TENHA U M A BOA QUARESM A!
SUM ÁRIO
1 . C HE GA DA NO SÍTIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . .. . . . . . . . 7 2 . A S S OMBR A Ç ÕE S E C E LU LAR E S .. . . . .. . . . . . . . . . . .. . . . . 2 7 3 . O GOR RO . .. . . . . . . .. . . . . . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . . . .. . . .. . . . . . . . . . . .. . . . . 4 3 4 . É TE MPO DE QUA R E S MA . .. . . . . . . . .. . . . .. . . . . . . . . . . .. . . . . 5 5 5 . PE R DIDOS NA MATA . . . . . . . . . .. . . . . . . .. . .. . . . . . . . . . . .. . . . . . . 73 6 . A BRU X A DE SA PA R EC IDA . . . . . . . . .. . . . . .. . . . . . . . . . . .. . . . . 8 9 7 . O MOINHO DOS TR A S GOS . . . . . . . . . .. . .. . . . . . . . . . . .. . . . 1 0 5 8 . MU IR AQU ITÃ . . . .. . . . . . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . . . .. . . .. . . . . . . . . . . .. . . 1 2 1 9 . O S ONH O DE TI BOR . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . .. .. . . . . . . . . . . .. . . . 1 3 7 1 0 . PR E NÚ NC IO DE MORTE . . . . . . .. . . . . . .. . . . . . . . . . . .. . . . . 1 5 3 1 1 . DU AVE S S U . . . ... . . . . . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . . . .. . . .. . . . . . . . . . . .. . . . 1 6 9 . 1 2 . S R . IC AS . . . . . . . .. . .. . . . . . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . . . .. . . .. . . . . . . . . . . .. . . 1 8 3 1 3 . R A PTO A GA LOPE . . . . . . . . . . . .. . . . . . . .. . .. . . . . . . . . . . .. . . . . . 1 97
1 4 . O OITAVO V ILA R E JO . . . . . .. . . . . . . . .. . . .. . . . . . . . . . . .. . . . 2 1 1 1 5 . BOITATÁ . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . . . .. . . .. . . . . . . . . . . .. . . 2 2 7 1 6 . DIA DE A LE LUIA
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A odisseia com eçou com um p esad elo... O caos predo minava por tod o o ag r upamen to d e cig anos, que n aque la sema na s e inst al ara próximo a uma pequen a cidad e à beira de uma f loresta. Alguns tentava m reaver s eus per t enc es, ou tros ten tavam apag ar as lab ar eda s que eng olfavam os p anos d as bar r acas. Tibor cor ria desesp erado entr e as tend as em chamas, em bus ca de seus pais e de sua ir mã, tinha cer te za d e que ouvi ra alguém g ritar o nome de se u pai na direção d a te nd a de Raf ael o, mas l á cheg ando só viu fog o. Tentou e ntão n a b ar raca de Dona Am élia, que ficava log o ao lado. Nada. Procurou pelas tendas de Jonas e de Ana, mas ess as já n ão existiam m ais. Olhou ao redor quando u m chiad o cham ou su a aten ção. Devia ser impressão sua, mas o fog o parecia estar vivo. Em qu e stão d e segundos, uma par ede d e líng uas ar dent es d e mais d e um m etro d e altur a c ercou
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Tibor, chiando e z unindo, f echan do-o dentro d e u m cír culo infer nal. O g aroto se deitou no chão d e t er ra batida e g ritou po r seus pais e por sua ir mã, mas ning uém veio em s eu soc or ro. Com u m cr e pitar que vez ou outr a simulava uma g arg alhada f antasm agórica, o fog o se aproximou lenta ment e faz e ndo Tibor se debat er e m suor quando uns bons chacoalh ões o desper t ar am de s eu sono. Sátir o ac ordara. S ua ir mã era dois a nos mais velha que el e. –Aquele s onho d e n ovo? – quis saber. O g ar oto assen tiu limpando o suor da t esta co m a manga da blusa e agradecendo em pensamentos a que m fosse pelo fato das chamas estarem apenas em seu sonho. As duas crianças est avam no ba nco d e t rás de u m car r o que mais pa recia uma c ar roça de tanto qu e pulava e r angia. O motorista, por cont a do caminh o pedr eg oso e esbura cado da estra da de ter ra, dirigia numa velocidade re duzida. Era noite, e para Tibor a paisag em lá fora era um tanto quan to so mbria. Mesmo tendo vivido por muito tempo e ntre cig anos, acam pando aqui e acolá, sem pre estava próximo da civilização, m as na quele lug ar Tibor duvidava que alg uém soubess e da existência de palav ras como pos te de luz ou telefone p úblico! –Falta mui to pra g ente ch eg ar? – perguntou Tibo r ao motor ista, que re spondeu que dali a quinze minutos
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estariam lá. Tibor c onferiu o horário em seu celular, faltavam ex at os qui nze minut os para as dez da noite. For a um doming o exaustivo, quas e o dia inteir o sacolejan do den tro daquele car ro. No rádio, só chiado. Sátir e Tibor estavam com fom e de sde a hora d o almoço. Pararam num posto de g asol ina e c omera m apenas u m salg ado c ada um. M ais um t empo se passou e o car ro ag ora se inf iltr ava numa mata fecha da que se debr uçava pr eguiçosa por cim a da estrad a es treita. – Ser á que ela é g e nte boa? – p ergunt ou Tibor à ir mã. –Acho que sim, maninho... – e deu uma paus a sig nificativa olhand o para o lag o escuro que ap arecia à esquer da da estrad a – M as acon te ça o que aco nte cer, você te m a mim e e u tenho voc ê. Isso basta pra tud o dar certo! – disse ela com um ar acolhedor que o lembrava sua mãe – Vamos a postar nossas fichas nessa se nhora, afinal ela é nossa avó de sangue e t em nos procurad o desde s empre, co mo disseram as pessoas lá do orfanato. – Tibor as sentiu novam ent e. Pouco de p ois, os fa róis fracos do c ar ro pousaram numa cer c a de ma deira à frente, qu e estava presa apenas por uma cor rente. O motorist a desceu e abriu a por teir a, a lu z da lua deixava o big o de do h ome m eng r açado. O car ro se foi, des ceu mais à frente, j á nas de pen dênci as do síti o da tal s enhora.
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O car ro parou e o homem que o dirigia se virou para trás: –Cá estamos, meninos, vocês devem estar ansiosos, vamos lá? – disse o big ode do mo torista, já que esse cobr ia toda a sua boca dando ao chu maço de pelo s uma ap arência bem viva. Tibor sentiu um frio na bar rig a que vinha lh e acom eten do muito nos últimos meses, olhou para Sátir como se busc asse u m por to seg uro. Ele sabia que ela estava co m o mesm o medo, mas, m esm o amedront ada, ela ma nteve seu olh ar fir me e co m um sor risinho que deixou Tibor mais calmo. Saiu do car ro e foi peg ar suas coisas no por ta -malas. O g ar oto d esc eu e s e de parou c om u ma casa bem g r ande. M esmo c om os faróis fracos do car ro e a luz da lua en trecor tad a pelas nuvens, d istinguiu dois andares de ac abam e nto rústico, com ja nelas e por tas de madeir a; c ant eiros recheados de f lo res de diversas cor es. Uma es cadin ha subia para u ma varanda tér rea antes d e cheg ar à po r ta principal. De r e p ent e ess a p or ta se abriu e lá estava el a, uma senhora não muito alta n em mu ito baixa; nem muito mag ra, nem muito g orda; a sen hora apare ntava o aug e dos seus se tent a e pou cos an o s, mas parecia ting ir o cab elo, po is apesar d e t er fios brancos, a pr edominân cia era d e f ios r uivos; seu rosto à primeira vista er a bond oso, isso c onfor tou Ti bor, o qu e foi
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bom para que s uas mãos c ome çasse m a parar de suar. Re p arou que sua ir mã analisava a sen h ora de baixo a cima, como s e estivesse avaliando se el a seria uma boa pessoa. Adorava quando s ua ir mã fazia isso, se sentia bem m ais tranquil o quando su as ex pect ativas era m atendid as; se estive sse bom para ela, e staria bom pra ele ta mbé m! –Ah! Até que enf i m. – di zia a velho t a enqu anto descia as esc adas e m direção ao car ro – Mal posso acr editar qu e es tão aqui no m eu sítio! Esperei muito s anos por esse mom ento. – se aproxim ou de Tibor e Sátir – Nossa! C om o vocês crescer am desde a última vez... – Tibor te ntava uma retrosp ec tiva rápida e m sua mente, a fim de le mbrar quand o foi que vira aq uela senhora e m sua vid a. An tes d e sua m ente cons tat ar que não tinh a nen h um registro disso, foi inter rompido de seus pens am ento s por um abraço fo r te da velho ta; notou alg o estran ho: o cheiro da mulher parecia familiar. – Só deus sabe o quan to eu procurei por vocês, meus n etos. –Deus e eu. Não é mesmo, Dona Gaílde? – perguntou o big ode do mot orista colo cando as m a las dos g arotos aos seus p és. –M as é clar o, Raul! – disse Gaílde s or rindo e co m os olhos brilhando. – Voc ê ac ompa nha a minha lut a há
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anos, sabe o quanto eu amo meus ne to s antes mes mo de qualquer cois a. –É! Eu sei e espero que sejam muito fe lizes aqui. – disse Raul para os g arotos. –Dar ei o m elhor de mim par a que tudo seja per f eito. – f alou Do na G aílde – Oh, vo c ês devem estar com fome. Pre parei um lanche, espero que g ostem de bolo de fub á. Nã o t em probl ema s e n ão g ostarem, fiz bolo de c enoura tam bém! – e virou-se pa ra Raul – Nã o quer vir ? Deve ter sido uma viag em cansativa até aqui, duvido que não este ja com fom e! –Não quero incom odar ninguém, além do mais, essa n oite é espe cial pra vocês, de ixarei que s e conhe çam, prom eto voltar qualquer dia para ver se está tudo be m. A m anhã, às du as da t a rde, tenho um a r eunião c om p ossíveis investidores e n ã o posso perder por nada! –Aman hã nã o é feri ado de car naval? O hom em fic ou m e io ner voso e suas bochechas coraram. – Pois é! Não é mes mo?! Esses homens d e neg ócios es tão fican do cada vez mais ma lucos! Raul se desp ediu de todos e vol tou pro car ro qu e ao dar a par tida, fa zia o motor pipo ca r, manobrou o “ car r o-car roça” e foi- se embora. Tibor e Sátir, a convite de Dona Gaílde, peg aram suas mal as e e ntra ram na c asa. O lu g ar tinha uma
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apar ênci a quen te e acolhed ora, ao c olocarem os pés no ta pet e do hall s e ntiram qu e as cois as iriam c ome çar a melhor ar e que era m muito be m-vindos ali. As janelas estavam cober t as com uma cor tina de r etalhos. Um esp elh o com ar m ação de madeira ficava bem à f r ente da po r ta. Sátir achou que o ref lexo dos três combinava com uma f amília de ver dade, ela es tava cansad a do orf anat o e sentia falt a d e uma família reunida. O piso er a de mad eira esc ura, salpicado com tape tes dese nhados em det alhes ver mel hos. As paredes eram am arelas e tud o era muito limpo. O cr e pitar d e fog o chamou a ate nção de Tibo r mais que de pressa. Era só uma lareira no meio da sal a que estava acesa e mantinha o ambiente numa tem peratur a ag radável. U ma cad eira de balan ço estava à frente da lar eir a com p er ten ces de crochê sobr e seu estofado. Tibor imaginou que aquele seria o passatempo favorito daquela senhora. Abajures antig os enfeitavam a sala de maneira única. Os olhos dos garotos registravam tudo o que viam, mas o ápice para Tib or e Sátir se deu quando se d e parara m com a m esa do café que Don a Gaílde havia pr e par ado. A boc a d o es tô mag o dos d ois reagiu da mesma forma, roncaram alto em ag radecimento. Er am qu atro tipos de bolo: milho, fub á, cenoura e chocola te.
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Tinha de tudo, ca fé, achocolata do, chá. Tibor obser vou que o leit e era g orduroso, di ferente do que estava a costum ado a tomar a té então. Gaílde p ediu para que deix asse m as m alas ao p é da es cada no hall e se a comod assem à mesa, o que foi atendido de pr essa. Os dois ir mã os nã o se le mbravam quan do fora a última vez qu e havi am visto uma mesa tão far ta como aquela e s ó pra el es. Nos primeiros minutos o silêncio pai rou ali na mesa, Tibor e Sát ir ainda não tinha m toc ado n a comida dir eit o, que riam mostrar que e ram educ ados; Gaílde deve ter p erc ebido, pois log o dis se: –Ora, achei que estivessem com fome, não se prenda m, meninos, fiz isso e specialm ent e pra vocês e se não comer e m, tud o isso irá estrag ar; o que s erá um pe cado porque esse bolo de cen oura es tá realm ente... – enfiou um peda ço int eiro na boc a e comple t ou com a boc a cheia – ...divino! Hummm! Foi o estopim para que saciass em, à vo ntade, sua fome. Empanturraram-se de maneira prazerosa daquelas g uloseimas por um bom te mpo. Tibor até s e sentiu t riste de t anto com er. Depois se dirigiram à sala, Gaílde se sentou em sua cadeira de balanço começando um tricô rápido e ensaiado, Sátir se esparramou no sofá e Tibor deitou no tapete mantendo uma distância segura das labaredas da lareira.
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–Tive medo de nunca enc ontrá- los. – começou Gaílde – Nossa! Co mo vocês são boni t os e crescera m bastan te, m as é clar o que não se l embra m; Tibor aind a er a um beb ê e Sá tir estava co meç an do a dar s eus pr imeir os passinhos. –Por que n ão n os encon trou a ntes e o que fez você se dis tanci ar da g ente? – p ergunto u Sátir. A velhot a coloc ou o tricô de lad o, olh ou para a menina e co m um su spiro come çou: –Meu filho, Leonel Lobato... Ah que saudades dele! – disse ela c om um olhar de devaneio – ele sempr e g ostou das matas, com cer te za puxou o avô; ele se cas ou com H ana; a mã e de voc ês era como ele, ambos am antes do mato. Eles resolveram um dia larg ar tudo, suas vidas na cidade e s eus empreg os, para viver com um ag r upament o de cig anos. Eu disse que ser ia loucura, e stavam co m dois filhos pequen os e talvez não fosse s eguro. Sug eri que viessem m orar comig o aqui no sítio, mas es tavam entusiasm ados demais para d esisti r da ideia. – deu um sor risinho sonhador – Foi bo m pra eles enqu ant o durou! Sinto muito a f alta del es; às vezes ain da par ece qu e estã o viajando, aca mpan d o aqui e ali, cur tindo a vida como sempr e quiseram. Foi difícil para mim, o contato er a quase nulo. – Ti bor notou que o s olhos del a come çavam a marej ar – Soube do in ci dente pela TV, chor ei demais e a ca bei por me desfa ze r do aparelho,
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como pode m ver, não t enho nen hum a TV aqui! – Nessa hor a Tibor até s e pre ocupou u m pouc o, m as pensou qu e viveu tant o t empo ac ampand o sem televisã o, não se i mpor taria d e conti nuar sem u ma, estava a costum ado. – Come cei en tão a procurar nos or fanatos próximos ao oc or rido, mas tive alguns... – nesse mo men to, G aílde levou as mão s ao ping ente ver de que car reg ava no p esco ço e o movimento não passou desperc ebid o para Sátir – ...contrate mpos... – disse ela paus ada ment e – que m e impediram de continuar a bus ca p or vocês. Sinto muit o por deixá-los dois anos naquel e o rfanato! Espero fa z er o que puder para co mpens ar is so. – ela li mpou a lág rima que escor r eu em su a b ochecha esquerda e mostrou u m sor r iso conten te. – Quero que seja m fe lizes aqui! – e voltou a tr ico tar. U m tempo passou contad o ape nas pel o cre pit ar das brasas da l areira e Sátir perguntou: –Que tipo de c ontra tempo a senh ora t eve? –Sátir! – Adver tiu Tibor, achou que a ir mã estava indo long e demais. –Tudo bem, Tibor! – tranquilizou Gaílde colocan do as agulhas ao lado do abajur mais próximo – é justo que saibam o que fez com que ficassem tanto tempo naquele lugar; e imagino que não gostavam de lá, certo? Os dois f izeram que sim com a cabeç a quase se m pensar.
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–Vocês t êm o dire ito de sab er o qu e m e fe z inter r omper as busc as por vo cês nesses dois an os. E u que sou tudo o qu e resta do mesm o sa ngue de vocês, em quem pod em c o nfiar, pena que ess e assunto requer talvez um pouco de... – ela parecia escolher as palavras cuidadosa ment e – ...conhe cimen to! U m silêncio apela tivo se deu enquan t o os dois olhavam para a avó. –Como assim? – int er rompeu Tibor. –Vocês vão s aber que existe m c oisas além da ex plicaçã o! – parou aqui para escolh er o melhor jeito de f alar e continuou – Que é preciso ver para enten der. Hoje é d oming o e imagino que em breve vocês sab erão do qu e estou fal ando. Tibor e Sátir não e ng oliram aquela ex plicação e esse er a o assun to que ia es tar e m pauta em s eus pensam entos por u m bom t empo. –Eu prometo qu e vocês sab erão, mas t alvez nã o seja est a a hora c er ta de dizer. – comp letou G aílde e de pois puxou outro assunto. – Eu est ou vendo u ma pessoa pr a ensin a r vocês, não pod em ficar se m estudar! A mãe de um g aroto dess a vil a é professora, seria uma ó tima op ç ão pra voc ês. –Estudar! Que dro g a. – disse Tibor s e volta ndo pra lareira. –Meu nobre ra paz, o saber é a g rande vir tude d e um ser !
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–Eu sei, eu sei. Só não gosto de estudar! – falou ele – prefiro liberdade. –Hahaha – riu Gaílde – pois então se prepare! Nesse sítio o que não falta é liberdade, vai implorar por um pouco da paz que um bom livro pode lhe proporcionar. Isso eu garanto! –Rá! Disso eu duvid o! E todos riram n a sal a. Conversaram sobre diversos assuntos, Gaílde contou sobre coisas que o pai deles aprontava na adolescência, Tibor e Sátir contaram coisas sobre o acampam ento co m os ciganos e como eram tratados no orfanato. Percebiam mais e mais que a vida entre eles iria ser boa, os três se davam bem. Enquant o a noite p assava pela convers a deles, a lar eir a baixava seu fog o e as sombras ondulant es pela sala se tor navam m a iores. –Devem estar com sono, crianças! – falou ela – ficamos tão entretidos na conversa que nem mostrei o resto da casa pra vocês e agora devem estar tão cans ados que dor mirão no c o r redor enquanto m o stro a co zinha. – todos deram risada e era bem verdade, os três estavam com as pálpebras pesadas de tanto sono, Tibor se pegou babando por duas vezes. – Bom, espero que aguent em até o qu ar to d e você s!
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Tibor subia a es ca da atr ás de Gaíld e e s eguido por Sátir, el e foi pe nsando s e tinh a es c utado direi to: – Quar tos? Qu er dizer um para c ada u m? –M as é claro! – resp ondeu a avó. –U au! Nunca tive um quar to, e ess e é só pra mim! – disse ele ao cheg a r à por ta do s eu qua r to. Sátir teve a m esma reação som ada a um abraç o aper tad o em Gaíld e; a mesma retrib uiu com uma intensidad e que S átir sentiu que fi nalmen te tudo estava b em e que po deria dor mir e m p az pela primeira vez em dois ter ríveis anos no orfana to. Os quar tos eram rú sticos co mo o rest o da casa, o de Sá tir tinh a u m en or me espelh o co m um a pente adeir a, o de T ibor tinha um baú com car rinhos de coleç ão. Ant es de fechar os olhos, Tibor deitou em seu colch ão log o d e pois qu e a avó se despediu co m um beijo de bo a noi te e c ome çou a pres tar ate nção no som da chuva qu e c omeçava a cair d eva g ar lá fora. Ouvia os bar ulh os da ma ta a o redor, o s cricris de g r ilos pr eenchiam a música selvag em q ue com eçava a tocar na cab eça d o g aroto. Aos pou cos a melo dia sincr onizad a dos insetos e os ping os da chuva qu e come çavam a cair ao redor eng olfavam Tibor a um sono pr ofundo an te s mesmo de ch eg ar a um possível r efr ão. Não demoro u muito para que os ir mãos Lobato apag asse m nas suas respectivas ca mas, o sono pesado dos dois indicava co mo tinha m tido u m dia exaustivo.
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Ao acordar pela m a nhã, Sátir foi até o quar to de Tibor, sent ou- se n a beirad a da c ama do ir mão e o acor dou: –Ei, maninho, ac orda! – Tibor abriu um olho revelando sua cara inchada – E aí, como est á se sentindo? Ele se espr eguiçou e falou com a vo z embarg ada com os br aços esti cados e um s or riso – Ah! Melh or impossível! –Uau, tamb ém ach o! Dor mi muito b em e aqui par ece s er leg al e ela parec e se im por tar mes mo conosco. – a meni na mudou d e feiç ã o – só fiquei encuc ada com o qu e ela disse que aco n tec eu a ela nos últimos dois anos. –Ou melh or, não d isse, né? – c omple t ou Tibor cr uzan do os bra ços atrás da cab eça. –Re p arou na pedra que ela tinha no pescoç o? per g untou Sátir. –Não! O qu e te m a pedra? –Não sei! Só achei estranha a ma neira como el a a aper tou quando dis se que teve uns cont ratem pos. O utra coisa: Não tem os T V! –Ah, Sátir! Pra que precisa de uma? Le mbra com o era quando aca mpá vamos? Vo cê es tá a ssim por causa da novela que vo cê assistia escondi da na sala da
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Romilda do orf ana t o. Vivemos a vida toda s em u ma, não vejo pr oble ma e m continuar assim. Tibor e Sátir tinh am olhos verdes e cab elos casta nhos claros, el e tinha tre ze e ela quinze anos d e idade. Ela era pou ca coisa m ais alta que ele. Sempre se utilizava d essa p ou ca al tura qu e tin ha a mais p ara s e colocar co mo prote tora oficial do ir mão. Desde que sua mãe mor reu, es se perfil se intensificou, Tibor até g ostava, mas tinha medo de que a ir m ã se preocu passe demais c om el e e se esquec esse d e si me sma. Devia ser por volta de umas on ze da manhã e o cheir o de comida os visitou lá e m cim a, eles d escera m mais que de pressa e encontrara m uma matutin a Gaíld e já atarefad a. –Bom dia! – dissera m os dois. –Oh! Qu e bo m qu e acordaram! Bom dia pra vo cês tamb ém, m ais um pouco e eu iria tir á-los da c ama, estou ansiosa par a que conhe çam o síti o. – ela tirou o avental qu e usava e pe ndurou num preguinho na par ede; l evou um a for ma do for no à mesa e diss e: – Venh am tom ar um rápido c af é da m an hã que já est á quase na h ora do al moço, fiz uns pães de queijo! Os dois s e esb aldar am de novo, Tibor notou qu e se continuasse assim, em poucas semanas se transformaria numa bola.
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Visitaram a casa toda. Viram o quarto da avó, viram o porão e a despensa, saíram para a varandinha da frente da casa e puderam ver a extensão do sítio, a uns quatrocentos metros ficava a porteira que atravessara m de car ro na noite anterior, ao lado tinha uma mangueira alta e for t e que estava car reg a da de mang as. Visi taram o celeiro que tinha uma vaca leiteira, a Mimosa. Visitaram o g alinheir o, onde G aílde se muniu de ovos para o almoço e viram t a mbém o poç o; atrá s da cas a havia uma hor ta c om diversos tipos de legumes e verduras. De tão perito que era no assun to, Tibor Lobato só r econhe ceu o alface: –Aquilo ali é alfa ce? – ar riscou o g aroto. –Cer ta respost a, 1 0 pontos pra vo cê ! – disse Dona G aílde e todo s caíram n a g arg alha da. Ao long o do dia, os laços deles s e afeiçoara m mais. Sátir e Tibor ajudaram a avó com o almoç o e a louça suja. Gaílde e nsinou que para ter leite deveriam tir á- lo da vaca, te riam també m que aliment á-la; o mesmo com as g a linhas. Todos os dias deveria m cumprir algumas tar efas para m ant er o sítio em orde m. –Como a se nhora manté m tudo is so nessa or g anizaç ão sozin ha ? – perguntou Sátir. –Ah! Obrig ada, s aiba que n em s empre foi assim! Há seis ou sete an os, mais ou menos nessa époc a, par ecia que um ven daval tinha pass ado por aqui. Não adiantava limpar nada, o vento era tão forte que assobiava
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alto e dava nó n as crinas dos cavalos, nos rabos das vacas e dos cachor ros, mas n ão cuido s ozinha do sítio! Eu con to c om a aju da de u m g aroto for midável, acho que ele tem a sua id ade, Sátir. Ele mora nesse vilarejo mesmo e é filho d a mulher que dará a ula a vo cês! O nome dele é Rurique. Irão conhec ê-lo. Um g aroto muito amável, el e irá ensinar a voc ês como cu mprir todas as tarefas, p e direi tamb ém qu e m ostre um pouco da vila pra vocês, f a lando nisso, el e já e stá atras ado! M ais tarde Tibor s e dei tou n a g rama de bar rig a para ci ma, p ensou que aqu elas tarefas seriam m olez a, dar ia co nta; olho u para o céu az ul onde duas bor boletas laranj a brincavam com o se dançasse m um tang o no ar. Seu cor ação estava feliz, nã o haveria mais br onca ou c astig o da senhora Romild a e nem brig as com o Marcinho do orfana to, es tava sonh ando acor dado e aquele sítio era perfeito em todos os aspec tos. Um r ang er cham ou a at enç ão d e Tibo r, sento u-se e viu um g aroto ma g relo vestindo um maca cão abrindo a por t eira. Gaílde es tava co m Sá tir mexe ndo nas f lores em volta d a varandi nha tér rea d a cas a. –Boa tard e! – disse o g aroto ao p assar p or Tibor. –Tar de! – Tibor e m resposta. –Você deve s er o Tibor e aquela é sua ir mã Sátir. Tibor confir mou co m a ca beç a. –Sua avó f ala muito de vocês. Vieram d a cidade?
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–M ais ou menos iss o. Você é Rurique, c er to? –Sim, sou eu! – falou o garoto magrelo – Bom! Prazer em conhecer você. Vou até ela pra ver se precisa que eu faça alg o, at é mais. –Até... Tibor ficou obser vando, viu a avó sor rir ao ver o g ar oto e apresen tá- lo a Sátir, d e pois e la ace nou par a que Tibor fosse até eles enqu anto s e dirigiam ao celeir o. Aprender am com o g aroto mag ricela a primeira tarefa: tirar o lei te da vac a. Essa tare fa rendeu bo as r isadas, Tibor e Sátir conseguiram meio balde de lei te, o r esto estava no chão e nas roup as d eles. Seguiram de pois ao g alinheir o. Sátir cor reu de um g alo que a per seg uiu em f úria por duas ve zes, mas enfim aprendera m como aliment ar as g alinh as e limpar o g alinheiro. Ao final, saíram de lá com as roupas e os cabelos cheios de pen as. Ao sinal de que i ria começ ar a anoite cer, Rurique s e retirou, tinh a de cheg ar ced o em casa ou su a mã e iria puxar sua orelha, d isse ele. O sol ainda p odia s er visto se retiran do por detrás de uma colina próxima, alguns pássaros passavam depressa pelo céu em busca do seu retiro notur no. Tibor, Sátir e Gaílde agradeceram e se despediram de Rurique enquanto os cr icr is dos g rilos recome çavam pou co a pouc o a pr eencher o silên cio e a lua se exibia ma jestosa no céu
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azul pe tr 贸leo. Tud o ao redor er a perfe ito, os g arot os s贸 lamentavam o fato de n 茫o ter c o nhecido aqu ele s铆tio ant es.
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Os tr ês, Tibor, Sáti r e Rurique estava m sen tados nos g alhos da mangueira, ao lado da por teira, no dia seguinte. As mãos ping avam com o suco da fr ut a. Tibor chupava um c aroço de mang a. –Humm! Essa é a melhor m ang a qu e já co mi n a vida! – disse ele co m a boc a e mpapa da. –Você diss e isso ao final de todas as quatro mang as que c omeu! – f alou Rurique de scasca ndo mais uma. –É! Eu sei! E ng an ei- me ant es. Essa última foi def initivament e a m elhor! – e se d esfez do caroço. Sátir estava no g al ho mais alt o, estava vendo a paisag em lá de ci ma; via colinas e mais colinas ao long e. –P ux a, como é lind o aqui! – disse ela b ocejand o – Ai, Rur ique! Eu brig aria com você por ter nos
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acor dado tão c edo, mas por con ta dess a paisag em, eu te per doo! –Não sei como é n a cidade, mas por aqui, todo mundo acord a c ed o! – retr uc ou ele. – E olh a que ainda não os acord e i no horário que deveria! O cer to é acor dar junto co m o cantar do g alo, assim você aproveita bem m ais o dia. Você vê o sol levantar e se deitar. Olha s ó que absurdo! Já é quas e meio-dia! A por teira r ang eu, e ra Gaílde ch eg ando. Tibor pulou da ár vore e foi ajud á-la com as sacolas qu e trazi a, Rurique f ez o m esmo. –Aonde vo cê foi, vó ? – perguntou Tibor Gaílde deu u m sor risinho contraído co m o ter mo “ vó” que Tibor soltara e fe z uma cara de quem tinh a g anhado o dia com aquela palavrinha d e duas letras. –F ui até o síti o de Rurique tra tar com a mã e d ele sobr e os seus estud os e o de sua ir mã, mas ela só vai estar disponível d e pois da quares ma; é claro que n ão imaginei o contrário, essa época realmente é conturbad a por aqui, mas nada que não sobrevivamos não é? – Tibor não en tend eu nada. –Per g untou a ela o que te pedi, s e pos so dor mir aqui hoje? – quis sa ber Rurique. –Per g untei, sim! Ela disse que se você quiser, está liber ado! –É claro que eu que ro! – disse ele sor rindo.
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Tibor e Rurique co meçava m a fazer pl anos para aquele dia, o que já incluía fazer fogueira, brincar d e escond e-escond e en tre outras coisas. Sátir os alca nçou e peg ou mais uma s acola p ara aliviar o peso da mã o da avó. –Humm! L aranja! – falou a menin a abrindo a sacola. –Eu achei u ma lar anjeira reche ada n a beira da estrada e trouxe al g umas laranjas p ara casa, p or isso demor ei um pou co. Devem es tar co m fome, já deixei algumas coisas adia ntadas, log o ter min o o almoço. – disse Gaílde. –Acho que não estamos com fome não, vó! – falou Tibor – come mos muita mang a! –É verdade! Minha bar rig a está at é doendo! – comple tou Rurique. Colocaram as lara njas na fr uteira d a cozinh a junto às ban anas e jambos; e f oram par a o g ramad o d e f r ente à casa, se se ntaram na som bra de uma ár vore e come çar am a de cidi r o que faz er prim eiro, já que as tarefas daqu ele dia j á tinha m sido tod as cumpridas. O dia passou depressa e fora maravilhoso, os três correram e pularam bastante tomaram banho de mangueira à tarde e cochilaram ao sol até se secar, quando estava anoitecendo, Rurique e Tibor foram buscar madeira para
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fazer fogueira e Sátir foi ajudar Gaílde a embalar batatasdoces em papel-alumínio. Entr e uma coisa e o utra, Rurique explic ou para os dois sobre os vilar ejos, disse a el es q ue an tig amen te tudo er a ap enas u m a cidad e e que um prefeito m aluco um belo dia resol veu dividir a cidade em 7 vilas, ning uém en tend eu n ada, mas a idei a foi execu tada e a cidade foi dividida. Rurique os infor mou que o vilarejo onde moravam tinha o n ome de Vilarejo ou Vila do M eio, pelo fato de es tar rod ea da pelos outros vilarejos. –Falta d e cria tividade da pesso a que deu ess e nome, não acham? – comen tou Sá tir. Rur ique disse ta mb ém que era m pouc o s os sítios vizinhos ao da D ona G aílde, a nã o ser pelo s eu pr ópr io sítio, um outro sítio de um fazendeiro chamado Pereira e mais um sítio que os donos nunc a aparecia m, lá m orava apen as o caseiro, um tal d e “João alg uma coisa” ; o res to da vila era u ma f l oresta de nsa e fechada. Quando a lu a se f ez al ta n o c éu, a r maram e acend eram a f og uei ra. Quando a m ade ira começ ou a for mar brasa, já era bem t arde. Gaílde se desp ediu e foi dor mir, ma s os três estavam c om a adr enalina a mil, pois Rurique disse que ir ia cont ar his tórias de t er ror que a cont ecer am nos vilar ejos.
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M unir am- se então d e refrig erantes e se sentaram em p edaços de tron co e m volta da fogu eira. O g aroto sabia faz er suspens e, pois os olhava com um a cara medonh a. –O que quere m s aber? – perguntou Rurique fantasmag órico. –Não sei, nã o sab emos de nenhu m a ssunto ou boato p ar a pergunta r. – respondeu Sátir – escolha u m você! –Está be m! Mas não quero ser responsabilizad o por falta de sono e nem c amas molh ad as de suor frio ou xixi. Entendera m bem? Todos deram altas g arg alhadas que ecoaram d e maneir a es tranha. Rurique foi o primeiro a ficar sério e Tibor e Sátir fizer am o m esmo. Os tr ês se olharam em silêncio por um tempo. –Tudo co meç a co m a quaresma! – come çou o g aroto mag ricela. Tibor já levantou as orelhas e um a r re pio lhe subiu pela espinha, sua avó tinha come ntado alg o com essa palavra, mas j á não lembrava mais o que era. –A quaresma é um período de mais ou menos 40 dias em qu e coisas es tran has ac onte ce m, pr incipalmen te por aqui! – Rurique de u uma pausa e olhou par a os dois, Sátir avaliava se sua bata ta-doc e já estava boa p ara co mer quando o g arot o continuou. –
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Neste ano, o perío do da quaresma co meça n o dia 17 de f ever eir o... –Que dia é hoje? – inter rompeu Tibor já com um medo estr anh o e de u uma g olada no re frig erante p ara disfarçar. –Ter ça- feira, dia 16! Amanhã s erá quar ta-feira de cinzas, ess e é o ter ceiro dia que estã o aqui! – disse Rur ique. GLUP! Foi o som que veio da g arg anta de Tibor ao eng olir o refrig erante d e tub aína. –... e a quaresma t er mina no dia 2 de abril, na sex ta- feira da paix ã o! –Que tip o de coi sas aco nte cem por aqui? – per guntou Sátir se m demons trar medo a lgum. –Ah! Vocês sab em. .. coisas. – se des concer tou Rur ique. –Não, n ão sab emos! – retr ucou ela, inqu iridora. –Nunca ouviram f alar de uma tal mula que and a por aí sem c abe ça? –Ei, isso é f olclo re! É lend a que a s pessoa s conta m. – disse Tib or. –É? E d e ond e ach a que viera m ess as lendas? – indag ou Rurique. Tibor deu de o mbro s e disse: –Sei lá! São história s inventadas.
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–Que s ão inven tada s, eu posso afir mar que s ão, mas t amb ém af ir mo que f ora m criad as a par tir d e f atos r eais. –Ahá! Vo cê quer m e botar med o com historinhas de f olclor e? Ten ha paciên cia! – disse Sátir – Algué m quer bata ta- doc e? Já estão pro ntas. Ning uém respond eu e Rurique c ome çou: –Eu m esmo nun ca vi, só ouvi. Ela passa num g alope r ápido e ner voso, meu pai a viu quando estava voltando d e um a pe scaria na Lag oa Cin zent a que fica no Vilar ejo do Bra ç o Tur vo. Disse q ue era noit e e ela veio em sua dire çã o, ele rapida men te se encolh eu no chão, fechou a boc a e esco ndeu os d edo s. –Por que ele fez isso? – perguntou Tibor interessado. –A mula é atraída p elo branco dos dent es e pelas unhas. Se ela o vir, irá ata cá-lo a té a m or te! – Rurique deu uma p ausa par a ver a reaçã o deles – Meu pai deu sor te, ela passou direto c omo se ele n em estivesse ali. Sátir não acredi tava de m aneira nenhu ma e Tibor já estava compl eta m ente at ento ao co nt o, olhava para os lados inquieto e não parava d e trem e r. –Não a credita não é ? – perguntou Ruriq ue à Sátir. –Nem um pouc o, de sculpe! –Pois olhe seu c elular! –M eu celular? O qu e te m ele? – pergunt ou céti ca. –Quando est amos n a quaresm a ou próximo dela , a maior ia dos apar e lhos eletrônicos par a de funcionar
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por aqui. Nã o sei q ual a ex plicaç ão p ara isso. Olhe seu celular e nos dig a s e está funcio nando! Ela o retirou do bol so e const atou qu e estava sem sinal. –Não disse? –Isso não prova nada! Como vou saber se quando cheg amos aqui ele f icou sem sinal? Não o usei nem o consultei d esde entã o. –Eu sim. Coloquei nossos dois celulares para car reg ar e não estavam sem sin al. – diss e Tibor. –Talvez voc ê n ão s e lem bre porque nã o preciso u usá- lo. O que quer o dizer é: você não sabe s e es tava sem sinal, pois qua ndo o coloc ou para car reg ar, não estava pr es tando a a tenç ão nisso e o fat o de est ar sem sinal pode t er passa do desperc ebido! – disse Sátir. Tibor parou p ara p e nsar e com eçou a d ar razã o à ir mã quando se l em brou: –M as eu o usei n o car ro na vind a par a cá e ele estava co m sinal h á três dias. Ela se man teve em silêncio por u m bre ve instan te e co mplet ou: – Ainda acho qu e esse p apo d os celular es nã o prova nada! – e d eu um a mordida na bata ta- doce - es tam os no meio d o nada. –Tá bom! Vo cê n ão quer acredit ar, mas quando a vir, não dig a qu e n ão avisei e lembr e-se de esco nder os dedos e os den te s.
