A Fenomenologia e a Compreensão do Indivíduo
Fernanda Monteiro Monique Martins Tiago Malta
Outubro, 2009
Introdução O presente trabalho tem como objetivo pensar a compreensão psicoterápica do cliente a partir do método fenomenológico. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica onde apresentaremos e discutiremos, então, as idéias e conceitos trabalhados dentro da teoria fenomenológica como: o fenômeno, a tomada de consciência, o Ser, o Mundo, a relação Homem-Mundo, Doença/Saúde e o lugar do terapeuta diante de complexidade de Indivíduo quanto à compreensão dos processos
existenciais do cliente, entendendo e auxiliando o sujeito a se perceber, perceber suas crises e os possíveis meios de transformação de si mesmo e do meio em que vive.
Dawindowicz (2004) afirma que “a fenomenologia é uma palavra que tem grande relação com a consciência, significa justamente a relação humana com aquilo que aparece, considerando que tudo o que nós fazemos tem haver com o que aparece, que é uma relação de eu-mundo. É uma relação que vai aparecendo, se manifestando, não só quanto ao seu sentido, mas também quanto ás suas estruturas.” A fenomenologia é o estudo da constituição do mundo na consciência. Pois se trata de uma filosofia onde as suas idéias estão calcadas na percepção humana, na sua relação com o mundo, sendo sempre partindo do individuo a constituição do universo, pois é percebido como verdade aquilo que você percebe e quando percebe. Logo ela sempre acontece a partir do momento que alguma sensação é percebida e emerge como algo que possui algum significado no seu próprio ato. Assim, como diz Husserl em sua máxima “a consciência é sempre consciência de alguma coisa”, o conceito de intencionalidade, ou seja, a relação entre homem e objeto, quando a consciência é dirigida a um objeto, á sua tomada de consciência. A intencionalidade cria relação entre o sujeito e o objeto, entre o pensamento e o ser, entre o homem e o mundo. Se a fenomenologia está preocupada em problematizar a relação sujeito-objeto,
sem querer privilegiar nenhum de dois pólos, é porque ela esta preocupada com a relação sujeito-mundo. Para isso precisamos tentar compreender o que significa “mundo” em termos fenomenológicos. (Veríssimo, 2008) O mundo em termos fenomenológicos representa aquilo percebido por cada pessoa de forma singular. Ou seja, as pessoas têm distintas experiências e vivências que formam o seu universo de forma subjetiva. Os fenômenos são reações ou modos de reagir do homem com relação ao mundo. Uma mesma coisa nunca é vista como idêntica por pessoas diferentes. (RIBEIRO, 1985 pg 45) “Os fenômenos são reações ou modos de reagir do homem com relação ao mundo. Uma mesma coisa nunca é vista como idêntica por pessoas diferentes.” (RIBEIRO, 1985) A diferença sempre parte do principio do que é visto só faz sentido na tomada de consciência do sujeito daquilo que se apresenta pára ele e não se pode tomar parte da consciência do outro, já que esse processo faz parte do nosso histórico, de nossa percepção e até de como estamos naquele momento, logo as reações para cada fenômeno são particulares e nunca podem participar diretamente do que a pessoa esta sentindo e mesmo quando esta tenta partilhar com o seu próximo, ao fenômeno já mudou de angulação e desta forma mudou o seu sentido para ambos. Não se pode separar o fenômeno do ser. É o ser do fenômeno que interessa à fenomenologia. A ela interessa o ser que se da no fenômeno, por isso não da como estudar o fenômeno o ser. Por isso não basta compreender a partir da existência, mas é a propiá existência, é a existência em si que esta em jogo. Não é só este ser, mas o ser em geral que esta sob nossa preocupação. (RIBEIRO, 1985 pg 45) Para Romero (1998), “o homem é um ser autoconsciente, o que significa, entre outras coisas, que é ciente de sua temporalidade e de suas possibilidades, sujeito a realidades naturais e a um dever a ser. Isto o obriga, em alguma medida, a um questionamento permanente, de sua transitoriedade e