraram, manchado de sangue, o seguinte bilhete: “Nós estava em Taquaraçu tratando da noça devoção e não matava nem robava,
fato mais alarmante, registrado por um médico, era o de que o
o Hermes mandou suas força covardemente
tempo de vida útil dos trabalhadores braçais, na frente da obra,
nos bombardiar onde mataram mulheres e
era de apenas três meses – muito menos do que nos campos de concentração e trabalho forçado dos nazistas. A estrada foi finalmente concluída, em 1912, depois de cinco
crianças portanto o causante de tudo é o bandido do Hermes e portanto nós queremos a lei de Deus que é a monarquia. O guverno da República toca os Filhos Brasileiros dos tereno que pertence a nação e vende para
anos de sacrifícios e tragédias. Tratou-se de uma epopeia, mas
o estrangeiro, nós agora estemo disposto
sem resultados efetivos. A borracha brasileira já começara
a fazer prevalecer os noços direito”.
a perder importância, com a produção asiática. O Estado, no entanto, manteve a ferrovia funcionando, com déficits pesadíssimos – até 1971. Mas os mortos da Madeira-Mamoré não foram os únicos na história da construção ferroviária no Brasil, nem os únicos que podem ser debitados às aventuras de Farquhar no Brasil. A construção de trechos faltantes e a retificação do leito da Estrada de Ferro de São Paulo ao Rio Grande do Sul, pela Brazil Railway, controlada pelo norte-americano, provocou a Guerra do Contestado, que causou mais de cinco mil mortos e consumiu os recursos nacionais durante mais de três anos de conflito. Nesse episódio, se revelou a submissão de nossas autoridades aos interesses estrangeiros, mediante a corrupção e o espírito de vassalagem de muitos. Podemos concluir que a corrupção e a baixa autoestima nacional têm sido dos mais difíceis desafios a serem vencidos no esforço pelo desenvolvimento do país.
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Hermes era o marechal Hermes da Fonseca, presidente da República. A menina Maria Rosa morreu em uma das últimas batalhas, com flores azuis no cabelo e flores azuis enfeitando o fuzil de combate.
Itaipu e o Concreto Armado
A Doma do Paraná
O Brasil foi um dos primeiros países do mundo a optar pelo emprego
A represa de Itaipu, sobre o rio Paraná,
do cimento armado em sua construção civil. O cimento portland,
com 7.200 metros de uma ponta a outra, e
como elemento da argamassa, foi empregado por André Rebouças,
altura que chega a 196 metros, consumiu 12.142.000 metros cúbicos de concreto.
em 1867, na Doca da Alfândega, no Rio. Em 1883, pela primeira vez
A fim de garantir uma coesão constante
no Brasil, construiu-se estrutura em concreto armado para suportar
(e, portanto, uniforme) da massa, a
uma ponte, no interior de São Paulo. Em poucos anos, o método
Construtora Mendes Júnior montou, ao
conquistou a construção civil em nosso país, com a competência
lado da central de concreto, uma fábrica de gelo, para que a água necessária estivesse refrigerada a uma mesma temperatura no momento da concretagem. A concretagem
técnica do engenheiro Emilio Baumgart, nascido em Santa Catarina. Ele estudou exaustivamente o novo processo, desenvolvido pelos
é uma operação química delicada.
alemães. Dois anos depois de matricular-se na Escola Politécnica do
Foram inumeráveis os desafios vencidos
Rio de Janeiro, em 1912, elaborou seu primeiro projeto, para uma
pelos
que
ponte em concreto armado em Recife. Suas obras se multiplicaram
trabalharam no projeto, de sua concepção à
a partir disso. Coube-lhe calcular as estruturas dos maiores edifícios
engenheiros
brasileiros
instalação das turbinas, tanto na estrutura física da represa, quanto no projeto de
brasileiros de seu tempo, como os do Hotel Glória, do Rio de Janeiro
geração e transmissão da energia. Menos
(em 1922); Copacabana Palace (1923); o Edifício para o jornal A
de cem anos depois da pequena represa
Noite, um dos mais altos da América do Sul, em 1928, e o do
de Marmelos, no rio Paraibuna, em Juiz de Fora, a engenharia brasileira ergueria a maior represa hidroelétrica da História, em seu século.
Ministério da Educação no Rio, em 1936, sobre o projeto de uma
Os Jardins, de Monier a Niemeyer
equipe de arquitetos em que se destacaram Lúcio Costa e Niemeyer,
Entre 1853 e 1870, o barão Haussmann
com a consultoria de Le Corbusier.
(1809-1891), prefeito de Paris, realizou
A única grande obra em concreto armado daquela época não
abrindo as grandes avenidas e bulevares
projetada por Baumgart foi a do Edifício Martinelli, de São Paulo.
no lugar das vielas e edificações medievais
Por muitos anos, projeto de seu proprietário, o empresário Giuseppe
profunda reforma urbanística na cidade,
do centro. Entre outras razões, havia a de dificultar as costumeiras barricadas dos
Martinelli, com as estruturas calculadas por um engenheiro húngaro,
pobres de Paris, nas rebeliões que vinham
o prédio foi o mais alto da América Latina.
desde a Revolução do século anterior.
A maior obra em concreto armado do século XX, no Brasil e no mundo,
Para adornar os amplos bulevares, o jardineiro Joseph Monier moldou grandes
viria a ser, no entanto, a Represa de Itaipu, de responsabilidade de
jarros de cimento, para o plantio de flores,
um grupo de construtoras importantes, mas sob a chefia, na fase
mas eles se fragmentavam facilmente
final e decisiva, da Construtora Mendes Júnior. O Brasil foi um dos pioneiros no uso da energia hidráulica na geração da eletricidade. Em 1883 – e de forma bem rudimentar
quando cheios de terra. O jardineiro decidiu usar arame e pedaços de ferro como armação da estrutura de cimento. Em 1867, durante a Exposição de Paris, Monier mostrou o seu invento ao mundo, depois
– o engenheiro Arthur Thiré, da Escola de Minas de Ouro Preto
de patenteá-lo. Assim nasceu o concreto
– usando dois dínamos Gramme movidos à roda d’água, gerou
armado. O processo favoreceu a liberdade
energia no Ribeirão do Inferno, no Vale do Jequitinhonha, perto de
dos arquitetos e possibilitou a construção de grandes estruturas. A associação entre o
Diamantina. O mais importante é que Thiré criou a primeira linha
concreto armado e a paisagem possibilitou,
de transmissão de energia, de dois quilômetros, a fim de alimentar
no século XX, os grandes espetáculos da
o maquinário de uma extração de diamantes. Isso ocorreu um ano depois da construção da primeira usina hidroelétrica da História, a
arquitetura moderna, que se libertou, com maior facilidade, dos ângulos retos, e o esquadro se escondeu atrás do compasso.
de Appleton, em Winsconsin, nos Estados Unidos. E, em 1889, em
Ninguém explorou melhor essa aventura
Juiz de Fora, o empreendedor Bernardo Mascarenhas inaugurava a
estética das curvas do que Oscar Niemeyer.
primeira usina hidroelétrica da América Latina, conforme o modelo americano, em Marmelos, sobre o rio Paraibuna. Outras usinas, todas de pequeno porte, foram levantadas no interior do país e forneciam principalmente luz elétrica aos núcleos urbanos. Os habitantes pobres, da periferia, não eram atendidos. A energia era produto caro, quase de luxo. As grandes cidades brasileiras eram abastecidas por usinas de porte médio, exploradas por empresas estrangeiras, como a Light e a American Foreign Power. Essas empresas não se interessavam em investir os imensos recursos exigidos para as grandes usinas, o que impedia o desenvolvimento industrial do país. Estávamos paralisados pelas concessões outorgadas aos norte-americanos e canadenses.
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O concreto e as flores voltaram a unir-se, no Brasil, com a ajuda de Burle Marx.
Nos últimos dias do Estado Novo, por iniciativa de Apolônio Sales,
Delmiro Gouveia
seu ministro da Agricultura, Vargas criou a Cia. Hidroelétrica do São
A luta pelo desenvolvimento econômico
Francisco, o passo mais importante para o início da industrialização
do Brasil tem um mártir no nordeste:
do nordeste. A partir de então foi grande o desenvolvimento de geração de energia, mas nada comparado ao que ocorreria a partir
Delmiro Augusto da Cruz Gouveia, que não conheceu o pai e nasceu na maior pobreza no interior do Ceará. Aos 15
dos anos 50. Em Minas, Juscelino constituiu a Cemig poucos dias
anos, ainda analfabeto, mudou-se com a
depois de empossar-se no Palácio da Liberdade. Em seguida, vieram
mãe, o padrasto e seus irmãos mais velhos
as grandes hidroelétricas sobre o rio Grande, como a de Furnas e
para Recife. Aos 29, já era um grande empresário,
comprando
e
exportando
outras, menores, ao longo do mesmo rio, na divisa de Minas com
couros de cabra e carneiro. Aos 37, era
São Paulo, até a obra monumental de Itaipu, nos últimos anos do
poderoso senhor de vários negócios, entre
regime militar. A Usina Nuclear de Angra dos Reis, operada por Furnas, tem sido objeto de controvérsias no Brasil. Para muitos, os
eles um grande mercado, construído sobre um manguezal que urbanizara, e dera o nome de Derby. Na mesma época instalou
riscos de um acidente, em região de densa ocupação demográfica e
a maior usina açucareira construída até
industrial, não compensam, quando o Brasil dispõe de outras fontes
então – na passagem do século XIX para
seguras de energia limpa, com a força de seus rios e de seus ventos.
O Petróleo e a Química
o XX. A sua posição de homem pobre e
plebeu que se tornara o mais importante empresário do nordeste acarretou o ódio preconceituoso das elites tradicionais da
A perfuração de poços para a exploração do petróleo se iniciou em 1859, na Pensilvânia, pelo coronel Drake. Cinco anos mais tarde,
região. As oligarquias não podiam tolerar
em 1864, o governo imperial concedia ao americano Thomas
aquele homem que, além de tudo, era
Dewey Sargent o direito de explorar petróleo na baía de Camamu
inveterado conquistador. Seu mercado foi
e em Ilhéus, na Bahia, por noventa anos. O americano não fez
destruído em incêndio criminoso, que o fez falir. Reiniciando a partir do nada, voltou
coisa alguma, talvez por lhe faltar dinheiro. A exploração do
a ganhar dinheiro, mas uma conquista
petróleo viria a tornar-se uma probabilidade com a luta do escritor
amorosa fez com que ele abandonasse a
Monteiro Lobato, a partir dos anos 30. Nacionalista, ele estava
esposa, raptasse uma adolescente de 15 anos e com ela fugisse para um povoado na
convencido de que o Brasil só prosperaria se não dependesse do
margem do São Francisco. Ali, construiu
petróleo estrangeiro, e estava certo de que havia óleo no Brasil
a primeira hidroelétrica sobre o São
em condições de ser explorado. Assim, fundou algumas empresas
Francisco, a de Angiquinhos, e montou a
com esse objetivo, mas não conseguiu levá-las adiante, por falta
indústria pioneira de linhas de costura e semelhantes, em Vila da Pedra, em 1909-
de interesse oficial. Por coincidência, o petróleo viria a jorrar
1910. Seus trabalhadores dispunham de
na Bahia, na localidade de Lobato – que nada tem a ver com
casas de alvenaria, com água, esgoto
o escritor – hoje subúrbio de Salvador. O governo, no entanto,
e luz elétrica, salários justos, creche, escolas e assistência médica e hospitalar integral. Em pouco tempo, as linhas de costura de Delmiro venceram a sua
mandou soldar a boca do poço. É notório que as grandes companhias norte-americanas de petróleo,
grande concorrente, a Machine Cotton,
que tinham no Brasil um de seus maiores mercados, tudo fizeram
inglesa, produtora das linhas “Corrente”,
para que não o explorássemos. Essa situação foi vencida em 1953,
no mercado latino-americano. Em 1917,
com a criação da Petrobras. Só com o desenvolvimento da empresa
Delmiro foi assassinado na varanda de sua casa, quando lia os jornais. A indústria
foi possível dar impulso definitivo à indústria química no Brasil.
faliu, e as instalações, vendidas depois
Assim, a petroquímica chegou atrasada, com relação à indústria
– com a anuência do governo brasileiro,
química em geral. Em 1943, com a criação da Cia. Nacional de
em 1929, quando o presidente era
Álcalis (que só funcionaria a partir do governo Kubitschek), o
Washington Luis – para a própria Machine Cotton, foram desmanteladas e jogadas
Brasil começara a fabricar barrilha em grande escala, e com isso,
no fundo do rio.
alguns produtos químicos de base.