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M antiveram-se qui etos e com eram a s bat atas, ner vosos, com exc e ção talve z de Sátir que mantinha sua “lógica racional ” viva na cabeç a. A f og ueira estalava quando Rurique c omeçou a dar risada. –O que f oi? – quis saber Tib or – O que é tão eng r açado? – e Ruri que riu mais alto – Va mos, dig a! –Sua cara d e m ed o é eng raçad a! – riu-se ele quando Tibor o ac er tou c om uma bol inha de papel alumínio – Eu concordo que a história é meio medonh a, mas eu ta mbém tenho minhas dúvidas se el a é real, apes ar de m eus pais não g ostar em qu e eu saia nas noites de quar esma. E que eu m e lembre, toda época d e quaresm a coisas estranh as acont ec em por aqui, mas tudo vira boato de p ois de um tempo. – disse Rur ique. –Então o papo da mula é furado? – Ti bor quis se cer tif icar. –Pode ser que sim e pode ser qu e não ! Eu não sei, mas be m que eu queria desco brir. –Eu ta mbém! – diss e Sátir, o que fe z Ti bor achar estr anha sua atitud e. – Ora Tibor – com eçou ela, piscando um olho p ara ele, mas ele não entend eu seu plano – o que me diz de uma aventura? Poderíamos ir para a estrada ag ora e esperar que essa tal mula apareç a, o que acha?
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Tibor pensou e diss e inc er to: – eu não acho que seja uma b oa... Sátir piscou m ais u mas duas ve zes par a que el e entr asse na dan ça d ela. –Sim?! – disse ele p ressentindo estar e m apuros. –Ótimo. E vo cê, Ru rique, o que me diz? Rur ique man teve- se fir me e fingiu-se de bobo, pois per ce beu o pla no da g arot a. Ela q ueria ver se ele er a r ealmen te c o rajoso. “Não dei xaria n en hum a menin az in ha da cid ad e ser mai s corajosa qu e ele”, pensou. Ser ia um desaforo e então fe z ou tra pro posta: –Eu sei de alg o mel hor! –Rá! Sabia que f ug iria! – disse ela. –Não estou fugindo de nada, quero propor alg o mais exci tant e! – d isse ele – O sítio mais próximo, seg uindo pela es tra da velha, é do vel ho Pereira que está desap arecido h á quas e dois anos e tod o mundo acha que ele mor re u. O sítio está aba ndonado d esde entã o, n enhum pare nte veio sab er del e ou da casa. – s e é q ue ele t em p ar e ntes! – Diz em qu e o sí ti o é ass ombrado pelo seu f antas ma e quem en tra lá nunca mais sai. – Rur ique perc ebeu n o olhar de Sá tir que ela iria desistir e r esolveu alfinetar – M as é clar o, isso é só his torinha de assust ar crianç a! Sátir se levan tou e d isse num tom d e des afio: –Onde f ica esse síti o? Vamos ag ora?
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–Calma aí, p essoal! Não precis amos ir a lug ar nenhum e nem provar nada pra ninguém . Vamos en trar e tomar mais refrigerante e... – quando Tibor percebeu, estava f alan do pra t icamen te s ozinh o, pois Rurique e Sátir estavam c or rendo para de ntro da casa. Tibor dispar ou log o atrás – Ei, vocês me deix aram aqui fora sozinho. Que brinca deira mais idiot a! Entr ou na c asa, ma s Tibor percebeu q ue os dois não tinh am entrado para bot ar med o nel e e d eixá-lo lá fora, pois Sátir peg ara sua mochila e colocara um a lanter na dentro d el a e Rurique pegara um canivet e e um es tilingue e c olocara no b olso. – N ão estã o pensando em invadi r o sítio desse tal Pe reira, estão? –Shh! Fale b aixo o u vai ac ordar a vó! – disse a ir mã. –Sátir, o que per g untou Tibor.
p e nsa
que
es tá
faz endo?
–
–M aninho! – c ochichou ela em s eu ouvido evitando q ue Rurique a ouviss e – ess e me nino es tá quer endo botar me do na g ente con tan do babos eiras. Só quer o provar que nós, que viemos da cidade, não temos m edo dess as mentiras que cont a m para crian ças. Além do mais, vai ser uma ave ntura e tan to, bem melhor que qualqu e r novela ou filme da TV. E aí, o que me di z? –Que voc ê est á louc a!
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–Ok, ent ão f ique aq ui que eu volto log o mais co m um Rur ique de calç a s molhadas d e t anto medo. –Não! Eu vou com você! – disse Tibor. –M aninho! – e entã o ela ficou séria – Você sab e que não vou deixa r nada acont ec er com você, não sabe? Estou fa zendo isso porque tenho cer te za que el e desistir á an tes m es mo de c r uzar a por t eira dest e sítio. Tibor se sentiu ma is confiante, se era só até a por teir a não haveria problema algum. Saíram os tr ês de mochila nas cos tas e lant er nas na mão. O frio parecia bem mais presente do que antes lá fora. Tibor olhou para a fogueira sozinha a o long e e achou que ela pare cia assustad ora ag ora. “É só até a por tei ra e i sso t udo é p apo f ura do!” p en sava ele. “N ão existe e ss a histó ria de mula ou a ssomb ra ção, é tudo co nto pr a pôr me do em c rian ças!” Cheg aram a té a po r teira e se en carara m. Sátir e Rur ique se faiscava m com o olhar em d esafio. Estavam esp erando para saber quem desistiria pr imeir o, mas co mo nenhum del es desis tiu, Rurique já abr ia a por t eira e nquanto Sátir olhava significativa para o ir mão. “Ok! Então só até essa tal de estrada velha e voltamos!” falava Tibor em vo z baix a para si mes mo. “N ão exist e mula e nem assom bra ç ão!”
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Passar am a por t eira e com eç aram su a pequen a jor nada pela r uazin ha de t er ra que levava até a estra da velha. Andavam num passo acelerado e com as lanter na s mostr ando o ca m inho. Sátir, a to do mo ment o, verificava se o ir mão estava be m. Não d emorara m muito e cheg ara m à estr ada velha. Se naquela noit e que cheg ar a m de ca r ro, há três dias, acharam a estr ada medonh a, não era nada comp arado a ag ora! O facho de luz, que as lan ter nas proporcionavam, iluminava pouca coisa ant e a g rande escuri dão ao redor. Per manecer a m para dos na es trada por um te mpo. Sátir e Rur ique se encar aram novame nte, m as Tibor ag ora via que esse desa fio os levaria long e demais e consta tou es tar c er to quando os dois se puseram a seg uir em frente n ovament e. O g arot o sabia que a ir mã estava com m edo, mas, como se mpre, ela não demonstr ava. Seg uiram r umo ao sítio abandon ado d escend o a estrada esburac ada. Tibor sentiu o cheiro for te de mato e pô de ver a f loresta n as lat erais da estr ada. Era uma ma ta b em f echa da. Mirava sua lanterna para todos os lados freneticamente e percebia que seu medo era compartilhado pelos outros dois. –Pessoal, vamos parar com isso! Só estou eu aqui além d e vo cês e sei que são corajosos o suficiente para
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ir em em f ren te, ent ão não precisa m te ntar me provar nada. Por que nã o voltamos p ara o sítio ? – ele es perou alguma respos ta, m as ess a nã o veio – Sátir! – ch amou em súplica – por favor! Sátir balançou ao pedido do ir mão e após um br eve inter valo d e t empo resp ondeu: –Tá leg al! Vamos vo ltar. Foi quando ouviram um bar ulho na e strada atrás deles vindo de onde vinham. –Apaguem as lant er nas! – disse Rurique e todos o fizeram – M e sig am , rápido! – e c ontinuaram a d esc er a estr ada, já que quem quer que fosse estava bloqueando s eu c am inho de volta. Passaram por uma cerca de ara me far pado e ficaram obser vando a estrada d e trás de um arbusto. O cor ação dos três e stava a celerad o, n ã o cons eguiam par ar de trem er e ten tavam s egurar a respiraç ão pesada p ara nã o f az er bar ulho. Foi quando viram o que era. Uma senh ora vinha caminh ando l enta m ente pela es trada, s em lan ter n a ou lampião, m as pareci a estar procurando alguma coisa e sem pr oble mas de fa zê-lo no es curo. Tibor não sabia por que, mas sentiu alg o de per ig oso na mulher e não foi o único, pois Sátir já o chamava p ara cor rer dali quando a vel ha pare cia estar mais per to. Os três se de p araram c om u ma cas a log o à f r ente.
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–Esse é o sítio do t al Pereira – disse Rurique com medo na voz – pre ci so confessar, estou mor rendo de... –Eu tamb ém! – inte r rompeu Sátir trem endo. – E ag ora, o que f aremo s? –Não sei! – respondeu Rurique. – dizem que quem entra aí, nunca mais sai! –Você não mora n e sse vilarejo? D everia saber o que faz er, não con hece mos n ada p or aqui! – diss e Tibor, br avo. M as ant es qu e alg uém se pronunciasse, a respos t a do que fazer veio com um bar ulho da cerca o nde passaram. Tibor n otou que a velh a estava fa zendo alg uma coisa no a rbusto onde estive ram há p ouco. Não tin ha muit a c e r teza, mas pareci a que ela estava far ej ando o l ocal. S em p ensar, os três cor reram na dir eção da casa e resolveram entrar e se es conder. Rur ique e ncon trou uma janela se mia ber ta e ajudou Sátir a pular pra de ntro, de pois ajudou Tibor e pulou por último. Ruriqu e tran cou a j anela por dentro e pediu par a qu e todo s fizessem silên cio.
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P uder am ouvir os passos ab afados d a velha s e aproximar pelo lado de f ora da c asa. Os tr ês estavam s en tados de cos tas par a a parede e tr emia m sem p ara r, parecia que o cor ação d eles iria saltar pela bo ca. Se ntiram que a velh a parara do lado de for a d a jan ela onde estavam, peq uenas e for tes fung adas foram esc utadas por el es, pouco de pois ela pôs- se a and ar novament e e p arecia esta r indo embora. –O que f oi isso? – s ussur rou Tibor a Rurique. –Eu não s ei! –Ela estava nos f are jando, aquela velha estava nos far ejando! – dizia el e indignado. –Shh! - Fez Sátir qu ando ouviram passo s na p or t a da entra da da casa. T OC T OC T OC Com o susto, os três levaram as mãos à boca tentando conter seus próprios sons.
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–Ela sab e qu e es ta mos aqui. – sussur rou Tibor o mais baixo que p ôde. T OC T OC T OC – b ateu a velh a novam ente mai s pausada ment e. Tibor, Sátir e Rurique se m antiveram quietos e, após alg um tem po, ela se foi. Mesmo assim eles esperaram. Fora m a t é a ja nela e n ão vira m ninguém do lado de fora. Tinham outro pr oblema e m men te, estavam dentro da casa q ue diziam ser ass ombra da. –Será que essa velh a é a assombraç ão q ue dizem? – per guntou Tibor. –Não m esmo! O qu e dize m é qu e o fan tasma qu e habita aqui é o do fazend eiro Pereira. – disse Rurique – Vamos voltar ag ora para o síti o, an te s que d ê meianoite! –Você é louco, es ta mos mais seguros aqui dentro que lá fora! – diss e Sátir – Talvez o melhor a faz er seja esp er ar ama nhe cer. –De jeito nenhu m, essa cas a é assomb rada! Não f ico aqui m ais n en hum minuto. Daqui a pou co é o início da quar esma e eu n ão quero est a r aqui quando ela com eç ar. –Escut em aqui vo c ês dois! – falou Tibor – Não vamos nem sair e nem f icar até o a manhe cer, mas sug ir o esperar p elo menos u m po uco m ais aqui d entr o, pois não sa bemos s e essa velha es tá n o s esperand o aí
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f ora. – e com plet ou ainda – E vo c ês são bur ros demais. Mais um a disputa por orgulh o de voc ês e vamos ac abar mor to s! Rur ique e Sátir eng oliram o orgulho e consta tar am qu e Tibor, apesar de m ai s novo que os outros, estava c om a razão. En tão resolveram esp erar. A c asa p arecia est ar abando nada inclusive pela ta l assombraç ão, nad a se movia ali dentro e tudo pareci a estar n o m esmo l ug ar desde que o tal fa zen deiro sumira há quase doi s anos. Tudo tinha uma cam ada de quase um c entím etr o de pó e um cheir o estran ho qu e ir ritava as narinas dos três. –Se essa assombra ç ão estivess e mes mo aqui, ela teria ate ndido a por ta não ach am? – Sát ir ar riscou uma piada, mas ning ué m riu. Andar am p ela s ala olhando os m óveis e mo bílias. A cas a do fa zend eiro não era maior qu e a de Gaílde, mas tinha su a po mpa. Nas par edes, ao invés de quadr os, haviam e nfeites feitos d e bambu. Sá tir per ceb eu que n ão s ó os enfeit es pendu rados eram d e bambu, co mo tod o o resto: sofás, mesa s e cad eiras. –Que es tranho! – di sse ela. –Ai! – disse Ruri que de um can to da sala aponta ndo a la nter n a para o ch ão. –O que f oi? – disseram Tibor e Sá tir juntos, já esper ando pelo pior.
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–Nada! Trope cei num pé d e sap ato! – disse el e ex ibindo o sapa to preto e m que tro peçara, p ara o alívio dos dois ir mãos. Tibor re parou qu e não havia n enh uma fot o emoldurada n a mobí lia, també m não tin ha g eladeira na casa, ne m T V. A c asa era tér rea e só tinha um qu ar t o, m as n ão tinha ne nhuma cam a . –Esse c ara era esquisito! – const atou Ti bor. Abriram o g uarda-roupa, enc ontrara m-no vazio. –Estou com eça ndo a achar qu e ess e cara não mor r eu. Ele foi e mb ora por co nta própria e levou suas r oupas ou então tin ha mania de a ndar p elado por aí! – disse Tibor – Voc ê não se le mbra dele, Rurique? Se ele sumiu há dois an os, deve se le mbrar. –P ior que não! El e não devia dar muit o as c aras pela vizinha nça. – r espondeu ele. –Estou mor rendo d e sono – diss e Sá tir – talve z seja a hora d e ir. –Concordo! – disse Tibor. –Ei! Olhem o que encon trei. Que es quisito! – disse Rur ique c om u m g or ro cor de vinho nas mã os. –Cheg a, pessoal! N ão deveríamos ficar fuçando a casa dos ou tros. Ru rique! Devolva esse g or ro onde o encon tr ou e vam os embora! – falou Sá ti r. Rur ique foi coloca r o g or ro no lug ar onde o encon tr ar a quand o um som es tranho s aiu do g or ro.
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–Ouvir am isso? – pe rguntou o g aroto pa ralisado. Tibor e Sátir ad ora riam dizer qu e nã o, mas era pr aticam ent e impos sível não assumirem que escutar am alg o, só não sabiam identif icar o que e ra. Foi quando o bar ulho a com eteu seus ouvidos outra vez. Um som que m es clava vozes com b ar ulho de mato saía de d entro do g or ro amar rotado e sujo, hora baix inho, hora b em alto; e e ntão emude cia. Rur ique solt ou o g or ro no chão mais qu e de pr essa e se afas tou: – É! Acho que é hora de sair mos daqui! Foi então qu e o ina c reditável a cont eceu. O g or ro f lutuou no ar a um metro e meio d o chão. A boca do g or ro estava virada para os três que não sabia m o qu e fa zer. O g or ro come ç ou a chiar al to e balan çar, u m ven t o com eçou a sopr ar de d entro d ele f azendo os cab elo s deles e tudo o mais por ali esvoaçar. Cor reram para a j anela d e onde tinh am vindo, mas essa pare cia e star emper rada. Te ntaram outr a e mais outra, m as nen huma das ja nelas ab ria. O pânico co me çou a tomar con ta dos meninos, o g or ro chiava c ada vez mais alto e s e mpre au men tava sua r ajada de vent o pra cim a del es. Fugiram en tão para outr o cômodo da casa e, antes de fechar a por ta, puder am ver que a força do vento se intensificava a
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ponto de co meç ar a der r ubar as cadeiras e os enfeites das par ed es. Estavam no quar t o sem cama, Sá tir tentava a janela, m as o trinco estava enfer r ujado e em per rado; e como t odas as outra s janelas, essa tamb ém não abriu. –E ag ora, o que f are mos? – perguntou Rurique. –Ah, você não é o corajoso aqui? – disse Sátir. – Poder ia ir lá f ora e pedir pra, o que quer que s eja, parar de soprar pra cima da g en te. O g ar oto fez uma ca reta e diss e: –Pelo que eu saiba você ta mbém n ão d eu o braço a tor cer que estava com med o antes d e cheg ar aqui e olha só! Es tamos pr esos por um a ass om braçã o, ou sej a lá o que f or, que está sopr ando a trá s desta p or ta. Duvido que t enha uma ex plica ção lóg ica para iss o, sabichona! – retr uc ou Rurique ficando ver melho. – E ag ora não sairemos daqui nunca m ais! Quando S átir fez menç ão d e respon der, Tibor inter veio: –O que há c om vo c ês dois? – b er rou e le, pois o zunido do vent o est ava cada ve z mais a lto do lado de f or a do quar to. – Estam os numa situação de risco aqui! P r ecisamos p e nsar juntos ou não sairemos dess a casa se m ser mos so prados por esse cha péu malu co! A por t a come çou a tr emer e entã o se abriu violentam ente, pud eram ver que o g or ro estava f lutuando no cor re dor em frente à p or ta, como s e
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sopr asse a fim de der r ubá-la. Os três pensara m a mesma coisa e a o mesmo t empo. C or reram para a porta e a forçaram para fechá-la, por sorte conseguiram e enquant o Tibor e Rurique a seg uravam, Sátir cor reu e peg ou uma ca deira do quar to p ara esc o rar a maç anet a. Soltar am a por ta e olharam o tra balho qu e f izer am. Percebera m que não duraria muito temp o, pois o g or ro transfor mara o vento em vendaval no cor r edor atrás dela . Precisavam d e u ma al ter na tiva com certa urgência, pois a porta tremia assustadoramente. Entraram no b anhei ro do quar to ao mes mo t emp o em que a cad eira e a por ta cedia m at iradas à outr a ex tr emidad e do cô modo e se esp atifavam em vários pedaç os na p arede. Fecharam a por ta do banheiro, per ceberam que havia uma janelinh a no alto da parede e que poderiam passar por ela. –Tibor, você vai pri meiro! – disse S átir decidida – eu f aço “p ézinho ” pra você. – fa lou a m enina estend endo as mãos com os d edos cr uz ados par a qu e o ir mão subisse. A por ta do ba nhei ro come çava a zunir e tr emer – Lá fora, cor ra como nunca cor reu antes e n ão esp ere por nós! Suba a est rada velha, v á par a o sítio e p eça ajuda pra vó, ent e ndeu? – e fez uma cara que le mbrou Hana L ob at o, a mãe dos d ois.
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–M as e se essa to ca voadora der r ubar a por ta e... – começ ou ele quan do um BUM na por ta cor tou o que estava diz endo. –Rápido, Tibor, vo c ê precisa cor rer, eu e Rurique estar e mos log o atrás de você! – pro met e u ela. A por t a se abriu, m as Rurique a seguro u com as costas e colo cou os pés na p arede us and o-a de apoio. –Vá log o, Tibor! – g ritou Rurique. Tibor não queria deixá-los, mas sua irmã praticamente o obrigou com o ol har inquiridor da mãe. E ele foi, pisou nas m ãos d a ir mã, ela o elevou até o parap eito da jan elinha que nã o estava e mper rada e Tib or pulou para fora da c asa. L á fora es tava b em escuro e Tibor olho u ao r edor ainda co m medo daquela velha estr anha es tar à espr eita, m as tudo o que viu foi uma planta ção d e bambus de uns s eis metros de al tura, a uns cinquent a metr os de onde estava. Ouviu o g rito da i r mã e n ão teve forças e ne m corag em para cor re r e deixar a ir mã e o amig o p ara tr ás. –Sátir! – g ritou ele. A cab eça d a ir mã e ntão ap arec eu do la do de fora da janela, Rurique seg urava a por ta com um pé e ajudava a menin a a passar pelo buraco. Assim que el a conseg uiu sair da c asa, Rurique solt ou a por ta, subiu
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na pia do banh eiro e saltou pela ja nela mais qu e de pr essa. –Tá todo mundo b em? – perguntou S átir. Todos assentir am – En tão vamos em bora daqui ! E cor reram ainda e scutando o g or ro assobiar lá dentr o. Tibor olhou para tr ás por um breve m oment o e viu todas as j anel as da cas a s e abrirem quas e ao mesmo tempo. Alg umas ca deiras fora m atiradas para fora, até o sof á d a casa vo ou long e. Os menino s subiram a estrad a velha e deix ara m de ver a casa do f azendeir o d esap are cido. Continuaram c or rendo sem diz er palavra alguma, entraram n a es tradi nha que levava a o s ítio de Gaílde, passaram pela por t e ira. A f og ueira ag ora ardia apen as em brasa. Entrar am voando pela por t a e a t rancaram . Cheg aram à sala e o s três espar ramar am -se no tap ete. Após u m t empo em que só se ouvia a respiraçã o aceler ad a, Tibor foi o primeiro a quebra r o silêncio: –O que era aquilo? –De qual aquilo você est á falando? Da velha maca br a ou do g or ro assombrado? – perguntou Rur ique. –Nossa! M eu c oraçã o está a mil! – disse Sátir. –O que f aria um f antasm a d estr uir s ua própria casa? – perguntou Tibor – Se aquilo que movia o
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chapéu doido era o tal Pereira, por que ele quebraria suas por tas e jog aria tudo o qu e era seu , janela a fora? Quer o diz er, é sua p rópria casa! –Talvez aquel e não seja o f an tasm a do f azend eiro! – especulo u Rurique. –Que ele qu eria no s expulsar dali, est ava claro! M as o qu e aquela velha queria co m a g ente? – per g untou Tibor. –Não sei! Talve z n ada, mas talve z... – Rurique deixou a frase no ar. M ais um breve silê ncio pairou at é qu e Sátir se pr onunciou: –Acho que não d evemos dizer nad a à Gaílde ou ela perd erá a conf ia nça em n ós! A manh ã, vamos ten tar ag ir como se n ada tivesse ac onte cido, ok ? –Não sei! – disse Tibor – talvez e la devesse saber. Na verdade, isso aument aria a co nfiança! Mas é clar o que um a boa b ronca nós iríamos l e var! –A nossa sorte é que já estamos aqui e ainda estã o faltando cinco mi nutos para a m eia -noite. O qu e dizem é que log o de pois da meia-noit e é que o bicho peg a! – disse Ruriqu e. –Talvez a vó até s aiba o que é aqu ele g or ro. – f alou Tibor – Eu g ostaria de sab er o qu e era. S abem os que é be m pod eroso ! –Ah, isso é! – disse Sátir – Espero jamais me de par ar c om um obj eto que s opra e vo a novament e!
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Tibor e S átir conferiram seus c elulares, o d el e estava se m sinal e o dela já não fu ncionava mais. Par ecia ter um leve cheiro de coisa qu eimada s aindo do telef on e. –M as que drog a! – reclamou ela e deixou o celular de l ado nu ma mobília s ob a l uz am arelada de um abajur. O sono co meç ou a ultr apassar a adrenalina, concor dar a m entã o em não diz er p alavra do qu e acont ec era naquel a noite p ara D ona Gaílde e r esolver am subir pa ra seus quar tos. Rur ique dor miria n o quar to d e Tibor e ant es de se se par ar e m de Sát ir no cor redor do primeiro andar, se olharam e dera m risadas. Então Rurique disse : –Bom! Pelo menos tivemos nossa aventura! – cada um foi para o seu quar to quando o relógio da sala ba teu por do ze ve zes marc and o o início d a quaresma.
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Quar ta- feira de cinz as! O céu es tava nubla do, uma g aroa zinha fina caía vez ou outra de le ve sobre a Vila do Meio. Gaílde estr anhou qu e os três, Tibor, Sátir e Rurique tivessem levantad o tão cedo. Ela pre parou o café enquanto eles cumpriam as tarefas mais que d e pressa. L impar am a sujeira que deixaram ao redor da fogueir a, de pois Tibor se encar reg ou da vaca n o celeir o, Sátir e Rurique ficaram co m as g alinhas. Ter minaram as tare f as e tomaram o ca fé da avó que incluía at é queijo c o m g oiabada. –Que delícia! – disse Tibor ao final de mais uma tig ela. Após se retirar em d a mesa, foram os q uatro para a sala, Dona Gaíl de se sentou e m sua cadeira de balanço e co me çou seu rápido trico te, Tibor perceb eu que ela es tava t ec en do uma t oalha roxa.
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–Vocês s abe m que hoje é o primeir o dia da quar esma, c er to? – perguntou a avó. Todos asse ntiram mudos. –Entã o, esp ero que se compor tem, po is nesses tempos, fenô menos que não en tend emos bem são m ais comuns! – el a pe rcebeu os olhares seden tos po r infor mação e conti nuou – Qu ando ch eg aram aqui no doming o, eu estive nesta mesm a cad eira e disse p ara vocês que existia m coisas se m explic aç ão e qu e t eriam de ver par a ente nde r, pois bem, essa é a época! Serão mais de quare nta dias qu e essas forças ter ão a opor tunidad e de s e mostrar! –Por que essas t ais f orças são r uins? – perguntou Rur ique. –Ruins? O que o f az pens ar assim? – perguntou Gaílde. Os tr ês g arotos se olharam em silên ci o e a avó continuou: –Não s ei de ond e tirou ess a idei a, mas posso assegur ar que não s ão f orças r uins! Be m, nem poss o dizer que sã o de t od o boas, vamos di zer que existe u m equilíbr io, alguns desenc adeia m coisas boas, outros, coisas r uins e outros apenas são o que são! – Gaílde achou es tr anho o fato de est arem ent e ndendo tudo o que ela f alava e res olveu perguntar – Vocês por a caso pr esenciar a m algu m tipo d e m anife staçã o ont em à noite?
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Todos f izera m que não co m a ca beç a, mas é clar o, isso não convenc eu Dona Gaílde. Mes mo assim ela apenas s or riu e disse: –Pois bem! É bom que vejam com o s próprios olhos, mas tomem cuidado! Existem forças que prez am pelo mal t ambé m e que inf elizmen te criam asas n essa época! – os três se ar re piaram da esp inha à nuca e então ela mudou d e assunto – Rurique! Acho bo m você visitar sua mãe hoje! –Dona Gaílde! Eu g ostaria d e s aber s e eu pod eria passar a quaresma aqui no sítio com vocês! – perguntou o garoto magricela. Tibor e Sátir ficaram felizes co m a vontade do amig o e pedira m para que a avó assim o per mitisse. –Façam os o seguint e, então: vá at é sua casa diz er que está b em e converse com sua m ãe so bre o assunto; se por ela es tiver tudo be m, por mim est á be m tamb ém! – disse ela. –Va mos co m voc ê! – falou Tibor. M ais tarde saíra m p ela por t eira, os três. Era por volta das de z da m a nhã e eles s eguiram a estrada velha r umo à cas a de Ru rique, que f icava mais à frente da casa do f a zend eiro Pereira. Tremiam só de pensar em passar na frent e d o sítio do Pereira, mas o fato de estar de dia os e nco rajava. Ao cheg ar à frente da casa abandon ada, viram que as janelas se encon travam
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escan car adas e peda ços de cad eiras e m esas, balaios e enfeites aind a est avam espalh ados pela g rama ao redor, ar r emess ado s da noite an terio r; os g arotos olhavam incré dulos, mas n ão via m ne m sinal do g or ro voador que soprara todas aqu elas cois as. Tibor achou p eg ada s próximas à cerc a de ara me far pado que tinham cr uzado. –Ven ham ver só es sas peg adas, são e nor mes! – disse ele. E r ealmen te era m, tinha mais que du a s vezes o taman ho d e p é p ad rão para um adult o, era u m pou co larg a e bast ant e com prida. –Será que essa é u ma peg ad a daqu ela velha de ontem? – pergunto u Sátir. – se sim el a deve ter um a enor me dif iculdad e em ach ar sapa tos! –Va mos log o com isso, quero volt ar ce do para o sítio de vocês! – disse Rurique con tinuando a descer a estr ada velha. Descer am e ao f inal da estrada havia u ma cur va e em meio a alg umas ár vores estava u m a por teira b em capeng a. –Lar, doc e lar! – dis se Rurique tiran do a cor rente que a pr endi a e a brindo para os amig os passarem. Era um sí tio be m pequen o, algumas g alinhas cacar ejavam para l á e para cá! A mã e d e Rurique log o apar ec eu e veio at é eles já a braçan d o o filho bem for te.
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–Olá! – cum primen tou ela – Voc ês sã o os net os de G aílde, cer to? Ti bor e S átir? – assen tiram – eu s ou Dona E ulália, a f u tura prof essora d e vocês! Va mos entr ar ? E acei taram! A casa era pequen a, propo rcional ao taman ho do t er reno, eram dois quar tos, uma sala junt o com a cozinh a e u m banheiro. –Que bo m que vi eram, est ou pre p a rando um peixe que m eu m arido pescou est a man hã! – disse ela. Tibor pôde ver o peixe assando no for no à lenha e com o cheiro era impossível de se ne g ar um convite daqueles. –Cadê m eu pai? – p erg untou Rurique. –Está no banh o, fa lei pra ele tom ar e apes ar d e muito pr otesto ele foi! Estava cheirando a peixe! – Eulália mex ia u m pa nelão co m ar roz. Rur ique mostrou seu quar to para os dois, mostr ou ta mbé m que tinha cer t a habilidade e m marcen aria. –Essa c ama e esse ar mário fui eu que fiz! – foi até um baú no c anto do quar to e tirou duas espadas de madeira. – ess as esp adas ta mbé m! Tibor adorou a esp ada e os dois foram para fora br incar de luta de es padas. Sátir só os obser vava do deg rau de entrada da casa e p ensava nas coisas que tinh am presenciad o na noite an ter ior; ser á que seri a as sim todos o s dias? Se sim, o
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que ve riam na quel e d ia? Sabia que o síti o era perfeito demais para ser verdade, mas mesm o sabendo da s assombrações não trocaria essa vida nova por nenhuma outra! Tibor foi a nocaut e por Rurique tod as à s vezes. –Eu pratic o com ess a espad a todo s anto dia! –Com que m? – quis saber Tibor. –Or as! Sozinho! –Ei, g arotos! – di sse um hom em m ag ricela á por ta. –Oi, pai! – f alou Ru rique. Era impossível não saber que eram pai e filho, o pai era um Rurique mais alto e co m bar ba. –M uito praze r, eu s ou Avelin o, o pai de Rurique! Todos se cu mprim entara m e Avelino os avisou que a co mida es tava na mes a. J á er a pouco mais de m eio-dia e o p eixe tinh a sido ótim o, os pais de Rurique e os g arot os conver sar am bas ta nte durant e o al moço. Avelino pescava tod os os dias pela manh ã na Lag oa Cinzent a no vilar ejo do Braç o Tur vo; Eul ália c uidava do sí tio e dava aulas para as crianças dos vilarej os vizinhos e m um cômod o em Dini ápoles. –M as em te mpo de quaresma eu me r et iro, tenh o medo! – disse ela.
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A vida por ali não era tã o diferent e qu e no síti o de Gaílde, apesar da casa ser p equena. T ibor e Sátir s e sentir am b em c onfo r táveis e os p ais de Rurique eram bem a colhedor es. Avelino e Eulália d evi am ter g ostad o mesmo dos dois, pois não queriam deixá-los ir embora. Rur ique perguntou sobre ficar no sítio de Gaíld e até qu e passass e a q uaresma. Seus pais per mi tiram com a con dição de que, a o anoite cer, voltass e para o sítio e de lá não saísse até o dia seg uinte; com o que ele conco rdou mais que de pr essa, e f oi ap rontar sua mochila com algumas r oupas. Saíram de lá p or volta das du as da t arde. –Seus pais são muito leg ais – disse Tibor. – g ostar ia de pes car c om seu pai u m dia d esses. –É só diz er isso a el e, que ele t e leva co m prazer! E seguiram viag e m r umo Passaram novament e pelo sítio pararam d esta vez. Cheg aram à subiram na mangue ira. Rurique chão pr óx imo à rai z .
ao sítio de G aílde. do Pereira, mas não c ostum eira por t eira e deixou a mochila no
–Nada com o um a mang a d e sobr emes a! – diss e ele. Pouco depois, os três ouviram as galinhas cacarejarem em pânico no galinheiro.
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–Tem alg o acon te ce ndo lá! – disse Sátir. – Só me f alta ser um a asso mbração! – E d esc eram da ár vore par a ver o que era. Os ca carejos er a m altos e deses p erados. Lá cheg ando, Tibor abr iu a por ta do g alinheiro e de onde fugiram duas g alinhas. As outras g ritavam assusta das. – O que será qu e as deixou agit a das assim? – per g untou Tibor. –Não sei, mas o qu e quer que seja aind a está por aqui – disse a m enin a. Um leitão peq ueno apare ceu cor rendo desor ienta do em me io à palha no chão, era bem rosa e menor qu e u ma g a linha, seu r oinc-r oi n c soava alto e ag udo. Sátir peg ou o porquinho nas mãos e após se ag itar e chacoalh ar bastan te, f icou mais calmo. – Que bonitinho! – disse ela – será que pod e mos ficar co m ele? –Acho qu e não terá problema! – diss e Rurique – mas é bo m perg unt a r para a sua avó. Tibor e Rurique colocara m as duas g alinha s f ujonas de volta no g alinheiro e Sátir fora cor rendo até a avó perguntar se poderia ficar com o porco. Gaílde s eg urava a bar ra da s aia enqua nto d esci a as esca das, ao ver S átir perguntou: –O que acon tec eu n o g alinheiro? Ouvi as g alinhas desesper a das!
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–Não f oi nada dem ais, vó! – disse a menina com o por co n as m ãos – a nã o ser por ess a coisinha que aparec eu lá de ntro e as deixou agitad as! –Um leitão dess e ta manho so zinho? – disse a vó ex aminand o o porco – a mãe d esse p obre coita do deve estar pr ocura ndo-o! –Podemos ficar co m ele? – pediu Sáti r e vendo a car a que G aílde c omeçou a faze r, c ompletou – ele deve es tar co m fom e e, até que e ncon tremos sua mãe, poder íamos mant ê-lo em seg uran ça aqui no sítio! Gaílde botou as m ã os na cintura e diss e: – Tudo bem! Mas você está incumbida de cuidar do peque nino! – Sátir abr iu um sor riso enor me e deu um beijo no leitão, Gaílde co ntinuou – Ar r ume u m l ug ar pra el e no celeiro ao la do d a M imosa e cuid e p ara que não fuja de lá! Um porquinh o dest e ta manh o co r re um milhão de per ig os andando sozinho por aí! Sátir ag radec eu e c o r reu para o cel eiro com Tib or e Rur ique. –E aí? – quis sab er Tibor – o que ela disse? –Que el e pode ficar! – respondeu ela – mas só a t é encon tr ar mos a m ãe dele! –Que leg al! – disse Rurique – ag ora p recisamos dar um nom e pra el e! Sátir o l evantou pos icionando-o d e for ma a olhálo de f r ente – el e t em cara d e... não se i! O nariz dele
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parece m ais um a t o mada! Talve z d eve mos c ome çar a pensar por aí! –Eu colocaria Suí no, afinal de con tas ele é mesm o, não?! – diss e Tibor. F icar am um bom te mpo es colhen do um nome, a t é f inalmente ch eg are m a conclusã o de que o bicho roncava dem ais e lh e deram o nom e Ro ncador! –É leg al, mas ele é tão pequ enininh o, p oderia ser Ronquinho ou Ron c adorzinho! – disse S átir. –Ele é m acho e imag ina só qu and o cresc er, duvido que vai querer um nome t er minado com “ inho”! – falou Rurique e to dos con cord aram. Tiraram um pou co de leit e da Mimos a que ficava ao lado para d ar ao pequeno l eitão. El e estran hou no come ço, mas tomo u todo o leit e. A vaca, muit o cur iosa, enfiou a ca beça com seus chifres enor m es por cima da se p araç ão do estábulo e ficou olhando espant ada para aq uele ser cor-de-rosa que ro ncava toda hor a. Buscara m um b alde com á gua do poç o e despejar a m ond e Roncador estava, p a ra que ali s e tor nasse u m chiquei ro improvisado. O porco se esbaldou e chafurdou-se tranquilamente pela lama que se formou. O dia foi passando e a garoa que caía se transformara em uma chuva torrencial, raios e relâmpagos enchiam o sítio de flashes medonhos. Os três jantaram a macarronada de Gaílde o mais rápido que conseguiram, pois Roncador
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parecia estar bem assustado com os trovões, gritava como um bebê cada vez que um lampejo cortava o céu. Naquela noite Tibor, Sátir e Rurique eram obs er vados de per t o por Gaílde, que f icou maravilhada co m a atitud e das cr ianças e resolveu não interferir. Eles levaram um cober tor para cada um deles para o cel eiro e pass aram a noite lá co m Ro ncador e Mimosa. A presen ça dos três deixava os anim ais mais calmos, ape sar de Mimosa já est ar acos tum ada a chuvas e trovoad a. O sol rai ou alto no dia seguinte, os três a cab aram a cordando b em de pois do can tar do g alo, pois tinh am dor mido muito tar de na noite ant e rior. Algumas poça s de bar ro se for maram ao long o do sítio, mas o c éu estava limp o e sem sinal de que choveria novament e naquele dia. Gaílde levou o c af é da manhã n o cel eiro para eles e levou um pou co d e quirera de milho pa ra o porco que comeu tudo e m m enos de um minut o. F izeram as atividades ma tutina s e, um por um, foram tomar banho. Rur ique f oi procura r a mochila com as roupas e se lembr ou ter dei xado ao pé da ma ngueira, estava encharca da, Gaíld e o ajudou a lavá-l as e colo cá-las para sec ar no varal per to da hor ta atrás da cas a. Soltar am Ron cador pelo sítio e brincar am c om o por co pelo res to da manhã e um p edaç o da tarde.
