Jornalismo: Uma questão de ética

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Intro. ao Jornalismo

Uma questão de Ética Jornalistas não chegam a um consenso sobre a ética da profissão

TIAGO LOBO

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âmeras ocultas, gravadores, identidades falsas e escutas telefônicas: aparatos de detetives e investigadores que, cada vez mais, são incorporados à “moda” do jornalismo moderno. Mas que documento ou lei garante ao jornalista o direito de se passar por outra pessoa, usar gravações escondidas e penetrar na vida privada pela busca de informações? Qual o limite? Segundo a Declaração de Princípios para a conduta dos jorna-

listas da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), de 1954, em seu segundo, terceiro e quarto itens isso fica bem claro: 2. No exercício deste dever, o jornalista há de defender os princípios de liberdade na apuração e publicação honesta das notícias, e o direito a comentário e crítica. 3. O jornalista somente informará de acordo com fatos cuja origem ele conhece. O jornalista não suprimirá Divulgação

informação essencial nem usará documentos falsificados. 4. O jornalista só usará métodos justos para obter notícias, fotografias e documentos. O Código de Ética dos jornalistas brasileiros em seu capítulo II, artigo 6°, inciso VIII, sobre seus deveres diz que o jornalista deve “respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão;” e em seu capítulo III, sobre a responsabilidade profissional do jornalista, no artigo 11°, inciso III, proíbe o profissional de divulgar informações “obtidas de maneira inadequada, por exemplo, com o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em casos de incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração;”. Ambos os códigos presumem uma conduta ética por parte dos seus subordinados. No entanto, “A ética é daquelas coisas que todo mundo sabe o que são, mas que não são fáceis de explicar, quando alguém pergunta”. (VALLS, Álvaro L.M. O que é ética. 7a edição Ed.Brasiliense, 1993, p.7).

O que é ética? A palavra vêm do grego, ethos, que significa “bom costume” ou “costume superior”. Em latim foi traduzida como mor-morus, que significa a mesma coisa, e deu origem a palavra portuguesa “moral”.

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O filósofo grego Aristóteles, na obra Ética a Nicômaco, definiu que a ética seria o exercício da moral, que é uma virtude. E as virtudes adquirem-se através do exercício, sendo uma “disposição de caráter relacionada com a escolha de ações e paixões (...) que é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática.”. Portanto a ética seria o exercício constante da virtude moral.

Deontologia Do grego “Ciência da Obrigação” ou “Teoria o Dever”, a Deontologia, na filosofia moral contemporânea, é uma das teorias que tem o objetivo de orientar nossas decisões sobre o que deve ser feito. Esta ética prescritiva, que orienta como atuar em determinadas situações é a base da “Deontologia Profissional”, pois se refere a um conjunto de regras de conduta (deveres) inerentes de cada profissão, que rege jornalistas, médicos, advogados e etc. Portanto, cada profissional sujeita-se a uma deontologia própria que regula o exercício da sua profissão conforme o Código de Ética de sua categoria. Essas normas são estabelecidas pelos próprios profissionais, tendo em vista não exatamente a qualidade moral mas a correção de suas intenções e ações, em relação a direitos, deveres ou princípios, nas relações entre a profissão e sociedade. O primeiro código de ética jornalístico foi criado em 1918, na França. Era o Código de Ética do Sindicato dos Jornalistas Franceses, refomulado em 1938. Mas alguns historiadores da história da comunicação dizem que isso aconteceu antes, em 1910, no estado do Kansas (E.U.A). Hoje mais de 70 países possuem codigos deontológicos regulando o jornalismo.

Fumar no local de trabalho: mal acostumados desde os primórdios.

Polêmica

As diferentes opiniões

O jornalista Heródoto Barbeiro, em entrevista a Rosângela Gil, disse que “não se faz jornalismo, sem fazer vítimas”, defendendo que quando você fala de alguém isso repercute, de alguma forma, na vida da pessoa. Mas essa situação, para o jornalista, não se confunde com a promoção de injustiças, pois elas acontecem quando o jornalismo não é isento. Heródoto diferencia isenção de imparcialidade. “Não existe imparcialidade na nossa profissão. O jornalista é sempre parcial, porque ele não consegue descrever os fatos sem colocar uma dose do que ele pensa, do que ele sente”. Diz, ainda, que “se a empresa me manda fazer uma mentira e eu concordo, sou tão responsável quanto ela. O jornalista tem de estar preparado para colocar o seu emprego à disposição toda vez que tiver um conflito de consciência”. Mark Twain dizia que: “Jornalismo é separar o joio do trigo. E publicar o joio”. Cláudio Abramo defendia que “O jornalismo deve ser o exercício diário da inteligência, e a prática diária do caráter”.

Aristóteles

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“A ética é o hábito da virtude moral e nossas disposições morais, ou caráter, nascem de atividades semelhantes a elas. (...) há duas espécies de virtude, a intelectual e a moral. (...) a virtude moral é adquirida em resultado do hábito, de onde o seu nome se derivou, por uma pequena modificação dessa palavra¹.” ¹Do grego: ethos e sua derivação ethiké. (N. do T.)