69
O Desafio da Química
esforço de guerra contra o nazismo. Pelo
O grande impulso, no entanto, viria com a Escola de Minas de Ouro
acordo, os ingleses aceitaram indenizar
Preto, iniciativa pessoal do Imperador Pedro II, que sonhava em
os acionistas da Itabira Iron, em troca do fornecimento de minério de ferro
reativar, em termos modernos, a mineração do ouro em Minas. Em
para uma guerra que eles supunham que
uma de suas visitas a Paris, ele decidiu criar a Escola de Ouro Preto
duraria décadas.
e contratou, em 1873, o engenheiro francês Henri Gorceix, então
Pelos mesmos convênios foi constituída a
com 32 anos, para criar e dirigir a instituição, inaugurada três anos
Cia. Siderúrgica Nacional e construída a
depois. A Escola previa o ensino gratuito para os alunos pobres. A
Ainda que processos rudimentares fossem conhecidos no país,
A Vale do Rio Doce
não só pelos indígenas em sua vida cotidiana (com o emprego de
Nos primeiros meses de 1909, o geólogo
alcaloides e tinturas naturais) e que a indústria açucareira fosse
Luiz Gonzaga de Campos estava fazendo
a ser, até hoje). Entre outras coisas, afirmou que “o ensino,
pesquisas em Minas Gerais, na região de
dirigindo-se unicamente à memória, paralisa o desenvolvimento
Itabira. Ao mesmo tempo, um engenheiro
da inteligência; ensina-se o aluno a discorrer com acerto, mas não
operação complexa para o tempo, só no fim do século XVIII a ciência chegaria realmente ao país. O pioneiro da química em
inglês, que vivia em São Paulo, apareceu
usina siderúrgica de Volta Redonda.
doutrina de Gorceix era inovadora (como, de certa forma, continua
Portugal e no Brasil, de acordo com os registros históricos, foi
na região, para caçar. Os dois se
a pensar e a refletir”. E previa as dificuldades futuras, localizando-
o mineiro de Congonhas do Campo, Vicente Coelho Seabra da
encontraram e Gonzaga de Campos lhe
as no péssimo ensino secundário, que ele considerava “desastroso
disse estar espantado com a qualidade
ao país”, advertindo que seria, por muito tempo, o escolho para o
Silva Telles, matriculado em Coimbra em 1783. Tendo estudado
do minério de ferro da região, com a
filosofia e se formado em medicina, Vicente Telles introduziu na
ocorrência de mais de 70% de hematita.
velha universidade os estudos mais recentes da ciência, os de
Meses depois, o mesmo engenheiro iniciou
Lavoisier. E publicou o primeiro manual de química em português,
a compra de terras ferríferas em Itabira,
naufrágio do ensino superior no Brasil. Como a Escola de Minas tinha a missão de formar geólogos e
que, sem utilidade para a agricultura,
metalúrgicos, a química estava presente todo o tempo, embora
quase de nada valiam. Mais alguns
não constituísse curso específico. A fim de que não fechasse,
de José Bonifácio, com quem participava de discussões científicas
meses e surge a primeira companhia
por falta de alunos, a Escola incluiu a engenharia civil em seus
e filosóficas. Morreu em 1804, aos 40 anos.
inglesa para explorar os minérios de
Oito anos depois, em 1812, D. João VI criou, no Rio de Janeiro,
norte-americano Percival Farquhar, e
obstinação pessoal do Imperador, que a manteve, mesmo que o
denominada Itabira Iron. Iniciou-se uma
interesse pelos estudos de geologia e metalurgia fosse escasso
Elementos de química, em 1790. Em Coimbra, foi contemporâneo
o Laboratório Químico-Prático. A preocupação, naquele momento, era a de buscar ocorrências minerais básicas, como o salitre, que
Itabira, logo depois comprada pelo
luta entre os nacionalistas mineiros e o norte-americano, que já estava metido
cursos. Sua permanência, até os nossos dias, foi resultado da
no país. A instituição foi decisiva para a evolução da engenharia,
pudessem servir à produção militar. Já antes, no ano mesmo de
em vários negócios no Brasil (construção
ao estabelecer o vínculo fascinante entre a consciência do
sua chegada ao Brasil, João VI criara a Academia Militar, onde
da Madeira-Mamoré e da Estrada de Ferro
desenvolvimento econômico, o nacionalismo e a política. Homens
São Paulo-Rio Grande do Sul).
como Luiz Gonzaga de Campos, considerado o maior geólogo
Como a Constituição de 1891 dava
brasileiro, Pandiá Calógeras, que foi o único civil a ser ministro da
os futuros oficiais engenheiros aprendiam rudimentos de química prática. Não obstante a criação de uma cadeira de Química, na Bahia, em 1817, a ciência só começa a existir, realmente, no
reais poderes federativos aos Estados, os mineiros conseguiram impedir que
Guerra durante a República; Clodomiro de Oliveira, Francisco Sá,
Brasil, em 1874, com dois fatos simultâneos: a contratação do
a Itabira Iron iniciasse a exportação
Israel Pinheiro e Américo René Giannetti (o pioneiro na indústria
químico alemão Theodor Peckolt (1822-1902), para organizar o
de minério de ferro para a Inglaterra
do alumínio no Brasil), foram todos eles eminentes homens
e os Estados Unidos. As minas de
públicos, que propugnavam por um desenvolvimento econômico
Laboratório Químico do Museu Nacional (sucessor do Laboratório
Itabira só começaram a ser exploradas
Químico Prático) e a fundação da Escola Politécnica do Rio de
com a constituição da Cia. Vale do Rio
Janeiro, sucessora da Real Academia Militar. Três anos depois, em
Doce, criada a partir dos Acordos de
1877, os estudos de química começam a fazer parte dos curricula da Politécnica.
Washington, negociados por Getúlio com
nacional independente e a defesa dos nossos recursos minerais. Com a Escola de Minas, os engenheiros começaram a participar
os Estados Unidos, pelos quais o Brasil
do aparelho do Estado, até então dominado exclusivamente pelos
se alinhava aos norte-americanos no
bacharéis. Isso abriu caminho à associação entre o conhecimento jurídico e o conhecimento técnico, na condução da vida política
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71
nacional. Em sua maioria, mineiros de nascimento ou de adoção,
de Vargas. Em 1944, como sua última intervenção na economia
como é o caso do gaúcho Giannetti, constituíram o núcleo dos
brasileira, Percival Farquhar fundou, com dois empreendedores
grandes construtores de ferrovias, rodovias e usinas siderúrgicas,
mineiros, a Acesita, para a produção de aços especiais, no Vale
que marcaram o século XX. Essa visão do desenvolvimento, como
do Rio Doce – mas com dinheiro do Banco do Brasil. Ainda hoje,
fator da independência e soberania, se expressaria com renovado
sob controle acionário da Arcelor Mittal, a Acesita é a principal
vigor durante o Estado Novo e no segundo governo Vargas, para
produtora de aços finos na América Latina.
chegar a outro momento alto, durante os cinco anos de Juscelino.
Na década seguinte, surgiu a Usiminas, de economia mista,
Como esse movimento reclamava, na natureza dos projetos, a
associada à Nipon Steel, japonesa, mas com a maioria de capital
intervenção do conhecimento químico, houve renovado interesse
do Estado. Nas duas empresas estiveram presentes engenheiros
pela ciência
nas universidades e nos laboratórios oficiais de
da Escola de Minas, sendo Amaro Lanari Júnior e Gil Guatimozim
pesquisa. Em 1924, a Faculdade de Engenharia do Paraná iniciou
Filho, também formados em Ouro Preto e filhos dos fundadores
o primeiro curso oficial de engenharia química no Brasil. Em
da Cia. Siderúrgica Mineira, de 1917, os primeiros diretores da
seguida, outras universidades a seguiram. Hoje, a indústria
Usiminas.
química brasileira ocupa o quinto lugar no mundo – à frente de países como Índia, Holanda e Rússia, entre outros.
O desenvolvimento da siderurgia nacional – em seguida vieram as grandes usinas de São Paulo – e as exigências da Petrobras
Esse desenvolvimento, no entanto, não teria existido sem
aceleraram os estudos para a aplicação tecnológica da química e
a intervenção decisiva do Estado no processo econômico,
contribuíram para o avanço da indústria no Brasil.
principalmente na geração de energia, com as grandes usinas hidroelétricas e a criação da Petrobras. Ao mesmo tempo, retomando preocupação antiga, o Brasil entrou firme na era da siderurgia – que não se faz sem química. Ainda que a maior usina – a da Companhia Siderúrgica Nacional – tenha sido instalada em Volta Redonda, por causa da pressão de Amaral Peixoto, interventor no Rio de Janeiro e genro de Vargas, Minas retomaria a construção de grandes usinas, a partir da presidência de Juscelino. Também nesse particular foi importante a Escola de Minas de Ouro Preto. Formados na Escola, os engenheiros Amaro Lanari e Gil Guatimozim criaram, em Sabará, em 1917, a Cia. Siderúrgica Mineira, com o aporte de capital por um grande empresário do Estado, Christiano Guimarães, e de acionistas menores. No confronto que havia, entre os mineiros, sob a liderança de Artur Bernardes, que queriam instalar siderurgias de grande porte em Minas, com a Itabira Iron, que só pretendia exportar o minério bruto, a solução foi a associação da usina mineira, de pequeno porte, com o Consórcio Arbed, do Grão-Ducado de Luxemburgo, e, assim, se construiu a Cia. Siderúrgica Belgo Mineira, inaugurada em 1937 com a presença
72
A engenharia nacional, embora tenha tido a presença de estrangeiros em seus anos críticos – sobretudo no Segundo Reinado –, hoje nada tem a dever a ninguém. Em todos os setores – da construção rodoviária e ferroviária, da siderurgia à indústria eletromecânica, da aeronáutica à indústria química, das pesquisas no campo da eletrônica à grande construção naval – os brasileiros têm se mostrado atualizados com o mundo. Merece grande destaque a engenharia do petróleo e do gás, com o desempenho dos técnicos brasileiros na implantação e desenvolvimento da Petrobras, que a nação acompanha com orgulho. As conveniências mercantis fazem com que não nos interessemos por este ou aquele setor, mas, naqueles escolhidos, temos desenvolvido excelente trabalho. Para isso, tivemos que vencer grandes desafios, como os que expusemos nestas notas. Escolhemos apenas alguns, mais marcantes, entre centenas de outros. Poderíamos ter tratado, por exemplo, da engenharia aeronáutica, com Alberto SantosDumont, mas como o seu trabalho se desenvolveu fora do país, não o fizemos. Da mesma maneira não examinamos as grandes
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obras de empresas nacionais no exterior, como as realizadas na
então aliada à Inglaterra, pôde ocupar o nordeste do Brasil
América Latina, no Oriente Médio e na África, que são hoje do
poucas décadas depois de desembaraçar-se dos espanhóis. Embora
conhecimento público.
o século XVII tenha sido de grandes perturbações políticas na Inglaterra, determinadas medidas de ordem protecionista, como os Navigations Acts, de Cromwell, fortalecem-na para a grande
A Dialética do Desenvolvimento O desenvolvimento econômico de um país depende de muitos fatores, mas o principal deles é a consciência de nação. Essa consciência
aventura colonialista do século XVIII. Com o Tratado de Methuen – que coincide com a importância econômica do Brasil como produtor de ouro – passamos a ser colônias de dois senhores.
compreende o compromisso com o futuro da comunidade, que será,
Podemos concluir que a construção da consciência de pátria, no
nos filhos e netos, a nossa própria continuidade. Só assim podemos
Brasil, se fez, passo a passo, com a conquista do território e
eludir a dura verdade da efemeridade da vida e sentir o consolo de
a sua exploração pelo trabalho. O desenvolvimento da indústria
que continuaremos, no sangue e na alma, no tempo a vir.
açucareira em Pernambuco, ao criar interesses econômicos próprios,
Desde o início do povoamento, os brasileiros tiveram a vocação da autonomia política e o sentimento de conquista do território. As entradas e bandeiras traziam, em sua razão original, esses dois sentimentos que se completavam. Como a linha de Tordesilhas não fosse um muro que limitasse os nossos passos, fomos até
contribuiu para a guerra de libertação contra os holandeses, e a vitória de Guararapes significou o primeiro sentimento coletivo de pátria. Um século depois, a extração do ouro, em Minas, possibilitaria a consciência da necessidade de um estado nacional independente.
onde era possível: até os contrafortes dos Andes. Em todos
A vinda da Família Real, provocada pela expansão do império
esses movimentos, tivemos que usar de recursos rudimentares
napoleônico sobre a Península Ibérica, e o bloqueio continental
de engenharia, na transposição dos rios, na abertura das trilhas,
contra a Inglaterra, determinaram o fim do estatuto colonial a
na construção dos abrigos ocasionais e na construção de arraiais
que estávamos sujeitos. O contido desenvolvimento da economia,
de apoio à ocupação. Isso, sem falar nas pesquisas minerais
nos 13 anos em que durou o Reino Unido, impeliu o movimento da
primitivas, a que se dedicavam os bandeirantes e entradeiros, em
Independência. Com todas as dificuldades, a autonomia relativa
busca do ouro e das pedras coradas. Os trabalhos de mineração,
do Segundo Reinado promoveu o desenvolvimento notável da
que se seguiram, com a descoberta das jazidas, exigiam grandes
economia no período, na associação entre a Monarquia e Mauá.
implementos para a escavação, a abertura das galerias e túneis, os
O fim da escravidão acelerou o consumo, com o surgimento do
moinhos de trituração do cascalho e a canalização das águas para
trabalho assalariado, e a vinda de imigrantes europeus, que
a lavagem. Fomos capazes de projetá-los, construí-los, instalá-los.
contribuíram para a industrialização. Podemos perceber, assim,
O estatuto colonial da América do Sul é singular na história política, porque não fomos dominados por uma só potência europeia, mas por duas. Logo no fim do primeiro século depois da
a interação dialética entre o desenvolvimento da economia e a evolução da consciência da cidadania – e o papel do Estado como a mais poderosa das instituições sociais.
descoberta, com a infeliz tentativa de invasão da Grã-Bretanha
A nacionalidade pode ser vista como uma obra de engenharia, em
pela armada de Filipe II, em 1588, o Império Espanhol, que
seu amplo sentido.
dominava quase toda a Europa Mediterrânea e Portugal, além da Holanda, perdeu o seu destino histórico. Foi assim que a Holanda,
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75
O Conhecimento e a Ética
os descobridores e inventores (inventar é descobrir) trabalham isoladamente. A descoberta de um abre caminho ao outro. No trabalho de um Prêmio Nobel, por mais original que ele possa parecer, há sempre o esforço intelectual de dezenas ou centenas de outros cientistas. Há alguns bem expressivos, como o que se refere à relação entre massa, movimento e energia. Newton se valeu de Francis
Uma das mais antigas discussões filosóficas trata das relações entre
O balão sobe
Bacon, de Galileu e de Gilbert para as ideias básicas para chegar à
o conhecimento e a ética. Alfred Whitehead (1861-1947), ao tratar
É curioso notar que a falta de interesse
Teoria da Gravitação Universal, e Madame de Châtelet, (Gabrielle-
do tema, lembra que Platão deixou inconclusa uma lição sobre a
científico dos portugueses naquele fatídico
Émilie (1706-1749), amante de Voltaire, corrigiu a equação do sábio
matemática e a ética. Provavelmente, o grande filósofo grego tenha desistido de comparar o comportamento humano ao comportamento dos números. Muitos insistem em considerar o conhecimento uma categoria neutra da inteligência. A ciência (ou o ato de saber) seria possessão do
início do século XVIII impediu que o mundo entrasse na era da aviação quase um século antes que os Montgolfier atravessassem a
Einstein chegaria à equação definitiva (até agora), de E=mc2, na qual
Mancha com um balão.
“C” é a velocidade da luz. Há sempre uma cooperação, seja vertical
Nascido em Santos, mas, na época, vivendo
– na sucessão temporal, como no caso apontado – seja horizontal,
em Portugal, o padre Bartolomeu de
com pesquisadores trabalhando na mesma contemporaneidade.