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Os dias ia m pass and o no síti o, as qu ares meiras se enchiam d e f lores roxas por todo o vilarejo. Quase todas as man hãs, Gaílde colocava algumas fr uta s embaixo da mang u eira: abac ates, m a mões, bana nas; pois ali por p er to h avia uma fa mília de tucanos que já estavam a costu mad os com essa m ordo mia e, quando ning uém es tava ve ndo, d esciam cin co ou s eis del es para fazer su a ref eiç ão, sosseg ad os. Cer to dia, Sátir e T ibor se peg aram co nversando sobre a quares ma: –Até que não é tão r uim assi m, nad a acont ec eu até ag ora! – disse Ti bor. –É! São só boatos que o povo conta mesmo! – comple tou Sá tir. – Aquela velha qu e nos perseguiu devia ser só um a vel ha doida e nada mai s! –E o g or ro? – perguntou Tibor. –Bom! Não sei e ne m g ostaria de saber! – disse a menina – pra f alar a verdade, já estou at é com eç ando a esquec er esse e pisó dio! Já passava de duas s eman as que es tavam morand o no sítio, adaptar am-se bem ao lug ar, Rurique ia de vez em quan do para sua casa para visitar os pais, mas log o voltava para o síti o, adorava os amig os novos. Tibor e Sátir tamb ém ap arec iam por lá de vez e m quando para almoçar c om Avelino e Eulália. Con h ecera m o Lag o Cinzen to e m Braç o Tur vo, num dia em que Tibor fora pescar com Ruriqu e e seu pai, Avelino; Sátir optou por
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ficar na casa d e Rurique e ajudar Eulália com os pr e par ativos do al moço que os “ho mens da c asa”, como disse Eulália, trariam. Foi uma b oa pesc aria se analis ar mos p elo lado d e Avelino! O pai d e Rurique foi o cam p eão do dia com dois pacus g randes e duas tilápias médi as, só por ali o almoço j á est aria g arantido, m as par a aqueles que quisessem co mer u m pouco m ais da c onta, Rurique se encar reg ava do f ard o, co m mais um p ac u médio e um a tilápia b em g rand e. Essa tilápi a ti nha da do u ma trabalheira e no r me, Rurique a puxou desesper a dam ent e a ssim que o peixe m ordeu o anzol e Tibor tentou ajudá- lo! Por muito pouc o o barco n ão vir ou de tanto que os meninos se chacoalhava m. Tibor, por sua ve z, conseg uiu g ast ar to das as isc as que tr ouxer a, aleg ou a t odo o mom ento qu e os peixes as r oubavam de seu a nzol e fugiam, qua ndo na verdade não c onseguia era p render a isca da ma neira cor ret a a deix ando frouxa no anzol. Avelino pass ou por um apuro da nado n aquele di a quando o bar co qu a se virou, mas n ão s e impor tou ne m um pouco, mar cou outro dia de pescaria com os meninos às g arg alh a das. Os tr ês, Tibor, Rurique e Sá tir visitara m ta mbé m Diniápoles um a ve z. Diniápoles era o vilarejo com mais habi tant es e p or conta disso era bem diferen te dos outr os qu e só ti nham ch ácaras e sí tios, Diniápoles
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era uma cidad ezi nha de in terior com r uas de par alele píp edo e pequenas casinh as. Tinha um mer cadinh o ond e p odiam comprar r efrig erantes; havia padar ia, lojas de r oupas e a cessórios; no centro da cidade havia u ma p racinha, ond e co miam pipoc a lad o a lado com as pom bas sed ent as por m ilho. Nesse dia levaram Ro ncad or junto. Sátir tinha im provisado uma coleir a par a o bicho. Todos os olhares n a cidade era m volta dos para a menina e s eu porc o, mas os três não e stavam nem aí. Ronc ador fazia jus a o nome e pareci a qu erer conversar com todo mund o que passava e afag ava sua cabe ça r osa. No fim dess e dia, as três crian ças e o leitã o cheg ar am hiperca ns ados no sítio. Peg aram no sono na sala mesmo. Gaílde esperou que acord assem para dar uma br onc a e m to dos por deixar Ro ncador dor mir dentr o de c asa e tiveram que pass ar o resto do dia seg uinte limpando as patinhas de bar ro que o bicho deixara por tod a a s ala. Cheg ou a s eman a d e lua cheia, uns uivos de noit e er am escut ados ao long e e a pesar de Rurique c onta r suas te or ias e boat o s sobre um tal de lo bisomem, n ada acont ec eu que pud esse provar a exis tência de um. Tibor e Sá tir já estavam se acos tuma ndo com o fat o de todo mundo pedir p ara tom arem cuidad o com a épo ca em que es tavam e nada acon tec er, fic avam at é tarde nas de pe ndên cias do sítio mesmo com t antos avisos de
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que estavam em um tempo perigoso. Gaílde até chamava a atenção, mas não adiantava. No dia seguinte, lá estavam os tr ês d e volta co m os trei nos de esp ada de mad eira, ou apostando c or rida, ou brincando de peg a-peg a, ou de escond e-escond e, amarelinha, pula- corda. Na g r ande maioria das brincadeiras, Ron cador ta mbém par ticipava c omo s e f osse uma quar ta c riança, só que tinha pr oble mas d e dicçã o, pois tudo o que sabia di zer er a: –Roinc-roinc! E tudo isso de pois de o sol já ter se retirado para dor mir. Foi numa segunda-f eira, dia 15 de março, que alg o f inalmente a co ntec eu. O sol se despedi a d o dia dando esp aço para uma lua compl eta men te nova, os g rilos e as cig ar ras come çavam sua pon tual orquestra, Sátir estava levand o Ronc ador p ara o ch iqueiro e Rurique vencia Tibor e m mais um co mba te d e espadas d e m adeira . Tibor caiu no ch ão com a investida q ue Rurique der a c ontr a ele qu ando u m lei tão pa ssou cor rendo desesper a do p er to da ca beç a d e Tibo r. Os meni nos pararam de brincar e g ritaram: –Sátir! O roncador fugiu do chiqueiro! – e correram para pegar o porco fujão.
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–Como assim? – g ritou a me nina de dentro do celeiro. – estou dando leite pra ele nesse exato momento! Tibor só acreditou na ir mã quando e la saiu do celeir o com Ronc a dor no colo. O g aroto e Rurique pararam de tent ar p eg ar o outro porco que cor ria em dispar ada p elo sítio e olhara m ao r edor na direç ão de outr o r onc o, mais d ois leitões pequ enin os apare cera m do outr o lado da cerca do sítio. Ga ílde ouviu os bar ulhos e foi a té eles, os três se jun taram a ela n a fr ente da varandin ha t ér rea e ficara m obser va ndo quando m ais um p orquinho entrava p or debaixo da por teir a e se jun tava a cor reria desenfr eada. N em u m minuto se pass ou e, contand o com Ronc ador, se somavam set e leitõ es. Foi quando um ronco alto e g r ave se deu entre as ár vores da f loresta que começava do lado direito do sítio. Os quatro viraram suas cabe ças na dire ção do ronco at er rador e presenci aram os seis porcos que cor riam irem em direção de um a enor me porca que e stava na penumbra criada por duas ár vor es. Os leitõez inhos se aninharam ao redor das per nas da por ca. A l eitoa era d uas ve zes o taman ho de um por co nor mal; g rande e g orda, ela olhava para os quatr o c omo s e es perasse alguma cois a e impa cient e deu um r onc o mais alto e m ais for te! –Acho que é hora de dizer adeus a o pequeno Ronc ador, Sátir! – d isse Gaílde colo can do as mãos nos
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ombr os da g arot a. – Saiba que ele est ará m ais seguro com a su a mã e de ve rdade! A menina sabia o que tinha de ser feito, mas era bem difícil, uma lágrima desceu de seus olhos pesarosos, ela deu um beijo no porquinho, Tibor e Rurique acariciaram a barriga do bicho uma última vez e Sátir o colocou no chão. Ron cador cor reu para a p orca gi g ante qu e lh e recebeu com fung ad as ao long o do cor p o todo. –Ele vai ficar bem , sabe disso! – disse Tibor confor tando a ir mã que chorava. Ela ficou olh ando quando a porca deu as cos ta s para eles e se f oi, su mindo na escuridão da mat a. –Adeus, Ro ncad or! – disse Sátir. –A porca dos se te le itões! – disse D ona Gaílde. –O que disse, vó? – perguntou Tibor. –Aquela não é u ma por c a qualque r! Nunca ouviram falar d a p orca dos se te leitõ es? – os três fizeram que não co m a cabeç a. – é uma lenda que as pessoas con tam, so bre uma mãe qu e foi transfor mada em p or ca por um f eiticeiro. El a cor re pela ma ta em busca de seus s ete f ilhos que t ambé m foram tr ansf or mados em leitões. Essa é uma das forças que f alei que não é boa e nem r uim, ela ap enas é! – disse ela co m os olhos voltados p ara on de a porca es tava seg undos an tes – Essa époc a, a quar esma, pro picia cer tas ap arições como essa que ac abaram de pr esenciar ! – u m silêncio pairou enquant o Sátir
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enxug ava a lág rima do rosto. –Vam os e ntrar, crianças, vou f azer uma xícar a de cho colat e quen te pra vo cês! – disse a avó. Os quatro já subia m o último deg rau da entrad a da c asa quando um g alho n o m eio d o ma to estalou desper t ando a ate nç ão de Sátir. O que ela viu a deixou espant ada. Alguns meninos no meio d o ma to munidos de lanças af iadas e ntraram na m ata, n o mesmo lug ar que a porc a tinh a ac abado d e en trar. –Eles vão caç ar a porca! – g ritou ela cor rendo em direção à mat a. Tibor e Rurique f or am atrás dela. –Crianças, volt em aqui! – g ritou a avó – Es t á anoite cend o, não é seguro entrare m na mata em tem po de quaresma! – mas era tarde dem ais, Tibor e Rurique g ritavam por Sátir que ade ntrava fund o na m at a para salvar Ronc ador e s ua f amília.
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Tibor e Rurique c or reram atrás d e uma Sátir enlouquecid a, de ár vore em ár vore se e mbrenhavam na mata mais e mais. Tibor percebeu q ue havia alg o er r ado quando viu algumas cria nças cor rendo e m par alelo a ele e Ruri que. O g aroto teve a impressão de que a porc a não era o alvo ali. Cor r eram mais qu a ndo se d eram cont a de qu e Sátir estava quase desaparec endo à frente de tão rápida que c or ria. –Sátir, esper e! – g ritou Rurique. Encon traram-na par ada e respirando p e sado numa clareira. A luz da lu a criava tons azula d os na mat a ao r edor. –Sátir ? Es tá tudo bem? – p erguntou o ir mã o preocupado.
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Tibor viu que ela olhava fixamente em uma direção e voltou seus olhos para o mesmo lugar. Ali estava a p orca e seus leitõ es olh ando par a Sátir, assim f icara m por u m b om te mpo qu ando a por ca com eçou a bri lhar, uma luz doura da encheu tod a a clar eir a e quando se apag ou, a porca e seus filhotes haviam sumido e m q uestão d e segundos. –P r a onde ela foi? – perguntou Sátir. –Ora, não o uviram Dona Gaílde dizer? – come çou Rurique – essa porca n ão é uma porca comum, ela sab e se cuidar, ningué m c o nseguiria caç ála! Sátir procurou por t odos os lados. –Va mos voltar p ara o sítio! – disse Tibo r. E come çaram um c a minho de volta, vez ou outra ficavam em dúvida quanto ao c aminho que peg avam: pr ocur ar suas próprias peg adas no es cu ro não era uma opção. –Onde estã o as p e ssoas que estavam cor rendo atrás da porca? – p e rg untou Rurique. – será que foram embora? E tão rá pid o assim? –Acho que não! Sin to estar mos sen do obser vados aqui, acho que não era a porca o alvo deles! – falou Tibor olhando de canto t oda vez qu e pensava ter escuta do alg o. –O que quer di zer? – retr ucou o amig o.
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–Ei! – g ritou Sá tir assustando a tod os e olha ndo par a cer to pon to na f loresta. –O que f oi, maninha? Está g ritando par a quem? – per guntou Tibor. –Eu vi um g aroto ali! – disse ela apontando para uma ár vore à f rente – talvez ele possa nos dizer como voltar ao sítio! Ao cheg are m à ár vore não havia sinal de g aroto nenhum. –Que estranho! – disse a garota – por que alguém agiria dessa forma? Os três se olharam esperando que um deles pudesse responder, mas permaneceram quietos. Rurique pareceu pensar que a menina estava imaginando coisas, preferia pensar assim para não ficar com medo, mas Tibor sabia que a irmã tinha visto algo. Ouviram passos correndo apressados pela direita, mas não enxergaram nada com aquela escuridão. –Bom, acho melhor escolher m os um c aminho e seg uir por ele, tenho quase cer t eza de que viemos daquele lad o! – con cluiu Rurique. E seguiram! Sátir f oi à f rente abrindo passag em, Tibor log o atrás e Rurique no fim da fila. –Ah! Fui uma tola cor rendo atrás daq u ela porca, f iquei com medo que machucass em o Ron cador! – falou Sátir desab afando enqu anto pas sava por entr e alg uns g alhos que e vitavam a pass ag em.
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–Não se culpe po r isso! – come çou Tibor – acredito qu e tod os nós f aríamos a m es ma coisa! –Na verdad e f ize mo s e olha o nde vie mo s parar! – disse Rur ique paran do e coloc ando as mãos na cin tura. – Ei, pesso al, te nh o a leve impress ão de que viemos daquele lado ali, acho que me lembro daquela ár vore com o c asco ar ranhado! –Pensem comig o! – come çou Tibor – Se essa f lor esta fica no mei o dos vilarejos, qua lquer lado que escolher mos, se seguir mos reto, é cer to qu e cheg aremos a alg um a vila! Andaram em linha r eta, o que pare cera m horas e nem sinal do sítio, começava m ent ão a duvidar se aquela s eria a m elh or man eira de sair dali, já que não sabiam qual a ext e nsão daquela m ata. Uma risada de cr iança er a escut ad a ao long e, vez ou outra; o que causava ar r e pios d es ag radáveis nos três. –Drog a! Ao m enos se tivésse mos u ma lanter n a! – falou Rur ique t ent a ndo enxerg ar alg o na es curidão ao r edor. Sátir de re p ent e f ez sin al p ara qu e ficassem quietos e apon tou numa direção. P ude ram ver, co m o pouco d e luz que a lua propor cionava, um m enino tr ajando r oup as b em sujas e rasg a d as que estava andando d evag ar pel a mat a. –Talvez se o seguíssemos pod eríamos cheg ar a algum lug ar ! – sussur rou ela.
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Era a úni ca idei a qu e tinha m e não era má, afinal não sa biam para qu al direçã o ficava o sítio da avó e estava escuro e e m tempo de quares m a, se o menino andava tr anquilo po r ali, é por que deveria morar ali per to ou sab er com o sair da mata. Tin ham de de cidir o que f az er e entã o f azer d e pressa a fim de ch eg ar a algum lug ar onde pu dessem estar seguro s. Seguiram en tão o g aroto d e roupas sur radas por uns quinze minut o s, iam sor rateiros para que nã o perceb esse a sua a prox imação e ap ós virar atrás de uma ár vor e o menin o desapar eceu. –Por caria! – xing ou Tibor – para ond e e le foi? Um tempo d e pois, olharam ao red or procurando pelo g ar oto... –Ali est á ele! – disse Rurique apont and o para u m outr o lado. –Aquele ali não pa rece ser o mesmo g aroto! – concluiu Tibor. –Acho qu e é o m esmo sim! – diss e Sátir. – Va mos! E voltaram a seg uir o g aroto. O me nino usava ro upas velhas, r asg ada s e sujas e sempr e andava de costas para eles, e vitando d esse modo que pud esse m ver o seu rosto. Assim foi pela noite toda, seguiam o garoto que depois de um tempo sumia e aparecia em outro lugar, tornavam a segui-lo e ele desaparecia novamente. Chegaram à conclusão
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de que estavam dando voltas pela mata, pois Rurique encontrou a árvore do casco arranhado outra vez, apesar de Tibor e Sátir acharem se tratar de outra árvore! –Não saíremos daq u i desse jeito nunc a! – disse Tibor se sent ando num tronco d er r ubado quand o per der am o g aro to d e vista mais outra vez. Rur ique ta mbém se sentou e disse: –Estam os fer rados! Perdidos no meio de algum lug ar dessa ma ta e n a quaresma! –Ah, parem de se lament ar vocês doi s! – disse Sátir – c onfesso n ã o saber com o nos t irar daqui, mas não est amos tão m al assim, cer to? –Como assim? – per guntou Tibor. –Or as, est amos be m, apes ar de perdi dos, nada nos acon te ceu... –...ainda! – inter rompeu Rurique. – Rá! “Não estam os tão mal” – imitou Sátir – P irad a, isso sim! –Ei! Qual é! Pod e mos pass ar a noit e por aqui e amanh ã, com a lu z do sol, achar emos o ca minho d e volta par a o sí tio! –Simples assim? – d isse Rurique co m ci nismo. –É! – respo ndeu ela sen tando-se ao lado d o ir mão. – alguma sug estão melhor ? Ninguém respond eu . Por ali se ajei tara m, para for rar o estôm ag o, conseg uiram u mas b ananas e um as fr uta s amarelinh as, que de pois d escob riram se tratar de g abiroba. Por
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insistência de Rurique, combinara m d e fazer vigília notur na, um ficari a de olho n a ma t a enqu anto os outr os dois dor miriam. –Não ach o que sej a necess ário! – disse S átir. –Ah, claro, s e est á querendo ser d evorada por uma onç a pint ada, p or mim tudo b em! – disse Rurique. –Par em de brig ar vocês dois, já es ta mos numa situação pr ec ária aq ui, tudo o que não p recisamos é de br ig a, ok? – disse Tibor – eu faço o primeiro tur no! –Não! Vá d or mir, d eixa que eu fico de olho na tal onça! – falou Sátir – Se é que existe mesmo uma ness a f lor esta! E assim f oi. Rur ique n ão s e ofer eceu porque estava realmen te cansad o, Sátir ficou com o primeiro tu r no da vigília, Tibor e o amig o se acomod aram na ár vore mais pr óx ima e preg ara m os olhos. Tibor come çou a te r o pesadelo que m ais odiava: a mor t e dos p ais. E ra como se revivess e o a cont ecido de dois anos a trás no present e. Sent ia as mesm as sensaçõ es de pânico da noite do ocor rido; sentia até o calor das cham as que levara m Han a e Leon el para long e dele e de sua ir mã e mais u ma vez a par ede d e chamas quei mou e destr uiu tudo ao redor. Tibor acor dou em papad o em suor frio e viu Sátir ao seu lado de olhos fech ados e respiraç ão p esa da. Imaginou a r aiva que Rurique teria dela s e a p eg asse dor mindo
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dessa maneira no m eio do s eu tur no d e vigília. Já que não conseguiria dor mir por conta do sonho e sua ir mã devia est ar muito c a nsada, resolveu ele mesmo assumir o tur no dali. Tibor olhava ao re d or ten tando tirar a mor te dos pais da cabe ça, m as era dif ícil, mesmo dois anos de pois o luto ainda era recent e e o g a roto duvidava que um dia deixasse de ser. A saudade do sor riso do seu pai e do carinh o de sua mã e ap er t ava o seu p eito com f or ça a ponto de s e sen tir sufo cado. Resolveu levantar e olhar ao redor. As ár vores eram bem al tas e os fachos da lu z da lua brig avam com os g alhos para cheg ar até o chã o, mas poucos era m for tes o basta nt e par a isso; o que f azia c om qu e a f loresta foss e u m br eu profundo. Se c er rasse os olhos po deria enxerg ar pouco mais à f ren te, mas mes mo as sim era quase impossível de se s e guir uma trilha e a chou realme nte que a id eia d a i r mã de parar p ara des cansar e continuar no dia seguinte era a mais sensata. Se ao menos tivesse h erdado o s enso d e di reção d e seus pais... Tibor se lembrou de quantas ve zes seus pais e sua ir mã se enf iaram na mat a e saíram com a f acilidade de um cão farejador, nun ca deu muita aten ção ao f ato e s ó ag ora e m um a sit uação dessas é que apr endeu a a preciar a habilidad e deles. Fog o! Tibor imaginou s e sentira m dor no mom ento da mor te, tor ceu para que a resposta pa ra essa dúvida
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f osse “não”. Só de pensar por um in stant e no sim, seus olhos já s oltar am lág rimas d oloridas de saud ade. Essa talvez f osse a razão d e t emer t anto o fog o. O g ar oto olhou para cima, por uma brecha entr e alguns g alhos de uma ár vore qu e o per mitiam ver apenas um p edacin ho do c éu e disse baixinho para o nada: –Pai! Mãe! Sinto a falta de vo cês! – deu uma pausa – queria que estivessem aqui c om a g ente! – enx ug ou as lág rimas e voltou para o tronco onde dor mira. O amig o Rurique estava baband o, Sáti r respirava fundo e ambos pareciam es tar tran quilos, sem a pr eocupa ção de esta rem perdidos numa mata daquel as. O g ar oto se sen to u com as cos tas numa ár vore e aper tou os joelh os contra o pei to. Ad mirou o es curo, era assus tador, mas admirável: man tinh a a ma ta nu ma penumbr a frequent e e mergulhada em si lêncio. Parecia que nad a se movia em u m raio de q uilômetros d e distância. Tibor pensou nos g arotos que seguiram Ronc ador e sua f am ília e nas risadas de criança que os seg uir am por todo o percurso até ali. Desde quand o cor reram atrás de Sátir, Tibor tivera a impressão de que o alvo dos g arotos não eram os l eitões; quando pensou no mol equ e de roupas sur radas que vez ou outr a sumia e reap a recia, suspeitou de que o plano das
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crianças mist eriosas fosse exatamen te ti rá-los do sítio e f azer c om que fic a ssem perdidos p ela mata. Deviam est ar no m eio do nada ag ora, con cluiu ele; ma s p ar a quê? Qual se ria o pr opó sit o dele s em fa z e r isso? Foi aí que escutou um bar ulho vindo de trás d e algumas ár vores à f rente, cer rou mais os olh os mirando uma som b ra que se aproxim ava sor rateira, per ceb eu qu e er a o menin o d e roupas rotas e suj as. Ele par ou num po nto a uns oito ou nove metros e f icou encara ndo Tibor por um t empo. Outros come çaram a ap a recer, meninos e meninas que aparentavam idades dif erentes parava m em meio às ár vor es de m odo a deixar sua silhu eta com u ma aparênci a f ant asmag órica, Tibor re paro u que uma das cr ianças car reg ava um bebê no colo. –O que quere m c onosco? – g ritou Tibor s e levantan do e s ua voz e coou p or todas as ár vores ao redor. Ning uém responde u e Rurique e Sátir não acor dar am. Tibor p ercebeu qu e ap esar do med o, não sabia o porquê, mas sentia um pouco de pena deles; mesmo no es curo, via que alguns deles possuíam olhar es tr istes e pro fundos. –Esse era o plan o, não era? – continuou Tibor, encar an do todos eles ao mesm o t empo – nos confundir até nos d eixar perdidos ness a mata? – foi aí
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que per c ebeu qu e os meninos sur rad os estavam ao r edor deles, fazend o uma perfeita circunferência os mant endo c ercado s. Tibor não consegui a pensar no que faz er e só os encar ava tent ando n ão demo nstrar m edo. Um dos meninos o lhou para outro qu e com u m sinal de cab eça p e g ou um saco g rande e andou n a dir eção de Rurique. –O que vai f azer? – g ritou Tibor entrando n a f r ente do estranh o que t entou desvia r sem lhe d ar aten ção. Tibor perguntou mais uma ve z, ma s o g aroto avançou como s e n ão tivesse ninguém bar rando o se u caminho. Então Tib or lhe de u um empur rão no peito – Ei ! Estou f aland o co m você! – disse ele perceb endo o rosto pálido do menino enc arando -o com uma ex pr essão va zia no r osto. O menin o o e mpur rou de volta, ele c ai u no chão assustado com a fo rça do empur rão. Pôde no tar que outr o me nino des c ia até Sátir c om o utro saco nas mãos e um a m eni na co me çava ag ora a vir e m sua pr ópr ia dir eção. Previu que alg o r uim iria acon tec er. –SÁTIR! RU RIQU E ! ACORD EM! – g ritou Tibor. Os dois acord ara m assus tados e viram os estr anhos que vinh am em suas direç õ es, os três se debat er am e lutara m com seus rapto res. Tibor se
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soltou da m enina qu e t entava colo cá-lo dentro do s aco aos chutes, se mu niu de um p edaço de mad eira e acer tou a ca beç a d o que prendia sua ir mã. Os dois, Tibor e Sátir, luta ram com o t erceir o que prendia Rurique e desam ar raram o saco tirand o o amig o de dentr o. Postaram- s e costas c om cos t as no meio da r oda, quando os meninos que por t avam o saco voltar am par a junto dos seus. Os tr ês encarava m as vinte e tant as crianças d e r ostos pálidos que r etribuíam o olh ar e m silêncio. Tibor sussur rou para a ir mã e o ami g o – Nã o ter emos chanc e co nt ra eles, tem os que c or rer daqui! –Não sei se voc ê perceb eu Tibor, ma s estamo s cer cados! – r espond eu Rurique no sussu r ro. –Não se mirar mos em um d eles e cor rer mos e m sua dir eção! Cons eguiremos furar o cerco e aí en tão é cor r er sem parar! – disse Sátir. –Ok, mas qual d eles, mana? – p erguntou Tibor. –Vocês s ão louc os? – g emeu Rurique in crédulo. –Aquele mag ricela baixinho per to da á r vore mais g rossa à minha direi ta! – disse a menin a decidida. –Ser emos massa cra dos! – g emeu m ais uma ve z Rur ique. –No três? – p ergunt ou Tibor. –Um... – começ ou S átir. –Não! Esper em d eve ter outra sol ução... – Rur ique se d esesper ava.
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–Dois... –Esperem, p or favor! E se não d er cer t o?! –TRÊS! – g ritou Sátir e os três par tiram na dir eção do menino mag relo. Sátir e Tibor passar am pelo c erco s em problemas, mas Rur ique b at eu d e frente com o g aro to. –AAH! – g ritou Rurique caindo no chão ainda dentr o do círculo. Voltaram na mes ma hora para aju dar, Tibor der r ubou dois com o por rete enqu anto Sátir levan tava Rurique. O c erco int eiro ag ora cor ria para cima d eles. Os tr ês puseram- se a cor rer com o nunc a na vida . Era uma escuridão prof unda, só conseguiam desviar de alg uma ár vore quando estava m prestes a bater co m o nariz nel a. O som de m ais de vinte pés os perseg uiam por t oda a mat a. Tibor, Sátir e Rurique t entava m n ão s e distancia r um do outro. –Posso ouvir alg o à frente! – g ritou Tibor. –Eu tamb ém! Parece bar ulho d e água! – disse Sátir aos ber ros. –Deve ter u ma cachoeira ou um rio em algu m lug ar por aqui! – disse Tibor. Rur ique só cor ria quieto, Tib or podia sentir o s joelhos do a mig o tremere m ao s eu lado. Os pass os os c ercavam rápidos pelos l ados, mas nenhum a voz era es cutad a. Isso intrig ava Tibor, sabia
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que não eram cria nças nor m ais, mas o fato d e não emitirem ne nhum s om as deix ava mais macabras do que par eci am. – Continuem cor rendo, parec e que estam os cheg and o! – g ritou ele para os outros. À f r ente pudera m ver a lua ref letida na água, um riacho cor ria rápido e bar ulh ento. Os três en traram sem pensar duas ve zes espir rando água para todos os lados. –Temos d e te ntar a t ravessá-lo. – g ritou Sátir. Mas ao andare m m ais, os três ao mes mo t emp o deixaram de sen tir o chão do riacho, n ão imaginaram que poder ia ser fundo e com eçaram a ser ar rastados pela cor r ent ez a. –Nade m! Tent em n adar par a o outro lado! – se desesper ou a me nin a. Tibor perceb eu que as crian ças que o s seguiam estavam p aradas n a borda do rio e a pen as obser vavam seus esforços e m vã o contra a f orça das águas. Seguiram por um a c ur va que o rio fazi a à frent e e Tibor viu que as crianças misterios a s ficaram p ara tr ás. –Um g alho à fren t e! – g ritou Tibor. Os outros puder am ver que u m g alho g rosso se estendi a de um a ár vor e até a água c omo se fosse um br aço enor m e de madeira. – Ag ar rem -se em mi m quand o eu m e segurar no g alho!
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Dito e feito. Tibor praticam ent e a braço u o g alh o e Rur ique veio em s eg uida e se ag ar rou em Tibor. S átir tentou, mas não con seguiu, e ao passar direto por eles, Rurique ainda teve t empo de segurar a mão da amig a e puxá- la contra a cor rente. Os três t entavam a char alguma for ma de subir pelo g alho at é a marg em, mas a ág ua parecia não querer colaborar. Em uma d as t en tativas, Tibor conseg uiu enc ontrar um bom lug ar para apoiar o pé e estava quas e tiran d o o cor p o int eiro p ara fora d’água quando o g alho se quebrou e os coloc ou novamente à mer cê d a f orça do ri o. Os me ninos s e ol haram s em espera nça e s e debati am se m suc e sso. Tibor pôde no tar uma qu eda d’água à f ren te e a única coisa que c onseguiu diz er antes d e cheg ar em a o limite da cacho eira foi: – P r e parem- se! Uma confusã o de bolhas os eng olfou e tud o se apag ou quando Tib or L obato bat eu co m a cab eça e m uma pedr a no fundo do riacho. O menino não s enti u nem ouviu m ais n ada!
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O sol estava alt o, mas s e escondi a atrás das nuvens de um dia nublado que estava c om cara de que tr ar ia chuva log o mais. Foi o que Tibor constat ou quando abriu os olhos. Sua cabe ça girava e, ao tentar se levant ar, uma do r excr ucia nte tomou conta de t odo o seu cér ebro; pen sou melhor e preferiu continuar deitado o nde estava. Como saí da ág ua? O qu e acont ece u com R uriq ue e minha ir mã? Se rá q ue aqu elas c rianç as es tra n has con seguira m nos pegar? Isso era o qu e s e passava na ca beç a de Tibor entr e u ma os cilaç ã o de dor e ou tra. Ainda ouvia bar ulho de ág ua. Ta teou sua bar rig a e sentiu que suas r oupas estava m se cas. O bar ulh o d o canto d os pássar os ser viu de trilha sonora para o te mpo qu e Tibor levou p ara reorg anizar os pensa men tos.
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Per cebeu vo zes ao redor e ficou com medo de que o pior tivesse mesm o acont ecido. –Veja m! Ele a cordo u! – disse u ma vo z de adulto que Tibor nã o rec onhec eu, t entou virar para olha r, mas não cons eguia por conta da dor absurda que o acom etia. Um r osto barbado e r uivo apareceu em seu campo de visão e o assusto u. –Você est á be m ? – perguntou o rosto desconh ecido. – o q ue est á sentin do? Tibor tentava for mular alguma pergunta intelig ente, mas s eu instinto falou prime iro: –Onde estão S átir e Rurique? –Se acalme, g arot o ! – disse o rosto com uma r isada que parec eu a Tibor u ma risad a de alívio. O homem virou para trás como s e co nversasse co m alg uém e disse – Ei, pessoal, ele es tá bem! Es tá conscien te! – e o h omem s e voltou pa ra Tibor – Eu sou João Málabu, sua ir mã e seu amig o estão b em! Eu mesmo os tirei da á gua. Dona Gaílde me mandou para que os en contr asse e os levass e e m seg urança d e volta ao sítio. Tibor ficou mais tranquilo ao se lembrar que tinha m esmo um tal de “João alguma cois a” que tomava conta de um sí tio pr óximo ao del es. –O que a cont ec eu c omig o? – perguntou Tibor. –Você b ateu a c ab eça co m força em alg o bem dur o, uma pedra, t alvez; e a cabou des maiando! Teve
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sor te, o cor te em sua ca beç a é sup erficial! F iz um curativo improvisado que vai ajudar até vol tar mos para o sítio. – disse M álabu ajudando o g aroto a s e sentar, Tibor pôd e ver que Sátir e Ruri que estavam em pé ao seu lado. – trag a para mim a quela m ochila, Rur ique! – pediu Má labu. A mochila estava re cheada d e fr utas fre scas. –Coma! Vai lhe f aze r bem! – disse o ho mem r uivo estend endo p ara Tib or uma f r uta estran ha e laranj a. –O que é isso? –Chama- se ar ticu m , uma fr uta r eg iões! – disse M ál abu. – Coma!
típic a
dessas
Enfiou na boca e p arecia a fr ut a mais g ostosa do mundo. Tibor jog ou o caroço fora e achou qu e s eu estôm ag o ag radecer ia para sempr e por aquela fr uta. Comeu mais, em silêncio, e e m ques t ão de minutos devor ou o ped aço que tinha em mãos por compl eto. Sua cabe ça estava melhorand o, apesar de ainda doer bastan te. –F iquei preocupad a, maninho! – disse Sátir sentand o- se ao seu lado – vo cê ficou d esacordad o por mais de do ze h oras! –Doze hor as? – re pe tiu Tibor emba sbacado – pux a, deve t er sido uma pan cada e t anto ! –É, e foi! – confir mou olhando para o topo da cabe ça do ir mã o co m uma c ara pou co s atisfatória.
