Termas do Sal. Salinas de Rio Maior . Dissertação de mestrado Tiago Almeida

Page 1

FRACTURA DE EXPERIÊNCIA E SENSAÇÕES TERMAS DO SAL .

SALINAS DE RIO MAYOR

Prova Final de Curso de Mestrado Integrado em Arquitectura Tiago Rafael Dos Santos Almeida Orientador: . Prof. Dr. Maria Rita Pais

ENTREGA FINAL

SETEMBRO 2016


AGRADECIMENTOS

Ao finalizar este trabalho é importante agradecer a todos aqueles que me acompanharam e que me ajudaram a finalizar este ciclo de seis anos, em que participaram no meu crescimento pessoal e que me motivaram a chegar até ao fim. Desde já agradeço ao Luis Lopes representante da Loja do Sal e á Câmara Municipal de Rio Maior pela disponibilidade, ajuda e interesse neste projecto. Agradecer também á prof. Maria Rita Pais pela ajuda e disponibilidade. Um agradecimento especial aos meus Pais pelo inorme esforço que fizeram e por acreditarem em mim, á minha irmâ e a minha família. Agradeço também a todos os meus amigos e companheiros de curso que me porpocionaram grandes momentos e de onde levo uma grande parte da minha aprendizagem quer de curso quer de vida. E por fim aos meus amigos de Maçãs D. Maria do qual nunca se esqueceram de mim independentemente dos vários momentos em que não pode estar presente devido ao curso.

01|02


RESUMO

O presente trabalho pretende reflectir acerca de duas aproximações diferentes que se podem fazer na aproximação a um lugar que apresenta características singulares. Uma leitura sobre a paisagem e a sua capacidade de caracterizar um lugar; e uma leitura acerca da experiência do indivíduo directa em relação a um lugar. A reflexão culmina numa proposta arquitectónica para as Salinas de Rio Maior, com o intuito de valorizar a perceção sensorial, bem como a relação e interpretação do lugar na forma de base de intervenção e reconhecimento do potencial desse mesmo lugar. Com esta proposta arquitectónica procura-se criar uma estratégia territorial de intervenção num lugar com características muito particulares, para o lugar do qual se encontra em estado desordenado e em processo de ruína. Vários são já os casos de intervenções em certos tipos de acontecimentos fracturantes no território, em que nessas mesmas fracturas lhe são reconhecidas qualidades inigualáveis, e que muitas se encontram em processo de “ferida” total outra sob forma de cicatrização. E esse ponto de partida muitas vezes leva-nos a soluções para certos lugares, que nos estimulam e nos fazem procurar a experiência de os vivenciar.

PALAVRAS CHAVE: #ARQUITECTURA #PAISAGEM #FRACTURA #TERMAS #SENTIDOS #SAUDE


ABSTRACT

The present work aims to reflect on the fenomológica and sensory Interpretation of landscape and place the experience of architecture and fracture ideology as capability in recognizing the place. The reflection culminates in an architectural proposal for the Salinas de Rio Maior, with the goal to enhance the sensory preceção, and the relationship and Interpretation of the place in the form of potential intervention and recognition of the basis of that place. Also in less theoretical terms with this architectural proposal seeks to create a regional strategy point to the place of which is in disordered state and ruin process. Several cases are already intervention in certain types of events fracturing the territory in which those same fractures it inagualáveis qualities are recognized and that many are in the process of "wound" all other form of wound. And this starting point often leads us to solutions to certain places, which encourage us and make us seek the experience of the experience.

KEYWORDS : #ARQUITECTURA #LANDSCAPE #FRACTURE #THERMS #SENSES #HEALTH

03|04


ÍNDICE

VOLUME TEÓRICO

VOLUME PRÁTICO

06

Introdução

81

07

Enquadramento e Motivação

09

Objectivos

10

Estrutura e Metodologia

Das Referências Localização Análise Geográfica Ortofotomapa Cartografia 20000 PDM

14

Fracturas A Ruína Paisagem Ferida

85

Contexto Histórico do Lugar Aspectos Hidrológicos Mapa de Rotas Imagens do Lugar

23

Experiência e Sensação do Lugar Genius Loci A Poética e o Lugar O Estimulo dos Sentidos Acto do Banho

Arq

Projecto | Arquitectura Localização Implantação Planta Piso Cobertura Planta Piso -1 Secções Espaços termais

56

Casos de Estudo

69

Conclusão

71

Proposta

77

Bibliografia

79

Índice de Imagens

Arq.01 Arq.02 Arq.03 Arq.04 Arq.05 Arq.13 Sc Sc.01 Sc.02

Sistemas Construtivos Planta de Tosco Pormenores Construtivos


INTRODUÇÃO

Intervir em locais de carácter muito especifico como é o caso das Salinas de Rio Maior, requer uma abordagem e reflexão acerca do lugar e a sua interpretação. As salinas de Rio Maior são estruturas de origem natural, mas modificada pelo homem e, recentemente esquecida por ele. Além das suas cacteristicas físicas e humanas de distinção na paisagem, as salinas apresentam um conjunto de características de relação do homem com a água e o sal que proporcionam, para além do interesse como paisagem, como representação da memória da intervenção do homem, uma relação sensorial e experiencial. Esta dissertação pretende reflectir, acerca da importância da relação do homem com o lugar e a água. Cada vez mais as termas/banhos são espaços utilizados como meio de fuga a um tipo de vida citadino, de trabalho, de tecnologias e de imagens arquitectónicas sem relação intrisica com o homem, onde se vão perdendo as sensibilidades de uma arquitectura de experiência e de “valores passados”. A concepção de uma estrutura arquitectónica de termas / banhos está inteiramente ligada à existência da água com características minerais naturais e ao culto do banho. A água e as várias actividades auxiliares acabam por ser o motor de desenvolvimento e promoção destes espaços tal como o seu fenómeno geológico, por isso os edifícios de arquitetura termal e banhos não são só os que proporcionam o contacto com a água, mas também os que alimentam a maior procura de bem-estar nestes mesmos espaços. De certo modo este trabalho pretende responder a questões relacionadas com a problemática do lugar e de um programa diferenciado da normalidade pelas características terapêuticas que foram referidas por várias entidades locais que elevam exponencialmente o valor do lugar. Para além da água, também a forma como nos sentimos e estimulamos os nossos sentidos no lugar, o deve exaltar a vida, deve tornar visível como nos toca a obra e a sua poética. A forma como o edifício se relaciona com o lugar será fundamental para o utilizador, sendo que neste caso a intervenção terá particularidades especificas devido a relação da água com a paisagem e com o espaço construído.

05|06


INTRODUÇÃO

Para reflexão acerca dos modos de intervenção no lugar, torna-se pertinente ter como base também a análise de alguns casos de estudo relacionados quer como a forma de intervir no lugar, quer com a sua ligação programática e relação com o utilizador. Analisaremos assim, as Piscinas de Leça de Siza Vieira, Termas de Vals de Zumthor e o Centro de Intepretação da Salinas de Janubio de Campo Baeza.


ENQUADRAMENTO E MOTIVAÇÃO

As salinas de Rio Maior enquadram-se num vale tifónico junto ao Parque Nacional das Serra de Aire e Candeeiros. Local historicamente conhecido pela qualidade do sal e toda a sua paisagem envolvente, rural e do Parque Nacional da Serra de Aire e Candeeiros. É na zona mais baixa deste conjunto onde se encontra a “lágrima” (salinas) como vários populares lhe chamam. Com uma estrutura em forma de lágrima e vários poços de água salgada devido ao fenómeno geológico, (dai serem conhecidas como a lágrima). As salinas encontram-se actualmente num processo de descaracterização com o lugar, devido aos vários proprietários ao longo dos tempos e que neste momento a sua exploração recai só sobre duas entidades. Entidades essas, que depois de uma abordagem formal mostraram grande interesse em potencializar e dar a devida interpretação quer das salinas, quer de toda a envolvente do (PNSAC) através de um edifício que conciliasse o bem-estar, o lazer, a saúde e de forma a que o utilizador pode-se usufruir do principal produto das salinas tal como em outros casos ocorrem. Casos como as salinas de Ananã em Navarra ou as salinas na Bolívia e Peru em que é a água sete vezes mais salgada que a água do mar e são grandes impulsionadores na experiência dos banhos em águas de caracterisiticas equivalentes. A escolha deste tema para a prova final de curso deve-se essencialmente a dois factores. O primeiro é a ligação e relação com o lugar e o potencial desta zona especifica do país e a outra razão passa pela experiência pessoal acerca do programa e a reflexão acerca do tema. Sendo um programa sobre o qual nunca ainda ter desenvolvido algo equivalente ao longo do percurso académico e que me estimula a nível projectual na sua concepção. Em relação às Salinas de Rio Maior é um espaço onde se produz sal de elevada qualidade essencialmente para uso na hotelaria e restauração, mas também já muito corrente para produtos de carácter cosmético e terapêutico. Existe a possibilidade real e a vontade das entidades locais para este projecto siga para fase de desenvolvimento, devido ao interesse de várias entidades na dinamização e preservação do espólio cultural e patrimonial que são as Salinas e toda a zona abrangida pelo Parque Nacional da Serra de Aire e Candeeiros.

07|08


OBJECTIVOS

Esta dissertação pretende abordar algumas questões específicas que possam contribuir para o desenvolvimento de uma arquitectura que entenda o potencial de um lugar, nas suas vertentes da valorização da paisagem, da memória e das características físicas identificativas especificas, que neste caso em concreto são resultado geológico, topográfico, mineral e de um vasto trabalho do homem, que ao longo de anos trabalhou na criação de uma paisagem humanizada particular. De certo modo este trabalho pretende responder a questões relacionadas com a problemática do lugar e de um programa ao qual se difere um pouco do normal pelas características terapêuticas ao qual me foram indicadas pelas entidades locais representativas do lugar. Espera-se, através da sua realização averiguar a importância dos sentidos na vivência da obra arquitectónica e a sua recuperação terapêutica. Pretende-se também iremos tratar das questões da linguagem, como entendemos o espaço e de que forma pode o arquitecto contribuir para um entendimento mais generalizado deste (ainda que a experiência seja individual e única). A nível de projecto pretende-se que se crie um lugar para o descanso e relaxamento, para o encontro entre o corpo e a água que brota dos poços de água salgada e é encaminhada para as várias divisões das salinas. Neste momento as salinas servem ainda um pouco as questões relacionadas com a extracção de sal. Pretende-se que sirvam igualmente para uma nova função, mais relacionada com o corpo, do ponto de vista terapêutico, e com o homem, do ponto de vista do desfrute do lugar como paisagem e como fonte de experiências sensoriais com a água e com o sal.