finitude, em que vive em permanente contradição e insatisfação.” Dawindowicz também afirma que “o homem imprimiu, na sua história existencial, a benção de ganhar dinheiro e ter poder. A natureza e as pessoas são consideradas como objetos de prazer e produção de capital, esquecendo, desse modo a responsabilidade de aprender a usufruir com o poder da tecnologia que ao mesmo tempo o encanta, mas também o destrói. Percebemos, então, que este homem está imerso no ser social, que paradoxalmente ele tenta suprir tanto suas necessidades básicas: como moradia, emprego e alimentação; quanto suas necessidades afetivas: busca da felicidade, laços fraternos e a liberdade de ser . Segundo Romero “a origem do pensar e a sua tarefa precípua se encaminha por via dupla, pela via do questionamento e pelas sendas da reflexão. O que instiga o homem que se questiona perante o que obstaculiza sua passagem e sua proposta, se pergunta o que pode fazer para alcançar seu objetivo, para atender uma necessidade.” “O homem é ser no mundo... O modo como ele considera a condição humana fará de sua vida uma orquestra afinada entre labor, trabalho e família, como também poderá desafiná-la utilizando notas musicais que o destruirão em suas relações afetivas e sociais. O homem lança o seu projeto existencial contemplando a sua vaidade pessoal que o remete a uma infinidade de compromissos que o impõe para não ser excluído. “(DAWINDOWICZ , 2004, p.20) A fenomenologia é um instrumento de trabalho que nos permite ver um objeto e descrevê-lo como chega à consciência. Este processo primeiramente passa pelos sentidos, pois é através deles que descrevemos a realidade, para só depois chegarmos a uma “conclusão” da essência do objeto observado. Logo é uma experiência ligada diretamente no aqui-agora, fazendo sempre depararmos com o fenômeno cuja nossa experiência interpretativa que define o seu
significado. “A maior parte das pessoas habita em cavernas, vive num mundo de aparência onde a realidade è distanciada quase distanciada quase inexistente. É preciso haver uma conversão do mundo escuro da caverna para o da luz. E o caminho mais adequado para isso é permitir que a luz penetre nos olhos. (ERTHAL , 1992 p.63) A redução fenomenollógica é a busca do significado, que é a chegada da totalidade à minha consciência. É a totalidade que contém o significado. Esta totalidade é feita de momentos fenomenológicos: sensação, percepção (introversão – insight). O organismo sente recebendo, percebe (conteúdo da consciência) e fecha, reduz a realidade através da intuição. (RIBEIRO, 1985 pg48) Segundo Ribeiro (1985), reduzir, aqui significa encontrar-se com o cliente nele, com ele, através dele. Significa encontrar, intuir tudo que ele é em si, sem nenhuma mistura de nada daquilo que nos somos. Para se falar da compreensão do cliente a partir do método fenomenológico, também temos que pensar conceitos práticos como doença/saúde e diagnóstico. Resumidamente entendemos a doença como o processo onde o indivíduo responde de forma inadequada à determinada situação. A saúde, ao contrário, é quando o indivíduo responde de forma adequada às situações que a vida lhe impõe. Saúde e Doença são etapas de um mesmo processo, o da relação Homem-Mundo. O homem doente é aquele que “responde inadequadamente à determinada situação, colocando em risco a sua própria sobrevivência”. O homem saudável “se atualiza conjuntamente com o mundo, transformando-o e atribuindo-lhe significado a medida que ele próprio se transforma”. (Goldstein apud Augras, 1986) O Mundo nos depara com inúmeras situações negativas como crises sociais ou mesmo ambientes inadequados. Augras (1986) afirma que a doença se instaura quando “o indivíduo permanece num comportamento esteriotipado, invariante, alheio ás estimulações do ambiente, ou reagindo inadequadamente. A saúde é avaliada na habilidade que esse indivíduo tem de se manter em equilíbrio e superar a crise imposta pelo ambiente através da sua capacidade criativa de transformar esse meio inadequado