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A odisseia começou com um pesadelo.. . O caos predominava por todo o ag r upamento de cig anos, que naquela semana se instalara próximo a uma pequena cidade à beira de u ma f loresta. Alguns tentavam reaver seus per tences, outros tentavam apag ar as labaredas que eng olfavam os panos das bar racas. Tibor cor ria desesperado entre as tendas em chamas, em busca de seus pais e de sua ir mã, tinha cer te za de que ouvira alguém g ritar o nome de seu pai na direção da tenda de Rafaelo, mas lá cheg ando só viu fog o. Tentou então na bar raca de Dona Amélia, que ficava log o ao lado. Nada. Procurou pelas tendas de Jonas e de Ana, mas essas já não existiam mais. Olhou ao redor quando um chiado chamou sua atenção. Devia ser impressão sua, mas o fog o parecia estar vivo. Em questão de segundos, u ma parede de línguas ardentes de mais de um metro de altura cercou

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Tibor, chiando e zunindo, fe chando-o dentro de um círculo infer nal. O g aroto se deitou no chão de ter ra batida e g ritou por seus pais e por sua ir mã, mas ninguém veio em seu socor ro. Co m um cre pitar que vez ou outra simulava uma g arg alhada fantasmagórica, o fog o se aproximou lentamente fazendo Tibor se debater em suor quando uns bons chacoalhões o desper taram de seu sono. Sátir o acordara. Sua ir mã era dois anos mais velha qu e ele. –Aquele sonho de novo? – quis saber. O g aroto assentiu limpando o suor da testa com a manga da blusa e agradecendo em pensamentos a quem fosse pelo fato das chamas estarem apenas em seu sonho. As duas crianças estavam no banco de trás de u m car ro que mais parecia uma car roça de tanto qu e pulava e rangia. O motorista, por conta do caminho pedreg oso e esburacado da estrada de ter ra, dirigia numa velocidade reduzida. Era noite, e para Tibor a paisag em lá fora era um tanto quanto sombria. Mesmo tendo vivido por muito te mpo entre cig anos, acampando aqui e acolá, sempre estava próximo da civilização, mas naquele lug ar Tibor duvidava que alguém soubesse da existência de palavras como poste de luz ou tele fone público! –Falta muito pra g ente cheg ar? – perguntou Tibor ao motorista, que respondeu que dali a quinze minu tos

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estariam lá. Tibor conferiu o horário em seu celular, faltavam exatos quinze minu tos para as dez da noite. Fora um doming o exaustivo, quase o dia inteiro sacolejando dentro daquele car ro. No rádio, só chiado. Sátir e Tibor estavam com fom e desde a hora do almoço. Pararam nu m posto de g asolina e comeram apenas um salg ado cada um. Mais um tempo se passou e o car ro ag ora se infiltrava numa mata fechada que se debr uçava preguiçosa por cima da estrada estreita. – Será que ela é g ente boa? – perguntou Tibor à ir mã. –Acho que sim, maninho... – e deu uma pausa significativa olhando para o lag o escuro que aparecia à esqu erda da estrada – Mas aconteça o que acontecer, você tem a mim e eu tenho você. Isso basta pra tudo dar certo! – disse ela com um ar acolhedor que o lembrava sua mãe – Vamos apostar nossas fichas nessa senhora, afinal ela é nossa avó de sangue e te m nos procurado desde sempre, como disseram as pessoas lá do orfanato. – Tibor assentiu novamente. Pouco de pois, os faróis fracos do car ro pousaram numa cerca de madeira à frente, que estava presa apenas por uma cor rente. O mo torista desceu e abriu a por teira, a luz da lua deixava o big ode do homem eng raçado. O car ro se foi, desceu mais à frente, já nas de pendências do sítio da tal senhora.