ESTRUTURA E METODOLOGIA

A estrutura na realização da Prova Final de Curso em arquitectura é o da realização de projecto, dividido numa componente prática e outra teórica. A componente teórica deverá abrir visões sobre a forma do intervir em locais de características especificas de forte relação com a paisagem natural e humana e com uma forte componente sensorial da relação com o sitio. Esta dinâmica de compreensão do local, nestas vertentes, juntamente com a proposta prática de projecto, comprova a importância deste tipo de trabalhos de fim de curso. Por um lado, estes promovem uma relação com a realidade prática (juntamente com clientes e entidades reais interessados nos projecto) e consubstanciam um estudo individual teórico mais aprofundado da realidade alvo do estudo, potenciando a prática projectual intencional e fundamentada. A concepção da estrutura teórica procura explicar e sustentar a base projectual para o lugar sob forma de resolução da problemática das fracturas territoriais dando-lhe um sentido e a ligação com o homem e as suas características. Sendo neste caso na concepção de umas Termas nas Salinas de Rio Maior. A experiência de que falamos é a da perceção e da sensação, a relação entre o homem e o seu invólucro. É importante perceber que a arquitectura tem uma ligação física e intrínsica com a vida, com homem e o lugar. Compreender o reconhecimento do potencial do lugar e a relação entre arquitectura e o lugar permite-nos criar mecanismos e reflectir sobre esses mecanismos para a concepção projectual. Nesse sentido, esta pesquisa pretende abordar algumas discussões relacionadas com a crítica e com a teoria da arquitectura de um passado recente, a partir de um elemento central: “o reconhecimento de lugar” do qual iremos contextualizar com algumas discussões que circundam este tema, através da abordagem de autores como Norberg-Schulz, Kenneth Frampton ou Josep Maria Montaner. No reconhecimento do “génio do lugar “leva-nos à sua poética, na forma como vamos habitar os espaços e o lugar, a sua relação com o corpo e de que forma o” eu” se insere e se movimenta nos espaços.

09|10


De seguida, prossegue-se com um enquadramento do culto do banho, da água enquanto elemento inerente às obras que nos propomos estudar, a evolução e crescente incorporação na vida quotidiana e de como se tornou resposta na procura de um experienciar o espaço. Pretendemos reflectir sobre estas duas questões e compreender a necessidade de as incorporar nos nossos projectos. Por fim irei fazer referência e análise das Piscinas de Marés de Álvaro Siza, Termas de Vals de Peter Zumthor e o Centro de Interpretação de Lanzarotte de Campo Baeza, não só porque partilham de uma sensibilidade para com o tema, como nos mostra que, independentemente da cultura e influências, os princípios que regem o processo arquitectónico são os mesmos – o respeito pelo lugar, pelos materiais, pelo homem.


“From ancient times to the present, the importance of salt to humans and animals has been recognized. Thousands of years ago, animals created paths to salt licks, and men followed seeking game and salt. Their trails became roads and beside the roads; settlements grew. These settlements became cities and nations.�

11|12

- (MortonSalt . HistĂłria do Sal)


FRACTURAS


“Em arquitectura, fractura pode ser tudo. Tudo, porque, se parte do prencípio de que a acção altera o espaço existente, então será sempre uma fractura independentemente se apresenta sinais de continuidade com a envolvente ou de corte espacial e programático. Arquitectura é fractura!”

1

Fractura, pode ser das mais variádas formas interpretada, sendo que neste caso, pela sua ligação ao local de intervenção, se insida mais no campo da geologia ou da ruína, algo que do qual marque um lugar, se relacione com uma paisagem ao qual se procura dar a sua devida intepretação. A fractura poderá conter o seu lado poético, a sua memória, a mais diferenciadora intepretação. Esta será a mais bela noção de se poder considerar os mais variados significados no sentido da palavra. A localização das Termas do sal insere-se num lugar de caracteristicas especificas, do qual nos proporciona um tipo de ambiente e cenografia especifica. Identificamos-la como uma ´ferida na paisagem´ do qual se destaca as suas propriedas naturais unicas do qual necessita de tratamento. O lugar percorre um processo de fractura com as caracteristicas especificas locais, quer da sua memória quer dos materiais utilizados. Criando-se um carácter de ruína onde ocorreram umas especies de `collages´ ao longo dos tempos descaracterizando assim o lugar. Álvaro Domingues reconhece o caos da fractura em percursos não lineares, alimentados de cortes e traumas mais ou menos violentos, que permitem novos começos: Anima-me, porém, a biodiversidade deste jardim, o cheiro fresco dos eucaliptos, os ninhos dos pássaros nos bura-cos dos bidés e das retretes, os galhos e as folhas secas sobre as faianças, a toupeira a minar por baixo do lavatório,… sei lá, o brilho da chuva nos vidrados e as 2

pegas a beber nos mictórios… Há fracturas que vêm por bem.

A análise e a intepretação desse acontecimento intrisico na paisagem ou no lugar faz-nos refletir acerca da ruína.

1| RITA PAIS, Maria. Revista Fractura, edição 2016.pp 2| DOMINGUES, Álvaro. Revista Fractura, edição 2016.pp

13|14


02. Ruine im Riesengebirge Caspar David Friedrich


A RUÍNA

Ruína, restos ou destroços de um edifício degradado, descredibilizado, ultrapassado na sua função original. A ruina arquitectónica histórica é aquela que deixa a marca, que nos mostra que houve passado, que no passado houve um esforço humano para que algo se mantivesse de pé e capaz de exercer determinadas funções. A ruína mostra-nos o passado no presente, é a revelação real da vivência que o lugar teve no passado, é a prova real de que houve passado. Na actualidade a temática da ruina está em voga mas este é um tema 3

com precedentes no passado. No século XVIII Piranesi desenha gravuras onde mostra uma relação do passado com o presente, para ele as ruinas não são mero objecto de contemplação mas sim um elemento de interpretação do presente e projecção do futuro. Também Joseph Gandy pintou em 1830 a representação do Banco de Inglaterra como uma ruína. A pintura não expunha fraturas ou derivações do processo histórico mas sim a realização plena do edifício, como se do destino natural da sua vida se trata-se. A ruina era então uma concepção poética, romântica da continuidade histórica, como se do destino se trata-se Em 1953 rose Macaulay Redigui um texto onde reflectia sobre a destruição das cidades no pós II Guerra Mundial. A exploração da ideia de ruina, do cenário de destruição e decadência parecia não se suster como um todo. E na década de 70 surge uma nova prespectiva de ruina, Robert Smithso e Gorden Mattaclark revelam uma forma violenta de exporem de forma intencional a ruina arquitectónica, desconstruindo edifícios. Muitas vezes o arquitecto valoriza o processo de ruina e destruição como se trata-se de uma obra poética, a decadência e degradação como algo encantador e profundamente belo. Em 4

1977 Charles Jencks declarou “o dia em que a arquitectura moderna morreu”.

3| Revista arqa. pp.12 4| Piranesi, arquitecto italiano

15|16


A RUÍNA

Quando as peças arquitectónicas provenientes do modernismo, que podemos chamar de eternamente modernas, começaram a ceder ao efeito temporal, aparentando a decadência física natural do decurso temporal, há uma corrente de arquitectos que defende a revalorização do edifício degradado, dando-lhe nova função programática. Esta corrente combate o pós-moderno e a ruina é usada como arma de arremesso. Na contemporaneidade as ruinas são vistas como consequências da ação social, urbanística, económica e política. 5

Nos anos 90 Sola-Morales descreve uma nova prespectiva de ruina a “terrain Vague”. A necessidade de experenciar dentro da cidade espaços vazios, refúgios da homogeneidade esmagadora das cidades. Esses espaços vazios mostram-se expectantes, indefinidos, vagos, uma nova forma de viver a cidade. Hoje em dia há um conjunto de arquitectos que acredita que por vezes a arquitectura deve passar pela apropriação do espaço desmoronado para novos fins. A ruína é um fragemento que se impõe á contemplação e que necessita de coabitação. Tal como as Salinas de Rio Maior ,“as Ruínas são simbolos e marcos visíveis das nossas sociedades e da sua transformação, pequenos pedaços de história em suspensão. O estado de ruína é essencialmente uma situação temporária, que acontece em algum momento, resultado volátil de mudança de era e da queda de impérios. Esta fragilidade, a velocidade do curso do tempo, leva-nos a olhá-las uma ultima vez: desanimados, espanta6

dos, fazendo-nos questionar sobre a perenidade das coisas.”

O nosso quotidiano está povoado de ruínas românticas ou modernas, históricas ou industriais, verdadeiras ou falsas reais ou representadas. Mas que do qual devemos retirar o seu devido valor e potencializar as suas caracteristicas, dando lhe vida e relação com o corpo, com o homem.

5| Revista arqa. pp.12 6| Revista arqa. pp.10


03. Pedreiras de Mรกrmore Carrara, Itรกlia

17|18


PAISAGEM FERIDA

O reconhecimento da paisagem normalmente não se produz apenas através de continuidades. Paisagem é Descontinuidade. Contudo, algumas descontinuidades apresentam características específicas que produzem leituras de ferida. É o caso das Salinas de Rio Maior. Aspectos biológicos e físicos e as sociedades e culturas que a transformam e dão sentido humano, na procura de responder não só às necessidades quotidianas do Homem, como também às perspectivas futuras. Assim, a compreenção da paisagem implica o conhecimento de diversos factores como a litologia, o relevo, a hidrologia, o clima, os solos, a faunas e todas as outras expressões da actividade humana ao longo do tempo. Por outro lado, mais do que um estudo da sua forma ou da sua aparência externa, as paisagens contêm ainda uma espessura antropológica, uma memória reveladora de diversas sedimentações ou marcas deixadas por sucessivas transformações. As paisagens reflectem um património cultural, elemento fundamental na construção da identidade social e cultural. O património faz recordar o passado, sendo uma manifestação um testemunho e até mesmo, uma convocação de acontecimentos que expressão as vivências de um povo. Neste contexto, Álvaro Domingues, no seu artigo Vida no Campo, defende que “(…) a paisagem é um poderoso marcador identitário, uma casa comum.”, mas, apesar de tudo, tem vindo a conhecer transformações profundas e radicais. No entanto, não há paisagens para sempre. A paisagem é registo da sociedade que muda e se a mudança é tanta, tão profunda e acelerada, haverá registo disso e pouco tempo e muito espaço para compreender e digerir todas as marcas e a forma como se vão atropelando mutuamente, ora relíquias, ora destroços.”

7| DOMINGUES, Álvaro- Vida no Campo. Poro [sem editora] . p.1

7


04. Fez Marrocos

19|20


PAISAGEM FERIDA

Uma sociedade que se urbaniza, vastos territórios despovoados e envelhecidos, ruínas em abandono, mas também novas construções novas modos de vida, novas marcas, são elementos de referência de uma nova realidade. O conceito tradicional de paisagem em geografia corresponde, efectivamente, a uma situação em que os modos de vida rurais tradicionais tinham uma importância culminante nos processos de “construção de paisagens”. A perda dessa estabilidade constitui uma situação de tensão enunciada por Álvaro Domingues por “degradação ou descaracterização das paisagens”, explicado pelas mudanças sociais, nos modos de apropriação e nos usos de um determinado território. “A paisagem tradicional era avaliada como uma situação de equilíbrio, de harmonia e de durabilidade entre as condições do meio físico e a sua apropriação por um determinado modo de vida a que estavam associados técnicas específicas, valores, práticas, simbologias, etc. A violência da mudança pode traduzir-se numa “crise da paisagem”, como património ameaçado, como referencial de identidade perdida, ou como empobrecimento cultural.”

8

Um dos exemplos de transformação de um vasto território é a área envolvente ao Rio Guadiana, que na procura de responder ás necessidades de uma população tradicional rural, viu-se modificada pela construção de uma barragem que deu origem ao maior lago artificial da Europa. Actualmente esta esta área é acompanhada pela reconstrução do seu território e encontra-se em fase de adaptação a esta nova realidade. Nos anos 50 surgiram os primeiros estudos e em Fevereiro de 2002 as obras do paredão foram dadas como terminadas dando-se o fecho das comportas que vieram encher a grande albufeira. Contudo, o tema mais polémico que esteve presente desde o inicio desta intervenção estava relacionado com a Aldeia da Luz, que submergiu com as águas da imensa baia.

