EDITORIAL Prezado(a)
Professor(a), Essa é a primeira edição de uma série intitulada Revista do Professor que o Museu da República passa a publicar, por meio da sua Coordenação de Educação. Não se trata de uma Revista que vai descrever o Museu - para isso, já existe o Guia do Museu - ou mesmo que pretenda ensinar como fazer uso dele. A Revista do Professor vem oferecer conteúdos relacionados, sim, ao Museu, que possam provocar reflexões e, esperamos, enriquecer suas aulas. Nesse primeiro número, gostaria de chamar atenção para três pontos da revista: o artigo da historiadora Maria Helena Versiani, explicando que, somente ao serem visitados, os museus e seus acervos têm
REVISTA DO PROFESSOR MUSEU DA REPÚBLICA
existência concreta, na interação com seus visitantes, sendo por eles
Presidente da República
ressignificados; a coluna Saiba quem foi..., que vai sempre trazer
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
alguma informação e/ou curiosidade sobre um personagem que tenha
Ministro da Cultura
habitado o Palácio do Catete: a primeira escolhida foi Nair de Teffé,
JOÃO LUIZ SILVA FERREIRA (Juca Ferreira)
segunda primeira-dama do presidente Hermes da Fonseca. E, em
Presidente do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM)
homenagem ao centenário de Machado de Assis, comemorado em
JOSÉ DO NASCIMENTO JÚNIOR
2008, a resenha da escritora e poeta Paula Cajaty, que relaciona o personagem Santos, de Esaú e Jacó, ao Museu, então Palácio da República. Uma boa leitura em sala de aula para convidar seu aluno a visitar o Museu da República. Ao longo da Revista, você vai encontrar dicas rápidas de temas que podem ser trabalhados em sala de aula, sempre relacionados ao Museu e também informações sobre duas exposições itinerantes que
Diretora do Museu da República MAGALY CABRAL Assessora em Pesquisa Histórica MARIA HELENA VERSIANI Coordenação de Educação SYLVIA BEATRIZ MONNERAT CAMPELLO
estão à sua disposição no Museu para serem levadas à Escola em que
Equipe da Coordenação de Educação
você trabalha.
CARLOS DAETWLER XAVIER DE OLIVEIRA
E porque acreditamos numa ação dialógica com o aluno e
JANDIRA A. GITIRANA PRAIA FIUZA
o professor, a Revista abre um espaço de diálogo com o educador,
JANETE COSTA MARTINS DA SILVA
denominado Fala, Professor. Nesse número, o tema O Ensino da História
KATIA FRECHEIRAS
instigou-me a dar uma contribuição pessoal e redigi um texto sobre o
MARIA DE LOURDES DA SILVA TEIXEIRA
ensino de História utilizando-se o Museu.
NORMANDA FREITAS
Bem, Professor(a), essa Revista é sua e esperamos que lhe possa ser útil. Ela está aberta a críticas e sugestões, pois acreditamos, como já disse, numa ação em que o diálogo esteja sempre presente. Não hesite em fazer contato conosco.
Magaly Cabral Diretora do Museu da República
NEWTON FABIANO SOARES | estagiário PATRÍCIA GOMES DE CARVALHO PAULO RIGAUD NAVEGA | estagiário ROSANGELA GONÇALVES M. DE OLIVEIRA
2.
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SUMÁRIO REVISTA
04 08 14 18 21 24 26 28 31
DO
PROFESSOR
ARTIGO uma reflexão sobre patrimônio Normanda Freitas ENTREVISTA COM SYLVIA MONNERAT Janaína Michalski Fala professor espaço de diálogo com O educador. Nesta edição: O ENSINO DA HISTÓRIA Samara Maultasch ARTIGO O MUSEU NO ENSINO DE HISTÓRIA Magaly Cabral RESENHA O MUSEU DA REPÚBLICA ETERNIZADO NA LITERATURA MACHADIANA Paula Cajatya SAIBA QUEM FOI NAIR DE TEFFÉ Janaína Michalski EXPOSIçÃO ITINERANTE CONSTITUIçÃO E PARTICIPAçÃo POPULAR DE 1988
ARTIGO UM JARDIM HISTÓRICO, UM ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO! Carlos Daetwyler Xavier de Oliveira ARTIGO As leituras paralelas do Museu da República na construção do conhecimento Maria Helena Versiani
3.
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artigo
Normanda Freitas
R
econhecemos que o tema Patrimônio é amplo. Assim, vamos considerar essa reflexão como uma introdução ao conceito de patrimônio, uma aproximação ao assunto que nos parece de importância fundamental para professores que desenvolvem, ou queiram desenvolver, trabalhos em Museus juntos aos seus alunos.
4.
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Um dos aspectos que envolvem o assunto que vamos abordar foi fruto de debates constantes ao longo de anos de trabalho em museus: o conceito de Patrimônio que devemos passar ao educando. O conceito clássico de Patrimônio refere-se ao legado que herdamos do passado e que transmitimos às gerações futuras. Embora reconheçamos que este conceito está correto, acreditamos que ele precisa de complementação para que seja melhor apreendido pelas gerações mais jovens. O patrimônio não é só o legado que é herdado, mas também o legado que, através de uma seleção consciente, um grupo significativo de pessoas de uma sociedade deseja preservar para o futuro. Essa decisão pode se dar sobre um bem cultural material ou imaterial. Para Ballart¹ a noção de patrimônio surge “quando um indivíduo ou grupo de indivíduos identifica como seu um objeto ou um conjunto de objetos”. Essa noção relativa de posse, que também pode ser entendida como pertencimento, agregada ao legado que é coletivamente herdado, precisa ser estabelecida no conceito de patrimônio para que este possa ser legitimado. De forma didática, a definição de patrimônio pode ser compreendida através de quatro elementos básicos: conhecimento, entendimento, pertencimento e perpetuação. Esses elementos referem-se ao bem tombado “pela” e “para” a sociedade. Com esses elementos interiorizados, um grupo de indivíduos ou uma sociedade pode eleger para si um bem pa-trimonial ou escolher o que será “patrimoniável”. O “Tombamento do Acarajé” pode servir para exemplificar a aplicação desses quatro elementos. Esse Registro de Tombo reconheceu o ofício da Baiana de Acarajé e todos os saberes e fazeres tradicionais aplicados na produção e na comercialização das comidas de tabuleiro das baianas, que são as comidas oferecidas aos orixás nos terreiros de candomblé (abará, lelê, queijada, cocada, entre outras), onde se destaca o acarajé, que é o principal elemento da profissão. A produção e o consumo das comidas das Baianas de Acarajé, ou Baianas de Tabuleiro, constituem práticas culturais já enraizadas na cultura da Bahia e fazem parte do cotidiano da
5.
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população. Dessa forma, o Ministério da Cultura reconheceu como patrimônio cultural imaterial o ofício da baiana em Salvador, que teve início com a produção do acarajé. A técnica de feitura desse bolinho, feito com feijão fradinho e frito no dendê, representa um modo de fazer enraizado no mito religioso e no cotidiano dos seus produtores, seja para uso religioso ou não, sempre comercializado nas ruas pelas baianas. A notícia do “tombamento”, em 2004, foi amplamente veiculada e comentada nos meios de comunicação. Dentre as muitas expressões literárias sobre o assunto, selecionamos três para abordar os quatro elementos básicos e que compõem o nosso conceito de patrimônio. A primeira é a crônica humorística de Ricardo Freire, publicada na Revista Época. Com a irreverência e o humor que lhe são peculiares e que tanto agradam seus leitores, Ricardo Freire diz: “Graças ao tombamento do acarajé, os turistas estrangeiros poderão vir ao Brasil com a certeza de que jamais lhes será oferecido um acarajé de frango com catupiry”. E continua: “O importante mesmo são os desdobramentos que o fato pode desencadear. O tombamento do acarajé abre caminho para o tombamento da coxinha de padaria, do ovo colorido de botequim, do pastel de feira, do biscoito Globo, do Chicabon, do brigadeiro de festa, do angu do Gomes e, por que não, do milk-shake de Ovomaltine do Bob’s?”. Como a crônica é humorística, não podemos criticar o autor quando ele demonstra de maneira clara e, certamente intencional, a negação do conhecimento, do entendimento, do pertencimento e do desejo de perpetuação sobre o bem tombado. Ricardo Freire deixou o “acarajé” sem esses importantes recheios complementares. A segunda análise é baseada no artigo “As Baianas do Acarajé”, de Carolina Cantarino, antropóloga e pesquisadora da Unicamp, publicado na Revista Patrimônio/ IPHAN. Cantarino desenvolveu um texto com bases antropológicas calcadas na cultura e nos valores afro-brasileiros e demonstra claramente os
6.