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O car ro parou e o home m que o dirigia se virou para trás: –Cá estamos, meninos, vocês devem estar ansiosos, vamos lá? – disse o big ode do motorista, já que esse cobria toda a sua boca dando ao chumaço de pelos uma aparência bem viva. Tibor sentiu um frio na bar rig a que vinha lhe acome tendo muito nos últimos meses, olhou para Sátir como se buscasse um por to seguro. Ele sabia que ela estava com o mesmo medo, mas, mesmo amedrontada, ela manteve seu olhar fir me e com u m sor risinho qu e deixou Tibor mais calmo. Saiu do car ro e foi peg ar suas coisas no por ta- malas. O g aroto desceu e se de parou com uma casa bem g rande. Mesmo com os faróis fracos do car ro e a luz da lua entrecor tada pelas nuvens, distinguiu dois andares de acabamento rústico, com janelas e por tas de madeira; canteiros recheados de f lores de diversas cores. Uma escadinha subia para uma varanda tér rea antes de cheg ar à por ta principal. De re pente essa por ta se abriu e lá estava ela, uma senhora não muito alta nem mui to baixa; nem muito mag ra, nem muito g orda; a senhora aparentava o aug e dos seus setenta e poucos anos, mas parecia tingir o cabelo, pois apesar de ter fios brancos, a predominância era de fios r uivos; seu rosto à primeira vista era bondoso, isso confor tou Tibor, o que foi

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bom para que suas mãos come çassem a parar de suar. Re parou que sua ir mã analisava a senhora de baixo a cima, como se estivesse avaliando se ela seria uma boa pessoa. Adorava quando sua ir mã fazia isso, se sentia bem mais tranquilo quando suas expectativas eram atendidas; se estivesse bom para ela, estaria bom pra ele também ! –Ah! Até que enfim. – dizia a velhota enquanto descia as escadas em direção ao car ro – Mal posso acreditar que estão aqui no meu sítio! Esperei mui tos anos por esse momento. – se aproximou de Tibor e Sátir – Nossa! Como vocês cresceram desde a última vez. .. – Tibor tentava uma retrospectiva rápida em sua mente, a fim de lembrar quando foi que vira aquela senhora em sua vida. Antes de sua mente constatar que não tinha nenhum registro disso, foi inter rompido de seus pensamentos por um abraço for te da velhota; notou alg o estranho: o cheiro da mulher parecia familiar. – Só deus sabe o quanto eu procurei por vocês, meus netos. –Deus e eu. Não é mesmo, Dona Gaílde? – perguntou o big ode do motorista colocando as malas dos g arotos aos seus pés. –Mas é claro, Raul! – disse Gaílde sor rindo e com os olhos brilhando. – Você acompanha a minha luta há

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anos, sabe o quanto eu amo meus netos antes mesmo de qualquer coisa. –É! Eu sei e espero que sejam muito felizes aqui. – disse Raul para os g arotos. –Darei o melhor de mim para que tudo seja perfeito. – falou Dona Gaílde – Oh, vocês devem estar com fome. Pre parei um lanche, espero que g oste m de bolo de fubá. Não tem problema se não g ostarem, fiz bolo de cenoura também ! – e virou-se para Raul – Não quer vir? Deve ter sido uma viag em cansativa até aqui, duvido que não esteja com fome! –Não qu ero incomodar ningué m, além do mais, essa noite é especial pra vocês, deixarei que se conheçam, prometo voltar qualquer dia para ver se está tudo bem. Amanhã, às duas da tarde, tenho uma reunião com possíveis investidores e não posso perder por nada! –Amanhã não é feriado de car naval? O homem ficou meio ner voso e suas bochechas coraram . – Pois é! Não é mesmo?! Esses homens de negócios estão ficando cada vez mais malucos! Raul se despediu de todos e voltou pro car ro que ao dar a par tida, fazia o mo tor pipocar, manobrou o “car ro-car roça” e foi-se embora. Tibor e Sátir, a convite de Dona Gaílde, peg aram suas malas e entraram na casa. O lug ar tinha uma