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Tibor levou as mãos à cabeç a e percebeu qu e havia ali um pano e nrolado que prot egia o machu cado. Rurique estava ajud ando João Málabu a aprontar uma fog ueira. Log o à frente um rio zinh o manso des cia devag ar pelo seu ca minho. –Nem p arece o mes mo rio, não é m esm o? – disse Tibor pux ando conversa. –É verdade, pelo q ue vi, pouco de p ois de ond e cai a cach oeira ele f ica manso, nós d e mos o azar de entr ar nel e em su a p ar te brava! – disse a ir mã. –O que a cont ec eu de p ois que eu a paguei? – per g untou ele. –Vi sang ue na ág ua e f iquei deses pera da quand o per cebi que vo cê es tava mol e e boia nd o daquel e jei to. Conseg ui com muit o custo te alcan çar e te prend er às minhas cost as. M e perdi de Rurique, que foi levado pelas cor r edeiras b e m mais à fren te qu e eu. – ela d eu uma p ausa e olh ou para as mon tanh as no vale que se estendi a à frent e – O dia co me çava a clarear e tudo par ecia perdido p ara mim d e pois de h o ras seguindo o cur so do rio. Ouvi uma voz me ch am ando e de um a das ex tr emidad es vi João ench arcado dei xando Rurique no chão em seg uran ça e volta ndo p ara a água para me peg ar. Foi muita sor te, eu já não tin ha mais forças para nadar e já tinh a eng olido muita água! – Ela olhou para Málabu – ele parec e ser um bo m sujeit o, nos alimentou e cuido u de sua cab eça. Parece que foi
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mesmo nossa avó q uem o m andou! Ele disse qu e d eve muito a ela! A ela e a nossa f amília, só não sei ainda o porquê! Tibor notou que a superfície lisa da água come çou a ser salpi cada por algumas g otas de chuva. Estavam em um p edaço par ticular me nte bonito d a f lor esta. Ag radec era m a que m quer qu e fosse pelo fat o de pod er em ver o céu novamen te s e m se s entire m sufocados pel as ár vores. –Escut em b em o plano que iremos seguir – come çou M álabu – Tibor está fraco, nã o irá fazer bem aos seus machucad o s ar riscar uma ca mi nhada de vol ta ao sítio ag ora, apesar de não es tar mos tão long e assim, daqui a du as horas o céu i rá come çar a escur ec er ! – disse ele olhando p ara a s redondez as – Consider o est e um lug ar seguro para passar mos a noite, Rur ique está me ajudando com a fogueira que nos ma nterá aqu eci dos. Tenh o um ped a ço de lona que nos ma nterá prot egidos da chuva qu e vem vindo e... – aponta ndo p ara o rio disse –... t emos u m vasto aliado contra a sed e aqu i ao lado! Para a fome, minha mochila está rech ea da de fr utas e alguns pedaços de bolo que Don a Gaíl de mand ou! –E contra aqu elas estranhas cria nças qu e tent aram n os rapt a r? – perguntou Tib or – tem alg o nessa mochila que possa nos defend er? – o próprio Tibor achou es tar s endo um pouco ar rog ante com o
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homem que s alvara suas vidas, mas a dor era tamanh a em su a c abe ça qu e achou qu e Mála bu i ria ent ender e deixar passar. –Quanto a isso, eu posso dar um jeito! – disse João Málabu. Foi só aí que Tibor notou o tamanho do homem e percebeu que existia uma grande probabilidade de não serem mesmo incomodados pelas crianças medonhas que tentaram raptá-los. M ais tarde, a lua nova estava bem alta, a chuva j á passara e voltar a u mas duas vez es. Ba ixaram a lon a mais uma vez e se aprox imaram d a f ogueira que se ag uentou aces a ap e sar de tod a a água que caiu so bre ela. Todos já tinha m se alim entado. T ibor, apesar d e ainda s entir as dor es na ca beç a, já ar riscara alguns passos a té o riach o para m atar a se de por co nta pr ópr ia. João Málab u cont ou a eles que aquele riacho nascia fora dos limi tes d os vilarejos e c or tava, alé m d a Vila do M ei o, ta mbé m a Vila Serena, e e ra um dos rios que desemb ocava n a Lag oa Cinzenta no Vilarejo de Br aço Tur vo. N es se mom ent o, Tib or soltou um risinho baixo ao te r uma breve lembra nça do dia e m que pes car am co m Avelino, o pai de Rurique; e quas e tombara m seu b arco. M álabu ta mbé m c ontou que trabalh ava com o caseir o do sítio da família Bronze, que moravam na cidade e vinham um a ou duas ve zes por ano pass ar uns
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dias na cas a. O síti o da f amília Bron ze ta mbém ficava na Vila do M eio e era pou co d e poi s do sítio do desapar e cido Sen ho r Pereira. Eles lhe con tara m exat amen te os f atos qu e acont ec er am com os três desde que se distanciara m do sítio. Citando a porca, Ronc ador e as criança s estranhas e pálid as. –João M álabu? – ch amou Rurique alime ntando o fog o com alguns g alhos secos que proteg eram da chuva emb aixo da lo na. –Sim? –Você por acas o sa b e o que eram aquel a s crianç as e o que elas queriam com a gente? – perguntou Rurique. – Talvez eu t enha uma ideia do qu e s ejam sim, mas é s ó uma sup osição! Duvido qu e seja verdad e! Talvez n ão seja eu a pessoa adequ ad a para cont ar essas coisas para vo cês! – respond eu el e sério. –Ou t alvez seja s im a p essoa c er ta ! Já que estam os no meio d o nada e n ão t emo s nada mais a fazer... – disse Sátir, direta co mo se mpre. João Málabu p ensou um pou co. Sua feiç ão de u ns quar enta e tan tos anos f ranzi a na t e sta um quê de pr eocupa ção. Seus olhos eram envolt o s por olheiras f undas e sua p el e era m arcad a po r dezen as de ar ranhões cic atrizad os. –Está b em, m as n ão sei a his tória c omplet a e muito do que direi diz respeito à fa mília de vocês
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dois! – disse ele num to m g rave apo ntando para os dois ir mãos. Tibor e Sátir se entreolharam espantados e surpresos. –Como assim? – qui s saber Tibor. –Houve um t emp o em que todas as vilas eram uma só cid ade, um... –... pr efeito maluco as dividiu em set e vilas sem motivo! É, Rurique já nos colo cou a par dessa histór ia! – complet ou Tibor – Só não entendo o que isso tem a ver comi g o e com minha ir mã! – o menino come çou a ach ar que estava adquirindo o hábito de ser dir eto e ar rog ant e com o a ir mã fa z ia de vez e m quando, pensou at é se ela sofria d e d ores de cab eça, pois as dores na sua é que o estava m ob rig ando a falar assim. Málabu o f itou d e uma m aneira qu e Tibor não soube int er pret ar, e o me nino ach ou melhor não o inter r omper mais d a quele jeito. O hom em d e barb a e cab elos c ur tos e r uivos deu um suspir o profundo e con tinuou: –Já que parecem bem sabichões a respeito da história, vou contar algo que não sabem e é isso que tem a ver com vocês! – disse Málabu. – Há muito tempo, pelas redondezas viveu uma bruxa! – Sátir se arrumou onde estava, lembrouse das histórias de assombração que Rurique lhes contou dias atrás e como presenciaram muitas coisas realmente intrigantes desde então, resolveu não dar uma de c orajosa
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como aqu ele dia e se mant eve bem quieta em s eu lug ar. – Era um a velha asquerosa, com o rosto enr ug ado e olhos n eg ros, alguns diziam que le mbrava muito um j acaré p or cont a das r ug as que a deixava realmen te medo nha. Ela f azia muitas c oisas r uins na cidade, de pois que meu... – M álabu parou aqui como se escu tasse alg o na mata atrás d eles. Todos ficaram em si lêncio e ate ntos. –Dizem que quando f alamos so bre asso mbrações, atr aímos coisas r ui ns para per to de n ós! – sussur rou Rur ique que tamb é m ouviu alg o vindo do mesmo lug ar. M álabu o en carou e co ntinuou: – Pois bem, a cidade ent ão foi tr ansfor mada em s et e vilarejos e a br uxa não d eu trég u a a nen huma d as vilas! –Que tipo d e coi sas a cont ecia por aqui? – per g untou Tibor. –P lantaçõ es era m consumid as ou apodrecia m misteriosamente, galinheiros e celeiros eram devast ados, casas er a m coloca da s a baixo, fora os envenenam entos de vár ios cidad ãos que ado ecia m e algumas vez es mor r iam; e tudo se intensificava na époc a da quaresma. – M álab u deu u ma parada e ar r umou a lenha d a f og ueira f azend o o fog o aume ntar p ara aquec ê-los, pois a n oite es tava b em fria. – Isso é o que o povo diz, mas pode ser tudo uma me ra coincidên cia. Cer to dia, um g r u po de mais ou m enos quaren ta
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pessoas se r euniu em Diniáp oles. Essas pesso as queriam fazer justiç a com as próprias mãos. Lig aram os fatos e cheg ara m a u ma supost a conc lusão de que a tal br uxa t alvez m o rasse na Grand e F loresta, que por acaso ou n ão, é essa f loresta em que est amos sen tados ag ora! – um ar re pio subiu na espinha d e Tibor e pelo jeito que Sá tir e Ru rique se mexera m, a espinha d eles tamb ém d evia ter recebido um balde de água fria. M álabu continuou – foi um mutirão org anizado! M unidos de toch a s, ar pões, enxadas e mach ados; esping ar das e pis tolas, essas quare nta e pou cas pessoas par tira m, numa das noites d a quaresma, a caminho da su posta morada d a t al br uxa . Viajaram por algumas horas p ela estrada velha e cheg aram à marg em desta f lor est a. El es dize m que alguns poucos desistiram ao ch eg ar aqui, m as a g rande m aioria continuou, aden traram na mat a em bu sca de um fim para as maldi ções q ue ela impun ha à s ociedad e co mo um todo. – João Málabu olhou para o mesmo pon to que o bar ulho veio da outra ve z, Tibor fez o mes mo, mas não viu nada e nem ouviu nada. – Andaram p or um bom tem po po r essa ma ta e o qu e enc ontrara m nela f oi um a es péci e de moinh o, o vel ho moinho de um fazend eiro que faliu e mor reu de de pressão. Como não deixou n enhu m desc ende nte, sua s ter ras e s eus bens f icar am sem u m herdeiro e co mo se dizia que a br ux a r ondava por ali, o moinho fi cou por anos
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abandon ado e assim continua até hoj e e m algum lug ar aqui dentr o d essa m ata! –Achara m a t al br ux a? – quis saber Tibo r. M álabu coç ou a c ab eça a ntes de co ntinu ar. –Não enc ontrara m nada, o moinho realment e estava aband onad o, mas alg o d e r uim o cor reu! – disse Málabu. Tibor, Sátir e Rurique estavam vidrados na história e pelo fato de estarem na mesma mata do acont ecid o, um medo apavora nte os rondava. –As quarent a pesso as voltar am para su as casas na mesma noite, aind a esperando t er a tão esperad a ving ança, mas ao cheg arem a seus lares tiveram a maior e pior das sur presas! Seus f ilhos e filhas, adolesc ent es ou cria nças, meninos ou m eninas haviam sumido! Nenh um d eles es tava e m sua s cam as ond e dever iam est ar. – Os três entrara m e m choque, Sátir levou as mãos à bo ca, mas M ála bu con tinuou – Era o pr eço por m exerem com alg o tão p oder oso e maligno, não se br inca com e sse tipo de coisa e n ão se in terfere em seus planos seja m eles quais fore m! Naquel a noi te, o caos se espalh o u pelos s ete vilare jos, as busc as f or am incessan tes pelas seman as seguintes, mas nenhum r as tro das quarenta crianç as fo i encon trado! – Málabu os e ncarou por um t empo – Mas alg o ainda estava par a a cont e cer! Menos de um mês de p ois, alg umas pessoas di sseram ter prese nci ado uma brig a
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entre dois ser es n a mat a d a Vila Gua rá. Guará é o maior dos vilarejos, dizem q ue u m d os seres era a br ux a e o ou tro um ser f antásti co! Um ser desses que é consid er ado mito ou lenda que s e con ta por todos os lug ar es de g erações para g erações! –Que ser era esse? – quis saber Tibor. –Não s ei ao cer t o o seu nome, mas s ei q ue era u m sujeito bas tant e c o rajoso para e nfrent ar a tal br uxa, sozinho! – disse João se aj eitando n o tronc o ond e estava sen tad o, e os três concord aram c om a cab eça – Os relat os dess a bri g a não s ão muito cl aros pra mi m, ouvi a história de diversas maneiras e u ma versão be m dif er ente da ou tra. A únic a coisa qu e s e i é qu e ess e s er fez justiça p elo p ovoado dos vilarejos. Não pôde tr azer s eus filhos de volta, o qu e foi muito triste, ma s de pois d essa brig a que s e d eu n a f l oresta da Vila Guará, a br ux a d esa pareceu e nunc a mai s foi vista! –Quanto te mpo faz isso? – perguntou S átir. –Ex atos do ze anos! – respondeu Mál abu . –E quan to às crianç as, por acas o ach a que exist e a possibilidade de serem essas que. .. – com eçou Rur ique. –Exatamente! As pessoas as chamam de trasgos! Trasgos são espíritos de crianças perdidas, provavelmente... Ouçam bem! N ão dig o que o que pr esen ciaram foram trasg os, mas há uma g rande possibilidade de ser em os espíritos
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das quaren ta crian ç as que f oram l evad as embor a pela br uxa e nunc a f oram enco ntradas! Os tr ês se olharam incrédulos desejan do muito estar no sítio o mais rápido possível. –Se são fantasm as, como pudera m nos tocar ? Cheg amos a lutar c o m alg uns deles! – p e rguntou Sátir. –Não sei! – respond eu Málabu – já es cu tei boa tos de fantasm as que se materializavam para cumprir cer tos f eitos entr e os vivos, mas n ão creio que sej a este o caso! –Há pouco te mpo, vimos uma velha.. . – Tibor par ou e olhou da ir mã para o amig o co mo se p edisse per missão para que brar o juramento d e não com ent ar sobr e assunto qu e iria abordar. Como não se pr onunciar am, el e resolveu con tinuar – ... uma velha nos seguiu na estra da velha, ela nos... – Tibor tentava encon trar a palavra adequad a - ...farejava! –L iter almen te! – co mpletou S átir. –Querem sab er se h á a possibilidade de essa velh a que os seguiu ser a br uxa desap arecid a há doz e anos? – os tr ês f izeram que sim com a cabe ça – Não acredito que seja, pois ela realmen te não d eu as caras desde então! Por tan to, cre io que seja só uma velha louca qu e andava por lá n a mesma hor a que vo cês! – co ncluiu Málabu. –Sabemos qu e os p és dela eram enor m es! – disse Rur ique. – vimos su as peg adas no dia se guinte!
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M álabu o olh ou rá pido com o se Ruri que tivesse dito alg o realmente intrig ante, mas log o de pois disfar çou. Tibor e Sátir no taram qu e João M álabu escond era alg uma c oisa. –Bom, já cheg a cria nças, é bo m t ent are m dor mir! – disse o r uivo mudando de assun to. – pelo que vejo a cabe ça do s enhor Lobato aqui já es tá bem cura da a ponto de a manhã ter mos uma long a caminh ada a seg uir ! Os tr ês achara m realmen te difícil p ensar e m dor mir de pois de uma história da quelas, mas se ar r umaram d e pressa . Ning uém queria c o ntrariar aquele br utamo nte. M álabu foi a té a b eira do rio p ara e ncher sua caneca de água. A lua brilhava na superfície br uxuleant e do r iacho que s eguia à frent e at é se per der de vista no vale mais próximo. –Per cebeu qu e ele s abe alg o sobre aquel a velha? – sussur r ou Tibor para a ir mã. –Claro que perc ebi, mas talve z não s ej a a br uxa! – sussur r ou a menin a de volta. –Por que acha isso? – quis saber Tibor. –Or a, se ela era tão poderosa, não acha que teria entr ado na casa e n os peg o lá d entro? A nã o ser qu e quer ia apen as nos as sustar! – disse ela.
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–Ou sabia do p erig o que es táva mos c o r rendo na casa com aqu ele g or ro maluco! – sus sur rou Rurique entr ando na conversa. –Sendo a br uxa ou não! Escond endo al g o ou não! Ainda falta u ma coi sa que ele nã o nos contou! – disse Tibor. –E o que é? – perg u ntou Rurique. Tibor andou na direção do rio, ain da queria tira r uma infor maçã o de João M álabu. –M álabu? – ch am ou ele. Rurique e Sátir s e colocar a m ao lad o d o menino. –Sim? – perguntou o r uivo g randalhão após dar uma g olada na ág ua g elada da ca nec a. –O que ess a históri a toda tem a ver co mig o, com a minha ir mã e co m a nossa f amília? Sátir deu um s obre ssalto. Tinha esque cido disso, f icar a tão te merosa com o lug ar em que estavam e c om os f atos t er ríveis de est arem n a noi te anterior sen do caça dos por f ant as mas de crianças d es aparecid as, que acabou se esquec en do do que Málabu dissera. Que a história ter ia u ma li g ação diret a co m ele s. Então M álabu e ncar ou os dois e falou: – O ser que enfrent ou a br uxa e a fe z d esapare cer há doz e a nos, faze n do justiça e traz end o a pa z a tod os os mor adores dos vi larejos at é os dias d e hoje, é o p ai de Dona Gaílde, o b isavô de vocês!
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Tibor estava quas e ador m ece ndo e mbaixo da lona. Enquan to n ão peg ava no so no, se lembrava que, segundo M álabu, se u bisavô era um ser fantástico. S eu bisavô er a lembrad o em lend as e mi tos que era m contad os há v árias g erações. “Quem era ele?” “Já escu tar a alg o sobr e o bisa vô?” “ On de se e sc ondia?” “Como f ez pa ra sumi r com a br uxa?” “Se rá qu e tin ha pod er e s?” “ Se sim, ser á q ue existia a r emota possibilid ade de s ua a vó te r her dado alg um dele s?” “Ou ele m esmo ou t alvez su a ir mã?”. O g aroto se perd ia em pergunt as sobre su a f amília at é seu lado inconsci ent e to mar cont a d e sua r azão e m ergulhá-lo de ve z e m um s ono tranquilo e pr ofundo. Pouco antes de ador m ec er desejou sonhar com seu bisavô, que ria mesmo s aber que m era. Não s abia di zer s e tinha dor mido há um b om tempo ou s e ador mecer a naquel e instante, m as no
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momen to, alg uém o acordar a c om b ast ante violência, pensou que se f os se sua ir mã s eria muita g rosseria acor dar alguém ass im; se f osse Rurique ou Málabu, estariam forç ando a amizad e. –Ei, minha cabe ça! Cuidado com minha cabeç a! – disse Tibor ainda s onolento enqu anto mãos rápid as o chacoalhava m frene t icamen te. – o qu e es tá faz endo? Abr iu um olho e enxerg ou um pouco embaç ado e o que viu não lhe ag radou muito, na verdade quando seu c ér ebro proce ssou o qu e estava a cont ece ndo entr ou e m pâni co e come çou a g ritar : –AHHHH! Sá tir, so cor ro! Ei Rurique! Eles est ão aqui! Estão me leva ndo! ACOR DEM! Tibor se deu cont a de que fora preso dentro de um saco e estava sendo c ar reg ado nas cost as de alg uém com o se fos se um sa co de b ata t as. Podia ouvir bar ulho de lu ta d o lado de fora, mas não distinguia nenh um som, a n ão s er o ba r ulho d o rio se dist ancian do. Sua adr enalina su biu tirando de vez qualqu er resquíc io de sonol ência de seu cor po. Sua cabeça recomeçava a latejar. “Estou sendo seq ue str ado po r uma d aq uela s cri anç as” p ensava ele. “ Ond e e stão m e le vando?”; “Ah, Nã o ir ei tão fá cil as sim, dar ei u m pouq uinho de t rab alho!”. Dito e fei to! Tibor Lobato c ome çou a s e sacudir e chutar as cost as do seu raptor pelo l ad o de d entro do saco. Par ecia que qu em quer que fosse que o estivesse
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car r eg ando, não iria parar por nada. Ap ós uns quinze chutes, o saco for a solto co m feroci dade no ch ão machuc ando as cost as de Tibor. Pancadas vier am d e tod os os l ados d e fora d o saco, o me nino m al teve tem po de prot eg er seu rosto. For a fer ido nas costas, nas per nas, n os braços e na cabe ça, o que o ir ritou basta nte. Sentia mui ta d or pel o cor po to do e quan do o s ac o for a r eer g uido de novo, Tibor c ome ç ou um choro baix inho e d ecidi u ficar quieto de ntro do sa co seguindo as reg ras de seus ag ressores. Avaliava os da nos em seu cor po e p arecia ter quebr ado a per n a direita, a dor que vinha dela era f or te dem ais. Estava trem endo de med o. Sabia que a coisa que estava do lado de fo ra não queria br incadeir as. De pois de muito c aminhar a esm o, o saco fora colocad o no chão. Tibor ouvia b ar ulho de vários p és ao r edor, apur ou os ouvidos e pôde ouvir os g ritos de outro g ar oto ao long e: –O que est ão f aze n do? Parem! Deixem-me ir! – a voz do g ar oto d emo nstrava pânico. “O q ue e stá desesper a do.
aco nte cendo
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lá
fora? ”
pe nsava
ele
Abriram o saco e as sim que colocou a c abeç a para for a, Tibor pôde a ssimilar muitas coi sas ao m esmo tempo. Estava finalm ent e sob a custódi a da s crianç as mister iosas que p ossivelmente era m fantasmas de crianças mor t as h á doz e a nos. Es tava numa enor me clareira no m eio do mat o e as mai s de quaren ta crianças estavam es palhadas por toda a ext ensão ao r edor. P ôde notar uma casa enor m e, toda suja e quebr ada com um a espécie de roldan a gig ante que antig ame nte se u tilizava de ág ua p ara mover mós qu e moíam o que f osse. Tinha cer t eza que aquela casa era o tal moinho aband onado qu e M álabu d issera, mas n ão havia água para a ro ldana por ali há mui to te mpo. Tibor era ar rastad o por um m enin o e um a menina, sua per n a devia mesmo estar quebrada, pois estava co m dificulda des em s e apoi ar nel a. O g aroto pass ou p ela me nina que car reg ava um bebê no colo e ela o encarava co m a m esma express ão vazia e p álida que t odos exibiam esta m padas no ros to. Tibor fora am ar rado a u m tron co e no tou que a o seu lado tinha um g aroto mais alto e mais for te que ele. O m enino tin ha sangue escor ren do do nariz e estava vivendo a me sma situa ção. –Ei! O que est á ac ontec endo aqui? – perguntou Tibor. O g ar oto par ecia em choque e res ponde u:
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–Não sei! Eu não f i z nada! Por favor, al guém! –Garoto! Se ac alma aí! – Tibor pensou n o absur do que p ediu ao me nino, já que ele m esmo n ão conseg uia p arar de tremer – Me dig a o que est á acont ec endo! O garoto olhou para Tibor com os olhos a r reg alados e disse bab ando lou came nte: –Esse é o s acrif ício para a Cuc a, a br uxa qu e desapar e ceu! Tibor g elou ao ouvi r aquele n ome: “Cu c a”. Olhou ao r edor e p erce beu que as crianç as estava m se posicionando em círculo. –O ritual está c ome çando – con tinuou o g aroto – dizem qu e todo ano ela exig e ao men os um sacrifício em seu nom e e aq uele que foi sacrificado vag a par a sempre e m mei o aos trasg os da f loresta! –Ok, espera um po uco aí! Est á me di zendo qu e isso aqui é um ritual de sacrif ício? Qu e eles irão nos... Antes de ter minar a frase, Tibor not ou que a s cr ianças com eç aram a girar e m s eus l ug ares e pela pr imeir a vez pôd e ouvir sons das bocas dela s. Soltavam um mur múrio de palavras que ele nã o enten dia. Pouco de pois de com eçar em a mur murar, pôde sen tir uma pr esenç a nas redon de zas da cl areira em meio às ár vo res. Tibor sentiu uma maldad e eman ada da criatur a que ali estava e pe nsou que talve z aquele f osse s eu exe cutor ou t alvez a pr ópria br uxa.
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–Eu não qu ero ac abar assim! – mur murava o g ar oto que chorava com um ar de insani dade. Tibor achou que as coisas ruins estavam acontec end o r ápido demais e, a fim de dar um jeit o nisso, te ntou for çar a corda que prendia seus bra ç os, mas os nós que o ap er tavam era m muito for tes. “Fora tu do em vão! Não adia ntou fugir em e brigar em com os tais fanta sma s nas noite s a nterior es. Nem mesmo o br utamont e M álab u n ã o pôde fa z er na da!”. Tibor queria ao m enos sab er com o es tavam su a ir mã e seu amig o. Se pudess e faz er um último des ejo, g ostar ia de estar e m seu quar to deita do na cama, de banho t omado s ó es perando o so no che g ar. M as sua situaçã o era bem t ensa no momento. Nada podia f a zer a não s er es perar po r aquele ritual idiota. Imag inou como todas a quelas crian ças pareciam bab acas ao g irarem daquel e jeito, quan to mais giravam, mai s o ser maligno que rondava sor r ateir o se fazia p resente. Implorava em p en samen tos para qu e parassem com aquilo, não que ria saber o que rondava a mata, já tiver a muitas sur pr esas. O g aro to p en sou em como aquilo iria t er minar : se fosse de man eira dolorosa, que fosse logo. A espera era uma coisa horrível e int er minável. L embr ou novam ent e dos p ais. “S er á que o se ntime nto q ue ti veram, ant e as ch am as q ue os le va ram, foi o mesmo se ntido por Tibor ag or a?”.
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Não queria sab er! O que quer que fosse acont ec er estar ia pr onto p ara enfrentar; ou pelo menos assim g ostar ia de acr edita r, afinal só tinh a tr eze anos e sua vida dever ia ser long a naquele síti o, para comp ensar tudo de r uim qu e vivera de pois d a mor te d os pais ficando naqu ele orfanato nojento. Duas crianç as saíra m da r oda e vieram em sua dir eção co m alg o na s mãos. Tibor não c onseguiu saber o que car r eg avam, pois o objeto estava enrolado e m um pano sujo d e lim o. Confor me as duas crianças com cara de zu mbi cheg avam m ais per to, o peit o de Tib or arfava mais rápido e mais f o r te, suas p er nas come çaram a amolec er e sua tre medeira passou a se r incontrolável. Tentou por várias vezes s e livrar da corda, mas era inútil. –Isso é covardia! – g ritou ele – est ão em maior número e ainda as sim nos man tê m a mar rados aqui dessa for ma! – a roda de crianç as con tinuava a girar e mur mur ar. As duas crianças ag ora cheg avam at é Tibor e o outr o prisioneir o. Retiraram os panos sujos do objeto que car reg avam e Tibor pôde notar d uas taças pra tea das, uma com cad a criança, a taç a por tava um líquido neg ro e peg ajoso. –Não vou be ber is so! – disse Tibor quando o menino f a ntas ma qu e es tava à sua fren t e segurou com for ça o seu queixo c om os dedos frios.
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Não cons eg uia mover nem as per nas e nem os br aços, o melhor qu e pôde fa zer foi cus pir no menino. O g ar oto zumbi rec ebeu uma cus parada no olho e nem piscou. –Isso é im possível! – mur murou Tibo r antes de r eceber um soco e m seu estômag o. Tibor enverg ou o cor po o máximo qu e pôde com a dor q ue veio com a pancad a, olhou p ara o lado e ao ver o outro me nino sendo sucumbid o à vontade d a criança m acabr a, g r itou: – Ei! Não beba isso! Não se e ntregue! – mas parecia ser tarde demais, o menin o ao l ado n ão mostrava r esistên ci a alg uma e bebia ag ora o último g ole da taç a prat ead a. Após beb er, abaixou a cabeç a e com eço u a tremer violentam ent e. Tibor podia ouvir os dentes do me nino r ang er em de ond e e stava. Outr a ve z o ag ressor seg ur ou o queixo de Tibor que pensava consig o mesmo: “Acabo u! É ag ora! Adeu s a todos, Ma ninh a, vó, R uri que, m ãe e pai... ...Aqui se dá o fim de T ibor Lobato!” P ôde sentir o g osto amarg o do líquido neg ro encost ando-se em s ua líng ua. U m som de luta tirou Tibor de seu trans e causad o pelo p ânico e alime ntou su as es peran ça s novamen te. O menino qu e segurava a ta ça olh ou pa ra trás e viu o
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mesmo que Tibor : uma por ca, du as ve zes maior qu e um por co adult o, ve io “toureando” as c rianças d a roda como s e fosse m pin os de b oliche. Mála bu apare cia d e outr o lado da clar eira com Rurique ao seu lado e par tiam log o para a brig a. Tibor mordeu a bo rda da t aça, tirou d a mão do menino zumbi e ant es de tom ar o men or dos g oles, a jog ou par a o lado der ramando o líqui do peg ajoso no chão. Pela primeira vez Tibor p ôde n o tar algum tip o de ex pr essão na c a ra do menino pálid o e ficou feliz quando perc ebeu qu e sua express ão era de deses pero. O menino f antas ma mirou outro soco n o estôm ag o de Tib or que nunc a ch eg ou a o seu destin o, pois uma Sá tir insan a voava pra cim a del e. Tibor não sen tiu mais a pres ença r uim qu e rondava por ali e q uando o ritual foi i nter rompido de vez, a brig a co meu s olta por tod a a clare ira. M esmo co m a ajuda da porca e todos os outros, ainda sim es tavam e m desvan tag em. Sátir desam ar rou o ir mão e o menin o ao lado qu e ag ora estava des aco rdado. Rurique e Málabu cor reram até eles enqu anto a porca lhes dava cob er tura. Málabu colocou o m enino desmai ado n as c o stas e Rurique apoiou Tibor em s e u ombro. –Va mos emb ora da qui direto para o sítio da avó de vocês! – diss e M álabu.
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E cor reram. Tibor olhou p ara trás e pare cia impossível escap ar dessa vez. O rost o das crianças demonstrava raiva e indig nação. Tibor sabia que at é para um fan tasm a a quilo já era de mais. Pedaços de pau e pedr as vinha m n a direção de Tibor e seus amig os. Por todo o t emp o, cor riam aproveitan do a van tag em que a por c a deu ao se coloc ar no c amin ho dos trasg os. Pena que ela n ão os segurou por muito tempo! A leitoa co meç ou a brilhar, uma luz dour ada em anou de seu cor po tod o, o que fez com q ue os trasg os tapass em os olhos, dessa man eira Tib or e os outros g anharam um pouc o mais de temp o; e assim com o a por ca veio, ela se fo i! –Obr ig ado! – sussur rou Tibor direcionando seus pensam entos para a mãe d e Ron cador. Embrenh aram- se n a mata o mais rápido que puder am, pois es tavam em condi ç ões pre cárias marcad as pelo ca ns aço d e to dos e a pe r na machu cad a de Tibor. A porca lhes c ons eguiu uma boa va ntag em ao ceg ar os menin os t e mporariamen te; van tag em ess a qu e os trasg os recuperavam cad a ve z mais. Uma pedr a do ta manho de u ma m ão fechad a atingiu o ombro de Sátir co m força, ma s ela não parou de cor r er. Tibor via as silhuetas se aproximando e preenchend o cada esp aço vag o p or entre as ár vores, parecia mes mo
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impossível esc apar, mas co mo tin ham se safado d e tudo a té ali e a p esar dos pes ares estavam todos pr aticam ent e int eiros, Tibor ainda tinha fé que sairia m com vida dali. Cor r eram desenfrea dos por mais de meia hora, até qu e M álabu g ritou: –Por aqui! E no taram uma tril ha que co me çava al i no m eio da mat a. Seg uiram por ela por mais u m bom te mpo e come çaram a subir um mor ro. Tibor achou aqu ele mor ro familiar e constatou qu e realm e nte era qu ando Sátir disse: –Ei, ali na frente foi onde nos desp edimos d a por ca dos se te l eitõ es pela prim eira vez ! E er a mes mo, o nd e ela brilhou e se foi pela primeira vez e de onde par tiram para a sua perdição na f lor esta. Subiam m ais e m ais, sem parar, pois os passos d as cr ianças f an tasm as não deixavam d e se fazer presen tes na col a del es. Ch eg aram a uma par te pl ana e c or reram em linha reta, p odiam ver a cerc a do sítio se aproximando. Os trasg os ag ora es t avam mais per to. O utra pedra f oi atir ada e a tingiu a cab eça d e Rurique em cheio. Tibor e o a mig o foram ao chão no segundo seg uinte.
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–Não, Rurique! Não desm aie ag o ra, vamos, levante-se! – g ritava Tibor balança nd o o cor po do amig o. –Desmai ar ag ora? – disse Rurique levantando a cabe ça co m um filete de sangue d escen do pela later al do seu r os to. – nem p ensar! – e se pôs d e p é novament e dand o su por te a Tib or. Passar am pela c erc a de mad eira e c o r reram na dir eção da casa r ústica e imp onen t e da avó. Os cor açõ es de todos se aleg raram em alívio ao ver a casa. Os trasg os já pulavam a c erca em seu enc alço e invadiam o sítio to d o. –Vó! – g ritavam os netos ant es m esmo de cheg a r per to da varandinha tér rea. – abra a por ta, vó! Subiram de press a a escad a da varandinh a, quando Sátir colocou a mã o na ma çan eta a se ntiu girar an tes dela mesm o o fazer e a por ta se abriu revelando uma Dona G aílde pálida. –Entr em rápido, crianças! – disse ela c om a vo z num tom a pressado. Todos passar am cor rendo para o hall. –Málabu! – cumpri mentou Gaílde. –Senhora! – diss e ele e m respos ta cu r vando de leve a c abe ça. Gaílde bat eu a po r ta a trás d e Joã o Málabu e fechou o trinco.
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Estavam t odos em choque e o pavor aumen tou quando um BUM na por ta foi escutado. Os trasg os já estavam ali e iria m invadir a casa se nenhu ma pr ovidência fosse to mada. –Rur ique e M álabu! – chamou G aílde au toritária – Coloquem Tibor e o g aroto des acorda do no sofá da sala e f echem t odas as janelas e por t as da casa! Sátir! – disse ela s e viran do para a menin a q ue segurava o br aço m achuca do – busque em meu qua r to uma male ta de pr imeir os socor r os embaixo d a minh a cam a! Os tr ês o bede cera m e Gaíld e seguiu par a a sal a se cer tif icando s e as ja nelas es tavam tra nca das. Todos se enc ontra m na s ala de volt a em u m minuto.As luz es d a casa s e apag aram co m um estrond o e Rur ique já acendi a a lanter na que p eg ou enquanto f echava as janel as d o quar to de Tibor. Sob a f raca luz da lanter na, to dos ficaram e m silêncio apen as o uvindo os pés apressados que cor riam ao redor da cas a. Eram mai s de quaren ta cr ianças m edonh as do lado de fora qu erendo en trar. Tibor seg urava a per na com força no lug ar em que par ecia ter quebrad o e se lasti mava po r estar em tal situaçã o, queria se munir de alg o para proteg er a cas a, caso alg um d eles a i nvadisse. Batidas nas p or tas e janelas eram es cu tadas por todos os lados.
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–Será que machu car ão a M imosa e as g alinhas? – per g untou Sátir. –Não, eles qu erem outra cois a! – disse a avó co m ar mister ioso. – Alg um plano foi colo c ado em prátic a e isso er a o qu e eu t emia! –Do que es tá f alan do, vó? – p ergunto u Tibor ao lado do g aroto d esa cordado. Espant aram- se ao o uvir uma janela ser quebrada na co zinha. Pare cia que es tavam cons e guindo entrar. Nem u m segundo d e pois a por ta dos f undos pare ceu ser ar rombada. –Não tenho t empo para explicar isso ag ora! – disse Gaílde para T ibor, levando as mã os ao ping ente ver de que c ar reg ava no pesco ço. – Se a g r upem na sala e man tenh am-se uni dos acon teç a o que acont ec er! Tibor pensou que seria o fim, as crianças iriam invadir e atacá- los ali mesmo, e p elo que pôde per ceb er, eles nã o tinham dó n em pie dade, o fariam sem pes tan ejar. Sátir peg ara um ab ajur e o segurava em posição de ataque, M álabu c er rava os punhos esperando que m quer que f osse e Ru rique iluminava cad a can to da s ala no ag uar do para d enunciar o primeiro in tr uso. Gaílde se dirigiu ao hall e s e posic ionou e m fr ente à por t a. Erg ueu um a das m ãos aber ta e fechou os olhos, a outra m ã o segurava com forç a o ping ente. –O que vai fa zer, vó ?! – g ritou Sátir.
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–Ex pulsar esses int r usos do nosso sítio! – g ritou a avó. Sátir fez m ençã o de ir até ela. –Não s aia daí! F iqu e junto de s eu ir mã o! – disselhe a avó. Uma cor rent e de ar come çou a pass ar por toda a ex tensã o da casa. Uma luz verde se acendeu do lad o de fora, todos volt aram suas cabe ças para ver o qu e er a e pr es enciara m a lg o inimaginável. L abaredas s e ma teri alizaram a par tir do nada n a frente da c asa e t omaram a f or ma d e uma en or me ser pent e f eita de fo g o. –Essa não! O que é isso ag ora? – ber rou Rurique. Até M álabu p arec eu est ar apavorad o com a aparição. A cobr a devia ter de de z a doz e metros d e comprimen to e s uas presas eram brancas co mo marfim. A co bra se mant eve enrolada em seu próprio cor po com a cab eç or ra de pé. Em cha mas, en carou a todos por um tem po. Abriu a boca em a meaç a para os tras g os e um seg undo d e pois d e u o bo te s e tra nsfor mando num fog aréu que tor neo u a casa tod a afasta ndo as crianç as zumbis p ar a long e. De d entro da casa, via- se fog o de todas as j anelas a o mesmo te mpo i luminando as par edes e os m óvei s de verde. Tibor p ôde ver vários trasg os em f ug a.
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Pulavam as cer cas d e mad eira e m direç ã o à m ata. Pensou que faria o mesmo se es tivesse no lug ar deles, mor r ia de medo de fog o e estava difícil não g ritar de pânico sen tindo o c alor das labaredas q ue cor riam por toda a ex t ensão d a casa. Log o de po is, o fog o se ex ting uiu no ar, já não havia cobra nenhum a e o silêncio se ins talou na sala. Tibor, treme ndo ass ustado, ch amou: –Vó!? Gaílde s e apoiava c om um a d as m ãos t rêmulas na par ede do hall, Sát ir cor reu até ela em auxílio e a seg ur ou no mo m ento em q ue a avó desa bava desacor da da.
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Sátir perceb eu que a avó respirava devag ar e sua feição indicava que não estava nad a b em. Colo cou a mão na test a del a e notou que estava g el ada. –Socor ro! – g ritou a menina – o que e u faço? M álabu deit ou G aílde no sofá em frent e à lar eira – Ela pr ecisa de des canso, está esg otada , só isso! Não há com o que se preocupar! Pelo menos não em relação à sua avó! – e se dirig iu à jan ela para ver c omo estavam as coisas l á f ora. Sátir come çou a ch orar em silêncio, o que cor tou o cor aç ão do ir mão, odiava ver a ir mã desolad a. Rurique tamb ém est ava af lito; ainda com medo de um a possível invasão e daquela estranh a aparição que queimara tu do lá f ora.
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Ficaram em silênci o no breu da sala, não se atr ever am a sair do lado da avó, como se ainda seg uissem sua últim a ordem. O sol com eçava a p intar, co m cores vivas, toda a ex tensã o do sítio e os objetos d entro d a sala. Tibor, Sátir e Rurique, apes ar de exa ustos, nã o conseg uiam pr eg ar os olhos. M álabu fizera cura tivos na per n a de Tibor e r ef izer a o cura tivo em sua cabe ça, cuid ara tam bém d o machuc ado à pedrad a da cabe ça de Ruri que e do braço de Sátir ; qua nto ao menino desm aiad o, o que M álabu pôde fa zer foi uma compressa na t esta do g arot o, m as par ecia s er inútil. O cor po de Tib or estava todo dolor ido, senti a que a próx ima vez que se despisse par a tomar banh o, ver ia um cor po ir reconh ecível de tan t os hema tomas. Sentia r aiva dos tai s trasg os, se pudess e, liquidava-os um por um. Tinham violado um lug ar que era como o paraíso para ele, seu lug ar sag rado, o úni co lu g ar em que era feliz, desde os te mpos do orfanato. Pior que isso, aten tar am con tra a vida de su a avó, co m cer te za n ão os per doar ia por essa. Gaílde soltar a um g emido e todos na sala voltaram a ate nção para ela. –Todos est ão b em? – Dona G aílde p erguntou.
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A per gunta soou ir ônica, já que eram eles que deveriam faz ê-la. Gaílde se s entou e d isse: –Málabu! Obrig ada por g uiar e trazer meus ne tos e Rur ique em s egurança p ela ma ta! – Málabu fez um aceno de cab eça, de pois Gaílde se vol t ou para os três – Sei qu e t êm milh ões de dúvidas! En tão va mos por par tes! Ch eg ou a ho ra de sab erem algum as coisas, mas, antes, pr eciso s aber o que acon tec eu co m vocês e c om esse g ar oto – e ap o ntou para o menin o desacorda do. Tibor lhe contou t odos os fatos, desde quando saír am do sítio te ntando salvar Ron cador; cont ou como a porca brilho u e sumiu; com ento u sobre a brig a que tiveram com os trasgos quando foram encur ralados; f alou tamb ém de s eu rapto e do ritua l de sa crifício, quando co men tou sobre a t aça p ratead a a avó per guntou: –O que tinha na ta ç a? Como era o líqui do con tido nela? –Neg r o, peg ajoso e... amarg o! – dis se Tibor rapidamen te. –Ven eno! – sussur rou ela – Elas es tão junt as novamente, é pior d o que imaginei! –Ven eno? Elas o fizeram to mar a ta ça inteira! – disse ele assust ado. – ele ficará b em? Q uem está junto novament e?
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Gaílde p eg ou da malet a de prim eiro s socor ros, um fr asco que conti nha um liquido transparente, abriu a boca do me nino e despejou o cont eúd o dentro. –Ainda há chanc e de ele des per t ar, mas recei o que isso levará alg uns dias, ou sem anas ! Teremos qu e tomar cont a del e a té a cordar, d e pois descobriremo s quem é, onde mora e aí o levaremos pa ra sua casa! – Se vir ou para Joã o Málabu e disse – deve estar cansad o, se quiser i r para cas a eu assu mo daqui! – o homem r uivo olho u desconfiado pela janela – Não tema! L á fora está s eg uro ag ora! –Gostaria d e pedir uma coisa s e nã o for um incômodo – disse Málabu co m um re speito absurdo para com Gaílde – Sei que não é uma hora opor tuna, mas t enho m enos d e duas se man as... a senhora sab e que... –Seu r emé dio est á n a seg unda p or ta à direita do ar már io br anc o da c ozinha! – disse ela. Boa sor t e nos pr óx imos dias, se precisar de ajuda, nã o ouse deixar de me pr o curar! Vo cê nunca será um i ncômodo para mim! – e t er minou c om um sor risinho n o rosto. M álabu se d espediu de todos, p eg ou alguma cois a na cozinh a que ninguém pôde ver qu e ti po de rem édio er a e se f oi. Gaílde se se ntou n a cadeira de balan ço, cr uzou os dedos em cima das per nas e come çou – Vamos aos f atos! Dir ei coisa s a vocês que p odem pare cer
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absurdas, mas como já puderam perce be r, em époc a de quar esma, por ess a s ter ras, os absurdos são muito reais! – os três estavam atô nitos. – Gostariam de per g untar alg o antes de eu c ome çar? E os g arotos entã o se ag itaram. –O que era aquela c obra de fog o? Os tr asg os vão voltar ? – perg untou Rurique. –Por que disse que ag ora está segur o lá fora? Quem é a br ux a des aparecid a? O que é essa pedra que a senhor a tem no pe scoço?– p erguntou Sátir. Gaílde esperou a t é que os dois falassem e per ceb eu que Tibo r estava em silên c io. –Tibor? – chamou ela – não tem nenhu ma per gunta para me f azer ? –Tenho! –Pois então? – disse Gaílde levantando as sobrancelhas. Tibor se ar r umou no sofá e ajeitou a per na de for ma que as dores não lhe in comod ass em. –Quem era meu bisavô? – perguntou ele sério. Por um breve inst ante a sala per ma neceu e m silêncio. –Bom, acho que a c onversa vai durar m ais te mpo do que pensei! – disse Gaílde pondo-s e de pé – acho melhor ir em s e lavar primeiro enqu an to pre paro um lanche pra vo cês, a f inal passar am di as na ma ta s em banho e se m co mi da de verdade! De vem es tar se sentindo u m ca co!