Gusmão viu, ao crepúsculo, uma bolha de
indivíduo, sem implicar deveres sociais, compromissos com os outros
sabão, que flutuava, elevar-se velozmente
seres humanos. Contra essa corrente fala mais alto a experiência,
ao aproximar-se do calor da chama de uma
mesmo na vida animal. A vida é ato solidário, como nos garantem os etologistas. Entre as provas objetivas dessa ética da sobrevivência temos as
de Cambridge, E=mv, para E=mv2. Avançando no mesmo caminho,
vela. Pensando no fenômeno, Gusmão fez
Mas a pergunta mais poderosa vai à intenção do cientista – e é difícil penetrar em sua consciência no instante em que inicia uma
um pequeno balão, sob o qual colocou
experiência. Ela pode responder a uma inquietação da curiosidade,
chumaço de algodão embebido em álcool.
que o leva a buscar as causas e efeitos de determinado fenômeno,
Repetiu a sua experiência na presença de
físico, químico ou biológico. Se essa resposta lhe servisse apenas
fidalgos da Corte e dos próprios reis (D.
à realização pessoal, sem efeito externo, não estariam envolvidas
do comportamento dos primatas, como os orangotangos e os
João V e Dona Mariana de Áustria) em
chimpanzés. Eles não só se organizam, sob a chefia do macho
1709, usando o calor de velas.
as questões éticas. Quando ele comunica essa descoberta, seja em
dominante, para a defesa do grupo, como se ajudam em várias
A invenção não foi adiante, com a
busca do reconhecimento moral ou pecuniário, é necessário avaliar
tarefas. O exemplo mais marcante é o de que eles se revezam em
construção de artefatos maiores, porque
as consequências reais de sua descoberta. É preciso saber em que ela
houve o temor de que, ao cair, os balões
servirá para melhorar a vida do homem, ou em que ela contribuirá
limpar as costas de carrapatos e de outros insetos parasitas. Como
provocassem incêndios. Em 1783, os
nenhum deles consegue atingir as próprias costas, conta com a ajuda
irmãos Mongolfier, franceses, construiriam
do companheiro. Uma vez aliviado, trata de retribuir, limpando as
os grandes balões e, meses depois, fizeram
costas do outro. Quando algum deles se recusa a compensar o favor recebido, é expulso do bando a pancadas. O conhecimento é uma apropriação coletiva, que se vai acumulando na memória genética, onde se transforma, em gerações sucessivas, naquilo a que damos o nome de instinto. Os animais, quando filhotes, aprendem pela observação de seus pais, mas há uma reserva de conhecimento genético de que se valem, quando em perigo. Com o homem ocorre quase o mesmo. Quando tratamos do conhecimento mais elaborado, o científico, não há nada que não tenha sido resultado do trabalho intelectual coletivo, mesmo quando
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voar, sobre Paris, duas pessoas em um deles. Em seguida, um dos artefatos
não
descoberta,
tendo
desenvolvido
Bartolomeu
–
(2.3.7,8 tetrachlorodibenzeno), promoveu, com o agente laranja, a
que
sua
e o fósforo branco queimaram milhares e milhares de seres. As
foi
consequências da dioxina perduram até hoje, com aberrações
perseguido pela Inquisição e morreu na Espanha – é considerado um dos pioneiros da aviação.
A síntese de determinadas substâncias químicas, como a dioxina destruição da cobertura vegetal no Vietnã, assim como o napalm
atravessou o Canal da Mancha. Mesmo
para o sofrimento da espécie.
teratológicas
(muitas crianças ainda nascem com genitálias no
rosto, outras sem bocas, com dentes no cérebro, cabeças em forma cônica ou piramidal). Segundo os pesquisadores, isso ocorre porque a dioxina já faz parte da cadeia alimentar e seus efeitos teratogênicos continuam a repetir-se. É quase certo que os criadores de tais agentes químicos não tenham pensado em seus efeitos
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desastrosos. No caso específico do emprego da dioxina – arma
desenvolvimento autônomo, no exercício de sua plena soberania.
química desenvolvida para a Segunda Guerra Mundial – cabe lembrar
Isso, conforme a advertência de Radovan Richta, exige a planificação
que o presidente Roosevelt, aconselhado a bombardear os campos
dos objetivos nacionais de longo prazo, no esforço conjunto da
japoneses com esses desfolhantes, a isso se negou por entender
sociedade política com o mundo científico, na escolha dos caminhos,
que seria um crime contra os civis, e não recurso bélico aceitável.
estratégias e métodos. Cabe aos especialistas e técnicos, como
O presidente Kennedy, no entanto, não titubeou em permitir o seu
cidadãos, exigir a ação política a isso necessária.
uso no Vietnã. Entre Roosevelt e Kennedy, Truman mandou arrasar
Contra esse direito dos povos, no entanto, os norte-americanos
Hiroxima e Nagasáqui.
impuseram ao mundo, no âmbito da OMC, os tratados internacionais
Por mais que queiramos separar a descoberta científica de seu uso prático, mediante a tecnologia, a responsabilidade do cientista, quando comunica uma descoberta e autoriza o seu emprego industrial e comercial, acompanha os seus efeitos por todo o tempo. Alguns, como Nobel, inventor da dinamite e de outros explosivos, tentam amenizar sua responsabilidade mediante legados que incentivem a ciência destinada à paz. Outros, como Santos-Dumont, chocado com o uso de sua invenção no conflito entre brasileiros, em 1932, não suportam a depressão, e se matam.
sobre patentes, que permitem patentear tudo, mesmo o conhecimento a ser ainda adquirido. Em uma violação à ética mais exigida, que é a do respeito à vida, foram patenteados o genoma humano, e os produtos farmacêuticos essenciais (como os antivirais) ao combate à Aids e a outras enfermidades semelhantes, como as hepatites severas, e, também, os processos de desenvolvimento de pesquisas. No caso da Aids, no período de transição, em que era possível a produção de genéricos, a Índia produzia medicamentos que custavam, a cada paciente, 149 dólares ao ano, enquanto os produzidos nos grandes laboratórios ficavam entre 12 e 14
Outra responsabilidade da tecnologia, como aplicação prática da
mil dólares ao ano. Assim, foram condenadas à morte milhares e
ciência, é com a ocupação social dos homens. Ao liberar o homem de
milhares de pessoas pobres no mundo. Patentearam-se algoritmos
sua escravização às máquinas, mediante a automação e a informática
e até mesmo possíveis descobertas, a partir do que já se conhece.
– como tem ocorrido com milhares de bancários – cabe à ciência
No caso dos medicamentos há uma brecha: em 2001, estabeleceu-se
buscar os meios de inseri-los em novo processo econômico.
a ressalva de que, em nenhum caso, deveria ser impedido o acesso
Essa tarefa exige seu compromisso político com a sociedade. Como cientistas podem e devem encontrar os meios para libertar os
dos enfermos aos remédios. Isso abre caminho para uma reação dos países emergentes e da comunidade científica internacional.
homens dos trabalhos penosos, exaustivos, insalubres. Isso lhes
O arquiteto Oscar Niemeyer vê o seu ofício como uma atividade
exige também reclamar do Estado providências políticas para que os
estética. Realizar as coisas belas é servir aos sentidos humanos.
liberados da máquina não se transformem em párias, marginalizados
De certa forma, a arte é a recriação da natureza. Por isso, Vicente
em uma sociedade de produção que os descarta.
Aleixandre, o grande poeta espanhol, fala de Picasso o que poderemos
Mediante a educação e o treinamento, será possível preparar o
dizer de Oscar: el mundo era una línea en la mano del niño.
trabalhador para outra atividade. Há deslocados que, pela atividade
Ao definir assim a arquitetura, Oscar a coloca em segundo plano em
que exerciam, se encontram preparados para outras atividades que
sua vida. Como costuma resumir, a arquitetura não é importante;
exijam raciocínio elaborado – como é o caso dos bancários.
importante é o ser humano. Para ele, a busca da justiça é a tarefa
Da mesma forma que todos os seres humanos têm direito ao livrearbítrio, têm o direito ao conhecimento acumulado e aos benefícios da civilização. Os estados nacionais também têm direito ao
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prioritária na vida. A justiça se expressa na solidariedade para com todos os homens. Juscelino Kubitschek dizia que a Capela da Pampulha, dedicada a São Francisco, fora sugerida pelo comunista Oscar, que, assim, homenageava o mais humano e cristão de todos os santos.
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A essência de seu pensamento, a de que a solidariedade é o mais
Einstein e os grandes físicos sabiam do poder destruidor do artefato
importante dos sentimentos humanos, pode conduzir a meditações
nuclear. Talvez tivesse sido melhor evitar essa etapa brutal nas
sobre a ética do engenheiro.
investigações sobre a estrutura do átomo e sua fissão para fins
Assim como a mente é o mais poderoso instrumento de medição, e, de acordo com a teoria de Ernst Mach (1838-1916), o conhecimento é produto das sensações, o comportamento ético do engenheiro está sujeito aos seus sentimentos, à sua consciência, ao recôndito abrigo de sua alma.
pacíficos. Mas tiveram que exercer um julgamento. Podemos, hoje, concluir que o presidente Truman (1884-1972) cometeu crime de lesa-humanidade, ao determinar o bombardeio de Hiroxima e Nagasáqui, quando o ataque já era desnecessário. Foi um ato cruel, exercido contra as preocupações humanísticas dos que criaram a bomba. Truman pretendia intimidar a União Soviética, que fora a
Qualquer homem, seja que espaço ocupe no mundo, influi sobre
grande vitoriosa na guerra. Não podemos colocar entre os criminosos
a sociedade humana inteira. Podemos estender ao comportamento
de guerra homens como Einstein, Szillard, Fermi, Oppenheimer e
de nossa espécie a famosa teoria do caos de Edward Lorenz (1917-
os outros que, direta ou indiretamente, participaram do Projeto
2008), e do efeito borboleta, dela intuído: qualquer coisa que
Manhattan. Criminoso foi Truman, mas, como seu país ganhara a
façamos, a não ser na mais estrita solidão, repercute na vida do
guerra, foi visto como herói naquele momento.
outro, assim como o movimento da asa de uma borboleta, em qualquer parte do mundo pode, em circunstâncias ideais, iniciar o processo que desencadeará um ciclone no outro lado do planeta. Quanto maior poder tenha uma pessoa, mais responsabilidade assume pelo destino de todos, e isso ocorre mais claramente no caso dos políticos de carreira. Os cientistas – e, por extensão, os engenheiros – são convocados ao dever de avaliar uma situação dada e tomar um partido. Isso implica exercer a penosa obrigação de julgar. Foi este o caso de Einstein que, depois de ser advertido por Leo Szilard (1898-1964), de que os nazistas estavam próximos da fissão do átomo, escreve sua célebre carta ao presidente Roosevelt,
Vivemos hoje em um tempo em que as palavras pátria, nação, povo, democracia, perderam substância, soam como moedas de barro, porque têm sido mal-usadas. Mas nenhum homem pode viver sem pátria, sem nação, fora de uma comunidade política. Viver em uma comunidade não é atuar passivamente. Mais do que obedecer às leis da cidade, é necessário participar de sua elaboração. Uma das lições da democracia grega era a do essencial desprezo com relação aos conformistas. Por isso, os atenienses sempre se valeram da anistia, em busca da paz, depois dos conflitos políticos, mas abominavam os indiferentes, os não cidadãos.
sugerindo-lhe criar um grupo de pesquisas para a construção da
O engenheiro observa o mundo, e sabe também que lhe cabe
bomba atômica.
transformá-lo. Ele trabalha com a natureza e com o tempo, com a inteligência e a emoção da justiça, como João Cabral de Mello Neto registra em um de seus poemas:
A luz, o sol, o ar livre, Envolvem o sonho do engenheiro O engenheiro pensa e sonha coisas claras: superfícies, tênis, um copo de água, O lápis, o esquadro , o papel; o desenho, o projeto, o número; o engenheiro pensa o mundo justo, mundo que nenhum véu encobre. 81
Chemtech 20 anos
O Final do Século
Tratou-se de uma experiência difícil: a de combinar os sistemas industriais dos países capitalistas com objetivos igualitários socialistas. Aparentemente – e esse foi um dos erros da análise intelectual –, o malogro do socialismo real reabilitava o liberalismo do fim do século XIX, que dominava os países centrais (Inglaterra, França, Estados Unidos e Alemanha). Essa foi a leitura equivocada que alguns economistas e políticos fizeram no Brasil, naquele ano.
O homem, segundo Ortega y Gasset, não tem natureza. O que ele tem é história. Sua
As forças econômicas, conduzidas por essa visão apressada e internacionalista,
natureza peculiar, a de ser homem, é uma construção da experiência, ou seja, da História.
organizaram-se a fim de construir uma candidatura capaz de “integrar” o país na nova
E a História é um trabalho da inteligência. Ao contrário de esgotar-se no tempo, de cerrar-se
ordem mundial. O candidato escolhido passou a ser trabalhado pelos profissionais da
em ciclos selados e completos, ela cresce a cada dia mediante novas descobertas.
propaganda. Homem jovem, rico, das oligarquias tradicionais, governador de pequeno
É um veio inesgotável, em que sempre descobrimos novas ocorrências. História é,
estado, mas tradicional na política brasileira, Fernando Collor foi construído como um
como determina o léxico grego, investigação. Por isso, os bons historiadores preferem examinar tempos mais antigos, sobre os quais houve juízos contraditórios, e dos quais há suficiente documentação. A história contemporânea – e atualíssima – como a dos últimos vinte anos, é apenas jornalismo. Não houve tempo para meditá-la, compará-la com os fatos passados, pesá-la diante dos séculos. Mas, ainda assim, sugere algumas reflexões. O século XX foi, de acordo com certos pensadores, curto demais. Para outros, a partir de uma visão eurocêntrica, longo demais. Os primeiros o iniciam em 1914 ou, antes, em 1907, com a Conferência de Haia. Há os que lhe dão início na Guerra Franco-Prussiana, de 1870, e na Comuna de Paris, de 1871. O fato é que a História, construção humana, se assemelha a um veículo, cuja velocidade se acelera com o movimento. Sendo construção humana, a História é também produto da tecnologia. O aperfeiçoamento de invenções do início do século XX, como a das comunicações eletrônicas, com a vulgarização do fax (radiofoto), dos telefones celulares (miniaturização dos transmissores-receptores de rádio), e, sobretudo, com a rede mundial de computadores, promoveu uma revolução técnica ainda não bem-assimilada pela humanidade. Mas a História é também política. Quando surge uma tecnologia nova na comunicação entre os homens, quase sempre há consequente revolução política. O problema desse início de século XXI é que a revolução tecnológica não foi ainda moderada pelas mudanças políticas. Talvez seja ilusão supor que a queda do Muro de Berlim e a globalização da economia correspondam a essa nova configuração. Houve apenas a frustração de um sistema de produção industrial sob o domínio direto do Estado.