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elementos conhecimento e entendimento sobre o assunto: “Mais do que uma comida rápida de rua, o acarajé é indissociável da cultura do candomblé e da história dos africanos no Brasil. Quitute é elemento central de um complexo cultural”. Para abordar o elemento pertencimento, a autora transcreveu trechos de entrevistas feitas com as Baianas de Acarajé, herdeiras diretas do legado em questão e, ao final do artigo, Cantarino coloca objetivamente a aprovação do desejo de perpetuação do bem tombado, ao transcrever a fala de uma das baianas que lutou pelo tombamento: “Às vezes nos sentimos órfãs porque trabalhamos sozinhas com nosso tabuleiro, de sol a sol, expostas ao frio, ao calor e mesmo à violência. Mas somos mulheres negras e perseverantes: se não vendemos hoje, vendere-
Patrimônio é o processo de seleção de um bem cultural, de natureza material ou imaterial, legitimado por um grupo de indivíduos ou uma sociedade, através da interiorização do conhecimento, do entendimento, da apropriação e do pertencimento desse bem, resultando em sua eleição como herança cultural, a ser valorizado e preservado pela geração presente, visando sua perpetuação pelas gerações futuras.
mos amanhã. Somos um símbolo de resistência desde a escravidão”. Por fim, Sônia van Dijck, PHD em Literatura Brasileira e pesquisadora de Estudos Lingüísticos, no artigo “Patrimônio Cultural no Tabuleiro da Baiana”, escrito para a internet, fala das raízes históricas da cultura afrobrasileira. Dessa forma abrangente, o artigo traduz a apropriação dos quatro elementos necessários à construção do conceito de patrimônio. Vale citar a ênfase dada ao elemento pertencimento quando a autora diz: “A memória negra é vida e tem cheiro, cor e sabor: acarajé, comida de Xangô e de sua primeira esposa, Yansã, agora, nosso patrimônio cultural. Axé!”. Espero que esses exemplos tenham estabelecido alguns parâmetros à luz de uma pedagogia contemporânea que relaciona o processo de aprendizagem à atribuição de significados. Ou seja: aprendemos (entendemos) aquilo que nos apresenta algum significado (pertencimento). Os debates e a constante reflexão sobre Patrimônio ao longo de anos de trabalho em museus, me ajudaram a construir esse conceito: Patrimônio é o processo de seleção de um bem cultural, de natureza material ou imaterial, legitimado por um grupo de indivíduos ou uma sociedade, através da interiorização do conhecimento, do entendimento, da apropriação e do pertencimento desse bem, resultando em sua eleição como herança cultural, a ser valorizado e preservado pela geração presente, visando sua perpetuação pelas gerações futuras.
Normanda Freitas é professora, pedagoga e técnica em educação / IPHAN – Museu da República. HERNÁNDEZ, Josep Ballart. El Patrimonio Historico y Arqueologico, Valor y Uso. Editorial Ariel, S.A, 1997. LEMOS, Carlos A.C. O que é Patrimônio Histórico. 4ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1981.
Juscelino Kubitschek foi o último presidente que passou pelo Palácio do Catete. Ele transferiu toda a sede do governo para Brasília, mas antes garantiu que o Palácio ficaria de pé ao decretar que viraria o Museu da República. É... Dá para notar que JK sabia da importância do patrimônio. E seus alunos sabem dessa importância?
7.
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entrevista
Sylvia Monnerat Coordenação de Educação do Museu da República
Janaína Michalski Sylvia Monnerat nasceu no Rio de Janeiro, no mesmo bairro onde hoje coordena o setor de Educação do Museu da República: o Catete. Formada em Pedagogia pela PUCRio, trabalha há 29 anos com educação e cultura.
8.
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“Nunca trabalhei como pedagoga em escolas. Minha intenção sempre foi trabalhar na área da cultura, hoje sou pedagoga de Museu”, diz Sylvia, que também tem formação em psicomotricidade e em psicoterapia corporal. Na década de 1980, na Fundação MUDES
tribuíram para essa reação ao se apresentarem ao público muito mais como um gabinete de curiosidades, entulhando seus objetos, ou, pior ainda, não estabelecendo as relações do objeto do passado com o presente. Eu percebo que esse preconceito vai sendo destruído quando a criança ou o jovem é previamente bem trabalhado pelo professor e então, quando ele chega ao museu, está apto a descobrir muitas coisas novas. O Museu tem sua magia, é o lugar onde o velho pode se transformar em novo. É uma questão de direcionamento do olhar. É necessário um trabalho de formação patrimonial nas escolas para nos ajudar a derrubar esse preconceito. Mas também depende de nós, do Setor Educativo mediar essa relação. Nesse sentido, a Coordenação de Educação do Museu da República trabalha bastante na busca de possibilidades de aproximação do visitante com o Museu, seja nos encontros com os professores, seja através de atividades lúdicas e artísticas, como é o caso das visitas teatralizadas e das
- Movimento Universitário de Desenvolvimen-
colônias de férias, que propõem uma nova visão
to Econômico e Social - trabalhou no Projeto
sobre o Museu. E mesmo nas visitas orientadas
Museus, um programa de estágios pioneiro,
a grupos de escolares. Dessa forma, pouco a
que encaminhava estudantes para instituições
pouco, vamos desmistificando essa ideia de que
culturais como museus, arquivos e bibliotecas.
o Museu é uma coisa velha, tão distante da
Depois disso, trabalhou no Museu Histórico
realidade das novas gerações.
Nacional e no Museu do Açude. Está há 11
Michalski_ Poderíamos dizer que essa desmistifi-
anos no Museu da República, onde há 2 anos
cação é a missão da Coordenação de Educação?
coordena o setor de Educação.
Monnerat_ Essa é uma delas: trazer a comu-
Michalski_ Outro dia eu precisei vir ao Museu
nidade escolar e mostrar-lhe que precisamos de
para uma coisa rápida, entregar um material.
uma troca permanente. Porque o que a escola
Estava um dia lindo e então convidei meu filho
nos traz é sempre objeto de reflexão e de apri-
de 7 anos para vir comigo. A reação dele foi su-
moramento das nossas ações.
per negativa: “Eca, mãe, museu só tem velharia!”.
Michalski_ É por isso o Museu se propõe a tra-
Isso me fez pensar no preconceito em relação
balhar diretamente com os educadores?
aos Museus. Eu não ensinei isso ao meu filho, mas está com ele.
Monnerat_ Sim. O que não é uma proposta
nova. Estamos centrados nela há bastante tem-
Monnerat_ Realmente, esse pré-conceito
po. Entendemos que o professor é um interlo-
ainda existe entre crianças, jovens e também
cutor fundamental para nosso trabalho. Temos
adultos. De onde ele vem? Não posso localizar
por meta trazer ao Museu, cada vez mais, os
ao certo. Mas de certa forma os museus con-
novos cidadãos que são os estudantes de hoje.
9.
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Por isso é imprescindível trabalharmos com
e neutro. A questão da escravatura, por exem-
o professor. Acreditamos que a instituição de
plo, se impõe nessa conversa sobre a constru-
ensino escolar e a instituição cultural - museu
ção do Palácio. Mas esse Museu, obviamente,
- têm uma ligação importante na construção
conta a História da República, e o que temos
da integral do aluno. Uma alimenta a outra. Na
que passar de mais importante é a Cronologia
escola é desenvolvida uma educação formal,
da República, chegando até os dias de hoje. Em
centrada em conceitos abstratos. Mas precisa-
2009 vamos inaugurar uma exposição de longa
mos levar isso para a prática, para o concreto.
duração, no terceiro andar, sobre esse tema.