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–Não! – disse Tibor – Desculpe, vó, mas precisamos saber pr imeiro! – deu uma pausa. – Eu preciso saber! – Rur ique fez uma careta, pare cia que preferia a comida e o banho a ntes d as infor maçõ e s, mas ninguém per ceb eu. Gaílde encarou o n eto com u ma profu ndidade n o olhar como s e visse alg uém que a mui to não via. –Você me lembra s eu pai d e ve z e m quando! – disse ela baix inh o, d eu um suspiro e vol tou a se s ent ar na cad eir a de b ala nço. – Muito be m , infor mações pr imeir o! – apontou para Rurique – Se os trasg os vão voltar ? Não, pelo menos por enquan t o, devem est ar tr emend o no can to mais longínquo da Gr and e F lor esta, apesar de serem espíritos, seu s medos aind a são m er ame nte infa ntis, por tan to, por hora, est amos seg ur os! Aquela cob ra de fog o? Para poder falar dela, tenho qu e c ontar s o bre essa pedra – olh ou para Sá tir e apontou para o s eu ping ente verde – mas para cont ar sobr e a pedra, tenh o que falar do bisavô de vocês, o meu pai! – e olhou para Tibor. – Daí, cheg o ao desapar e cime nto da br uxa! Os passarinhos diur nos come çaram a pi ar lá fora. E o g alo já cantarolava alto, o seu desper tado r matutino. Os tr ês estavam de orelha e m pé, estava m pronto s par a ouvir e ac eit ar, o qu e quer qu e fosse. Seria impossível que as infor mações que Gaí lde estava para
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r evelar f ossem m ais pr esenciad as a té ali.
absurdas
do
que
as
coisas
–O meu p ai era u m protetor d a natur e za, sem pre foi! E meu filho, Le onel Loba to, al ém p uxar o avô, se casou co m uma mulher que tinha as mesm as car ac ter ísticas qu e as suas. M eu pai vi rou uma lenda bem ant es de eu na scer, s eus feitos sã o con tados at é hoje em diversos lug ares ao long o do país inteiro! A maior ia o conh ec e como... Cur upira! – nessa hora Tibor, Sátir e Rurique ficaram d e queixos caídos e d e olhos ar reg alados. –O Cur upira é r eal? – perguntou Tibor. –Sim, e el e é o s e u bisavô! Se el e ti nha os pés para trás como con tam? Sim! Esse foi um defeito de nascen ça que a cabo u virando sua maior ar ma contra os caç adores, os der r ubadores d e ár vores e destr uidor es d e f lo restas. Ele os fazi a se perder na mata e deix ava trilhas que levavam ao m eio da selva d e onde seria dif ícil sai r, suas peg adas era m ao co ntrário, quando as s eguia m pensa ndo ser uma trilha, os malfeitores iam direto para o c oraçã o da s elva e lá apr endiam a lição. M as não era só assim que ele defendia as mat as, e nf im, não é ess e o c aso aqui! Tibor olhava para o chão perdido em qu estões. –Onde ele es tá ag ora? – perguntou ele.
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–Inf elizmen te ele est á m or to! C aiu num a ar madilha preg ada por um de seus ma iores amig os e acabou s endo assass inado por um g r upo de ca çadores! Tibor e Sátir ficaram pensativos. Tentavam imaginar como ele era. Pelas histórias dizia-se que o Cur upir a er a r uivo, o que já explicava o ca bel o da avó e de L eonel, o pai d eles, mas os c abelos d e Tibor e Sátir puxaram os c astan h os claros de H ana. –O Cur upira tin h a um aliado na luta para pr oteg er a nature za , um espírito da f lo resta cha mado Boitatá! – Tib or en carou a avó c om a aten ção a mil – Boitatá ve m das línguas indíg enas e significa cobra de f og o, nada m ais é que u m espírito da f loresta que mant ém o equilíbrio entre os s eres d a mata. É u m ser fantástic o daqu eles que n ão é ne m bo m e n em mau, ele simples ment e é! –Aquela c obra que aparec eu lá fora e e xpulsou os trag os daqui era o Boitatá? – quis saber Rurique pasmo. Gaílde asse ntiu dei xando o menino m ais pasmo ainda e e mendou – Eu o invoquei aqui, precisáva mos de ajuda e era a ú nica coisa qu e eu tinha a faz er, pr ecisava ap elar! –E apelou mesm o! – disse Rurique. –Você o c onjurou com a pedra, cer t o? – quis saber Sátir.
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–Conjurei, não! Eu o chamei! Boitatá é u m espír ito muito pod eroso, ningué m po de ou cons egue contr olá- lo! Vo cê o cham a, mas ele ve m por von tade pr ópr ia, e se naquele momen to ele reso lvesse não vir, estaríamos f ritos! – disse Gaílde. –Tem r a zão! – c onc ordou Sátir. –M as, sim, f oi com a ajuda dess a pedra! – tirou o ping ente do p esco ç o e passou p ara que vissem. A pedra era verd e e tinha o for mato d e uma rã ou um sapo, era pequ en a, leve e fria. –Ele se ch ama M uir aquitã! – falou Gaíl de – é um amuleto indígena esculpido em jade, que era presente ado às pessoas a fim de trazer prot eç ão e so r te! O Boita tá me r e conhe ce por c onta d esse Muiraquitã! Sem ele, o Boitatá não sab e qu em eu sou e tenh o cer te za qu e se eu estivesse sem el e quando os trag os atacara m, eu poder ia t ê- lo cham ado, g ritado o s eu nome; e ele muito pr ovavelment e não viria em meu socor ro! Meu pai me pr esen teou com ess a pe dra, po is ela t em um a lig ação co m o Boit atá, ele me d eu o amuleto pou co antes de m or rer pa ra que eu pudess e me prot eg er, já que sou a únic a da f amília sem p oder al gum! –Como assim? – p erguntou Tibor d evolvendo o amuleto à vó. –Sou a caçula de tr ês ir mãs! As duas mais velhas são filhas de outro pai, mas da mesma mãe!
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Tibor ligava os fatos devagar, era muita infor mação de uma vez só! Che g ou à conclusão de que tinha duas tias- avós. –Enquant o crescía mos... – co ntinuou ela. –... e u er a o alvo de suas experiências, me usavam como t este par a seus poder es que estavam af lorando! Meu pai sempre me tirava das g ar ras delas, mas com o tem po, se tor nara m bem p oderosas. U ma del a s é a br uxa que sumiu, seu nome é Cuca! – Gaílde d eu um a p ausa deixando que os trê s assimilassem os fatos na c abe ça. Tibor lembrou d e já t er es cutad o o nome. O g ar oto desacord ado no sofá tinha dito e nquanto es tava amarrado sob o moinho, que estavam sendo sacrificados em nom e da Cuc a, o que queria dizer que quase fora mor to e m nom e da sua própria tia- avó. –Então Cuca era o nome d a br uxa d esa parecida – disse Rur ique lig ando as coisas – quer dizer que o bisavô de vocês f oi quem sumiu c om a br uxa? –Exata ment e. Ele não agu entou quan do ela fe z quarenta crianç as desapare cer e m d e suas c asas! Travaram uma lu ta violenta! O Cur upir a já es tava b em fraco, os anos já o alcançavam m esmo sendo um s er f antástic o e ele nã o conseguiu acab ar com ela! No entan to, us ou seus poderes p ara criar uma esp écie de pr isão par a a Cu ca , há do ze anos! E le isolou um a par te do vilarejo Guará e c ercou est a par t e com os seus poder es! Ninguém entraria ou sai ria de lá! Pelo
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menos er a o que el e pensava! A prisã o ainda existe, nós a chamamos de Oitavo Vilarejo, m as já não é a Cuca que m est á en c arcerada por lá! –Como assim não é ela que m es tá lá ? Ela por acaso f ug iu? – Sátir quis saber. –F ug iu há dois ano s e ainda n ão sei c omo! Ela é tr aiçoeir a, s eus mét odos e planos se m pre a caba m em doenç a ou mor te! Por conta dessa fug a, tive de inter r omper as busc as por voc ês! Por ca usa dela, vo cês ficar am por dois long os e árduos anos no orfanato! Tive de aprend er os poderes c ontidos n o Muiraquitã e buscar a br uxa desaparecid a, que mes mo de pois de f ugir de sua prisão assim se man teve. Mas parece que ag ora ela colocou al g um plano maligno em prátic a e o cuidado que t eremo s de tomar daqui p ra frente deve ser dobr ado! O silêncio tom ou conta por breves quinze minutos. –Ouvi você diz er qu e elas es tavam junta s de novo quando soub e do l íquido que os tras g os o fizeram tomar! – falou T ibor apont ando p ara o g arot o desacor da do. –M e r ef eri à outra ir mã! Ta mbé m é um t er ror, mas nã o t anto qu anto a Cu ca! N ão sei ond e se esconde, não a vej o há muito temp o! Com cer t eza a Cuca d eve t ê-la pr ocurado p ara tra ma r sua ving ança contra mim, af inal, a maior diversão d e las sempr e foi
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me ver sof rer! – Gaílde disse isso mudando suas f eições como se l embrasse de t emp os ter ríveis. – Temia que isso o co r resse justam ent e q uando viess em par a o sítio! Ela s a be que se fizer alg o con tra vo cês, estar ei vulnerável, por isso resolvi aprender os poder es da pedra e os quis sob minh a prote ção ao invés de deixá- los à mercê das traças e m um orfanato qualquer ! – encarou - os e continuou – Vocês são meus netos e s ão bisne to s do Cur upira! O lug ar de vocês é per to da nature za! Tibor não s abia co mo, m as n ão d eixaria ningué m encost ar um dedo em sua avó e n em em sua ir mã. Soube que G aílde t inha razã o quant o ao lug ar deles, sempr e g ostou da nature za e s e s enti a be m d emais acam pando com os pais. –Bom, já cont ei tu do o qu e sei! Pelo menos e u acho qu e cont ei! – disse ela se levan ta ndo. – Já pass a da hor a de se lavarem, eu mes ma não est ou ag uentand o o cheiro de vo cês! Ajudem- me a ac omod ar o g ar oto no quar t o de Tibor. – Ru rique e Sátir peg aram o g aroto e com eç aram a lev á-lo escad a a cima. Tibor ficou no s ofá esperan do qu e Rurique voltasse p ara ajudá -lo a subir, por c onta d a per n a machuc ada, e olhava pensativo p ela janel a. –Sanei tod as as sua s dúvidas, Tibor? – perguntou a avó assim que os outros deix ar am a s ala.
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Ele asse ntiu. –Então o que foi qu e o deixou p ensativo? Ele pens ou ant es de dizer : –Só nós três sobramos de nossa família! Quero dizer, somos os úl timos! Gost aria de ter conh ecido meu bisavô! – o menino dizi a enqu anto suas mãos tr emiam – Essa b r ux a velha qu ase me levou em sacr if ício hoje! Ela está am eaç ando tud o o que eu amo e apr ecio! Gostaria de enc ontrá- la ag ora! Ia fa zê-la pag ar! – falou ele c om os punhos cer ra dos e os olhos ver melhos e mareja dos. –Cuidado, Tibor! – adver tiu a avó o fitando – Essas são palavras muito f or tes para um g aroto de apenas tr ez e anos! Isso pode levá- lo a um caminh o er r ôneo e sem volta , tal qual o que minhas duas ir mãs tomara m. – el a paro u e es tudou s eu co mpor tam ent o – É preciso saber d o sar sua raiva! Quan to à Cuca, n ão deseje e ncon trá-la nem em u m milhão de anos! Nã o sabe o g rau de m a ldade que minha ir mã atingiu! Se houvesse alg o mais f rio que o g elo, diria que era ess e o sentime nto del a para com os ser es ao seu redor! – par ou par a escolh er as palavras e conti nuou – Quero apenas que fique l ong e de proble mas e que qu ando esses pr oble mas vi erem a trás de vo c ê, fuja o mais r ápido que puder! –Está me pe dindo p ara ser um covard e?
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Gaílde se assustou com a pergunta e r espondeu de ant emão. –Se for para ser u m covarde vivo, sim! Estou lhe pedindo para s er um covarde! De na d a me vale um neto h er ói mor to! –Meu bisavô é u m herói m or to! – disse el e rispidament e. Gaílde p ensou u m pouco e s e se nti u mag oada com as palavras del e, mas deu cer t a raz ão para o ne to. Era muita c oisa p ara assimilar ao m esmo tem po e achou que era muit o ced o para con ciliar tudo. Es tava ner voso por est ar c onfuso. –Só dig o isso para o seu be m, Tibor! Quero ver vocês long e d os p e rig os por que os a mo! E os a mo demais! Se acha qu e será um covarde se fugir então lhe dar ei outro conse lho! Um cons elho melhor! Um conselho que meu p ai me deu: Siga s emp r e o s eu cora ção! A razão é impo r ta nte, mas o coração é a font e de tudo! Siga-o e você esta rá an da ndo no c aminho ce r to, sej a q ual for a sua decisão! A cr edit e nis so ! Os dois se olharam por um t emp o, Ti bor sentiu vontade de abra çá- l a, não queria ter m ag oado a avó e sabia que o tinha feito, mas não sabi a por que! Sua cabe ça não cons e guia pensar em p edir desculp as ainda. Mil p ergunta s e mil possíveis res postas giravam à sua f r ente e era di fícil se concen trar e m alg o com as dor es na sua cabe ç a e na per na, mas Gaílde não o
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pr essionou e nem o culpou por nada, o que o deixou mais aliviado. Rur ique veio des cen do as esc adas. –Ag or a é você, am ig ão! – disse ele s or rindo – bisneto do Cur upira , hein! Que de mais! –Se apront em rápi do que levarei un s lanches quentes pra vo cês já, já! – falou Gaílde dando um a última olha da significativa no neto co m um sor risinho que o tr anquilizou. Se dirigiu à cozinha enquan to os meninos c ome çaram a subir as esc adas. M ais tarde, d e b anh o tom ado e d e pija m as, os três estavam s entad os n o chão do quar t o de Tibor, que r ef azia o cura tivo de su a p er na . O m enino desacor da do fora co locado e m um colch ão no chão ao lado da janela, Sáti r o cobriu com um cober tor, caso sentisse f r io. –O que achara m per g untou Tibor.
do
que
Gaílde
contou?
–
–Achei de mais! – disse Rurique. – bisnetos d o Cur upir a, por acaso sabem o que é isso? Hehe! P uxa cara, sua vó te m a quela pedra que é uma esp écie de telefone dir e to para o Boitatá! Uhuu! Par ecia que Rurique era o único desavisado, naquele quar to, do perig o que cor riam, pensou Tibor. Ou talve z não! Talvez Ruriqu e é que m e stava cer to!
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Achara um a f or ma d e ig norar o medo qu e sentia e se apeg ar às cois as boas vendand o os próprios olhos para as cois as r uins a f im de aproveita r ao máximo o tempo qu e se tinha nas mãos. Sátir estava s éria e pens ativa, apen a s fitou o ir mão. Tibor retribuiu sa bendo que ela e ele nã o par tilhavam da vir tu de do amig o! Sabia que os dois e ncaravam os fat os de frente, da ma neira como sã o, e talve z d eixasse m de cur tir as coisas da man eira c omo deveriam! A vi da que levaram até ali os expôs a situações g randes d emais para s e supor tar e log o c ed o tiveram de se ap e g ar um ao ou tro par a juntos aprende rem a superar esses momen tos. Tibor olhou fundo nos olhos da ir mã e de pois nos de Rurique, ao achar neles a cu mplicidade qu e pr ecisava, disse: –Acho que tem os u ma jor nada p ela fre nte! Ach o que mais c edo ou mais tarde vamos n os de par ar co m essa br ux a velh a! E quando estiver mos f rente a fren te, temos d e est ar pre parados para enfr entá- la co m o melhor que temos!
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Não foi tão difícil dor mir naquela noite. Só o f ato de est ar de volta e m sua ca ma de pois d e t er dor mido à lu z da lua e s e p erdido n a ma ta j á era r econf or tan te. O fato d e sab er que acord aria pela manhã e tomaria o caf é mar avilhoso da avó era melhor ainda. Então d or miu um s ono sem so nhos, co mo uma p edra. Tibor abriu os olhos e olhou para a jan ela. O sol já estava alt o, devia ter dor mido mais que o nor mal. L embr ou-se das tar efas do dia e te nt ou se levant ar. Sur pr eendeu- se com a dor na per na e na ca beç a, por um momen to tinh a esquecido dos acont ecim ento s r ecent es. Per maneceu sent ad o na c ama e p as seou seus olhos pelo quar to. Nem Rurique, que sempre a cordava
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bem ced o, tinh a a co rdado ainda. Muito pelo co ntrário, estava r onc ando nu m colchão no chão e babava n o tr avesseir o que Tibor lhe empresta ra. O g aroto r esolveu marcar um lembret e na ca beç a: não poderi a esquec er de pedir à avó para lavar bem aquela fronha com bafo d e bab a d e Rurique. Do outro lado do quar to, em baixo da janela, o outr o g ar oto ainda mantinh a- se na mes ma posiç ão e m que for a deit ado n a noite ant erior. “Ai nda bem qu e não tinha toma do o líquid o da taça p rat eada o u dor miria tan to qua nto ele! ”, pensou. Consta tou n ão s ab er qual era o dia em que estavam. Olhou par a o criado mudo ao seu lado. Uma bandeja c om três copos sujos e res tos de lanche estavam ali desd e a noite ant erior, era m os rest os do lanche que a avó fiz era pra eles ant es de dor mir. Tibor recapi tulou o fim da noi te passad a e não se lembr ou do mo men to e m qu e sua ir mã se d espediu e f oi par a o próprio quar to, provavelmente el e tinha sido o pr imeiro a do r mir. Mudou de posição na cam a, tirou o ed redom azul que o c obria e se deitou d e for ma que o sol qu e entr ava pel a janela peg asse b em e m seu rosto. Pensou nas coisas que sua avó co ntar a na sala de pois da expulsão dos malditos trasg os. Er a bisneto do Cu r upira! Estava orgulhoso por saber disso, seu bisavô era lendário e estava
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estam pado em vário s livros pelo país to do. Não existi a talvez um a pessoa que não conhe cess e o seu nome, com exc eçã o de M álabu, ou o c as eiro da fa mília Br onze n ão quisera estrag ar a sur pres a. Sua men te vag ou p or mais um t empo. Q ue tipo d e r emédio que su a a vó fo r neci a M álab u pr ecis a va? Não par ece u doente en qu anto est a va na m ata, a não s er pelos ar ra nhõe s que tin ha no r osto todo! Que tipo de doe nça ca usa ria ar ra nhõ es no r osto? T ibor não s abia da exi stê ncia de nen hum a! M ar cou mais u m le mbrete em seu cére bro: assim que possível, vascul haria o ar mário bra nco da cozinh a em bus ca de pílulas ou líquidos es t ranhos que se par ecess em com re médios para br uta m onte! Fechou os olh os e reviu a cobra de fog o se materiali zar do lado de f ora da cas a, p ôde rever suas pr esas br anc o-marf im se mos trarem e m ame aç a para os menin os- f antasm as. “Minh a a vó tem um am uleto q ue pode invoc ar o Boitatá ”, pensou ele. –O que m ais eu que ro da vida? – disse ele em vo z baix a com u m sor riso no rosto. Imag inou a avó c om uma roupa clássic a de sup erher ói de quadrinho s, roupa colada co m um tipo de cuec a por cim a da calça, a ndando pela mata com u m desenho de u ma r ã, no for mato da pedra verde, estam pada n o peit o. Deu mais risada s enquanto s e espr eg uiçava pregui çosam ent e.
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Pensou nas tias-av ós e a raiva já lh e subia a cabe ça. Po r que e ssa t al Cuc a f ez o qu e f ez? O que a le vou a ser tão r uim? Que m e r a a o utr a tia- a vó? S er á q ue talvez fos se a velha far ej ador a de p és g ra nde s? “Junta s d e novo!” A avó disse. Quer diz er qu e já atua ram j unt as ant es ! Será q ue ti veram alg o a ver com a mo r te d e s eu bis a vô ? Quem er a ess e amigo que f ez o C ur upira cair em uma a r madilha? Tibor g ostar ia de con hec ê - lo també m! Que m quer que fosse, er a um tr aidor de mão ch eia e deveria pag ar pelo qu e fez! F icou em silêncio p or um temp o, só esc utando os sons dos pássaros do lado de fora. N enhum bar ul ho vinha da cozinh a, a avó Gaílde tamb é m parecia es tar dor mindo, tamb ém, pudera, a avó havia tido uma noite ex austiva. Tibor tentou se le vantar novamen te. A dor em sua per n a aind a p ersistia, mas estava be m m enos dolor ida que na no ite a nterior. Talve z não estivesse com a p er na quebra da, o que ser ia bom . Evitaria ficar eng essado. Não ag u enta ria ficar d entr o d e casa e nq ua nto assomb raçõ es di ver sas pas se a vam tr an quil as s e di v er ti ndo soz in has ao r edo r do si tio!, pensou. O me nino co nseg uiu ficar de p é e and ar vag arosamen te num manc ar co mpassa d o at é a por ta. Foi assim até o quar to da ir mã.
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A menin a es tava a cordada e enrolad a em seu edr edom cor-de- rosa, abraçad a ao trave sseiro. –Tibor, o que f az d e pé a essa h ora? – perguntou ela. – Ach ei que só eu estava acordad a. –Pensei o mesmo e vim aqui pra ataza nar minha ir mã mais cha ta! – d isse o menino. A ir mã sor riu e sentou- se na cam a deixando espaço para que Tib or se aco modass e. –Como es tá ess a per na? – quis saber Sá ti r. –Melhorando! Minha cabe ça dói ma is! E seu br aço? –Vou sobreviver! Hehe! como um qui abo ain da?
E
Rurique,
baband o
Tibor assentiu rison ho. –E aquele menin o, a inda não a cordou? –Não! Continua n a mesma posi ção qu e vocês o deixaram on tem! –P ux a, que estranh o! O veneno qu e to mou devia ser bem f or te! – dis se Sátir. Olharam- se por u m tempo. –Bisnetos do Cu r up ira! – disse ela. – Até p arec e mentir a, n é? –É! Apos to que s e tivéssemos os pés para trás, seria mais fácil de a creditar, n ão ach a?! –Com c er te za! – E c aíram na g arg alhad a . Dona G aílde en trou no quar to.
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–Ah! Meus ne tos es tão a cordados! – e distribuiu beijos de boa tard e, af inal, descobriram que já se passava do m eio-dia. – Fiquem tranqu ilos quanto à s tar ef as do dia! Eu já cuidei de todas elas por vo cês. Acab ei d e volt ar d o g alinheiro e os f ilhotes d aquela g alinha pintadin ha n asceram hoje cedo! –Que leg al! – disse Sátir – Vou es covar os de ntes e desc er para v ê-los! – e saiu do quar to para o banheir o m ais próximo. Tibor ficou a sós c o m a avó, exa tam ent e como n a noite pass ada, e ach ou que lhe d evia um a coisa. –Vó! – come çou ele. – Queria lh e p edir desculpas por ontem, fui m eio g rosseiro! –Não me i mpor to! Eu sei que não fe z por m al! Onte m to dos nós estáva mos sob stre ss elevad o, era nor mal que u ma d iscussão ou p alavras atravessad as apar ec essem par a trazer cer ta discór dia! – A avó acar iciou os cab elo s do menino. – Mas meu conselho ainda vale: “ Siga se mpr e o s eu cora ção, c omo está fa z e nd o agora!” – e nf atizou e la. Mais tarde, estavam reunidos na mesa d a cozinh a, Rurique es tava c om a c ara incha da d e s ono. Na ja nela em f r ente à pia u ma rachadura s e fa zia presen te. A mesa es tava far ta, c omo sempr e! O suc o de laranja e o bolo de banana era m os mais disputados pelos três. Empan tur raram- se e f oram lá pr a fora. Gaílde coloco u
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sua cad eira de b alanço n a varandinh a e enqu ant o tr icotava, era um a for ma de vigiar os g arotos que estavam d eitad os na g rama à f rente. Tibor mancava bast ante por con ta da p er na, mas Rur ique e Sá tir já es tavam be m melh ores. –Quanto t empo vai f icar com essa mole za fingida aí? – p er guntou Rur ique ao amig o. – A posto qu e está manc ando ap enas p ra f ug ir de mais um “round” de lutinha de esp adas! Sabe que você p erd e sempre e es tá cansado de ap anhar de mim! Nã o é isso? –Rá! Esp ere m ais u ns dias e verá se o que está dizendo confere co m a realid ade! – e c ompletou. – Se eu f osse você, trein aria a maior p ar te d o meu t empo! Cheg ou ent ão o di a 20 de m arço, ve z ou outra, Gaílde der ramava o líquido de um frasco na boc a do menino des acorda d o. Apesar de ele ainda não s e mexer, a avó dizi a que ele apres en tava melhoras sig nificativas. Tibor nem se le mbrava, mas era o se u aniversário. O pisciano teve uma sur p resa quando a avó e a ir mã lhe tr ouxeram um b olo d e chocol ate n a cama. Rurique acor dou assust ado com a invasão no quar to ao so m de “ p arabéns pra vo cê!”. Tibor fez u m p edid o ant es d e soprar a s velas do bolo, des ejou que o sítio f osse se mpre assim, que nã o mudasse em n ada! Daquele jei to tudo era perfeito! E que se alg o de r u im estivesse para acont ec er, que
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tivesse f or ças para proteg er o lug ar da melhor man eira possível! Sopr ou as velas e t odos lambuz aram a té o nariz de cober tura de chocolate, men os o menino desacor da do. Sátir ainda se deu o trabalho de c or tar um peda ço de bolo e d eixar do lado do me nino cas o el e acordasse, mas o menino par ecia u ma est átua n o colchão. Quem traçou o bo lo no dia seguin te foram as for mig as. No dia 22 Tibor já andava nor malmen te, a dor ainda existia, mas nada que o impedi sse de andar e cor r er por aí. A primeira coisa que fez de pois das tar efas n o g alinhei ro e n o c eleiro f oi perder no comba te d e esp adas para Rurique. –Andou trein ando c omo eu o acons elhe i, não foi? – alfinetou Tibor. –Não! N ão ne cessit o de tr eino para ve ncer voc ê! J á é meu f reguês! – disse Rurique guar dando a espada e est endend o a m ão para levan tar o amig o do chão. –A sua sor te é qu e minha per na aind a não está cem por cen to boa, ou veria só! –Acho qu e sua c ab eça é qu e nã o es tá totalm ent e curada, ou n ão t eria corag em de falar as sim com qu em o subjug a sempre!
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Sátir os o bser vava da esca dinha da varanda e g arg alhava com o sh ow de “ elogios” que faziam um a o outr o. Nesse mes mo dia, Tibor sentiu um pe so em seus ombr os. Parecia que precisava dor mir, mesmo tend o acab ado de ac ordar de uma noite long a de sono, pois ainda n ão estava ne m próximo d a hora do al moço. O cansa ço dominou o seu cor po de tal ma neira que teve de se en tr eg ar. Foi para o quar to e desmont ou em su a c ama. Tibor começ ou a sonhar com cois as estranhas, teve vár ios son hos em um s ó, como se tivesse um a g aveta cheia d e so nhos atrasa dos e e mpilhados que f or am despejad os e m sua me nte d e um a só vez! O pr imeiro s onho fora alg o be m m aluc o. Sonhou que en trava numa c asa de alg uém con hecido, só n ão sabia que m! Na ca sa tinha uma festa rolando e viu várias pessoas sen t adas num a m esa ch eia de co mida. P ôde r econhe cer n a tal festa, um m e nino chamad o M ar cinho. Esse fora o ter ror de Tib or por todo o tempo qu e ficou no orfanato, Marcinho era o líder de uma g ang ue zinha org anizad a e s empre causava encr en cas co m Tibor. Na festa, percebe u que a g angue de M ar cinho ta mbé m estava presen te, e mais estranh o que isso é que vári os animais es tavam soltos em meio aos convidados e s e ser viam n as ba nd ejas esp alhadas pela cas a co mo se ta mbém fiz essem par t e da fest a.
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Num can to da cas a havia uma espé cie de alta r com vár ias plan tas colocad as a o redor como enfeit es ou ofer enda; ou tal vez fossem pres ent es para o don o da f esta. Nesse alt a r havia uma onça pintada deit ada tr anquila, obser vand o tudo e b alan çando o rabo. Tibor estreme ceu quando Marcinh o veio lhe cumpr imen tar diz en do: –Cuidado com a on ça, Lobatinho! – e com um a g arg alhada es tranh a e distorcid a o m eni no se afastou e sumiu por entre os convidados. Uma músic a esqui sita e abafad a to cava, ma s ning uém parecia no t ar que o som estava uma porcaria. Tibor per cebeu qu e as pessoas a ndavam em c âmer a lenta e que a on ça p intada o en carava co m o olhar fixo e assassino qu e só um f elino da quele ta manho conseg ue ter. Quan do ela fe z me nção de se leva nta r do altar, Tibor se e nfiou no banheiro d a casa. Trancou a por t a e se olhou no espelho. Não c onseguiu ver a pr ópr ia imag em ref letida, pois o espel ho estava todo sujo e ar r anhad o, o que lhe c ausou c er t o pânico. Abr iu a por ta do banheiro d evag ar e um pavã o passava na sua f re nte evitando que v isse o alt ar. O r abo azul do bicho s aiu do seu ca mpo de visão e Tibor pôde ver o altar va zio, a onça não estava mais lá. U m medo instan tân eo lhe ar rematou! Viu em meio às pessoas o felino com a pele pin ta da que vinha sor r ateir a em su a di reção. En trou de vol ta no b anheiro
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e tr ancou a por ta n ovament e. Tibor olhou para cima e viu uma janela no alto que es tava a ber ta, pare cia muito com a janel a da casa do des apare cido fazend eiro Per eir a. Passou pela janelinha e caiu do lado de fora. Ao se colo car de pé, perc ebeu est ar em ou tro sonho. Nesse seg undo son ho, Tibor estava num lug ar estr anh o, co mo se fosse um esta ciona m ento n a cid ade g r ande. Estava de noite e n enhum c a r ro estava ali. Ouviu uns mur múrios esquisitos e viu sua ir mã e seu amig o Rurique am a r rados de cost as u m para o outro, no cen tr o do est aci onamen to. M eninos de roupas suj as e rasg adas, que pareciam aqu eles que os perseguiram na mata, pulavam o muro do estaciona m ento e vinham na dir eç ão d a ir m ã e d o a mig o. Tibor achou u m pedaç o de pau n o chão e co meç o u a afastá-los, desesper a do, t eme n do que machucass e m os dois. Eram muitos e d e u ma só vez! Mais del es pulavam o muro e se jun tavam à brig a. Tibo r afastava u m enquant o mais três se aprox imavam. –Não f aremos par t e do ritual de vo cê s! – dizia ele. – Est á m e ou vindo, sua br uxa velha, é precis o muito mais para me peg ar! – e ao dizer isso, mais uns trinta meninos derrubaram o portão do estacio nam ento se juntan do ao ag lomerado. Tibor n ã o daria co nta, sabia que n ão!
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–Não sou um covarde! Não posso fugir! – continuou ba tend o a esmo e d e olhos fe chados. Abr iu os olhos e est ava em outro lug ar. Neste terc eiro son ho, andava por u ma calç ada ainda na cidad e. Subia uma lad eira, perceb eu qu e alguém vinha ao s eu lado, m as n ão podi a ver a pessoa. Tentou virar a c a beça, m as não co nseguiu ter o contr ole d o próprio pesco ço. Tibor achou estra n ho e quando t ento u parar d e andar, tam bém nã o conseguiu. Parecia que a única coisa que respo ndi a ao seu co mand o eram os seus olhos. Er a co mo se alguém con trolasse o seu cor po. Sentia a pr esen ça de alguém ao s eu lado e queria sab er quem er a, pare cia muito impor tan te qu e soubesse. Um car r o, que Tibor re conhe ceu d e cara, e stava à frent e. Er a o car r o de Raul , o homem do big o de vivo, que os levara a té o sítio há quase dois meses. O c ar ro-car roça estava es ta cionado c om duas rod as e m c ima da calç ada e estava estra çalhad o e em cham as. Um homem estava d ebr uçad o sobre o ca pô aber to do car r o como s e te ntasse verificar os d anos, mas não er a Raul. At é Tibor sabia qu e n aquele estado o car ro não ter ia conser to. Tibor foi se aproximando, sem querer se apr ox imar, pois sen tia que o ca minho c or reto não era aquele qu e s eu cor p o seguia. Ao p assar pelo car ro e m chamas, o ho mem o viu e o enc arou dize ndo:
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–Ei, g aroto, aond e pensa que vai? – Tibor tentou dizer que suas per n as não respondiam, mas const atou que sua boc a tamb é m não! Ficou mudo e continuou a andar, a únic a coisa que movimentava e ram seus olhos que dançavam louco s nas órbitas. O hom em d escon h ecido a parec eu e m sua frente novamente, b er rando: –Ei, seu maluc o! Es tou f aland o c om vo cê! – e de u um empur r ão em Tibor que c aiu no chão d evag ar como se o te mpo fic asse len to. Quando caiu, nã o sentiu qu e o ch ão era d e ciment o e sim de g rama. L evan tou-se perceb endo que entrava ag ora em u m quar to son ho. Estava no meio de uma clareira ainda de noi te e ouviu uma voz qu e não con hecia dize nd o: –Controle sua fúria e o seu medo! – e re petia se m parar – Con trole su a fúria e seu medo! Controle su a f úr ia e seu medo! Tibor olhava ao re dor e n ão via nada, só sen tia que alg o estava par a acont ec er. –Controle sua fúria e seu medo! – c o ntinuava a voz. U m clarão esverd ea do se f ez e a f lore sta in teira se ench eu de cham as. O c alor fora in tenso e Tibor abaixou- se de m edo. Ouviu um g rito de mulher seguido de outro g rito de hom em, reco nhe ceu os dois.
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–M ãe! Pai! – g ritou ele olhand o para os lados, mas o fog o consumia tudo ao redor. – Onde estão vocês? –Controle sua fúria e seu medo! – dizia a vo z sobr e pondo-se ao som ensurde cedo r do fog o. – Contr ole sua fúria e seu medo! – a voz foi aumen tando de vol ume, Tibor se ajo elhou no chão e levou as mãos ao ouvido, sentia que seus tímpanos ir iam estourar... –Contr ole su a fúria e seu me do! Contr ole sua fúria e seu medo! ...sua fú ria e se u medo! –CAL E A B OCA!!! – g ritou Tibor se s e ntando na cama. Gaílde, Sátir e Ru rique estavam de pé em seu quar to e o enc arava m assustad os. Dois minutos se pa ssaram at é Tibor se dar cont a de que já não sonhava mais. Sua p ele ar dia em febre e ele sen tiu e njoo. Uma co ntraç ão for t e se deu em seu estôm ag o e el e vom itou do l ado d e sua cam a a ntes d e sentir a c abe ça g irar. Gaílde sent ou-se ao lado do neto e lhe ser viu um chá quent e. –Beba! Irá lhe fa zer bem! –Vó! - dizia ele tre mendo – Eu tive u ns sonhos malucos e... –Shh! – fez ela pa ra que o menino p arasse d e falar e tom asse o ch á. – Eu sei, Tibor, e u sei!
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Tibor não en tendia a qu e ela s e refer ia, pois o sonho só se p assara em sua cabe ça. De pois d e tom ar o chá, Tibor contou a todos ele s cada u m dos sonho s que teve. O da o nça na fes ta; o sonho da brig a no estacio nam ento; o que aparecia o car r o de Raul, que não conseguia do minar o próprio cor po; por fim o do fog o na f loresta. –Ouvi a voz dos m eus pais em meio à s chamas, foi hor r ível! – disse ele. Sátir e Rurique o olhavam, abismad os. –Tibor, foi só u m pes adelo! – dis se a ir mã tent ando c onfor tá- lo. –É, eu sei! – disse o menino. –Não creio que t en ha sido só um pesad elo, Tibor! – começ ou Gaílde e assim prendeu a at enção d e todos na mes ma hora. – Imag inei que isso f osse aco nte cer cedo ou tarde, só nã o sabia que s eria tã o log o! –O que qu er dizer? – quis saber Tib or evitand o olhar par a seu vô mito no chão. –Par ece que algué m não perdeu tem po, não é? – come çou el a. – Foi esperar sua per na ficar boa e já o colocou f r ent e aos t estes d e ap tidão! –Testes de ap tidão? – re petiu S átir. –Vocês to cara m n o M uiraquitã... ela deve te r r econhe cido o p arentes co d e vo cês com o a ntig o dono. Os sonhos que ela causou em Tib or fazem par te do seu t est e. Ela qu er test ar os s eus me d os e d eixá- lo
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f or te o bast ant e par a um dia ser digno de rece bê-la! – Sátir fitou o ir mão e G aílde olh ou p ara ela. – Sua ve z vai cheg ar tam bém Sátir, mais c edo ou mais tarde! –Cr edo! N ão qu ero ser p erseguida por uma onç a em uma fes ta! – diss e a m enina. Gaílde deu u ma risa da e disse: –Tibor, você vai fic ar bem! Isso foi um teste, eu tamb ém tive de pa ssar por isso e lhe dig o: passei muito mal o dia t o do! Parece que a p edra não p eg ou muito pesado com você! –Está brinc and o, né ? Ela sor riu mais uma vez e disse: – Tire lições do que ela lhe diz, apr enda com o qu e el a está t ent ando te passar ! Apes ar de os sonhos parece rem não fazer muito sentido à pri meira an álise, a Muiraquitã colo ca cer tos significados e m suas alusões da re alidade! Tibor ten tou esque cer tud o o que pa recia n ão f azer sen tido e se lembrou d a es tra nha voz que r e petia: –Contr ole s ua fú ria e seu m edo! Um g emido foi escutado de um c anto do quar to bem e mbaixo da j an ela de Tibor. Era o me nino, que n ão estava mais des ac ordado.
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O me nino s e apres e ntou c omo Miguel Torquado, disse que podiam l he chamar de Tork, era como seus amig os o chamavam. –O que mais pod e nos dizer sobre você? – per g untou Sátir. Estavam no qu ar to de Tib or. Gaílde limpou o vômito do chã o, m as o ch eiro ainda c ausava náus eas no g ar oto. Rurique entrou no qu ar to com um copo com água e açú car n as mãos. –Aqui est á! – e e ntr eg ou o copo ao tal Miguel. O m enino tomou t udo co mo s e sa boreasse alg o pela pr imeira ve z, o que Tibor achou e stranho por se tratar de ág ua co m a çúcar. –M oro na Vila Guar á, trabalh o to mand o cont a d e um senhor cha mado Icas, o velho não tem uma p er na, coitado! – Miguel olhou o quar t o t odo – Qua nto tempo estive des aco rdado?