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super-homem e, como super-homem, eleito. Não é necessário analisar os seus erros
importantes engenheiros da Petrobras, de onde se aposentou. Como um dos líderes da
políticos e administrativos, nem a sua conduta pessoal. Sendo obrigado a deixar
AEPET (Associação dos Engenheiros da Petrobras) é conhecido nos meios nacionalistas,
o poder mediante os recursos constitucionais, legou ao país uma crise que só a
desde que se uniu ao Movimento de Defesa da Economia Nacional, juntamente com
firmeza e a habilidade de seu sucessor puderam administrar. Os dois anos de Itamar
o grande brasileiro Barbosa Lima Sobrinho. Como engenheiro, Ricardo fala também
Franco foram usados para restaurar a confiança do povo no Estado e promover o
sobre a competência profissional do grupo, ao lembrar que “os clientes da Chemtech
combate à hiperinflação, usando um recurso conhecido desde os anos 20, com o
se encontram entre as maiores empresas brasileiras, a começar pela própria Petrobras,
Rettenmark de Hjalmar Schacht: a criação de uma moeda de transição, garantida
a Suzano, a Braskem, a Vale, a Siderúrgica Nacional e a Belgo Mineira”.
por lastros estáveis – e, em seguida, a eliminação da moeda apodrecida. O Plano Schacht, exposto minuciosamente em uma apostila de Harvard, foi adaptado ao Brasil por uma equipe de economistas, revisto pessoalmente por Itamar Franco, e, sob sua responsabilidade final, adotado. O sucessor de Itamar – que se valeu do prestígio do presidente a fim de elegerse – decidiu voltar ao projeto inicial de Collor, e “abrir” o país, de acordo com os postulados do famoso Consenso de Washington, com a privatização das grandes empresas de economia mista. A nova ordem pressupunha retornar à antiga divisão mundial do trabalho, mas sem levar em conta as fronteiras políticas. Sendo assim, o país passou por um processo de “reengenharia” de seu parque industrial, com a desnacionalização de muitas empresas privadas, a desestatização do setor de serviços públicos, a estagnação da economia, com o desemprego e todas as suas consequências. Durante estes anos, a Chemtech, criada exatamente quando se construía a imagem de Collor, perseverou, cresceu. Os rapazes da empresa construíram sua história, não obstante os percalços. A partir da eleição do atual presidente, com a retomada da economia, mas, sobretudo, com a reconquista da estima nacional, a empresa cresceu de forma surpreendente, como mostram estas páginas. E voltamos a Ortega: a natureza, no homem, é só o que, em linguagem de informática, podemos chamar de hardware: mas a sua história é o software, que ele desenvolve no contínuo jogo da dialética. Ao dar seu depoimento sobre a história da Chemtech, o engenheiro Ricardo Maranhão mostrou o que distingue essencialmente a empresa de outras que operam no mercado brasileiro. Ela, ao crescer, não se desviou do sentimento ético e patriótico dos que a criaram. Eles transferiram aos que chegavam, para integrar-se no grupo, esse compromisso de origem. E esse compromisso é social, na mais exata significação do termo. É o do respeito e solidariedade para com a nacionalidade, que se expressa no relacionamento entre chefes e colaboradores, entre os técnicos e os administradores, entre a empresa, seus clientes e seus fornecedores. Ricardo Maranhão é um dos mais
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São jovens como os engenheiros da Chemtech que, ao fazer a história contemporânea, estão estabelecendo as bases para a revolução política que as novas tecnologias exigem.
Chemtech: uma Escalada da Inteligência Como essa história é dedicada para uma maioria de pessoas que ainda usavam calça curta em 1989 – que bobagem dizer isso depois que inventaram a bermuda – é preciso lembrar, para nos situarmos no tempo, que esse ano começou com a tragédia do Bateau Mouche, que afundou com dezenas de pessoas na festa do réveillon, em Copacabana, na primeira noite do ano. No qual George Bush – o pai – tomou posse como 41º presidente dos Estados Unidos. E os russos – sabiamente – se retiraram do Afeganistão. Em Pequim, um estudante parou uma coluna de tanques na Praça da Paz Celestial. A Voyager II chegou a Netuno, levando a nossa presença para o espaço nunca antes navegado. Caiu um avião da Varig na selva amazônica porque houve um desvio de rota enquanto os pilotos escutavam um jogo de futebol. O Vasco foi campeão brasileiro, embora não fosse esse o jogo que os pilotos estavam ouvindo quando caiu o avião. Em Berlim, caiu um muro – sobre o qual uma vez alguém viu um gato, da janela do quarto de hotel, mas como estava fazendo a barba, não sabe dizer para que lado ele pulou. Os Simpsons estrearam na televisão americana. Raul Seixas foi encontrado morto em um apartamento em São Paulo. Uma revolução estourou na Romênia. Um cara que seria derrubado depois por impeachment tomou posse como presidente do Brasil. O físico inglês Tim Bernerslee criou o negócio chamado World Wide Web, que depois ficaria mais conhecido como www. E três garotos que haviam se conhecido no pré-vestibular, e que juntos fizeram engenharia química na Turma Delmiro Gouveia do IME – Instituto Militar de Engenharia e mestrado na COPPE/UFRJ, resolveram fundar uma empresa que mudaria a história dessa atividade no Brasil. Fundar uma empresa de engenharia no Brasil, em 1989? Com uma inflação de 28,94% ao mês e desemprego crescente? Tendo convites para ir trabalhar para os outros, em excelentes posições e às portas daquela que seria considerada a “década perdida” da segunda metade do século, no país – será que ouvimos bem? Mas – para o bem do Brasil – e, espero, da maioria dos leitores que irão receber este livro, foi isso mesmo o que aconteceu. Bem, na verdade, a ideia surgiu numa daquelas quintas musicais, ou seriam terças musicais?, que se realizavam na hora do almoço na Universidade Federal do Rio de Janeiro. E a decisão definitiva foi tomada em outro evento que se deu naquele ano – a turma já se conhecia havia oito anos (um de pré-
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vestibular, cinco de faculdade, e dois de mestrado) – o Congresso Latino-americano de
Assim, dá pra ver que não é por acaso que a Chemtech já ganhou vários prêmios como
Termodinâmica Aplicada de Salvador.
de melhor empresa para se trabalhar no Brasil e na América Latina e de empresa mais
Esse foi um encontro importante porque mostrou para quem estava começando que havia um mercado para soluções em engenharia que aliassem, pela matemática, a química à
inovadora do Brasil, o último, no ano de 2009, no qual o seu diretor-presidente também foi escolhido como Profissional do Ano do Setor Brasileiro de Óleo e Gás.
tecnologia da informação. Um tipo de demanda que estava começando a aparecer no
Mas a história da Chemtech é, sobretudo, também uma história de persistência, uma
exterior, e dentro do país, onde já havia empresas procurando por esse tipo de serviço.
qualidade que faz parte do capital imponderável da empresa e que representa outro dos
Por que não fazer isso no Brasil? Por que não ter a coragem de criar tecnologia nacional
seus principais valores.
de verdade, em uma nação marcada historicamente pela baixa autoestima de quem já nasce pensando que só se pode fazer tecnologia de ponta no exterior?
Para se perceber isso, basta lembrar que a empresa, que hoje detalha alguns dos maiores projetos de óleo e gás do país, foi financiada com três bolsas de mestrado e funcionava
Por outro lado, percebeu-se também (os três fundadores já tinham feito estágio) que
numa salinha de galeria comercial em Ipanema, para a qual cada um dos sócios levou
não era conveniente ficar pulando de galho em galho em um mercado no qual o hábito
móveis e quadros de sua casa. Sem secretária. E com linha telefônica alugada. Comendo
era de contratar quando havia um projeto e depois se desfazer do pessoal até a próxima
no “pé sujo” da esquina, e, quando dava, na segunda-feira, na casa da mãe de um deles,
demanda. Isso não era apenas uma questão de sobrevivência, mesmo em uma época em que, às vezes, as pessoas se formavam, e, com a crise econômica, eram forçadas a ir para o mercado financeiro, montar um restaurante ou vender sanduíche natural. Tratava-se de fazer valer – e isso foi acontecendo com o tempo – a constatação óbvia, e nem sempre lembrada pelas grandes empresas, principalmente na época: de que, na atividade de engenharia, a inteligência é o principal, e, às vezes, único ativo, e o mais importante patrimônio e diferencial que se pode oferecer ao mercado. Dessa forma, quando surge a Chemtech, surgem também os seus valores e suas vantagens competitivas – atenção, não deixem este livro cair nas mãos da concorrência!: 1. Acreditar que se pode fazer engenharia de qualidade no Brasil, à altura da que se faz em qualquer parte do mundo. Trabalhar com foco na inovação. 2. Mais do que isso, acreditar que se pode fazer engenharia no Brasil, com todo o respeito e a valorização de quem trabalha. Não só porque é muito melhor produzir em um ambiente tranquilo e menos competitivo, com um horizonte pela frente que não termina quando acaba o projeto; mas, também, e principalmente, porque – lembramos mais uma vez – a inteligência é o maior patrimônio de uma empresa de engenharia. 3. Atuar estrategicamente, sempre que possível, ao longo do tempo, como uma reserva do ponto de vista da inteligência e do conhecimento, no atendimento às necessidades nacionais na área em que atua.
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famosa pelas sobremesas e pelo tempero italiano. Tendo como único equipamento de
projétil, para que a expansão gradual da temperatura se desse de forma a determinar a
trabalho dois pré-históricos heroicos XTs, de tela verde, operando ainda com DOS, com
formação dos cristais da maneira certa, para que a explosão ocorresse no tempo exato
enormes bolachas de disco, e uma barulhenta impressora matricial de agulha, porque
e na forma adequada.
não havia dinheiro para mais do que isso.
É claro que ali ninguém tinha trabalhado com isso antes. Mas a Chemtech venceu com
Em um país em que metade das micro e pequenas empresas fechava antes do segundo ano
louvor esse primeiro desafio, porque começou fazendo o que é, hoje, uma das principais
de vida, o primeiro desafio da Chemtech foi, com toda a certeza, fazer a empresa existir.
características da empresa: indo atrás da informação. Essa abordagem de – olha, eu
Ela mal tinha aberto as portas, e o ano de 1990, da invasão do Kuwait pelo Iraque e da Guerra do Golfo, já começava no Brasil com uma verdadeira bomba: depois de derrotar Lula no segundo turno por 35 a 30 milhões de votos, Fernando Collor de Mello, eleito
nunca trabalhei com esse problema, mas pode deixar que vou descobrir como se resolve –, e a determinação de aprender e de fazer acontecer, é outro dos principais valores diferenciais da Chemtech.
como “o caçador de marajás” tomou posse como presidente da República, e, no primeiro
A Chemtech sabe que não dá para ficar apenas esperando pelo insight, a lampadinha
dia de governo, anunciou o bloqueio de todas as contas bancárias e da poupança. Houve
acender em cima da cabeça, que é jogar energia e tempo fora incumbir um profissional,
uma crise de consumo. Empresas, de um dia para o outro, ficavam sem matéria-prima.
principalmente se ele for um gênio, de reinventar constantemente a roda. Então, como
Ninguém mais tinha dinheiro para nada. Era preciso estocar comida em casa, porque
dizíamos antes, o primeiro passo na Chemtech é ir atrás do conhecimento. O insight é
não se sabia o que seria possível encontrar no dia seguinte no supermercado. Muita
sempre bem-vindo. Mas é muito mais fácil gritar Eureca e dar o pulo do gato quando já
gente – principalmente quem vivia dos juros da poupança depois de uma vida inteira de
se estudou bem o problema.
trabalho – chegou a se matar. Outros morreram porque era proibido tirar dinheiro até para pagamento de despesas médicas. O grande cronista brasileiro Rubem Braga, que foi correspondente de guerra na Itália, com a FEB, foi um deles. Não pôde retirar o dinheiro bloqueado para viajar para os Estados Unidos e curar-se de um câncer de garganta. Nessa verdadeira guerra, com a necessidade de manter a empresa aberta e de fazer entrar algum dinheiro antes que acabassem as bolsas de mestrado, não é de se estranhar que o primeiro trabalho da Chemtech, embora não exatamente um rabo de foguete, fosse quase isso: uma granada. Mas espera aí – dirão os leitores – a Chemtech já trabalhou com armamento? Sim, responderá alguém, muito naturalmente. Não existe nada mais nobre do que contribuir para melhorar a capacidade de defesa do país. Se não fosse a Chemtech, seria outra empresa, e se tivesse sido outra empresa, será que hoje existiria a Chemtech?
Com cerca de três mil dólares e seis meses mais tarde o primeiro projeto acabou. E o bebê Chemtech, que estava dando os primeiros passos – ganhou o que toda criança precisa – um bom padrinho. Esse padrinho – ao contrário do que poderia pensar um leitor mais desavisado ou que não conhecesse a Chemtech e a sua tremenda preocupação com a integridade e a ética – não era um figurão das altas rodas, que circulasse pelos gabinetes ministeriais, o Palácio do Planalto, ou o Congresso Nacional. Suas armas sempre foram o lápis e o papel, seu ambiente, a sala de aula e o laboratório, e a turma da Chemtech já o conhecia, desde o Congresso de Termodinâmica Aplicada de Salvador, e por ele ter sido da banca examinadora, na COPPE, de um dos sócios da Chemtech, cuja tese de mestrado – sobre termodinâmica semicontínua de petróleo – foi usada em um projeto seu. Foi um padrinho que nunca deu dinheiro nem brinquedo.