E isso vamos encontrar no museu. Por exem-
Michalski_ Nesta década nos parece que em
plo: o aluno poder pisar no chão onde pisaram
Educação a palavra da moda é mesmo multidici-
os presidentes, sabendo que amanhã ele ou o
plinaridade. O próprio Museu da República pau-
colega pode ser o próximo presidente. É essa a
ta suas ações, como as “Oficinas Temáticas para
prática da cidadania que o Museu oferece ao
Professores” sob essa ótica. O que essa palavra
visitante: a apropriação concreta daquilo que
comprida tem de tão importante?
foi aprendido através das leituras, através das
Monnerat_ A multidisciplinaridade traba-
aulas, através dos seminários.
lhada no Museu é a própria essência de todo e
Michalski_ Quando entramos no Palácio,
qualquer museu. Aliás, tanto a multi e quanto
crianças ou adultos, nossa primeira impressão
a transdisciplinaridade. O Museu da República
é “puxa, esse Barão de Nova Friburgo era mesmo
tem por missão dialogar com o visitante fatos
muito rico”. Apesar de essa ser uma impressão
históricos dos vários períodos republicanos
verdadeira, me parece que é preciso romper
até a atualidade. Esse diálogo, com base na
com esse primeiro momento para alcançarmos
História, está interligado com outras áreas do
outras conclusões sobre a História que envol-
conhecimento como sociologia, filosofia, arqui-
ve esse prédio. Como fazer isso?
tetura, economia, artes, literatura, música... Por
Monnerat_ O Barão é o começo da histó-
exemplo: um professor pode vir ao museu com
ria do Palácio. A própria República, quando
seus alunos trabalhar mitologia greco-romana,
ocupou o prédio, não destruiu os vestígios
em função da decoração que está interligada
da presença dele, principalmente no segundo
à história do prédio. A história do prédio está
andar. Com isso, ao conduzir a visita ao Museu,
interligada à sociologia a partir da importação
temos que falar dele, não podemos deixar de
de costumes e de hábitos europeus. Uma práti-
apresentá-lo. Esta foi a casa dele e que levou
ca da sociedade brasileira no período imperial e
anos para ser construída. Nesse contexto, o
nos primeiros tempos da República. Tudo isso
Barão tem sua importância: foi ele quem criou
também ligado à geografia e à arquitetura... O
todo esse espaço suntuoso, trazendo arquiteto,
prédio do Museu foi inspirado nos palácios de
pintores e materiais diversos de construção,
Veneza. Pode-se trabalhar a economia cafeeira,
acabamento, decoração, tudo de fora do Brasil,
a escravidão no Brasil, a expansão da cidade
como era costume dos ricos de sua época.
do Rio de Janeiro a partir do bairro do Catete.
Por isso há, logo na entrada do Museu, uma
Tudo está interligado. Dessas inter-relações das
sala dedicada a ele e à construção do Palácio.
várias áreas do conhecimento com a história
Agora, essa história de que o Barão era mesmo
republicana pautamos o projeto “República dos
muito rico, é também uma oportunidade para
Professores / Oficinas Temáticas” em 2008.
se discutir o passado, comparando-o com o
Michalski_ Para a senhora, que possibilidades
presente. Desmistificar que o passado era lindo
que se abrem a um grupo de alunos que vêm
10.
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pela primeira vez ao Museu da República? Monnerat_ A primeira coisa que me vem
à mente, quando você me pergunta isso, são as minhas netas de seis e oito anos. Em 2008, elas vieram muito aqui. A primeira vez que eu as chamei para participar de uma atividade no Museu, a reação foi: “Ah, no parque, né, vovó?” Eu disse: “no parque também. Vamos passear no parque, mas vamos entrar no Museu.” E a resposta foi: “Ai, no Museu?” Respondi naturalmente: “É, no Museu!”. A partir daí, virou hábito! Hoje, quando digo vamos ao Museu, é imediato: “Eu vou! Eu quero ir, vovó!” Então, é muito interessante porque o que as atraiu no primeiro momento foi o parque; agora, elas adoram descobrir o que tem de diferente dentro do Palácio. Procuro sempre instigá-las com brincadeiras do tipo: o que vocês encontram de diferente quando olham para essa porta? Elas descobrem figuras geométricas, texturas diferentes... É essa descoberta que nos propomos a desenvolver com os alunos e que procuramos transmitir nos Encontros com Professores. Não queremos que os professores tragam seus alunos para depois responderem a um teste, a uma
prova. Os alunos não têm que copiar etiquetas no museu. Queremos que eles saiam do Museu da República fazendo muitas perguntas e que isso desperte o desejo de retornar, inclusive trazendo a família. Michalski_ Poderíamos dizer que UM novo mundo se abre? Monnerat_ Sem dúvida! Porque é uma des-
coberta. Esse é o olhar. Penso que dependendo da maneira como olhamos, e se conseguimos nos despir dos preconceitos, há uma abertura muito boa para o aprendizado em uma casa como esta. Sabe, é por isso que temos a preocupação de receber bem o visitante. Mostramos o Museu deixando que ele se sinta à vontade. E não é fácil se sentir à vontade num museu, seja ele qual for. Então trabalhamos a questão do pertencimento, que é complexa. Isso é meu, mas eu não posso tocar? Isso é meu, mas não posso tirar fotografia? Há que ter uma boa explicação de início, uma boa preparação da visita, mostrar que esses cuidados têm o objetivo de preservar o acervo para que as próximas gerações também possam vir e desfrutar. Assim, trabalhamos a questão da continuidade. Outra coisa importante é a troca de impressões durante a visita. Perguntas e comentários devem ser estimulados. O professor e o educador de museu devem estar atentos a essas reflexões. Elas são sementes de discussões posteriores. Os visitantes estão, a todo o tempo, construindo
O Museu tem sua magia, é o lugar onde o velho pode se transformar em novo. É uma questão de direcionamento do olhar.
significados. A Coordenação de Educação é a porta de entrada desse receber bem. Michalski_ Sobre a preparação do professor, o que há de mais essencial? Monnerat_ A relação de troca, onde o
essencial é saber do professor o porquê de ele estar procurando o Museu da República. Ele está chegando aqui por quê? Está com intenção de trabalhar o quê? Ele já conhece esse Museu? Ou é porque ele começou a trabalhar a República, normalmente no 5º ou 6º ano, e
11.
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então decide que precisa visitar o Museu da
no. Infelizmente são poucos os professores que
República? Nesse sentido, o ideal é que a partir
conseguem trabalhar o Museu com a quanti-
da proposta pedagógica dele, possamos falar
dade de tempo necessária ao aprofundamen-
da nossa. Eventualmente conseguimos fazer
to do conteúdo. Vemos que mesmo a escola
isso. Às vezes somos procurados por professores
que inclui a visita ao Museu no planejamento
e estabelecemos em conjunto o roteiro dele,
semestral, por exemplo, não disponibiliza três
projetamos vídeos... Buscamos uma proposta
aulas para que essa visita seja bem trabalhada.
inclusiva, calcada na troca, que acreditamos
Alguns professores têm consciência da impor-
funcionar bem dentro de um espaço como o
tância desse tempo e não se afligem em dispor
Museu. Precisamos saber o que o professor
do tempo de outras matérias para que esse tra-
busca para podermos afinar com o que temos a
balho seja feito de forma eficaz. Mas isso ainda
oferecer.
não é uma regra. Já temos algum retorno, mas
Michalski_ E na preparação do estudante por
não o bastante, como gostaríamos.
parte do professor, o que não se pode deixar de
Michalski_ Da relação do Museu com as esco-
levar em conta?
las, alguma demanda dos educadores já virou
Monnerat_ No Projeto Oficina do Professor destacamos o quanto é essencial o trabalho
ação da coordenação de Educação?