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–Quase u ma se mana ! – respondeu G aíld e. –Dr og a! Preciso me apressar, o velho não sabe se cuidar sozinh o, est á muito debilitad o! –Você ta mbé m nã o está em condi ções de viajar até a Vila Gu ará! – disse ela – Es ta mos na Vila do M eio! P r ef iro que fique em obser va ção por aqui mais uns dias. Você foi envenenado e tal vez não est eja totalm ent e curado! Miguel olhou-a pen sativo, co mo se po nderasse a decisão d ela. –Não qu ero ser u m incôm odo aqui! Prefiro ir andando... – co meço u ele. –M e cont e o que ac ontec eu! – pediu ela . Ele pe nsou um p ouco, como se te ntasse se lembr ar de alg o que se passou h á muito tempo. –Eu estava dor min do na minha casa, meus pai s não es tavam; entã o eles vier am nu ma noit e e m e levaram! Tibor pôde imag i nar as crianç as fantasmas invadindo uma c asa e coloc ando o me nino dentro d e um saco. –Acor dei per to do moinho e aquela s crianças dançavam ao meu redor! – El e es tr emec eu. – Foi hor rível! Fui amar rado em alg um lug ar... – Tibor pôde ver as marcas que as cordas aper t adas deixaram no pulso do menino, ol hou para o próprio pulso e notou marcas ig uais ali t ambé m. – Elas diz iam coisas qu e
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não f a ziam sen tido. Suspeit ei que es tivesse acont ec endo alg o q ue meu p ai sempr e me adver tiu! –E o que era? – per guntou Gaílde. O menino olhou par a todos no qu ar to, s eus olhos tinham cor de m el. Miguel era maior e mais for te que Tibor. Seus ca belos eram loiros escuro. Tibor achou que tinh a a cor d a palh a do cel eiro onde ficava a M imosa. –Um sacrif ício para a Cuca! – diss e ele. Tibor estre mec eu ao ouvir o nom e da tia-av ó novament e. –M as a Cuca não pr atica sacrifício h á d oze anos! – disse Gaílde. O g aroto fez uma br eve pausa e c ontinu ou. –Eu pude sen tir alg o r uim d entro da m ata qu ando aquelas crian ças co meçara m a dan çar em círculo. – F ixou seu olhar em Tibor – Tenho cer t e za que era el a! Talvez ele poss a lhe af ir mar isso! Tibor f ez que sim c om a c abe ça. –Ele foi tra zido pouco d e pois que o ritual come çou! – disse Miguel. Virou-se para Tibor. – Eu vi como el es trat aram você, vi quando o t iraram daquele saco, sua per na j á es tá to talm ente curada ? –M ais ou menos! – r espondeu Tib or. M ig uel Torquado virou- se para Gaíld e. –Então viera m em nossa direção e me fizera m tomar aqu ela coisa nojenta. Primeiro senti frio e
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de pois sen ti par t e p or par te do meu co r po se deslig ar r apidamen te, achei que estava m or rendo, mas ac ordei aqui e nisso sou g rato a voc ês! – disse e le colo cando o copo va zio em cima de um móvel no qua r to. –Consegue se l evant ar? – quis saber Gaí lde. O g ar oto te ntou e caiu por duas ve zes antes que Rur ique o ajudass e a ficar de pé. Gaí lde pediu para que Sátir buscass e uma toalh a de banho e lhe mostrasse o banh eiro. –Tome um banho q uente. Vou providenciar uma s r oupas de Tibor pra você, irão ficar um pouco aper tad as, mas é só até eu lavar e secar as suas. Vou pr e par ar o almoço. Poderemos nos sentar e comer à vontade. Sej a be m-vindo ao m eu sítio! – finalizou ela. Sátir trouxe a to alha e lhe m ostrou o banheiro. Ex plicou como lig a r a água quente e levou para ele algumas roupas de Tibor que a avó se p arara. Mig uel desceu as es cadas e sua aparên c ia limpa o f ez par ec er outro menino. Apar entava seus dezess eis anos e por s er mais alto q ue Tibo r, as bar ras da c alça ter minavam n a c a nela e a ma ng a da ca miseta o aper tava embaixo do braço. Rurique soltou um a r isadinha ao vê-lo. –Não se preo cupe! Suas roupas estar ão prontas hoje mesm o, já es tão no varal atrás da casa! – o
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tr anquilizou Gaílde olhando feio p ara Rurique. – Venh a! Sir va-se da l asanha enquan to es t á quent e! Todos c omera m bast ant e. Miguel co meu sabor eando c ada pe daço com o se nã o c omesse alg o h á anos; das du as tr avessas de las anh a com molho br anco, o que rest o u fora apenas resqu ícios de molho e queijo. –Se Ronc ador estive sse aqui adoraria lamber essas tr avessas! – disse Sá tir. Rur ique con cordou com a b oca cheia. Passar am- se dois di as. O g aro to p areci a ser l eg al, não f alava muito p or estar entre estr anhos, mas se entur mar a d entro d o possível. Rur ique g ostou da l uta de espad as com o menin o, pois era um advers ário à sua altura, s enão m aior que ele! Ve z ou outra Rurique perdia ou Miguel perdia. Isso quando nã o ac a bava em empa te; Ti bor, que perdia todas as vez es co nt ra Miguel, se deu c onta d e que era uma n eg açã o na lut a co m es padas! Nu nca durava um minuto. M iguel dor mia na mesma c ama qu e a r r umaram para ele, emb aixo da janela no qu ar to d e Tibor. Gaílde um dia f ez um a piada di zend o que estava tr ansfor mando o sít io em uma cr eche! O que de c er ta for ma era bem verd ade!
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Os me ninos e nsinar am Tork a realiz ar as tarefas do dia. –Se quer com er aqu i, tem que s eguir as reg ras do sítio! – disse Tibor ensinando Miguel, no g alinheiro, a escolher os ovos bo ns para o jan tar. Uma noite, f iz eram fogueira e co mera m bat atadoce, mas não s e a treveram a sair do sítio como da última vez qu e co mbinaram b ata ta-d oce co m fog o. Conten tar am- se e m con tar ap enas a história do ocor r ido naquele dia para Miguel, e o fizeram jurar que não cont aria na da a avó dos meninos, que já tinha se retirado p ara dor mir há alg umas hora s. –Está bem, eu ju ro! – disse ele s or rindo e mostr ando as mã os sem os dedos cr uz a dos em fig as – Apesar d e se tra tar de u ma his tó ria fascinante, conhe ço que m se in teressaria muit o por ela! O fog o estalou n o silêncio da noit e e a té a espuma dos refri g erantes era es c utada qua ndo ning uém falava. –Conte- nos alg uma história! – pediu Sá t ir. –Não sei d e nen hum a! – disse ele. –Ning uém cont a na da na Vila Guará? – quis sab er Rur ique. Ele f ez qu e não com a cab eça – Não qu e eu saiba! –Eles não tem em a quaresma? – p erguntou Tibor. –Devem tem er! Eu é que não temo mais!
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–Como assim, não teme m ais? – quis saber Rur ique. –O hom em que to mo co nta é u ma e spécie de xamã das ma tas! El e, de cer ta for ma, me ensinou a não te mer a qu ares ma! –M as como? – insis t iu Rurique. –Or as, quer que eu lhe con te meu s eg redo para que apr e nda a p erder seu próprio m edo, n ão é seu medr oso? – falou Miguel fazendo com que todo s dessem r isad a de Ru rique. Ficaram mais u m temp o, m as d e p ois que as bata tas- doces a caba ram e os r efrig erantes tam bém, sentir am- se e ntedi a dos. Apag aram a fogueira e foram dor mir. Dia seguinte. Rurique foi até sua casa acomp anhad o de Ti bor. Gaílde p ediu p ara Sátir ficar, pois achava que o g aroto Miguel ainda estava em obser vaçã o e não d everia sair do sítio. Gaílde pedi u par a que tom asse m ais um p ouco d o líq uido do frasc o, o que ele f e z se m he sitar. Tibor e Rurique s eguiram na estra da velha e passaram pela cas a do f aze ndeiro Pereir a. Estava com o da última ve z que a deixaram, seus móveis ainda estavam todos jog a dos no g ramado ao redor da cas a e suas jan elas e por t as es canc aradas par a fora. N ão s e
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demoraram ali. Che g aram ao sítio de Rurique e Tibor foi mais uma ve z muito bem re cebido. Apesar de Dona Gaílde falar que o s meninos dever iam con tar sobre o acont ecid o na seman a anter ior, p er mane ce ram bem qui etos so bre o assunto. Combinara m que não diriam p alavra sobre estar e m perdidos e s erem pers eg uidos p or fantasmas. –Pai! Vamos p esc ar? – pediu Rurique. –J á pesquei onte m, meu filho! – disse Avelino. – Colhi milho a ma nhã inteira e esto u cansado! S e quiser, pode levar duas varas d e p esc a e p esc ar na mar g em do rio. N ã o posso d eixá-los peg ar o b arco sem um a dulto por per to! Não tinha m hora exata para cheg ar em casa, der am de o mbros, peg aram as var a s de pesc a e par tiram. Andaram b asta nte até cheg ar a Braço Tur vo, andaram mais ai nd a para ch eg ar ao Lag o Cinzento. Apr ontar am as isc as nos a nzóis e, sem d emora, lançaram para a ág ua. O lag o era escuro e g elado, só os d ois pareci am ter tido a idei a d e pes car naqu ela quinta-feira de manhã. Tibor e Rurique entrara m at é os joelho s dentr o d’água. Uma hora se p assou e nada. –Acho qu e o seg red o de um a boa pesc a ria é est ar com o m eu pai d o la do! – disse Rurique.
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Tibor se mat ou de d ar risada. –É verdad e! Tod as as ve zes que est o u com ele peg o um ou dois p e ixes, e olha ag ora! Nada!... Opa! – Rur ique sen tiu que a lg o f isg ara seu anzo l. P uxou com força, e o possível p eixe puxava de volta. A linha pare ceu um cab o de guer ra, Tibor o ajudou a pux ar, mas Rurique pedi u para que s e af astasse, pois aque le peixe s eria só d e le. P uxou mais uma ve z, mas a fo rça que empreg ou deve t er sido muito g rande, viu o peixe sair da ág ua e cair a trás deles em meio às ár vores que marg eava m o lag o. - U huuu! – disse ele – Acho qu e era um peixe enor me! Nã o disse, meu pai n em pre c isa estar aqui, foi só dizer o nome dele e o peixe mordeu o anzol! – e par tiu em dire ção às ár vores para bus car seu prêmio. Tibor riu do amig o e se viu so zinho c om os p és na água. O lag o era enor me, pôde ver to da a sua vasta ex tensã o, ele era t odo lad eado de f loresta, n enhum sítio ficava à sua m arg em. Tibor pôde sentir alg o que esbar rou em sua lin ha, mas não fisg ou. Viu u m rab o escur o de p eixe ap arecer por segund os a o long e. –Rur iqueee! – cha m ou ele – Acho que v i um peixe g ig ante aqui! – o a m ig o não respondeu. Então Tibor en trou devag ar na água p ara que o tal peixe nã o sen tisse sua prese nça e n ão foss e embora. Podia ver u ma g rande silhuet a que nadava em cír culos à fren te. A chou esquisit o, pois o for mato do
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peixe não era c omum. Constat ou isso quando uma cabe ça de mulh er apare ceu fora d ’água olhando f ix amente p ara ele. Ela era linda! Seus olhos es curos pre ndiam su a aten ção d e m aneira estranha, pareci a est ar enfeitiç ado. P ôde ver qu e seus cabelos eram tran ça dos em dr ead e tinha colares coloridos em volta do pe scoço more no. A mulher pareci a t riste e isso cor tou o coração d e Tibor. Um sentim e nto se apoderou dele, como s e quisesse ajud ar a m oça no que ela pr eci sasse. Ela abriu a boc a e uma mús ica encheu o ar a o redor. Tibor entr ou no embalo d a música e t eve vo ntade d e ir at é ela. Pensou então q ue não deveria en tra r na água atrás da mulher, era c o mo um s exto s enti do o al er tando sobr e um perig o iminent e. Larg ou a vara de pesc a e cor reu par a a areia. Virou-se para a mulher e ela mergulhava de volta para o f undo da lag oa, a última coisa que viu f oi seu rabo d e es camas neg ras sacudirem a ág ua an tes de su mir. Rur ique apar eceu d e volta e viu Tibo r olhando pasmo par a o lag o. –O que foi? O qu e a conte ceu? – pergunt ou. Tibor chaco alhou a cab eça como se ac ordasse d e um transe. –Nada! – respondeu. – E o peixe, encontrou algum? Rur ique f e z que nã o com a ca beç a, ma s Tibor j á sabia que n ão an tes do amig o responder !
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–Va mos volt ar para o sítio, d eve ser po r isso que ning uém vem pes ca r de quint a- feira, o s peixes d evem dor mir nesse dia! – Brincou Rurique, mas Tibor não r iu. Voltar am para o sítio dos pais d e Rurique, deix ar am as varas d e pesc a e s e desp edi ram deles. –Ei, já que est amo s per t o, pod eríamo s dar um a passada no sítio d a f amília Bron ze e fazer uma visita para M álabu, o qu e acha? – sug er iu Rurique. Tibor assentiu, ach ou mesm o que seri a uma boa ideia, ele pod eria lhes con tar para qu e os remédio s que Gaílde lh e for n ecera s er viam. Cheg ar am ao por t ã o da f amília Bronze, bateram palmas, mas ningu é m ate ndeu. –Deve ter saído p ara alg um lug ar! – concluiu Tibor. Quando es tavam de sistindo, ouviram u m piar alto de cor uja. –Ei, olhe aquilo ali ! – disse Rurique a pontand o par a um a cor uja c inza qu e estava e mpoleirada no telhado d a cas a dos fundos do sítio. – É uma c or uja piando e m ci ma d a casa de M álabu! – disse Rurique assustado. –O que t em isso? É só uma co r uja! – dis se Tibor. –Só uma co r uja? – re p etiu Rurique – P rest e aten ção em uma c oisa: Essas cor uj as tê m h ábitos
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notur nos! Na quare sma, quando uma c or uja insiste e m piar sobr e o telha d o de algué m, ela es tá faz endo u m pr enúncio da mor t e do dono da casa! E essa desistiu a té de dor mir! – concluiu Tibor. Rur ique tinh a ra z ão, aqu ela cor uja deveria estar dor mindo naquel a h ora. –E se tiráss emos ela dali? – quis saber T ibor. –Podemos n ão alte rar nada; ou pod e mos es tar salvando a vida de M álabu! – disse Rurique – Devemos isso a ele! Tibor conc ordou e j untos se muniram d e pedr as e pular am o por t ão do sítio da família Bro nze. Tibor jog ou a primeira que passou long e da cor uja. Rurique qua se a ac er tou, m as a cor uja só olhou para a telha que a p edra acer t ar a e volt ou a piar mais alto. Foi na terceira pedra que co nseguiram espa ntá-la. Tibor jog ou a ped ra que p assou rasp ando a lat eral dir eita da cor uja, e la se assus tou e pa r tiu num voo rápido. Os meninos cham ar am por Málabu ag ora da por ta de sua cas a, mas como da prim eira vez, ninguém atend eu. –Ele r ealm ent e não deve es tar aí! – con c luíram. P ular am para o lado de fora d o sítio e quando se puseram a andar novamente, a coruja voltou a empoleirarse no telhado do caseiro.
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Os meninos s e olh aram per pl exos e pularam o por tão novam ent e. –Ô sua cor uja coi sa- r uim! Vá cant ar em ou tro lug ar ! – g ritou Rurique. Conseguiam espa nta r a cor uja, mas ela continuava voltando. A atitu de do p ássa ro era incomum. A ssustados, achar am m elhor voltar para o sítio e pedir ajuda à Gaílde. Já passavam das du as da tard e e G aílde ap arec eu pr eocupad a na var a ndinha de fren te à c asa. –Achei que tivesse acont ecido alg o com vocês! – disse ela c om as mã os na cint ura. Contar a m sobre a p escaria e a co r uja, mas Tibor nada falou so bre a aparição na lag oa, mesmo porque não tinh a cer tez a do que vira. Gaílde lhes explicou que não adiant aria nada tirar a cor uja de lá, s e e ssa cor uja em espe c ial significasse um pr enúnci o, ela s ó era a mens ag eira da mor te e não a mor te em si! –M álabu es tá com u ma do enç a difícil d e lidar. Ele par ecia bem naqu el e dia qu e esteve aq ui, mas ve z ou outr a el a volta a at a car! Não a credito q ue isso o leve a mor te, talvez a co r uja seja uma mer a coincidên cia nessa his tória! Sei que ele não es tá e m cas a, pois me contou que f aria uma viag em visan do sua cura e
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voltaria só d e pois que a qu aresma ter minasse! Eu mesma pre p arei al g uns remédios a mais para qu e pudesse levar con sig o nessa viag em! – disse ela colocan do p edaç os de bolo de ce noura num po te de plástico. – O que p odemos fa zer é ped ir proteçã o por ele e f ocar nossas ment es c om fé para que fique bem! – ela tampou o po t e e o colocou e m u ma mochila. – Muito bem! Ag ora falando de o utro ass unto pend ent e! Acho que não há mais sentido e m m anter mos nosso amig o M ig uel Torquado aqui no sítio em obser va ção! Acho que já nã o h á mais ves tígio do veneno em seu cor po e o consid ero curado! M iguel deu um sor riso satisfeito. –Ar r umei uma mochila com c omida e b ebida para que a manhã, de poi s das taref as... – e nfatizou – ...o acomp anhe m at é su a casa, já que esto u idosa demais para um a c aminhad a dessa distâ ncia! Tudo b em pr a vocês? – Todos responderam que sim, queriam conhe cer o vilarejo que Cur upira travara sua b atalh a com a br uxa des apa recida – Lembre m-se be m d e um a coisa! Por todo o tempo qu e estivere m por lá, não ousem pr ocurar pe lo Oitavo Vilarejo ! – disse ela olhando para Miguel, como se jogasse a responsabilidade nele por ser m ais velho e morar próxi mo ao lug ar. – Enquant o não pens am na viag em, – fal ou mudando de assunto com um so r riso no rosto – Façam com q ue
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nosso convidado a proveite seu últim o dia aqui no sítio, crianç as! Todos o p eg aram pelo braço e o l evaram par a fora, deram um banho d e mangu e ira nele que apr oveitou e m olho u todo mundo em tr oca. Os quatro se diver tiram muito a té o cair do dia. O sol pin tou o c éu de m ag enta a roxo. De pois, a o se pôr, o roxo escuro tomou cont a e rapidament e o céu se tor nou breu. A lua, que estava quase cheia naqu eles dias, assumiu seu post o no tet o estrel ado e limpo e brilhou azulada ao long o de todos os se te vilare jos.
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Tibor desper t ou co m o c antar d o g alo. Levanto u da cam a e a cord ou Rurique; o a mig o balbuciou algumas palavras se m sentido ant es de abrir os olhos. Rur ique se encar re g ou de acordar Mi guel, que apenas com o toq ue da mão do me nino deu um suspir o r ápido, abriu os olhos e sento u-se na cam a, tudo isso em a pena s uma fraç ão de se gundo. Rurique até d eu um pulo pa ra trás de sus to, c o m a rea ção do g ar oto. Tibor encontrou a ir mã no cor redor. A menin a estava escovando o s dent es ali mesm o e disse que estava vindo a cordá - los. –Achei q ue n ão tivessem escu tado o g alo ca ntar! – disse ela com a boca cheia de es pu ma da pasta de dentes. –Não per co ess a via g em por nada! – dis se Tibor.
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Todos se apro ntara m e des ceram. Gaíl de já estava com o c afé da manh ã pronto. Dois sabores diferentes de g eleias para as tor r adas; café ou a chocolat ado e bis c oitos de leit e. Tibor sempre se sur preendia com a variedade de coisas que havia na s refeições do sítio. Alimentar amse be m e Gaíld e l hes trouxera a mo chila que tinha pr e par ado n a noit e anterior. Parecia m a is cheia. Com toda a cer t eza, ela já tinha dado seu s toques finais naquela m anhã. Saíam pel a por t a e nquanto Gaílde lh e s desejava boa viag em. O sol n ão tinh a ap arecid o, por tant o o céu ainda es tava escur o, o que dava a impressão de estar e m vivendo um a extens ão da noite anterior. Descer am a varand inha tér rea e a avó chamo u Tibor e Sátir de volta. Eles foram até ela; Rurique e Mig uel aproveitara m para tirar u ma úl tima dispu ta de espadas. –P r eciso pedir uma coisa e isso é mui t o sério! – come çou Gaílde p ara os netos que a ol havam ate ntos. – P r essinto que al g o está para acon t ecer, crianças! Não s ei por qu ê! Não sin to m aldade nesse me nino, mas sint o qu e os e ventos vindouros p ossam estar de cer ta f or ma lig ados a ele! – Sátir olho u de esguelh a para M ig uel o m ed indo de cima a ba ixo, querendo encon tr ar alg o suspeito. – O que p eço a vocês, ness a
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viag em, é: cuidado! Pelo fato de s ere m bisnet os de quem sã o, existem seres que ador ariam se livrar de vocês! – ela acarici ou o rosto dos dois – Amo vocês! Façam u ma bo a viag em! Tibor e S átir d eram um abr aço ap er tad o na avó e seg uir am em frent e. Os quatro p assaram pela por t eira e s eguiram pel a r uazinha que os leva ria até a estr ad a vel ha. Tibor deu uma últi ma olhada no sítio e viu a avó na var andinha ace nando para ele. Percebeu que tamb ém senti a o que a avó sentia. Suspeitou que M ig uel já estivesse bom para viajar desde que acordar a do sono im posto pe lo veneno do sa crifício, m as talvez a avó o ten ha s egurado no sítio p ara po der vigiá-lo de per to. Cheg aram à es trada velha e ao invés d e desc ê-la como fa ziam p ara ir até a cas a de Rurique, come çara m a subi-la e m direç ã o à ou tra estrada q ue os l evaria à Vila Guará. Andar am pela estr ada velha por dez minutos antes d os primeiro s raios de luz de spontare m no hor izonte atrás das colinas. Tibor p ôd e ver a neblina que se inst alava nas montan has ao long e. –Como é a sua casa, M ig uel? – quis sabe r Sátir. –M inha casa? É u ma cas a comu m, nada de mais! Tem por ta e tem ja nela, se é o que que r saber! – disse ele.
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–Quanto te mpo dá de viag em at é lá, mesmo? – per g untou Rurique. –Bom, se seguir mos nessa velocidade, com sor t e cheg aremos lá ao an oitec er, mas se cheg ar mos amanh ã pela manh ã, ainda estare mos fazend o o percurso em um tem po bom! –Você deve ter s ofrido muito nas mãos d os tr asg os, não é mesmo? – come çou Tib or. – Poxa vida! Foi raptado e c oloc ado e m um s aco na Vila Gu ará e só o tiraram de lá e m f rente ao moin ho na Grand e F lor esta da Vila d o Meio. Um per curso bem long o, não acha? M iguel Torquado ap enas ass entiu. Cheg avam ag ora à o utra estrad a. –Essa é a Es trada V iena! Ela vai direto até a Vil a Guará e de lá esta remos próx imos de casa! – disse Miguel. – É a maior e mais comprida estrada d entre todos os vilarejos! E seguiram por ela. Andar am por muit o tem po a té s entire m vonta de de parar para lanch ar. O sol já estava alto quando se sentara m na b eira da estrad a e tirara m um lanch e de queijo e presun to para ca da um da mochila. Sátir ser viu r efrig erante a todos, nos cop os de plástic o, enquant o ainda es t ava g elado. F icaram ali por quase quinze minutos d es cansand o as per nas. Guardaram e limpar am tud o ant es de prosseguir.
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A estrada n ão era reta, pelo contrá rio, tinha muitas cur vas. Tibo r imag inou que s e ela fosse u ma r eta, en cur taria o ca minho em meio dia. J á sentia o cans aço come çar a venc er. Desejou ser um g ig ante para peg ar a estrada nas mãos e desencur vá-la. No c aminh o, co nversar am sobre diversos assuntos, can taram músicas e c ontara m piadas. Por mais que a avó tives se os aler tad o de al g o com rela ção a M ig uel, Tibor já duvidava que o g aroto es tivesse escond endo alg o ou fosse a prontar alguma c oisa com eles. Inter pre tou qu e o que pensou s ent ir em relação a ele n ão f osse uma desco nfiança, mas tam bém nã o conseg uiu achar out ro significado para o tal aviso em seu peito. O sol caía rá pido p elo céu, p arecia qu e a últim a parada que f iz eram para desc anso tin ha sido há mes es, pois já estavam famintos e exaus t os de novo. Desca nsaram à so mbra de uma ár vo re na beira d a estr ada. Ali comera m bem. M ais quin ze minutos d e descanso e es tariam prontos para cami nhar um pouc o mais. A não s er t alvez por Rurique, que já vinh a r eclaman do de b olh as nos pés. Voltar am p ara o percurso. Miguel dissera que quer ia que co nhe ces sem o xam ã que ele tomava c onta.
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–Ele é um s ábio! Mas já es tá velho e precisa de cuidados! N em i ma gino como se virou sem mim p or todo ess e te mpo e m que fiquei fora! –Um sábio? – quis s aber Tibor. –Sim! Podem achá-l o meio bir ut a à primeira vista; pode at é mesmo es t ar um pouco nos últimos tem pos, mas não se e ng ane m! Já est á aqui por essas t er ras há muito te mpo! M uito do que s ei sobre a s mat as foi ele quem m e ensinou ! Seu maior son ho é t er sua vitalidade de volta! – dizia Miguel. Andaram mais e m ais até que o sol foi dando adeus àquel e sába do com a se nsaç ão de missã o cumpr ida. A lua se fez pr esen te e a p esar de quase cheia, ainda era lua nova. –Estam os quase ch eg ando! – anunciou Miguel – Olhem à frente, as l uzes da Vila Gu ará! Todos pudera m ver. Rurique ansiava po r um copo de ág ua, pois o est oque del es já tinh a aca bado. Sá tir imag inou um sofá bem macio o nde pud esse desc ansar as per n as. Tibor es tava co me çando a t er sono e u m bocejo saiu d e su a boca enquan to olhava para as luzinhas brilhan tes ao long e. Bem ant es de cheg a rem à entrad a da Vi la, Miguel disse: –É por aq ui! – e en trou na mat a n a lat e ral direita da Estrad a Vie na.
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–Ei! Espere! – disse Tibor desper tan do de sua sonolência. – Como assim é por aí? A Vi la é pra lá! –É! – em endou Sá tir. – Pra onde pens a que vai? –Calma aí, pess oal! – disse ele reap are cendo por entr e os arbust os e en carando-os co nfuso. – Não estou os levando p ara nenhum lug ar perig oso, se é o que t eme m! Aqui já f az par t e d a Vila Guará! Es tou os levando a onde mor o! E é por aqui! Es se é o ca minho, venham! – e Miguel desap arec eu p or entre du as ár vor es. Tibor e Sá tir se ent reolharam e Rurique ac endeu primeir o sua lan ter na, seguindo pelo mesmo camin ho que M iguel. –Tudo be m! Desd e que tenh a água g ela da por lá! – disse o me nino m ag ricela. Todos entrara m na mata. Tibor pôde n otar que a veg etação d o lug ar era diferente d a Grande Floresta da Vila do M eio. Parecia estar sec a. Andaram pel o mato e Tibor se ntia a po ntad a d e desco nfiança desper t ar. –A c asa do X amã f ica a quin ze minut os mais à f r ente! – disse Tork. –Espere um pou co aí! – falou Tibor parando e aponta ndo su a la nt er na p ara o m enin o. – Nã o disse que mor ava co m seu s pais? –Não! – respon deu ele.
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–Disse sim! Voc ê contou que s eus pais não estavam e m cas a q uando os trasg os e ntraram no se u quar to e o l evaram naquela noi te! Sátir se l embrou do que Miguel dissera e per ceb eu que as infor mações r ealme nte não ba tiam. –Ei! O que há co m vocês, pessoal? – come çou Miguel. – Por que e stão agindo dessa for ma? Fiz alg o que os f izessem du vidar de mim? Esta mos juntos h á dias! Voc ês s alvara m a minha vida e sou g rato por isso! Rur ique t amb ém nã o en tendia o motivo de tan ta desconf ian ça de Tib or e Sátir com relaç ão a Miguel. –P r estem ate nçã o, vou esclar ecer dire ito: Meus pais têm u ma casa na Vila Gu ará, on de passo m eus dias de folg a, m as e les nunca est ão lá, pois moram na cidade g r ande há u m bom tem po! Eu t enho morado n a casa d o X amã, pois tomo cont a del e o t empo todo! O dia em qu e fui levado! Era meu dia de folg a e eu estava na c asa de meus pais! Ent ende ram? Não es tou enr olando voc ês! – disse ele p er plexo. –É! – disse Sátir olhando para o ir mão. – Faz sentido! –Podemos s eguir viag em, ent ão? – falo u Rurique – Estou seco por dentro, preciso d e água o quan to antes ou vou rachar no meio! Com cer ta relut ânci a, Tibor se des culpo u por agir daquela for ma co m o novo amig o e continuaram a
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andar pela f loresta. Tibor conseguia ver as luzes da Vila Guar á por e ntr e as ár vores que fic avam para trás, não estava satisfe ito com a ideia de deixar a civilização para trá s, já tinh a tid o liç ões d emais que provavam que era u ma es tupide z an dar assim e m um a noite de quaresm a. Cheg aram en tão a um lug ar em que a f loresta par ecia s e dividir em duas. A divisão era feita por uma fenda no chão, co mo se f osse uma rachad ura de ext ensão infi nita, de qu atro ou cinco metros d e distância de um a ext remidade até a outr a, e de profundidade er a difícil precisar co m aquela es curidão t o da. –A cas a é d e pois d e ssa f enda! – disse Tork. –Nossa! – se espantou Rurique ap ontando a lanter na para o fun do da fenda se m en contrar seu fim – Como vam os pass ar aí? –Se acalm em, pess oal! – disse Miguel. – Faço sempr e es te caminh o para cheg ar ao Xa mã! –Por que ele mora tão afast ado assim? – qui s saber Tibor. –Pelo simples f ato de amar a na tureza! – r espondeu Miguel c om um sor riso nos lábios. Tibor f icou pensan do se seu bisavô seria assim, se tinh a pr eferido v iver isolado da civilização. Se si m, não ter ia sido diferente de seus pais, que decidira m larg ar tudo para viver acampan d o com u m
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ag r upament o de cig anos e n em tampo u co de su a avó, que vivia num sítio na beira d e uma f lor esta. Eles andaram à m arg em do buraco da fenda se m fim por mais alg uns minutos a té ch eg arem aos pés d e uma pon te. Todos olharam a p onte e à primeira vista não tinha nad a dem ais c om ela. Se Miguel n ão os bar rasse, ir iam passar por e la sem que vissem o perig o que estar iam cor rendo. Ele p ediu p ara qu e todos parass em na frente da ponte e co meç ou: –Essa pont e se cha ma Du Avessu! – e olhou para todos co m as sobra ncelhas l evant adas. – Ela t em esse nome porque s eu ca mpo g ravitacional é ao con trário! –Hã? – disse Rurique per plexo. –Veja m só! – disse M ig uel. O g ar oto peg ou um a pedra e a jog ou na ponte, ao bater no chã o, a pe dra caiu para cim a a o invés de cair para baixo. Viram a pedra ir embora para o céu at é desapar e cer de vis ta . –Hã! – con cluiu Rur ique, ainda per plexo. –A cas a do Xamã é log o de pois da pont e! Va mos, não t em perig o! É só me seguirem! Fa çam o que eu f izer ! – e Miguel foi em direç ão da p onte, se sen tou no chã o, na lat eral de su a b ase, e c olocou os pés embaixo d ela, se a p oiou com as mã os numa corda que ser via de cor rimão na pont e e ficou d e pé.
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Todos se esp antara m co m a visão, Tork estava d e pé, mas d e pont a ca beça n a par t e de baixo da pont e. –Ven ham! Ass eguro a vocês que não t em perig o nenhum! – e deu un s pulinhos para provar. –M as e esse abis mo aí? – quis saber Rurique olhando para o bura co neg ro que se este ndia abaixo d a cabe ça de Miguel. –Pode apostar que esse abismo... – disse Tork aponta ndo p ara o c éu que estava sob seus pés – ...é bem m ais profundo! Rur ique olhou par a as estrelas e eng oliu em se co. –Quem será o primeiro a tentar? – perguntou Miguel. Tibor se prontificou , mas Sátir foi à fre nte. –Ei, mana! – diss e o menino. –Ag uent e aí, Tibo r! Vou ver s e ess a cois a é segur a! Se não for, você pelo m enos es tará a salvo! – disse a me nina. –Tá be m! Mas e você? Já pensou no pior que pode a cont ecer a vo cê? Sátir não respo ndeu e seguiu em frent e. Seguiu os passos de M ig uel. Sentou-se ao lado da base e apoiou os p és na par te de bai xo do ch ão da ponte. M iguel est en deu as mãos p ara q ue se apoiass e nele e ela se p ôs de pé. Er a estranho ver a ir mã daquele jeit o, nem seus cabelos pare ciam es tar de pon ta cab eç a, a g ravidade os
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pux ava na direção d a ponte, era com o se estivesse de pé nor malm ente, m a s de pont a ca beç a. Rur ique pediu para ir antes de Tibor, que não enten deu o porquê do pedid o, mas d ei xou que fosse. Rur ique se posi cion ou da mes ma for ma que os outros dois, mas teve prob lemas e m se s egura r no cor rimão da pon te, deu uma escor reg ada e solt o u sem querer a lanter na. Tibor achou a im ag em um p ouco p er tu rbadora. A lanter na subiu girando em direçã o ao céu até sumir. M as Rur ique já es tava de pé n a pon te t a mbém. Cheg ou ent ão a ve z de Tib or. Seguiu o mes mo pr ocedime nt o, segu rou o cor rimão e impulsionou o cor po s e c olocan do de pé. Er a uma se nsaç ão def initivament e estr anha! Olhou para ci ma e o que viu foi um abismo ne g ro acima da c abe ça, olhou para baixo e viu um céu estrelad o abaixo de seus pés. Olhou para a f lore sta e as ár vores to das estava m de ponta cabe ça como se cresc essem para baixo. A visão causava c er ta tontur a. Andar am ao long o da pon te cur tindo c ada p asso. Estavam and ando e mbaixo do chão del a, que ac abava se tor nan do a p ar te de “cima”. Chegaram à outra extremidade e da mesma man eira que entr ar a m na p onte, saíram dela. Quando Tibor passou por úl timo, sentiu o pon to exato o nde a g r avidade mudava de posiç ão. Era c o mo se entrass e
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em um por tal para outro lug ar. Era um a sensa ção be m dif er ente e esquisi ta , mas n ão pôd e d eixar de apr eciar a ex per iên cia únic a.
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Passar am a ponte e estavam em t er ra nor mal de novo. A mata s eg uia à f rente e puder am not ar uma espéci e de ch alé e m meio às ár vores. –Ali est á! A casa d o x amã! A cas a do Sr. Icas! – disse Miguel feliz. Aproximaram- se e notaram que o chal é era fei to inteir ame nte d e ba mbu, apesar d e nã o haver bambu por per to. U ma lu z laranj a e fraca b r uxuleava pelo bur aco de entrad a do chalé que n ão t inha por tas o u janelas. –Você diss e que sua casa tinh a por t as e janelas! – falou Sátir para Miguel. –J á disse que essa não é minh a casa, mas ten ho morado aqui para tomar con ta do Xamã! – disse M iguel Tor k. – Sr. Icas? – cha mou o me nino entra ndo no chalé.
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–Ê h êh! – disse u ma voz vinda do mato em frente. – Tô aqui, menino! Tibor pôde ver um senhor de cabelos cur tos e br ancos, de p ele be m escura, que vinh a de muletas na dir eção del es. –Sr. Icas! Cheguei! – disse Tork. Tibor achou a rea ção do t al Icas u m pouco inadequad a para a o casião. –Ê h êh! Menino Tork se atrasô! Muito, mui to! – disse o home m de mule tas. Tibor achou o so ta que do velho bem diferente e medonho de cer t a for ma. Quando di z ia “Êh ê h”, o pr imeir o êh vinha numa not a aguda e o segundo numa nota g r ave. - Desculpe, senhor! – disse Miguel – Tive problemas e p assei por apuros. Eles me salvaram, senhor ! – E a baixo u a cabe ça mostr an do respei to a o velho. O velho en carou Tibor e Sátir por um temp o, de pois vir ou p ara Tork novament e e di sse apo ntand o par a Rur ique: –O que o meni no mag ro faz aqui no chalé d e Icas? Ê h êh! Os out ros dois eram esper ados, mas esse era não! Tibor achou a o bser vação be m es tranha e imag inou se o tal x amã tam bém seria algum tipo de adivinho.
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Rur ique se remexeu e n ão disse nad a. Mesmo se quisesse dizer, n ão saberia o que e d eixou isso para Miguel. –Ele é um dos que me salvou do p erig o, senhor! – disse M iguel – Ele s cuidaram de mi m por to do o tempo e m que passei aca mado e me fizeram compan hia no c am inho até aqui! Esse é Rurique, aquele é Tibor e essa é Sátir! – di sse o menino apr esen tando os novos amig os. – Gos t aria de oferec er um lug ar para passarem a noite! F izem os uma viag em long a e cans ativa e ama nhã eles irã o f azer o m esmo tr ajeto d e volta! – Ê h êh! – come ç ou o velho – Sabe que num g osto de visitas! – e foi até Tibor e Sá tir, mas par ecia ig nor ar Rurique por comple to. – Têm fo me, vocês? Tibor e Sátir fizeram que sim com a cabeç a, mas duvidava que o velho pudesse ofere ce r-lhes alg o de bom par a com er. Icas entrou no ch alé com as mulet as e só quando entr ou n a frent e d a luz br uxulean te e alaranj ada d a vela que estava ac es a ali de ntro é que Tibor perceb eu que o velho n ão tin ha uma d as per n as. Miguel foi até os me ninos e disse: –Desculpe, p essoal! Achei qu e a re ce pção d ele f osse ser diferente, mas ele não vê p ess oas há um bom temp o, en tão... me d esculpe m!