8| Domingues, Álvaro. A paisagem Revisitada . [sem editora] . 2001. p.59


PAISAGEM FERIDA

Podemos também relacionar com outros acontecimentos por esse território fora. Por exemplo uma jazida de mármore pode ser muito mais interessante do que se imagina, são lugares fracturados pelo homem, que nos proporcionam uma nova interpretação do lugar. Como que se de uma ferida se tratasse da qual procuramos dar significado, estas feridas podem ser tratadas ou trabalhadas como forma de conseguirem ter uma leitura de cicatriz ou mesmo trata-las, como se houvesse uma cura para elas. Em Carrara, Itália o homem fracturou as montanhas, na procura e extração da pedra ou em Fez, Marrocos onde os tanques se relacionam com as habitações envolventes. Outros conceitos poderão associados arquitéctonicamente a esse sentido de fractura, tais como a arquitctura escavada, mas que no fim terão a mesma interpretação, que é o tratamento e a incorporação de algo no lugar do qual lhe devemos dar o devido valor. O pinheiro tem a cicatriz á vista e, mesmo quando se retira o corte, a cicatriz mantem-se. Existem feridas que podem ser tratadas e que se pode reestabelecer a ordem anterior, se essa ordem for a melhor e se assim se quiser fazer lembrar. Existem feridas em que a nova ordem se sobrepõe. O caso das Salinas de Rio Maior é uma ferida que está em função. Ela é útil e, a forma como é tratada pelo homem mostra a sua importância e empenho.

21|22


EXPERIÊNCIA E SENSAÇÃO DO LUGAR


05. Cabana em Todtnauberg. Martin Heidegger

23|24


GENIUS LOCI . RECONHECIMENTO DO POTENCIAL DO LUGAR COMO BASE DE INTERVENÇÃO HEIDEGGER

O lugar pode ser reconhecido desde as sensações imediatas às sensações mais profundas, todas elas transmitidas pelo espaço físico. Lugar é sinónimo de espaço ocupado por um corpo, de sitio, local do qual lhe devemos dar o seu real valor e analisar as suas principais características quer em termos de localização geográfica de topografia, geologia, quer em termos de relação sensorial, quer em termos de relação simbólica ou de memória em relação ao homem. E com base nessa análise mais racional, onde existiram outras mais fenomológicas do qual vários autores se debruçaram em teorias na forma de reconhecer a potencialidade do lugar ou atribuir-lhe o carácter devido . 9

Christian Norberg-Schulz inspirou-se nas ideias do filósofo alemão Martin Heidegger, baseando-se essencialmente no ensaio “Construir, habitar, pensar” onde a “essência do 9

Homem é a sua existência” . Heidegger aborda o lugar, como um lugar que pressupõe o habitar para adquirir significado e sentido, um lugar onde se reúne “a terra, céu, seres mor10

tais e seres divinos” . Isto é o habitar a construção de um lugar em que esteja ligado com a natureza (céu e terra) e o homem. 10

Para Heidegger o Homem é na medida em que habita (...) Ser é estar sobre a terra. O objecto arquitectónico não vale por si só, é necessário estar integrado num espaço que faz com que surja o lugar, cada lugar é único e irrepetível. Os pensamentos de Heidegger estão muito relacionados com a sua cabana em Todtnauberg, na Floresta Negra, um pequeno refugio onde somos levados a pensar em como 11

podemos transformar um mero “alojar-se” em um autêntico “habitar”. O construir tem de estabelecer uma relação atenta com a natureza como com a memória dos nossos antepassados, dando-se uma inversão do tempo, onde a memória ocupa o lugar do futuro.

9| NORBERG-SCHULZ,Christian, Genius Loci: towards a phenomenology of architecture,1980. NY, Rizzoli 10| NESBBIT, Kate .Cit.20,Uma nova agenda para a arquitectura: antologia teórica (1965-1995).2008, São Paulo, CosacNaify.p.503 11| CLÉMENT, Elisabeth .Terramar, p.140


06. Salinas Fonte da Bica Rio Maior

25|26


GENIUS LOCI . RECONHECIMENTO DO POTENCIAL DO LUGAR COMO BASE DE INTERVENÇÃO NORBEG-SCHULZ

O diálogo das Termas de Sal com as salinas e a sua envolvente assume-se como elemento de relevância na concepção do projecto. Norberg-Schulz que na base do reconhecimento do lugar nos diz que cada lugar tem a sua identidade, isto é, segundo o teórico, o seu 12

“Genius Loci” ou espírito do lugar, permitindo reconhecer a realidade a enfrentar e, através da arquitectura, criar condições ideais para habitar através da produção de lugares significativos com o qual o objecto arquitectónico a projectar tem que dialogar. Para Louis Kahn, o Genius denota o que uma coisa é, ou o que ela quer ser. Já os antigos consideravam pertinente a relação do Genius com o lugar, tanto a nível psicológico como físico. Schulz na sua obra defende que tanto o mundo como o lugar são constituídos por elementos que nos transmitem significados e para o reconhecer do lugar, “o habitar significa muito 13

mais do que o abrigo, o habitar é estar em paz num lugar protegido”. E é esse um dos pontos catalisadores do lugar das Termas do Sal. A sensibilidade e o sossego que o lugar nos transmite enquanto as águas paradas das salinas cristalizam (ou fenómeno equivalente) o sal, o horizonte do vale a relação com os espaços agrícolas envolventes parece-nos um factor relevante a ter em medida na forma de reconhecer o potencial do lugar para o utilizador, podendo assim mais que usufruir das qualidades da água contemplar e inserir-se no meio envolvente. Segundo Norberg-Schulz a estruturação de um lugar independentemente de natural ou construído é dividido em duas categorais:” o espaço (terra) caracterizado pela organização tridimensional dos elementos que formam um lugar e o carácter (céu) analisadas pela 14

percepção e simbolismo”.

12| “Genius Loci é um conceito romano. De acordo com as crenças romanas qualque ser independente te o seu geniius, o seu espírito guardião. Este espìrito dà vida às pessoas e aos lugares, acompanha-os do nascimentos até á morte, e determina o seu carácter ou essência” NORBERG-SCHULZ, Christian, Genius Loci: towards a phenomenology of architecture,1980. NY, Rizzoli,pp.18 13| NORBERG-SCHULZ, Christian, Genius Loci: towards a phenomenology of architecture,1980. NY, Rizzoli,pp.5|6 14| NESBBIT, Kate . Uma nova agenda para a arquitectura: antologia teórica (1965-1995).2008, São Paulo, CosacNaify.Cit.20, p.443


GENIUS LOCI . RECONHECIMENTO DO POTENCIAL DO LUGAR COMO BASE DE INTERVENÇÃO NORBEG-SCHULZ

O espaço (terra), nesta estruturação, é o elemento mais estável, embora algumas de suas propriedades sejam suscetíveis a mudanças no decorrer do ano. O caráter (céu), o mais instável, é uma função do tempo, mudando com as estações sazonais, com o curso temporal diário e do clima. Segundo o autor, há cinco modos básicos para compreender o aspecto do lugar, natural ou construído, sejam eles: Elementos e Ordem cósmica (dados pelo elemento espaço: terra), Caráter, Luz e Tempo (dados pelo elemento caráter: céu). Todos esses modos são analisados segundo a percepção e o simbolismo.

27|28


07. Campos Agricolas. Rio Maior Autor Desconhecido


GENIUS LOCI . RECONHECIMENTO DO POTENCIAL DO LUGAR COMO BASE DE INTERVENÇÃO

15

Heidegger afirma que “os espaços recebem a essência dos lugares e não do espaço” e a “ 16

fronteira não é aquilo onde algo começa a fazer-se presente” ou seja as fronteiras do espaço construído são o chão, a parede e o tecto, e estruturalmente semelhante as fronteiras da paisagem são o solo, o horizonte e o céu. Sendo estas semelhanças estruturais importantes na compreensão das relações entre lugares e lugares feitos pelo homem. A caracterização do espaço pelas suas características morfológicas, tais como os caminhos as ligações com o lugar, a sua topografia, a sua orientação solar e a relação entre o sitio e a sua envolvente. Para Schulz todos os lugares possuem um carácter uma qualidade especial. Do qual pode variar em função do tempo, (ou seja consoante as estações, o decorrer do dia e as condições meteorológicas), sendo determinado pela constituição material e formal do lugar, de modo que, no caso das Termas do Sal o lugar é caracterizado intensamente pelos muros de pedra característica do lugar e construções típicas em madeira associadas ás salinas onde se armazena e limpa o sal recolhido das salinas com os utensílios característicos em madeira, associados a essas mesmas construções. A estrutura do lugar é associada á região, paisagem, assentamentos e ou construções, são com base nestes elementos que se descodifica alguns dos potenciais factores do lugar para a concepção das Termas. “O propósito existencial do construir [arquitectura] é fazer um sítio tornar-se num lugar, isto 17

é, revelar os significados presentes de modo latente no ambiente dado”. As salinas são um fenómeno qualitativo total, em que não se pode reduzir a nenhuma das suas propriedades sem que se perca de vista a sua “natureza concreta”, a natureza que forma na totalidade um lugar que de acordo com as circunstâncias locais, possui uma “identidade peculiar” do qual podemos usufruir.

15| NORBERG-SCHULZ, Christian. Genius Loci , 1984, p.6 16| HEIDEGGER, Martin . Construir, Habitar, Pensar,(In: Poetry, Language, Thought),1971New York, Harper Colophon Books 17| NORBERG-SCHULZ, Christian. Genius Loci , 1984, p.10

29|30


08. Villa Mairea Alvar Aalto


GENIUS LOCI . RECONHECIMENTO DO POTENCIAL DO LUGAR COMO BASE DE INTERVENÇÃO Regionalismo Crítico

Na base do “regionalismo”, o lugar é enfatizado como região que configura uma unidade cultura. No entanto destaca-se que o regionalismo critico não é “uma evocação simplista de um vernacular sentimental ou irónico”, mas sim uma expressão dialética que procura “desconstruir o modernismo universal a partir de imagens e valores localmente cultivados”. Kenneth Frampton, defende que o “regionalismo critico” é uma eminente forma de pensar a arquitectura e criticando a modernização, mas “negando a abandonar os aspectos liber18

tadores e progressistas do legado da arquitectura moderna.” A relação entre arquitectura e lugar estabelecesse através da abordagem regionais, através do trabalho da topografia do terreno, a noção de construir o lugar é evidenciada na obra de Louis Kahn e Alvar Aalto. Também a luz o clima da região, o artesanato e os materiais locais são apstecos igaulmente importantes. Para Frampton usando as caracterisitcas locais, caminha-se para uma 19

“arquitectura mais espacial e experimental do que orientada para a imagem.” Sendo que ainda que essa forma de intervir seja “baseada nas práticas construtivas regionais é mais correcta do ponto de vista ecológico, além de diferenciadora do ponto de vista estético.”