Monnerat_ Muitas. Um exemplo são as ex-
com os alunos antes, durante e depois da visita
posições itinerantes. Elas foram criadas a partir
ao Museu. Esse é um tema recorrente no nosso
da necessidade de o Museu ir para fora de seus
trabalho com os educadores. Sobre o “depois”,
limites geográficos. Através delas o Museu pode
pedimos sempre para que nos mandem o mate-
chegar à escola. Porque nem sempre a escola
rial desenvolvido pelos alunos após a visita ao
pode estar aqui. Ou ela quer um tempo maior
Museu. Para nós é muito importante esse retor-
para trabalhar determinado assunto. A logística é simples: um representante da escola vem aqui, assina um termo conosco e se responsabiliza por levar a exposição e montá-la na escola. Normalmente acompanhamos a montagem e participamos da abertura. É muito bom para escola e também para o Museu, porque a
Acreditamos que a instituição de ensino escolar e a instituição cultural museu - têm uma ligação importante na construção da integral do aluno. Uma alimenta a outra.
exposição pode despertar o interesse de toda a comunidade escolar em querer saber que outras histórias há no Museu. Acho que vale lembrar que a exposição itinerante não substitui a riqueza de uma visita ao Museu da República. Michalski_ Vocês também oferecem colônia de férias, visitas teatralizadas, têm um cuidado primoroso na confecção de publicações e tantas outras atividades. Entre essas tantas propostas da Coordenação de Educação qual é a que faz mais sucesso? Monnerat_ Para crianças, a Colônia de Fé-
rias realizada no mês de janeiro é sempre muito requisitada. Mas o número de participantes é
12.
restrito a 50 crianças entre 7 e 12 anos. Vira
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uma verdadeira batalha por uma vaga. Os temas
Patrimônio, Vida e Preservação, que foi sendo
são trabalhados sempre de forma lúdica e giram
avaliado e ampliado na sua concepção. Em
em torno do conceito mais abrangente de Pa-
2000, trabalhamos a questão do indivíduo e
trimônio Cultural. Para adultos, sem sombra de
sua comunidade, o indivíduo e sua produção,
dúvida são os projetos Oficina do Professor e
aprofundando a proposta de descoberta do que
República dos Professores, que acontecem uma
é patrimônio. Ao final do ano, montamos uma
vez por mês.
exposição dos alunos, com o tema “O patri-
Michalski_ Há quanto tempo existe o Programa
mônio de cada um, o patrimônio do grupo e o
Educação e Trabalho no Museu da República?
patrimônio da comunidade”. Antes disso, outras
Como funciona esse projeto de capacitação de
exposições foram montadas. Em 1997 tivemos
jovens?
exposições de fotografias e de objetos. Coorde-
Monnerat_ Ele existe desde 1990. Mas em
nei esse projeto até 2002/2003. Depois tivemos
2003, com a ONG Ser Cidadão que foi criada
uma interrupção, embora muitos dos colegas
para dar maior suporte e ampliar os convênios
da Coordenação eventualmente participassem
com outras instituições culturais, que o progra-
de uma ou outra oficina, quando solicitados. A
ma ganhou a cara que tem hoje. Ele é dirigido
partir de 2007, retomamos o Patrimônio, Vida
aos jovens entre 16 e 19 anos, matriculados
e Preservação, trabalhando sempre a partir da
nas escolas públicas tanto da cidade do Rio
percepção do aluno: seu patrimônio pesso-
de Janeiro quanto do Grande Rio. Durante 10
al, que inclui o seu corpo, até os patrimônios
meses, eles passam 4 horas por dia no Museu
urbano e histórico. A montagem de exposição
e recebem uma bolsa-auxílio, oferecida pela
dos trabalhos também foi retomada, agora in-
ONG, para suas despesas básicas. À tarde, um
cluindo as obras dos alunos da oficina de artes.
grupo de ex-alunos tem aula de artes plásti-
E pretendemos que isso permaneça, porque a
cas. O Programa já ofereceu diversos cursos
existência do Programa Educação e Trabalho só
aqui no Museu. Hoje, estamos com os cursos
faz sentido aqui no Museu se estiver relaciona-
de bijuteria e de jardinagem, que é o carro-
do com o Projeto Patrimônio, Vida e Preserva-
chefe, desenvolvido em conjunto com o Jardim
ção.
Botânico. Em 2008 tivemos mais de 300 alunos
Michalski_ Lembrei da narradora do vídeo,
atendidos pelo programa. Desses, 50 vão se
sobre a equipe de educação: “É, esse pessoal faz
formar jardineiros.
histórias criarem vida e vidas virarem história”.
Michalski_ Formação profissional mesmo?
Monnerat_ Claro! Eles recebem diploma do
Monnerat_ É exatamente isso. A equipe de
educação procura trabalhar de forma a contri-
SENAR, o Serviço Nacional de Aprendizagem
buir com objetivos importantes, como a cons-
Rural. Alguns jardineiros que trabalham na fir-
trução da cidadania dos nossos jovens. É muito
ma terceirizada que cuida do jardim do Museu
bom trabalhar naquilo em que acreditamos de
são ex-alunos do programa.
verdade.
Michalski_ Um verdadeiro programa de inclusão. Monnerat_ Sem dúvida. No início, além
dos cursos oferecidos, os alunos participavam também de outros tipos de oficina sobre preservação, oficinas educativo-culturais, palestras,
Janaína Michalski é jornalista e escritora.
visitas ao Museu... A partir de 1996, essas ações
.
foram sistematizadas e teve início o projeto
13.
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fala professor
E
nsinar História para o ensino fundamental vai além de contar fatos. A educação permite, hoje, uma maior interação entre professores e alunos, potencializando, assim, a compreensão das crianças. Os temas, antes apenas transmitidos na sala de aula, passam a ser discutidos com a participação de todos e com materiais e livros mais estimulantes. 14.
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O ENSINO DA HISTÓRIA
Samara Maultasch
No entanto, a era da informação em que vivemos parece exigir inovação todos os dias. Na sala de aula não é diferente. Os alunos, independentemente de faixas etárias e classes sociais, são indivíduos que recebem informação o tempo todo, de todos os lados: out doors, rádio, internet, jornais, revistas e, principalmente, televisão. Assim, ensinar conteúdos históricos a esses alunos requer habilidade e inovação por parte do professor. Mas, quais serão as práticas para o ensino da história nas escolas do Rio? Será que buscam inovar? Existe inovação ou ao menos a preocupação com isso? Para tentar responder a esses e alguns outros questionamentos sobre o assunto conversamos com os professores de História Danielle Florin, da escola Miraflores, de Niterói, Gabriel Haua do Colé-
gio São Pedro Apóstolo, no Recreio dos Bandeirantes e com Jan Otero, estudante do último ano de História da PUC-Rio. Por um lado, os educadores, que também têm experiência na rede pública, apresentaram dificuldades para o ensino da História. Por outro lado, dizem que o contato com o aluno, mais intimista do que anos atrás, permite um acompanhamento específico do processo de aprendizagem. Hoje, quando um estudante traz um problema para a sala, o professor pode ir além de sua matéria, compreendendo e relacionando conteúdos. O caminho para o fortalecimento da cidadania em sala de aula pode ser longo. Mas a partir da reflexão desses educadores podemos concluir que o primeiro capítulo dessa jornada já está sendo escrito.
15.
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Qual é a visão de vocês sobre como as escolas do Rio de Janeiro ensinam História atualmente? Danielle Florin
A História foi ultrapassando as barreiras tradicionais, embora ainda um pouco resistentes. Hoje, o ensino vai além, possibilitando uma visão mais crítica e mais ousada. Os professores fogem da simples reprodução dos fatos. Gabriel Haua
A escola ainda proporciona uma educação de História mais tradicional. No entanto, cada vez mais é permitido um ensino globalizado dos acontecimentos, enriquecendo professores e alunos.