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aparência quen te e acolhedora, ao colocarem os pés no tapete do hall sentiram que as coisas iriam começar a melhorar e que eram muito bem- vindos ali. As janelas estavam cober tas com u ma cor tina de retalhos. Um espelho com ar mação de madeira ficava bem à frente da por ta. Sátir achou que o ref lexo dos três combinava com u ma família de verdade, ela estava cansada do orfanato e sentia falta de u ma família reunida. O piso era de madeira escura, salpicado com tapetes desenhados em detalhes ver melhos. As paredes eram amarelas e tudo era muito limpo. O cre pitar de fog o chamou a atenção de Tibor mais qu e de pressa. Era só uma lareira no meio da sala que estava acesa e mantinha o ambiente numa temperatura ag radável. Uma cadeira de balanço estava à frente da lareira com per tences de crochê sobre seu estofado. Tibor imaginou que aquele seria o passatempo favorito daquela senhora. Abajures antig os enfeitavam a sala de maneira única. Os olhos dos garotos registravam tudo o que viam, mas o ápice para Tibor e Sátir se deu quando se de pararam com a mesa do café que Dona Gaílde havia pre parado. A boca do estômag o dos dois reagiu da mesma forma, roncaram alto em ag radecimento. Eram qua tro tipos de bolo: milho, fubá, cenoura e chocolate.

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Tinha de tudo, café , achocolatado, chá. Tibor obser vou que o leite era g orduroso, diferente do que estava acostu mado a tomar até então. Gaílde pediu para que deixassem as malas ao pé da escada no hall e se acomodassem à mesa, o que foi atendido de pressa. Os dois ir mãos não se lembravam quando fora a última vez que haviam visto uma mesa tão far ta como aquela e só pra eles. Nos primeiros minutos o silêncio pairou ali na mesa, Tibor e Sátir ainda não tinham tocado na comida direito, queriam mostrar que eram educados; Gaílde deve ter percebido, pois log o disse: –Ora, achei que estivessem com fome, não se prendam, meninos, fiz isso especialmente pra vocês e se não comerem, tudo isso irá estrag ar; o que será u m pecado porque esse bolo de cenoura está realmente... – enfiou um pedaço inteiro na boca e completou com a boca cheia – . ..divino! Hum mm ! Foi o estopim para que saciassem , à vontade, sua fome. Empanturraram-se de maneira prazerosa daquelas guloseimas por um bom te mpo. Tibor até se sentiu triste de tanto comer. Depois se dirigiram à sala, Gaílde se sentou em sua cadeira de balanço começando um tricô rápido e ensaiado, Sátir se esparramou no sofá e Tibor deitou no tapete mantendo uma distância segura das labaredas da lareira.

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–Tive medo de nunca encontrá-los. – começou Gaílde – Nossa! Como vocês são bonitos e cresceram bastante, mas é claro que não se lembram ; Tibor ainda era um bebê e Sátir estava começando a dar seus primeiros passinhos. –Por que não nos encontrou antes e o que fez você se distanciar da g ente? – perguntou Sátir. A velhota colocou o tricô de lado, olhou para a menina e com um suspiro começou: –Meu filho, Leonel Lobato... Ah que saudades dele! – disse ela com u m olhar de devaneio – ele sempre g ostou das matas, com cer teza puxou o avô; ele se casou com Hana; a mãe de vocês era como ele, ambos amantes do mato. Eles resolveram um dia larg ar tudo, suas vidas na cidade e seus empreg os, para viver com um ag r upamen to de cig anos. Eu disse que seria loucura, estavam com dois filhos pequenos e talvez não fosse seguro. Sug eri que viessem morar comig o aqui no sítio, mas estavam entusiasmados demais para desistir da ideia. – deu um sor risinho sonhador – Foi bom pra eles enquanto durou ! Sinto muito a falta deles; às vezes ainda parece que estão viajando, acampando aqui e ali, cur tindo a vida como sempre quiseram. Foi difícil para mim , o contato era quase nulo. – Tibor notou que os olhos dela começavam a marejar – Soube do incidente pela TV, chorei demais e acabei por me desfazer do aparelho, como podem ver,