em um ambiente satisfatório”. O indivíduo pode ser crítico por método e por atitude pessoal, ou por estar pressionado por situações de crise, que obrigam a procurar outros caminhos, outras alternativas. As pessoas pensantes estão no primeiro caso, os menos dados á atividade reflexiva tendem para um certo conformismo, e ás vezes para uma atitude rebelde e revoltada sem saber bem porquê. (ROMERO, 1998 p. 365) Homem e mundo coexistem e se atualizam ao mesmo tempo, apesar de sua aparente independência, eles evoluem e modificam ao mesmo tempo, pois ambos os itens se influenciam. O homem é modificado pela sua percepção e interpretação do mundo, e o mundo se modifica através das atitudes humanas. Veríssimo afirma que “a psicoterapia fundamentada na pessoa é, em certo sentido, uma educação para a percepção não somente de si, mas do outro. Isso vale tanto para o terapeuta quanto para o cliente. Aprende-se em terapia o significado essencial de o outro existe, tanto quanto eu.” (VERÍSSIMO, 2008). Nos colocando em um lugar que ao mesmo tempo nos demonstra como pessoa coletiva que faz parte de uma sociedade, isso nos transmite uma humildade de SER, mas também nos faz refletir (sem constituir um paradoxo) que também somos singulares, e que cada questão e fatos são mais ou menos importantes de acordo com quem esta sendo protagonista ou coadjuvante. “A analise fenomenológica nos coloca como psicólogos e psicoterapeutas diante da procura daquele dado “de antemão” que precede qualquer reflexão.” (RIBEIRO, 1985 p.44) O papel do terapeuta é identificar como o indivíduo se encontra nesse processo Homem-Mundo, ou seja, em que ponto de sua existência ele se encontra, quais significados
ele constrói em si e no mundo, o auxiliando a perceber suas crises, avaliando sua capacidade de expansão, criação e transformação. “Pois é no relacionamento do psicólogo com o sujeito observado que se manifesta a apreensão da realidade.” (AUGRAS, 1986 p.14) Em um set terapêutico o terapeuta deve se posicionar como fundo, o papel da figura cabe ao paciente, que deve emergir da melhor forma que puder, o terapeuta é apenas um instrumento para que isso aconteça, não cabe aqui julgamentos e nem suposições, mas apenas o foco direcionado as questões deste e como ele vai (tentar) interpretar. Por isso que não pode ser classificada como analise, pois não nos cabe avaliar o cliente, se formos falar de analise esta só poderá partir do próprio sujeito. Daí a importância do diagnóstico, não como instrumento de avaliação que simplesmente avalia a patologia do indivíduo, a “anormalidade”, mas o “processo de reconhecimento e compreensão do cliente”, uma avaliação de como esse indivíduo existe em sua normalidade. “Normal é aquele que supera os conflitos, criandose dentro de sua liberdade, atendendo igualmente às coações da realidade. O patológico é o momento em que o indivíduo permanece preso à mesma estrutura, sem mudança e sem criação.” (AUGRAS, 1986 p.12) Augras (1986) ainda afirma que “a adequada descrição do mundo próprio do cliente e de sua situação atual tem de se apoiar numa aproximação que procure apreendê-la em sua totalidade. Assim, deverão ser repelidos quaisquer procedimentos que visem interpretar o comportamento do cliente, apoiando-se num sistema elaborado, antes e fora do acontecimento presente.” O que afasta a idéia e ação de interpretar do terapeuta. Como afirma Merleau, citado por Augras (1986), “o mundo fenomenológico não é o ser puro, mas sim o significado que transparece na interação de minhas experiências e das experiências alheias, (...) portanto inseparável da subjetividade e da intersubjetividade que chegam à unidade pela retomada de minhas experiências passadas em minhas experiências presentes, da experiência alheia na minha”. O sujeito é o melhor intérprete de sua própria realidade. Eu não posso analisar o outro por identidade e, as vezes, nem mesmo por analogia, a partir de minhas vivencias. Ele é ele, eu sou eu. Nós somos uma totalidade viva apesar de também sermos