Danielle Florin
A inovação do ensino de história se deve muito à tecnologia. Com recursos mais interativos e financeiramente viáveis, a sala de aula pode usufruir de computadores e outros aparelhos eletrônicos. Onde dou aula, por exemplo, em cada sala há a “lousa interativa”, que é um computador projetado em um telão, permitindo que, durante uma aula, eu possa buscar fotos, informações adicionais e qualquer outro material na internet. Não existe mais aquela frase “vou pesquisar e te digo na próxima aula”. O material está presente por inteiro. O aluno faz a pergunta e, caso eu não tenha a resposta, posso buscá-la imediatamente. Já nas escolas públicas, não ocorre o mesmo avanço.
Há algum projeto inovador do qual você tenha participado ou tenha conhecimento?
Jan Otero
Gabriel Haua
Há um discurso de que a disciplina História é importante, acima de tudo, pela formação cidadã. O aluno deve assim, através dos conteúdos históricos, saber se posicionar perante a sociedade. No entanto, o que se vê na maioria das escolas é a falta de ligação entre a forma como a História é apresentada e as questões de cidadania. Em geral, o sentido de ensinar História é deixado de lado, já que há um extenso programa de conteúdos a ser comprido pelo professor, o que na prática, inviabiliza usos diferenciados da História pelo professor.
Não participei e nem conheço projetos no ensino de História.
Existe a busca da inovação? Jan Otero
O que há de inovação, em grande parte, deriva da ação de professores mais identificados com o que fazem. Mas também há escolas que se dedicam a articular mais a disciplina História com outros temas contemporâneos em discussão. Gabriel Haua
Em geral, as inovações são puramente individuais não fazendo parte de um sistema de ensino.
16.
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Jan Otero
Ainda como aluno na faculdade, uma escola pública do Recreio abriu as portas para que nós, estudantes, pudéssemos realizar uma atividade diferenciada em que, através de um jogo, os alunos pudessem ter uma aproximação com o Rio de Janeiro de 1808. Danielle Florin
Já participei de diversas atividades com os alunos como viagens para cidades históricas, passeios educativos no centro da cidade, entre outros. O mais interessante dessas atividades é que ocorre uma multidisciplinaridade. Ou seja, ao levarmos os alunos para um museu, além da parte histórica ele aprende artes, português e tudo o mais que estiver relacionado ao objeto de estudo.
Para o historiador da UFF, Paulo Knauss de Mendonça, o ensino de História no Brasil mudou
desde o fim da ditadura. Ele diz que hoje o aluno também é sujeito do conhecimento, um interlocutor da construção do conhecimento. Vocês concordam?
Qual a metodologia de ensino aprendida nas universidades para o ensino de História? Esta metodologia é similar à aplicada nas escolas?
Danielle Florin
Jan Otero
Claro, o aluno deixou de ser “passivo”. Hoje, transformamos o aluno em “ser crítico”, havendo troca de conhecimento, e não só “recebimento de informações”.
Nos cursos de formação de professores há todo um discurso a respeito da importância da formação continuada. O professor deve constantemente se renovar, entrando em contato com a produção acadêmica da área. Porém, diante das dificuldades, o professor acaba por assumir apenas as funções escolares, ocasionando o seu afastamento dos centros produtores de saber e mantendo práticas de ensino antiquadas.
Jan Otero
Sim. Hoje há maior preocupação com o “ensino-aprendizagem”. Ou seja, não se ensina História somente a partir da ação dos professores. É importante a mobilização dos alunos e, acima de tudo, é importante que eles tragam as suas próprias referências para a sala de aula. Assim, o professor identifica mais facilmente os paradigmas presentes na vida dos alunos, fazendo com que temas valorizados por eles possam ser discutidos sob a ótica histórica. Gabriel Haua
Sim, porque o ensino após a ditadura realmente mudou, ficando mais amplo e trazendo o aluno para uma compreensão maior da realidade. Ele tem condição de se transformar de um mero espectador para um interlocutor. Por outro lado, não creio na afirmação, pois esta nova prática de ensino não ocorre para alunos da rede pública e até para escolas da rede privada. Muitas vezes, a matéria de História é simplesmente “jogada” sem nenhum trabalho de reflexão.
Gabriel Haua
A realidade encontrada na sala de aula é bem diferente da aprendida na universidade. Nas escolas, mesmo após 5 anos de estudo, o professor não está preparado para as adversidades e para alunos com problemas além de seu controle, como, por exemplo, alunos que chegam ao último ano com interpretação de texto defasada. O ensino acaba perdendo sua qualidade em todos os âmbitos. Danielle Florin
Acho que a visão aprendida na faculdade não é similar à realidade. Como aluna, na universidade, apenas ministrava aulas para os colegas de turma. Não havia um contato direto com a criança para engrandecer o aprendizado dos conteúdos. SAMARA MALTASCH é estudante de letras e jornalismo.
O Rio de Janeiro foi a primeira cidade brasileira a ter iluminação a gás. Isso foi em 1854. Cerca de 15 anos depois, ao ser reformado para abrigar a sede do governo, o Palácio do Catete ganhou uma usina de eletricidade e também se iluminou! Foi uma grande novidade na época... Hoje, a eletricidade está no centro palco das discussões ambientais. Esse tema pode render muitas aulas, não é mesmo?
No portal www.republicaonline.org.br há uma Janela Educativa com conteúdos acessíveis a todas as idades. Navegue junto com seus alunos!
17.
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artigo
O MUSEU NO MAGALY CABRAL
A
o ler a entrevista de Samara Maultasch com dois professores e um estudante de História, na resposta à pergunta se havia algum projeto inovador do qual tivessem participado ou tivessem conhecimento, a professora Danielle Florin responde que ao levar os alunos
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a um museu, ele aprende, além da parte histórica, artes, português e tudo o mais que estiver relacionado ao objeto de estudo. A resposta da professora Danielle me animou e despertou-me o desejo de escrever esse artigo sobre as relações entre o ensino de história e museus. O museu conta com um material imprescindível que outras instituições não têm: o seu acervo, o objeto. Ao entrar no museu, o objeto perde suas funções originais, perde seu valor de uso e adquire um valor cognitivo, um valor sígnico. O museu constrói discursos com os objetos, dis-
relacionado a outros objetos. Vale lembrar a professora Sonia Kramer (1998:210), quando diz: Penso que, no museu, o mais importante não é o que vemos, mas que possamos construir um modo de olhar em que razão e sensibilidade aliadas teçam uma maneira crítica e sensível de ver as coisas e de compreender suas histórias. É isso também que propõe o professor de História na Universidade Federal do Ceará e ex-diretor do Museu do Ceará, em Fortaleza, Francisco Régis Lopes Ramos, em seu livro A danação do objeto – O museu no ensino de História, bastante conhecido e lido na área museológica, mas talvez nem tanto na área de História, principalmente no Rio de Janeiro. Recomendo sua leitura. Ramos (2004) defende uma “História dos objetos” que pressupõe o estudo da “História nos objetos”: o objeto ser tratado como indício
cursos esses que são ideológicos — não estamos falando de ideologia partidária, mas sim de idéias. Portanto, uma leitura crítica desses signos, desses objetos, é a tarefa a que se propõe uma ação comprometida com a formação do sujeito. Uma diferença que se coloca entre a Escola e o Museu é que a Escola privilegia um ensino teórico baseado sobre a aprendizagem de conceitos e, o Museu, favorece um ensino concreto que tem como eixo a aprendizagem do objeto e pelo objeto. Assim, a aprendizagem em museus, focalizada em objetos, pode ser muito interessante, pois os objetos podem ser particularmente estimulantes em relação a processos de aprendizagem: agir para construir experiências abstratas, permitir recordar conhecimento, despertar curiosidade. O objeto deve ser tratado como fonte de
Assim, a aprendizagem em museus, focalizada em objetos, pode ser muito interessante, pois os objetos podem ser particularmente estimulantes em relação a processos de aprendizagem: agir para construir experiências abstratas, permitir recordar conhecimento, despertar curiosidade.