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não tenho nenhuma TV aqui! – Nessa hora Tibor até se preocupou um pouco, mas pensou que viveu tanto tempo acampando sem televisão, não se impor taria de continuar sem uma, estava acostu mado. – Co mecei então a procurar nos orfanatos próximos ao ocor rido, mas tive alguns... – nesse momento, Gaílde levou as mãos ao ping ente verde que car reg ava no pescoço e o movimento não passou despercebido para Sátir – ...contrate mpos. .. – disse ela pausadamente – que me impediram de continuar a busca por vocês. Sinto muito por deixá-los dois anos naquele orfanato! Espero fazer o que puder para compensar isso. – ela limpou a lág rima que escor reu em sua bochecha esqu erda e mostrou um sor riso contente. – Qu ero que sejam felizes aqui! – e voltou a tricotar. Um tempo passou contado apenas pelo cre pitar das brasas da lareira e Sátir perguntou: –Que tipo de contratempo a senhora teve? –Sátir! – Adver tiu Tibor, achou que a ir mã estava indo long e demais. –Tudo bem, Tibor! – tranquilizou Gaílde colocando as agulhas ao lado do abajur mais próximo – é justo que saibam o que fez com que ficassem tanto tempo naquele lugar; e imagino que não gostavam de lá, certo? Os dois fizeram que sim com a cabeça quase sem pensar.

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–Vocês têm o direito de saber o que me fe z inter romper as buscas por vocês nesses dois anos. Eu que sou tudo o que resta do mesmo sangue de vocês, em que m podem confiar, pena que esse assunto requer talvez um pouco de... – ela parecia escolher as palavras cuidadosamente – . ..conhecimento! Um silêncio apelativo se deu enquanto os dois olhavam para a avó. –Como assim? – inter rompeu Tibor. –Vocês vão saber que existem coisas além da explicação! – parou aqui para escolher o melhor jeito de falar e continuou – Q ue é preciso ver para entender. Hoje é doming o e imagino que em breve vocês saberão do que estou falando. Tibor e Sátir não eng oliram aquela explicação e esse era o assunto qu e ia estar em pauta em seus pensamentos por u m bom te mpo. –Eu prometo que vocês saberão, mas talvez não seja esta a hora cer ta de dizer. – completou Gaílde e de pois puxou outro assunto. – Eu estou vendo uma pessoa pra ensinar vocês, não podem ficar sem estudar! A mãe de um g aroto dessa vila é professora, seria uma ótima opção pra vocês. –Estudar! Que drog a. – disse Tibor se voltando pra lareira. –Meu nobre rapaz, o saber é a g rande vir tude de um ser!

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–Eu sei, eu sei. Só não gosto de estudar! – falou ele – prefiro liberdade. –Hahaha – riu Gaílde – pois então se prepare! Nesse sítio o que não falta é liberdade, vai implorar por um pouco da paz que um bom livro pode lhe proporcionar. Isso eu garanto! –Rá! Disso eu duvido! E todos riram na sala. Conversaram sobre diversos assuntos, Gaílde contou sobre coisas que o pai deles aprontava na adolescência, Tibor e Sátir contaram coisas sobre o acampamento com os ciganos e como eram tratados no orfanato. Percebiam mais e mais que a vida entre eles iria ser boa, os três se davam bem. Enquanto a noite passava pela conversa deles, a lareira baixava seu fog o e as sombras ondulantes pela sala se tor navam maiores. –Devem estar com sono, crianças! – falou ela – ficamos tão entretidos na conversa que nem mostrei o resto da casa pra vocês e agora devem estar tão cansados que dor mirão no cor redor enquanto mostro a cozinha. – todos deram risada e era bem verdade, os três estavam com as pálpebras pesadas de tanto sono, Tibor se pegou babando por duas vezes. – Bom, espero que aguentem até o quar to de vocês!