20

O regionalismo critico empenha-se em cultivar uma cultura contemporânea orientada para o lugar, sem se converter em algo excessivamente fechado, tanto a nível formal como tecnológico. Frampton define algumas características que ajudam a definir o Regionalismo crítico, e uma delas vai no mesmo sentido de uma afirmação de Álvaro Siza: "Enquanto se opõe à simulação sentimental do vernáculo local, em certos momentos o Regionalismo crítico vai inserir elementos vernáculos reinterpretados como episódios disjuntivos dentro do todo."

18| FRAMPTON, Kenneth - História Crítica da Arquitectura Moderna.Editoria Gustavo Gili, 1996. P.318 19| NESBBIT, Kate – Cit.20, p.503 20| NESBBIT, Kate – Cit.20, p.506 21| NESBBIT, Kate – Cit.20, p.503

31|32

21


09. Casa da Cascata. Frank Lloyd Wright


GENIUS LOCI . RECONHECIMENTO DO POTENCIAL DO LUGAR COMO BASE DE INTERVENÇÃO Montaner

De acordo com Josep Maria Montaner, os Contextualistas Culturais procuram na tradição do lugar os valores que orientam a sua produção: são os contextualistas que começam a entender o “espirito do lugar” ( Genius Loci) como ponto de partida para a criação projectual. Foram influenciados pelas teorias de Ernesto Nathan Rogers, Aldo Rossi, Norber-Schulz, e têm relação com o conceito de “Regionalismo Critico” de Kenneth Frampton. O contextualismo surge com Colin Rowe, em 1970, e aparece como resultado do urbanismo moderno. Este movimento “preconizou a necessidade de por fim á destruição das 22

áreas do centro da cidade em consequência a novas edificações”.

Umas das ideias mais importantes que o contextualismo defende é que “os espaços urbanos sólidos (volumes dos edifícios) e os espaços urbanos vazios (rua e praça) podem ser figurativos”. Para os contextualistas o evidenciar da importância dos espaços públicos, conduziria à criação do carácter da cidade, também o “edifício diferenciado, resume o ideal 23

e o circunstancial,” modificando as condições do local e conciliando muitas das influências sem perder a capacidade que o objecto tem em evocar no observador, uma determinada imagem, que pode ser dominada como um misto de legibilidade e visibilidade. Em suma, o contextualismo propõe” um meio-termo entre um passado irrealista congelado, que não admite nenhum desenvolvimento, e a renovação urbana que destrói toda a estru24

tura da cidade” , ou seja propõe uma mediação urbana entre o novo e o velho, entre a tradição e a modernidade. Montaner, evidência o recuperar do valor e significado ao lugar, do qual a base da cultura organicista desenvolvida muito pela obra de Frank Loyd Wright e em vários arquitectos nórdicos como Alvar Aalto, que introduziram com força a relação da arquitectura com o lugar.

22| Montaner, Joseph Maria, Introduccion a la arquitectura. Conceptos fundamentales.2000, Barcelona, Editorial UPC 23| NESBBIT, Kate – Cit.20, Uma nova agenda para a arquitectura: antologia teórica (1965-1995).2008, São Paulo, CosacNaify.p.323 24| NESBBIT, Kate – Cit.20, Uma nova agenda para a arquitectura: antologia teórica (1965-1995).2008, São Paulo, CosacNaify. p.323

33|34


GENIUS LOCI . RECONHECIMENTO DO POTENCIAL DO LUGAR COMO BASE DE INTERVENÇÃO

Montaner defende que foi com a corrente do New Empirism nórdico, que surgiu nos anos que se consolidou a postura de respeito em relação ao lugar, clima, topografia, materiais, paisagem e de insistência nos valores psicológicos da percepção da envolvência. Por outro lado, refere, que “a revalorização da ideia de lugar estaria estreitamente relacionada com o início da recuperação da história e da memória, valores que o espaço do estilo internacional ou anti-espaço rejeitava.”

25

A forma como abordamos o lugar requer uma relação de continuidade ou descontinuidade, onde todos estes teóricos nos referenciam traços de genius locci na medida em que as Termas do Sal se inserem numa estrutura existente. Estrutura essa feita pelo homem e que se encontra em ferida, rotura . No caso das salinas de Rio maior devido a exploração da paisagem existe a ferida do qual se quebrou a continuidade com a estrutura, que em si mesma é rotura. Pretendendo-se com que a intervenção integre uma continuidade com a estrutura existente, mas que em si mesma é uma rotura. Para inserir nessa estrutura apoiamo-nos em elementos locais como topografia materiais semelhantes de traços Frank Loyd wright interseta um jogo de planos na obra da Casa da Cascata do qual interseta o rio que ao seu lado passa ou como Alvaro Aalto trabalha e conjuga os materiais em madeira na sua obra de Ville Marie que lhe auferem uma relação de entrosamento com o lugar e serenidade.

25| HEIDEGGER, Martin . Construir, Habitar, Pensar


A POÉTICA E O LUGAR.

26

“Um estado de alma é uma paisagem”, há em nós um espaço interior onde a matéria da nossa vida física e sentimental se agita. Nas Termas do Sal, mais do que a relação do edifício com o lugar, torna-se essencial a forma como o utilizador estimula as suas memórias no edifício. Recorrendo á fenomenologia, que nos transmite a reflexão acerca do potencial do espaço poético, o espaço da sensibilidade, uma fenomenologia da imaginação, entendendo o surgimento da imagem poética na imaginação individual e como ela pode, sendo individual, ter imediata representação para a subjetividade de outros indivíduos. Para Bachelard o seu objecto de imaginação é a casa, é o lugar que temos mais íntimo, que nos dá uma sensação de conforto e de segurança que nenhum outro lugar consegue. “É o nosso canto do mundo. (…) abriga o devaneio, (…) protege o sonhador, (…) permite 27

sonhar em paz,” ela seria o lugar primeiro do homem, o seu lugar de referência do qual dentro dela pode existir um lugar especial, um lugar onde gostemos mais de estar que 28

qualquer outro. A casa “é um corpo de imagens”, e organizar esse corpo de imagens, pode-se fazer mediante dois movimentos psíquicos: um eixo vertical subida e descida do (sótão ao porão ou do porão ao sótão) é um eixo que está ligado ao centro, “uma consciência de centralidade”, um sentimento de pertencimento ao lugar que habita os lugares preferidos na casa dos sonhos que ficaram retidos na memória. O eixo da verticalidade, o olho, ao observar a construção física da casa, analisará as vigas, as inclinações do telhado, racionalizará a respeito da segurança que esses elementos oferecem. Já na ação de descer até o porão, por mais que o homem tente dar uma função aos cantos e espaços do porão, ele reforça, mesmo sem querer, “a irracionalidade das profundezas”.

29

26| PESSOA, Fernando . Livro o Desassossego. pp. 27| BACHELARD, Gaston, A poética do espaço, pp. 24-26 28| BACHELARD, Gaston, A poética do espaço, pp. 365 29| Ibidem.pp. 365

35|36


A POÉTICA E O LUGAR

A ambiguidade da verticalidade lembra ao homem que, “No sótão, a experiência do dia pode sempre apagar os medos da noite. No porão, há escuridão dia e noite. Mesmo com uma vela na mão, o homem vê as sombras dançarem na muralha negra do porão”

30

É no porão que a mente se relaciona também com a matéria da profundidade, a água subterrânea, porque, de acordo com Gaston Bachelard, o elemento água é o mais feminino e também o mais misterioso de todos os outros elementos, entretanto, ele é o mais simples, o mais simplificado. A água está relacionada ao princípio criador, é ela quem recebe, no seio, a terra, que constrói imagens de intimidade, de brandura, de doçura, de cura, mas também de violência, agressividade, a água negra, dormente, como na poética de Edgar Poe ou na poética de Henri Bosco, na obra L’Antiquaire, da qual Bosco mostra a malignidade e também as substâncias que garantem a vida. Porão ou sótão, a casa faz imaginar a intimidade nos seus múltiplos “centros de simplicidade” . Simplicidade que não existe nos palácios, pontua Baudelaire, porque, nos palácios, “não há nenhum lugar para intimidade”.

31

Mas essa crítica de Baudelaire, adverte

Bachelard, pode ser uma racionalização, o que faz com que a imagem não alcance uma primitividade, impossibilitando um onirismo, pois “as grandes imagens têm ao mesmo tempo uma história e uma pré-história. São sempre lembrança e lenda ao mesmo tempo. Nunca se vive a imagem em primeira infância.”

32

Nas Termas do Sal os espaços pretendem-se que criam afinidade com os utilizadores os recantos mais ou menos abertos a relação dos materiais que nos transportam a memória do tosco, a relação da água na forma como ela se dispõe no espaço, da madeira que nos remete a memória dos equipamentos dos marenotos trabalhados manualmento serão elementos estimulantes de simplicidade remetidos pelas memórias de um lugar sem o seu génio estimulante. As memórias não se situam no tempo, mas em espaços. Esses espaços têm a função de “conter” determinado tempo. Eis a importância do espaço para a memória e o devaneio. 30| BACHELARD, Gaston, A poética do espaço, pp. 367 31| BACHELARD, Gaston, A poética do espaço, pp. 370 32| BACHELARD, Gaston, A poética do espaço, pp. 374


10. La Condition Humaine. RenĂŠ Magritte

37|38


A POÉTICA E O LUGAR. A EXPERIÊNCIA DO ESPAÇO

A composição do espaço na forma como o interpretamos designa-se como meio essencial na criação de memórias e recriação das mesmas. Nas Termas do Sal a forma como damos a conhecer os espaços específicos de cada tipo de tratamentos e de espaços de relaxamento, conhecimento e degustação de produtos locais, procuram-se que contenham um elevado grau de intensidade na estimulação do utilizador. Essa ligação estabelece-se través da riqueza da composição do espaço em termos da sua tensão, elevação, rotação, extensão. A forma como o utilizador habita o espaço e esse espaço nos oferece uma determinada paisagem ou a luz que nos levará a essa paisagem serão então esses elementos essenciais na concepção projectual. “O Mundo é um prolongamento do homem, há uma relação do corpo com os objectos, há 33

uma união do corpo em movimento que traduz o ritmo do mundo”.

É através da deambulação que o homem percebe o espaço, o vazio, que consiste no afastamento do objectos mais ou menos próximos. O utilizador é quase que incentivado a ir á descoberta do espaço, do seu uso, a reacção é intuitiva de memória do corpo, uma forma de mapear o edifício com os sentidos. A arquitectura das Termas, portanto, pretende-se que seja a criação de espaço de acordo com as formas ideais de intuição humana de espaço. As características programáticas condicionam o caracter do edifício, tal como Bachelard nos diz, “num espaço religioso o objectivo passa por criar um espaço que nos remeta para o transcendente, divino, enquanto que para o sentimento de existência, num espaço doméstico pretende-se que se crie um sentimento de intimidade e segurança.”