seres coletivos e sociáveis com bastante necessidade de nos afirmamos através do outro, somos também seres únicos, com desejos e características singulares que independem do outro em nossas vivências. “Quando eu tento, de fato, captar esta realidade viva em alguém, eu não vejo nele os olhos, mas o olhar, não o contrair de face, mas o medo. A realidade fisica é um aviso de uma realidade maior e mais complexa.” (RIBEIRO, 1985 p.59.) Esta afirmação indica como se constitui a fenomenologia como ferramenta, pois antes mesmo de taxarmos o que é visto, devemos reduzi-lo a simples observação do fenômeno, sem pré-conceito sobre o que esta em emergência. Isto é A redução fenomenológica que põe em evidencia o ser no mundo, a partir deste ponto não cadê qualquer tipo de julgamento de valores ou crenças, o que importa é neste momento apenas a experiência do que é sentido pela pessoa, e isso se da em duas vias, tanto de terapeuta para paciente como de paciente para terapeuta. A redução nos coloca diretamente em contato com a existência, esta é valida neste exato momento que acontece, pois passado algum tempo ela pode tomar uma ressignificação e assumir outro sentido e necessidade, sendo assim é um continum que se valida sempre no aqui é agora, já que em outro momento pode algo muito importante se tornar um fato banal e aquilo que era fútil para o sujeito se tornar sua salvação. O cliente é um fenômeno, uma aparência pura e simples, e este é o primeiro e talvez o mais importante momento no processo terapêutico. “(...) Cabe a ele, primeiramente, o desvendar para si do mistério de sua totalidade, depois para o terapeuta. O fenômeno é a totalidade vista, observada e sentida aqui-agora. (...) Fenômeno e cliente se tornam fenômeno e cliente, apenas quando observados, ou seja, quando dentro do campo relacional de observação do sujeito que observa”. O terapeuta é um facilitador deste processo relacional.
(RIBEIRO, 1985)
Conclusão: Pode-se dizer que a fenomenologia estuda a relação do homem com ele mesmo e com o mundo, que se dá através dos processos de consciências, o que resulta nos fenômenos. As idéias estão calcadas na percepção humana, na sua relação com o meio e a forma como um é parte do outro, influenciando e sendo influenciado, modificando um ao outro. Cada indivíduo é singular, com suas próprias maneiras de enxergar a si mesmo e de como se colocar frente ao mundo. Essa individualidade se dá em função da vivência de cada um, das experiências que são diferentes de pessoa para pessoa, pois cada um vive uma relação única com o Mundo. Dessa maneira cada um age e reage de forma diferente. Nunca um fenômeno se dá de forma igual em duas pessoas diferentes e nada é igual para essas duas mesmas pessoas. Mesmo que o ambiente passe por uma crise qualquer, ela nunca será vivida de forma igual por todos os indivíduos. Assim, cabe ao psicoterapeuta identificar como o cliente se encontra nesse momento de crise, o auxiliando a se perceber e a encontrar maneiras de se transformar e se adequar às situações adversas da sua existência.
Bibliografia: AUGRAS, Monique .O ser da compreensão.Petrópolis. Ed. Vozes, 1986.
AUGUSTO. Psicologia e religião. São Paulo, Cengage Learning, 2008. DAWIDOWICZ, Danuta. A fenomenologia do cuidar: prática dos horizontes vividos nas áreas da saúde, educacional e organizacional. Ed. Vetor, 2004. ERTHAL, Teresa Cristina. Contas e contos na Terapia Vivencial. Ed Vozes, Petrópolis, 1992. RIBEIRO, Jorge Ponciano; Gestalt-Terapia: Refazendo o Caminho. Primeira Edição. São Paulo: ED Summus, 1985. RIBEIRO, Jorge Ponciano. Vade-mécum de Gestalt-terapia: conceitos basicos. São Paulo: Summus, 2006. ROMERO, Emílio. As dimensões da vida humana: Existência e experiência. SP. Novos Horizontes, 1998. VERÍSSIMO, Luís José. Por uma psicologia da pessoa. In ARGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto. Psicologia e religião. São Paulo, Cengage Learning, 2008. VERÍSSIMO, Luís José. Fenomenologia para psicologia. Fichamento e estudo. Rio de Janeiro: 2008.