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Tibor subia a escada atrás de Gaílde e seguido por Sátir, ele foi pensando se tinha escutado direito: – Quar tos? Quer dizer um para cada um? –Mas é claro! – respondeu a avó. –Uau! Nunca tive u m quar to, e esse é só pra mim ! – disse ele ao cheg ar à por ta do seu quar to. Sátir teve a mesma reação somada a um abraço aper tado em Gaílde; a mesma retribuiu com uma intensidade que Sátir sentiu que finalmente tudo estava bem e qu e poderia dor mir em paz pela primeira vez em dois ter ríveis anos no orfanato. Os quar tos eram rústicos como o resto da casa, o de Sátir tinha u m enor me espelho com u ma penteadeira, o de Tibor tinha um baú com car rinhos de coleção. Antes de fechar os olhos, Tibor deitou em seu colchão log o de pois que a avó se despediu com um beijo de boa noite e começou a prestar atenção no som da chuva que começava a cair devag ar lá fora. Ouvia os bar ulhos da mata ao redor, os cricris de g rilos preenchiam a música selvag em que começava a tocar na cabeça do g aroto. Aos poucos a melodia sincronizada dos insetos e os ping os da chuva que começavam a cair ao redor eng olfavam Tibor a um sono profundo antes mesmo de cheg ar a u m possível refrão. Não demorou muito para qu e os ir mãos Lobato apag assem nas suas respectivas camas, o sono pesado dos dois indicava como tinham tido u m dia exaustivo.

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Ao acordar pela manhã, Sátir foi até o quar to de Tibor, sentou-se na beirada da cama do ir mão e o acordou: –Ei, maninho, acorda! – Tibor abriu um olho revelando sua cara inchada – E aí, como está se sentindo? Ele se espreguiçou e falou com a voz embarg ada com os braços esticados e um sor riso – Ah! Melhor impossível! –Uau, também acho! Dor mi muito bem e aqui parece ser leg al e ela parece se impor tar mesmo conosco. – a menina mudou de feição – só fiquei encucada com o que ela disse que aconteceu a ela nos últimos dois anos. –Ou melhor, não disse, né? – completou Tibor cr uzando os braços atrás da cabeça. –Re parou na pedra que ela tinha no pescoço? perguntou Sátir. –Não! O que tem a pedra? –Não sei! Só achei estranha a maneira como ela a aper tou quando disse que teve uns contratempos . Outra coisa: Não te mos TV! –Ah, Sátir! Pra que precisa de uma? Lembra como era quando acampávamos? Você está assim por causa da novela que você assistia escondida na sala da

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Romilda do orfanato. Vivemos a vida toda sem uma, não vejo problema em continuar assim . Tibor e Sátir tinham olhos verdes e cabelos castanhos claros, ele tinha treze e ela quinze anos de idade. Ela era pouca coisa mais alta que ele. Sempre se utilizava dessa pouca altura qu e tinha a mais para se colocar como prote tora oficial do ir mão. Desde que sua mãe mor reu, esse perfil se intensificou, Tibor até g ostava, mas tinha medo de que a ir mã se preocupasse demais com ele e se esquecesse de si mesma. Devia ser por volta de u mas onze da manhã e o cheiro de comida os visitou lá em cima, eles desceram mais qu e de pressa e encontraram uma matutina Gaílde já atarefada. –Bom dia! – disseram os dois. –Oh! Que bom que acordaram! Bom dia pra vocês também, mais um pouco e eu iria tirá-los da cama, estou ansiosa para que conheçam o sítio. – ela tirou o avental qu e usava e pendurou num preguinho na parede; levou u ma for ma do for no à mesa e disse: – Venham tomar um rápido café da manhã que já está quase na hora do almoço, fiz uns pães de queijo! Os dois se esbaldaram de novo, Tibor notou que se continuasse assim, em poucas semanas se transformaria numa bola.