33| MARLEAU-PONTY. O olho e o Espiríto. 34| PALLASMA, Juhani. Los ojos de la piel. pp.67

34


11. Open Door. Michelle Basic Hendry

39|40


A POÉTICA E O LUGAR. A EXPERIÊNCIA DO ESPAÇO

O movimento pelo espaço, pretende-se que não seja linear, mas sim que haja momentos de paragem, de aceleração, de deambulação ou contemplação. O percurso é comandado 35

a partir do que se vê e do que se oculta ao estimular a espectativa de quem o percorre. Os espaços comprimidos, os corredores, rampas apontam-nos para o caminho a percorrer, de um espaço de passagem, para um espaço de estar. As rampas ou escadas são elementos que para além de possibilitar a comunicação dos espaços seguintes, imprimem um ritmo ao utilizador deambulante no caso das escadas, e no caso da rampa proporcionam momentos mais fluídos. A janela num edifício tem como finalidade a ventilação e entrada de luz e ainda serve como um limite físico, mas não visual. É o mediador de ruptura entre um aqui que contempla um ali. Isto só é possível com a profundidade, com a distância entre o observador e o que é observado. Como que se um apontamento ou uma sugestão de vista sob a paisagem. Isto é as aberturas, molduras para a paisagem, dos olhos da casa. Segundo Corbusier “na arquitectura é necessário equilibrar os limites na relação com o exterior, os vazios têm de se relacionar com o programa dos espaços, pois se isso não acontecer não irá existir o factor surpresa no utilizador, não nos podemos surpreender se 36

as coisas são todas iguais ou todas diferentes”.

Mais do que criar o funcional, as Termas do Sal levam o utilizador a diambular a procurar as aberturas que o levam ao exterior, a abrir os espaços para descobrir o seu interior e esse jogo de volumes pelo qual se dispoem o programa criará estimulação e marca momentos ao longo da sua exploração e vivência.

35| PALLASMA,Juhani. Los ojos de la piel. pp.6 36| CORBUSIER, Le. Voyage dórient, Carnet,pp.102-104


12. A cidade do Envolvimento Sensorial Peter Bruegel. 1560

41|42


O ESTIMULO DOS SENTIDOS. EXPERIÊNCIA MULTISSENSORIAL

O apelar ou despertar dos sentidos na vivência dos espaços será parte fundamental na concepção arquitectónica da obra das Termas. O corpo humano funciona como agregador de sentidos e as termas como catalisador de sensações. E a sua junção criaram um entendimento dual de experiência multissensorial. A procura da experiência, pelas qualidades terapêuticas, leva-nos à utilização dos sentidos para nos proporcionar reações, sentimentos, aspectos mais psicológicos e de bem-estar. É a partir desta experiência que conseguimos sensibilizar o utilizador a viver e usufruir da obra, dos espaços, do produto neste caso a água e as suas propriedades minerais. “Um passeio na floresta é revigorante e saudável graças à interação constante de todas as 37

modalidades de sentidos;” Bachelard fala da” polifonia dos sentidos”. Os olhos colaboram com o corpo e os demais sentidos. Os nossos sentidos na realidade são reforçados e articulados por essa interação constante. A arquitectura é, em ultima análise, uma extensão da natureza na esfera antropogénica, fornecendo as bases para a precepção e o horizonte da experimentação e compreensão do mundo. (...). Ela concretiza o ciclo do ano, o percurso do sol e o passar das horas do dia.”

38

O percorrer do edifício pelas diferentes caracteristicas dos espaços termais estimulam o visitante e criam experiências sensoriais que se integram por meio do corpo, ou melhor, na própria constituição do corpo e no modo humano de ser, não apenas através da visão, ou dos cinco sentidos clássicos, mas também envolve outras esferas da experiência sensorial que interagem e fundem entre si. Esferas essas como a atmosfera, que está intimamente ligado á forma como o corpo e a mente se sentem nos espaços. O ambiente, a disposição do espaço construído comunica com os utilizadores, visitantes das Termas do Sal, a atmosfera comunica com a nossa percepção emocional, isto é, a percepção que funciona de forma instintiva e que o ser humano possui para sobreviver.

37| PALLASMA,Juhani. Los ojos de la piel. pp.39 38| ZUMTHOR, Peter. Atmosferas. pp.


13. Herbert Bayer. O Metropolitano solitรกrio

43|44


O ESTIMULO DOS SENTIDOS. A FUSÃO DA VISÃO COM A TATILIDADE

Nas culturas tradicionais o vinculo do conhecimento tátil do corpo encontra-se intimamente ligado em vez da visão e a sua conceitualização. A arquitectura termal pretende unificar os aspectos terapêuticos, com a cultura, com aspectos sociais e de lugar. A pele é considerada o maior órgão do corpo humano e em todos os seus pontos tem a capacidade de sentir na sua totalidade. Tal como Pallasma nos diz, “Numa catedral, é difícil para mim sentir a arquitectura como um todo. As janelas, os rendilhados do tecto, a proporção dos pilares, tudo isso é perdido. Apenas consigo ter uns minutos a explorar com os dedos os detalhes cravados nas telas, ou passar as palmas das minhas mãos sobre a rugosidade da pedra, sentindo as diferentes texturas e temperaturas, algo muito vivido que é recuperado. Não me posso contentar apenas em andar sobre o chão, tenho de me baixar e explorar os ladrilhos ou as filas dos degraus de pedra com os dedos. É isso que me dá 39

uma sensação de conhecimento do real”. A experiência da arquitectura traz o edifício para um contacto extremamente íntimo com o corpo. Os processos terapêuticos nas Termas do Sal terão uma relação entre a água, sal e corpo. Processos dos quais se destacam o manilúvio (zona termal de mãos) e o pedilúvio (zona termal dos pés) além de todos os outros banhos, em que o principal receptor e sensor das propriedades e qualidades da água será a pele. Haverá uma clara ligação entre a visão e sensação táctil. A visão e o tacto se fundem em uma experiência real vivenciada. O tacto é o sentido que torna a visão real: permite-nos ter acesso à informação tridimensional de corpos materiais dando-nos informações sobre a textura, o peso, a densidade e a temperatura.

39| PALLASMAA, Juhani - Os Olhos da Pele. 2011, p.57


14. Sala de halรณterapia. Grutas de Salgema Polรณnia

45|46


O ESTIMULO DOS SENTIDOS. O ESPAÇO OLFATIVO

Os estímulos olfativos participam na vivência da arquitetura e no caso das termas participa também sob forma terapêutica para o utilizador. Estes podem ser provenientes dos materiais de construção (naturais e artificiais), da vegetação (aromática ou não), e dos aromas sintéticos, usados na obra arquitetónica, bem como os decorrentes do programa, ou seja, da atividade que se desenrola em cada espaço. Existem, portanto, na história da arquitetura, exemplos que, de forma deliberada ou não, imprimem no cérebro do utilizador fortes “imagens olfativas”.

40

Alguma arquitetura contemporânea continua hoje em dia a adotar o uso desse tipo de materiais, obtendo assim ambientes olfativos semelhantes aos da arquitetura do passado. É o caso da Casa em Vale de Jade, do arquiteto Qingyun Ma, cujas paredes, tetos e pavimentos, são feitos de placas de bambu envernizado que, devido à sua enorme presença, de certo modo contribui olfativamente para o caráter arquitetónico dos espaços. “Um cheiro particular faz-nos inconscientemente reentrar num espaço completamente esquecido pela memória óptica, as narinas acordam a imagem esquecida, e nós somos atraídos a entrar num devaneio vivido. o nariz faz os olhos relembrarem.”

41

Essa relação

nas termas levar-nos à interpretação ou recriação das grutas de salgema, onde o ar aromático salgado que se respira no seu interior é usado como meio terapêutico psicológico e de várias patologias a nível pulmonar e respiratório. Ou até mesmo à sensação da brisa do mar num lugar em que só o inspirar nos interessa, fechamos os olhos, e a nossa 42

imaginação leva-nos a outros sítios, a outras memórias. “E quando sonhamos acordados.” Vários são os casos deste tipo de ideias na construção, também Jacques Herzog, comenta o efeito que os cheiros têm sobre as pessoas a nível emocional e da leitura do espaço, refere a importância dos “perfumes “dos materiais usados na construção em vários obras.

40| ZUMTHOR, Peter - entrevista in “Berlage Papers 22”. p. 2 . 41| PALLASMAA, Juhani - Os Olhos da Pele. p. 51 42| HALOTERAPIA , Processo terapéutico em que consiste no respirar ar de um compartimento forrado construido a partir do sal.


15. Termas de Vals. Peter Zumthor

47|48


O ESTIMULO DOS SENTIDOS. O SOM DO ESPAÇO

O som interior dos espaços permite-nos atingir uma tranquilidade que é silenciada pela materialide . Cada espaço funciona como um instrumento grande, colecciona, amplia e transmite os sons. Isso tem a ver com a sua forma, com a superfície dos materiais e com a maneira como estes estão fixos. Existem também os ruídos que fazem parte de um certo espaço, da sua vivência, da sua ocupação e do que se desenrola nele. Se retirarmos todos os sons estranhos a este edifício, imaginando que já nada provoca uma emoção, o edifício soa na mesma, mesmo sem emoção. “Acho muito bonito construir um edifício e pensá-lo a partir do silêncio. Ou seja, fazê-lo calmo, o que hoje em dia é bastante difícil, porque o nosso 43

mundo é tão barulhento.” Para Zumthor existem edifícios com um som maravilhoso, nos quais se sente em boas mãos e não sozinho. “O reflexo vivo do eco e do re-eco dentro de uma catedral aumenta a nossa consciência de vastidão, geometria e material do seu espaço. Imagine o mesmo espaço com uma carpete e acusticamente macio… uma dimensão espacial e experiencial da arquitectura é perdida. Podemos redefinir o espaço desviando a nossa atenção do visual até como ele é moldado pelos sons ressonantes, 44

vibrações de materiais e texturas.” Normalmente, não estamos conscientes do significado da audição numa experiencia espacial, embora muitos sons fornecem-nos um continuum temporal em que as impressões visuais estão inseridas. Cada edifício ou espaço tem o seu som característico de intimidade ou monumentalidade, convite ou rejeição, hospitalidade ou hostilidade.

43| ZUMTHOR, Peter - Atmosferas. Gustavo Gilli. Barcelona 22”. p. 17 . 44| ZUMTHOR, Peter - Atmosferas. Gustavo Gilli. Barcelona 22”. p.16


16. Rudas Thermal Baths . Itรกlia

49|50


O ESTIMULO DOS SENTIDOS. LUZ E ATMOSFERA

45

“A luz é o mais bonito, o mais rico e o mais luxuoso dos materiais utilizados.” E a forma como a usamos, proporciona-nos atmosferas fundamentais na vivência dos espaços. Mais do que ter espaços de tratamentos funcionais há que requerer a capacidade de esses espaços nos comover profundamente. A atmosfera é algo que nos espaços provocam-nos algo mais, tal como em Zumthor nas Termas de Vals, a criação da atmosfera relaxada, serena e meditativa. Como referência, inspira-nos as termas de Rudas em Budapeste, “os rios de luz que caiam através das aberturas do céu estrelado da cúpula iluminam a sala que não pode ser mais perfeita para os banhos: a água em bacias de pedra, o vapor a subir, os luminosos raios de luz na semi-escuridão, uma atmosfera calma e relaxada, salas que desvanecem nas sombras, pode-se ouvir todos os diferentes sons da água, pode-se 46

ouvir as salas a ecoar.” Nesta imagem há algo sereno, primitivo, meditativo que é absolutamente encantador. E são estas atmosferas sensoriais do qual fortalecem a relação do utilizador com o espaço, com a água e com o seu estado de espirito. A luz revela a forma, a cor, a beleza, a superfície, a textura. Constrói a percepção subjectiva e individual e define uma imagem. A luz determina limites visuais e proclama uma percepção de escala diferente para cada individuo. A luz permite a definição de envolvente, do invisível e do audível, mudando a percepção do espaço que a contem. A ausência da luz, escuridão ou penumbra, são elementos transformados em espaço. Esta ausência dá sentido ao espaço, pois a sombra possibilita o mistério. A sombra define o contorno dos objectos, sendo essencial para a percepção do espaço. Essas sensações num processo de terapia funcionam de forma intensa com o utilizador e já advém de ao longo dos tempos na história das termas a função da luz e sombras nas termas.