Oscar Wilde “Chamamos de Ética o conjunto de coisas que as pessoas fazem quando todos estão olhando. O conjunto de coisas que as pessoas fazem quando ninguém está olhando chamamos de Caráter”.

Cláudio Abramo “Sou jornalista, mas gosto mesmo é de marcenaria. Gosto de fazer móveis, cadeiras, e minha ética como marceneiro é igual à minha ética como jornalista — não tenho duas.”.

Janet Malcon “Qualquer jornalista que não seja demasiado obtuso ou cheio de si para percerber o que está acontecendo sabe que o que ele faz é moralmente indefensável. Ele é uma espécie de con-


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fidente, que se nutre da vaidade, da ignorância ou da solidão das pessoas. (...) Os jornalistas justificam a própria traição de várias maneiras, de acordo com o temperamento de cada um. Os mais pomposos falam de liberdade de expressão e do “direito do público a saber”; os menos talentosos falam sobre a Arte; os mais decentes murmuram algo sobre ganhar a vida.”.

Philip Meyer

Sede do Comitê Nacional Democrata, o Complexo Watergate, na capital dos Estados Unidos: Nixon sabia do assalto.

O Caso Watergate

No dia 18 de Junho de 1972, o jornal Washington Post noticiava na primeira página o assalto do dia anterior à sede do Comitê Nacional Democrata, no Complexo Watergate, na capital dos Estados Unidos. Durante a campanha eleitoral, cinco pessoas foram detidas quando tentavam fotografar documentos e instalar aparelhos de escuta no escritório do Partido Democrata. Bob Woodward e Carl Bernstein, dois repórteres do Washington Post, começaram a investigar o então já chamado caso Watergate. Durante meses, eles estabeleceram as ligações entre a Casa Branca e o assalto. O informante era o vice-diretor do FBI, a polícia federal americana, W. Mark Felt, conhecido apenas por Garganta profunda (Deep Throat) que revelou que o presidente sabia das operações ilegais. O Republicano Richard Nixon foi eleito presidente em 1968, sucedendo a Lyndon Johnson, tornando-se o terceiro presidente dos Estados Unidos a ter de lidar com a Guerra do Vietnã. Nixon voltou a candidatar-se em 1972, tendo como opositor o senador democrata George McGovern, e obteve uma vitória esmagadora, ganhando em 48 dos 50 estados. McGovern venceu apenas em Massachusetts e Washington. Foi durante essa campanha de 1972

que se verificou o incidente na sede do Comitê Nacional Democrático. Durante a investigação oficial que se seguiu, foram apreendidas fitas gravadas que demonstravam que o presidente tinha conhecimento das operações ilegais contra a oposição. Em 9 de Agosto de 1974, quando várias provas já ligavam os atos de espionagem ao Partido Republicano, Nixon renunciou à presidência. Foi substituído pelo vice Gerald Ford, que assinou uma anistia, retirando-lhe as devidas responsabilidades legais perante qualquer infração que tivesse cometido. Por muitos anos a identidade de “Garganta Profunda” foi desconhecida, até que a 31 de Maio de 2005, aos 91 anos, Felt revelou que era o Garganta. Bob Woodward e Carl Bernstein confirmaram o fato. Nada de escutas clandestinas, gravações escondidas, identidades falsas e favorecimento político na reportagem que rendeu um Prêmio Pulitzer aos dois jovens repórteres Carl Bernstein e Bob Woodward, mostrando que o papel do jornalista é apurar as informações. Já investigar, fica à cargo das autoridades legais.

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“A ética jornalística é um tópico escorregadio. Definir o comportamento ético é um pouco como definir arte, e a maioria de nós segue a regra do eu-o-conheço-quando-o-vejo. (...) Este processo requer o desenvolvimento dos valores da pessoa, empurrando-os do nível instintivo para a consciência plena, onde podem ser examinados e criticados. (...) As pessoas que estudam ética pela primeira vez ficam frequentemente desapontados ao descobrir que nem os filósofos antigos nem os modernos podem oferecer-lhes princípios que irão resolver seus dilemas cotidianos. (...) Watergate lembrou a todos que as pessoas que ganham a vida expondo os delitos dos outros têm uma necessidade especial de manterem seu próprio comportamento acima das críticas. (...) O estudo da ética não é para os frouxos.”.

Francisco José Karam “A defesa da necessidade de uma ética jornalística erxige que se considere a atividade importante moralmente e se reconheça, nela, alguma especificidade que a distingua das outras.”.

Rogério Christofoletti “No jornalismo, a ética é mais que rótulo, que acessório. No exercício cotidiano da cobertura dos fatos que interessam à sociedade, a conduta ética se mistura com a própria qualidade técnica de produção do trabalho. Repórteres, redatores e editores precisam dominar equipamentos e linguagens, mas não devem se descolar de seus comprometimentos e valores.”. Divulgação


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