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–Tudo bem! – dis se Tibor imaginan do que o melhor ser ia irem embora naquela noit e mesmo. Nã o fora nem um po uco com a cara do xa mã. Todos en traram no chalé e s e sen taram no chão, a única cad eira que t inha estava ocup ad a pelo senhor Icas. Mig uel ser viu alg umas coisas p ara c ome rem com o amendoins e cas tan has de caju. – D es culpem! C omo estive for a por t od os esses di as, não pude renovar o estoque d e co mida! –Tudo be m, desde que você t enha água! – disse Rur ique. Icas fuzilou o m e nino co m o olhar e Rurique imag inou se tivesse dito alg o g rosseiro. –Tenh o, sim! - Miguel deu u m co po d e água d a jar r a de bar ro que estava no chão p er to de alguns caixotes d e madeira de onde ele tirara os amendoins e as cast anhas. –Vocês dois vivem aqui? –disse Sá tir olhando o chalé todo e im aginando que seria muit o pequeno a té para uma p essoa mo rar. –Sim! – respondeu Miguel. Sátir r e parou qu e o lug ar não tinha cam a. –M enino Tork dor m e lá! – disse Ic as de re pe nte aponta ndo para um canto com p alha am ontoad a.
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Tibor perceb eu que os olhares do velh o iam del e para a ir mã e vice - versa, como se de monstrasse u m inter esse in comum nos dois. E isso o p er turbava. Comeram t odo o a mendoim e to da a castanh a, tamb ém a cab aram c om a ág ua de duas j ar ras; mentiram sobr e estare m sati sfeitos, pois a fome e a sed e aper tavam s eus est ômag os com uma força treme nda. Se soubess em como seria es cassa a refei ção n a c asa d o tal xamã, teriam r eg rado a comida da mochila no caminho até ali. –Qué dor mi, me nino? Qué? – disse I cas p a ra Tibor Ê h êh! Vejo seu olh o fechando d e pressa! Aquele “Êh êh ” es tava ir ritando Tibor. –Não, obrig ado! – r espondeu ele. Senhor Ic as fez um sinal inc omum p ara Miguel, que ent endeu e peg ou dentro do c aixot e um cachi mbo e um paco te de fum o. O velho muniu o cachimbo com o fumo e o ac endeu com a vela ao lado que era a únic a fonte de lu z do chal é. –F lor esta p erig osa na quares ma! – diss e o velho a esmo dando um t rag o no cachimbo. – Quaresma per ig osa na f loresta! – e soprou a fumaça enche ndo o bar r aco de ba mbu c om o cheiro for te d e fumo, após o tr ocadilho. Sátir tossiu e disse para Tibor num suss ur ro: –J á senti esse cheir o antes, mas não me lembro onde!
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–Menina num g osta de meu fumo, não? – quis saber o velho. – Toss e f eito bode, tos se! E ficaram e m silênci o. Tibor saiu do chalé e foi olhar a mata ao redor, nenhum g r ilo era es cutado; nem uma ci g ar ra; nem uma cor uja. Parecia qu e a mat a não tinha vid a. P ôde ouvir o velho dizer : – Êh ê h! – lá dentro do chalé. –Estr anho esse tal de Icas, não acha m ? – disse Rur ique para Sátir e Tibor antes de M iguel cheg ar à roda. –Se quiserem dor mir, se p arei um m ontan te d e palha para cad a um usar de travess eiro! – disse Tork antes de entrar novament e no chal é, pois o velho o chamara. –Diz que isso é piad a! – com entou Rurique. –Pessoal, estou co m vontade d e ir embo ra hoje! – disse Tibor. –Concordo pl enam e nte! – ap oiou Sátir. Tork saiu da ca bana de novo e disse: –O Senhor I cas diss e para passare m a n oite aqui, pois a lua est á qu ase ch eia e o lobi somem j á t em r ondado por essas bandas! – os trê s o encararam sur pr esos. – Não s e preocup em! O bi cho não sab e atr avessar a Du Avessu, esta mos seg uros aqui essa noite! – e vol tou pa ra dentro do chalé mais uma ve z.
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–Ser á que fal ei alto demais s obre ir mo s embor a essa noit e? – sussur rou Tibor para os a mig os. –Não s ei! Vai ver e le é u m a divinho, p or isso o chamam de xam ã! – disse Rurique. –Ou talvez es teja e stampa do na nossa cara que estam os mor rendo de vontade de s air daqui deste chalé esquisito! – disse Sátir. Tibor ach ou a opinião d a ir mã mais sensata, apesar de já não d uvidar de mais nada. Os tr ês escut aram um uivo alto ressoar nos ar r edor es e resolver am en trar de press a no chalé. Cada um se dei tou no chão de ter ra co m a cabe ça apoiada num mon tinho de palha q ue pinicava o pescoço. Tibor pe n sou que seria bem difícil dor mir por ali. Vir ou de um la do, v irou de outro e s e s entou. Senhor Icas estava sentado à frent e fu mando s eu cachimbo perdido e m pensa men tos. –E en tão s enhor I ca s! – com eçou Tibor – por que o chama m de x a mã? O velho d eu um a trag ada funda no cachimb o, encar ou o menino e respondeu s eca ment e: –Porque sô um! Tibor apenas ass en tiu e não quis discordar do velho. O ho mem tirou o c achimbo da boca e aproximou seu r osto do rost o d o g aroto.
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Tibor pôde ver que seus olhos eram levemen t e aver melhados qua nd o ele os ar reg alou di zendo. –Sô mágico, m enin o! – Tibor balanço u a cab eç a fazendo men ção d e acre ditar, mas o velho par ecia mais ser u m malu co do que um mágico ou um sá bio – Roubar a m meus po deres! Êh êh! Uma br uxa velha! Eu quer o de volta! Tibor pensou e m su as tias- avós. – Ê h ê h! Você sa be que m é, n um sabe? El a escond eu meu pode r de mim! Quero di volta, mas num posso tê! – disse el e ficando e m silên c io por long os quinze minutos em que o g aroto fico u admirando a par ede in ter na do chalé de b ambu. –Fale- me do lo biso mem! Qu em é ele? – quis saber Tibor já que não co nseguia dor mir. – O que ele fa z? –Um lobo-home m, é sim! Faz mal pros o utros, faz sim! Mas num é h omem mau nã o sin hô, é não! – e cheg ou mais per to de Tibor, d eu ou tra trag ad a no cachimbo e f alou p a usadame nte – Foi a maldiçoad o! Êh êh, se foi! O cê já viu “coisa- r uim ” por aí que eu sei! Ê h êh! Sei sim! Co nta pr o véio o que ocê viu, conta? Tibor assen tiu e a chou não t er pro blema em contar sobre a velh a do p é g rande e a invasão do sítio do f azendeiro Pereira. O menino perc ebeu que Icas ficara fascinado co m a história toda.
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–Por acaso é essa a br uxa que roubou seus poder es? – quis saber Tibor, já que o velho mostrouse bem in teress ado no assunto. –Foi não! É outr a br uxa velha! –Talvez a Cuc a? – t entou ele. O velho s ó o enc arou desc onfiado por um te mp o e ao invés de respo nder, deu outro trag o no cachim bo e elevou os olhos para o te to do chal é. Per maneceu assim como se es tivesse remoend o lembranç as do passado. –P r ovavelmente foi ela! – co ntinuou o menino desper t ando a ate n ção de I cas nova ment e. – Essa maldita b r ux a pare c e f azer mal para to das as p essoas que conh eço! Um di a ela vai p ag ar por isso! O velho o olhou de baixo a cima como Sátir tinha costum e de fa zer qu ando es tudava algué m. –Vá dor mir me nino- besta! T á falando muito já, t á sim! Seus coleg as q ue são intelige nte, já tão dor mindo, tão sim! Ê h êh! – diss e o velho c om um ar ir ritado. Tibor não g ostou de ser chamado de b esta, olhou par a os l ados e p ercebeu que Rurique, Miguel e Sá tir já estavam m esmo dor mindo. Queria ficar acordad o, mas r esolveu te ntar dor mir quando o velho encer rou a conver sa soprando a única vel a do c ôm odo. O menin o ainda viu o cachimb o se iluminar no escuro com mais uma tr ag ad a funda d o velho e e ntã o, pôs -se a dor mir.
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O sol já estava alt o no dia seguinte, Tibor se levantou e sentiu o corpo todo dolorido, principalmen te o pesco ço. Tinha d or mido de mau jei t o. Senhor Icas não es tava m ais ali , sua cad eira es tava vazia. Miguel tamb ém nã o estava no chalé. Tibor acordou a ir m ã e o a mig o. –Va mos, pesso al! Já é hora de ir e mbora! Já é dia! O estô mag o de Tib or roncou alto qua n do saiu do chalé. Estava tod o suado, pois o bambu e squentar a demais co m o calor, talvez por isso tinh a se levantad o àquela h ora, pois ainda tin ha son o e co m c er te za dor miria mais, mas o calor ali den tro er a insupor tável. Tibor pôde olhar a f lores ta à lu z do sol, consta tou que era feia! Nunca vira u ma f loresta t ão f eia como aquela. A maioria das ár vo res era seca e o sol entr ava direta m ente p or ela sem i nter ven ção de g alhos e f olhas verd es. O chão p arecia estar be m se co tamb ém, como se a chuva nã o visitass e aquelas par tes da Vila Guará há me ses ou mais. O mais estranho foi a falta do cant o dos passarinhos. O nd e e s ta vam os colib ris e os sabiá s? Os p ard ais e os bem-t e-vis? Aquela f lorest a er a estr an ham ent e maca bra. Olhou ao redor e viu Miguel trazendo uma jar ra com água e ao s e u lado vinha o velho de mule tas andando com dificul dade.
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Tibor entrou na b ar raca e peg ou su a mochila, saiu de novo e Miguel ainda vinha na di reção do ch alé, mas o senh or Icas já estava sen tado em um tron co tombad o próximo d e onde es tava. Tibo r olhou para o velho com o olhar confuso, olhou p ara as mulet as encost adas na ár vor e ao lado de Icas e coçou os olhos pensando im aginar coisas, já que ainda tinha a vista emba çada por con ta do sono. –Bom! M ig uel! – co meçou ele enqua nto Rurique e Sátir deixavam a b ar raca. – Rec eio es tar na hora de seguir viag em! – e v irou-se para o velho – E obrig ado por nos deix ar pass ar a noite e m sua... casa?! – disse Tibor. O velho fez um a c eno d e cab eça, mas não disse nada. –Bebam um p ouco de água an tes d e ir! – disse M iguel – deve m est ar com sede, sinto por não t er um café da manhã melh or para ser vir! Tibor ent endeu p orque o m enino comera a lasanha d a avó c om ta nto g ost o, não tinh a ne m condiçõ es de fa zer uma co mida bo a ali naquele ch alé. Beberam a ág ua da jar ra toda, Miguel os levaria até a pont e e d e lá s eguiriam viag em se m ele. Antes de saírem, p orém, o velho cha mou Miguel de can to e cochich ou coisas e m sua o relha da m esma f or ma que Gaílde fizera co m os netos n o momen to em que deix avam o síti o. Enquanto iss o, T ibor, Rurique e
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Sátir o esperavam p ara ir e mbor a. Migu el levan tou os olhos com u ma expressão es tranha quando Ic as ter minou de falar na orelha d o ra paz. Miguel se despediu d e Icas co m um “até log o” e par tiu. O velho acenou para eles enquanto se distanciavam e Tibor ainda pôd e ou vir um “Êh êh!” ao l ong e. –O que foi que e le cochichou que o deixou espant ado? – quis saber Tibor quan do cheg avam à ponte. –Espant ado? Não fiquei espantado! – disse o menino – ele me di sse que não haveria perig o seguir viag em ag ora, pois o lobisome m só s ai na lua cheia e que eu nã o me p reocupasse, pois vocês es tariam segur os no camin ho de volta! M as Tibor d escon f iou que o g aroto estivess e mentindo sobre o q ue o velho lh e diss era. O ra, todo s sabem qu e o lobisome m só sai na s noite s d e lua ch eia, por qual moti vo se nho r I ca s teria d e lemb rar Miguel de sse fato? E resolveu não come n tar nada, estava doi do para cheg ar log o no sítio e com e r as comidas d a avó. Despedira m-se do a mig o com abraços e passaram pela pon te d eixando Miguel para trás. –Obrig ado, amig os, por tudo! De em um alô à su a avó por mim! – g ritou ele do outro lado da ponte. – Esper o os rever em breve! Tibor, apesar de o menino não ter feit o nada de er r ado par a ele, ao se distanci ar, senti u o aper to em
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seu peit o se afrouxar. Era com o se estivesse m ais tr anquilo e um peso em suas cost as deixara de incomodá- lo. Não q ueria ser r uim, mas não desejava o mesmo qu e seu ami g o Miguel! Seu coração sen tia qu e não queria vê- lo novament e tão c edo. Sua avó lhe disser a para seguir sempre seu cora ção, por t ant o, tent ar ia evitá- lo, s e f osse possível!
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Saíam ag ora da f loresta sec a e ent ravam na Estrada Vien a nova ment e. Começ aram a segui r o ca minho invers o da noi te anter ior, r u mo ao s ítio. Tibor olhou pa ra trás e pôde ver que, se quisesse m ir à Vila Guará, a inda teria m d e andar um bo m ped a ço. –É! Não será dessa vez que conh ecere mos ess e vilarejo! – disse ele. – Não desviarei d o caminh o do sítio de jeito ne nhu m, ainda ten ho uma s horas de sono a cumpr ir e pre tend o fazer isso aind a h oje e na minha cama! Já qu e o chalé do tal x amã não nos pr opor cionou um a b oa noite de son o, nã o é mes mo? –É! – f oi a únic a coisa que Rurique conseguiu dizer de tão c ansado que estava. O sol castig ava-os com seu calor abusivo e queriam parar p ara descans ar.
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–Pessoal, quanto menos p arar mos n o caminh o, mais ced o iremos ch eg ar ao sítio! – dizi a Tibor. Isso era verdad e e ser via de es tímulo para que continuasse m andan do. Sempre que viam uma sombra de ár vor e, passavam por debaixo del a a fim de se r ef r escar ao m enos um pouco. Sátir já tinha vas culhado to dos os bolsos da mochila d e co mida por várias ve zes, na espera de achar alg o escondid o que pudessem div idir entre eles! Apesar de ser um a procura inútil, lá ia ela vasculhar mais uma ve z. Tiveram de se e ntreg ar, não descans ar, n eces sita va m do desc anso!
quer iam
mais
Pararam por vinte minutos na beira d a estrada embaixo de uma ár vore robusta. Sua sombra era perfeita. Ansiava m por um g ole d’água, mas sabi am que per cor reriam o caminh o todo sem nem u m ping o dela. Continuaram o tra jeto, relutan tes. Rurique já andava co m a líng ua para f or a da b oca c omo u m cachor r o cans ado. T ibor não duvidaria n ada se olhass e para o amig o e o enxerg asse co m o um vira-lata mag relo ao seu lado. –M uito estranho es se tal de Icas, não acham? – disse Tibor. –Ahã! – f alou Rurique sem von tad e.
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–Como f a ze m p ara viver ali? – disse Sátir – Devem pass ar fome sempre! Com endo apen as amendoi m e c asta nh a de c aju! –E ainda f ize mos o f avor de acab ar com o estoque d eles! – c on cluiu Tibor. Alguns minutos se p assaram e Tibor per guntou: –Ouviram a história que ele me con tou sobre seu s poder es? –Não! – respon dera m Sátir e Rurique ju ntos. Tibor então con tou que o velho disse que seus poder es foram roub ados por uma br uxa velha. –Com c er te za deve ter sido a Cuc a! – di sse Tibor. – Ela est á pres ente em tod as as hist ória s! –Por que não pergu ntou a el e? – quis sa ber Sátir. –Eu perguntei! –E? –E ele desviou do a ssunto dizen do que eu era um besta por diz er aquelas coisas ao i nvés de estar dor mindo! Rur ique deu risada. – Ele t e cham ou de besta? –Chamou! – resp on deu Tibor. –Achei que el e só dizia babos eira, mas finalment e ele disse alg o que ti nha razã o! – disse Rurique caindo na g arg alhada. –Ei! A única besta aqui é você! - Tibor deu um empur rão f raco no a mig o, mas ta mbém c aiu na risada.
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–Per ceberam o s ot aque cha to que ele tinha? – per guntou Sátir. –Minha nossa! Quas e pedi que calasse a boca um a infinidade de vezes! – disse Rurique. – Mas de vez em quando el e m e p ass ava cer t o m edo, s ab ia?! Ainda bem que est amos long e de lá! Nã o volto ali tão ced o, isso se um dia volt ar! E todos con corda ram com a obser vação do amig o. Tibor e Sátir cont aram a Rurique o que a avó tinha dit o sobre Miguel e o m enin o disse t amb ém sentir uma pont ada de desconfianç a e m relação ao g ar oto. –Não sei por que, mas conc ordo com a avó de vocês! M as qu e o ca ra é fera na espada! Ah, isso ele é! Êh êh! – disse ele i mitando o senhor Ic as. Todos mor reram de rir. De pois de horas de caminhad a, se sent iam fracos por andar em d e es tômag o vazio e po r tanto t empo embaixo de um sol escalda nte. Rurique passou ent ão a dizer palavras de m otivação: –Banho de mangueir a! Tibor e Sátir respon diam com: Humm! –Sor vete de limão! –Humm! –Sor vete de crem e! Suco de laranj a g elado!
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–Bem g elado! – diss e Sátir. –M ousse de m aracuj á! – continuou ele. E assim p assaram o resto d a ma nhã e um bo m pedaç o da tarde. Só citan do c oisas que adoraria m encon tr ar no sítio quando cheg asse m. Para cada pensam ento desses, conseguiam um bônus de de z passos à fr ente, o q ue já era u m lucro e nor me. Pararam uma seg u nda vez para des cansar e avistaram ao long e, quando o sol começ ava a baixar, o come ço da estrad a. –Ei! Esta mos cheg a ndo! – disse Tibor c onten te. –M entira! – disse Rurique. –Ver dad e! –Ver dad e? –É! – confir mou Ti bor. –P ux a, que ótimo! – a fala de Rurique estava a té mole. Ficaram sen tados al i por mais cinco minutos at é tomare m corag em p ara levant ar. –Você primeiro, Tib or! – disse Rurique. –Não! Assim que vo cê se levan tar, eu m e levanto ! – falou Tibor. –Está bem, va mos t odos juntos! – disse Sátir – 1, 2 e 3! E os três se levan taram e pus eram-s e a andar novament e.
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Apesar de achar em estar p er to da Estr ada Velh a, caminh aram inint er r uptam ente d esde a ú ltima parad a e só cheg ar am a té el a quando an oite ceu . Seguiram por ela mais um bom pedaç o até virarem na cur va que fazia e en contr are m a r uazin ha que os levava até o sítio de Gaíld e. O intuit o da viag em não era s ó a co mpanhar o amig o M iguel até s ua casa, mas t amb é m visitar a Vil a Guará e sab er mais sobre o tal Oitavo Vilarejo e as lendas que o rondam. Como não tiveram nem u m décimo dess a von tade suprida, se ar re penderam amarg ame nte de t ê- la feito! Cheg aram à p or teira do sítio com o s or riso até as orelhas, mas no tara m alg o estranho qu e os fez a mar rar a cara. A por teira estava es canc arada. –Gaílde nun ca a deixa ab er ta dessa for ma! – concluiu Rurique. E mesmo se m a sensibilidade na s per nas encon tr ar am forças para cor rer até a cas a. Os três encon traram a por t a aber ta tamb ém. Entraram e s e de parara m com a casa tod a revirada, o espelho de f r ente à por t a de entrada estava e stilhaçad o, os abajures da sal a est avam todos no ch ão e algumas das cor tinas tinh am si do ar rancadas dos g rilhões da par ede.
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–Par ece que h ouve uma luta por aqu i! – disse Sátir. –Va mos nos s e parar para procurar! – disse Tibor subindo as es cadas g ritando pela vó. Rur ique foi pela co zinha e Sá tir olhava na sala de jantar. Tibor encontrou os quartos dele e da irmã inta ctos. Mas o quar to de Ga ílde estava u ma zon a g eral. A ca ma estava quebra da e as coisas de sua p ent e adeira estavam espalhad as pelo chã o acar p etado. O d es espero en tão o dominou. – Vó! – g ritava ele, mas pare cia que ela não estava por ali. U m minuto de pois se encon traram de frente ao espelho estilhaç ado do hall de e ntrada. –Achara m alg uma c oisa? U ma pista de onde poss a estar ? – p erguntou o menino aos outros dois. –Não en con tramos nada! – disse Sá tir. Naquele mo men to, os três viraram a c abeç a p ara o mes mo lug ar ao e scutare m um es tron do alto cor tar a noite lá fora. –Esse bar ulho veio do celeiro! – diss e Tibor – Va mos! E cor reram em di sparada para o c eleiro onde ficava Mimosa. Ao se aproxim arem, a por ta s e abriu violentam ent e com um coice de cavalo que foi dado pelo lado d e den tro.
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O que viram os a ssustou bast ant e. Um cavalo br anco estava s obre duas pa tas relinchando amea çador a men te p ara os três. Ao co locar as pat as dianteir as no chã o, puderam ver que ele não tinha cabe ça, em s eu lu g ar um tuf o de chamas se fa zia pr esent e. –A M ula- sem- c abe ç a! – g ritou Rurique se jog ando no chão em posi çã o fetal escon dendo as unhas e os dentes. –Que imb ecil! – disse uma voz conh eci da de cim a do tal cavalo. Era Miguel Torquado. O menin o es tava montad o na mula com um g or ro cor de vinho nas mãos. Tibor pôd e ver que ta mbé m tin ha uma pessoa deitada de a travessa do em ci ma d a mul a, na frente do g aroto com as m ãos amar radas. O meni no reconhe ceu na hora que era a su a avó. –VÓ! – g ritou ele, mas a avó es tava de sacordada. –O que pensa que está fazendo, Miguel? – perguntou Sátir conf usa. –Desculp em por iss o, m as fui obrig ado a fa zê- lo! Jur o que n ão tive a intenç ão! Só quero meus ir mãos d e volta! Tibor não sabia o q ue dizer e soltou: –Podemos ajudá- lo, mas coloqu e min ha avó no chão!
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Tibor perc ebeu qu e a feição do me n ino estava fantasmag óric a e ne m pare cia ser o mes mo de qu em s e despedir am pela m a nhã. –Ajudar? Vocês nã o en tend em, n ão é? Vo cê s for am par te do plan o o tempo t odo! A par te de vo cês acab a aqui! –Do que es tá f ala n do, M iguel! Pare c om isso e solte minh a avó ag ora! – disse Sátir com raiva. –Acham m esmo qu e fui enven enado d e verdad e? Nem sei s e posso s e r mor to mais d e um a vez! –O quê? – disse Sát ir sem enten der nad a e virouse par a Ruriqu e c o m verg onha alheia do me nino qu e ainda es tava en colhi do no chão. – Levan te-se já daí! E o g aroto s e levant ou. –Você é um trasg o, não é? – pergunt ou Tibor encar an do Miguel diretam ente nos olhos. –Oh! Voc ê é esper to, Tibor! Sim, fui uma da s quarenta cr ianç as q ue f oram levad as pe la Cuca h á do ze anos! Quand o meus pais viram que eu , minha irmã e meu irmão recém-nascido não voltaríamos mais, mud aramse par a a cidad e g rande para n ão enlo uq uecer! –Rec ém- nas cido? – re petiu Tibor s e le m brando d a menina que vira s eg urando um beb ê em meio aos outr os tr asg os. – Como os trará d e volta s e es tão mor tos? –Eu pare ço mor t o p ra você, Tibor?
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Tibor se lembrou de que Málabu co ntou qu e alg uns espíritos p a recem s e m at erializar por algum tempo. –Esse é o poder d o xamã? Trazer os mor tos à vida? – perguntou Tibor. – Foi o que ele lh e pr omet eu? Seus ir mãos de vol ta e m troca da minha avó? –P ux a, realmen te o subesti mei, Tibor! – disse o menino ainda den tro do celeiro. Mimosa es tava impacien te com a visão da mula e se agitava em pânico. –Pelo que sei, não pode estar realm e nte vivo! Ninguém po de vol tar dos mor tos, Miguel! Isso é apenas tem porário! Provavelmente só deve ac onte cer na quaresma, c er to? – disse Tibor. – Devolva a minha avó e vamos c onversar! Tibor perceb eu que o g aroto pesava sua s palavras com caut ela, o me do de ser verd adeir o o qu e Tibor disser a estava esta m pado em seus olhos. –Sinto muito, volta, vai ter qu e ag or a f az par te d o descobr ir am o nde o
Tibo r! Se quiser ter sua avó de buscá- la no Oitavo Vilarejo. Ela plano tam bém, j á que voc ês três g or ro estava esc ond ido!
Tibor não ent ende u a lógica do qu e Miguel disser a por último. O que o g or ro tinha a ver co m a situação toda?
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–Nos dig a ao m eno s onde fica ess e tal vilarejo! – pediu Tibor. –Estava indo muito be m at é ag ora, Tibor! Comec ei a achar m esmo que era inteli g ente, mas vejo que não! – disse M i g uel – Darei uma dica a vocês e m nome da noss a cu r ta amiz ade! – ele se ajeitou no cavalo br anco sem cela e disse – Estiveram por lá ainda es ta m anhã! Foi como se um balde de água fria caísse n a cabe ça do g aroto! Fora muito bur ro em não perceb er onde tinh am estado pela ma nhã, pass ara m a noit e tod a lá! A fenda que div idia a f loresta devi a ser uma das pr oteçõ es que o bi savô colocara e m volta do lug ar evitand o, assim, a saída de quem estivesse preso lá dentr o! Tinh am est ado no Oitavo Vil arejo! Tinha m passado a noite na a ntig a prisão da su a t ia-avó! Miguel não deu muito te mpo p ara o s menino s pensar em a respeit o das revelaçõ es que caíam d e par aquedas s obre a cabe ça dos três. A mula ateou fog o no teto d o celeiro n o momen to que um raio cor tava o céu com u m estron do e par tiu em disp arada por entr e os tr ês a g alop e. Tibor só teve t empo de prot eg er o rosto quando a mula passou e o fe z c air no chão por ser em pur rado pelo cor po equin o da assombra çã o. O menino levantou a c abeç a a inda em te mpo de ver Miguel e a mula levar em sua av ó e o g or ro por teira a fora.
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Antes de s eguir no enc alço d o me nino, Tibor, Sátir e Rur ique pre cisavam ap ag ar o fog o que tomava conta do c eleiro. Tibor e Sátir cor reram at é o p oço e encheram baldes de água, Rur ique f oi até a mang ueira e mirava um jato for te em dir eção às labare das. M imosa mugia em desesp ero, estava presa lá dentr o em m eio ao infer no que tomava for ma à su a volta. Tibor sentia um a vontade absurda d e esg anar M ig uel, sabia que a avó tinha raz ão qu ando suspeit ou do menin o! Seu próprio coraç ão l he avisou por diver sas vezes qu e e le não era confiável! Apag ar am co m muit o custo as ch amas do cel eiro que ac abou ficando parcialme nte d estr uí do. –E ag ora? – perg unt ou Rurique. –Temos qu e ir a trás daquele filho da m ãe! – disse Sátir com as roupas sujas de f ulig em. Nem p arecia m t er viajado o dia inteiro a pé, c o m sede, fome e sono. Cor reram em dispar ada e m dire ção à por teir a com a vel ocidade d e um proj é til. –Não acha qu e deveríamos ped ir ajuda? Poder íamos cha mar M álabu! – disse Rur ique enqua nto cor riam. –Não! Perderemos tempo d emais nos desviando do caminho! Afinal de contas, Málabu está viajando, se lembr a? – disse Tibor – Tenho uma pequena ideia
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do que M ig uel pret ende f az er e isso me assust a um bocado! P r ecisa mos cheg ar lá o mais rá p ido possível! –Quando ch eg ar m os lá o que fa remos? – per g untou Rurique novament e. –Não sei d e vocês, mas eu pre tend o so car Miguel Torquado at é ele fi car desa cordado co mo no dia em que ele entrou n ess e sítio pela primeir a vez! – r ugiu Sátir. Eles cor riam o mais veloz que podiam e m direção à estrad a. Ig norara m as dores que s en tiam n as per n as e as bolhas qu e se alojavam em s eus p és, mas mesm o assim, não viam ne m sinal da mula- sem-cabe ça ou de M ig uel à f rente! Zilhões de coisas se passavam n a c abe ç a dos três. Tentava m imag inar uma f or ma de talve z ten tar cor t ar caminho ou ach ar a lg uma coisa que os fizesse ir mais de pressa, mas nad a podia os levar tão de pressa assim ao Oitavo Vilarejo, af inal, precisariam de alg o que os levasse c om a veloci dade d e um cavalo para alc anç ar o menino tr aidor! –Drog a! – diss e Tib or indignado – P rec isamos d e um milag re para alc ançá-los a p é! E como se alg u ém o es cut asse, um car ro bar ulhen to a parec eu na cur va d a Es trad a velha co m os f ar óis altos voltados para eles. Tibor conhe cia aqu e le car ro.
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O menino entrou n a f rente da luz, c o m as mãos estendid as faz endo de tudo p ara que o car ro parasse. –Tibor, o que es tá f azend o? – quis sab e r a ir mã. –Esse é o car ro- car roça do homem d o big ode vivo! Vamos! – g ritou ele para os outros dois. Sátir entend eu log o, mas Rurique: – Oh não! Outra assom braçã o ! – exclamou ele, mas ao ver o motor ista e nte ndeu a par te do big ode vivo e ao entrar no car r o compre end eu a par t e do car ro-car roça! Er a Raul, o ho mem que os trouxera pa ra o síti o antes d a quares ma c omeç ar. F icou espan tado a o vê- los sujos daq uele jeit o, andando n o meio da estrada d e noit e e d isse: –Vim verificar se es tavam be m, mas vej o que nã o estão! – Raul es tava per plexo e seguia-os com os olhos
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enquant o entravam em seu car ro – Terei de ar r umar outr a f amília para vocês, estou cer to? –Não é nad a dis so! – disse Tibo r falando de pr essa – Não t e mos tem po para e xplicar ag ora e pr ecisamos d a sua ajuda mais do qu e tud o no mundo! –Como assim? O que está aco nte cend o por aqui... Sibor? –Meu nome é Tibor! Ag ora feche a bo ca e dirija! Fizeram o home m dar a meia volta e seguiram muito r ápido pela Estrada Velha, vira ram na cur va à f r ente e continuar a m pela Estrad a Vie na em direção à Vila Guará. Tibor vinha n o b an co do pass ag eiro, a o lado de Raul; Sátir e Ruriqu e estava m no b anco de trás. –Podem me explic ar o que está ac onte c endo aqui, senhor e se nhora Lobato? – p erguntou o big ode do homem. Eles be m que te nta ram, mas qu ando a explicaçã o deles to cou no primeiro assunt o de a ssombraçã o, o homem pir ou. –Estão f ic ando mal ucos? Vo cês entra m na frent e de um car ro no meio da estrada e praticame nt e abor dam o motorist a, que sou eu, o o b rig am a dirigir pr a vocês por caus a de histórias para crianç as? – os encar ou via retrovi sor e seu big ode já não pare cia mais tão eng raçado. – Vou lhes dizer o que vamos fazer ! – disse ele pisando no freio fazendo todo
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mundo voar para a f rente. – Vamos vol t ar para o sí tio! Vou c ontar tudo à avó de vocês e vou s ug erir a ela que pr ovidencie um bo m castig o! –Nãããão! – gritaram os três quando Raul come çou a virar o car ro na estr ada. Tibor voou no vola nte enquan to S átir e Rurique o seguravam por trás. - O senhor não ent ende, não é? Noss a avó foi sequestr ad a! – disse Tibor – Est amos atrás del a! Ela foi levada para o Oitavo Vilarejo e se demorar mos mais, não voltare mo s a vê-la! –Está lou co, menin o! – g ritava Raul t e ntando se desvencilhar dos br aços que o ag ar ravam. – Aqui só tem s ete vilarejos, n ão existe u m oitavo! –Ex iste e é pra lá que esta mos indo ! – Tibor g ritou mais alto. O pânico se inst alo u dentro do car ro. Quem visse de fora não sab eria o que pens ar. Um car ro velh o, par ado no meio da estrada, com três crianças e um senhor que g ritavam, um mais alto que o outro, coisas como mula- sem-cab eça e cur upira; orfanato e castig o; menino-fantas ma e g or ro maluco. Até qu e... –ESTÁ BEM ! – R a ul disse por fim e todos se calaram p ar a que pu desse f alar. – Está b em! Os levarei até a entr a da dess e t al vilarejo, se é qu e ele existe... –Ex iste sim, pois... – come çou Tibor.
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–Tá leg al! – cor t ou o home m. – Vou lev á-los e de lá irei voltar para o sítio para ter uma conversa muito sér ia com a avó de vocês! Te mos um aco rdo? –Temos sim! Ag ora podemos ir? – disse Tibor. O home m en carou a todos e bala nçou a cab eça sem c onseguir a cre ditar no qu e estava ac onte cend o com el e. Deu a par ti da no c ar ro e seguiu viag em. O car ro era bem bar ulhen to e pare c ia que s e desmont aria a qualq uer mome nto. –Esse troço n ão vai mais rápido? – perguntou Sátir. –Minha nobre queri da! – disse Raul sa rcástico – Estou dand o tudo o que ten ho! Consi dere isso uma sor te! Ela não disse, ma s sabia que era u ma sor t e mesm o, se aqu ele c ar ro não tivesse ap arecido n aquel e exato m omen to, ai nda est ariam entra ndo na Estrada Velha. Passaram- se duas h oras do lado de fora do car ro, já do lado de dent ro, a adrenalina er a tant a que o tempo voava. Finalment e pare ciam esta r cheg ando. –É ali! – disse Tibor apontando p ara os arbustos na later al direita da estrada. O menino abriu a por ta e s altou do c ar ro antes mesmo que ele par asse. Os outros dois o seguiram apr essados e todos entraram na m ata.
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–Ei g arotos, esper em! Não pod em entrar na f lor esta dessa for m a! – disse Raul s ozi nho parado na estr ada. – Ei! Me respondam! – fechou o car ro e r esmung ando de cidiu ir atrás deles. Os três andar am p elos g alhos s ecos d a ma ta d a Vila Guar á te ntand o enco ntrar a fen d a que dividia a f loresta em duas pa r tes. De mor aram ci nco minut os e encon tr ar am. Seguir am m arg eando o bu raco a té ch eg ar à pont e Du Avessu. Raul os al canç ou e quando os viu atravessando a ponte d e pont a ca beça a briu a boca em com plet a descr en ça e d eu no pé mais qu e de press a. –Não a credito nisso! – come ntou Rurique ao ve r as per nas do hom e m sumirem p or en tre as ár vores secas. Finalizaram a traves sia e en contrara m o chalé de bambu compl eta me nte va zio e ab andon ado. O silên cio da mat a os cer co u devag ar tor nan do o mínimo farfalhar de f olhas, um som ame aç ador. Os três ouviam as próprias respirações como se estivesse m amplificadas em um meg af one. Tibor apontou su a lanter na para o chão ond e achara pegadas e marcas de um corpo que fora ar rastado. –For am por aqui! – disse ele. E seguiram a trilha marc ada por en tre as folhas secas. Tibor ia rezand o para que nada tivess e acont ecido à avó. Nunca s e perdo aria se alg o lhe
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acont ec esse, tinh a prometido a si me smo que não deix ar ia ninguém encostar um só dedo nela e quando acont ec eu nem por per to el e estava par a protegê-la! Sua raiva aumen tava g radativamente, p ensou qu e f osse melhor que M ig uel saísse do seu caminho quando o encon tra ssem, pois não res ponderia p elos seus atos. Começ aram a perc eber uma clareira à frente, alguns vultos se moviam por entr e as ár vores. Tibor f ez sinal par a que se ag r upass e m com el e. Sentia o pei to pulsa r constan te e o sa n gue pressionar sua tê mpora. Os t rês estava m ag ach ados e jun tos quando el e com eço u com a voz va cila nte, mas ai nda assim fir me: –Pessoal, é isso! Estam os dentro d o Oitavo Vilar ejo! A antig a p risão da Cuc a! Nã o sei o que nos esper a. Talvez n os de pare mos co m a própria br uxa! Estam os desar mad o s, por tanto te mos que agir juntos e com int eligência! – disse Tibor – Viemos p ara r ecuper ar noss a avó de volta, c er to? –Cer to! – c oncordar am. –Boa sor te a tod os nós! – finalizou o m enino. E par tiram em dire ç ão à clar eira. Tibor cheg ou mais per to e cons eguiu ver Gaílde sendo a mar rada a uma ár vore por Mi guel. O sangue lhe subiu a cab eça e fez m enç ão de par t ir para cima do menino, mas a mão da ir mã o de teve.
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–O que houve com agirmos juntos e com in t eligência? – disse ela. Então se l embrou das p alavras que uma vo z estr anha dizia em se u sonho: –Contr ole s ua fú ria e se u medo! Con trolar minha fúr ia... – pensou ele respirando fundo. Com a c abe ça mais calm a, e ntrou n a clareira e andou a té o mei o, Sátir e Rurique vieram log o atrás. Não havia n em sinal da mula- sem- cab eç a por per to. –M ig uel! Solte a mi nha avó! – ordenou Tibor. O menino se assus t ou e olhou p ara os t rês. –Como cons eguiram cheg ar aqui com ess a r apidez? – p erg unto u Tork. Os dois se fuzilar a m com o olhar por um breve espaço de t empo. –Disse p ara solt ar minha avó ag ora! – a vo z de Tibor entr eg ava qu e estava se enfurec en do de novo. – Estou lhe dando mais uma chan ce de se redimir, Mig uel! Podemos achar um jeit o co m re lação aos seus ir mãos, não precisa f azer isso! Tor k encarou o men ino por mais um te mpo. –Ok, não me imp or ta mesmo co mo cheg ara m aqui! – disse ele a nd ando alguns p assos na direç ão dos meninos. – O qu e i mpor ta é que fiz a minha par te! –A sua p ar te? – quis saber Sátir. –Exato! – confir mo u Tork sor rateiro – Como eu já lhes disse, voc ês eram par te d o plano todo o te mpo!