45| CAMPO BAEZA, Alberto . la ideia construida. Gustavo Gilli Barcelona pp 46| ZUMTHOR, Peter. Atmosferas. Gustavo Gilli. Barcelona pp.61


17.JungbrunnenGemälde Lucas Cranach

51|52


O ACTO DO BANHO

A experiência está ligada de forma intensa à vida, ao homem. É com base nele que a arquitectura existe e se exprime. Assim sendo torna-se totalmente relevante enquadrar a arquitectura e o homem no contexto que o vai envolver, ou seja, a água e o culto do banho. Vitrúvio no seu livro sobre as águas enuncia de forma detalhada as propriedades das diferentes águas e os seus efeitos no corpo físico e mental do homem. “A água é o requisito principal para a vida, para a felicidade e para o uso diário.”

47

As fontes, nascentes ou qualquer outro local de onde elas provêm são um factor a ter em conta. Vitrúvio no seu livro refere várias tipologias como o laconium (sauna) e frigidarium (banho frio) entre outros, e consoante a característica da água classifica a sua tipologia. Tal como nos é referenciado essas fontes ou lugares do qual nasciam essas águas, posteriormente passaram a ser lugares sagrados, que passavam a ser visitados por habitantes locais e peregrinos. “O Culto da água torna-se então motivo de viagem.”

48

Ao longo da história a água é referenciada desde o simbolismo do baptismo às variadas religiões, mas também era associada à higiene corporal, aos banhos públicos e à hidroter49

apia.

No inicio do século XIX a cultura balnear e de higiéne corporal modifica-se. Os pensadores iluministas reconheciam a importância de uma população saudável e da prática do exercício físico, de forma a combater a industrialização da qual ocorreram problemas como o abandono rural pelas pessoas que procuraram melhores condições de vida e que por sua vez resultou num grande aumento de população em cidades que não estavam preparadas para receber tantas pessoas.

47| VITRUVIUS .trad. Morris H. Morgan. The Ten Books on Architecture, p.226 48| PROVIDÊNCIA, Paulo, Arquitectura da Estação Termal no séc. XIX. p.17 49|Tratamento obtido pela água através das suas diferentes formas e temperaturas, no qual o indíviduo consegue diferentes reacções nervosas, circulatórias e térmicas que estimulam a saúde corporal e o prazer.


18. The Baths of Caracalla AlmaTadema Lawrence

53|54


O ACTO DO BANHO

“As termas, de locais de cura restrita passam a locais de cura climatérica, um eufemismo 50

para férias”. Se em outros tempos os edifícios e espaços termais eram lugares de encontro entre aristocratas e burgueses, passou a ser encarado como um bem essencial comum a todos de forma regular e como meio de prevenir doenças e proporcionar o bem-estar. A necessidade de o homem se distanciar do movimento citadino, a irreversibilidade da industrialização, levou a uma procura de experiência de novos espaços e do tempo. O desenvolvimento das comunicações segundo as ideias dos iluministas de finais do século XVIII trouxeram a noção de bem-estar associado à viagem, à fuga da rotina diária. Os lugares termais proporcionam, portanto, a necessidade da valorização do homem e a experiência. Os espaços dos banhos integram-se assim na tipologia descrita por Focault, ”lugares que não são nem os do quotidiano não sendo, no entanto, lugares sem lugar”.

51

A experiência termal faz-se a partir do sentir, da realização pessoal, a sua essência ocorre como processo representativo de uma “sociedade perfeita no seu ócio, no meio ambiente perfeito 52, o espaço da sensação e da educação do sentimento, o espaço de imaginação poética e da representação social, o espaço da saúde do exercício (moderado), o espaço do vestir, de passeio, o espaço da gruta, do contacto com a terra e da fonte, da visibilidade e da paisagem, do conforto, do acesso difícil, da paisagem sublime, do pôr-do-sol ...”

53

Desta forma as Termas do Sal serviram como meio introdutor na vida humana, a experiência e prespectiva sensorial, que nos estimule a memória e crie ligações com o passado, aliado à natureza do lugar e às qualidades terapêuticas da água. É na relação termal que, na arquitectura ou nos espaços dedicados aos banhos a experiência sensorial e espacial se conjuga.

50| VITRUVIUS .trad. Morris H. Morgan. The Ten Books Architecture. Artigo p.89 51| FOUCAULT, Michel, Representação e Experiência, p.114 52|Significa regulação de temperatura humidade e pressão nos espaços 53| PROVIDÊNCIA, Paulo, Representação e Experiência, p.117


O ACTO DO BANHO

O diálogo entre a paisagem, a arquitectura e a água constitui uma das principais visões e intervenções poéticas entre a natureza e os artefactos arquitectónicos, que intencionalmente ligados com a água, podem adquirir sentidos reais e imaginários. A poética da água na arquitectura pode ser entendida no sentido originário produtivo, nas suas distintas asserções: enquanto elemento vital, utilitário e terapêutico, como elemento estético-poético.

55|56


CASOS DE ESTUDO

Como complemento aos temas anteriores á que referenciar obras arquitectónicas onde se possa materializar e sentir a sua fundamentação desses mesmos conceitos e que se relacionem com o projecto proposto para as Salinas de Rio Maior. São então referênciadas três obras comtenporâneas cujo o seu programa envolve os banhos, água, paisagem, lugar, aspectos termais ou de lazer como sao o caso das Piscinas de Leça de Álvaro Siza, Termas de Vals de Peter Zumthor na Suiça , um país de valores arquitéctonicos semelhantes aos nossos e o Centro de Intepretação de Lanzarotte de Campo Baeza em Lanzarotte, sul de Espanha. Como exemplo programático de intepretação relacionada com a paisagem, tendo ainda a relacão com a salinas e a água analisemos o Centro de Intepretacão de Lanzarotte de Campo Baeza em Lanzarotte. A partir da análise e o seu entendimento das obras podemos então enquadrar e descrever a experiência espacial e contemplativa que nos coloca como parte fundamental da sua concepcção.


19. Planta e Alçado das Piscinas das Marés Álvaro Siza

57|58


PISCINAS DE MARÉS. ÁLVARO SIZA VIEIRA

Construídas por volta do mesmo tempo que a Casa de Chá da Boa Nova (1958-1963), localizadas a uma curta distância para sul, a piscina de marés de Leça da Palmeira é uma das obras mais visitadas de Álvaro Siza a partir da década de 1960. O projecto está situado ao longo da avenida costeira, a massa do edifício situada abaixo do nível da estrada para permitir uma vista desimpedida para o mar. O programa inclui duas piscinas, vestiários e um café. Devido a necessidade da preservação e conservação da paisagem e até mesmo ao limite de custos de construção, o projecto teve que ter uma cuidada inclusão no terreno existente devido à sua morfologia rochosa. A piscina para adultos encontra-se por baixo das paredes de betão armado que se prolongam até ao mar, acondicionadas sobre a topografia das formações rochosas. A partir desta relação piscinas - mar, o arquitecto consegue promover a ilusão da transição harmoniosa entre o homem e o natural, paisagem. De um lado encontra-se a piscina infantil, também de características idênticas embora com um gesto mais afirmado pelo aquitecto na forma como recolhe o mar com uma parede em betão curvilínea. Mas o fascínio destas piscinas, não se prende unicamente pelas piscinas em si. O acesso é feito através de uma rampa que conduz as pessoas para a cota mais baixa, que vai descendo gradualmente, ao mesmo tempo que se vai perdendo a vista do horizonte, entrando num labirinto de paredes de betão. As inspirações nos elementos específicos do lugar se convertem num ponto de partida do projeto. Para iniciar cada projeto, Siza trava um intenso diálogo com o lugar e os usuários. Diálogo esse que proporciona momentos e memórias, os edificios comunicam com a envolvente, espaços abertos, fechados que deixam entram o exterior ou que nos levam. Sendo estes alguns dos principais elementos base para a concepção e forma de pensar de algusn dos momentos do edificio das Termas.


20. Piscinas das MarĂŠs Siza Vieira

59|60


PISCINAS DE MARÉS. ÁLVARO SIZA VIEIRA

O presente caso de estudo torna-se relevante para o projeto das Termas no sentido em que a marcação e momento de chegada, tornam-se importantes para a interação com o utilizador, os muros que nos encaminham para o interiror e levamos como ultima imagem o horizonte . Tambèm a os momentos de tensão criados no seu inteiror em que os muros nos obrigam a deambular ou percorrer livremente os espaço fechando e abrindo pontualmente seguindo a luz dos recortes na cobertura.


21. Termas de Vals Peter Zumthor

61|62


TERMAS DE VALS . PETER ZUMTHOR

Numa pequena vila dos alpes suíços, mais propriamente em Vals situam-se as famosas Termas de Vals de Zumthor. Um local conhecido pela sua paisagem, pelas nascentes e pureza e qualidade da água. Vals sofreu uma grande evolução em termos de acessos á aldeia, nos finais do séc. XIX, que permitiram o desenvolvimento turístico do local. Apostou-se então na construção de uma unidade termal agregada a uma unidade hoteleira ja existente de forma a potencializar e desenvolver o local. Zumthor ganha o concurso em 1986 e o processo de concepção foi sendo descoberto, definido e discutido ao longo do tempo, passando por várias fazes. Uma dessas fases iniciais, passava por abrir a montanha e criar uma pedreira onde os blocos de pedra se mantivessem para serem escavados de modo a criar forma e a permitir a entrada de luz e essa estrita relação com a “ferida” ( nascente de água ) em si. A ideia consistia em criar um efeito monolitico mas devido a impossibilidades fisicas e técnicas procurou-se então outras altrenativas. Outras das questões era também a quantidade programática excessiva tendo em conta que queriamos um lugar para o descanso, relaxamento, intepretação do local, para a relação entre o corpo e a água do local e a paisagem. Tanto a topografia como a envolvente paisagística e a pedra escura tipica do local foram elementos marcantes no processo de desenvolvimento do conjunto termal. Todas estes elementos prendem -se muito com a investigação, com a história, com as relações com os mateirais e lugares do sitio. “Temos apenas de olhar para elas durante algum tempo para 54

as vermos”. Também os cheios e vazios a forma como se dispoem o programa são de salientar nesta obra como base para a realização e pensamento das Termas do Sal em que o cheio e vazio e o elemento regenerador do projecto.