Até porque era uma questão mais teórica do que prática, e também porque depois, por
Mas depositou no pessoal da salinha da rua Visconde do Pirajá, que não tinha outros
razões outras, o cliente veio a fechar, sem fabricar, ou produzir nem mesmo o protótipo.
contatos, o que toda empresa precisa quando está começando: confiança e trabalho. E,
Tratava-se – como quase tudo na vida – de um problema de fronteira móvel – por acaso o tempo e o universo também não são, de certa forma, fronteiras móveis? Imaginemos um problema de matemática que não está restrito a um determinado espaço, o lugar em que ele ocorre vai mudando, acompanhando uma reação química. O objetivo era modelar, matematicamente, a cristalização do explosivo líquido dentro da câmara do
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por isso, pela importância que teve para a Chemtech, ele será a única pessoa claramente identificada neste texto: o engenheiro Carlos Dantas Moura, da Petrobras. Sem ser formado em engenharia química, ele foi um dos precursores, no Brasil, das áreas de termodinâmica e destilação. E foram o respeito e o prestígio que adquiriu, em anos de Petrobras, que colocou em risco, ao confiar à responsabilidade dos três jovens
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engenheiros do IME o primeiro grande contrato depois daquela granada que marcou
Enquanto a Chemtech se debruçava sobre o desenvolvimento do seu primeiro simulador
o início da batalha pela existência da Chemtech. Um projeto que, pela sua duração e
de refino de petróleo, lá fora – como diz aquele velho cartaz na avenida Brasil – o mundo
complexidade, marcou a maior parte da história da empresa: o PETROX.
girava e a Lusitana rodava, em um planeta no qual as crises se sobrepunham, no plano
O objetivo era estratégico para o país e para o CENPES – o Centro de Pesquisas e
doméstico e no internacional.
Desenvolvimento da Petrobras. Fazer, aqui mesmo, o primeiro software de simulação de
Em 1991, em plena Guerra do Golfo no Iraque, estouraram os conflitos dos Bálcãs,
refinaria totalmente nacional, em uma época em que só existiam quatro projetos similares
envolvendo sérvios, croatas, bósnios e eslovenos na região da antiga Iugoslávia. Em
em todo o mundo, e nenhum deles se adaptava plenamente às necessidades do país.
setembro, o presidente eleito Jean-Bertrand Aristide é deposto no Haiti, dando início ao
Primeiro, por se trabalhar no Brasil, como ainda acontece hoje, com petróleo pesado,
processo que levaria tropas brasileiras, em março de 2004, sob o estandarte da ONU, a
para o qual não existia, até aquele momento, um modelo termodinâmico que funcionasse
intervir naquele país. O suíço Richard Ernst ganhou o Prêmio Nobel de Química, por suas
satisfatoriamente e, em segundo lugar, porque a Petrobras preferia não trabalhar com
experiências relacionadas com a espectroscopia da Ressonância Magnética Nuclear de Alta
“caixas-pretas” importadas, que ela só viesse a rodar em seus computadores, sem poder
Resolução e, no Brasil, tornou-se evidente o fracasso do Plano Collor, que impusera tantos
alterar, aperfeiçoar e adaptar.
sacrifícios à vida de milhões de brasileiros, com a inflação chegando a 1.500% no final
Como não havia nenhum precedente nesse tipo de produto, o PETROX nasceu praticamente do zero, e, para ele, ao longo de 15 anos de trabalho, a Chemtech desenvolveu, junto com a Petrobras, a interface gráfica para a entrada de dados e todo o sistema de cálculo desse sofisticado software genérico, que ainda hoje é utilizado para reproduzir e/ou antecipar o funcionamento das refinarias brasileiras de petróleo. Do ponto de vista da história da Chemtech, o PETROX foi importante por várias razões:
Tarantino lançou seu magistral “Reservoir Dogs”, traduzido no Brasil para “Cães de aluguel”, Pedro Collor, irmão do Presidente da República, denunciou à nação, após desentendimento familiar, a existência de amplo esquema de corrupção, extorsão e suborno, comandado por Paulo César Farias, que havia sido tesoureiro de Fernando Collor na campanha eleitoral. O presidente, que havia sido eleito com um discurso de ataque à corrupção e defesa dos “descamisados”, como chamava a população mais pobre, embora sua verdadeira plataforma
- porque sendo um projeto de longo prazo permitiu a sobrevivência da Chemtech
fosse a da diminuição da presença do Estado na economia, a privatização do patrimônio
durante vários anos, e, de forma mais decisiva, nos primeiros quatro anos de empresa;
público e estratégico nacional e a abertura para o capital estrangeiro e as importações,
- como desafio intelectual, já que não havia bibliografia anterior, e porque a resposta para a formulação bem-sucedida de muitos algoritmos às vezes vinha à cabeça durante um banho de chuveiro, ou tomando-se o café da manhã;
negou, desde o primeiro momento as acusações. O Congresso, pressionado pela opinião pública, instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito, cujo relatório final apontava claros vínculos entre o presidente e o “empresário” Paulo César Farias. Foi então aberto um processo de impedimento do presidente da República, que paralisou o país durante
- pelo seu papel na consolidação de uma cultura corporativa própria, na medida
meses. Nas ruas, milhares de pessoas, dos mais diferentes segmentos sociais, pediam o seu
em que a quase totalidade da empresa, até 2004, se envolveu em uma ou outra
afastamento da presidência, em manifestações em que se destacava a presença dos “caras-
etapa do projeto;
pintadas”, estudantes universitários e secundaristas que desenhavam em seus rostos traços
- pelo fato de ter sido, também, de certa forma, um laboratório de formas e métodos depois aplicados em outros projetos da Chemtech; - e, finalmente, porque o prazo mais dilatado de maturação permitiu que, ao longo do tempo, se estabelecesse, no aspecto técnico e profissional, uma verdadeira parceria entre a Chemtech e certas áreas da Petrobras, no contexto da colaboração
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do ano. Em maio de 1992, ano em que foi fundada a Internet Society (ISOC), e Quentin
de tinta verde e amarela. Enfrentando a oposição de parlamentares do Congresso e manifestações de rua cada vez mais expressivas, Collor ficou totalmente isolado. Numa sessão histórica, em 29 de setembro de 1992, o Congresso Nacional aprovou o impeachment do Presidente, que renunciou no dia 30 de dezembro.
sinérgica, ombro a ombro e no dia a dia, das equipes das duas empresas envolvidas
Começou o curto governo de Itamar Franco, vice de Fernando Collor, que assumiu a
com o desenvolvimento e aprimoramento do PETROX.
presidência da República. No Rio de Janeiro, na pequena sala da rua Visconde do Pirajá,
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a turma da Chemtech diversificava sua esperança e seus desafios, atendendo, já desde 1991, novos clientes, como a Liquid Carbonic, a Shell e a Detergentes do Nordeste, DETEN. Lembram do Congresso de Termodinâmica Aplicada de Salvador, no qual nasceu a Chemtech? Foi lá que os fundadores tiveram o primeiro contato com a DETEN, uma empresa de tensoativos biodegradáveis, instalada no Polo Petroquímico de Camaçari, na Bahia, que é, até hoje, cliente da Chemtech. Alguns aspectos nortearam, ao longo dos anos, essa relação. A amizade que se estabeleceu, naqueles primeiros tempos, entre o pessoal da Chemtech e a equipe da DETEN, foi um deles. Depois, o tipo de trabalho, que estava muito voltado para a busca de soluções para problemas técnicos específicos, muitas vezes emergenciais, que ocorriam no chão de fábrica, durante o processo de produção. Isso mobilizou e estimulou a criatividade do pessoal da Chemtech, no sentido de moldar uma das principais características da empresa, que é justamente a flexibilidade de procurar resolver o problema, qualquer que seja ele, e de fazer acontecer, mesmo quando se trata de um desafio ou de uma área que não se conhecia anteriormente. E, finalmente, pela diversificação e abrangência dos serviços prestados pela Chemtech para a DETEN, que depois vieram a abarcar quase todas as áreas de atividade da empresa, do software à engenharia de processos, à automação etc. Mas, no início, o que valia mesmo era identificar e responder rapidamente ao problema, era dar aquela “marteladinha mágica” que faz a máquina funcionar, era usar o “martelinho de ouro” da Chemtech. Esse foi o caso, por exemplo, de um equipamento de uma unidade de produção de detergente da DETEN que não partia de jeito nenhum. O problema ocorria durante o processo de sulfurização, na hora em que se processava a vaporização de trióxido de enxofre para reagir com a cadeia de carbono a fim de formar a parte polar e apolar do detergente.
Normalmente, o trióxido de enxofre entrava líquido e era misturado a ar
quente a 100 graus centígrados, para auxiliar na vaporização, mas estava ocorrendo o contrário. A temperatura, no lugar de subir, descia e congelava o líquido, que empedrava lá dentro, entupindo o equipamento e aumentando a pressão, deixando o pessoal sem outra opção a não ser desligar a unidade. A equipe da Chemtech – que já começara a contratar os seus primeiros funcionários – depois de quebrar a cabeça algum tempo, resolveu pesquisar e descobriu que esse tipo de problema era muito comum em unidades de amônia, nas quais, no momento da vaporização, o ar quente retirava calor do líquido com o qual tinha que se misturar. Se
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essa mistura não fosse uniforme, parte do líquido era vaporizado e a parte que sobrava ao
Graças ao Plano Real, Fernando Henrique foi eleito presidente da República. Ao final do
ceder calor para a outra, que já estava quente, congelava, no lugar de esquentar. Era o que
seu primeiro mandato, manobrou e conseguiu, do Congresso, emenda à Constituição,
estava acontecendo com o trióxido de enxofre. A Chemtech resolveu o problema criando
dando-lhe o direito de candidatar-se a um novo período de quatro anos como presidente
um modelo matemático para saber o que ocorria no escoamento do ar quente, e com
da República. O período que esteve à frente do governo foi de baixo investimento público,
medidas experimentais que orientaram a adaptação do equipamento e a uniformização do
com o país crescendo a uma taxa média de apenas 2,2% ao ano, e de privatização e
escoamento e da temperatura dentro do vaso.
desnacionalização de vários setores da economia, como os da energia, da mineração, do
Outro exemplo desse tipo de problema emergencial que a Chemtech teve a oportunidade
mercado financeiro e das telecomunicações.
de resolver para a DETEN foi com um reator que separava o ácido fluorídrico, catalisador
A retirada do Estado de atividades de ponta para o desenvolvimento nacional deixou
da reação dos hidrocarbonetos, para se obter o detergente. Esse reator tinha um vaso
órfã a engenharia brasileira. Navios e equipamentos e bens de capital passaram a ser
enorme, com mais ou menos seis metros de comprimento por dois de diâmetro, onde era
adquiridos no exterior, onde custavam mais barato, já que a moeda nacional encontrava-
feita a decantação, por gravidade, porque o ácido fluorídrico é mais pesado e tende a
se artificialmente valorizada, com um dólar chegando a valer apenas um real.
escoar para baixo, enquanto os hidrocarbonetos, mais leves, tendem a flutuar. O problema é que parte dos hidrocarbonetos escapava por uma válvula situada embaixo do vaso. O equipamento perdia hidrocarbonetos, e a DETEN perdia dinheiro, já que os hidrocarbonetos eram o produto final do processo. Descobriu-se depois que estava se formando um vórtice no fundo do vaso, que puxava os hidrocarbonetos para baixo. Mas como saber como isso ocorria no interior de um vaso daquele tamanho e em plena operação? A solução foi fazer uma simulação. A primeira etapa, em computador, foi a de saber onde medir para evitar que o problema continuasse e, depois, construir, com a ajuda de um vidreiro, um modelo para representar o equipamento industrial da DETEN. Nesse tubo, o processo foi reproduzido, usando-se água e óleo de
Foram oito anos nos quais não se construiu nenhuma nova refinaria, nenhuma plataforma de petróleo, não se desenvolveu qualquer grande projeto na área química no Brasil. Nessa situação, para assegurar a sua sobrevivência e crescimento dali em diante, não restou à Chemtech outro caminho que não fosse o da diversificação. Qual era a demanda que havia naquele momento? Como não havia expansão da capacidade, as empresas precisavam melhorar seus resultados, reduzindo os custos nas linhas de produção e evitando problemas no equipamento com a ajuda de softwares de controle avançado, controle preditivo, automação, tecnologia que, até aquele momento, não havia sido desenvolvida ainda por brasileiros dentro do Brasil.
cozinha no lugar dos hidrocarbonetos e do ácido fluorídrico, comprovando a modelagem
Isso fez com que a Chemtech, de 1993 a 1998, tenha se especializado – embora estivesse
matemática à qual se chegara anteriormente no computador.
se diversificando – como estava acontecendo com o PETROX, na geração de soluções
Se somarmos a isso outros projetos, como o da revisão do processo de produção da Liquid Carbonic, hoje parte do grupo Praxair INC/ White Martins, pode-se dizer que a Chemtech, fundada com o desejo de se trabalhar com projetos de engenharia, já teve a
voltadas para o aprimoramento de equipamentos e processos já existentes na área de óleo e gás e ampliado os segmentos de atuação, procurando ganhar clientes em outras áreas, como a da alimentação.
sorte de encontrar, desde o início, desafios que eram basicamente de engenharia, entre
Imaginemos, por exemplo, o desafio de manter ancorada e em equilíbrio uma imensa
1989 e 1993.
plataforma de petróleo, a centenas de quilômetros da costa, com centenas de metros de
O governo do presidente Itamar Franco, de apenas dois anos, foi muito curto para grandes realizações, mas a maior delas, sem dúvida, foi o Plano Real, que acabou com a hiperinflação e deu ao país nova moeda. Itamar Franco, com 81% de popularidade ao
altura, e quase 50 mil toneladas de peso, extraindo simultaneamente, vinte e quatro horas por dia, petróleo de mais de 20, 30, poços diferentes, aos quais ela está ligada por dezenas de cabos, também com centenas de metros de comprimento.
final do seu governo, poderia facilmente ter tentado pressionar o Congresso para mudar
Ou manter no lugar um navio-sonda, voltado para a prospecção de novos depósitos de
a Constituição e se candidatar à presidência da República, mas preferiu indicar o seu
gás e de petróleo, que não pode se deslocar mais que um metro para qualquer direção,
ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, como candidato, em troca de seu
sob pena de quebra do equipamento da coluna de perfuração, com um prejuízo de
suposto apoio nas eleições de 1998.
dezenas de milhões de dólares.