reflexão e pode, inclusive, contribuir para o ensino centrado na aprendizagem de conceitos que a Escola desenvolve, e que pode ser
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de traços culturais que serão interpretados no contexto da exposição do museu ou na sala de aula. Como ele diz, um tronco de prender escravos existente no Museu do Ceará, com toda sua carga dramática, abre inúmeras possibilidades de estudos não somente sobre nosso passado, mas também para questionarmos a história dos instrumentos de tortura no presente. Da mesma forma, diz ele, na sala de aula um copo descartável pode servir para uma infinidade de estudos sobre a sociedade de consumo na qual estamos inseridos e sobre a qual temos pouca consciência crítica. Para concluir, tomo a liberdade de fazer um
Referências Bibliográficas KRAMER, Sônia. Produção cultural e educação: algumas reflexões críticas sobre educar com museu. In: KRAMER, Sônia; PEREIRA LEITE, FERRAZ, M. Isabel (Orgs.). Infância e produção cultural. Campinas: Papirus, 1998. p. 199-215. RAMOS, Francisco Régis Lopes. A danação do objeto: o museu no ensino da história. Chapecó: Argos, 2004. 178 p. Recomendações RAMOS, Francisco Régis Lopes. Museu, ensino de história e sociedade de consumo. Fortaleza: Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, Museu do Ceará, 2004. (Cadernos Paulo Freire, v. II). SCHMIDT, Maria Auxiliadora e GARCIA, Tânia Maria F. Braga. Consciência histórica e crítica em aulas de História. Fortaleza: Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, Museu do Ceará, 2006. (Cadernos Paulo Freire, v. V).
convite aos professores para, antes de visitar um museu, trabalhar com seus alunos, em sala de aula, com objetos. Podem começar, por exemplo, com objetos trazidos pelos próprios alunos: por que foi escolhido? Que histórias de vida ele conta? De que material é feito? Ele pertenceu a alguém antes? Pode se relacionar com outro objeto trazido por algum colega? O importante é trabalhar com a consciência histórica e crítica a partir dos objetos. Acredito que aguçar o olhar do aluno sobre objetos será uma preparação para a visita ao museu.
Magaly Cabral é professora, pedagoga, museóloga e mestre em Educação, especialista em educação em museus.
O Palácio do Catete foi construído com a força do trabalho de operários, de artesãos e também de um considerável número de escravos. Como você trabalha questão racial com seus alunos? Existem inúmeras maneiras. Não há fórmula para falar da história dos negros no Brasil. Cada grupo de aluno demanda um tipo de abordagem. O importante é estar atento a essas demandas e encontrar a sua maneira de trabalhar o tema.
O português Antônio Clemente Pinto, tornou-se Barão de Nova Friburgo e construiu um Palácio para morar, por conta do próspero negócio do café. O Barão estava na hora e no lugar exatos para prosperar: o auge do ciclo do café no Rio de Janeiro, um histórico momento econômico do Brasil.
20.
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O MUSEU DA REPÚBLICA ETERNIZADO NA
LITERATURA MACHADIANA Paula Cajaty
E
m Esaú e Jacó, livro publicado em 1904, Machado de Assis colocou, de forma eterna e definitiva, o Palácio do Catete na literatura e no mapa sóciopolítico do Rio de Janeiro do fim do século XIX.
21.
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pais dos meninos, fecham os olhos às disputas, aferrando-se às predições da vidente cabocla do Morro do Castelo sobre o glorioso futuro dos dois.
Ao passar pelo Palácio Nova Friburgo, levantou os olhos para ele com o desejo do costume, uma cobiça de possuí-lo, sem prever os altos destinos que o Palácio viria a ter na República.
Já adultos, Pedro e Paulo apaixonam-se pela mesma mulher – Flora, “a inexplicável” – cujo apelido, dado pelo conselheiro Aires, advém de sua indecisão amorosa. A tibieza de Flora também é comparada ao Brasil de então, incapaz de decidir-se por qual dos regimes mais lhe agradava. A genialidade de Machado reside justamente no caráter multifacetado e rico de sua obra: política, social, filosófica, humanística, psicológica, existencial – ele nada deixava passar em branco. Com a facilidade narrativa e linguagem clara que lhe eram peculiares, tran-
O pano de fundo do romance é o declínio
sitava por ambientes díspares, desde a subida
silencioso da Monarquia, a nascente República
ao Morro do Castelo pela mãe dos meninos,
com seus ares ventilados e ideais europeus, um
Natividade, para consultar a cabocla vidente,
Rio de Janeiro ainda com a empáfia de nobre
até os volteios e carteados nos ricos salões do
capital do Império, mas desejando sorrateira-
Baronato Fluminense. Exibia regiamente desde
mente que brotasse dentro de si e dentro de
críticas políticas e de costumes, até as profun-
cada família, uma jovem e promissora Repúbli-
dezas da alma de cada uma de suas personagens.
ca, tal e qual a brisa francesa que chegava pela
Aires, o narrador que tudo via, nos con-
Praia de Santa Luzia. A trama principal é a rivalidade entre dois
fidencia o sonho de Santos: o patriarca da família, a par de satisfazer-se em receber o
irmãos homens e gêmeos, Pedro e Paulo, de
nobre título de Barão, ansiava em segredo pelo
índoles e opiniões em tudo divergentes.
domínio do prédio que seria a sede da Repúbli-
A inimizade ab ovo, isto é, desde a gestação,
ca. A ele, não bastava a fortuna, a proeminente
remete à história bíblica de Rebeca, de cujo seio
posição de banqueiro ou a bela e ajardinada
nasceram Esaú e Jacó, líderes de duas nações
mansão em Botafogo. Sua felicidade se com-
inconciliáveis. No romance machadiano, Pedro
pletaria com o domínio do espetacular Palácio
defende a Monarquia, enquanto Paulo é um
de Nova Friburgo, única construção magnífica
republicano apaixonado.
e digna daquilo que ele reputava ser:
Sob outro foco interpretativo, o autor
“Ao passar pelo Palácio Nova Friburgo,
passeia pela psicologia quando alude à eterna
levantou os olhos para ele com o desejo do
disputa dos filhos pelos favores da mãe, suger-
costume, uma cobiça de possuí-lo, sem prever
indo, com isso, um Complexo de Édipo antes
os altos destinos que o Palácio viria a ter na
mesmo que Freud, o pai da psicologia, assim
República; (...). Para Santos a questão era só
o denominasse. Natividade e Agostinho Santos,
possuí-lo, dar ali grandes festas únicas, celebra-
22.
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das nas gazetas, narradas na cidade entre ami-
Pedro e Paulo disputam pela mãe, disputam
gos e inimigos, cheios de admiração, de rancor
pelo amor de Flora, andam por caminhos con-
ou de inveja. (...) Já não lhe bastava o que era.
flitantes e tempestuosos enquanto a Monarquia
A casa de Botafogo, posto que bela, não era
cedia perante os novos ideais e a revolução
um palácio, e depois, não estava tão exposta
dissimulada que a espreitava.
como aqui no Catete, passagem obrigatória
Quanto ao Palácio do Catete, a previsão de
de toda a gente, que olharia para as grandes
Machado quanto ao seu futuro glorioso, tal
janelas, as grandes portas, as grandes águias
como a predição da cabocla-menina, se con-
no alto, de asas abertas. Que viesse pelo lado
firma: comprado pela Fazenda Federal em 1896
do mar, veria as costas do palácio, os jardins
do conselheiro Mayrink, foi inaugurado como
e os lagos... Oh! Gozo infinito!”
sede do governo republicano em 1897, assim
A história segue seu rumo cumprindo, a cada passo, os vaticínios da cabocla Bárbara.
permanecendo em destaque por 63 anos na cena política nacional, quando em 1960, com a transferência da capital do país para Brasília, foi finalmente transformado por Juscelino no atual Museu da República. Os irmãos não se reconciliam, o Palácio não
Para Santos a questão era só possuí-lo, dar ali grandes festas únicas, celebradas nas gazetas, narradas na cidade entre amigos e inimigos, cheios de admiração, de rancor ou de inveja... Já não lhe bastava o que era.
tornaria a ser propriedade particular. Contudo, a vocação do prédio imponente permanece fiel ao desejo de Santos: é palco de múltiplos eventos, festas únicas celebradas nas gazetas, narradas na cidade, passagem obrigatória de toda a gente que lhe olha as grandes janelas, as grandes portas, as grandes águias no alto, de asas abertas. Dessa gente carioca que vê as costas do palácio, seus jardins e lagos, num gozo infinito.