54| ZUMTHOR, Peter .Vals and the History of the Bath, in Peter Zumthor:Therme Vals,p.180


22. Termas de Vals Peter Zumthor

63|64


TERMAS DE VALS . PETER ZUMTHOR

Zumthor, além do visual e sensasorial do lugar procura essencialmente uma inter relação com a arte, de forma visionária dos aspectos das memórias do lugar na tensão que nos possa demonstrar na relação com as obras quer de escultores como filósofos. Zumthor deixa-se conduzir por imagens ou modelos que sirvam de referência a um determinado espaço ou atmosfera que queira recriar. Tenta perceber o que significa o conjunto dessas imagens de modo a aprender como criar riqueza espacial e formal, atmosferas que provoquem algo mais. “Após algum tempo, o objecto que estou a desenhar absorve algumas qualidades das imagens que uso como modelos. Se eu encontrar uma forma significa55

tiva de interligar e sobrepor essas qualidades, o objecto assumirá profundidade e riqueza.” À parte desta, mais uma série de imagens fizeram parte do seu repertório de referências

que, de uma forma mais ou menos consciente, tiveram relevância para o desenho das Termas de Vals:

55|ZUMTHOR, Peter apud HAUSER, Sigrid, Vals and the History of the Bath, in Peter Zumthor:Therme Vals, p.180 [tradução livre]


23. Centro de Intepretação das Salinas de Lanzarotte Campo Baeza

65|66


CENTRO DE INTEPRETAÇÃO DA PAISAGEM NAS SALINAS DE JANUBIO. CAMPO BAEZA

O centro de intepretação da paisagem nas salinas de Janubio em Lanzarotte de Campo Baeza, encontra-se ainda em fase projecto, ou seja não está construido. Mas que de certa forma podemos retirar dele vários apontamentos e assinalar expressões que se enqua dram na análise para o pensamento e concepção das Termas de Sal. Localizado numa zona de encosta de frente para uma paisagem de textura e cor preta, devido à Picon (cinza ou lapilli) da ilha vulcânica, com o horizonte distante e o mar ao fundo, a oeste. E um anel natural de colinas que cercam uma área plana que se estende até o mar, com um lago de água salgada no centro, do qual essas minas de sal foram criadas no século passado. Dada esta paisagem das Salinas de Janubio em Lanzarote, Baeza propõe um volume preto, encastrado sobre as colinas, no centro. Um volume preto de betão feito de cinzas vulcânicas da ilha, completamente horizontal, a sua implantação parte de uma linha paralela ao horizonte ocidental distante do mar, onde o sol se põe a ocidente de forma a contemplar a paisagem lunar. Como resultado, para chegar ao Centro de Interpretacção da Paisagem devemos ir para baixo, "mergulhar" através de alguns furos que servem como entradas para o centro. Como se atravessase-mos uma porta horizontal. E, sob esse plano poderoso, localizada no ponto mais alto da paisagem, no centro, as funções solicitadas estão localizados. A partir da estrada, tanto como um ponto de referência, e ao mesmo tempo para esconder os carros e autocarros que visitam o lugar, propõe uma grande parede negra de pedra vulcânica, como se fosse um blusão como as golas levantadas em torno de minas de sal. E só quando se passa por esse muro com uma porta será desvendada a impressionante paisagem da Salinas, sublinhada pela grande plataforma preta.


24. Centro de Intepretação das Salinas de Lanzarotte Campo Baeza

67|68


CONCLUSÃO

Este trabalho é o resultado de um pensamento a sobre a identidade do lugar, sua interpretação e o modo de analisar o estado em que este se encontra. O tema base de toda a investigação passa por uma reflexão sobe “as fracturas”. Qualquer lugar com intervenção humana está fraturado, no entanto, há situações em que essas fracturas são tão expostas que os lugares se encontram em processo de descaracterização. No que diz respeito ao lugar em estudo essa fratura está relacionada com a deterioração que a acção humana sofreu. Ou seja, por necessidade humana foi construído um elemento que respondia a essa carência, por sua vez por questões económicas esse elemento alterador mas parte integrante da nova paisagem deixou de ter manutenção o que levou a que fosse considerado um elemento fraturante em ruina. As salinas de Rio Maior são esse elemento. Depois da investigação sobre o tema pretende-se dar um novo sentido e orientação de forma a criar um elemento de ligação entre a paisagem primária, o elemento construído por necessidade humana e a ruina que dele resultou. Essa nova orientação parte por enquadrar o espaço numa nova estratégia económica associada aos elementos naturais que o lugar oferece. A fratura é um trauma que o lugar sofre, mais ou menos violento mas que é sinónimo de um novo começo, de uma nova maneira de olhar para o lugar. Na sequencia sempre que deixa de haver continuidade na manutenção do novo elemento a longo prazo ir-se-á degradando e esbarra com a temática da ruina arquitectónica. A ruina é a prova real da existência de um passado, do desenvolvimento de acções humanas que foram fundamentais para o lugar. Quando assim é, quando a ruina assume um carácter expressivo e proporciona nostalgia, sensações é importante respeita-las e assumir que são o ideal de poesia da paisagem, que fazem parte de uma composição equilibrada porque são parte da paisagem. No caso das Salinas em questão as referencias arquitectónicas pressentes neste momento são um elemento integrante da paisagem. A sua estrutura e as suas edificações podem ser encarados como um espaço poeticamente ordenado, destacado da paisagem como elemento fraturante diferenciador e integrante da mesma. A sua relação com o homem e o lugar tornou-se tão natural que nos fascina.


CONCLUSÃO

Outro ponto fundamental na investigação que antecedeu o desenvolvimento do trabalho prático foi a relação da arquitectura e das fraturas com a paisagem. Assumiu-se que arquitectura é fratura mas há elementos que são muito mais fraturantes que outros. As salinas são um elemento que embora fraturante caracterizam o lugar. São o elemento referenciador de todo o espaço e por isso a abordagem que se deve ter perante um lugar assim é a de seguir vários critérios que não desvirtuem a “alma do lugar”. A requalificação de um lugar como as salinas só é possível se a intervenção passar por procurar uma arquitectura intimamente inserida no lugar , uma arquitectura de experiencia de relação do homem e o espaço sem nunca desvirtuarlizar a pré-existência. A fratura será sempre um elemento presente e parte integrante da paisagem, o modo como essa ruptura é explorada é que irá ser alterada valorizando-a, tornando-a mais coesa e vantajosa.

69|70


25.Salina de AĂąana Navarra


PROPOSTA

Inserido e apoiado por uma estrutura existente das salinas e de rotas envolventes ao lugar das Salinas de Rio Maior a implantação do edifício termas tem como fio condutor a ligação entre a paisagem, homem e lugar. A resolução da ferida com uma ferida. A partir da procura da experiência o homem percorre as rotas e o que de melhor elas lhe podem proporcionar desde a paisagem, contemplação, mas também á questão da saúde do corpo. E a melhor forma de estes temas se relacionarem é através dos banhos, a relação intima do corpo com a água e o lugar. Na criação de umas Termas torna-se preponderante relacionar os espaços com as qualidades terapêuticas ou de relaxamento. Tal como nas Piscinas de Leça o momento de chegada torna-se preponderante, na forma como sentimos o lugar. Inserido num percurso entre o vale da Serra de Aire e Candeeiros do qual se encontram as salinas marca nos o horizonte visto daquele lugar, entre o vale. Uma plataforma rendilhada ou ate mesmo quebrada em tanques de produção de sal. Um conjunto de lajes pousados sobre algo no seu interior e que cria. Uma referência as Salians de Añana situadas em Navarra e que do qual se dispõem pela encostas da aldeia e que os tanques das salinas apoiam sobre muros do qual depois eh recolhido o sal para secagem no interior desses muros. (foto25) A cota de visão cria-nos uma linha no horizonte por cima dessas lajes em que estimula o sujeito a visualizar e contemplar toda a sua envolvente. Sendo este um dos factores a ter em conta ao longo da sua concepção, controlando o sentido da visão controla-se também a interação dos visitantes no interior subjugando-os ás funções do espaço. A interioridade da proposta vai ao encontro da função na arquitectura termal, a forma como se habitam os espaços de terapia ou relaxamento requer-se intensa. A questão da interioridade da proposta vai ao encontro do pretendido para a forma de o habitar, não querendo encerrar totalmente o exterior, ma sim criar momentos de abertura pontual e de tensão com as salinas.

71|72


26. Caminhante sobre o mar de nĂŠvoa Caspar David Friedrich


PROPOSTA

O entrar na interioridade do edifício revela-se longo e fechado guiado entre muros do qual deixamos para trás a imagem da paisagem e horizonte da envolvente. A partir dai o projeto é desenvolvido através de espaços percorríeis entre volumes, através da presença de blocos de betão com aparência rude. Cheios e vazios como regeneradores de projecto. Eixos visuais são criados e é através destes que a luz entra no edifício, estas entradas de luz criam diferentes atmosferas durante o dia. A procura da luz natural na arquitectura cria para além de uma iluminação variável e atmosférica, uma ligação com o mundo exterior, mesmo quando a arquitectura tende a separar-se do exterior o sentido através do olhar estabelece essa ligação. O percorrer os espaços vazios entre os volumes seguindo a luz tal como na pintura de Guillermo Perez Villalta (foto27) o utilizador navega o interior do edifício através dos rasgos de luz que o edifico das Termas tem na sua cobertura, onde existem espaço mais abertos, ou mais fechados com obstáculos de deambulação proporcionando reações ao utilizador. Um percurso sensorial, momentos de paragem, de interior exterior, aberto e fechado mais intimo ou menos intimo de experiência individual ou colectiva e contacto com a água ou simplesmente de contemplação. É esta a intenção de projeto para as Termas do Sal. O edifício insere-se no interior de um muro existente, mas que redesenhado e desfragmentado, cria as ligação de cotas entre as salinas, e que ao mesmo tempo em certos momentos se abre ao exterior e se de deixa penetrar pela água dos tanques das salinas. O ritual da passagem, daquilo que é o exterior e daquilo que é o interior onde somos confrontados com espaços de escuridão e outros de grande abertura, a água e a luz são os guias do sujeito que habita as termas e pelo qual é estimulado. As águas a diferentes temperaturas frias e quentes, salgadas e doces criam contrastes e provocam emoções ao utilizador acolhidos por atmosferas criadas pela materialidade dos espaços.

73|74


27. El navegante interior Guillermo Perez Villalta


PROPOSTA

Também o som do espaço aqui torna-se relevante e nostálgico. O ruído das aguas a escorrer no espaço do grande chuveiro, perto das zonas de massagens a relação com a memória dos dias de chuva ou mesmo a serenidade das águas enquanto evaporam para o sal cristalizar. São elementos de memória e relaxamento. É esta a experiência que se procura no habitar das termas do ser humano, cada espaço individual do edifício proporciona um estimulo, uma atmosfera uma experiência diferente. A experiência é solitária. Deve ser feita no silêncio, deve ser uma descoberta pessoal. É lenta, não partilha da rapidez do mundo contemporâneo. Não é um processo imediato, requer tempo, paciência e calma. As coisas são compreendidas Uma polifonia de sensações que envolvem o homem, a água e a paisagem num lugar de uma fractura em rutura, que do qual se lhe reconhecem características únicas e inovadoras. Como nos diz Álvaro Domingues, “á fracturas que vêm por bem”.

75|76


BIBLIOGRAFIA

Aalto, Alvar. The architects. Conception of paradise, 1985, londres, The M.I.T. press. Bacherlard, Gaston, A Poética do Espaço, 1998, São Paulo, Martins Fontes Editora. BACHELARD, Gaston. A poética do desvaneio1998, São Paulo, Martins Fontes Editora. BAEZA, Campo. A ideia construida BAEZA, Campo. Intepretion Center Lanzarotte COSTA, Alexandre Alves, Álvaro Siza em Matosinhos. Documentário sobre a obra de Siza. Camara Municipal do Porto.1996

DOMINGUES, Álvaro- Vida no Campo. Poro [sem editora] .