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Sob qualquer aspecto, trata-se de um impressionante feito de engenharia, que depende, fundamentalmente, do gerenciamento, em tempo real, de uma tremenda quantidade de informações. Foi isso que a Chemtech ajudou a fazer ao desenvolver, na década de 90, o PetroNav, o software de posicionamento de plataformas da Petrobras. Dividido em sistemas voltados para o monitoramento das condições oceanográficas e atmosféricas, a posição da embarcação com relação às condições previstas de operação e os movimentos e posição dos dutos para a passagem de petróleo, gás, água etc., o PetroNav diminui o risco da ocorrência de acidentes provocados por tempestades ou deslocamento repentino da embarcação. Partindo de um desafio inédito, o projeto exigiu o desenvolvimento de um conjunto integrado de soluções de engenharia de software e de instrumentação. A versão de 1993 foi escrita em linguagem C para ambiente MS-DOS com a utilização de um pacote executivo em tempo real. A versão iniciada em 1997 foi escrita em C++ utilizando uma arquitetura multithread para ambiente Windows. Para a medição de posição, do aproamento e do movimento de embarcações e móveis submarinos, o PetroNav utiliza receptores GPS, sensores de posição hidroacústicos, bússolas magnéticas, agulhas giroscópicas mecânicas ou de fibra óptica, sensores inerciais de movimentos e sensores híbridos destas tecnologias. As maiores dificuldades encontradas para o seu desenvolvimento foram
inerentes à
execução de testes de um sistema de tempo real em alto-mar. Já que as simulações em bancada reproduziam apenas parcialmente as condições em que o sistema iria operar, as equipes da Chemtech e da Petrobras tiveram de fazer vários testes de campo com o sistema embarcado e os sensores precisamente instalados, em diferentes condições atmosféricas e a dezenas de quilômetros da costa. Por outro lado, o projeto contribuiu para o teste de situações e equipamentos que hoje são comuns no trabalho da Petrobras como o comportamento de oleodutos submarinos durante operações de rebombeio, essencial para a prevenção de problemas ambientais, e o monitoramento da operação de risers híbridos, como os da plataforma BW Pioneer, nos campos de Cascade e Chinook no Golfo do México, a primeira FPSO ou navio-plataforma da Petrobras na região. Hoje, graças ao PetroNav, a Chemtech fornece para esses sistemas não apenas o software, mas também a instrumentação. Em 2008 a empresa construiu, instalou e fez o comissionamento de oito módulos Pitch Controller e Azimuth Drive para uma plataforma projetada especialmente para a perfuração de poços, permitindo a estabilidade da embarcação mesmo em condições climáticas adversas, com uma oscilação máxima de apenas um metro na coluna de perfuração.
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Foi nessa época que a Chemtech foi chamada a provar que uma empresa que se envolvia
O projeto exigia mais do que enfrentar a natural resistência dos funcionários da unidade,
com o desenvolvimento de sistemas de posicionamento de plataformas de centenas de
que já não acreditavam mais que a tarefa pudesse ser realizada a contento, mas também
milhões de dólares em alto-mar podia também se envolver com questões mais prosaicas,
fazer isso em um prazo recorde de seis meses, tempo máximo em que as máquinas
mas para alguns – e principalmente o cliente – não menos estratégicas, como assegurar
podiam ficar paradas, antes que os estoques se esgotassem, às vésperas da estação mais
parte do abastecimento do mercado brasileiro de sorvete no último verão do milênio.
quente do ano.
Essa é uma história que começa um ano antes, em janeiro de 1999. A Nestlé, uma das
Naquele momento, obedecendo à sua política de manter seu pessoal ao longo do tempo,
maiores fabricantes de sorvete do país, depois de várias tentativas frustradas de encontrar
a Chemtech trabalhava com uma equipe enxuta, que estava envolvida também com
uma empresa que pudesse enfrentar com sucesso o desafio de implantar, dentro da fábrica
outros projetos. Havia o problema da distância e do deslocamento até a unidade. Os
da Yopa de Jacarepaguá, o sistema de automação da unidade, resolveu não apenas dar
profissionais envolvidos tinham de enfrentar longas jornadas de trabalho. A realização
uma solução definitiva para o problema, mas também transferir toda a produção da
do projeto básico e de elétrica para a automação da nova linha implantada e a otimização
fábrica de São Paulo para o Rio de Janeiro, confiando à Chemtech essa missão.
da programação das linhas existentes permitiram o gerenciamento das receitas de forma centralizada e a operação distribuída nos diversos setores da fábrica. Quando o trabalho terminou, a Chemtech tinha conseguido dar a partida no sistema e colocar a fábrica em funcionamento dois dias antes do prazo, evitando – embora quase ninguém saiba disso – que muitos de seus futuros estagiários – que iam com as mães à praia naquela época – vivessem, no Brasil, mais uma crise: a do picolé. A Chemtech estava completando dez anos. Até ali, a luta da diretoria tinha sido, primeiro, fazer a empresa existir e, depois, sobreviver em um
país onde não havia política
industrial de curto ou médio prazo e que no tempo de sua existência atravessara grandes crises e transformações. Nesse período, como costuma dizer um dos fundadores, os funcionários da Chemtech, ou pelo menos os mais antigos, tinham saído da fase do “bom moço”, como tinham começado, com suas caras de estudante e sua pasta de projetos debaixo do braço, para, sem perder os seus melhores valores, entrar, paulatinamente, na fase do “soldado universal”, sempre prontos a enfrentar um desafio, sem importar o tipo, o tamanho ou o lugar. A empresa, devido justamente ao leque de missões que já enfrentara e à diversificação de sua carteira de clientes, estava, lentamente, começando uma nova etapa, a da sua diferenciação institucional no mercado brasileiro de soluções de engenharia e de óleo e gás. Era natural que essa diferenciação, para uma empresa que trabalhava, desde o início, com software, engenharia e controle de processos e automação, viesse a associar a marca Chemtech a algumas atividades específicas, como aconteceu a partir principalmente de 1999, com o MES, a sigla em inglês para Sistema de Execução de Manufatura. A grande função do MES é a integração, pela tecnologia da informação, de todas as etapas que envolvem um determinado processo produtivo, da aquisição e entrada da matéria-prima à execução do produto final, levando-se em consideração fatores como a
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comercialização, a compra e o transporte da matéria-prima, a adequação, “just in time” à demanda dos consumidores, o monitoramento da linha de produção, o controle de qualidade, a logística e a distribuição. No ano de 1998, a Chemtech já tinha conquistado a Braskem como um cliente de MES. Em 1999, 2000 e 2001 levou a sua excelência no desenvolvimento e implantação de Sistemas de Execução de Manufatura a alguns dos mais poderosos clientes em seus respectivos segmentos de atuação da economia nacional. Na química, com a Monsanto, na mineração, com a Samarco, no papel e celulose, com a Suzano e a Ripasa, e na siderurgia, com a CSN, Companhia Siderúrgica Nacional, no maior projeto desse tipo até aquele momento na América Latina. No desenvolvimento desse tipo de tecnologia, os maiores valores que a Chemtech coloca à disposição de seus clientes são a confiabilidade e a sinergia, já que a complexidade, o custo e abrangência do sistema, que irá integrar e controlar praticamente todos os setores e processos da empresa, exigem uma relação de longo prazo entre fornecedor e cliente. Uma relação que se estende por um permanente processo de adaptação e manutenção, o que faz com que a Chemtech esteja atendendo até hoje essas que são algumas das maiores empresas do país. Para a Chemtech, implantar um projeto desse tipo em uma empresa do porte da CSN exigiu uma forte dose de pioneirismo e comprometimento. Até aquele momento não havia qualquer referência de solução semelhante no país ou no exterior, devido tanto à sofisticação da modelagem do processo produtivo exigido quanto à grande quantidade de informação. Era preciso entrar em uma usina daquele tamanho, com uma imensa gama de produtos, que fornecia em grandes e em pequenas quantidades, e compreender não apenas como ela produzia, mas também como funcionava, como vendia seus produtos, absorvendo até mesmo parte da cultura de uma das maiores empresas do Brasil. O objetivo do projeto MES SIGA-PP, que durou de agosto de 1999 a setembro de 2001, era desenvolver e implantar um sistema integrado voltado para coordenar o fluxo de informações entre o sistema corporativo SAP R/3 e os diferentes sistemas de controle de cada área do processo siderúrgico da Usina Presidente Vargas. A proposta envolvia a coordenação da produção em mais de 50 áreas da usina, incluindo equipamentos críticos como o laminador de tiras a quente, os conversores e linhas de lingotamento da aciaria, três alto-fornos, áreas de acabamento e tratamento térmico. A filosofia de produção “Make to Order”, segundo a qual a rota de produção e especificações de cada lote de aço são determinadas, a cada encomenda, pelos clientes da CSN, aumentou a complexidade do projeto, que teve de ser desenvolvido de comum
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acordo com a Accenture – responsável pela implantação do SAP R/3 na Companhia Siderúrgica Nacional – e com as equipes da CSN responsáveis por definir os requisitos técnicos e funcionais do futuro Sistema de Execução de Manufatura. Quinze meses depois do início do Projeto MES SIGA-PP, constatou-se a impossibilidade de atender os requisitos de planejamento de produção do coração da usina, a aciaria, com o sistema SAP R/3 da Accenture, o que levou a CSN a tomar a decisão de encomendar à Chemtech o desenvolvimento de um novo módulo do MES voltado para responder especificamente a essa tarefa, programa que foi concluído e instalado dentro do prazo acordado. Ainda hoje, oito anos depois, a Chemtech disponibiliza uma equipe permanente em Volta Redonda, que oferece suporte e trabalha na constante otimização do programa. Com o MES, a CSN pôde passar a oferecer uma ampla gama de produtos que não fornecia antes, na quantidade exigida pelos clientes, o que fez com que essa solução servisse para estabelecer um claro diferencial que reposicionou efetivamente a CSN no mercado, melhorando as suas condições de competitividade com relação ao mercado brasileiro e ao internacional. Por envolver dois anos de trabalho in loco, ou, como diriam alguns, “in louco”, e um total de quarenta profissionais, o trabalho para a CSN marcou, também, intensamente, a história da Chemtech. Foi a primeira vez que fundou-se uma república, quando o pessoal resolveu sair do hotel e alugar uma casa, na qual, às vezes, um récem-chegado, para não ficar longe da equipe, comprava um colchão e dormia no chão. Tiazinha, como era conhecida a empregada que cuidava da equipe, não era lá muito boa de cozinha – dizia-se que o frango que tinha a infelicidade de entrar no forno dela saía dali um pombo meia hora depois – o que exigia às vezes comer fora, improvisar na hora de fazer compras, e contar com a boa vontade de alguém que gostasse de cozinhar. Na partida do sistema da CSN, havia mais gente em Volta Redonda do que na sede da Chemtech no Rio de Janeiro, que, logo depois, se mudaria para o vigésimo andar do edifício que ocupa agora na rua da Quitanda, e no mesmo ano abriria em São Paulo a primeira filial. A execução do MES para a CSN trouxe outra importante consequência para a Chemtech, a internacionalização. Naquele momento, a empresa que dez anos antes tinha apenas três sócios, era responsável, agora, não apenas pelo seu próprio futuro, mas pela sobrevivência de mais de setenta famílias. Todo o capital da Chemtech eram seus projetos, sua inteligência. Se viesse
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mais uma crise – estávamos na metade do segundo dos mandatos de Fernando Henrique
Discreta e focada no próprio negócio, a Chemteh era pouco conhecida fora das suas
Cardoso, caracterizados pela estagnação e a instabilidade, e às vésperas da estrondosa
áreas de atuação, e, nelas, como a empresa daqueles garotos tímidos que chegavam de
queda das Torres Gêmeas, em Nova Iorque – ou se houvesse algum problema com um dos
mansinho e ganhavam as licitações. Usavam como principal diferencial para a conquista
grandes contratos da Chemtech, como um atraso de pagamento, por exemplo, a empresa
dos contratos uma fórmula que incluía a confiança alcançada anteriormente em trabalhos
da qual estamos contando a história teria que demitir, ou melhor, perder parte de seu
mais simples realizados para os mesmos clientes, a qualidade, agilidade e flexibilidade do
pessoal, profissionais que tinham crescido e se aperfeiçoado dentro dela, e isso era tudo
seu pessoal, e, principalmente, o preço e prazo de entrega de seus projetos de software,
que os sócios não queriam ver acontecer.
engenharia e automação.
Por outro lado, o grau de sofisticação alcançado pelo trabalho da Chemtech já parecia
Isso fez naturalmente com que a Chemtech começasse a ser procurada por empresas maiores,
apontar para novos horizontes, até mesmo fora do Brasil, um espaço estratégico para
com as quais já concorrera em uma ou outra licitação, interessadas em saber como a empresa
onde a empresa teria que caminhar mais dia, menos dia, sozinha, ou com mais alguém.
trabalhava e se ela estava aberta à parceria ou associação. Entre essas empresas estava uma marca que é sinônimo de tecnologia e inovação em todo o mundo, e que está presente no Brasil desde 1905. Uma empresa que já tinha selecionado a Chemtech como uma provável parceira entre dezenas de outros negócios na América Latina, e que tinha interesse justamente na sua competência na área de MES. Foi assim que o Grupo Siemens, depois de dois anos de negociações, acabou adquirindo parte do capital da Chemtech, em março de 2001. A associação com o Grupo Siemens, ao qual pertence hoje, acabou proporcionando o que já se previa: a entrada, com o pé direito, da Chemtech no mercado exterior. Corria o ano de 2002. O Grupo ExxonMobil, uma das maiores companhias de petróleo do mundo, procurava alguém que pudesse aceitar o desafio de trabalhar em um fascinante projeto: o desenvolvimento de um sistema integrado para a visualização de dados em tempo real de suas 25 refinarias espalhadas por todo o mundo. Para a ExxonMobil, tratava-se, em princípio, de desenvolvimento de software, ou seja, de identificar a melhor companhia de tecnologia da informação disponível no mercado mundial naquele momento. Nomes como a IBM e a EDS, gigantes mundiais nesse segmento, participaram, junto com a Chemtech, do processo final da licitação. Mas foi a Chemtech que conquistou o contrato, porque só ela podia agregar, à expertise em desenvolvimento de software exigida, uma vasta experiência em atividades ligadas à engenharia, refino e automação. Mais uma vez ficou provado o acerto da estratégia chemtecheana de não colocar os seus ovos, ou melhor, o seu “ovo” – quem não se lembra do “ovo” da Chemtech, um gráfico que ilustra o portfólio de serviços da empresa, e que é apresentado a todo novo funcionário ou estagiário antes dele começar a trabalhar? – em uma cesta só. A diversificação de atividades, clientes e mercados transformou-se em um fator estratégico para a diferenciação da empresa com relação aos seus concorrentes, dentro e fora do Brasil.