Paula Cajaty é escritora e poeta.
As palmeiras imperiais que formam a aléia do jardim do Museu já existiam quando o Barão de Nova Friburgo comprou o terreno para construir sua casa. É... Parece que elas são as verdadeiras donas do ambiente. Você tem falado de preservação com seus alunos? Não perca nenhuma oportunidade, diz o planeta Terra.
Durante a República, 18 presidentes passaram pelo Palácio do Catete. Eles foram protagonistas de alguns dos mais importantes acontecimentos de toda a história do país, como as decisões de participação do Brasil nas duas grandes guerras mundiais. Mas esse edifício foi construído antes da República, ainda na Monarquia e sobrevive até hoje, na Democracia! Isso pode dar um nó na cabeça dos alunos! Deixe isso acontecer e depois ajude a tirar o nó..
23.
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saiba quem foi
Saiba QUEM FOI
NAIR DE TEFFÉ JANAÍNA MICHALSKI
N
air de Teffé nasceu em 1886, na antiga rua MataCavalo, no bairro do Riachuelo, no Rio de Janeiro. Filha de um alto oficial da marinha, o almirante barão de Teffé, entre idas e vindas, Nair passou a maior parte da infância e da adolescência na Europa, em função do trabalho do pai. Tinha apenas 3 anos quando a República foi proclamada no Brasil.
24.
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Por um lado, em conventos franceses, re-
Cada convidado levava um prato de comida.
cebeu uma educação muito formal. Por outro
Ela pagava a bebida. Sua irreverência também
lado, freqüentou as vanguardistas escolas de
se imprimia no dia-a-dia do governo: numa
pintura de Paris. Independentemente de forma-
reunião ministerial apareceu com um vestido de
ção, o olhar irônico sobre a sociedade em que
gala rodado onde se viam com destaque todos
vivia parece ter nascido com ela. Aos 7 anos fez
os ministros caricaturados. Na festa de despe-
sua primeira caricatura. Em casa, irritada com a
dida do governo de Hermes da Fonseca, Nair de
conversa de uma das convidadas de seus pais,
Teffé pegou um violão - instrumento popular
desenhou-a. A segunda caricatura foi de uma
e boêmio, considerado impróprio para uma
freira da escola. Descoberto o desenho, Nair
recepção presidencial - e apresentou o tango-
não titubeou em assumir-lhe a autoria e por
brasileiro Corta-Jaca, de Chiquinha Gonzaga.
isso passou um dia inteiro de castigo.
As atitudes de Nair eram pratos cheios para os
Aos 19 anos voltou com a família ao Brasil, onde fixaram residência na cidade de Petrópolis. Nessa época já era uma caricaturista reconhe-
opositores do marechal. Tudo virava escândalo. Ao que o presidente não se importava. Além da música e da pintura, Nair entregou-
cida, com trabalhos publicados em jornais e em
se com paixão ao teatro. Como atriz, trabalhou
revistas brasileiros e europeus. Para assinar suas
com Artur Azevedo, principal autor da primeira
pinturas, Nair virou seu nome ao contrário e
fase do Teatro de revista. Em Petrópolis, mon-
tornou-se Rian. Um pseudônimo que, ao invés
tou a “Troupe Rian”, grupo de teatro que fazia
de protegê-la, mostrava muito de seu espírito
apresentações beneficentes.
alegre e inquieto. Durante o mandato de presidente da
A morte do marechal, em 1923, deixou-a muito abalada. Contudo, seguiu a vida:
República, o marechal Hermes da Fonseca
envolveu-se em questões feministas; abriu o
ficou viúvo. Para descansar o coração da perda,
cinema Rian em Copacabana; lançou o livro
Hermes da Fonseca foi a Petrópolis passar o
“A Verdade sobre a Revolução de 22”; adotou três
verão de 1912. Amigo dos barões de Teffé, en-
filhos. Morreu na cidade de Niterói, em 1981.
tre visitas a casa deles e cavalgadas na serra, o
Seus olhos azuis cobalto foram ilumina-
marechal acabou por pedir Nair em casamento. A diferença de 31 anos de entre a carica-
dos pela lucidez e pela coragem até o último suspiro. “Apaguem a luz, preciso descansar”, foi
turista e o presidente, não se traduziu em pro-
sua última frase, no hospital, instantes depois
blemas conjugais. Admiração, paixão e respeito
de comemorar seu aniversário de 95 anos.
mútuos pontuaram toda a vida deles. No Palácio do Catete, não gostava de ser chamada de primeira dama e recebia os amigos em festa, sem gastar dinheiro público.
1. História da Caricatura Brasileira, “in” Diretrizes, Rio de Janeiro – 8 de maio de 1941. Fonte: SANTOS, Paulo César. Nair de Teffé – Símbolo de uma época. 2ª ed. Petrópolis: Sermograf, 1999.
O Palácio do Catete é recheado de mitologia grega. Os deuses do Olimpo estão por toda parte: Apolo, Juno, Afrodite, Mercúrio, Minerva e muitos outros. E se ao invés dos gregos, as paredes trouxessem a mitologia brasileira? Teríamos curupiras, iaras, mães d’água, boitatás, sacis, botos e negrinhos do pastoreio pintados de alto à baixo... A mitologia fala muito da identidade de um povo...
Internamente, a arquitetura do Palácio Nova Friburgo é tipicamente renascentista: a ocupação do espaço pelo edifício baseia-se em relações matemáticas estabelecidas de tal forma que o observador possa compreender a lei que o organiza de qualquer ponto em que se coloque. O resultado é uma construção de aparência simples.
exposição itinerante
Constituição Uma das exposições itinerantes que fazem parte do acervo da coordenação de Educação do Museu da República é a exposição sobre a Constituição de 1988.
EXPOSIÇÕES
Os onzes painéis verticais contam o processo de elaboração da “Carta Magna” e seus bastidores políticos. São cartas, cartazes e depoimentos de quem viu a Con-
além da exposição sobre a constituição de 1988, o Museu
stituição acontecer no Brasil. Considerada
da República conta com outras
uma das mais modernas constituições no
exposições itinerantes criadas
que se refere às questões individuais, so-
para espaços alternativos
ciais e trabalhistas, a constituinte brasile-
como bibliotecas e corredores
ira é retratada através de painéis que trazem, entre outros temas: a participação
popular,
os constituintes e assuntos polêmicos como a reforma agrária. Além desta exposição, a coordenação de Educação do Museu da República conta com mais nove exposições itinerantes criadas para espaços alternativos como bibliotecas e corredores de escola.
26.
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de escola.
e Participação
Popular de 1988
Getúlio de 30 a 54 Antropofagia Notas de Viagens de Pereira Passos Ritos de Passagem canto e dança ritual indígena
Memória em preto e branco A República e os Presidentes
Rodrigues Alves e a Reforma 27.
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artigo
Um jardim histórico, um espaço para a educação! Carlos Daetwyler Xavier de Oliveira Um jardim histórico é uma composição arquitetônica e vegetal que, do ponto de vista da história ou da arte, apresenta um interesse público. Como tal é considerado monumento. Esta é a definição do artigo primeiro da Carta de Florença proposta pelo Comitê Internacional de Jardins Históricos em 1981. Do ponto de vista da poesia, Cecília Meireles em “O Jardim” diz o seguinte:
“O jardim é verde, encarnado e amarelo. Nas alamedas de cimento, movem-se os arabescos do sol que a folhagem recorta e o vento abana.”
28.