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Foi dif ícil, confesso que me d eram um pouco d e trabalho quan to à c onfiança, m as mes m o assim concluí a minha taref a! –E deu con ta d ela muito bem, me nin o Tork! – disse uma voz de so taque ar rastado qu e reconh ecer am como s endo a vo z do s enhor Ic as, que t amb ém apar ecia na clareira. Vinha com dificu ldade and ando com a ajuda das mu letas. – Terá s ua re c ompensa co mo lhe pr ome ti! Terá si m! –O senhor estava envolvido? – pergunto u Sátir. O homem e ncarou a menina com s eus olhos aver melhados. –Eu g ostaria que m e respondess em u m a pergunta, uma só? Ê h ê h! Os tr ês o fitaram atentos. Miguel continuava par ado ond e estava. –Gostara m quando menino Tork invadi u sítio de ocês? G osta ram? – qui s saber ele. Os me ninos p er ma necera m quie tos. Ti bor achou um insulto um in te r rog atório ser feito àquela al tura do cam peon ato. O que aq uilo tinh a a ve r com a situ ação toda? –Ê h êh! Claro que n um g ostaram! Gosta r am não! – disse Icas resp onde ndo por eles. – EN TÃO P OR QUE INVADIR AM MEU SÍTIO? – g r itou ele assusta ndo o s tr ês de um a ve z.
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Tibor franziu o rosto, pensou que, se o homem estivesse se referindo ao Oitavo Vilarejo, apesar d e não se trat ar de u m sítio, entrara m c om a per missão de M ig uel. –Não sab em qu e sí tio é o meu, não é ? – Ele os cir culava com as muletas e seus olhos aver melhados miravam de um pa ra o outro numa velocidade que assustava – Eu vou contar u m seg redo pra ocês! – disse ele cheg a ndo m ais per to d eles, n esse mo men to puder am sen tir o cheiro for te de fumo impregnado n o velho Icas. - H á do ze anos o bisavô de ocês const r uiu esse lug ar pra sê a prisão da Cuca! Iss o ocês já sabe, num sab e? – e olhou para Miguel fazend o um sinal e o menino e ntrou na mata. Me nos de u m minuto de p ois, M ig uel tr azia o cachimbo já ac eso par a o senhor Icas. – Ela foi muito má, sumiu com quarenta crian ças numa noite e num d evolveu mais! N ão, n ão! Tibor olhou para a avó que continuava imóvel. O céu tr ovejava ao lo ng e indicando uma chuva que viria em br eve. –Dez anos d e pois e la cons eguiu ac há u m jeito de se soltá! – continuo u ele. – eng anou um cabra por aí e tirô todos os seus p oderes! – Tibor co meçou a enc arar o velho de outra for ma, sabia que estava contan do sua pr ópr ia história, m as que m e ra ele? X a mã da flor esta? Bobagem!
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–Esse cabra te ntô f ug i daqui, m as só conseguiu caus á a m or te do criadô da tal prisã o! – Tibor se enfur eceu qu ando o senhor Ic as falou do bisavô, alg o subiu por dentro d e sua bar rig a até a su a g arg anta. –Cheg a de enrolar, dig a quem você é ! – g ritou ele. –Ê h êh! Qu em sô e u? – disse I cas – Há há! Nu m sabe nã o? –Tibor! – chamou Sátir. – Ele disse que a Cuc a s ó conseg uiu a trair alg uém p ara cá, d e poi s de d ez anos que f icou presa, ou seja, o tal “ novo prisioneiro” está aqui há dois an os e.. . –... o sítio qu e i nvadimos era do fazendeiro Per eir a! – con tinuou Rurique – Qu e es tá su mido coinciden te ment e h á dois anos! –O cheiro d o fumo dele! Ag ora eu sei de ond e r econhe ci o cheiro! Do sítio del e. – con cluiu Sátir. Tibor pesou as coincidências t odas que os amig os lhe disser am e com eçou a per ceb er se tratar d e fato s. Então vol tou-se par a o X amã. –Você mat ou meu bisavô? Você era o amig o do Cur upir a? – quis sa ber Tibor, sua vo z, apesar d e baixa, soava como u m trovão. –Amig o eu era! M as num matei ningué m não! Só ajudei de c er ta man eira, né? Tibor avançou para cima do home m que desviou numa habilidad e sur preenden te.
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Tibor o estudou, sa bia que o velho não podia ser tão rápido assim, s ua idade n ão co mp or tava com su a agilidade. –Quem é você? – pe rguntou Tibor mais uma vez. –Ê h êh! Sa cireno Pe reira, ao seu dispor! – disse o homem solt ando as muletas e se equilib rando em uma per na só enquan to Miguel lhe trazia um g or ro sur rado, cor de vinho. – Ou pode me chamar pel o apelid o, po de sim! Saci Pereira ou Saci Pererê, como preferir! Icas é só pr a faz ê jus a p iadinha se m g raça que seu bisavô contô com aquela po nte, ant es de mo r rê! Tibor se espantou c om o velho, olhou as muletas no chão e viu com o o homem se equi librava bem em um pé s ó. En tend eu o que ele quis dizer com r elaçã o à última piad a, a p onte qu e o Cur u pira const r uiu chamava Du Avessu , se ler o nom e “Sa ci” do avess o, ler á “ Icas” . Sátir e Rurique es tavam boquiab er tos, sempre ouviram histórias s obre o S aci e ali estava ele na f r ente deles, e pior : contra eles. –Seu demônio! – g ritou Tibor indo na sua direção novamente, mas c o m um pulo impulsionado pela única per na, o Saci s e esq uivou outra vez. –Não pode comig o! Pode não! – e apont ou para o g or r o descosturado em alg umas par t es. – Tenho meu poder de volta! Ah s e te nho! – disse ele d ando um chut e
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dig no de capoeira bem no meio do p e ito do menin o, que caiu no chão co m falta de ar. Sátir não c onseguiu ficar parada a o ve r o ir mão ser g olpeado br utal ment e daquel a man e ira. Par tiu para a brig a, mas t anto ela quan to Rurique rece beram o mesmo g olpe e, co m o Tibor, aca baram n o chão. –M enino Tork! – cha mou Sacireno. – Começa log o esse r itual! Qu ero sa í daqui ainda hoj e! Ah se qu er o! – e deu as cos tas p ara e les. Tibor entend eu o que estava aco nte c endo e era ex atam ent e o que t emia. Sacireno iria trocar de lug ar com Gaílde, saindo em liberdade do oi tavo vilarejo e deix ando sua avó co mo prisioneira e m s eu lug ar. –Ê h êh! Irônico! É sim! Filha vai fica presa no lug ar di eu, na prisã o que o próprio pai fez! Vai sim! – disse ele trag an do seu c achimbo enqu anto qu arent a crianças saíam do meio d a m ata para a cl areira e for mavam o círculo do ritual. Sacir eno Pereira pulava de aleg ria quando Tibor avançou p ara el e u ma t erceira vez, fo ra inútil, mais uma pesad a o der r ubara de cost as no chão a quase três metr os de dis tân cia de onde estava. T ibor, além de dolor ido, estava ficando ir ritado. N ã o cons eguia se apr ox imar do velho. M iguel levava uma taç a p ara G aílde que aind a estava des acordad a.
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Rur ique olhou par a Sátir e saíram os dois em meio às crianç as f antasmas, que ne m lhes davam aten çã o, na dire ção de Miguel. Tibor perceb eu o qu e os amig os estavam tramando e t ent o u ao máximo mant er Sacireno o c upado. O que era b em difícil, pois isso incluía muit os pont apés. Rurique fez sin al para Sátir, ele tra zia n as mãos uma d as espadinhas d e madeira co m a qual acer tou o topo da cabeç a do menino fantas ma. A ta ça f oi der r ubada, Miguel enf ur ecido s e muni u com um ped aço de ár vore que estava no chão e c o meçou a travar uma brig a violenta com Rur ique. O menino m ag ricela, filho de Avelino e Eulália, par ecia t er treinad o a vida toda p ara a quele mom ento e não se intimidou p erante o adversário. Sátir desam ar rou a avó que co me çou a ac ordar devag ar. Tibor já estava c om o rosto ensa ng uent ado e nã o ag uentava m ais apa nhar do velho. Caía mais uma ve z ao chão enqu anto c ontava já ter perdi do dois dentes da boca. Tibor analisou a sit uação e viu que tu do parecia per dido! Os três s e dividiram, mas não adia ntaria. Sátir estava com a avó e Tork era tão bom quanto Rur ique na espad a, mas mesmo se ven c esse o menin o, mais quaren ta crian ças do al ém es taria m prontas p ara a ba talha e ele mesm o, nunca co n seguiria vencer
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Sacireno, acr editava que mais uma p esada daqu elas ser ia o suf icient e pa ra subjugá-lo. –SACIREN O P ER EIRA! – cha mou uma voz autoritária em m eio à multidão de crianç as mac abras. Tibor ten tou ver q uem f alara, mas as crianç as dançarinas e louc as tampava m sua visão. Sacir eno, p or sua vez, parou d e pular e se virou para ver quem tinh a chamad o seu nom e naquele to m de amea ça. Parecia ter se ir ritado com as crianças saltitan tes ta mbé m, pois deu um asso bio que quase estour ou os tí mpan os de todos ali pres entes e o ritual cessou. Só assim pôde ver quem o chamara, e sticou sua cabe ça m edonh a e a r reg alou seus olhos ver melhos. Er a Gaíld e! Vinh a andando abrindo ca minho e m meio aos trasg os, sua net a vinha a s eu lado. Tibor pôde ver Rurique e M ig uel atrac ados mais atrá s. Um br eve g olpe de Mig uel quebrou m eta de da esp ada d e madeira que Ruriqu e tinha esculpid o e o menino já se punha a ata car novamen te. Pareciam d ois gladiadores lutando. Sacir eno enc arou a avó dos meninos e sua fa ce estava m ais ame aç ad ora que nunca. –Ê h êh! – come çou o saci. – Resolve u acordá e brinc á um pou quinh o, foi? –J á cheg a de brinc adeiras! – disse ela ner vosa. Tibor nunca vira a vó daquele jeito e perceb eu, d a va
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até medo! Um pinguinho de esper ança b rotou no peit o do menino quan do ouviu a avó dizer. – Vou fazê-lo pag ar pelo m al que f ez a to da a fa mília Lobato!
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U m f or te vapor p areceu vir de todos os can tos d a clar eir a quand o Gaí lde fechou seus olh os. A pedra em seu peito com eçou a brilhar com uma tonalidade verd e e Tibor pôde perc e ber que Sa cireno finalmen te es tava assustado. Os trasg os com eçar am a olh ar ao red or para sab er de onde aqu ele baf o quente es tava sai ndo, foi quando a cobr a de fog o verde se mat erializo u no meio da clar eir a. Seus doz e m etros de co mprimen to, c onstituídos de cha mas, fez co m que t odos os me ninos fantas mas saíssem cor rendo d e sesperados. M iguel Torquado de r r ubou Rurique com um g olp e do peda ço de ár vore que tinh a nas m ã os, mas quando viu a ser pente gig ante, larg ou o pedaço de pau e cor reu para a m ata para junto dos s eus.
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Tibor sentiu qu e n ão o veria mais, p elo me nos não mais n aquela qu aresma; e ficou aliviado por isso. –Volte m, seus covar des! – disse Sa ciren o. – É só uma maldi ta co bra! É sim! A enor me cobra es tava enrolada em t or no de si mesma e en carava o Saci com as presas brancas à mostra. Seu silvo er a alto e am eaç ador. –É a hora da revanche! – pensou Tibor ainda no chão, co m a boch e cha inchada a o ver Sacireno a sós na clar eir a, frent e a frente co m o Boit at á. –Pensa que pod e co n tra eu? Pe nsa? – diss e Sacire no sem tir ar o c achim bo da bo ca. – Sô o Saci Per e rê! – f alou isso bate ndo as mãos no pei to nu e en carando Gaílde por entre as labaredas da cobra . – Eu m ando nas mat as! M ando sim! Seu pai foi tolo de cair na ar madilha que apr ontei pra ele! Ela queria que eu atraísse voc ê para o Oitavo Vilarej o, para que o Cur upir a pudesse vir lhe salvar! Queria sim! – deu uma trag ada e soltou a f umaça bran ca e fed orenta pelo ar. – E ele veio e elas o peg ara m! Pegaram sim! As duas d e uma vez s ó! Êh êh! E foi-se embor a pr o al ém, se foi sim! Gaílde fechou a c ara. Sem dizer palavra , estende u sua mão direita n a direção de Sa cire no e como s e fosse uma orde m, a co bra d eu o bot e. No mes mo instante, S acireno s e esquivou c om s eu cor po velho e esg uio.
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Boitatá aind a t ento u cravar suas pres as cor d e marfim no Sa ci por mais um as du as ve zes, mas co m o g or r o, o velho parecia ter g anha do mesmo forças sobr enatur ais. Mais uma te nta tiva do Boit atá e dessa vez ele não fug iu, Tibor e os outros tinham, incl usive, pensado que o Boitatá conse guira pegá-lo, mas a verdade é que Sacir eno g irou e m t or no de si, no mes mo lug ar ond e estava e s e transfor mou em u m pequ en o furacão. Tibor não podia cre r naquilo! O minitufão de Sacireno estava e vitando a apr ox imaçã o do Boitatá. A ser p e nte de fog o esver deado t entava relutant e dar o g olpe cer teiro pel as laterais, por cima e por baixo, mas o vendaval que o Saci pr ovocara era t ão for te que o re pel ia em qualquer dir eção que ten tasse. A avó dos menino s parecia es tar faz endo um a força gig antesca pa ra manter o Boit at á na investida. Estava treme ndo, ti nha ag ora as duas mãos esten didas à f r ente e s eus olho s continuavam fech ados. Gotas de suor come çavam a descer d e sua t esta enquan to Sacir eno g arg alhava de den tro do rodam oinho. –É inútil, sua velh ota! – disse el e de bochado – Hoje ocê vai ser presa aqui nesse Vila rejo, vai sim! E num vai mais s aí daqui! Nunca m ais! Vai não! – g arg alhou mais um a ve z – O seu pai não lhe e nsinô
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nada sobr e o M ui raquitã, não é me smo? Esqueci! Bateu as bota a ntes de en siná! Gaílde ten tava se c oncen trar tent ando ignorar as pr ovocações d ele, mas ag ora o vendaval de Sacireno come çava a empur rar e ar rastar a cobr a para trás. –O Boita tá ap arec e com a ajud a do Mui raquitã! – come çou o Sa ci. - A p edra pr ecisa de energia pra pod ê materi alizá a cobra! Os joelhos de G aílde come çavam a ceder. El a abr iu os olhos e sua express ão era de dor. Tibor tentou faz er alg um a cois a, mas ao se aproximar d o rodamoinh o, o vent o que ali girava man dou Tibor p ara long e. Rur ique se j untou à Sá tir, mas os dois tam bém não podia m fazer n a da. - Ele usa a energia da vida do por tador do M uir aquitã! – continuou Sacireno. Tibor tentava se l evantar mais um a vez, mas r ealmen te nada podi a fazer a não ser torcer para que a avó conseguisse sub jug á- lo. –Acha que pode ve ncê e u? Co m essa c obrinha d e fog o? Acha? – perguntou Sa cireno. – E sse seu Boita tá é uma verg onha, é sim! Porque sua força vital es tá f r aca! Porque ocê tá velha dem ais para ve ncê! Não g ostavam de ver a avó naquela situação. Er a como s e el a es tivesse mor rendo n a fre nte dos olhos deles. Gaíld e tre mia demais e par ecia co meçar a perd er o contr ole do espíri to de fog o da f loresta. Tibor podia
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ver as l ág rimas es cor rerem dos olho s da avó e o aper to em seu peito crescia m ais e m ais. Então Saciren o Pere ira aumen tou a inte nsidade d e seu vendaval e Tibo r pôde ver a s er pe n te vacilar. Era como se o fog o estivesse para apag ar, c omo uma vela. O furacão ficou duas vezes maior, soprou e sopr ou até que Boit atá foi se extinguindo e de re pent e se apag ou por co mp leto. O frio dominou a cl areira assim co mo o medo e a escur idão. Sacireno parou d e g irar e deu altas g a rg alhadas. Encarou Gaílde nos olhos e desferiu: –Velho ta! Oc ê já er a ! Era sim! – dizend o isso foi pulando veloz a té ela e lhe mirou uma pesad a no peito. Antes qu e Gaílde pu desse reagir, o pé de Sacireno ating iu seu alvo, a ce r tou bem n o Muiraquitã. Tibor pôde ver a c ena t oda em câm era lent a. O Saci deu um impulso para trás e caiu de pé, enquant o a avó voou para trás, no colo de Ruri que e da ir mã, mas a p edra mágica que car reg ava no pescoç o estava espatif ada em farelo s e ca cos de ja de. Tibor levou as mãos à boca em d esesp ero. A pe dr a era a úni ca f or ma que tinha m para de ter Sacir eno Pereira e seu plano de prender a avó no Oitavo Vilarejo. Se m ela es tavam fritos !
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Sua g arg alhada era f ria e causava ar re pios. Os r elâmpag os no c éu pareciam fazer p ar t e de seu show ali na clareira, pois seus f lashes lumino sos deixavam a silhueta esg uia do Saci c om u ma aparênci a be m medonh a. Tibor pôde vê-lo se aproximar da avó, Rurique s e colocou en tre ele e Gaílde, mas com um só g olpe, o Saci livr ou o caminh o até ela facilm ent e. Foi a vez de S átir i nterferir, e lá se foi o pé ágil de Sacir eno diret o no rosto da menin a, sem dó e ne m piedade. Ele parecia es tar realmen te doido par a fugir de sua pr isão. Cheg ou até a avó do s meninos e disse: –Suas ir mãs me promet er am liberd ade se eu tr ouxesse os seus n etos para cá, eu n u m podia saí da pr isão então pro met i coisas que todo fa ntasma so nha, a vida! Pr om eti sim ! Assim consegui que Miguel s e infiltr asse na vida de ocês, esse er a o plano delas! Mas er a tudo me ntira! E ra sim! Des cobri co mo funciona o Vilar ejo há te mpos atrás! – Ele a pe g ou pelo pé e come çou a ar rastá - la aos pulos até o centro da clar eir a. – Não é p reciso um ser fantá stico para se r apr isionado aqui, n ão é m esmo? É nec essário apen as entr á com u m it em mág ic o, assim co mo elas fizera m comig o e com o me u g or ro e de pois o t irar da pessoa, bloqueando tod as a s suas font es d e p oder! Quand o
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per cebi, mudei o pl ano tod o, mud ei sim! – ele parou e soltou a per na d e Gaílde, parecia que ela não conseg uia mover ne nhum mús culo p ara se pro teg er. – Ê h êh! Acab ei de faz ê isso co m voc ê, tir ei sua font e de poder ! T ir ei su a pe dri nha, tir ei sim! Tibor se colocou d e pé e n ão sabia c omo, ma s pr etendia voar diret o no pesc oço do Sac i. –Sem meu g or ro eu não sô nada, sab e disso! – continuou Sa cireno – Ocê foi muit o esper t a e m escond ê-lo de mim em minha própria casa, n um foi? Pena que o d estino é trai çoeiro às ve zes ! Olha a ironia pr esent e de novo! S eus próprios net os o enco ntraram pr a mim e bem deb aixo do seu nariz! – e completou seu relato com mais g arg alhada. Tibor tentou p er ma necer silen cioso e, quando viu a opor tunida de, cor reu na direç ão de Sa cireno. Bum! –Ê h êh! É inú til, g aroto, desis ta! Tibor abriu os olho s e estava novame nt e no chã o, nem vir a o g olpe qu e o atingira. Sacir eno se vol tou p ara Gaílde e con tinuou: –Não preciso daqu e les espíritos covardes! Sei fazê o r itual da troca so zinho. Foi mais uma piadinha se m g r aça que seu pai d eixou pra que eu p ossa dar risada quando sair daqui! – E come çou a mu r murar cer tos encan tam entos ao re dor de Gaílde.
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A chuva come çava a cair sobre o Oitavo Vilarejo, o céu fechado p elas nuvens pretas não dava mais o ar da esper an ça e Tib or sabia que tudo estava perdido. Do chão pôd e ver Rurique e a ir mã nas mesm as condiçõ es que ele; esta telados no ch ão sem forç as para reag ir, não s abi a nem s e estavam a c ordados. O Saci circundava aos pulos o cor po da av ó iner te. Dizia palavr as se m n exo e es ta lava os d edos, par ecia estar em u ma esp écie de tra nse. O bisavô constr uíra ali não s ó uma prisão, mas uma for tal eza, pois ser ia impossível alg uém a travessa r aquela fenda que circundava to da a prisão e se ria improvável tamb ém que algué m descobrisse com o atravessar a única por t a de entra da, a Du Avessu. A avó com eçava a t remer e sac udir o c or po tod o no chão e o sor riso que aparece u nos lábios de Sacir eno comprovava que o ritu al d e troc a es tava dando c er to. Trag ou mais um a ve z o seu c achimb o fedor ento e sopro u a fumaç a no ro sto de Gaílde, como se quisesse hu milhá- la. Tibor, porém, come çou a perceb er alg o acontecer. Sentiu uma presença poderosa se aproxi mar, m as n ão fisicamente, era co mo se aproximass e de su a m ent e. Não era c omo da pr imeira vez. Era pod erosa, mas nã o malig na. Pensou es tar ficando lou co por cont a dos f er imentos e u ma vo z disse co mo que e m resposta: –Não! Não está!
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Ele abriu os olhos e perceb eu que a voz falara apenas em sua cab eç a. –Q uem é? - pensou ele reconh ece ndo a voz como sendo a do seu s onho. Os ping os finos da chuva salpicavam seu rost o. –Acha qu e o test e q ue lhe apliq uei foi em vão ? –Voc ê se r ef er e ao me u sonho? –E xato! – disse a vo z em su a ca beç a - Escolhi você! Tibor se lembrou do que a avó dissera sobre o sonho, er a um tes te de a ptidão para um dia adquirir o muir aquitã. –Ela se enganou em s ua inte r pr eta ção! – disse a voz. – E sse é o MEU test e! –Q uem é você? – insistiu Tibor. A r espost a veio co mo um bald e de ág ua quent e lhe tr az endo espera nça renovad a. –Eu sou equilíb rio par a e por pa ss ar no um legítimo se r de um a coisa...
o Boitatá, o espírito de fogo que t raz o as mat as! Sou amig o de Cur u pira, se u bisa vô; m eu te ste, eu o r eco nhe ço, Tibor Lobat o, como d e cor a ção p ur o. M as aind a te rá d e s e lem bra r
E o menin o sabia a que ele estava se referindo: –Contr ole s ua fúri a e se u me do! – l embro u-se ele – Teria qu e cont r olar o se u me do e T ibo r m or ria d e m edo d e fogo! – Tudo fazia se ntido. –Exatamen te! – disse - lhe a voz.
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Tibor respirou fundo, pare cia qu e a té o ar que entr ava em seus pu lmões ag ora era diferente, sentiu que poderia fazê- lo, sentiu que e ra cap az, se conce ntr ou e penso u: –Ok! Estou pr onto! Tibor começ ou a se ntir energia renova da em seu cor po, p ar ecia estar recar reg ando suas b aterias. –O q ue e stá acont ece nd o comig o? – quis saber ele. –E ste é o meu pr e se nte! Estou lhe con ce den do uma chan ce de eq uilibra r o jog o! Se quis er, pos s o deixa r q ue me comand e em pr ol da vit ória! –Clar o qu e q uer o! Pr eciso salvar mi nh a a v ó antes qu e sej a ta rde! –E ntão se coloqu e d e pé e me co nvoq ue! – d isse a vo z g r ave em tom de co mando. Tibor se levantou de pressa e pare cia não haver mais dificuldade nis so! Sacir eno o obs er vou curioso. –O que tá f azend o, menino- best a? – disse ele – Êh êh! É m elhor ficá no chão para n ão a pan h á mais, é sim! O me nino este ndeu o braço na direçã o do Saci, o tempo par e ceu s e cong elar nesse inst ante. S entiu a f or ça descomun al q ue estava em s eu po der e g ritou: - BOITATÁ ÁÁ ÁÁ Á! L abar edas verd es s urgiram de todos o s lados da clareira e se u nira m às cos tas de Ti b or, rodopiaram tr ançan do- se entre si até for marem o cor po de um a
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cobr a de u ns trint a metros de al tura . Os olhos da cobr a pousara m em Sacireno como s e ele fosse um r ato suculen to que devia ser devorado. Sátir e Rurique se sentara m onde estavam e ficaram vislumbrado s com a visão. –M eu ir mão... – sussur rou Sátir pasma. Sacir eno com eçou seu giro fren ético se tr ansfor mando novament e em rod amoinh o, ma s Boitatá o deu u m p etele co c om a pont a do rabo e o Saci voou direto par a o chão. Colocou-se de p é, a poiado em su a únic a per na e encar ou o B oitat á por um t emp o, avaliando suas possibilidades! –Ocê pen sa qu e aca bô , né me nino-b esta! Pe nsa sim! – disse par a Tibor. – Num a cabô não! H u m hum! – disse ele f az endo que não com a cab eça. Tibor olhou para B oitatá e a vo z em s ua cab eç a disse: –É com você T ibor! –Não posso fa z er is so! Sei o que vai acontec er! – pensou ele. –A flor esta toda vai arde r em chama s! Vi isso aconte cer no me u so nho ! – lembrou-se de se u pesadelo. –Que bom q ue pe ns a assim! Mas vou lhe e nsin ar um a coisa! Acha me smo q ue o espírito da flor e sta iria deixá-l a queim ar? –Como assim?
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–Se co nce ntr e n aq uilo que q ue r e t udo pegar á fogo, mas soment e o q ue pr ecis a s er d est r uído assim o se rá! Sacir eno, t alvez, pe rcebeu o plano nos olhos de Tibor e pôs- se a cor rer da mesma for ma que os tr asg os cor reram. Tibor pensou: q ue covarde! – pôd e vê- lo se distanciand o por entre as ár vores, viu também que Sátir e Rurique conseguiram cheg ar até Gaíld e que ag or a estava ac orda da olhando para el e. Uma aleg ria tomou conta do m enino, fechou os olhos, imaginou Sac ireno Pereira e os a briu novament e or denando: –QUEIM E-O! E a cobra se expl odiu em cha mas verdes qu e seg uiram queimand o, em um trajeto circ ular, por toda a ex t ensão do Oi tavo Vilar ejo. U m estouro tã o bar ulhen to que Tib or pensou terem es c utado de tod os os vilarejos. Se não escutara m, ao m enos viram o clar ão esverd eado q ue se est end eu por quilômetros ao r edor. Tibor pôde ver a mesma imag em d e seu sonh o, uma clar eira envolta em fog o por todos os lados, mas dessa ve z não tinha mais medo! E desm aiou.
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Tibor abriu seus olh os e quas e ficou c eg o quando a luz do sol invadiu suas pupilas. Acos t umou- se com a luz e n otou q ue est ava em s eu quar to. Estava d e volta ao sítio. Como cheg ara at é ali? A últim a coisa d e que se lembr ava era m o s ping os de chuva caindo e m seu r osto em u ma f lores ta inc endiada. Seu cor p o p arecia leve, era co mo se tivess e nascido de novo! –Ei, vó! – era a voz da ir mã – Cor ra! Ele est á acor dando! E r econh ec eu as trê s cabe ças que apare ceram e m seu cam po de visão. Eram Rurique, Sátir e Gaílde. –Vocês estão b em ? – perguntou ele como se usasse sua bo ca p ela primeira vez. Os tr ês se entre olha ram.
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–Se nós est amos b em? – disse Ruriq ue. – N os dig a você! Est á ap ag ado nessa ca ma por três dias! –Tr ês dias? – re p eti u. –É! Hoje é dia 3 de abril! Sabe o que iss o significa? – perguntou Sátir. –Não! –Que a qu aresma j á acabou! – diss e a m enina. Tibor abriu um so r riso aliviado, ag ora ent endia bem porque t odos d iziam que a quaresm a possibilitava a apar içã o de s eres fantás ticos. –Não foi de todo r uim! – disse ele – Mas acho que todos nós pre ci samos de um as férias da quaresma, não acha m? E con cordaram com a cab eça. Ajudaram Tibor a se sentar n a ca ma. –O que é aquilo? – quis saber Tibor a o ver um pacot e co m livros e cader nos ao lado d a cama. –Nosso mat erial es colar! – disse Sátir – Nossas aulas com Dona Eul ália com eça m na s e mana qu e vêm! –Hum! – o g aroto não pôde deixar de fazer uma car et a. Olhou para os três. –Vó! – cha mou ele – O qu e acon t eceu co m Sacir eno Pereira? Ela mudou sua ex pressão e ficou s éria. –Rec eio que ten ha conseguido escap a r! – disse ela. – Assim como M ig uel e os trasg os!
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–Então eles po dem voltar? Ela ape nas ass entiu. Ele parou e pensou um pouco. –Nossa brig a no vi larejo foi de c er ta for ma em vão, não foi? –Não, Tibor! – disse ela – Não a credito que tenh a sido em vão! –M as se Saciren o es capou, en tão... –Boitat á é um s er que traz o equilíbrio! Ele só destr uiu aquilo qu e precisava ser des tr uído. O Oitavo Vilar ejo foi ú til p or long os anos, a t é des cobrirem como ele funcio nava, de pois disso, p as sou a ser u ma amea ça! –O Oitavo Vilarejo foi destr uído? –Comple tam ente! – disse a avó. Tibor lembrou- se que Boitat á lhe dissera que poder ia control á-lo para “equilibrar” o jog o em prol da vitór ia; e foi o q ue acon te ceu! –M as e a f loresta? – quis saber Tibor – Boitat á me disse qu e não a queimaria! –E não a queimou ! Após a chuva, o fog o se apag ou e as poucas f olhas da f loresta continuaram ali sem ne m mes mo um centí metro ch amus cadas! –E quant o à Cu ca? –O que t em ela? –Onde es tá? Ela é o pivô dessa confu são toda e nem deu as c aras! – disse o menino.
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–Deve es tar e m algum can to es condida, mor rendo de medo de um me nino que tem o co ntrole de uma cobr a de fog o de tri nta m etros de comp rimento! Tibor deu risada. –E quem é a ou tra i r mã? –Ela é conh ecida c omo P isadeira! Não pense que ela é menos perig osa que a Cuc a! É que a Cu ca é exibicionista e te m uma f ama que a pre cede, mas não faz nada s em o cons entime nto d a ir mã! Tibor olhou pela janela lembra ndo-se da velha far ejador a que os perseguiu log o nos primeiros dias que estava m no síti o. Pelo tamanho d a s peg adas que encon tr ar am dia seg uinte, pôde imagina r o porquê do codinom e Pisadeira. –Vó! –Hum? –Como o Cur u pira foi mor to? Gaílde respirou f undo por se trat ar de u m assunto delic ado, mas achou que o g aroto deveria saber. –Saciereno m e levo u até a prisão da C uca, o que f ez co m que meu pa i o seg uisse. Os doi s eram amig os e nunca iria imag inar uma traição vin da do Saci. Lá cheg ando, o Cur u pira foi envenenado pelas duas br uxas. Ten tou vol tar para a ma ta e m busc a d e um antídoto. Alé m de tudo seu bisavô t a mbém era u m curandeiro, e dos b ons! M as elas cuidaram para que
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não houvesse antíd oto por per t o e el e com eçou a ter alucinaçõ es por co nta do vene no. Aca bou nas g ar ras de caça dores de onça que vendia m sua pele no mer cado neg ro. Esses eram c aç ador es a quem o Cur upira tinh a a cab ado de dar u ma liç ã o, faz endo com que eles s e perdes sem pel a ma ta. As alucinaç ões o deix ar am t ão d esorientado que n em s oube de ond e vier am os tiros de e sping arda que o a tin giram. Tibor ficou imaginando a cena e seu ódio pelas tias- avós cresc eu ainda m ais, mas perc e beu que es tava f r aco e pela experi ência que t eve naq uela quaresma enten deu qu e ainda tinha mui to o que fazer para est ar pr onto par a enc arar as duas. –Como saím os do vi larejo? –Ah! En contra mos Raul do lado de for a, ao lado da Du Avessu, ten ta ndo atravessar. El e fez o favor de nos dar u ma caron a e eu tive de pro meter que daria um castig o severo a vocês! Todos riram no qua r to. –Acha que estar emo s em segurança até a próxima quar esma? – quis s a ber Tibor. A avó pensou e respondeu co m um sor riso car inhoso nos l ábio s: –Acho que si m! Mais tarde Tibor d esceu as esc adas co m a ajud a do amig o Rurique e f ez um tou r pelo síti o.
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Segundo a avó, aq uele dia era um di a espe cial! Não só por con ta de a quaresma t er acab ado ou porque os eventos que se iniciaram tinham praticam ent e sido concluídos ou porq ue es tavam todos bem, m as sim porque er a sába do d e aleluia. Tibor não sabia exatamente o que isso significava, mas des ceu a té a frente da casa e fe z qu estão d e despir os sapa tos. Precisava sen tir a g rama do sítio en tre os dedos. Olhou ao r edor e viu o celeir o parcialme nte destr uído. Aleg rou-se ao ver a manguei ra car reg ada de mang as; o po ço, o g alinheiro, ap esar de tudo o que acont ec er a ali, tudo estava be m. Tibor e Rurique se r euniram a todos os outros no quintal. Ali estava m Sátir e G aílde, e Eulália e Avelino. Rurique lh e cont ou que foi até o sítio d a família Bronze, ma s parecia que Mál abu ainda não tinha voltado d e viag em e não havia nem sinal de cor uja por lá. –De press a, menino! – disse Gaílde par a Rurique Sabe o que fa zer, n ã o sabe? –Sei! – disse ele indo para a cozinh a e voltando para o quint al tra ze ndo uma b acia g ran de de met al nas mãos. O menino c olocou- a no chão e par eci a escolher um lug ar cor reto pa ra deixá-la. –Não s e esqu eç a de que alguns cen tímet ros faze m toda a difere nça! – disse a mã e do m eni no.
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–Eu sei mã e! – disse ele. Sátir trazia um bald e com água e o des pejou até a boca da ba cia prat e ada. Rurique olhava do céu para a bacia e f azia as úl timas cor reções qu anto ao lug ar cor r eto que a bacia deveria ficar. Tibor tamb ém olho u para o c éu e el e parecia tão nor mal quan to tan tos ou tros dias en solarados qu e tiver am; não e nten dia o que es tavam fa z endo. –P r onto? – quis sab er Sátir. –P r onto! Está perfeito! – respondeu a avó – Ag or a é só esp erar a conte cer! Todos s e c olocara m de pé ao redor d a bacia, qu e à primeira vista parecia apen as uma bacia de me tal com água. –A qualquer m omen to! – disse a avó. Tibor só via o ref lexo do sol na água da bacia, foi assim por dois dem orados minutos. Ol hou para tod os par a ter cer tez a de que não estavam ve ndo nada mais do que ele. Fito u a ir mã qu e de u de o mbros simbolizando que tamb ém n ão es tava en tend endo nada. O fundo da bacia brilhava enquanto a água se aquietava ali d entro. –O que se supõe q ue devemos ver? – perguntou Tibor. –Shhh! – fizeram Rurique, Gaílde, Avelino e Eulália juntos.
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–Você verá! – disse a avó. Tibor soltou u ma r isadinha, pois acho u estar em pr eg ando uma peç a nele, mas d e pois de uns segundos sem manif es taç ão d e nenhum d eles, pe rcebeu que n ão estavam. O m enino come çava a ficar im pacien te com a bacia qu e não tinha nada de mais, quand o... –Olhem! – disse Rur ique. Um círculo tão bri lhoso quanto o qu e seria o ref lexo do sol apar eceu na baci a. Era m dois círculos g êmeos qu e ali estavam. Tibor e S átir olharam p ara o céu e só viram um sol a brilhar, no e n tanto o ref lexo mostr ava dois sóis. O que era aqu ele o u tro círculo eles não sabiam. Foi ent ão que o círculo novo começ ou a cir cular o ref lexo verdadeiro do sol. S e aproximando devag ar passou a o cupar aos pouc os o mesmo lug ar, como s e os d ois s óis se fundissem d entro da ba cia, de pois esse m esm o círculo brilhoso seguiu até a ex tr emidad e da b aci a e sumiu. Tibor e Sá tir não s a biam o qu e ti nham a cabado de presenciar, mas certamente acharam muito interessant e. Não sabiam de ond e vinha aquele outr o círculo que apar ec er a, ele ap ena s surgiu, passou pel o sol ref letido e se f oi. Acab ou! – disse G aílde – E aí? G ostara m? –Acho que si m! – re spondeu Tibor c onfuso.
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–Imag inei que t eria m ess a rea ção – disse G aílde se r ef er indo ao ros to dos ir mãos qu e pareciam es tar per didos e se m g raça. –Adorei pres enciar esse fenôm eno c om todos vocês, aqui, reunidos! – começ ou ela se dirigindo a todos. – Esse é um evento úni co que ac ontec e ap enas uma vez por ano e é sempre no sába do de aleluia! M uitos costum es se perderam co m o t empo e esse é um costum e que me u pai me ensinou a não esque cer! – disse ela com lág rimas nos olhos. – Ninguém sab e dizer o que é ess e círculo mist erioso que apare ce juntame nte com o s ol, dentro da baci a, por esse breve instant e! Mas meu p ai me revelou o seg redo! Todos ficaram ate nt os. –O dia de al eluia é uma tradiç ão de fa mília! É um f enômeno s em um a lógica. Meu pai acreditava qu e aquele ou tro círculo era a M ãe D’our o, uma esp écie de espír ito pr ot etor de todos os seres! – e xplicou Gaíld e – M eu pai dizia que vê- la é como rece b er sua b ençã o! Tr az boa sor te e reforça os laços afe tivos entre as pessoas qu e a vir am junt as! Pena que na minha inf ância d eixávamo s esca par m omen t os com o esse, talvez as coisas f ossem diferentes h oje ! – Seus olhos ficaram distan tes po r um moment o – Sou g rata por têlos aqui em meu sítio e qu e ess a união que par tilhamos j amais s eja desf eit a!
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Tibor e Sátir abraç aram a avó que du rante se u discur so falava para todos, mas olhava diretam ent e par a os dois. –Jamais será d esf e ita, vó! – prome t eu Tibor enquant o ela acarici ava seus cab elos e o s de sua ir mã. –Bom, a mes a do almoç o es tá post a! – diss e Gaílde e nx ug ando a s lág rimas e mudand o de assu nto – f iz zilhões de coisas g ostosas! E Tibor não duvidava disso. Todos entrara m cor rendo e o g aroto ficou para tr ás de propósi to. Respirou fundo e deu uma boa olhada no sítio. Quis acreditar no que a avó dissera em seu q uar to! Que pelo me nos até a próxima quar esma, tud o est a ria em pa z!
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Esta obr a foi comp osta e m Gara mond em outubro de 2011 para a Editora Patuรก.