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Desenvolvido pela IndX, empresa do Grupo Siemens que hoje é gerida pela Chemtech,
mais pobre, da soberania brasileira e da imagem do Brasil no exterior. Na Carta, se
e configurado por uma equipe majoritariamente brasileira, o software XHQ permitiu
comprometia a não promover mudanças radicais que pudessem ameaçar a economia
à ExxonMobil obter, em uma mesma interface web-padrão que não necessita de
e a respeitar os contratos firmados, com o claro objetivo de acalmar os investidores
conhecimento prévio para ser operada, acesso imediato a uma grande variedade de
internacionais e o empresariado brasileiro e conter a alta do dólar durante a campanha
dados de negócio, processo, qualidade, KPIs, de 25 refinarias em quatro continentes
eleitoral.
e 13 diferentes países, O software agrega rapidez e agilidade ao processo de tomada de decisões em um mercado altamente competitivo, que tem que ser constantemente monitorado, administrado e operado em escala mundial.
No dia primeiro de janeiro de 2003, Lula assume o poder, e, entre uma de suas primeiras medidas, divulga a decisão de se estabelecer um conteúdo nacional mínimo para os equipamentos a serem adquiridos pela Petrobras e pelo Fundo Nacional da Marinha
A outra grande vantagem do produto é a agilidade de manutenção e otimização,
Mercante em benefício da valorização da indústria brasileira e do aumento da contratação
trabalho que é feito hoje, remotamente, para todo o planeta, a partir dos escritórios
de mão de obra pela indústria naval. Para o novo presidente, uma pequena diferença do
da Chemtech no Brasil.
preço em dólares entre uma plataforma comprada lá fora e outra construída no Brasil
Liderando a força-tarefa encarregada do desenvolvimento dessa ferramenta, a Chemtech enviou engenheiros para Cingapura, onde foi implantado o projeto-piloto e implementou
não pode justificar que empregos sejam criados nos países fornecedores em detrimento da população brasileira.
o sistema na Tailândia, Malásia e Argentina, além de fornecer treinamento e consultoria
No governo Lula, os investimentos em exploração de petróleo são retomados
para as unidades japonesas, americanas e inglesa da ExxonMobil.
e direcionados, sempre que possível, para a indústria local. Atinge-se a
O sucesso alcançado pela Chemtech no atendimento à demanda da ExxonMobil abriu para a empresa brasileira, fundada em 1989, as portas do mercado internacional de serviços de engenharia no segmento de óleo e gás, fazendo com que a Chemtech atenda hoje, contando com seu escritório situado em Los Angeles, nos Estados Unidos, clientes
autossuficiência. Reabrem-se, a partir de 2005, 2006 e 2007, as encomendas de plataformas de petróleo. Recupera-se a indústria naval. A partir de 2008, o país volta a falar, depois de décadas, em novos parques petroquímicos e refinarias. Surgem as primeiras descobertas no pré-sal.
de diferentes países, como a Alemanha, Estados Unidos, Rússia, Japão, Cingapura,
A nova política de apoio do governo à indústria nacional injeta bilhões de reais em toda
Tailândia, Arábia Saudita, França, África do Sul, Canadá, Holanda, México e Argentina.
a cadeia produtiva e beneficia diretamente as perspectivas do mercado de serviços de
Aproximava-se o ano de 2002 e o final do segundo mandato de Fernando Henrique
engenharia, processos e automação, abrindo uma nova era de expansão para a Chemtech.
Cardoso. A perspectiva da vitória de Luís Inácio Lula da Silva, ex-líder sindical e
Essa política, que poderíamos chamar de nacional e desenvolvimentista, sem exclusão
candidato do Partido dos Trabalhadores, incendiava a nação. Dentro e fora do Brasil, a
do capital estrangeiro, permite que, pela primeira vez na história, grandes projetos de
imprensa e numerosas lideranças nacionais e internacionais alertavam para o caos em
óleo e gás sejam realizados aqui mesmo, por brasileiros.
que poderia se transformar o país.
O marco dessa retomada da engenharia brasileira é a plataforma P-57, programada para
Dizia-se que, se Lula fosse eleito, haveria uma fuga maciça de investimentos estrangeiros
produzir 180 mil barris diários de petróleo pesado no Campo de Jubarte, que vem a se
e milhões de empresários e empreendedores deixariam o país. A taxa SELIC subiu para
transformar no primeiro projeto multidisciplinar para uma instalação de grande porte
mais de 20% ao ano, e o dólar bateu na marca dos quatro reais. Na televisão, a atriz
executado pela Chemtech.
Regina Duarte, que também é criadora de gado no Mato Grosso, avisava: “ tenho medo!”. A imprensa reforçava: ninguém sabe o que pode acontecer!
De julho de 2005 a fevereiro de 2006, em um consórcio que incluía também a brasileira Kromav e a norueguesa Aker Kvaerner, cinquenta profissionais da Chemtech trabalharam
Pressionado, Lula lançou, em junho de 2002, a Carta ao Povo Brasileiro, um documento
lado a lado com engenheiros seniores do CENPES, no FEED (Front End Engineering &
amplamente divulgado, assinado do próprio punho, no qual propunha o fortalecimento
Design), ou pré-detalhamento do Topside e do Casco da P-57, em uma força-tarefa
do mercado interno, das exportações, das reservas internacionais, da renda da população
liderada pelos representantes da Petrobras.
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O Projeto da P-57 foi emblemático para a Chemtech, primeiro, pela sua dimensão, e, segundo, porque a empresa percebeu que podia participar de grandes licitações mesmo que não dominasse totalmente a totalidade do conhecimento envolvido, desde que somasse de forma sinérgica e positiva sua inteligência e força de trabalho às de outros parceiros. Por outro lado, a P-57 foi extremamente importante porque abriu também a possibilidade da realização de maiores contatos com a Petrobras, no nível técnico, permitindo que a Chemtech pudesse identificar melhor as demandas da empresa e que a Petrobras pudesse perceber também o que a Chemtech podia oferecer de melhor nesse contexto, nas suas diferentes áreas de atuação. Entre outros fatores, essa aproximação foi decisiva para que a Chemtech viesse a conquistar, logo depois, os dois maiores contratos da sua história, e da história do Brasil, na sua área de atuação: a RNEST, Refinaria do Nordeste, ou Refinaria Abreu e Lima, em processo de implantação no município de Ipojuca, na Região Metropolitana do Recife, em Pernambuco, e o COMPERJ, Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, que, como diria o menino prodígio, na clássica versão de Batman, em preto e branco, são os Santos Projetos!, ou a dupla Cosme e Damião da Chemtech. Sim, caro leitor não chemtecheano. Porque nada ilustra melhor a trajetória vitoriosa da empresa a que se refere este texto, do que o fato dela ter sido escolhida – às vésperas da crise do final de 2008 e que durou a maior parte do ano de 2009 – para o desenvolvimento dos dois maiores projetos de óleo e gás atualmente em execução no país, a RNEST e o COMPERJ, estabelecendo, ao mesmo tempo, o marco pioneiro de estruturar, da concepção à partida, pela primeira vez, esse tipo de projeto dentro do Brasil. Para o FEED (Front End Engineering & Design) do COMPERJ, o Polo Petroquímico do Rio de Janeiro, com início em 2008 e entrega no final de 2009, a Chemtech executou o prédetalhamento de 27 unidades de processamento, incluindo as unidades de Hidrotratamento e Hidrocraqueamento da área de refino e as unidades de FCC Petroquímico, Pirólise de Nafta e Aromáticos, de petroquímicos básicos. Para assegurar a entrega no prazo dos 50.000 itens do projeto, foi preciso fazer pesados investimentos em recrutamento, treinamento, capacitação e gestão dos 430 profissionais envolvidos com a operação, o que exigiu um enorme esforço de coordenação e administração das diferentes interfaces de comunicação entre as diferentes equipes da Chemtech, a própria Chemtech e o cliente. Como resultado, o COMPERJ transformou-se
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em mais um marco do grau de excelência alcançado pela Chemtech no atendimento aos seus clientes, ganhando o Prêmio de Melhor Projeto do Ano de 2009, outorgado pela Revista Mundo PM (Project Management) e pela Fundação Getulio Vargas – FGV. Já para o FEED da Refinaria do Nordeste – RNEST, pertencente à Petrobras e à PDVSA, a primeira instalação desse porte a ser construída em 30 anos no país, destinada a trabalhar com óleo pesado e extrapesado vindo dos campos de Marlim, no Brasil, e de Carabobo, na Venezuela, foram destacados também quase 400 profissionais da Chemtech, que, com o uso das mais modernas ferramentas computacionais, estão trabalhando no detalhamento executivo das principais unidades de processo da refinaria para entrega em agosto de 2010. Quando a Chemtech venceu a licitação da RNEST, muita gente disse que ela não teria condições de atender a essa demanda, que iria tomar prejuízo, que não tinha pessoal qualificado em quantidade suficiente para enfrentar esse desafio. Logo em seguida, quando ganhou a licitação do COMPERJ, parte do mercado, que nem sequer acreditava que ela viesse a participar também dessa concorrência, voltou a manifestar a mesma opinião. Chegou-se até mesmo a disseminar boatos anônimos na internet afirmando que a Chemtech iria contratar mão de obra indiana para dar conta da missão. A realidade, no entanto, mostrou ser exatamente o contrário. A Chemtech venceu nos dois casos, e tem avançado com sucesso no atendimento a essa demanda porque fez o que aprendeu a fazer de melhor: somar o talento e a experiência de engenheiros com mais tempo de mercado à energia e motivação de engenheiros mais jovens, que possuem mais facilidade na utilização das mais modernas ferramentas de projeto, o que garante muita segurança, rapidez e qualidade na execução. Um diferencial que a Chemtech só pode oferecer, hoje, graças à inteligente decisão de ter mantido e capacitado o seu corpo técnico, transformando o estagiário em engenheiro e o engenheiro em gerente, potencializando o que existe de melhor em cada um, durante o longo período em que não se construíram obras desse porte no Brasil. Isso aconteceu porque a Chemtech percebeu, desde o início, que não poderia sobreviver em um mercado em que várias empresas disputavam pouquíssimos projetos se procurasse se dedicar a apenas uma coisa. Em grandes mercados, como os Estados Unidos, a especialização é normal no mercado de serviços de engenharia. Em um mercado que ficaria estagnado durante anos, como o brasileiro, sem grandes investimentos em infraestrutura, e com um pequeno número de grandes clientes, não podia recusar nenhum pedido quem quisesse crescer e sobreviver.
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Foi isso que fez com que a Chemtech se transformasse, em poucos anos, de uma pequena empresa de engenharia, que trabalhava com pequenos projetos de engenharia, em uma grande empresa que trabalha com grandes projetos. Avançando lenta, mas firmemente. Dando um passo de cada vez. Na Chemtech, cada um tem o seu remo e todo mundo está no mesmo barco. A função da área comercial é fazer a nave continuar navegando, sem expulsar ninguém do barco. Na época em que está sendo publicado este livro, o grande desafio é lutar por projetos que garantam trabalho não para cem, duzentas pessoas, mas para mil, mil e trezentos profissionais. Uma meta que fica cada vez mais complexa, se considerarmos que não é todos os dias que um país coloca um novo polo petroquímico ou uma grande refinaria de petróleo em operação. Isso faz com que a Chemtech, mesmo sendo uma empresa de engenharia, trabalhe para áreas cada vez mais diversificadas, desenvolvendo software até para televisão, como faz com a Rede Globo, com sistemas para a otimização da produção de novelas e de outros itens da programação. Nunca é demais lembrar que a Chemtech foi fundada em uma época em que o Brasil vivia uma situação pendular, caracterizada, do ponto de vista econômico, pela alternância entre crises e voos de galinha de curta duração, na qual muitas empresas de serviços de engenharia estrangeiras, ao primeiro sinal de problemas, dispensavam seus funcionários e deixavam o país. Outras empresas, nacionais, como a Natron, por exemplo, fechavam uma depois da outra. A própria Petrobras ficou muitos e muitos anos sem fazer um único concurso. Como havia poucos projetos, era costume de quem perdia uma licitação mandar seu pessoal embora e parte dele era absorvido pela empresa vencedora. Com isso, o mercado não crescia, e não crescia o aproveitamento da mão de obra, que continuava praticamente do mesmo tamanho, só mudando de lugar. Para o profissional recémformado, já começar trabalhando com engenharia era quase como ganhar na loteria. O país investia na educação de engenheiros que saíam da universidade e iam trabalhar como chofer de táxi, porque não tinham onde exercer sua profissão. Estabeleceu-se, com isso, um buraco, um “gap” na história da engenharia no Brasil. Havia muito engenheiro sênior e muito engenheiro júnior, mas ninguém no meio que pudesse representar o elo, a ponte entre a experiência do passado e o brilhante futuro que se desenha hoje, para essa atividade em nosso país.
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A Chemtech quebrou esse paradigma, capacitando, ao longo do tempo, de forma
Essa qualidade, a plasticidade e a flexibilidade, no sentido de se adaptar a qualquer demanda
contínua, toda uma nova geração de engenheiros, uma geração que ainda é
que recebesse, foi o que levou a Chemtech a trabalhar com software, quando não havia
majoritariamente jovem – o que às vezes até assusta um cliente que está tendo os
serviços de engenharia, e com as duas coisas sempre que possível. Foi isso que
seus primeiros contatos com a empresa – mas que representa, por outro lado, um
permitiu que a Chemtech viesse a absorver, em determinados anos, vinte por cento
importante legado: gente que sabe, ama e gosta de fazer engenharia, e que está dando
dos engenheiros químicos formados na UFRJ, muitos dos quais já trabalhavam na
a sua contribuição, uma contribuição essencial para o processo de desenvolvimento
empresa como estagiários antes de se formar.
econômico e social do país.