HUESCO, K. & Carrasco . Las Salinas de Interior HEIDEGGER, Martin . Construir, Habitar, Pensar,(In: Poetry, Language, Thought),1971New York, Harper Colophon Books LOBO, Lacerda 1812. Memoria em que se expõe a analyse do sal comum das Marinhas portuguesas. mem. ecom. acad. Real Sciencias de Lisboa, Lisboa,IV : LE PIERRE. Charlles . A Industria de Sal em Portugal NESBBIT, Kate, Uma nova agenda para a arquitectura: antologia teórica (1965-1995).2008, São Paulo, CosacNaify Montaner, Joseph Maria, Introduccion a la arquitectura. Conceptos fundamentales.2000, Barcelona, Editorial UPC

DOMINGUES, Alvaro. Fractura. Revista Báu.2016. Coimbra

MURTA, S. M. & Goodey. Intepretação do património e a relação com os Visitantes/ Utiliza- dores

DOMINGUES, Álvaro. A paisagem Revisitada . [sem editora] . 2001.

RITA PAIS, Maria. Revista Fractura, edição 2016.

Edição da Câmara Municipal de Rio Maior . Salinas de Rio Maior FOUCAULT, Michel, Artigo Michel Foucault e o Modernismo Literário,Representação e Experiência,

REVISTA arqa. Edição Ruinas Habitadas. Abril,2014

GOMES, Paulo Varela, in SIZA, Álvaro, Piscina da Praia de Leça de Palmeira, Siza, p.3

NORBERG-SCHULZ, Christian, Genius Loci: towards a phenomenology of architecture,1980. NY, Rizzoli. PINHO, Leal. Portugal Antigo e Moderno. Lavaria Editora, Lisboa.1874


BIBLIOGRAFIA

PALLASMAA, Juhani, Los ojos de la piel: la arquitectura y los sentidos, Barcelona, Gustavo Gili, 2006

Filmografia https://www.youtube.com/watch?v=c5A3SfGLo0U&feature=B Fa&list=HL13537249

PROVIDÊNCIA, Paulo, Tese de Douturamento .Representação e Experiência, Universidade de Coimbra, 2000 SIZA, Álvaro, 01 textos / Álvaro Siza, Porto, Civilização Ed., 2009, VITRUVIUS .trad. Morris H. Morgan. The Ten Books Architecture. Artigo ZUMTHOR, Peter, [ Pensar a arquitectura, Barcelona, Gustavo Gili,2009, ZUMTHOR, Peter, A Way of Looking at Things, in Peter Zumthor, Tokyo, A+U Publishing, 1998 ] ZUMTHOR, Peter, Atmosferas, Barcelona, Gustavo Gili, 2006 ZUMTHOR, Peter apud HAUSER, Sigrid, Vals and the History of the Bath, in Peter Zumthor:Therme Vals, ZUMTHOR, Peter apud HAUSER, Sigrid, Vals and the History of the Bath, in Peter Zumthor:Therme Vals, ZBYSZEWSKI,G. & Faria. J. B. de 1971. O sal-gema em Portugal metropolitano. Suas Jazidas, caracteristicas e aproveitamento. Estudos, Notas e Trabalhos do Serviço de Fomento Mineiro, Porto. 20 (1-2) : 5 - 105.

77|78


ÍNDICE DE IMAGENS

1

Imag.01 [Autor desconhecido] Disponivel em: Arquivo ,Camâra Municipal de Rio Maior

15

Imag.02 [ Ruine im RiesengebirgeCaspar David Friedrich] Disponivel em.Altenbuch-Riesengebirge Altenbuch Mittelaltenbuch

18

Imag.03 [Pedreira de Mármore em Carrara, Itália] Disponivelemv https://www.google.pt/search?q=carrara&tbm=isch&imgil

20

Imag.04 [Fez, Marrocos] Disponivel em.Fez, Marrocos - Grupo Schultz

24

Imag.05 [ Cabana em Todtnauberg Martin Heidegger] Disponivel em.Todtnauberg : A cabana de Heidegger. | Architect

26

Imag.06 [Salinas Fonte da Bica Rio Maior ] Disponivel em.Arquivo C.M.Rio Maior

29

Imag.07 [Campos Agricolas. Rio Maior ] Disponivel em. Rio Maior Blog

31

Imag.08 [Villa Mairea Alvar Aalto ] Disponivel em. Aalto, Alvar. The architects. Conception of paradise, 1985, londres, The M.I.T. press.

33

Imag.09 [Casa da Cascata. Frank Lloyd Wright ] Disponivel em. Vida e obra zumthor Vals e relação com casa da cascata.José Macedo

38

Imag.10 [ La Condition Humaine, René Magritte, 1933] Disponivel em: abcglery.com/M/magritte/magritte16.JPG

40

Imag.11 [ Open Door, Michelle Basic Hendry, 2008] Disponivel em.site/paintingslanscapes_/rsrc/1424906467283/michellebsichend ry/michelle_basic_hendry_painting_open_door.jpg

42

Imag.12[ A cidade do Envolvimento Sensorial Peter Bruegel. 1560] Disponivel em: Pallasmas . Los Ojos de la Pele

44

Imag.13 [ Lonely Metropolitan, Herbert Bayer,1932] Disponivel em.herbert-bayer-lone


ÍNDICE DE IMAGENS

46

Imag.14[Sala de halóterapia. Grutas de Salgema Polónia] Disponivel em: Naturallys Haloterapia

48

Imag.15 [Termas de Vals. Peter Zumthor ] Disponivel em: Atmosferas

50

Imag.16[Termas de Rudas - Budapest] Disponivel em: Rudas Thermal Bath - Budapest

52

Imag.17[JungbrunnenGemälde. Lucas Cranach] Disponivel em: https://www.google.pt/search?q=JungbrunenGem%C3%A4lde.+Lu cas+Cranach&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwjv__KprIfPA

54

Imag.18 [The Baths of Caracalla AlmaTadema Lawrence] Disponivel em: Arquivo ,Camâra Municipal de Rio Maior

58|60 Imag.19 | 20 [Piscinas das Marés Álvaro Siza ] Disponivel em: Nicolo Galeazzi 62|64 Imag.21|22 [Termas de Vals. Peter Zumthor ] Disponivel em: Por uma recuperação de experiência. Ana Ramos. Universidade de Coimbra 66|68 Imag.23|24 [Centro de Intepretação das Salinas de Lanzarotte Campo Baeza] Disponivel em: Campo Baeza Site 70

Imag.25 [Salinas de Añana] Disponivel em: http://ecosal-atlantis.ua.pt/index.php?q=content/images-sali

73

Imag.26[Caspar David Friedrich.Caminhante sobre o mar de névoa] Disponivel em: Caspar David Friedrich: The Romantic Pioneer

75

Imag.27 [El Nevegante Guillermo Perez Villalta ] Disponivel em: Campo Beaza, Pensar arquitectura

88|86 Imag.28|29 [Trabalhadores das Salinas e Visita de Charles Le Peirre as Salinas] Disponivel em: Arquivo C.M.Rio Maio

79|80


LOCALIZAÇÃO

RIO MAIOR

FONTE DA BICA

PORTUGAL

RIO MAIOR

DISTRITO DE SANTARÉM

RIBATEJO REGIÃO LISBOA E VALE DO TEJO TURISMO DO OESTE 39º20 Lat. N. e 8º 53´2 Long. W


ANÁLISE GEOGRÁFICA

81|82


ORTOFOTOMAPA


28. Trabalhadores das Salinas Arquivo C.M.Rio Maior

83|84


CONTEXTO HISTÓRICO DO LUGAR

O documento mais antigo referente às salinas data de 1177, pensa-se que o aproveitamento deste sal-gema já seria feito desde a Pré-história. A serra dos Candeeiros é, dada a sua natureza calcária, possuidora de inúmeras falhas na rocha (fracturas) o que faz com que as águas da chuva não fiquem á superfície formando lençóis de água, águas essas que atravessam uma extensa e profunda jazida de sal-gema que alimenta os poços que se encontram no centro das Salinas, e de onde se extrai água cerca de sete vezes mais salgada do que a água do mar. A Jazida de Sal-gema ocupa aproximada-mente a área da Estremadura Portuguesa, entre Leiria e Torres Vedras, formado á milhões de anos depois do recuo do mar. As marinhas de Rio Maior constituem uma paisagem cultural singular, moldada por uma actividade milenar. Aqui convergem diferentes expressões do património tangível e intangível, expresso, respectivamente, por um conjunto de instalações e utensílios específicos da salicultura, um (saber-fazer) ligado específico e uma organização social herdada de há muitas gerações, pautada por regras consuetudinárias. Tais valores justificam que as salinas se tenham convertido, desde a 2º metade do século XX, num ponto de romagem turística. Contudo, não deve omitir-se o facto de que na raiz daqueles valores estão os fenómenos geológicos que propiciaram a instalação do diápiro salino, bem como a circulação subterrânea que possibilita a emergência das águas salgadas.


29. Visita de Charles Le Pierre Arquivo C M RioMaior

85|86


ASPECTOS HIDROGEOLOGICOS

As principais característica destas águas hipersalinas correspondem a uma boa qualidade para usufro-o termal segundo consta na classificação das águas termais de Portugal. Já nos tempos dos reis existem referência ás qualidades termaís destas águas , caso disso é a as antigas termas das Caldas Da Rainha já desactivadas e as termas do Vimeiro onde a qualidade e componente das águas seria o mesmo. Assim sendo fazendo então o ponto de ligação entre a opção do equipamento proposto e o estudo teórico elborado s a instalação de um equipamento como umas Termas que , dotado dos media adequados, possa acolher os visitantes e forncer-lhes a contemplaçãoda da paisagem sob a forma de utilizador e a sua utilização para que estes possam compreender o Lugar e orientar a visita de forma autónoma. Equipamento esse defendido pelo hidrogeólogo Carlos Calado e José M. Brandão do LNEG na qual segundo o seu texto sobre as salinas, a instalação de um equipamento de carácter cultural e ao mesmo tempo intepretativo das qualidades do local irá salvaguardar todo o expólio da industrialização e sua sustentação, ao mesmo tempo que proporciona ao visitantes um panorama de emoções, quer em termos de paisagem, e qualidades termais.


30. Poรงos de ร gua Salgada Autor

87|88


1ยบ Cartografia das Salinas Arquivo C.M.Rio Maior


ROTAS ASSOCIADAS

BATALHA ALQUEIDÃO DA SERRA

PORTO

A1 OURÉM

ALJUBARROTA

ALCOBAÇA

SER CAN RA DO DEE S IRO S

D´ RA SER E AIR

ALTO DA SERRA

SALINAS

GRUTAS ABRIGOS

RIO MAIOR

LAGOAS ESCALADA

LISBOA

CIRCUITOS PARAPENTE FRESTAS

89|90


31. Construçþes tipicas de madeira de armazenamento de sal Arquivo C.M.Rio Maior


32. Vista Serra dos Candeeiros Autor

87|88


33. Vista da Serra para as Salinas Autor


34. Marenotos (trabalhadores de salinas) Autor

89|90


35. Vista de muros circundantes das salinas Autor


36. Salinas Autor

91|92


37. Salinas Autor


VOLUME PRÁTICO


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.