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Já Carlos Drummond de Andrade foi mais prático e saiu-se com esta frase: “Jardim, um convite a preguiça, mas que trabalho que dá...” E dá trabalho mesmo Drummond, principalmente os históricos. Para os educadores, podemos resumir jardim por uma citação de Paulo Freire quando ele aborda o conhecimento e seu processo de construção coletiva: “... O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro...” É esta nossa principal ferramenta de trabalho: uma construção coletiva a partir daquilo que o primeiro jardineiro deste parque pensou! Temos uma infinidade de temas que podem ser trabalhados a partir de um jardim como o do Museu da República. Sua história por exemplo. Quem o fez construir e por que o fez? De quem é o projeto? Por que a casa não está no meio do jardim? Como a gente sabe disto tudo? Pronto, já estabelecemos uma ligação com história, memória e patrimônio. Podemos ir mais longe, vamos falar das obras de arte que ornamentam o parque. De onde elas vieram? Quem as trouxe e por quê? Têm elas algum significado especial? Além deste significado formal, a intenção do escultor, podemos inferir mais alguma informação como, por exemplo, as estátuas dos meninos que representam os continentes. Se repararmos os jovens estão sempre matando algum animal ( talvez caçando ou apenas demonstrando seu poder). Será que isto hoje está politicamente correto? O chafariz do Nascimento da Vênus. Ele antes era uma bica pública que abastecia de água a população e foi transferido para o meio do parque apenas e exclusivamente para deleite dos presidentes. Será que isto foi correto? Por falar nisto como era o abastecimento de água naquela época? Tinha rede de esgoto também? Olha quanto assunto já temos para debater e trabalharmos no jardim e na sala de aula. O “coreto” que fica no meio do parque, em frente ao chafariz, que na realidade nunca foi core-
29.
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to e sim um dos dois pavilhões com cópula ( o outro foi demolido ) que, provavelmente,
pode ser o ponto de partida para suscitar um
serviam como mirante e local para aqueles que
sem número de questionamentos ambientais
iam tomar banho de mar, trocar de roupas. Já
e estabelecer paralelos com as escolas, os bair-
temos um bocado de assunto para falar dos
ros onde estão localizadas e onde seus alunos
hábitos e costumes daquela época. Por falar
moram. Quantos parques como este existem
em banho de mar e roupas, é bom observar
na cidade? Dá para debater cidadania e o
as roupas que estamos vendo dos freqüenta-
acesso de todos aos mesmos direitos. Quais
dores do parque e, até mesmo as nossas, com
serão as nossas principais leis sobre, por ex-
certeza são bem diferentes daquelas que eram
emplo, o meio ambiente? São suficientes?
usadas em 1997, quando da reforma do palácio para a instalação da presidência.
Água, vital para a humanidade e já esta sendo considerada como um bem que vai acabar.
Rachel Louise Carson definiu o que ela
Vai acabar? Em alguns lugares já acabou e
chamava Sense of Wonder como a capacidade
em outros ela sobra, ainda que poluída. Em
que as crianças têm de se maravilhar e imagi-
nosso parque as plantas são molhadas por um
nar com as pequenas coisas da natureza, que
sistema inteligente de irrigação, que evita o
a maioria dos adultos já não conseguem mais
desperdício de água. Olha aí a importância do
observar. Nosso parque, se vocês repararem, é
uso da tecnologia, do saneamento básico e
um eco sistema em perfeito equilíbrio, ainda
dos projetos que combatem a poluição das
que no meio de uma cidade, cercado de casas,
águas do ar e do solo. Às vezes medidas sim-
ruas e trânsito. Não é este jardim um lugar
ples podem evitar grandes problemas se todos
perfeito para as pessoas se “maravilharem”?
cooperarem. Repararam que em nosso parque
São 24 mil metros quadrados de árvores
temos lixeiras específicas para pilhas, que são
frutíferas, plantas ornamentais, gruta e lagos
fontes de poluição ambiental. É pouco, mas
artificiais, peixes, pássaros diversos, micos,
estamos fazendo nossa parte.
gambás, em um bairro residencial, convi-
Enfim, um jardim histórico pode ser bem
vendo em perfeita harmonia com o visitante.
mais do que um espaço verde, um lugar de
A partir disso já podemos conversar sobre as
contemplação um patrimônio preservado
transformações provocadas pelo homem no
(mais um conceito a ser trabalhado, aliás,
meio ambiente em que ele vive e do qual de-
nossa especialidade) cheio de histórias para
pende, é o desmatamento, aterros, barragens.
contar.
Podemos desenvolver trabalhos relacionados
É Drummond,você tinha razão, esse jardim
às mudanças climáticas, por exemplo, respal-
pode dar um bocado de trabalho!Por isso,
dados por um farto noticiário em TV e jornais.
professor, venha nos visitar e traga sua turma
Aqui em nosso jardim histórico podemos
para conversarmos sobre tudo isso juntos.
observar a natureza trabalhando e nos dando lições. A folha que cai e vai apodrecer fertilizando o solo, é coletada e transformada em húmus, um adubo que vai ser útil para o próprio jardim. Este processo pode ser visto e até vivenciado, na área de compostagem do nosso curso de jardinagem. A natureza que o nosso jardim representa
30.
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Carlos Daetwyler Xavier de Oliveira é técnico da Coodenação de Educação do Museu da República. Formação em Administração de Empresas com especialização em Desenvolvimento de Recursos Humanos. Responsável por projetos educativos com ênfase em Educação Ambiental para jovens e adolescentes de áreas de risco, para portadores de deficiência e para escolas e grupos organizados.
artigo
AS LEITURAS PARALELAS
DO MUSEU DA REPÚBLICA
NA CONSTRUçÃO DO CONHECIMENTO
Maria Helena Versiani
O
filme “Uma noite no museu” (Night At the Museum), de Milan Trenc, relata um caso fictício sobre o Museu de História Natural de Nova Iorque. Lá, todas as noites, o extraordinário acontecia: como por magia, o seu acervo ganhava vida. Diante disso, o guarda noturno do Museu sentiu-se impelido a estudar História. Motivado pela experiência de entrar em contato direto com personagens e culturas de outros tempos, recorreu à leitura do passado, buscando assim guiar-se no presente e em direção ao futuro. Naquele momento, passou a compreender-se como sujeito ativo e determinante do Museu e da própria vida.
No Museu da República – importante conjunto arquitetônico, de obras e de mobiliário – passeamos pela História do Brasil republicano. São retratos de época e relatos de sua evolução. O Museu oferece, ainda, interessantes incursões no tempo imperial, pelas características de seu edifício oitocentista e pelos registros preservados do cotidiano de seus primeiros moradores. Lugar de representação e memória, o Museu da República coloca em evidência objetos e cenários produzidos no país no curso de um período em que o discurso político vitorioso passa a advogar a transformação do espaço público em espaço comum a todos, sob o signo da República. Todo o seu patrimônio instrui sobre os comportamentos sociais e valores que marcaram o nascimento e vida do Brasil republicano. São bens da sociedade brasileira, que deixam ver
formas de sociabilidade e modos de consciência comuns à vida política, econômica e cultural do país. Ao apreendê-los e compreendê-los, em suas circunstâncias, incorporamos lições ao presente e recriamos o futuro. Acervos museológicos, sempre tão carregados de histórias, não costumam se apresentar de modo explícito, cabendo aos visitantes dos museus expandirem seus significados. Instigantes, oferecem perspectivas da passagem do tempo, acionam memórias, identidades, subvertem paradigmas e colocam em evidência a condição do permanente vir-a-ser que caracteriza a existência das sociedades. Mas é somente ao serem visitados que os museus e seus acervos têm existência concreta, na interação com seus visitantes, sendo por eles ressignificados. Não há lugar no mundo em que o aprendizado não recorra a símbolos e representações, buscando elementos reconhecíveis no que é assimilado. Ao educador cabe tentar compreender tais mecanismos de construção do conhecimento e propor reflexões.
Maria Helena Versiani é historiadora do Museu da República
“Se o Getúlio Vargas morreu no Palácio e o Afonso Pena também morreu no Palácio, porque vocês falam muito mais do Getúlio?” A pergunta do aluno Leonardo Miranda, 8 anos, após ter visto o filme institucional do Museu, rende uma boa reflexão e pode ser o início de uma série de aulas sobre os presidentes que passaram pelo Catete.
32.
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