E hoje, onde exista um escritório da Chemtech, como na Bahia, em Minas Gerais, no
É por isso que poucas empresas podem dizer, como a Chemtech, que a sua história se
Espírito Santo, no Rio Grande do Sul, em São Paulo e no Rio de Janeiro, o sentimento
confunde com a história da engenharia nos últimos 20 anos no Brasil. Já que não
de quem faz engenharia é o mesmo. O de que não é mais preciso deixar sua cidade ou
havia grandes obras, era preciso descobrir nichos de mercado que lhe permitissem
seu estado para trabalhar com o que se escolheu.
não apenas continuar trabalhando, mas, principalmente, conservar a sua inteligência, sua gente, o seu maior patrimônio.
Para a Chemtech, esses engenheiros não nasceram prontos, por melhor que tenha sido a sua formação. Embora a empresa entre em contato com os melhores estudantes, através de programas de recrutamento como o Trilha do Sucesso e a Maratona de Engenharia, nas melhores universidades, dentro e fora do país, ela sabe que para pertencer à sua equipe a performance acadêmica não é tudo. É preciso ter valores semelhantes aos da empresa. E ser tão ágil e tão flexível, do ponto de vista técnico, quanto o é a Chemtech. É por isso que quem entra na Chemtech pensando em trabalhar apenas com o que já conhecia pode acabar fazendo software, depois automação, depois engenharia química, depois análise de sistemas, depois engenharia eletrônica, depois engenharia química novamente, em um permanente processo de contínua multiplicidade e evolução. O profissional que trabalha na Chemtech faz exatamente o contrário do que se costuma ver no mercado. Ele não é alguém que sabe uma coisa só e oferece esse serviço a muitas empresas diferentes, mas sim alguém que sabe fazer muitas coisas para apenas uma empresa. Quem vai para a Chemtech vai para fazer algo novo. Para ser – e é isso que atrai o chemtecheano – constantemente desafiado do ponto de vista da sua capacidade de realização. No início da carreira, um engenheiro, ou até mesmo um estagiário, dependendo do projeto, tem que estar preparado para fazer as malas e partir, de repente, para uma plataforma de petróleo, para o chão de fábrica de uma indústria, para uma unidade de processo de uma refinaria, ou uma instalação de produção de pellets de minério de ferro. Lugares nos quais essa pessoa, sem saber, pode estar começando uma viagem que poderá levá-la, em poucos meses ou anos, a lugares tão diferentes como Uberlândia
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e a Noruega, Volta Redonda e a Holanda, Pernambuco e o Japão, Juiz de Fora e Cingapura, ou Camaçari, Catanduva e a Arábia Saudita, Moscou e a fronteira da Rússia com o Cazaquistão. Nesse meio-tempo, ela pode ter que montar, em apenas 48 horas, como aconteceu em Belo Horizonte e em Volta Redonda, uma “República da Chemtech”, onde irá trabalhar e conviver com outros chemtecheanos – muitos casais já se formaram assim – traduzir, sem conhecer a língua, um texto técnico do russo em apenas um final de semana, queimar a boca engolindo chimarrão na frente de um cliente, no momento crucial de uma negociação, ou, de repente, se descobrir, depois de um expediente normal, fazendo parte de um show de elefantes em um zoológico na periferia de Bangkok. Para quem se interessa pelo segredo que cerca a política de recursos humanos da Chemtech, premiada como a melhor empresa para se trabalhar no país e na América Latina, poderíamos dizer que, mais do que formar apenas mão de obra, ela gerou também uma nova espécie no mercado de trabalho brasileiro. Esse “homo chemtechiensis”, o chemtecheano típico, carrega razões e valores que o distinguem da fauna normal do mercado. O primeiro deles é o bom senso. Foi o bom senso que permitiu à Chemtech crescer intuitivamente nos primeiros tempos, e depois cada vez mais rápido, até chegar a ser o que é agora. Foi esse mesmo bom senso que fez com que a Chemtech não tenha nascido tendo como principal objetivo ganhar dinheiro, embora, nela, todo mundo tenha plena consciência da importância de uma remuneração digna para se levar uma vida decente. Se não fosse assim, os fundadores, todos com excelentes notas e uma reconhecida performance acadêmica, não teriam se lançado à aventura de montar uma pequena empresa, e sim cedido à tentação de trabalhar em grandes empresas já existentes, ou em outras áreas com maior perspectiva de remuneração, como o mercado financeiro. Esse bom senso fez também com que os seus fundadores tenham se feito a grande pergunta: o que é melhor, competir um com o outro, ou com outros engenheiros recém-formados, em meio a uma crise brutal, no interior de uma grande empresa, ganhando provavelmente bem, mas cercado de uma maioria de pessoas chateadas, pressionadas, com problemas, ou tentar estabelecer um bom ambiente de trabalho desde o começo para nós, que já estamos aqui, e para quem vier depois?
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Foi também o bom senso que fez com que a Chemtech tenha decidido trabalhar,
baseado mais na colaboração do que na competição. É ético ser transparente nos
preferencialmente, com inteligência. Para a Chemtech, engenheiro nasce para fazer
negócios, vender apenas a nossa força de trabalho, a nossa inteligência, a nossa
engenharia. Para enfrentar desafios, o instigante exercício intelectual de encontrar
capacidade de realização. É ético preocupar-se não apenas com si mesmo, procurar
novas soluções, de preferir não copiar, não comprar, quando se pode desenvolver a
devolver para a sociedade e para a nação a oportunidade que recebemos para a nossa
própria tecnologia.
formação e evolução.
Esse é, para a Chemtech, o papel da pesquisa, o sentido da inovação.
A Chemtech está fazendo, agora, 20 anos. Como não sabemos o futuro, e a humildade,
Principalmente quando se sabe que se trata de tecnologia estratégica para o desenvolvimento da nação a que se pertence, o país que investiu e pagou pela nossa formação, dando-nos a oportunidade de fazer isso em uma excelente faculdade, sem pagar do próprio bolso. Esse sentimento de reconhecimento e gratidão para com a nação e a sociedade é o que faz com que o chemtecheano, preferencialmente recrutado em universidades públicas, se preocupe em dar sua contribuição para construir um mundo cada vez melhor, agora e no futuro.
é, ao lado da persistência, do comprometimento e da ética, um dos segredos chemtecheanos, não vamos fazer aqui nenhuma previsão. Esta data é, no entanto, um marco da capacidade de realização do povo brasileiro. Sem a Petrobras, sem as universidades, sem as instituições de pesquisa e de fomento, sem seus grandes e pequenos clientes e fornecedores, sem a DETEN, a CSN, a SABESP, a BRASKEM, a VALE, SUZANO, a EXXONMOBIL, a NESTLÉ, o Grupo SIEMENS, Monsanto, Globo, Quattor, Aracruz, Arcelor, Rhodia e outros companheiros de destino de
Foi essa abordagem que levou a Chemtech também a operar com a mais absoluta
dentro e de fora do Brasil, e, principalmente, sem a confiança, comprometimento,
integridade nas suas relações com o mercado. Desde o início, a Chemtech cresceu
a dedicação e a alegria de suas centenas de profissionais de ontem e de hoje, a
com base apenas na competência técnica que desenvolveu ao longo do tempo e com
Chemtech não teria chegado até aqui.
a certeza de que o seu maior patrimônio é o conhecimento que acumulou nas áreas e processos em que atua.
Foi um longo caminho, mas ainda há caminho. Liguem as máquinas, chemtecheanos. Vamos dar a partida do amanhã.
Quem não conhece a Chemtech pode pensar que tudo isso é apenas um discurso. Mas essa é uma visão de mundo que pode ser comprovada na prática, por exemplo, pelo grande número de funcionários que participa voluntariamente, no seu tempo livre, além das corridas e jogos de futebol, das aulas de dança, das reuniões comemorativas, do coral, também das múltiplas atividades relacionadas à responsabilidade social da empresa, em programas como o Projeto Polegar, ou que dão aulas no curso prévestibular gratuito da Chemtech, voltado para alunos carentes de comunidades do Rio de Janeiro. Logo, não é preciso ser mágico nem o Harry Potter, para perceber que a ética é a pedra filosofal da Chemtech. É o sentimento ético que une a empresa, seus funcionários, sua identidade e forma de atuação. É ético não se preocupar apenas com o dinheiro, com o lucro como principal motivação. É ético procurar sobreviver com o que se sabe. É ético ser alguém que transforma o mundo, um misto de técnico, artista, cientista, artesão e cidadão. É ético – e inteligente – ser sério e comprometido com o cliente e justo com o fornecedor, e valorizar as pessoas com que se trabalha, procurando estabelecer um ambiente
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Bibliografia
Índice de Imagens
Além das obras citadas no texto, foram consultados os seguintes livros:
p. 9 – Imagem de satélite do tufão Parma, outubro de 2009. Earth Observatory, Nasa, EUA
Frances A. Yates, Giordano Bruno e la cultura europea del Rinascimento. Laterza, 1988.
p. 10 – Pirâmides de Gizé, Cairo, Egito
Opere, di Giordano Bruno e di Tommaso Campanella. Ricardo Ricciardi, sem data, Milano.
p. 15 – Projeção matemática do infinito
Amerigo Vespucci, Lettere di viaggio, Mondadori, Milano, 1985.
p. 16 e 17 – Pinturas rupestres em Tassili N’Ajjer, Argélia. Foto: Patrick Gruban
Jean Perrin, Les atomes. Presses Universitaires de France, 1948.
p. 18 – Golem de Praga
Helmut Carl, Los secretos de la matéria.
p. 21 – Representação da espiral de Fibonacci
Bertrand Russel, Religion and science, Londres, 1935.
p. 23 – Homem Vitruviano. Leonardo Da Vinci, Fiocruz Multimagens
Einstein, Die Grundlagen der allgemeinem Relativitätstheorie, Berlim, 1916.
p. 24 e 25 – Trecho do De Revolutionibus Orbium Coelestium, Nicolau Copérnico, 1543
Rolf Nevanlinna, Raum, Zeit und Relativität.
p. 32 e 33 – Croqui do Congresso Nacional. Oscar Niemeyer, Fundação Oscar Niemeyer
Isaac Asimov, Breve historia de la química, Alianza Editorial, Madri, 1975.
p. 39 – Reconstrução do barco-escola chalupa “Maria Eugénia”, Estaleiro Santo Amaro, Pico, Ilha de Açores.
Leonardo da Vinci, Scritti letterari, Rizzoli, Milano, 1974,
Carlos de Bulhão Pato, ADPMA - Associação para a Defesa do Património Marítimo dos Açores
Pedro Carlos da Silva Telles, História da engenharia no Brasil, 2 volumes, Rio, 1994.
p. 42 – Padronagem de tecido. Copyright Marta Mourão, Lisboa, Portugal
Ernst Cassirer, An essay on man.
p. 49 - Fortaleza dos Reis Magos, Natal, Rio Grande do Norte. Secretaria de Turismo do RN
Jacob Burckhardt, La civiltá del Rinascimento in Itália, Roma, 1987.
p. 51 – Igreja de Nossa Senhora da Misericórdia, Olinda, PE
Alberto de Faria, Mauá, 1925.
p. 52 – Arcos da Lapa, Rio de Janeiro, RJ. Renan Cepeda
Edgar Rebello, Mauá e outros estudos, 1936.
p. 53 – Ilustração da estrada de ferro Madeira-Mamoré, no rio Jaci-Paraná, Porto Velho, RO
José Luis Cardoso Cruz, A eletricidade no Brasil, do Império à República de hoje, Sindefurnas, 1995.
p. 64 e 65 – Itaipu Binacional. Divulgação Secretaria de Turismo de Foz do Iguaçu, PR
Erodoto, Le storie, Edição da Mondadori, 1982.
p. 67 – Projeto paisagístico para o Parque do Flamengo, Rio de Janeiro, RJ, 1961. Roberto Burle Marx, Acervo
Charles A. Gauld, Farquhar, o último titã, Editora de Cultura, São Paulo, 2006. Fortalezas militares do Brasil, Editora do Exército.
Burle Marx & Cia Ltda, foto: César Barreto p. 80 – Borboleta. Peter Ilicciev, Fiocruz Multimagens
Alexandre Koyré, Du monde clos a l’univers infini, 1957. Jacques Rueff, Vision quántica del universo, Madri, 1968. Arthur Koestler, The roots of coincidence, Londres, 1952. Ernst J. Opik, L’universo e il suo motto de oscilazione, 1960. Osvaldo Rodrigues Cabral, A Campanha do Contestado, Editora Lunardelli, Florianópolis, 1979. Herbert Marcuse, Eros e civilização. Afonso Ávila, Resíduos seiscentistas em Minas, Centro dos Estudos Mineiros, UFMG, s/d. Theodor Adorno und Max Horkheimer, Dialetik für Aufklãrung, Frankfurt, 1972. Lynn White, Jr., Medieval technology & social change, Oxford University Press, 1974. François Partant, La fin du développement, naissance d’une alternative?, Maspero, Paris, 1982. Autos da devassa da Inconfidência Mineira, Imprensa Oficial de Minas/Câmara dos Deputados, 1974.
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Coordenação editorial Raquel Silva e Viviane Tavares Texto Mauro Santayana Projeto Gráfico Mauro Campello Capa Tiago Salviano Coordenação de pesquisa Izabel Ferreira Pesquisa Vivian Fonseca Beth Simões Revisão e padronização Cláudia Ajuz Sandra Mager Fotografias Renan Cepeda Gilvan de Souza
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
Vinícius Moreira
S222c
Agência Petrobras de Notícias
Santayana, Mauro, 1932Chemtech 20 anos : a história da engenharia em verde e amarelo / [texto Mauro Santayana]. - Rio de Janeiro : Memória Visual, 2009. il.
Arquivo pessoal dos funcionários da Chemtech Ilustrações
Inclui bibliografia ISBN 978-85-63338-00-6
Mauro Campello Willian Seewald Produção Comunicação & Marketing Chemtech
1. Chemtech - História. 2. Empresas de engenharia Brasil - História. 3. Engenharia química - História. 4. Engenharia - História. I. Título. 10-0313.
CDD: 338.4762000981 CDU: 338.46:62(81)
Edição Memória Visual Produção Editorial Ltda
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26.01.10
Este livro foi produzido em dezembro de 2009. Textos compostos em ITC Oficina Sans. Impressão, CTP e acabamento: Gráfica Santa Marta. Papel couché 150g/m2 (miolo), cartão Paraná nº 15 forrado com couché 150g/m2 (capa), papel couché 170g/m2 (sobrecapa).
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