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Visitaram a casa toda. Viram o quarto da avó, viram o porão e a despensa, saíram para a varandinha da frente da casa e puderam ver a extensão do sítio, a uns quatrocentos metros ficava a porteira que atravessaram de car ro na noite anterior, ao lado tinha uma mangueira alta e for te que estava car reg ada de mang as. Visitaram o celeiro que tinha uma vaca leiteira, a Mimosa. Visitaram o g alinheiro, onde Gaílde se muniu de ovos para o almoço e viram também o poço; atrás da casa havia uma hor ta com diversos tipos de legumes e verduras. De tão perito que era no assunto, Tibor Lobato só reconheceu o alface: –Aquilo ali é alface? – ar riscou o g aroto. –Cer ta resposta, 10 pontos pra você! – disse Dona Gaílde e todos caíram na g arg alhada. Ao long o do dia, os laços deles se afeiçoaram mais. Sátir e Tibor ajudaram a avó com o almoço e a louça suja. Gaílde ensinou que para ter leite deveriam tirá-lo da vaca, teriam também que alimentá- la; o mesmo com as g alinhas. Todos os dias deveriam cumprir algumas tarefas para manter o sítio em ordem. –Como a senhora manté m tudo isso nessa org anização sozinha? – perguntou Sátir. –Ah! Obrig ada, saiba que nem sempre foi assim! Há seis ou sete anos, mais ou menos nessa época, parecia que um vendaval tinha passado por aqui. Não adiantava limpar nada, o vento era tão forte que assobiava

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alto e dava nó nas crinas dos cavalos, nos rabos das vacas e dos cachor ros, mas não cuido sozinha do sítio! Eu conto com a ajuda de um g aroto for midável, acho que ele tem a sua idade, Sátir. Ele mora nesse vilarejo mesmo e é filho da mulher que dará aula a vocês! O nome dele é Rurique. Irão conhecê- lo. Um g aroto muito amável, ele irá ensinar a vocês como cu mprir todas as tarefas, pedirei também que mostre um pouco da vila pra vocês, falando nisso, ele já está atrasado! Mais tarde Tibor se deitou na g rama de bar rig a para cima, pensou que aquelas tarefas seriam moleza, daria conta; olhou para o céu azul onde duas borboletas laranja brincavam como se dançassem um tang o no ar. Seu coração estava feliz, não haveria mais bronca ou castig o da senhora Romilda e nem brig as com o Marcinho do orfanato, estava sonhando acordado e aquele sítio era perfeito em todos os aspectos. Um rang er chamou a atenção de Tibor, sentou-se e viu um g aroto mag relo vestindo um macacão abrindo a por teira. Gaílde estava com Sátir mexendo nas f lores em volta da varandinha tér rea da casa. –Boa tarde! – disse o g aroto ao passar por Tibor. –Tarde! – Tibor em resposta. –Você deve ser o Tibor e aquela é sua ir mã Sátir. Tibor confir mou com a cabeça. –Sua avó fala muito de vocês. Vieram da cidade?

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–Mais ou menos isso. Você é Ruriqu e, cer to? –Sim, sou eu! – falou o garoto magrelo – Bom! Prazer em conhecer você. Vou até ela pra ver se precisa que eu faça alg o, até mais. –Até... Tibor ficou obser vando, viu a avó sor rir ao ver o g aroto e apresentá-lo a Sátir, de pois ela acenou para que Tibor fosse até eles enquanto se dirigiam ao celeiro. Aprenderam com o g aroto mag ricela a primeira tarefa: tirar o leite da vaca. Essa tarefa rendeu boas risadas, Tibor e Sátir conseguiram meio balde de leite, o resto estava no chão e nas roupas deles. Seguiram de pois ao g alinheiro. Sátir cor reu de um g alo que a perseguiu em fúria por duas vezes, mas enfim aprenderam como alimentar as g alinhas e limpar o g alinheiro. Ao final, saíram de lá com as roupas e os cabelos cheios de penas. Ao sinal de que iria começar a anoitecer, Rurique se retirou, tinha de cheg ar cedo em casa ou sua mãe iria puxar sua orelha, disse ele. O sol ainda podia ser visto se retirando por detrás de uma colina próxima, alguns pássaros passavam depressa pelo céu em busca do seu retiro notur no. Tibor, Sátir e Gaílde agradeceram e se despediram de Rurique enquanto os cricris dos g rilos recomeç avam pouco a pouco a preencher o silêncio e a lua se exibia majestosa no céu

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azul petróleo. Tudo ao redor era perfeito, os g arotos só lamentavam o fato de não ter conhecido aquele sítio antes.

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